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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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A Linguagem Fotográfica em Sala de Aula

Maria Cecília Búrigo

Resumo

A imagem fotográfica está cada dia mais onipresente na comunicação humana,

entretanto o conhecimento dos códigos que compõem a linguagem fotográfica ainda

é domínio de poucos. A prática de leitura de imagens possibilita a ampliação da

habilidade de interpretar, perceber, questionar a imagem fotográfica em seu contexto

histórico, cultural, social e político. A presente pesquisa foi originalmente inspirada

na observação da relação dos alunos com a imagem fotográfica nas redes sociais. E

na possibilidade de transformar essa relação tão apreciada por eles em prática

pedagógica. Considerando os inúmeros discursos sobre a imagem fotográfica, a

relação com o ser humano e as possibilidades de leitura da imagem fotográfica, o

presente artigo relata a experiência e os resultados obtidos nesta pesquisa-ação que

promoveu o estudo dos elementos formais da linguagem fotográfica. Processos de

leitura de imagens, produção de imagens fotográficas, bem como o uso de

ambientes virtuais como ferramenta auxiliar no processo de ensino aprendizagem

para o compartilhamento, exposição e discussão das imagens fotográficas

produzidas pelos alunos do primeiro ano “A” do Ensino Médio do Colégio Estadual

Jorge Queiroz Netto, em Piraí do Sul, no segundo semestre do ano de 2015.

Palavras-chave: Linguagem fotográfica. Leitura de imagens. Visualidades. Cultura

visual.

Professora da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná, licenciada em Educação Artística pela UNOESTE, com especialização em Arte Educação, Arte Terapia e Direito Educacional.

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Abstract

The photographic image is becoming more ubiquitous day in human communication,

however the knowledge of codes that make up the photographic language is still the

domain of the few. The image reading practice enables the expansion of the ability to

interpret, understand, question the photographic image in its historical, cultural, social

and political. This research was originally inspired by the observation of the

relationship of students with the photographic image on social networks. And the

possibility of transforming this relationship much appreciated by them in pedagogical

practice. Considering the numerous speeches made by different authors on the

photographic image, the relationship with the human being and the photographic

image reading possibilities, this article reports the experience and the results of this

action research that promoted the study of formal elements of photographic

language, image reading processes, production of photographic images, as well as

the use of virtual environments as an auxiliary tool in the teaching and learning

process for sharing, presentation and discussion of photographic images produced

by the students of the first year "a" teaching East State School Jorge Queiroz Netto in

Pirai do Sul, in the second half of the year 2015.

Keywords: Photographic language. Image reading. Visual arts. Visual culture.

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1- INTRODUÇÃO

Nas atividades cotidianas da atualidade a tecnologia digital é onipresente. O

conhecimento, a informação, a comunicação nos chegam por meio das tecnologias

da informação e comunicação (TIC’s). Nômades sem sairmos de casa, as imagens

do mundo estão disponíveis a todo momento e através dos mais variados meios. A

fotografia em especial, já de caráter bastante significativo na história imagética da

humanidade, nas últimas décadas ganhou destaque maior nos processos de

comunicação e expressão entre as pessoas, concomitante a esse destaque, a

banalização da imagem fotográfica também pode ser observada. Nunca se produziu,

nem se viu tantas imagens fotográficas como nos dias de hoje, e é ela, a Fotografia,

a base da linguagem visual nas imagens das sociedades contemporâneas.

O filósofo Vilém Flüsser já afirmava o quão dominante a imagem fotográfica

se apresentava na sociedade contemporânea: Fotografias são onipresentes: coladas

em álbuns, reproduzidas em jornais, expostas em vitrines, paredes de escritórios,

afixadas contra muros sob formas de cartazes, impressas em livros, latas de

conservas, camisetas. Que significam tais fotografias? (FLÜSSER, 1985, p.22)

continuando a reflexão embasada pela linha de pensamento de Flüsser, as pessoas

estão contando suas histórias - ou idealizando-as - nas redes sociais através das

fotografias. Por que a imagem fotográfica é tão importante para nós? Quais os

significados que construímos acerca das imagens fotográficas cotidianas? Quanto o

conhecimento formal sobre a imagem fotográfica influencia nos significados que

construímos quando nos deparamos com tais imagens? Como a fotografia influencia

nossas vidas, nossa maneira de ser, de ver e de pensar o mundo?

Hoje a imagem está tão presente quanto à palavra escrita na comunicação

informal, entretanto, por apresentar caráter conotativo, ainda é alvo de muitas

especulações e interpretações. Debruçar uma reflexão mais profunda acerca da

imagem fotográfica é necessário, urgente.

Embora o tema Fotografia seja integrante do currículo de Arte da escola

publica do Paraná, é comum observamos uma abordagem superficial, histórica ou

como coadjuvante para estudo de manifestações artísticas tidas como “clássicas”,

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muitas vezes negligenciando as características formais, tecnológicas, culturais,

éticas, filosóficas que a imagem fotográfica carrega em si.

O presente trabalho foi inspirado, originalmente, pela observação da relação

dos alunos adolescentes do ensino médio com a fotografia, e de quanto o olhar

torna-se cada vez mais estereotipado, massificado, destituído de singularidades ou

significados próprios. A questão não se apoia no debate se a fotografia é Arte ou

não, ou quando a fotografia é Arte ou não. A proposta aqui configurada foi trabalhar

além da “alfabetização visual”, supostamente necessária para desenvolver um

mecanismo de leitura de imagens fundamentado na sintaxe visual, em imagens

fotográficas. Buscou-se, simultaneamente, estabelecer diálogos reflexivos revelando

novas visualidades sobre as imagens fotográficas e estabelecendo uma reflexão

sobre como a nossa identidade é moldada por essas imagens, e como a vivência e

experiência do aluno influencia as visualidades. Despertando um olhar mais criativo,

crítico, inteligente, reflexivo sobre o mundo que se apresenta a nós através das

imagens fotográficas.

2- OS DISCURSOS FOTOGRÁFICOS

Desde o início da história do conhecimento, pensadores e filósofos

debruçaram-se sobre a complexa relação que une imagem e realidade. De uma

maneira simples pode-se dizer que a imagem é algo utilizado para representar uma

coisa na sua ausência. O homem utiliza imagens para representar a realidade,

nasce assim uma relação entre imagem e realidade, e quando se fala em imagem e

realidade é impossível não pensar em fotografia.

A princípio o processo de fotografar apresentava certa dificuldade já que

necessitava de um aparato caro e complicado, mas à medida que o processo foi

aprimorado essa realidade foi transformada.

Quando a fotografia surgiu, a humanidade encontrava-se em pleno processo

de industrialização. As máquinas e as linhas de montagem eram a promessa de

progresso e prosperidade a todos. Nesse contexto a fotografia apresentava-se como

uma forma industrial de produção de imagem e como tudo que é industrializável

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agregava aspectos democratizantes à produção de imagens, ato antes relegado a

uma elite.

Em princípio, não é necessária nenhuma habilidade especial para

produzir imagens fotográficas, ao contrário do que acontece com a

pintura, a gravura ou o desenho. Abria-se uma porta larga, fácil e

barata ao Olimpo reservado a artistas (...) (KUBRUSLY, 2006,

p.12).

O que parecia simples e mágico, logo se mostrou um fator determinante na

relação imagética das pessoas com o mundo e do mundo com as pessoas. Uma

nova concepção de linguagem visual começava a ser esboçada e influenciava toda

uma mudança. As relações humanas passaram a ser mediadas pelas imagens.

Tudo isso começou a fomentar inúmeras reflexões sobre a fotografia e vários

discursos começaram a se estabelecer. Ainda hoje assistimos a essas discussões.

Com relação à imagem fotográfica Samain diz:

A imagem fotográfica foi desde que surgiu, o ponto para onde

convergiam múltiplos discursos: discurso técnico, estético, literário,

filosófico, psicanalítico, semiótico, sociológico e antropológico,

discursos sobre seus estilos, seus gêneros, seus possíveis usos;

discursos daqueles que a faziam e debates que essa imagem

suscitava nos meios artísticos. (SAMAIN apud Kawakami

,Tatiana Tissa; Veiga, , Adriana Imbriani Marchi, 2012,

p.171)

Embora a linguagem fotográfica englobe essa variedade de discursos, em

muitos momentos a ela foi atribuída apenas à função de registro da realidade.

Reduzir a fotografia apenas a um mecanismo de registro é empobrecê-la e lançar

sobre ela um olhar simplista. Assim como o texto a fotografia também é passível de

leitura e essa ação é inevitável quando nos deparamos diante de imagens

fotográficas, entretanto, muitas vezes não estamos aptos para compreender o texto

visual apresentado pela imagem fotográfica. Paulo Freire (1983) defendia que toda

leitura de mundo precede a leitura da palavra, considerando que a fotografia

apresenta uma serie de códigos que dependem de interpretação para ter significado

assim como um texto escrito, a leitura do texto visual apresentado em uma imagem

fotográfica é influenciada pela experiência de vida do leitor.

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Sobre isso Flüsser discorre:

De modo geral, todo mundo possui um aparelho fotográfico e

fotografa, assim como, praticamente, todo mundo está alfabetizado e

produz textos. Quem sabe escrever, sabe ler; logo, quem sabe

fotografar sabe decifrar fotografias. Engano. (Flüsser, 1985,p.30)

Para Flüsser as câmeras funcionam como brinquedos nas mãos de seus

proprietários e propõem um jogo viciante. Fotografar se torna cada vez mais

necessário podendo chegar a tal ponto que o homem se torne cego, conseguindo

enxergar somente através do aparelho. Não existe mais uma memória própria, o que

resta é a memória das imagens registradas pelo aparelho. Quando nos focamos em

fotografar tudo que acontece no nosso entorno ficamos insensíveis para as

experiências que o momento propicia, nos tornamos um observador/ilustrador de

nossa experiência, não a vivenciamos. Somos tomados por um desejo incontrolável

que nos leva a querer compartilhar todos os momentos de nossa vida e, nesse

contexto, a fotografia é o registro da vida que estamos levando, ou que idealizamos

levar. Somos caçadores de imagens a espera do momento perfeito que o “gatilho”

de nossa câmera seja disparado diante de uma imagem que mereça ser “caçada”,

porém isso não nos faz decifradores de imagens fotográficas.

Com a crescente popularização das câmeras fotográficas somos expostos

constantemente a imagens fotográficas. Em relação à popularização da fotografia

Susan Sontag diz:

Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão

difundido quanto o sexo e a dança- o que significa que, como toda

forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das

pessoas como uma arte. É sobre tudo um rito social, uma proteção

conta a ansiedade e um instrumento de poder. (SONTAG, 2004,

p.18)

Que a fotografia é um poderoso mecanismo de registro de imagens é

inegável e não podemos nos furtar a isso. Como dizia a antiga propaganda:

“Fotografou? Não? Então, dançou...” nesse contexto, a imagem fotográfica é

atestação da veracidade da história que estamos construindo, vivenciando, vendo.

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Na cultura contemporânea as fotografias assumem papel de troféus que merecem

lugar de destaque. Também merecem ser ostentados com os méritos que carregam.

As câmeras acompanham a vida das pessoas e as fotografias fazem parte do

registro das memórias da vida dessas pessoas, pois trazem consigo valor

testemunhal.

Philippe Dubois observa esse poder de atestação da fotografia quando a

classifica como índice e como tal a fotografia procede de uma conexão física com o

seu referente: “Enquanto índice, a fotografia é por natureza um testemunho

irrefutável da existência de certas realidades.” (DUBOIS, 2010, p.74), mas entende

que a construção do seu significado não se singulariza na sua realidade física,

estende-se para o repertório de vida que seu expectador carrega. É passível de

interpretação, e como tudo que passível de interpretação perpassa todo o conjunto

de experiências e vivencias do observador.

3- MATERIAL DIDÁTICO

Apresentado no formato de Caderno Temático, sem sugestão de atividades,

adotando uma abordagem formalista, influenciada pela semiótica, propondo uma

leitura de imagens a partir dos seguintes códigos: espacial, gestual/cenográfico,

iluminação, simbólico, gráfico, relacional. O material didático foi desenvolvido para

dar suporte à aplicação do projeto. Levando em consideração o desenvolvimento

psicológico e familiaridade dos alunos com as imagens. O material foi composto por

imagens fotográficas amadoras, cotidianas, produzidas em família e divulgada nas

redes sociais. O objetivo da utilização de imagens fotográficas cotidianas foi

aproximar as imagens do material didático com as imagens fotográficas produzidas

pelos próprios alunos, para, a partir delas, apresentar imagens fotográficas mais

complexas, de técnicas, estéticas e poéticas mais elaboradas, complexas e menos

incomuns, compostas, entretanto pelos mesmos códigos visuais utilizados nas

composições das mais diversas pluralidades de imagens.

A Produção Didático Pedagógica destinou-se aos alunos do primeiro ano do

Ensino Médio. Foi dividida em temas promovendo aprofundamento no conhecimento

sobre a composição na fotografia e o uso da linguagem fotográfica, propondo um

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olhar reflexivo sobre o ato de fotografar, articulando a percepção, a imaginação, o

conhecimento, as técnicas e a produção de imagens. Privilegiando o debate e a

troca de experiências.

Embora o material didático tenha cumprido seu papel na aplicação do

projeto, demonstrou-se apenas um coadjuvante no decorrer do desenvolvimento das

atividades. Muitas vezes usado como um simples ponto de partida suscitava

questões de grande complexidade à medida que aprofundava a reflexão sobre o

assunto trabalhado.

4- A APLICAÇÃO DO PROJETO

O Projeto de Intervenção Pedagógica foi desenvolvido com os alunos do

primeiro ano “A” do Ensino Médio do Colégio Estadual Jorge Queiroz Netto, no

município de Piraí do Sul, Paraná, durante o segundo semestre do ano de 2015.

A implementação iniciou-se com a apresentação do projeto para os

professores, funcionários e equipe pedagógica do Colégio na Semana Pedagógica

no início do ano letivo. A proposta foi bem recebida pela comunidade escolar e

despertou interesse em colegas de outras áreas, fomentando a troca de ideias e

especulando a participação de outras disciplinas.

O trabalho efetivo com os alunos deu-se, somente, no mês de julho devido à

paralização da categoria.

A turma onde o Projeto foi desenvolvido apresentava uma composição muito

heterogênea. Era formada por uma grande parte de alunos que vinham de uma

Escola do Campo, da zona rural do município. Outra fração por alunos oriundos de

escolas particulares, e uma pequena parcela que não se encaixava em nenhum dos

dois perfis. Num primeiro momento pensei que essas diferenças pudessem ser um

obstáculo para o desenvolvimento do Projeto, entretanto, revelou-se fator

enriquecedor. Embora todos componham uma comunidade relativamente pequena,

as características culturais divergiam bastante. As visualidades apresentadas pelos

grupos mostraram-se muito distintas, essa distinção tão evidente tornou-se tema de

dialogo e reflexão. O grupo dos alunos moradores da zona rural apresentaram

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imagens fotográficas que buscavam valorizar e mostrar o ambiente onde eles vivem,

havendo uma predominância pelo gosto de imagens fotográficas de paisagens,

enquanto o grupo de alunos que reside na zona urbana priorizava por produzir

imagens que demonstrassem seus interesses, suas ambições, e a sua autoimagem.

Eram comuns imagens fotográficas de carros, motos, caminhões, alimentos, selfies.

No primeiro momento houve uma explanação sobre o projeto para que os

alunos tivessem conhecimento de como ele se desenvolveria e quais os objetivos

pretendia-se alcançar. Após a apresentação começamos com um breve estudo

sobre a história da fotografia e um diálogo sobre como os alunos convivem com as

imagens fotográficas. Já de início muitas questões começaram a ser levantadas e

reflexões foram expostas. Para eles, o tema fotografia é cotidiano, mas nunca havia

sido abordado como objeto de estudo, passível de códigos formais, morais, de ética

e até mesmo de etiqueta. Inúmeras situações cotidianas sobre fotografia foram

relatadas, cada uma delas suscitava uma reflexão e por vezes fomentava discussão

sobre diferentes pontos de vista. Durante todo o desenvolvimento do projeto o clima

de descontração, por vezes até mesmo lúdico, foi mantido. Tanto nas atividades em

sala de aula como nas atividades desenvolvidas em ambiente virtual, o que

propiciou o envolvimento de quase a totalidade dos alunos da turma, que era muito

numerosa.

A primeira atividade desenvolvida foi uma “pequena” pesquisa, feita pelos

alunos, com a finalidade de apresentar diferentes fotógrafos e seus trabalhos para a

turma. A proposta consistiu num sorteio, onde uma lista de cinquenta fotógrafos de

diferentes épocas, etnias, gêneros, estilos, técnicas, foi elaborada pela professora e

cada aluno sorteou o nome de um fotógrafo para apresentar a turma um breve

histórico sobre o fotógrafo, sua estética e poética visual, sua técnica fotográfica e

duas de suas obras. A pesquisa deveria ser entregue por e-mail. E esse foi o maior

obstáculo enfrentado. A maioria dos alunos, além de não possuírem um endereço

eletrônico, ou se possuíam não sabiam, não tinham nenhum conhecimento de como

trabalhar com essa ferramenta nem com ferramentas de processamento de textos e

imagens. O problema para eles não era fazer a pesquisa e sim como editá-la e

enviá-la. Embora nossos alunos tenham familiaridade com as tecnologias virtuais

desconhecem suas funções de suporte para aprendizagem. Veem apenas como

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fonte de entretenimento e lazer. A solução encontrada para ajudar aqueles que não

conseguiram fazer a atividade, por questões tecnológicas, foi trabalhar com duplas

de alunos, que foram atendidas individualmente pela professora, em contra turno, na

biblioteca da escola. Dos 48 alunos da turma, 35 conseguiram desenvolver a

atividade.

As apresentações foram um exercício de visualidades. A cada fotógrafo e

obra apresentada percebia-se a reação dos alunos diante da imagem, após a

primeira impressão, resultado de um olhar superficial, os alunos eram chamados a

observar os detalhes dos elementos formais da imagem, como cores, linhas,

perspectivas, sombras. Em seguida era apresentado aos alunos o contexto histórico

da imagem, uma breve biografia do seu autor, estilo, técnica. Depois disso os alunos

comentavam sobre a familiaridade que tinham com a imagem e quais impressões e

sentimentos a imagem despertavam-lhes. A função narrativa da imagem sempre era

alvo de especulações. Entretanto, ficava bem evidente, que as imagens eram

classificadas pelo “gosto” e “não gosto”. As imagens que se encaixavam nos

padrões estéticos disseminados pelo senso comum eram as que mais agradavam.

As que se distanciavam desses padrões causavam estranhamento e até rejeição.

Algumas imagens fotográficas também chamavam atenção pelo aspecto inusitado,

lúdico, surreal, essas também eram vistas como imagens interessantes. Entretanto,

quanto mais abstrata era a imagem apresentada maior desconforto e rejeição os

alunos demostravam. No senso comum, a ligação com a realidade ainda é algo que

se espera da imagem fotográfica e a desconstrução dessa expectativa é difícil, mas

não impossível.

4.1- ARTHUR OMAR, ANSEL ADAMS E UM PROBLEMA

Todos os alunos que executaram a pesquisa apresentaram os fotógrafos por

eles sorteados sem contestação. Entretanto o aluno S.B.J., ao pesquisar as imagens

fotográficas produzidas pelo múltiplo artista brasileiro Arthur Omar, manifestou certa

indignação e recusa diante delas. Ao seu colega L.F.N.D.P. coube pesquisar Ansel

Adams. Os dois alunos executaram a pesquisa juntos. Quando comparam as

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imagens dos dois fotógrafos pesquisados, o aluno S.B.J., argumentou que as

imagens do fotógrafo por ele pesquisado eram: “muito feias, tremidas, borradas...

nem parecem fotografias... quem vai querer ver isso? Por que eu não posso

pesquisar um fotógrafo de verdade igual ao L.?” O que fazer diante de tantos

argumentos? A solução foi, juntamente com o aluno, orientando-o, aprofundar a

pesquisa sobre a carreira artística de Arthur Omar, sua poética, sua construção

estética, sua visualidade. Confrontar com os conceitos de visualidade, de cultura

visual, de subjetividade, do próprio aluno. Dialogar sobre regras, sobre quando e

porque quebrá-las. Sobre padrões preestabelecidos e como influenciam em nossas

vidas. Sobre empatia. O resultado foi surpreendente. Das produções fotográficas de

toda a turma, ele foi o único aluno que conseguiu produzir imagens fotográficas sem

identificação do referente, com alto grau de abstração. Com essa experiência, ficou

muito evidente, que em alguns momentos, para que haja a compreensão dos

elementos poéticos e subjetivos encontrados nas manifestações artísticas, para

despertar a estesia adormecida nos sujeitos, a atenção individualizada é necessária.

Ao apresentar um de seus trabalhos para a turma, imediatamente o aluno foi

questionado pelos colegas sobre o que sua foto mostrava. A resposta veio simples,

singela, cheia de poesia e com segurança profunda da compreensão sobre a

complexidade da imagem apresentada: “É só fumaça...”

4.2 - METODOLOGIA

Para a socialização das imagens produzidas pelos alunos, bem como

análise e comentários fossem realizados além do ambiente da sala de aula, foi

criado um grupo no whatsapp, onde os estudos e diálogos estendiam-se para o

ambiente virtual. As imagens eram registradas e imediatamente postadas pelos

alunos, independente da hora, do dia ou da situação e em seguida já ocorria o

feedback. (Essa dinâmica se mantém até hoje, mesmo depois da finalização oficial

dos trabalhos).

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Elementos da composição eram sempre destacados, observados,

analisados e, às vezes, até discutidos pelos alunos. Em pouco tempo ficou visível

que o olhar dos alunos ficou mais apurado, seletivo e, até mesmo, requintado. Nem

todos os alunos apresentaram o mesmo entusiasmo, e alguns acabaram limitados

por questões tecnológicas, como falta de acesso. Alunos de outras turmas e até de

outras escolas integraram os grupos virtuais. O Projeto ganhou contornos

democráticos.

4.3- O FOTÓGRAFO NA ESCOLA

Para enriquecer as atividades e estreitar a relação dos alunos com o ato de

fotografar, o fotografo jornalista Gildo Antonio Vicente da Silva, graduado no curso

de Jornalismo da UEPG, esteve na escola trabalhando com os alunos em duas

ocasiões. Na primeira ministrou uma palestra sobre fotografia adotando uma

abordagem jornalística do assunto. Apresentou aspectos sobre fotografia e

informação, abordou o caráter reativo da fotografia jornalística, apresentou seus

trabalhos com fotojornalismo social desenvolvido na comunidade de pré-

assentamento Emiliano Zapata, e em comunidades quilombolas no Paraná. Mostrou

aos alunos o seu equipamento fotográfico de trabalho. Demonstrou o funcionamento

do obturador, diafragma, os diferentes tipos de lentes e seus efeitos, a função do iso.

Falou sobre quanto à ciência é fundamental no processo de fotografar. Permitiu que

os alunos olhassem e manuseassem suas câmeras. Deu abertura para

questionamentos. Falou sobre a fotografia digital e aplicativos eficientes de

manipulação de imagens.

Num segundo momento, o fotógrafo visitou novamente a escola e promoveu

uma saída fotográfica com os alunos. Fotografando cenas do cotidiano da cidade,

provocando novas visualidades das paisagens já tão bem conhecidas pelos alunos,

observando elementos da composição, explicando a aplicabilidade de algumas

regras, como a sequencia de Fibonacci e a regra dos terços, para compor imagens

fotográficas que sejam atrativamente mais eficientes.

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4.4- A PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA DOS ALUNOS

Com o apoio do material didático as produções fotográficas dos alunos

mantiveram-se continuamente. À medida que aprofundávamos o assunto um

elemento novo de composição visual era apreendido e incorporado às produções

visuais deles e identificado em imagens fotográficas diversas. Embora a

desconstrução do olhar estereotipado não tenha acontecido de forma plena, e a

preferência estética ainda seja pelas imagens amplamente divulgadas nos meios de

comunicação de massa, agora os elementos da linguagem fotográfica são

identificados e manipulados com conhecimento. O repertório visual foi ampliado e

em diversos momentos os alunos conseguiam estabelecer conexões entre as suas

produções fotográficas com as produções fotográficas de fotógrafos conhecidos.

Durante o desenvolvimento do projeto, foram produzidas, no total, 1825 imagens

fotográficas, em diferentes propostas de atividades.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o processo de aplicação do projeto, diferentes processos de leitura

de imagens foram aplicados para dar suporte no desenvolvimento prático. Contudo a

finalidade principal deste estudo não era estabelecer um método especifico e sim

apresentar a diversidade de abordagens de leituras que a imagem fotográfica

possibilita. Ficou bem evidente que o repertório visual de nossos alunos é composto,

quase que exclusivamente, por imagens fotográficas veiculadas nos meios de

comunicação de massa, influenciando profundamente o seu senso estético,

apresentando preferências por imagens estereotipadas. Embora outras disciplinas

utilizem a fotografia como recurso didático, à prática de leitura de imagens esta

restrita as aulas de Arte. Para mudar esse panorama essa prática precisa ser

constante e se possível, estende-la a outras disciplinas para que o olhar seja sempre

aprimorado. Fala-se tanto no incentivo a leitura, o mesmo é necessário à leitura de

imagens.

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O uso dos ambientes digitais no processo de ensino aprendizagem mostrou-

se eficaz, estreitou a relação entre professor e alunos. Descaracterizou o caráter

formal da aprendizagem tradicional ainda muito arraigado na escola. Foi aceito com

entusiasmo pelos alunos que demonstraram simpatia pela metodologia incluindo

redes sociais e tecnologias virtuais. No entanto, o uso do ambiente virtual e da

necessidade tecnológica para a produção dos trabalhos desenvolvidos mostrou-se

fator de exclusão para alguns alunos que não tinham acesso a estes aparatos para

participarem das atividades. Embora a escola disponibilize quatro câmeras digitais e

laboratório de informática para uso dos alunos, o desconhecimento do

funcionamento e utilização dessas tecnologias, juntamente com a falta de interesse

em participar, foi empecilho na atuação de alguns alunos.

Ficou muito evidente o papel determinante do professor em todo o processo.

Cabe ao professor mediar e propor a leitura de imagem apontando seus elementos

formais, contextuais, propondo questões críticas, reflexivas, analíticas.

Reconhecendo a imagem fotográfica portadora de intenções, conhecimento,

mensagens. Atuando diretamente na construção histórica do individuo e da

coletividade.

A experiência aqui relatada mostrou-se eficiente como metodologia no

ensino aprendizagem da linguagem fotográfica. Favoreceu a educação do olhar,

oportunizou o refinamento estético diante das imagens amplamente criadas e

difundidas pela indústria cultural, proporcionando ao aluno perceber-se, não só

como expectador passivo do mundo imagético que o cerca, mas como cidadão

crítico e atuante neste mundo.

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SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004

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ANEXOS

Algumas produções fotográficas dos alunos que participaram do projeto de

implementação, desenvolvido no 1° ano “A” do Ensino Médio do Colégio Estadual

Jorge Queiroz Netto, no segundo semestre de 2015.

João Pedro Priotto Mendes

João Pedro Priotto Mendes

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Natália Langner de Oliveira

Matheus Prestes Silva Matheus Prestes Silva

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Leonardo Ferreira Nunes Del Ponte

Cristiellen Carneiro de Souza

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Ana Luiza Vieira de Lara

Natália Langner de Oliveira

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Saul Basso Junior

Saul Basso Junior

Natália Langner de Oliveira

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Saul Basso Junior

Saul Basso Junior

Leonardo Ferreira Nunes Del Ponte

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Natália Langner de Oliveira

Cristiellen Carneiro de Souza

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Saul Basso Junior

Ana Luiza Vieira de Lara

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Saul Basso Junior

Leonardo Ferreira Nunes Del Ponte

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João Pedro Priotto Mendes

João Pedro Priotto Mendes

João Pedro Priotto Mendes