os casos peculiares do detetive ramos: o juiz da final

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Detetive Ramos :Se precisas investigar casos de adultério, desavenças familiares, espionagem empresarial ou crimes contra os seguros, não nos procure. Para todos os outros estamos a sua disposição para uma solução rápida e eficiente. Ligue 3223-XXXX Com uma política restrita de trabalho, Detetive Ramos se v~e em inusitadas e curiosas investigações. Nesse caso de estréia ele precisa descobrir algo sobre o juiz da final do campeonato. Um conto bem humorado e com final surpreendente.

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Os casos peculiares doDETETIVE RAMOS

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Por Douglas Eralldo

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www.douglaseralldo.com

Versão: ARCFree e-book

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Quando aceitei a oferta de trabalho do detetive ramos não foi pelos desafios do emprego, ou pelo salário. Muito menos pela comissão de cinco por cento em cada caso. Na verdade aquela havia me sido a única oferta de trabalho oferecida que não envolvia limpar ou cozinhar. É como se em minha cara a minha origem estivesse estampada, e assim foram vá-rias recusas até aquela tarde de quinta-feira quando visitei o pequeno anúncio enlaçado numa folha amarrotada da Zero Hora de domingo.

Ou o detetive havia dispensado a todas, ou eu era a única a procurar pelo anúncio. Não vi nenhuma outra candi-data à vaga. O fato é que depois de uma torrente de pergun-tas, muitas delas questionando possíveis preconceitos, repul-sas, ou simplesmente se sabia arquivar e redigir documentos e textos, o detetive disse-me que a vaga era minha.

Confesso que ao contrário de meu patrão ja-mais lera as estórias de uma gama variada de detetives que ele conhecera nos livros. Dupin, Poirot e especialmente um tal de Sherlock Holmes a quem o homem creditava sua fas-cinação pela investigação particular. Naquela tarde minha primeira impressão não havia sido das melhores. O modo ta-citurno, as olheiras espessas e a corpulência de Ramos dera-

O JUIZ DA FINAL

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me certo medo durante a entrevista. Ele era alto e suas mãos capazes de envolver uma bola de boliche por inteiro. Sua voz era carregada de autoridade que somada á iluminação tênue da pequena sala comercial no quinto andar da Rua dos Andradas no centro de Porto Alegre tornavam o ambien-te um tanto sombrio. Talvez isto justificasse a pouca procura pela oferta.

— Está contratada. Disse-me ele. — Nosso expediente começa às 10:00 e se encerra às 17:00, isto ob-viamente se não precisar de seu apoio em campo, o que vez ou outra poderá ser necessário. Como disse, não posso pagar horas extras nesses casos, mas creio que o percentual combinado sobre cada trabalho servirá para compensar essa minha indisponibilidade.

Retornei para a pensão que alugava receosa em aparecer ou não no trabalho no dia seguinte. O fiz, até mesmo porque meus recursos estavam quase se esgotando. No dia seguinte às 10:00 em ponto estava na agência. O de-tetive passava as chaves na porta quando cheguei.

Era um ambiente de trabalho tipicamente mas-culino. O cheiro bruto de suor e de cigarro mentolado pre-dominava. Havia uma pequena recepção a qual deduzi ser meu espaço de trabalho onde papeis e documentos disputa-vam espaço com jornais e revistas. Entre os papeis o pedaço negro de um telefone, e emergindo como se fosse uma ilha em meio ao pardo e ao colorido das revistas automotivas, um monitor de computador.

— Está um pouco bagunçado. Disse o deteti-ve. — Minha ultima secretária pediu demissão coisa de uns dois meses, e as coisas se acumularam. Ele tinha certo pesar nos olhos que demoveu minha idéia de questionar os moti-vos de minha antecessora para demitir-se.

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Antes de começar a organizar toda aquela ba-gunça ele me levou a sua sala. Na porta de madeira uma placa de bronze dizia “Detetive Ramos Investigações Par-ticulares”. A sala não estava em melhores condições que a recepção. A mesa de trabalho era antiga, e sua madeira pa-recia bem gasta pelo tempo. Havia nela pouco menos papel que na recepção. O computador era um velho Compaq, cujo branco se tornara um bege escuro. Havia duas poltronas com o tecido puído, e na decoração se destacava um grande qua-dro abstrato pendurado na parede, ficando sempre as costas do detetive. O mais engraçado é que aquele quadro não significava exatamente nada, mas cada cliente encontrava uma explicação profunda para seu significado. Em sua sala o detetive ainda possuía uma televisão catorze polegadas e um rádio que certa vez me disse ter sido de sua avó. Mas o que mais me chamou a atenção foi uma das paredes, adornada por uma estante de ponta a ponta e entupida de livros. Com uma olhada mesmo que rápida percebi que predominavam nas lombadas nomes como Agatha Christie, Sir Arthur Conan Doyle, Georges Simenon, e James Ellroy. O único que recor-dei conhecer entre eles foi o de Luis Fernando Veríssimo, menos por sua biografia, e mais por sua coluna dominical.

— Estarei em minha sala. Começou ele organi-zando a rotina do dia. — Não deixe ninguém entrar sem ser anunciado. Se possível ao repassar as ligações, tenha uma idéia prévia do que se trata... Um breve silêncio. — Ah, e arrume como quiser sua mesa de trabalho. Seja bem-vinda.

Foi o que fiz. Praticamente quase cinco dias de trabalho até conseguir limpar o local e dar ao menos uma visão apresentável. Naquela primeira semana foi praticamen-te todo meu esforço já que o telefone praticamente não to-cara, e quando aconteceu era geralmente alguma empresa

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oferecendo seus serviços. Também nenhum cliente procura-ra pelo detetive, o que lá pela terceira semana de trabalho começou a me deixar preocupada, principalmente porque supunha a falta de serviço estar ligada diretamente a minha remuneração.

O primeiro mês se passou e eu via o detetive Ramos apenas na chegada e na saída do trabalho. Ele vendo a preocupação estampada em meus olhos, amenizava a falta de clientela sempre com “não se preocupe querida. Neste ramo é assim mesmo”. Minha preocupação era menos com o ramo e muito mais com meu salário, ou de onde sairia ele. No entanto, mesmo sem qualquer caso para resolver na-quele primeiro mês, no dia combinado, antes de irmos cada um para nossas casas o detetive entregou-me um envelope pardo. Dentro tinha meu primeiro salário.

— Espero que estejas gostando do serviço. Disse-me ele fechando a agência. — Você deu uma boa or-ganizada nesta bagunça. Parece que até o cheiro melhorou. Certamente meus incensos estavam ajudando bastan-te.

As coisas não tinham mudado muito no segun-do mês de trabalho. E este estava quase na metade. Creio que minhas preocupações talvez estivessem chegando ao detetive e certo dia ele me convocou até sua sala.

— As coisas estão um tanto paradas. Come-çou dizendo. — E como sempre se fala que a propaganda é a alma do negócio, seria interessante publicarmos alguns anúncios nos classificados. Concordei, e ele passou a ditar-me. E o que escrevi no pequeno bloco de notas surpreen-deu-me:

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Detetive RamosSe precisas investigar casos de adultério, desavenças

familiares, espionagem empresarial ou crimes contra os se-guros, não nos procure. Para todos os outros estamos a sua disposição para uma solução rápida e eficiente. Ligue 3223-6685.

Não era um anúncio que esperava para um de-tetive. Naquele tempo havia pesquisado buscando entender meu novo ambiente de trabalho e tudo que ele acabara de ditar que não fazia era justamente o que mais movimentava as agências de detetives nos dias de hoje, bem longe do charme e da importância dos personagens que Ramos gosta-va de ler. Ele percebeu minha incompreensão.

— Pelo visto não gostou do meu anúncio. Dis-se ele, esboçando um suave sorriso.

— Não é isso chefe (Não sei quando, mas me acostumara a chamá-lo de chefe). Respondi sem muita con-vicção. — Apenas achei diferente. Completei buscando dis-farçar.

Ele então me fitou nos olhos, e pela primeira vez percebi o quanto persuasivo ele podia ser quando apre-sentava suas convicções. Era como se um professor com todas as graduações possíveis tomasse seu corpo. Foi mais ou menos essa visão que tive dele justificando seu anuncio.

— Adultério, isso qualquer detetive de merda faz. Sua voz soava ainda mais empolada. — Se fizesse o mesmo que os párias de profissão teríamos filas nesta sala, algum dinheiro, mas a um custo desnecessário. Se alguém precisa recorrer a um investigador por causa de adultério é porque a resposta já está pronta. Não gosto de causar sofri-mento, muito menos me envolver em disputas por dinhei-

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ro que ambos ganharam. Os casos de adultério expõem as pessoas ao máximo de suas mesquinharias. E eu não gosto de gente mesquinha. Disse sério, fazendo uma pausa para recobrar o ar.

Enquanto ele tomava fôlego para prosseguir sua explicação me sentei na poltrona como se fosse uma aluna interessada.

— Espionagem industrial. Continuou ele. — Não passa de busca desenfreada pelo capital a custa dos tra-balhadores. Já fui de sindicato, por isso digo que os industri-ários é que se danem. Resolvam suas encrencas entre si, mas jamais contarão com meu apoio para enriquecer ainda mais. E quanto aos crimes de seguro, bem nesses casos tempos sempre dois tipos de clientes: aqueles apavorados demais para uma última tentativa de arrumar suas vidas financeiras e aqueles ruins o suficiente para encherem de formigas a boca de quem descubra suas fraudes.

Sai da sala convencida dos argumentos do meu chefe. Mas antes que eu começasse a digitar o texto no computador, ele ainda fez um adendo.

— Coloque aí que também não investigamos casos políticos. Eles ainda são mais perigosos que os casos de seguro.

*** Na semana seguinte os três anúncios publi-

cados nos principais jornais de Porto Alegre começaram a surtir efeito. As ligações se tornaram um pouco mais equi-libradas, e enfim Ramos marcou uma reunião no escritório. Era uma terça-feira quando o homem baixote com excesso de peso entrou na agência. Não tinha uma aparência que

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causasse boas impressões. Talvez por causa da barba rala, ou então pelo olhar cabisbaixo. Também não se vestia como um cliente em potencial, com seus abrigos surrados, em ver-melho e branco.

— Diz pro detetive que o Lobão está aqui. A voz era empolada, e com uma empáfia própria de políticos ou dos policiais. Porém ele não era nenhuma das coisas.

— Vou anunciá-lo. Respondi com desdém. Desejava livrar-me logo do sujeito.

Porém para minha surpresa, participar das reu-niões com clientes estava entre minhas funções do trabalho. Ao menos foi o que dissera o chefe entregando-me uma espécie de livro ata, e solicitando que anotasse os principais pontos da reunião. Para quem pouco fizera desde a contra-tação, não vi exagero algum, e sentei numa poltrona colo-cando o livro sobre um espaço vazio da mesa, prestando atenção á escrita, e ao que ambos conversavam.

— Senhor Lobão não é mesmo? Disse ramos olhando o sujeito de cima abaixo como se analisasse o clien-te. — Confesso que não compreendi muito suas necessida-des, ao telefone. No entanto achei bastante curioso.

O sujeito acomodou seu corpanzil arrastando a bunda na poltrona como se não estivesse á vontade naque-la situação.

— O senhor gosta de futebol detetive? Per-guntou ele. Naquele momento não via sentido nenhum na pergunta.

— Não tanto como o senhor. Respondeu Ra-mos. — Mas ao menos somos ambos colorados, do contrário talvez não pudéssemos prosseguir esta conversa.

— Verdade doutor. Respondeu o homem con-ferindo a Ramos um título que ele não possuía. — Futebol

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é minha vida. Eu gosto muito de futebol... E com a neces-sidade de agora dirigir a torcida organizada o senhor não imagina como é a pressão...

— Eu imagino. Não compreendo muito bem no que possa ser útil. Respondeu Ramos.

— Oras o senhor é um detetive. E detetives sempre são uteis. A voz do homem empertigou-se de certa irritação. — Até estava disposto a procurar outro, mas vi seu anúncio, e então descobri que seria o único a não estar envolvido em perseguições a vadias que traem os seus espo-sos...

— Ou o inverso... Intrometi-me, um tanto co-rada pela ousadia. No entanto não sofri reprimendas e tive que no máximo lidar com o olhar feio do homem.

— Enfim, como falei ao telefone, detetive, eu, e toda a nação colorada estamos precisando de uma rápida investigação, e por isso penso que talvez só o senhor tenha disponibilidade para esta urgência. E minha torcida possui um fundo com recursos para este tipo de necessidade...

— Esta parte eu havia compreendido. Disse o chefe. — No entanto ainda não deixou claro o que se preci-sa investigar...

— O senhor sabe que domingo tem grenal? Imagino que saiba. O problema é justamente esse, pois o juiz escalado pela federação não é do nosso agrado, e sus-peitamos que ele possa estar vendido. Não podemos perder essa final doutor...

O homem parecia bastante nervoso naquele ponto da conversa.

— Querem então que investigue o juiz da par-tida?

— Isso mesmo detetive. O homem falava com

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rapidez. — Temos de agir rápido, provar que aquele maldito está envolvido com os adversários. Precisamos entregar este material na imprensa.

Ramos pegou os classificados onde anunciaria. Olhou-o por algum tempo. E voltou a fixar se olhar no ho-mem.

— Hum... é parece que seu caso não está en-tre aqueles que a política da agência não me permite inves-tigar.

O homem suspirou como se lhe tirassem um peso das costas quando Ramos aceitou a proposta de traba-lho. Antes do final da reunião combinaram ainda o valor a ser pago pelo serviço, sobre as despesas, e principalmente qual seria o alvo do detetive Ramos. Ainda antes de partir o homem deixou-nos um envelope para as despesas, e partiu prometendo retornar no sábado pela manhã quando tería-mos de apresentar nosso relatório.

O juiz em questão não morava em Porto Ale-gre. O que nos fez pegar o carro e ir rumo ao interior. Sim, segundo o chefe aquela era uma das situações em que ele necessitava minha companhia, pois desejava que acompa-nhasse os casos para depois escrevê-los como forma de re-gistrar com a maior veracidade possível suas investigações. Vi em seus olhos distantes que ele tinha planos para isto.

Caminhamos pelo entrevero de gente que se torna a Rua dos Andradas durante a tarde. Caminhamos até chegar a uma garagem onde para minha surpresa o detetive guardava seu carro. Imaginava algo velho como um Monza, ou na pior das hipóteses um Fusca. No entanto o carro do chefe era um Ford Focus, modelo de um ano atrás. Comple-to. Saímos de Porto Alegre sem falar muita coisa.

Amarildo Zalafiero era o nome do juiz. Embo-

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ra fosse considerado um dos melhores do estado, sua remu-neração como juiz não era suficiente para que ele abando-nasse o serviço público numa pequena cidade no vale do Rio Pardo. Chegamos à cidade e era possível sentir o cheiro adocicado da produção de Tabaco. O lugar não era muito grande e nos hospedamos no único hotel da cidade. Orga-nizamos nossos pertences e acomodações e logo o detetive iniciou sua campana.

Por ter mais experiência, o chefe foi direto ao endereço onde morava o juiz, enquanto solicitou que eu fizesse uma pesquisa de campo no local de trabalho do in-vestigado. Não era uma prefeitura muito grande, mas como qualquer outra tinha mais pessoas sem ter o que fazer, do que alguém trabalhando. Amarildo trabalhava na Secretaria de Finanças, e com a desculpa de pesquisar sobre impostos municipais me aproximei.

Era um homem de bastante presença, e o que nenhuma mulher deixaria de perceber, muitíssimo perfuma-do. Seus cabelos negros eram bem engomados por gel, e sua roupa de modo impecável vestindo uma camisa bem passada, e um sapato bem lustroso como pude ver sob sua mesa. Ele me pareceu muito simpático sem jamais irritar-se com tantas perguntas daquela desconhecida que pretendia instalar-se na cidade. Por algum momento imaginei ter acon-tecido um flerte. Mas não pude ter muita certeza.

Exceto que, além de muito bem apresentado, o homem era também educado, com uma voz mansa e su-ave, nada mais consegui obter de informações. Enquanto ouvia suas respostas alguns colegas passaram pelo local e em ritmo de brincadeira tocavam no jogo de domingo. “Olha lá, hein... Apita para nós”. Diziam tanto gremistas, quanto colorados, ao homem que parecia bem popular devido a sua

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atividade extracurricular. Retornei ao Hotel e antes da meia-noite ouvi

batidas na porta. Fiquei rubra, pelo que os outros poderiam pensar já que o chefe não era nada sutil. Abri a porta e ele entrou no quarto com certo desânimo no rosto.

— Então chefe. Disse eu. — Fez progressos? — Não muita coisa. Respondeu com o rosto

fechado. — Pelo que pude averiguar na cidade esse cara é muito chato. Do cabelereiro ao empacotador do mercadinho todos disseram que a grande estrela da cidade é um cara me-tódico e correto. Além disso, tem 35 anos e ainda mora com a mãe. Não gosto de caras dessa idade que ainda moram com a mãe.

— Conversei com ele. Empostei a voz como se fosse muito importante o que iria dizer. — Mas além de ficar por dentro de quase todos os impostos locais não percebi muita coisa. É um homem bem educado e bastante popular pelo visto.

— Ah sim. É bastante popular. Mas isso é co-mum, pois é o único nome da cidade a estar nos jornais.

Conversamos um pouco mais, e depois o che-fe retornou ao seu quarto.

Passamos o resto da semana na cidade. Vi

como o chefe conseguiu mapear a rotina do juiz, embora isso não fosse muito complicado. Acordava-se às 06:30, cor-ria por uma hora, voltava para casa e tomava café delicada-mente preparado por sua mãe. Às 07:50 ia para a prefeitura onde passava quatro horas na prefeitura. Almoçava num res-taurante no centro da cidade, voltava para o trabalho, depois seguia para a universidade onde cursava uma pós-graduação. “Um exemplo de cidadão.” Chegara dizer o chefe, de certa

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forma irritado por não acharmos nada que pudesse apre-sentar ao nosso cliente. Nenhuma ligação suspeita, nenhum almoço com lideranças tricolores, nem coloradas... Nada que desabonasse sua condição de árbitro.

Na sexta-feira o chefe estava pronto para vol-tar já naquela noite a Porto Alegre, e mostrar o maçante e monótono relatório ao nosso contratante. Porém, para nossa surpresa, já que eu fazia campana com ele, pois havíamos fechado a conta no hotel, e dali retornaríamos para a capital, naquela noite, as luzes não se apagaram às 10:30 como de costume. A garagem da casa em estilo colonial alemão se abriu e o Prisma do juiz saiu da casa. O homem ia ao volan-te.

Como sextas-feiras habitualmente é dia de ba-lada era esta hipótese que imaginava o chefe. O juiz rodou pelo centro da cidade e depois de algum tempo se dirigiu para um bairro mais afastado. Foi complicado acompanhar-mos sem sermos vistos, já que eram ruas mais desertas. O prisma parou na frente de uma casa humilde, e um amigo entrou no carro e o carro retomou sua viagem. Ainda está-vamos no centro quando o chefe parou o Ford Focus, me entregou Duzentos Reais, e me disse que era para que eu voltasse a Porto Alegre, pois ele resolvera investigar mais um pouco.

No principio não entendi o que mudaria uma festa, mas fiz o ordenado.

Como meu expediente era de segunda a sex-

ta, e naquela semana já havia feito bastantes horas-extras, sequer liguei para o chefe. Passei o dia revisando e-mails, e tecendo teorias quanto á frustração do cliente ao receber nosso relatório.

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Esperava indagar esta cena do chefe na segunda-feira, mas para minha nova surpresa, domingo bem cedo meu celular tocou. Atendi como todo mundo atende o celular quando sonolento. Sem entender o que o outro fala e cor-rendo o risco de assumir compromissos indesejados. Foi o que aconteceu.

— Vamos ao jogo? Disse o chefe no telefone. — Nos encontramos no portão 8 às 15:00. Já comprei nossos ingres-sos.

— Sim, chefe. Respondi e desliguei. Quando despertei de vez tentei retornar a ligação, mas era tarde, e o telefone do chefe estava desligado.

Às 15:00 me encontrei com o detetive em frente ao portão combinado. Ele tinha um bom aspecto e não pare-cia cansado. Já eu, estava moída pela viagem, e não fosse à convocação estaria ainda dormindo, ou ao menos distante daquela confusão, com conversas altas, apitos, cantorias e tudo que se reúne em torno de uma final de campeonato.

— Por que estamos aqui chefe? Perguntei confusa, e falando mais alto que o habitual como se ele não fosse capaz de me ouvir.

— Por causa da nossa investigação, oras.— Então quer dizer que o senhor descobriu algo na-

quela noite?— Certamente. Sempre desconfie de pessoas muito ali-

nhadas. Devolveu ele.— E o que foi que o senhor descobriu?— Esperamos um pouco mais e depois te conto. Disse

ele apresentando nossos ingressos na portaria.— Mas é algo muito revelador? Eu parecia bem curiosa.

— Fiquei o sábado inteiro imaginando a cara de frustração

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do nosso cliente.— Digamos que minha descoberta não era bem o que

ele imagina. O detetive fez um breve silencio, e pintou seu rosto com feições irônicas. — Mas de qualquer forma ele me disse que aquilo seria bem útil para a torcida organizada, e que, se seus planos dessem certo talvez pagasse o dobro do combinado. E sinceramente estou bem curioso para saber como o relatório poderá ajudá-lo. E por isso convidei você a assistir o possível desfecho de nosso caso. Aliás, gosta de futebol?

A pergunta era um pouco tardia e eu não gostava e nem entendia nada de futebol. Dentro do estádio o que mais chamara minha atenção foram os gestos e os movimentos dos torcedores. Os ingressos foram conseguidos pelo pró-prio cliente, que eu pude avistar uns dez lances abaixo na arquibancada. Ora a torcida gritava, ora xingava, e por gran-de parte do tempo gritava de novo. Quase todo o jogo tinha transcorrido, ataques, defesas, e UhS! eu ainda não tinha descoberto o motivo para estar ali.

Então, quando há pouco tempo o chefe também con-fuso dissera-me que estávamos quase no fim do jogo, o em-pate persistia entre Inter e Grêmio e tudo seria decidido nas penalidades. Porém havia um último recurso que eu des-conhecia. Percebi os torcedores a minha volta se eriçando quando num contra-ataque alguém de vermelho pegou a bola e disparou em direção ao gol oposto. Um zagueiro, como se um policial atrás do bandido correu contra o ata-cante. Houve um choque casual e ambos caíram.

O pequeno segundo de silêncio pareceu uma eternida-de. Vermelhos e azuis tomados pelo suspense do que viria a seguir. Foi quando da torcida organizada um nome começou a reverberar, multiplicado por milhares de vozes. TONINHO!

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TONINHO! TONINHO! Não havia nenhum jogador com esse nome. Isso eu percebera. Nem juiz, nem bandeirinhas ti-nham esse nome. Mas por algum motivo Toninho era um nome a ser dito.

Meus olhos olhavam para o arbitro. Talvez por causa de uma semana inteira perseguindo-o. Era como se enxer-gasse sua alma e percebesse que o mesmo mudara suas feições quando a torcida se manifestou. O silêncio e o sus-pense foram quebrados pelo som estridente do apito. O juiz marcou penalti. O que logo a televisão confirmou ser um erro confirmando o que a indignação gremista bradava.

Houve confusão, que não vi muito, pois me detinha ao sorriso do chefe.

— Sorria querida. Disse ele com os lábios abertos de orelha a orelha. — Receberemos em dobro pelo nosso tra-balho. Pelo visto arbítros de futebol não gostam de tornar público seus romances.

Uma segunda explosão tomou a torcida colorada quan-do o pênalti foi convertido na segunda cobrança (já que uma nova onda de TONINHO! Convenceu o juiz que a primeira defesa foi irregular). O capitão colorado ergueu a taça feliz. E na segunda-feira eu levantei minha própria taça. Depositei a comissão dobrada em minha caderneta de poupança.

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