os cinco factores

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Os cinco factores podem ser definidos como agrupamentos de traços inter-relacionados. Através da descrição do posicionamento do sujeito nos cinco factores, obtém-se um esquema compreensivo, que sintetiza o seu estilo emocional, interpessoal, experiencial, atitudinal e motivacional. De seguida, apresentamos uma descrição de cada um dos domínios ou factores, (Costa e McCrae, 1985, 1991; McCrae, 1994): Neuroticismo (N) A escala global do Neuroticismo avalia a adaptação vs. a instabilidade emocional. Identifica, por conseguinte, indivíduos preocupados, nervosos, emocionalmente inseguros, com sentimentos de incompetência, hipocondríacos, com tendência para a descompensação emocional, ideias irrealistas, desejos e neces- sidades excessivos e respostas de coping desadequadas. O aspecto central deste domínio é a tendência a experienciar afectos negativos, como a tristeza, medo, embaraço, raiva, culpabilidade e repulsa. Embora os clínicos distingam entre muitos tipos de instabilidade emocional, diversos estudos (Costa e McCrae, 1992) têm mostrado que os sujeitos com tendência a experienciar um destes estados tendem a fazer o mesmo com os outros. Por outro lado, possivelmente porque este tipo de emoções interfere com a adaptação, homens e mulheres com N elevado são inclinados a ter ideias irrealistas, dificuldade em controlar os seus impulsos e a lidar menos bem com o stress. Todos os pacientes, tradicionalmente diagnosticados como sofrendo de neurose, têm pontuações elevadas em N (Eysenck e Eysenck, 1964). No entanto, a escala N do NEO-PI-R, aliás, como todas as outras, mede uma dimensão normal da personalidade: aqueles que obtêm pontuações muito elevadas em N podem estar em risco de se confrontarem com problemas psiquiátricos, mas a escala N não deve ser interpretada como uma medida de psicopatologia, ou seja, é possível ter uma pontuação elevada em Neuroticismo, sem ter uma perturbação psiquiátrica. Inversamente, nem todas as categorias psiquiátricas implicam níveis elevados de N. Por exemplo, um sujeito pode ter uma desordem anti-social de personalidade (Antisocial Personality Disorder), sem apresentar níveis elevados em N. As medidas de Neuroticismo estão correlacionadas com o stress. No entanto, elas não se confundem com ele, como alguns autores (Schroeder e Costa, 1984) têm defendido, ao distinguirem entre o efeito do stress e a tensão crónica dos neuróticos. O N está também relacionado com a baixa satisfação sexual: são sobretudo os sujeitos, com valores elevados nas facetas Auto-Consciência e Depressão, que mais evitam o contacto sexual, têm menos

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apostila sobre os 5 fatores da personalidade

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Page 1: Os Cinco Factores

Os cinco factores podem ser definidos como agrupamentos de traços inter-relacionados. Através da descrição do posicionamento do sujeito nos cinco factores, obtém-se um esquema compreensivo, que sintetiza o seu estilo emocional, inter-pessoal, experiencial, atitudinal e motivacional.

De seguida, apresentamos uma descrição de cada um dos domínios ou factores, (Costa e McCrae, 1985, 1991; McCrae, 1994):

Neuroticismo (N)A escala global do Neuroticismo avalia a adaptação vs. a instabilidade emocional.

Identifica, por conseguinte, indivíduos preocupados, nervosos, emocionalmente inseguros, com sentimentos de incompetência, hipocondríacos, com tendência para a descompensação emocional, ideias irrealistas, desejos e necessidades excessivos e respostas de coping desadequadas.

O aspecto central deste domínio é a tendência a experienciar afectos negativos, como a tristeza, medo, embaraço, raiva, culpabilidade e repulsa.

Embora os clínicos distingam entre muitos tipos de instabilidade emocional, diversos estudos (Costa e McCrae, 1992) têm mostrado que os sujeitos com tendência a experienciar um destes estados tendem a fazer o mesmo com os outros. Por outro lado, possivelmente porque este tipo de emoções interfere com a adaptação, homens e mulheres com N elevado são inclinados a ter ideias irrealistas, dificuldade em controlar os seus impulsos e a lidar menos bem com o stress.

Todos os pacientes, tradicionalmente diagnosticados como sofrendo de neurose, têm pontuações elevadas em N (Eysenck e Eysenck, 1964). No entanto, a escala N do NEO-PI-R, aliás, como todas as outras, mede uma dimensão normal da personalidade: aqueles que obtêm pontuações muito elevadas em N podem estar em risco de se confrontarem com problemas psiquiátricos, mas a escala N não deve ser interpretada como uma medida de psicopatologia, ou seja, é possível ter uma pontuação elevada em Neuroticismo, sem ter uma perturbação psiquiátrica. Inversamente, nem todas as categorias psiquiátricas implicam níveis elevados de N. Por exemplo, um sujeito pode ter uma desordem anti-social de personalidade (Antisocial Personality Disorder), sem apresentar níveis elevados em N.

As medidas de Neuroticismo estão correlacionadas com o stress. No entanto, elas não se confundem com ele, como alguns autores (Schroeder e Costa, 1984) têm de-fendido, ao distinguirem entre o efeito do stress e a tensão crónica dos neuróticos. O N está também relacionado com a baixa satisfação sexual: são sobretudo os sujeitos, com valores elevados nas facetas Auto-Consciência e Depressão, que mais evitam o contacto sexual, têm menos experiências neste âmbito e uma visão mais conservadora e restritiva da sexualidade (Costa et al., 1992).

Os sujeitos com pontuações baixas em N são emocionalmente estáveis. São geralmente, calmos, com humor constante, relaxados, seguros, satisfeitos consigo mesmos e capazes de fazer face a situações de tensão, sem ficarem transtornados.

Extroversão (E)Os extrovertidos são pessoas sociáveis, que para além de apreciarem o convívio

com os outros, com os grupos e as multidões, são também afirmativos, optimistas, amantes da diversão, afectuosos, activos e conversadores. Gostam, por conseguinte, da excitação e da estimulação e tendem a ser alegres, animados, enérgicos e optimistas. A extroversão traduz, consequentemente, a quantidade e intensidade das interacções interpessoais, o nível de actividade, a necessidade de estimulação e a capacidade de exprimir alegria.

A concepção da extroversão do NEO-PI-R (Costa e McCrae, 1992) difere, em muitos aspectos, da E presente na teoria de Jung (1923). Muito particularmente, a introspecção ou reflection de Jung não está relacionada com nenhum pólo de E, mas com a elevada Abertura à Experiência (McCrae e Costa, 1989).

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Vários estudos1 têm indicado que os indivíduos extrovertidos, especialmente aqueles com uma pontuação elevada na faceta Procura de Excitação, apreciam formas de música com um grande potencial de activação físico e psicológico — os primeiros Jazz e os segundo Hard Rock (Dollinger, 1993) — e obtêm pontuações mais elevadas nas escalas de redução de intensidade do estímulo (Zuckerman, 1979; Dragutinovich, 1987).

Os bons vendedores representam, na nossa cultura, o protótipo do extrovertido: existe, aliás, uma forte correlação entre E e o interesse por profissões deste género (Costa, McCrae, e Holland, 1984).

Os extrovertidos encaram as situações competitivas mais favoravelmente do que os introvertidos, enquanto estes preferem as situações cooperativas. Graziano e colaboradores (1985, citado por Wolfe e Kasmer, 1988) conjecturaram que tal se deve à frequência dos encontros negativos, anteriormente vividos.

Zuckerman e colaboradores (1990) estudaram as hetero-avaliações obtidas com o NEO-PI, em função da atracção física do sujeito e concluíram que esta variável está relacionada com a Extroversão.

Watson e colaboradores (1992) mostraram que existem correlações fortes entre a Extroversão e a Afectividade Positiva, enquanto Argyle e Lu (1990) encontraram relação entre a Extroversão e a felicidade. Uma das possíveis explicações para o fenómeno encontra-se, segundo os primeiros investigadores, no facto de os extrovertidos encetarem mais relações sociais, estando a actividade social, como aponta a evidência disponível, fortemente associada à afectividade positiva. Mas, por outro lado, os extrovertidos são mais sociáveis, porque, possivelmente, têm níveis superiores de afectividade positiva.

Os extrovertidos teriam também mais experiências sexuais e mais desejo sexual (Costa et al., 1992). Por outro lado, estes autores verificaram ainda que tanto a masculinidade como a feminilidade estariam relacionadas com esta dimensão. Associar-se-iam, porém, com facetas diferentes: a primeira com as facetas mais activas e dominantes e a segunda com as facetas afiliativas, emocionais e vinculativas2.

A introversão é o pólo oposto da E. Os indivíduos introvertidos são essencialmente reservados, sóbrios, pouco exuberantes, distantes, com um ritmo de vida mais calmo, tímidos, silenciosos, apreciam estar sozinhos, são mais orientados para a tarefa e independentes nas suas tomadas de decisão, o que não significa que tenham ansiedade social ou sejam pouco amigáveis, infelizes e pessimistas.

Abertura à Experiência (O)A Abertura à Experiência, oriunda de múltiplos contextos teóricos3 e com raízes fora

da tradição lexical, na qual o modelo dos cinco factores foi inicialmente identificado, é a menos conhecida e a mais controversa das cinco dimensões, mas também a mais relevante para o estudo da imaginação, da cognição e da personalidade (Costa e McCrae, 1992). Costa e McCrae (1976, 1987, 1993) são, possivelmente, os investigadores que mais se têm debruçado sobre ela, começando por a identificar no 16PF de Cattell4. Mas, quando começaram a descobrir muitas limitações psicométricas no 16PF, passaram a medir a Abertura, através do Inventário das Experiências de

1 Fazemos apenas referência às investigações sobre a Extroversão, que utilizaram o NEO-PI-R. Relembramos, no entanto, que existem inúmeros outros estudos sobre a relação entre esta dimensão e outras variáveis. Esta observação também se aplica, naturalmente, às outras dimensões.

2 A vinculação diz respeito ao tipo, qualidade e padrão das relações estabelecidas (Bretherton, 1992).

3Esta dimensão tem antecedentes nas abordagens psicanalíticas e humanistas à personalidade.4 O agrupamento de traços que os autores designaram por “abertura às experiências afectivas e

cognitivas” (“openness to both affective and cognitive experiences”, Costa e McCrae, 1976, p. 568) incluía escalas como Esperto (Bright), Sentimental (Tenderminded = compassivo, carinhoso, mente terna), Imaginativo (Imaginative) e Pensamento Liberal (Liberal Thinking).

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Coan (Coan’s Experience Inventory)5. Posteriormente, foram fazendo modificações no original, até construírem seis escalas para avaliarem os seis aspectos da Abertura à Experiência presentes no NEO-PI e no NEO-PI-R. Quando, depois, descobriram a correspondência entre o factor V dos estudos lexicais da personalidade (Norman, 1963; Goldberg, 1990) e O, passaram a ser dos principais defensores do modelo dos cinco factores. Estudos subsequentes vieram a mostrar que variações do constructo da Abertura à Experiência têm, sucessivamente, aparecido na história da avaliação psicológica. Por exemplo a Introversão Pensada (Thinking Introversion) de Guilford6 e a Intuição (Intuition) de Myers e Briggs (ambas baseadas nos estudos de Jung) estão fortemente correlacionadas com O. Esta dimensão, foi ainda interpretada como Intelecto Inquiridor (Inquiring Intellect; Fiske, 1949), Cultura (Culture; Norman, 1963), Intelecto (Intellect; Goldberg, 1990), e Intelectualidade (Intellectance; Hogan, 1986).

Mas o facto de formulações alternativas do modelo dos cinco factores designarem este domínio por Intelecto (Intellect) não significa que a Abertura seja equivalente a inteligência. Efectivamente, as escalas de O estão moderadamente correlacionadas com medidas de rendimento escolar e da inteligência. Muito em particular, O relaciona-se fortemente com alguns aspectos da inteligência, como o pensamento divergente que, como é sabido, é um dos componentes da criatividade (McCrae, 1987), ao passo que, com outros aspectos, como as aptidões aritméticas, a sua correlação é nula. Por conseguinte, algumas pessoas muito inteligentes são fechadas à experiência, e outras, muito abertas, podem ser um pouco limitadas, inte-lectualmente. De uma perspectiva factorial, as medidas de aptidão cognitiva formam um 6º factor independente, que se considera como estando fora da área específica da personalidade.

Se considerássemos a Abertura à Experiência como equivalente a intelecto, onde incluiríamos traços como a necessidade de variedade, a procura de sensações e a apreciação estética? Estes traços, segundo McCrae (1994), sublinham o interesse pela experiência sensorial, para além da experiência intelectual, e adequam-se a uma concepção mais alargada de Abertura7. Um dos correlatos mais fortes de O é a sensibilidade (sentience), definida por Murray como a característica que leva a “procurar e encontrar deleite, ao experimentar qualquer...impressão sensorial; ter percepções delicadas, sensíveis; perceber e comentar a qualidade sensível dos objectos; notar a atmosfera, a temperatura, cores do quarto, imagens e vários odores e sons...” (Murray, 1938, p.169, citado por McCrae, 1994). Recentemente, McCrae (1992, 1994), estudou esta dimensão, através de um estudo de caso de uma escritora8

que, pela sua vida e obra, aparentava ser uma pessoa muito aberta à experiência. Os resultados obtidos, através da passagem do NEO-PI-R a esta escritora, confirmaram esta suposição.

Os componentes da Abertura à Experiência são: a fantasia ou imaginação activa, a sensibilidade estética, a amplitude dos sentimentos, a abertura a ideias ou a curiosidade intelectual e o juízo independente ou liberal. Globalmente, esta dimensão traduz a procura produtiva, a apreciação da experiência, por si própria, a tolerância e a

5 Este instrumento é baseado nos trabalhos iniciais de Fitzgerald (1966) que, por sua vez, se inspirou nos estudos escandinavos sobre susceptibilidade hipnótica, no conceito de “abertura ao mundo” de Schachtel e na perspectiva psicanalítica da criatividade de Kris.

6 A Abertura à Experiência está relacionada com a reflexibilidade (reflectiveness) e com o Pensamento Introvertido (Thinking Introversion) de Guilford, mas não com a introversão social, ou extroversão. Sendo assim, as pessoas abertas podem ser caladas ou faladoras, afectuosas ou reservadas.

7 Uma demonstração experimental engenhosa das relações entre a abertura cognitiva e sensorial foi apresentada por Kaplan e Singer (1963) que, para além do dogmatismo mediram as modalidades olfactivas, gustativas, tácteis, auditivas e visuais dos sujeitos. Aqueles que pontuaram baixo nas medidas de dogmatismo mostraram ter níveis mais elevados de acuidade sensorial. Concluíram que a abertura às impressões sensoriais decorre paralelamente à abertura às ideias (McCrae, 1994).

8 Trata-se de Diane Ackerman que escreveu “A história natural dos sentidos” (“A Natural History of the Senses”, 1990) onde, de forma fascinante e flexível, aborda uma multiplicidade de temas.

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exploração do não-familiar. McCrae e Costa (s/d, citado por McCrae, 1992, p. 64) descrevem-na da seguinte maneira: “a abertura encontra-se na amplitude, profundidade e permeabilidade da consciência e na necessidade contínua de alargar e examinar a experiência”. Os indivíduos abertos à experiência são, por conseguinte, curiosos em relação ao seu mundo interior e exterior, sendo as suas vivências muito ricas. Estão dispostos a tomar em consideração novas ideias e valores não convencio-nais9, e experienciam um leque mais variado de emoções (positivas e negativas). As pessoas com O elevado são curiosas, criativas10, originais, imaginativas, têm uma grande diversidade de interesses, são pouco convencionais e tradicionais, facilmente colocam em causa a autoridade e optam por novas ideias sociais, políticas e/ou éticas. Estas tendências não significam que tais pessoas não têm princípios, da mesma forma que, embora preferindo a variedade à rotina, não são, necessariamente, desorgani-zadas ou pouco controladas (McCrae, 1994).

As pessoas, que pontuam baixo em O, tendem a ser mais convencionais, terra-a-terra, conservadoras, preferem o familiar à novidade, têm uma gama de interesses mais limitada, e tendem a ser pouco artísticas e analíticas. Embora o grau de abertura possa influenciar os mecanismos de defesa psicológicos (McCrae e Costa, no prelo), não existe evidência de que ser mais fechado às experiências seja uma reacção defensiva (estas pessoas têm apenas um leque e uma intensidade mais limitada de interesses)11. Por outro lado, o facto das pessoas mais fechadas tenderem a ser mais conservadoras, social e politicamente, não significa que sejam também mais autoritárias. Ser fechado não implica intolerância hostil e autoritarismo agressivo. Estes traços estão mais relacionados com pontuações baixas na dimensão Amabi-lidade.

Glisky e colaboradores (1991) sublinham que é importante distinguir três áreas, cujos determinantes genéticos podem ser diversos, dentro do domínio global da Abertura à Experiência, avaliada pelo NEO-PI-R, a saber, por um lado, a absorção —

que envolve a fantasia, o imaginário, os sonhos...12 — por outro, a curiosidade e, finalmente, o liberalismo político/social. Consideram, assim, que um sujeito pode ser, por exemplo, muito liberal e pouco curioso.

A Abertura à Experiência é um dos factores com potencial para predizer a tendência dos sujeitos a procurarem mudanças (McCrae e Costa, 1982; Whitbourne, 1986). Efectivamente, Costa e McCrae (1980) observaram uma correlação entre a ocorrência de acontecimentos cruciais de vida e a Abertura à Experiência: num período de dez

9 Estudos longitudinais parecem mostrar que não há grande declínio com a idade (a partir dos 30 anos), ao nível da Abertura à Experiência (Costa e McCrae, 1986), embora os indivíduos nascidos no princípio do século pareçam ser mais convencionais e conservadores.

10 Vários estudos têm indicado que os indivíduos abertos à experiência apreciam mais os produtos/processos estéticos e culturais do que os fechados. Daí a sua prevalência entre os artistas. Parece provável, consequentemente, que a quinestesia seja uma característica das pessoas abertas, estando elas interessadas em diferentes formas de música, em particular aquelas que não são convencionalmente populares, como a música new age, clássica, reaggae, étnica, soul e, Jazz (Dollinger, 1993).

11 Segundo os autores do questionário, as pessoas mais abertas podem parecer mais maduras e saudáveis psicologicamente, para muitos técnicos. Mas o valor e as vantagens de se ser de uma forma, ou de outra, dependem das exigências da situação. Todavia, algumas terapias apontam como objectivos o desenvolvimento de características muito próximas da dimensão O. Gonçalves (no prelo) defende que o que traz a generalidade dos clientes à psicoterapia é a falta de criatividade e a centração nas mesmas po-laridades e temas, ou seja, a incapacidade de ter uma visão múltipla da realidade. Só o self múltiplo seria um self adaptativo, visto vivermos num mundo em aceleração e mudança. Guidano (1995, p.104) refere, a este respeito, que, a partir da sua própria experiência clínica, “a prática de uma psicoterapia eficaz é levada a cabo com sucesso por indivíduos que estão, eles próprios, envolvidos na exploração das suas capacidades e com vontade de trabalhar dentro de contextos de bastante ambiguidade, complexidade, e emocionalidade”.

12 É sabido que a Abertura à Experiência está relacionada com um determinado número de fenómenos mentais, incluindo a susceptibilidade à hipnose (Glisky et al., 1991), a recordação dos sonhos (remembered dreaming) e o tirar vantagem de algumas técnicas de recordação (Gratzinger et al., 1990).

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anos, os sujeitos com maior abertura à experiência, entre outras coisas, mudaram mais de residência, separaram-se ou divorciaram-se mais, abandonaram mais a profissão ou optaram por outra nova. Nesta linha de ideias, a dimensão Abertura à Experiência parece também estar, positivamente, relacionada com a exploração da identidade13 e, negativamente, com a intensidade do compromisso de identidade (Tesch e Cameron, 1987). Finalmente, a Abertura está relacionada com uma vida sexual mais variada, mais desejo e fantasias eróticas e atitudes mais liberais e menos conservadoras em relação à sexualidade (Costa et al., 1992).

A Abertura à Experiência, enquanto dimensão geral das diferenças individuais,

contém aspectos estruturais14 e motivacionais15 (McCrae, 1994). Todavia, a dimensão O do NEO-PI-R não está organizada, tendo em consideração os factores motivacionais e estruturais, mas, de acordo com as áreas específicas, em que os sujeitos são ou não abertos.

Amabilidade (A)A Amabilidade, como a Extroversão, é uma dimensão, que diz respeito às

tendências interpessoais, e refere-se à qualidade da orientação interpessoal, num “contínuo que vai desde a compaixão ao antagonismo” nos pensamentos, sentimentos e acções (Costa e McCrae, 1985; Costa, McCrae e Dye, 1991). A pessoa amável é, fundamentalmente, altruísta, de bons sentimentos, benevolente, digna de confiança, prestável, disposta a acreditar nos outros, recta, inclinada a perdoar. É também simpática para com os outros e acredita, por sua vez, que os outros serão igualmente simpáticos.

Em contraste, a pessoa hostil é egocêntrica, cínica, rude, desconfiada, pouco cooperativa, vingativa, irritável, manipuladora, céptica em relação às tendências dos outros e mais competitiva do que cooperativa.

Apesar de ser tentador encarar o pólo agradável como preferível e mais saudável psicologicamente, tal nem sempre acontece. A disposição a lutar pelos direitos humanos e o pensamento céptico e crítico, na análise objectiva das ciências, são dois exemplos das vantagens do antagonismo. O certo é que a dimensão Amabilidade influencia a auto-imagem e ajuda a formar as atitudes sociais e a filosofia de vida.

Da mesma forma que nenhum destes pólos é intrinsecamente melhor para a sociedade, nenhum é também melhor para o indivíduo. Horney, descreveu, em 1945, duas tendências neuróticas — ir de encontro às pessoas e ir contra as pessoas — que se parecem com formas patológicas de Amabilidade. Uma pontuação baixa em A está associada a distúrbios narcísicos, anti-sociais e paranóides da personalidade, enquanto um A elevado se relaciona com os distúrbios dependentes da personalidade16 (Costa e McCrae, 1990).

Conscienciosidade (C)Costa e McCrae (1992) conceptualizaram a Conscienciosidade como contendo

aspectos proactivos e inibidores: o primeiro aspecto revela-se na necessidade de realização e apego ao trabalho, enquanto o lado inibidor se manifesta nos escrúpulos

13 As variáveis, que tradicionalmente se têm considerado como influenciando a formação da identidade (Erikson, 1959) têm sido as familiares e as cognitivas e, só, indirectamente, as personológicas, como, por exemplo, a exploração da identidade presente no escrever poesia, que está associada à resolução positiva da crise de identidade, em estudantes do secundário e universitários (Tesch e Cameron, 1987).

14 Que se relacionam com a concepção do dogmatismo por Rokeach, enquanto crenças estanques, e a espessura das fronteiras da mente —“thick and thin bounderies of the mind” — de Hartmann.

15 Com ligações com as necessidades de compreensão e de mudança e com a sensibilidade (sentience) de Murray, e bem assim com Procura de Experiências (Experience Seeking) de Zuckerman.

16 Os distúrbios dependentes da personalidade (Dependent Personality Disorder) fazem parte da categorização da DSM-III-R das desordens da personalidade, eixo II (Costa e Widiger, 1994).

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morais e na prudência.A Conscienciosidade avalia o grau de organização, persistência e motivação pelo

comportamento orientado para um objectivo. Contrasta pessoas, que são de confiança e escrupulosas, com as que são preguiçosas e descuidadas.

Muitas das teorias sobre a personalidade, sobretudo as psicodinâmicas, referem-se ao controlo dos impulsos. No decurso do desenvolvimento, os sujeitos aprendem a lidar com os seus desejos, sendo, geralmente, um sinal de Neuroticismo elevado a incapacidade de resistir a tentações na idade adulta. Mas o auto-controlo tem também a ver com um processo mais activo de planificação, organização e prossecução de tarefas: as diferenças individuais nestes aspectos são a base da Conscienciosidade. Deste modo, como um aspecto que é da força do ego (ego strenght), este constructo foi descrito por Murray e Kluckhohn (1953) com termos tais como força de vontade, ini-ciativa, e responsabilidade. Digman e Takemoto-Chock (1981) referem-se a este domínio, designando-o por vontade de realização/força de vontade (Will to Achieve).

A Conscienciosidade é também um aspecto daquilo que se designava por carácter (Hartshorn, May e Maller, 1929): o sujeito consciencioso é dotado de força de vontade, é determinado, de confiança, escrupuloso, pontual, organizado, trabalhador, auto-disciplinado, arranjado e ambicioso.

Um C elevado, na sua orientação positiva, está relacionado com o êxito, a nível académico e profissional (sujeitos, assim, mais facilmente se tornam bons atletas ou bons músicos). Na sua vertente negativa, tem relação com a limpeza compulsiva e com a mania do trabalho (Workaholic).

Não é que os sujeitos com pontuação baixa nesta faceta tenham falta de princípios morais: são apenas menos escrupulosos na sua aplicação e, menos obstinados na prossecução dos seus objectivos. São também mais preguiçosos, despreocupados, negligentes, com fraca força de vontade. Existe, todavia, alguma evidência de que terão mais interesse pelo sexo e serão mais hedonistas (McCrae et al., 1986; Costa et al., 1992). Efectivamente, a Conscienciosidade está negativamente correlacionada com a procura impulsiva e não socializada de sensações (Impulsive unsocialized sensation seeking — ImpUSS, Zuckerman, 1993), que está, por sua vez, associada a comportamentos desinibidos, criminalidade, sexualidade e uso e abuso de drogas.