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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
O GÊNERO NARRATIVA DE AVENTURA NO PROCESSO DE LETRAMENTO
Autora: Jeane dos Santos Morais Castelucci 1
Orientadora: Vera Maria Ramos Pinto2
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar relato da implementação pedagógica, realizada no Colégio Estadual “Durval Ramos Filho”, Ensino Fundamental e Médio, na cidade de Andirá-Pr, com uma turma de alunos de 6º ano do Ensino Fundamental, com base no projeto elaborado para o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – 2013 - do Estado do Paraná. Para a implementação do projeto, elaborou-se um material didático por meio de uma Sequência Didática, que teve embasamento teórico nos estudos desenvolvidos por representantes do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart (1999) como também nos estudos dos precursores da transposição didática sobre os gêneros textuais em sala de aula Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Para a produção do material didático, utilizou-se o gênero narrativa de aventura como alternativa metodológica que pudesse desenvolver a capacidade de linguagem nos alunos em relação à produção e à leitura desse gênero.
Palavras-chave: Gênero Textual; Leitura; Escrita; Narrativas de aventura 1-Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Curso de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Letras, Comunicação e Artes, da Universidade Estadual do Norte do Paraná- UENP/ campus Jacarezinho. Doutoranda e mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected].
1- INTRODUÇÃO
O presente estudo surgiu da necessidade de levar à sala de aula, na
disciplina de Língua Portuguesa, o trabalho com a produção textual e a leitura, tendo
em vista que este é o ponto em que os professores encontram as maiores
dificuldades para trabalhar com seus alunos. Isso porque a tradição escolar sempre
privilegiou o ensino da gramática da frase, pelo viés metalinguístico e normativo, segundo Travaglia (2007).
Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – BRASIL,
1998), os objetivos do ensino da língua portuguesa passaram a ser:
levar o aluno a utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso. (BRASIL, 1998, p. 32)
Seguindo uma mesma linha de cunho interacionista, as Diretrizes Curriculares
Estaduais (DCE) de Língua Portuguesa do Paraná propõem que “o exercício da
escrita deve levar em conta a relação entre o uso e o aprendizado da língua, sob a
premissa de que o texto é um elo de interação social e os gêneros discursivos são
construções coletivas” (PARANÁ, 2008, p. 68).
Nessa perspectiva, os documentos oficiais que regem o ensino da língua
buscam dar ao ensino um caráter social, uma vez que privilegiam as práticas de linguagem como ponto de partida de qualquer trabalho com a língua em sala de
aula. Como não existe prática de linguagem que não se configure em algum gênero
de texto e como este só se realiza por meio de textos, esses documentos propõem
que o texto seja a unidade de trabalho do professor de língua portuguesa e os
gêneros textuais, os objetos/instrumentos de ensino.
Diante disso, pela nossa experiência como professora, percebemos a dificuldade que os alunos têm na produção textual. Muitas dessas dificuldades se
devem ao método tradicional que sempre imperou na sala de aula: a prática de
“redações” – textos sem gênero, sem autor, sem um interlocutor que não seja o
professor (interlocutor que assuma realmente o papel de leitor do texto do aluno e
não mero corretor gramatical), sem um objetivo que não seja o puramente didático,
ou seja, sem um contexto que tente tirar a artificialidade da escrita feita para a
escola (GERALDI, 2003). Antunes (2003, apud PARANÁ, 2008, p. 56) salienta a importância de o
professor desenvolver práticas de escrita na escola, tendo em vista que “a escrita,
na diversidade de seus usos, cumpre funções comunicativas socialmente
específicas e relevantes”. Isso não significa que a gramática da língua não deva ser
trabalhada.
Assim, na perspectiva que pretendemos trabalhar, a metalinguagem e a normatização da língua são consequências de um trabalho epilinguístico (GERALDI,
2003), de reflexão sobre a linguagem e sempre tendo como ponto de partida e ponto
de chegada a produção textual e, como objeto condutor do ensino, o gênero textual,
no nosso caso, as narrativas de aventura.
Desse modo, para que o aluno desenvolva capacidades de linguagem em
relação aos diversos gêneros textuais que circulam no nosso cotidiano, é preciso que a escola trabalhe com gêneros das mais diversas esferas sociais (BAKHTIN,
1997) – jornalística, artística, judiciária, científica, cotidiana, literária, publicitária, etc.
Sobre o uso dos gêneros como ferramenta de aprendizagem, Costa (2002, p.
72) afirma que:
[...] apropriar-se, portanto, dos gêneros, sistematicamente, mediados por estratégias de ensino intervencionistas formalizadas, é reconstruir a linguagem em novas situações concretas de comunicação, mais complexas, que, certamente levarão os alunos a uma autonomia progressiva nessas atividades comunicativas complexas.
O trabalho com gêneros, nessa perspectiva, visa tanto ao domínio da
produção textual (oral ou escrita), como à leitura/escuta. Segundo os PCN
(PARANÁ, 1998), a leitura é um ato dialógico, interlocutivo, no qual o leitor tem um
papel ativo e, para se efetivar, como coprodutor, procura pistas formais, formula e
reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões, usa estratégias baseadas no seu
conhecimento linguístico, nas suas experiências e na sua vivência sociocultural.
Pretendemos, assim, com este projeto, levar os alunos a se apropriarem do
gênero “narrativa de aventura”, fazendo com que eles desenvolvam capacidades de
linguagem tanto para a escrita como para a leitura de tal gênero.
A opção em desenvolver uma Sequência Didática, doravante SD, com o
gênero “narrativa de aventura”, com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, é
em razão do “atrativo” que esse gênero representa para esse público. Crianças dessa faixa etária estão em fase de transformação sociocognitiva e comportamental,
e, por conta disso, são “curiosas”, encantam-se com mistérios, aventuras, histórias
intrigantes. Essa é uma fase na qual a criatividade deve ser bastante trabalhada.
A hipótese que estamos levantando é a de que os alunos vão se envolver na
leitura e na produção das narrativas de aventura, pela peculiaridade do gênero.
Sendo assim, ele pode se transformar em um proficiente objeto/instrumento para o
ensino da língua.
2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Sabemos que a existência dos gêneros textuais não é novidade, nem mesmo
o seu estudo. Segundo Marcuschi (2008, p. 147):
O estudo dos gêneros não é novo e, no Ocidente, já tem pelo menos vinte e cinco séculos, se considerarmos que sua observação sistemática iniciou-se em Platão. O que hoje se tem é uma nova visão do mesmo tema. Seria gritante ingenuidade histórica imaginar que foi nos últimos decênios do século XX que se descobriu e iniciou o estudo dos gêneros textuais.
Como vemos, falar em gênero não é uma novidade, mas como o enfoque
dado hoje não é o mesmo da tradição ocidental, ou seja, uma noção ligada
especificamente aos gêneros literários, já que, atualmente, os estudos ligados ao
gênero discursivo/textual ultrapassam a área da Literatura e passam, cada vez mais,
a receber um tratamento indisciplinar, por isso, precisamos nos deter em seu conceito no âmbito dos estudos da linguagem.
Assim, quando falamos em gêneros textuais, não há como não nos
reportarmos ao estudioso soviético Bakhtin e ao seu texto célebre “Os gêneros do discurso” (1997), inserido, no Brasil, na obra Estética da Criação Verbal.
Independentemente da linha teórica que trata sobre os gêneros, Bakhtin é, sem
dúvida, uma das figuras centrais. Segundo esse autor, o gênero é a principal ferramenta para a nossa comunicação, seja ela oral ou escrita.
Na definição de Bakhtin (1997), gêneros são enunciados relativamente
estáveis que circulam nas mais variadas esferas sociais (esfera jornalística,
publicitária, escolar, do cotidiano, etc.). Marcuschi (2010, p.22), ao se reportar a Bakhtin, afirma: “é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Em outros termos, partimos da
ideia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”. Ou
seja, o gênero é o instrumento da comunicação interpessoal e, o texto, a
concretização empírica da interação comunicativa.
Na nossa vida em sociedade, deparamo-nos, a todo o instante, com diversos
gêneros textuais. Ao ler um jornal, por exemplo, entramos em contato com o
editorial, cartas do leitor, artigos de opinião, notícias, reportagens, entrevistas, etc.
No trânsito, somos convidados à leitura de anúncios comerciais em outdoors, de
placas de trânsito, de panfletos de lojas e supermercados, etc. No mundo virtual,
lemos e produzimos e-mails, chats, blogs, etc. Ou seja, a comunicação interpessoal é sempre mediada por algum gênero textual.
Segundo Marcuschi (2003), os gêneros textuais são fenômenos históricos que
estão profundamente vinculados à vida cultural e social e contribuem para ordenar e
estabilizar as atividades comunicativas do nosso dia a dia.
Bakhtin (1997, p.303) classifica os gêneros em primários e secundários.
Primários, são aqueles que fazem parte da comunicação do dia a dia, nascem espontaneamente nas interações familiares, por isso não necessitam de um
aprendizado sistematizado, pois são internalizados nas relações cotidianas mais
simples. Como exemplo, temos as conversas espontâneas do âmbito familiar, as
listas de compras.
Já os secundários são os que demandam maior complexidade na sua
elaboração, por isso, normalmente, são apreendidos no âmbito escolar ou nas
relações de trabalho: resenhas, artigos de opinião, romances, discursos políticos,
etc. A divisão entre primário e secundário não está na modalidade da linguagem –
oral ou escrita – mas no nível de complexidade. Na definição de Bakhtin (1997), o autor fala em enunciados relativamente
estáveis. O teor de estabilidade é explicado pela característica tipificada dos
gêneros, ou seja, são enunciados que são recorrentes em situações semelhantes,
que possuem características funcionais, discursivas e linguísticas próprias. Caso
não fosse assim, não teríamos como identificar um gênero.
E o fator “relativamente” está ligado à fluidez dos gêneros, a sua dinamicidade. Os gêneros tanto mudam com o passar do tempo, como variam de
contexto para contexto. Por exemplo, o romance, embora sendo um gênero com
características próprias que o distinguem dos demais gêneros da esfera literária,
sofre coerções da época em que cada escritor o concebeu, assim como do estilo
pessoal do romancista. Isso evidencia como o gênero varia de contexto para
contexto: é só ler romances de Machado de Assis e Guimarães Rosa para ver as
diferenças de estilo e de época.
Da mesma forma, é possível observar as mudanças que sofrem os gêneros
com o passar do tempo, quando verificamos as transformações por que passam os
gêneros da esfera publicitária, jornalística. Os gêneros acompanham as
transformações e modernizações da sociedade, vão adaptando-se, dando origem a novos gêneros: o e-mail, por exemplo, pode ser considerado uma adaptação virtual
de gêneros epistolares, como a carta, o bilhete.
Sobre o caráter dinâmico dos gêneros, Marcuschi (2005) aponta:
[...] eles [os gêneros] não são classificáveis como formas puras nem podem ser catalogados de maneira rígida. Devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades discursivas e no interior da cultura. Eles mudam, fundem-se, misturam-se para manter sua identidade funcional com inovação organizacional. [...] Assim, um aspecto importante na análise do gênero é o fato de ele não ser estático nem puro (MARCUSCHI, 2005, p.19).
Há, entretanto, gêneros mais propícios à mudança/variação e gêneros mais propícios à estabilidade. Os gêneros oficiais, da área jurídica, por exemplo, são
muito estáveis e muito prescritivos (normativos), pouco mudando com o passar do
tempo e pouco variando de contexto para contexto. Já gêneros da literatura, por
exemplo, têm o seu teor de instabilidade mais latente, uma vez que essa esfera
social propicia a criatividade, o estilo pessoal dos escritores.
Rojo (2004) aponta que, para Bakhtin, os gêneros do discurso apresentam
três dimensões essenciais e indissociáveis:
os temas – conteúdos ideologicamente conformados – que se tornam
comunicáveis (dizíveis) através do gênero;
os elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos
textos pertencentes ao gênero (forma composicional);
as configurações específicas das unidades de linguagem, traços da posição
enunciativa do locutor e da forma composicional do gênero (marcas
linguísticas ou estilo).
Os gêneros e os textos a eles pertencentes não podem ser compreendidos,
produzidos ou conhecidos sem referência aos elementos de sua situação de
produção (ROJO, 2004). Ou seja, além do conteúdo temático, estrutura composicional e estilo, não podemos analisar/compreender, produzir um gênero de
texto sem levar em conta os elementos contextuais: emissor, papel discursivo do
emissor, receptor, papel discursivo do receptor, local de produção, momento sócio-histórico de produção, propósito comunicativo, suporte textual (BRONCKART, 2003).
Gêneros e ensino
Oficialmente, os gêneros foram inseridos na escola, na disciplina de Língua
Portuguesa, como ferramenta de ensino-aprendizagem da língua, através dos
Parâmetros Curriculares nacionais – PCN (BRASIL, 1998). A partir dos PCN (BRASIL, 1998), os gêneros foram elevados a
objeto/instrumento do ensino da língua portuguesa e, os textos, à unidade principal
desse ensino. “Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero em função
das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos
os quais geram usos sociais que os determinam” (BRASIL, 1998, p.21).
A proposta dos PCN é que os gêneros passassem a ser tanto o objeto de
ensino da língua, ou seja, a finalidade do ensino deveria ser a apropriação desses
objetos maiores da comunicação, como o instrumento pelo qual os outros conteúdos
da língua pudessem ser apreendidos (BARROS, 2012).
Da mesma forma, as Diretrizes Curriculares para Língua Portuguesa (DCE,
PARANÁ, 2008, p. 68) propõem um ensino pautado nos gêneros textuais. Desta forma, a relação entre o uso e o aprendizado da língua, sob a premissa de que o
texto é um elo de interação social e os gêneros discursivos são construções
coletivas, é o que deveria direcionar o ensino da língua. Neste contexto, Antunes (apud PARANÁ, 2008, p. 69) aponta que as
propostas de produção textual precisam “corresponder àquilo que, na verdade, se
escreve fora da escola – e, assim, sejam textos de gêneros que têm uma função
social determinada, conforme as práticas vigentes na sociedade”. Ou seja, a
produção textual fundamentada em gêneros de texto é muito diferente da prática
tradicional das “redações escolares”.
Na produção de gêneros, escreve-se a partir de um contexto de produção
bastante específico, uma vez que o ponto de referência são as práticas de
linguagem existentes na sociedade. O aluno, para escrever um texto de um gênero,
deve assumir um papel social específico, representar a situacionalidade: para quem
vai escrever o propósito da sua comunicação, onde o texto será publicado, em que
momento sócio-histórico escreve (e as coerções que esse momento impõe) etc. Já nas redações, apenas se escreve para cumprir uma obrigação didática: é uma
escrita cuja finalidade é a avaliação gramatical/ortográfica do professor.
Diferentemente de se escrever redações, a produção textual fundamentada em
gênero pode dar significação ao ato de escrita do aluno.
Além da produção textual, a leitura dos gêneros tem uma importância
significativa, porém é preciso ter conhecimento do gênero para conseguir uma boa leitura. O professor pode utilizar atividades de leitura dos gêneros para explorar
conteúdos específicos presentes em cada texto. Segundo Lopes-Rossi (2006), a
leitura contribui com a escrita, onde o professor associar as atividades de leitura com
as produções de gêneros textuais.
Ao trabalhar com gêneros textuais, o professor deve desenvolver atividades
didáticas que envolvem as diversas práticas de linguagem existentes na sociedade,
propiciando, dessa forma, o desenvolvimento cognitivo do aluno para ele possa
atuar efetivamente na sociedade.
Interacionismo sociodiscursivo
O Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) é uma corrente da ciência humana
que, em linhas gerais, apresenta-se como um quadro teórico que define o
comportamento humano como “ações situadas, cujas propriedades estruturais e
funcionais são, antes de mais nada um produto da socialização”. (BRONCKART,
2003, p. 13). E ainda: “a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo humano das propriedades da atividade social mediada pela linguagem (p. 42)”.
Para o ISD, o desenvolvimento do ser humano se dá através da linguagem e
se concretiza nas práticas sociais através de atividades de linguagem que se
moldam, configuram-se em gêneros textuais.
Sendo assim, as mediações da linguagem estão diretamente ligadas às
diferentes formas comunicativas que existem na sociedade, ou seja, aos gêneros
textuais. Para Bronckart (2006, p.8),
[...] as práticas de linguagem situadas (quer dizer, os textos-discursos) são os instrumentos maiores do desenvolvimento humano, não somente sob o ângulo dos conhecimentos e dos saberes, mas, sobretudo, sob o das capacidades de agir e da identidade das pessoas. Então, pela linguagem o ser humano, além de adquirir conhecimentos e saberes, constrói sua própria identidade. Sendo assim, na escola, o ensino da língua deve estar focado no desenvolvimento das capacidades de linguagem do aluno. Somente assim o ensino da língua materna pode ter significado para o aluno.
Desse modo, todo conhecimento, antes de chegar ao aluno, deve passar por
uma série de transformações e adaptações. Esse processo é comumente chamado de transposição didática (BARROS, 2012). Ele comporta três níveis de
transformação: 1) o conhecimento científico passa a conhecimento a ensinar
(conhecimento disciplinar); 2) o conhecimento a ensinar passa a conhecimento
efetivamente ensinado; 3) o conhecimento ensinado passa a conhecimento
efetivamente apreendido aprendido (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006, p. 552).
Para consolidar o processo de transposição didática de um gênero, o ISD
trabalha com duas ferramentas que compõe o que se denomina de engenharia
didática do ISD: o modelo didático e a sequência didática (SD).
Barros (2012, p. 71) apresenta um esquema que resume essa engenharia da
transposição didática dos gêneros para o contexto de ensino da língua, a partir do
instrumental de pesquisa do ISD:
Figura 1: A engenharia da Transposição Didática na perspectiva da ISD
Barros (2012, p. 71)
Para que o professor tenha conhecimento científico do gênero, é preciso que ele invista no estudo desse gênero, que ele faça uma descrição, a priori, teórica
desse gênero, e, posteriormente, faça uma adaptação desses saberes para o
contexto de intervenção da sua ação didática. A esse processo, o ISD dá o nome de modelo didático do gênero, ou seja, é a modelização do objeto de ensino, no nosso
caso, do gênero que será alvo de ensino sistematizado.
Segundo Machado e Cristovão (2006), modelos didáticos são objetos
descritivos e operacionais que, quando elaborados (pelo pesquisador, pelo
professor, pelos autores de materiais didáticos), facilitam o processo de ensino-
aprendizagem de um determinado gênero. Ele permite visualizar as características
(funcionais, discursivas, linguísticas e para linguísticas) de um gênero e, sobretudo, facilita a seleção das suas dimensões ensináveis para certo nível de ensino, ou seja,
ele explicita a potencialidade desse gênero para o ensino.
Assim, na perspectiva do ISD, a Sequência Didática é “uma sequência de
módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada
prática de linguagem”, e tem como objetivo buscar “confrontar os alunos com
práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem” (DOLZ; SCHNEUWLY,
2004, p. 51). Esquematicamente, ela é dividida em: 1) apresentação da situação; 2)
primeira produção; 3) módulos; 4) produção final/reescritas.
Desse modo, a SD é uma metodologia de ensino que viabiliza a transposição didática dos gêneros, são práticas modulares que levam o aluno ao aprofundamento
de determinadas práticas de linguagem, seguem uma sequência de atividades que
objetivam a apropriação de um gênero (oral, escrito, leitura, produção, análise linguística). Por isso, devem ser utilizadas pelo professor na sua prática diária.
3. ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
A implementação do projeto ocorreu no 1º semestre do ano de 2014, no
Colégio Estadual “Durval Ramos Filho”, Ensino Fundamental e Médio, na cidade de Andirá/PR, com uma turma de alunos de 6º ano do Ensino Fundamental.
Iniciamos fazendo contato com a direção da escola para apresentar a
proposta de trabalho e obter a autorização e o apoio para aplicação do mesmo. Em
seguida, na semana Pedagógica, o projeto foi apresentado de forma detalhada para
a equipe pedagógica da escola, professores e funcionários. No início do ano letivo, nas primeiras aulas de Língua Portuguesa,
apresentamos o projeto aos alunos e assim que os alunos ficaram cientes da
participação deles no projeto, as atividades foram iniciadas.
Iniciamos as atividades com uma sondagem, questionando os alunos se eles
conheciam narrativas de aventura, a fim de observarmos o nível de conhecimento
dos alunos sobre esse gênero. A maioria respondeu que já tinham ouvido falar do
termo aventura, mas não sabiam que a narrativa de aventura era chamada de
gênero textual.
Um dos objetivos de trabalhar com esse gênero é o de desenvolver
capacidades de linguagem nos alunos em relação à produção e leitura do gênero
“narrativa de aventura”. Assim, discutimos sobre o que é uma narrativa de aventura.
Nessa discussão, eles começaram a entender o que é gênero textual, principalmente, o gênero narrativa de aventura. O trabalho prosseguiu com a
definição do conceito do termo aventura. Solicitamos aos alunos que falassem a
respeito de seus pensamentos sobre o projeto e a ideia que tinham formada sobre
leitura.
Perguntamos, também, se já tinham lido alguma narrativa de aventura. Todos
os alunos queriam falar. Foi colocada uma regra para que todos pudessem falar: um
de cada vez. Com isso, foi possível a participação de todos. A partir desta atividade de discussão, os alunos puderam conhecer um pouco
melhor as características do gênero narrativa de aventura. Foi passado, no quadro
de giz, um esquema contendo as características da narrativa de aventura. Em seguida, foi entregue uma cópia da narrativa de aventura, A coisa, de Ruth Rocha,
para cada aluno a fim de trabalhamos com a contextualização do texto.
Em sequência, deu-se a primeira produção escrita. Sugerimos que os alunos
iniciassem a leitura de uma narrativa de aventura e depois dessem continuidade,
desenvolvendo a narrativa e concluindo-a.
Para que os alunos tivessem um embasamento para essa atividade, foi
entregue a eles uma cópia do texto “A criatura”, de Laura Bergallo, para que
fizessem a leitura atentamente e em seguida produzissem um texto a partir da proposta inicial.
Nesse momento, enfatizamos a importância do título, pois é bastante comum
os alunos esquecerem-se de colocá-lo, pois muitos acham que não é preciso pô-lo.
Na primeira produção, surgiram as dificuldades: pontuação, discurso direto,
coesão, ortografia e outros. Essas dificuldades foram trabalhadas nos módulos da
SD, com as atividades de análise linguística. A segunda proposta foi a produção de uma narrativa de aventura, porém em dupla. Assistiram ao filme As crônicas de Nárnia: a viagem do peregrino da alvorada.
Pedimos aos alunos que fizessem a reprodução da história por meio de história em
quadrinhos (HQ). Essa atividade teve como objetivo explorar a capacidade de
reflexão dos alunos sobre a narrativa que ouviram e a criatividade na produção do
texto não verbal ou misto (no caso da HQ). Nos módulos seguintes da Sequência Didática (SD), foram trabalhadas as
dificuldades apresentadas na produção inicial, conforme já mencionado
anteriormente: estrutura da narrativa de aventura, paragrafação, pontuação, assim
como a compreensão e a interpretação de outras narrativas de aventura.
A última etapa da SD, a produção final, os alunos, mais proficientes acerca da
estrutura composicional do gênero narrativa de aventura, como também de suas características, assistiram a mais um filme, Jurassic Park – O Mundo Perdido.
Depois da última produção, fizeram a releitura e reescrita de seus próprios
textos e puderam enriquecer a sua reescrita a partir do conhecimento que tiveram.
Conforme Costa – Hübes (2007) afirma, o momento da produção escrita é muito importante, pois é por meio do texto produzido que o aluno representará os
conhecimentos assimilados em relação ao gênero que está sendo trabalhado.
Os alunos tiveram uma narrativa selecionada (a melhor), para fazer parte de
um livro, que reuniu as narrativas de aventura produzidas pela turma no decorrer do
projeto. 4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Em fevereiro de 2014, foi realizado o primeiro contato com os alunos do 6º
ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual “Durval Ramos Filho”,Ensino
Fundamental e Médio, visto que esse era o momento de iniciar a implementação do
projeto: Narrativas de aventura no processo de letramento.
Por meio deste projeto, apresentamos uma proposta de trabalho com o gênero textual narrativa de aventura, considerando que este é um gênero acessível
pelo estilo de linguagem, por sua estrutura e traz, em seu enredo, mistérios,
aventuras, histórias intrigantes que instigam a curiosidade das crianças,
principalmente as da faixa etária entre 10 a 11 anos.
Ao ficarem sabendo do projeto, os estudantes mostraram-se bastante
receptivos e animados em participarem, ainda mais quando foi- lhes dito que, ao final de todas as atividades do projeto, teriam a melhor narrativa escolhida para a
organização de um livro, com a coletânea das narrativas da turma.
Com o início das atividades, os alunos começaram a familiarizar-se com o
gênero narrativa de aventura. Assistiram a vários filmes, fizeram leituras e
interpretações das narrativas assistidas, leram e produziram narrativas. Muitos
alunos, na primeira produção, sentiram bloqueios para escrever uma narrativa.
Alguns alunos precisaram de ajuda, pois eles alegavam que não tinham ideias
para colocar no papel, outros sabiam oralmente contar uma narrativa de aventura,
mas na hora de escrever, não conseguiam. Mas as dificuldades foram, aos poucos,
diminuindo.
Uma das propostas que os alunos mais gostaram de fazer foi a da reescrita
da narrativa com base no filme As crônicas de Nárnia: a viagem do peregrino da
Alvorada. A reescrita dessa narrativa do filme foi feita em forma de HQ, em duplas.
Tivemos ótimas narrativas e desenhos muito bons e criativos.
No desenvolvimento dos módulos, enfrentamos alguns problemas com
atividades de análise linguística, principalmente, com relação à coesão textual, uso
dos verbos no pretérito perfeito e imperfeito e nas atividades de leitura e
compreensão das narrativas. Para fazer a produção final, eles assistiram a mais um filme, Jurassic Park –
O Mundo Perdido. Até essa etapa, observamos que eles já tinham melhorado
bastante em relação à escrita de uma narrativa.
Em junho de 2014, fizemos a seleção das narrativas da turma para
montagem do livro. Os alunos ficaram felizes e empolgados ao saberem que iríamos
montar um livro com os textos e os desenhos que eles fizeram. Foi muito satisfatório esse trabalho! Como na maioria dos trabalhos, atingir
100% do objetivo não é fácil, mas fizemos a nossa parte e tenho certeza de que os
alunos não irão esquecer as narrativas de aventura que escreveram.
Cada um tem uma história escrita ou reescrita, compiladas em um livro, deixado na biblioteca da escola: Aventuras de Criança, coletânea de narrativas de
aventuras produzidas pelos alunos do 6º ano do Colégio Estadual “Durval Ramos Filho”,Ensino fundamental e Médio, por meio do projeto do PDE: O gênero narrativa
de aventura no processo de letramento
Figura 2: Capa do livro Aventuras de Criança
Figura 3 : Produção de narrativas de aventura pelos alunos
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi muito interessante ter trabalhado com o gênero textual narrativa de aventura, pois veio ao encontro da faixa etária em que os alunos estão, que é a de
sonhar e se aventurar.
Com as leituras dos textos que nós fizemos, os alunos foram estimulados a
pensar, sonhar, recontar e pôr no papel o que ouviram, pois um dos objetivos do
projeto é desenvolver capacidades de linguagem nos alunos em relação à produção
e leitura do gênero “narrativa de aventura” e também desenvolver um projeto de
letramento por meio da apropriação do gênero “narrativa de aventura”.
Por meio do desenvolvimento das atividades sugeridas, foi possível observar
que os alunos passaram a gostar mais de leituras, entenderam o que é gênero
textual e melhoraram também na escrita.
A participação no PDE, foi com certeza, gratificante, os objetivos foram alcançados, que era o de despertar nos alunos o gosto pela leitura e ter prazer ao
escrever. Houve sim, muitas dificuldades, momentos de desesperos, mas o PDE
contribuiu muito para o nosso aprendizado como professora em sala de aula e
possibilitou que repassássemos para os nossos colegas professores a nossa
experiência e incentivo a inscrever-se no programa também. 6. REFERÊNCIAS AMOP. Associação dos Municípios do Oeste do Paraná. Sequência Didática: uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa nas séries iniciais. [Terezinha da Conceição Costa – Hübes]. Cascavel: Assoeste, 2007a. Caderno Pedagógico 1. BARROS, Eliana Merlin Deganutti de. Gestos de ensinar e de aprender gêneros textuais: a sequência didática como instrumento de mediação.2012. 358f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) - Universidade de Londrina, Londrina/PR, 2012. DOLZ, Joaquim; GAGNON, Roxane; DECÂNDIO, Fabrício. Produção escrita e dificuldades de aprendizagem. Campinas: Mercado das Letras, 2010. DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard;DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola.
Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. MACHADO, Anna Raquel; CRISTÓVÃO, Vera Lúcia. A construção de modelos didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de gêneros. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão/SC, v.6, n.3, p.547-573, set./dez. 2006. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação Básica. Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Língua Portuguesa. Paraná: SEED, 2008. ROCHA, Ruth de. In: As Aventuras de Alvinho. Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem. - ed. rev. e ampl. Incluindo SAEB/Prova Brasil matriz de referência/ Secretaria de Educação Básica - Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação básica, 2012. SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. SITES VISITADOS: MALBA Tahan. - Versão de Gallard. In: As Mil e Uma Noites. Simbá e o pássaro Roca. Ediouro. disponível no site: http://desmontandotexto.blogspot.com.br/2009/09/simba-e-o-passaro-roca.html - acesso em 19/09/13 . RANGEL, Paulo. Uma aventura de outro mundo. Os semeadores da Via Láctea. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.In: http://nossodiarioceas.blogspot.com.br/2011/03/texto-narrativo-uma-aventura-de-outro.html acesso em 07/10/2013. http://receitadeleitura.blogspot.com.br/atividades-7-ano.html.acesso em 25/09/2013 http://receitadeleitura.blogspot.com.br/p/atividades-7-ano.html http://requiemdaspalavras.blogspot.com.br/2013/03/narrativas-de-aventura-leitura-analise.html 07/10/13 .