os atentados aos documentos de kardec e a sociedade...

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jornalcienciaespirita.org ano ii - nº 5 distribuição online gratuita R evista Espírita, Julho de 1871: “NOSSA EX- PECTATIVA NãO FOI EM VãO, E A CIRCULAçãO FOI PRECARIAMENTE RESTABELECIDA; OS CORREIOS AINDA ESTãO DESORGANIZADOS, MAS AS CARTAS CHEGAM DE TODAS AS PARTES AO NOSSO ESCRITóRIO NA RUE DE LILLE, SALVO DAS CHAMAS PELA VIGILâNCIA INQUIETA DE UM ESPíRITA, O SENHOR X., TENENTE DE EMBARCAçãO. DIGA-SE DE PASSAGEM QUE O SENHOR X., OCUPANDO A áREA COM OS SEUS MARINHEIROS, FRUSTROU, POR MEIO DE UM MONITORAMENTO CONSTANTE, DUAS TENTATIVAS DE IN- CêNDIO CONTRA O QUE AINDA RESTAVA DA RUE DE LILLE, O QUE TERIA POR RESULTADO CONDENAR à ANIQUILAçãO O QUE FOI POSSíVEL SALVAR DESSE MARAVILHOSO QUARTIER’. ESTAMOS FELIZES EM FAZER, NESTA CIRCUNSTâNCIA, JUN- TO AO SENHOR X., ECO AOS AGRADECIMENTOS DO MUNDO ESPíRITA EUROPEU PELO PAPEL QUE ELE DESEMPENHOU NO SALVAMENTO DOS NOSSOS DOCUMENTOS.” Em 19 de julho de 1870, cerca de quinze meses após o decesso de Kardec, o Imperador Napoleão III, provocado por Bismarck, declarou guerra à Prússia. A batalha decisiva ocorreu em 2 de setembro, quan- do os franceses foram derrotados e o Imperador aprisionado pelos prussianos. Mas Bismarck esten- deu a guerra até o final de janeiro do ano próximo com o fim de enfraquecer bastante a França e ficar em definitivo com a Alsácia-Lorena. Os alemães só deixaram a França em 1873, cobrando pesadas com- pensações de guerra (“Levando nossas riquezas, a Prússia leva uma parte dos nossos vícios; pois ao ficarmos menos ricos, por certo ficaremos mais vir- tuosos”, diz uma das cartas recebidas pela Revue). Em 8 de fevereiro de 1871, a recém-instalada III República realiza eleições para a Assembléia Nacio- nal. O interior vota nos conservadores e enrustidos monarquistas; Paris, vota nos socialistas, anarquis- tas, liberais e republicanos autênticos. O líder da assembléia, Thiers, instala o governo em Bordéus, depois em Versalhes. A cidade luz se revolta: é insta- A S DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS ESTãO CADA VEZ MAIS TOMANDO TERRENO QUE ANTES PERTENCIA AO CETICISMO, à INDIFERENçA E A DECLARADA INCREDULIDADE. O MESMO CETICISMO QUE POUCAS DéCADAS DESTRONOU AS RELIGIõES E SEITAS QUE NãO ERAM CAPAZES DE FORNECER UMA EXPLICAçãO RACIONAL PARA OS PROBLEMAS DA VIDA E DO FUTURO DA HUMANI- Os atentados aos documentos de Kardec e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas QUEM LEU OS PERCALçOS PELOS QUAIS PASSARAM OS DOCUMENTOS DE KARDEC NO TEXTO “EM BUSCA DO SANTO GRAAL”, PODE ACRESCENTAR MAIS ESTE, RELATADO PELO DESLIENS NA REVISTA ESPíRITA DE JULHO DE 1871. lada a Comuna de Paris. Thiers tenta, em 18 de mar- ço, tomar os canhões da Guarda Nacional; o povo reage e fuzila os generais. Então, Bismarck liberta e arma os cem mil prisioneiros de guerra para que se unam ao pequeno exército de Thiers e reprimam a Comuna. O cerco se inicia em 21 de maio. Dada a su- perioridade dos conservadores, a população provoca incêndios na tentativa de conter os soldados. Paris em chamas! É a “semana sangrenta”, que dura até 28 de maio, quando a Comuna se extingue em meio a vinte mil mortos e dez mil prisioneiros ou exilados. O último reduto caiu em Menilmontant, próximo à porta por onde eu e minha esposa entramos no Père Lachaise quando lá estivemos. É interessante como os preciosos arquivos, com os quais “a posteridade poderia julgar os homens”, correm o risco de extinção desde o começo de sua existência. Terá valido a pena, o arriscado esforço do valo- roso marinheiro espírita e seus comandados, dando uma sobrevida a este “quadro único da história do espiritismo moderno”? Dizem que alguns anos depois, Leymarie, então todo-poderoso gerente do espólio kardeciano, enviou vários desses documentos aos seus amigos do Bra- sil. O restante do acervo foi novamente ameaçado quando seu filho, assustado com uma “reentrée” dos canhões germânicos e franceses ameaçou abandoná- -los à própria sorte. Foram salvos, desta vez, pelo Jean Meyer, que os recolheu na Maison des Spirites, onde distribuíram suas luzes por um quarto de sécu- lo, até a Maison virar quartel de tropas, novamente germânicas, e serem pilhados e sepultados impune- mente nos porões dos descendentes de quem os re- tirou de seu devido lugar. Seria a força do destino tentando se contrapor à força das coisas? João Donha DADE, AGORA PERDEM TERRENO PARA A NOVA ERA. A DOUTRI- NA ESPíRITA MOSTROU AO MUNDO A MECâNICA DO UNIVERSO VISíVEL E INVISíVEL, NãO POR UMA SéRIE DE ENSINOS DADOS COMO CRENçAS OU SUPOSIçõES, MAS BASEADOS EM FATOS CON- CRETOS, EM UMA VASTA FENOMENOLOGIA QUE IMPRESSIONOU E AINDA IMPRESSIONA TODOS AQUELES QUE SE DEDICAM AO SEU ESTUDO SéRIO E SEM PRECONCEITOS. OS FENôMENOS EXISTEM, E PODEM SER AVERIGUADOS, MEDIDOS E POSTOS à PROVA, PARA TAL, AQUELE QUE PRETENDE DESBRAVAR ESTE MECANISMO NE- CESSITA DE DEDICAçãO E REAL INTERESSE EM CONHECER A VER- DADE DE UM PONTO DE VISTA MAIS NíTIDO. NESTA EDIçãO TRA- ZEMOS ALGUMAS CURIOSIDADES SOBRE OS CHAMADOS DEMôNIOS DO VELHO E NOVO TESTAMENTO, DESMISTIFICANDO AS LENDAS à LUZ DA DOUTRINA ESPíRITA. OS DEMAIS ARTIGOS TRATAM DE ASSUNTOS SENSíVEIS QUE DE MODO GERAL CAUSAM CONFUSãO PARA ALGUNS ESTUDANTES. PROCURAMOS ENCAMINHAR OS AS- SUNTOS PARA UMA SOLUçãO, PROVOCANDO O QUESTIONAMENTO, MAS NãO TEMOS A PRETENSãO DE CARREGAR A VERDADE ABSO- LUTA. O HOMEM DEVE POUCO A POUCO ABRIR SEUS OLHOS PARA A LUZ, AO PREçO DE FICAR CEGO CASO PRETENDA FAZER DE UMA VEZ, é NECESSáRIO UM TEMPO ENTRE O ESTUDO E A ASSI- MILAçãO, DESBRAVANDO POUCO A POUCO AS VERDADES ALTIVAS ELE VAI GANHANDO CONFIANçA EM SI MESMO E NãO SOFRERá DAS ANGúSTIAS QUE TOMAM LUGAR QUANDO UM ACONTECIMEN- TO MUITO CHOCANTE, O COLOCA DE PONTA CABEçA EM RELAçãO AOS SEUS ANTIGOS CONCEITOS E VERDADES. Palavras do Editor

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jornalcienciaespirita.org ano ii - nº 5distribuição online gratuita

Revista Espírita, Julho de 1871: “Nossa ex-pectativa Não foi em vão, e a circulação foi precariameNte restabelecida; os correios

aiNda estão desorgaNizados, mas as cartas chegam de todas as partes ao Nosso escritório Na rue de lille, salvo das chamas pela vigilâNcia iNquieta de um espírita, o seNhor x., teNeNte de embarcação. diga-se de passagem que o seNhor x., ocupaNdo a área com os seus mariNheiros, frustrou, por meio de um moNitorameNto coNstaNte, duas teNtativas de iN-cêNdio coNtra o que aiNda restava da rue de lille, o que teria por resultado coNdeNar à aNiquilação o que foi possível salvar desse maravilhoso ‘quartier’. estamos felizes em fazer, Nesta circuNstâNcia, juN-to ao seNhor x., eco aos agradecimeNtos do muNdo espírita europeu pelo papel que ele desempeNhou No salvameNto dos Nossos documeNtos.” Em 19 de julho de 1870, cerca de quinze meses após o decesso de Kardec, o Imperador Napoleão III, provocado por Bismarck, declarou guerra à Prússia. A batalha decisiva ocorreu em 2 de setembro, quan-do os franceses foram derrotados e o Imperador aprisionado pelos prussianos. Mas Bismarck esten-deu a guerra até o final de janeiro do ano próximo com o fim de enfraquecer bastante a França e ficar em definitivo com a Alsácia-Lorena. Os alemães só deixaram a França em 1873, cobrando pesadas com-pensações de guerra (“Levando nossas riquezas, a Prússia leva uma parte dos nossos vícios; pois ao ficarmos menos ricos, por certo ficaremos mais vir-tuosos”, diz uma das cartas recebidas pela Revue). Em 8 de fevereiro de 1871, a recém-instalada III República realiza eleições para a Assembléia Nacio-nal. O interior vota nos conservadores e enrustidos monarquistas; Paris, vota nos socialistas, anarquis-tas, liberais e republicanos autênticos. O líder da assembléia, Thiers, instala o governo em Bordéus, depois em Versalhes. A cidade luz se revolta: é insta-

as doutriNas espiritualistas estão cada vez mais tomaNdo terreNo que aNtes perteNcia ao ceticismo, à iNdifereNça e a declarada

iNcredulidade. o mesmo ceticismo que há poucas décadas destroNou as religiões e seitas que já Não eram capazes de forNecer uma explicação racioNal para os problemas da vida e do futuro da humaNi-

Os atentados aos documentos de Kardec e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

quem já leu os percalços pelos quais passaram os documeNtos de Kardec No texto “em busca do saNto graal”, pode acresceNtar mais este, relatado pelo deslieNs Na revista espírita de julho de 1871.

lada a Comuna de Paris. Thiers tenta, em 18 de mar-ço, tomar os canhões da Guarda Nacional; o povo reage e fuzila os generais. Então, Bismarck liberta e arma os cem mil prisioneiros de guerra para que se unam ao pequeno exército de Thiers e reprimam a Comuna. O cerco se inicia em 21 de maio. Dada a su-perioridade dos conservadores, a população provoca incêndios na tentativa de conter os soldados. Paris em chamas! É a “semana sangrenta”, que dura até 28 de maio, quando a Comuna se extingue em meio a vinte mil mortos e dez mil prisioneiros ou exilados. O último reduto caiu em Menilmontant, próximo à porta por onde eu e minha esposa entramos no Père Lachaise quando lá estivemos. É interessante como os preciosos arquivos, com os quais “a posteridade poderia julgar os homens”, correm o risco de extinção desde o começo de sua existência. Terá valido a pena, o arriscado esforço do valo-roso marinheiro espírita e seus comandados, dando uma sobrevida a este “quadro único da história do espiritismo moderno”? Dizem que alguns anos depois, Leymarie, então todo-poderoso gerente do espólio kardeciano, enviou vários desses documentos aos seus amigos do Bra-sil. O restante do acervo foi novamente ameaçado quando seu filho, assustado com uma “reentrée” dos canhões germânicos e franceses ameaçou abandoná--los à própria sorte. Foram salvos, desta vez, pelo Jean Meyer, que os recolheu na Maison des Spirites, onde distribuíram suas luzes por um quarto de sécu-lo, até a Maison virar quartel de tropas, novamente germânicas, e serem pilhados e sepultados impune-mente nos porões dos descendentes de quem os re-tirou de seu devido lugar. Seria a força do destino tentando se contrapor à força das coisas?

João Donha

dade, agora perdem terreNo para a Nova era. a doutri-Na espírita mostrou ao muNdo a mecâNica do uNiverso visível e iNvisível, Não por uma série de eNsiNos dados como creNças ou suposições, mas baseados em fatos coN-cretos, em uma vasta feNomeNologia que impressioNou e aiNda impressioNa todos aqueles que se dedicam ao seu estudo sério e sem precoNceitos. os feNômeNos existem, e podem ser averiguados, medidos e postos à prova, para tal, aquele que preteNde desbravar este mecaNismo Ne-cessita de dedicação e real iNteresse em coNhecer a ver-dade de um poNto de vista mais Nítido. Nesta edição tra-zemos algumas curiosidades sobre os chamados demôNios do velho e Novo testameNto, desmistificaNdo as leNdas

à luz da doutriNa espírita. os demais artigos tratam de assuNtos seNsíveis que de modo geral causam coNfusão para alguNs estudaNtes. procuramos eNcamiNhar os as-suNtos para uma solução, provocaNdo o questioNameNto, mas Não temos a preteNsão de carregar a verdade abso-luta. o homem deve pouco a pouco abrir seus olhos para a luz, ao preço de ficar cego caso preteNda fazer de uma só vez, é Necessário um tempo eNtre o estudo e a assi-milação, desbravaNdo pouco a pouco as verdades altivas ele vai gaNhaNdo coNfiaNça em si mesmo e Não sofrerá das aNgústias que tomam lugar quaNdo um acoNtecimeN-to muito chocaNte, o coloca de poNta cabeça em relação aos seus aNtigos coNceitos e verdades.

Palavras do Editor

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É do saber geral que a missão de Moisés era educar e disciplinar um povo bruto, bárbaro; para isto

estabeleceu leis de acordo com o caráter dos homens. Recebeu o Decálogo, síntese das Leis Divinas, mas o medo e o pavor de um Deus violento e vingativo foram como um freio para conter os instintos animalizados vigentes. No primeiro capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec assina-la: “esta lei (o decálogo) é de todos os tempos e de todos os países, e tem, por isso mesmo, um caráter diviNo. todas as outras são estabelecidas por moisés, obrigado a maNter, pelo temor, um povo NaturalmeNte turbuleNto e iNdiscipliNa-do, No qual tiNha que combater os abusos eNraizados e os precoNceitos hauridos Na servidão do egito. para dar autoridade a suas leis, ele deveu atribuir-lhes ori-gem diviNa, assim como o fizeram todos os legisladores de povos primitivos; a au-toridade do homem deveria se apoiar Na autoridade de deus;… as leis mosaicas, propriameNte ditas, tiNham, pois, um ca-ráter esseNcialmeNte traNsitório.” A pena de talião era um castigo im-posto a todo aquele que infringisse as normas; era aplicada imediatamente ao infrator com idêntica proporcionalida-de à infração cometida. Ao que parece, havia a permissão do Alto, devido às circunstâncias. Em Êxodo 4, v.12 lê-se: “vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te eNsiNarei o que hás de falar”, resposta de “deus” a Moisés num diálogo sobre a missão que lhe caberia no mun-do. As leis mosaicas eram transitórias devido ao fato de que, uma vez atingido o objetivo de educar minimamente o povo, não haveria necessidade de permanecer. Mas é preciso que se penetre na essência mesma de tal pena: olho por olho, deNte por deNte, mão por mão, pé por pé. Para isso, analise-se a questão 764 de O Livro dos Espíritos, onde eles esclarecem: “Jesus disse: quem matou pela espada, perecerá pela espada. Essas palavras não são a consagração da pena de talião? A morte infligida ao homicida não é a aplicação dessa pena? – Tomai cuidado! Tendes vos en-ganado sobre essa palavra, como sobre muitas outras. A pena de talião é a justiça de Deus e é ele que a aplica. Todos vós su-portais, a cada instante, essa pena, porque sois punidos pelo que pecastes, nesta vida ou em uma outra. Aquele que fez sofrer seus semelhantes, estará numa posição em que sofrerá, ele mesmo, o sofrimento que causou. É o sentido das palavras de Jesus; mas vos disse também: perdoai aos vossos inimigos e vos ensinou a pedir a Deus per-doar as vossas ofensas, como vós mesmos tiverdes perdoado; quer dizer, na mesma proporção que tiverdes perdoado: com-preendei-o bem.” (n.m.) Os Espíritos Superiores disseram que a pena de talião é a justiça de Deus e é ele que a aplica. Ou seja, não parece que esta pena tenha sido apenas mais uma lei disciplinar mosaica, mas sim de cará-ter divino, essencialmente falando. Daí a impropriedade de se querer fazer justiça pelas próprias mãos, o que caracteriza ódio e vingança, e que está contra a Lei Divina e nega o ensino do Cristo. “amai a vossos iNimigos, beNdizei os

ProPõe-se, desta feita, organizar Pensamentos e as reflexões deles decorrentes, com a finalidade de acender discussões acerca de um exame mais maduro dos conceitos: Pena de talião, ação e rea-ção e causa e efeito que, com o Passar do temPo, foram se tornando objeto de “mais uma” Polêmica

no seio doutrinário-esPírita.

que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos mal-tratam e vos perseguem, para que sejais filhos do pai que está Nos céus; porque faz que o seu sol se levaNte sobre maus e boNs e a chuva desça sobre justos e iNjustos.” (Mt 5, 44 e 45). No livro “O céu e o inferno” no capítulo VIII – Expiações terrestres, há um relato intitulado por Kardec como “eNterrado vivo – a peNa de talião”, onde o Espírito evocado dia-loga com Kardec. Eis um trecho: “-dissestes: cruel puNição de uma feroz existêNcia; mas a vossa reputação, até este dia, Não faria supor Nada semelhaNte. podeis ex-plicar-Nos isso? – r…sabei, pois, uma vez que é Necessário vo-lo di-zer, que Numa existêNcia aNterior eu murara uma mulher, a miNha! toda viva Numa pequeNa adega! foi a peNa de talião que devia apli-car-me. deNte por deNte, olho por olho.” “- é certo que fostes eNter-rado vivo por eNgaNo? – r. isso de-veria ser assim, porque a morte apa-reNte teve todas as características de uma morte real; estava quase exaNgue (privado de saNgue). Não se deve imputar a NiNguém um fato previsto desde aNtes do meu Nasci-meNto.” (n.m.) O guia do médium esclarece que o próprio Espírito solicitara tal fim com o propósito de evoluir mais depressa; sua vítima o perdoara e o esperava num mundo melhor. Kardec indaga e obtém resposta de Erasto: “Que proveito pode tirar a humanidade de semelhantes punições? – R. Os castigos não são feitos para desenvolver a Humanida-de, mas para castigar o indivíduo cul-pado. Com efeito, a Humanidade não tem nenhum interesse em ver os seus sofrerem. Aqui a punição foi apropria-

da à falta. Por que os loucos? Por que os cretinos? Por que as pessoas paralí-ticas? Por que os que morrem no fogo? Por que aqueles que vivem anos nas torturas de uma longa agonia, não podendo nem viver nem morrer? Ah! Crede-me, respeitai a vontade sobera-na e não procureis sondar a razão dos decretos providenciais; sabei-o! Deus é justo e faz bem o que faz.” Na questão 621 de O Livro dos Espíritos, o nobre Codificador inda-ga as Entidades Excelsas onde está escrita a lei de Deus, ao que estas respondem: na consciência. Uma vez que as leis Divinas estão na consciência do homem, ele mesmo é que aplica a própria pena, a pró-pria condenação, com a permissão da Divindade que julga útil para o crescimento e amadurecimento de cada criatura. Se num tempo as ex-piações são impostas, noutro pode ser uma escolha do próprio Espírito, agora consciente de sua destinação.Em Obras póstumas Kardec volta a repetir: “…eis porque há famílias, povos e raças sobre os quais cai a peNa de talião.” “quem matou pela espada perecerá pela espada”, disse o cristo; estas palavras podem ser traduzidas assim: aquele que der-ramou saNgue verá o seu derrama-do, aquele que passeou a tocha do iNcêNdio em casa de outrem, verá a tocha do iNcêNdio passear em sua casa; aquele que despojou, será despojado; aquele que subjugou e maltratou o fraco, será fraco, sub-jugado e maltratado, por sua vez, quer seja um iNdivíduo, uma Nação ou uma raça, porque os membros de uma iNdividualidade coletiva são so-lidários do bem como do mal que se faz em comum.” (Perguntas e proble-mas. As expiações coletivas.) O fato é que a pena de talião como Lei Divina foi confirmada pelo

Cristo: “quem matou pela espada, pe-recerá ela espada”. Jesus ensinou e exemplificou o perdão, mas não que a culpa do agressor seria atenuada por causa disso. Quando disse “a cada um seguNdo as suas obras”, re-petia com outras palavras a mesma lei. A lei de ação e reação é uma lei física, material, que estabele-ce uma reação igual e proporcio-nal à ação. Nada impede que, por comparação, seja referida às ques-tões morais; afinal ações e reações não precisam ser, necessariamente, materiais. A não ser que se entenda por bem ou por mal somente ações (ou reações) perfeitamente mate-riais, palpáveis, perceptíveis. Um pensamento mau em relação ao se-melhante é uma ação má, por exem-plo, e uma prece é uma ação boa, sendo as sensações agradáveis que se sentem após uma prece, reações igualmente boas. O ato de perdoar, que não é palpável, é uma ação no bem. Pena de talião vista nas circuns-tâncias da época de Moisés e esta lei de Newton, comparativamente, são muito semelhantes. Levadas para as questões morais-espirituais, não perdem a semelhança, se forem con-sideradas sob o aspecto essencial, as entrelinhas. O recado é: “faça aos homens o que desejaríeis que os ho-mens vos fizessem.” Causa e efeito não é, propria-mente falando, uma lei, mas uma decorrência da lei de liberdade, (tra-tada no capítulo X da terceira parte de O Livro dos Espíritos); aliás, a causa é que decorre do livre arbítrio, pois o efeito está sob o controle das Leis Universais. É preciso que se ressalte que o livre arbítrio oferece ao homem total responsabilidade sobre seus atos,

portanto, a causa, a raiz, a origem dos males se encontra no homem, que tem a liberdade de escolher não fazê-los, mas os efeitos estão sob a guarda, ou melhor, sob o domínio da lei Divina; ou seja, a causa depende do homem e o efeito, que é dependente da causa, será aplicado se-gundo a vontade de Deus. (n.m.)

as letras espíritas oferecem todo o eNsiNo da verdade que os homeNs hoje têm coNdições de compreeNder. precoNceitos, idéias e opiNiões particulares só compli-cam o que allaN Kardec simplifi-cou. eNteNde-se que por se tratar de coisas tão traNsceNdeNtes, para muitos de Nós, alguNs te-mas aiNda se façam obscuros, mas deve-se a todo custo evitar que iNterpretações equivocadas se dissemiNem em Nome da doutriNa espírita. Neste caso específico, muito se publicou a respeito, teN-taNdo-se estipular uma separação tão graNde sobre estes três coN-ceitos, quaNdo, esseNcialmeNte, falam sobre a mesma coisa. a peNa de talião, da forma que era feita, sim, é reprovável; mas eNteNdido que foi que a ocasião evolutiva o exigia, Não há razão para que seja rechaçada e descoNsiderada como se represeNtasse algo remo-to para um povo específico; agora vê-se que trata-se de uma lei, em sua essêNcia, toda diviNa.

Discussão reflexiva sobre a Pena de Talião, Lei de Ação e Reação, Causa e Efeito

Maria Ribeiro

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Desmistificando os maus espíritos na Bíbliaum dos fenômenos mais curiosos da história consiste na ParticiPação da crença em seres sobrenaturais hostis ou maus no desenvolvimento moral & religioso humano. tanto quanto sabe-mos, tal crença existe onde quer que haja homens; e as crenças de várias comunidades em diversas Partes do mundo, juntamente com muitas diferenças de detalhes, mostram similaridades

notáveis entre si. a forma Particular da crença hebraica interessa não aPenas do Ponto de vista da sociologia antiga, mas também Pelo fato de ter amPlamente colorido nossa PróPria civilização.

Não é fácil fornecer uma história completa do velho esquema hebreu de maus

espíritos. Muitas crenças populares devem ter perecido irrecuperavel-mente. No Velho Testamento, não temos um livro cuja forma presente seja anterior ao século XVIII. É pro-vável que todo o material do Velho Testamento tenha sofrido uma revi-são nas mãos de homens que dese-javam suprimir o que consideravam crenças degradantes ou ainda que estavam tão imbuídos de idéias re-ligiosas elevadas que, de bom grado, ignoraram e omitiram tudo o que não ilustrava a verdadeira fé de Is-rael. Apenas uma anedota aqui e ali, uma nota casual, uma lei isolada permitem um vislumbre da antiga vida do povo. Mesmo em tempos comparativamente recentes, as notícias são tão breves e raras que deixam muitas lacunas na história do desenvolvimento religioso. Por-tanto, de modo algum este é um relato exaustivo do assunto posto, embora seja possível traçar com clareza aceitável as linhas gerais de seu avanço. Em primeiro lugar, podemos perguntar se o Velho Testamento contém traços da antiga crença em espíritos agressores e, se tomaram parte na fé popular, se seus pode-res nocivos eram apenas físicos ou também morais. A questão deve ser respondida negativamente até onde examinamos as qualidades nocivas. Com efeito, há sinais da sobrevi-vência do velho credo xamanístico: certos seres extra-humanos são mencionados em regra como exte-riores ou hostis à religião de Israel; mas são apontados como rivais de IAHWEH ou são considerados es-tranhos e indesejáveis. Nenhuma influência danosa física ou moral lhes é atribuída, nem contra eles é prescrita qualquer defesa. Assim, o Sā’īr aparece como um demônio (Levítico XVII 7), aparentemente do deserto, que os israelitas incli-navam-se a adorar com sacrifícios. Tal culto é atribuído pelo cronista a Jeroboão I (2 Crônicas XI 15), mas como o livro dos Reis nada diz sobre este culto, a notícia talvez deva ser considerada uma adição legendária à narrativa mais antiga. A origem do nome Sā’īr é duvidosa; ele é uti-lizado alhures para um animal ere-mítico que, é dito, haverá de chorar e dançar nas ruínas da Babilônia (Isaías XIII 21; XXXIV 14); ocorre no Pentateuco (Gênesis XXXVII 31; Levítico IV 24; XVI 5, 9 e segs.; Nú-meros VII 16 e segs.), em Ezequiel (XLIII 22 e segs.) e em Daniel (VIII 21) no sentido de “bode macho”. Então, ele se assemelha a um bode, a um sátiro evocado ou propiciado com oferendas. Além disso, nada mais é dito no Velho Testamento; nenhuma de suas qualidades físicas ou éticas é mencionada. Ainda mais enigmático é o Aza-zel do Levítico (XVI 8, 10, 26), que permaneceu isolado num ritual único, o mais impressionante da religião judaica. Carregando os pe-cados da nação em sua cabeça, o bode escolhido coletivamente para tal serviço era conduzido a um lu-gar ermo e ali abandonado, caindo

presumivelmente nas mãos de Aza-zel, que deve ser considerado como representando o domínio do pecado. Ele ocupa uma posição muito dife-rente daquela de Sā’īr; não é objeto de devoção, nenhum sacrifício lhe é oferecido, seu nome não é evocado e ele não aparece em cena. Misterio-samente oculto no deserto, recebe o pecado nacional do ano e o retira do espaço da vida nacional. Ele é tratado no Levítico como uma figu-ra familiar, mas nada é dito de sua origem e caráter. O nome (לזאזע (é obscuro [3] e nenhuma explicação satisfatória para ele foi fornecida até hoje. Azazel tem sido identificado a Satã, mas esta visão conflita com o que o Velho Testamento diz alhures de Satã (especialmente em Jó), que o representa como um dos seres de Elohim; e não há nenhuma razão óbvia do porque ele deveria aqui ser chamado por um nome diferente [4] . A bem da verdade, no livro de Enoc (VIII 1; IX 6; X 4-8), ele é in-troduzido como o primeiro corrup-tor dos homens e posto nas trevas para, posteriormente, no grande dia do julgamento, ser lançado ao fogo. Mas isto é meramente uma fantasia de tempos tardios e nada prova para o Velho Testamento [5] . Já no Levítico, Azazel ocupa uma posição tão elevada que alguém po-deria ser levado a supor ter sido ele considerado o chefe do reino do mal. Neste caso, ele deve ter alcançado os judeus por um caminho diferente daquele de Satã. Podemos suspeitar de uma origem persa, embora disto não exista evidência além do fato de o Levítico XVI assumir a existência de dois reinos opostos do bem e do mal, e que Azazel pertence ao últi-

mo. A transferência do pecado de um reino ao outro é representada pelo que parece ser uma porção pri-mitiva de simbolismo [6]. Alilith de Isaías XXXIV 14 pa-rece ser um animal selvagem, não um demônio; ocorre numa lista de animais e não parece ser de modo algum distinta dos outros. E mais, como o nome em babilônio e no ju-daísmo tardio (no Talmude) denota um demônio feminino (não distinto dos Drujas e Pairikas persas), é pos-sível que este uso existisse nos tem-pos do Velho Testamento. Assim, a lilith pode ser considerada uma remanescente do antigo xamanismo ou espiritismo, uma verdadeira cria-ção da fantasia popular. A opinião que liga tal figura a todas as nações não possui evidência e seu signifi-cado religioso foi restrito; apesar de temida e cultuada pelo povo, não influenciou substancialmente a re-ligião desenvolvida no Velho Testa-mento [7] . É suficiente mencionar o Asmodeus de Tobias, também tomado aos persas (Aeshma daeva) mas, tanto quanto se sabe, de pouca importância religiosa – sequer apa-rece em Enoc [8] . Deve-se notar que nenhuma dessas entidades foi mencionada em qualquer livro anterior ao exílio babilônico. Este fato pode não ter importância; tal omissão pode ser simplesmente um acidente. Não obstante, talvez testemunhemos aqui um resultado da influência ba-bilônica e persa. A proeminência de maus espíritos nos sistemas religio-sos desses povos pode ter colorido o pensamento dos judeus exilados, levando-os a adotar, talvez numa forma modificada, figuras das mito-

logias populares de seus vizinhos. Não parece haver evidência que divindades estrangeiras tenham sido consideradas demônios já no Velho Testamento. Nos primeiros tempos (Jefté, Juizes XI 24, Davi e 1 Samuel XXVI 19), tais deidades foram tratadas como seres divinos reais e poderosos. Elias pode ter falado ironicamente da divindade de Baal, mas não o representou como um mau espírito. O litígio dos pro-fetas com as divindades estrangei-ras ocorreu porque elas não eram israelitas, disputavam o povo com seu próprio Deus e sua adoração envolvia freqüentemente imoralida-des. No curso do tempo (a partir da última parte do exílio), elas foram ridicularizadas como impotentes ou inexistentes por pensadores israe-litas avançados (Isaías XLIV 9-19; Salmos CXV 4-8). A expressão “coisa indigna” (elīl) para “ídolo” é encontrada de Isaías (Isaías II 8) até as Crônicas e os Salmos, mais tardios (1 Crônicas XVI 26; Salmos XCVI 5). No Velho Testamento, existe um termo (shed) que se su-põe envolver uma identificação de divindades não-israelitas com maus espíritos. Esse termo ocorre duas vezes (Deuteronômio XXXII 17; Salmos CVI 37) e, na versão do Rei James, foi traduzido como “diabo”; na versão revisada, como “demônio” – indubitavelmente após a Septua-ginta (δαιμóνιον), o siríaco (ٱڦ .’ٱ (e o latim vulgar (daemonium); mas nenhuma dessas versões antigas pode ser tomada como autoridade para um termo assim. Na passagem do Deuteronômio, shedim é paralelo a “deuses” e, na passagem do Sal-mo, a “ídolos” (בצע ,(ou seja, ele

aparentemente significa seres di-vinos de tipo ordinário. Nem o uso assírio do termo favorece qualquer outro sentido: o assírio shidu ex-pressa o deus touro, o qual, apesar de talvez não estar no mesmo pata-mar dos deuses chefes, distingue-se contudo de espíritos e demônios [9]. Nem aquela passagem obscura (Isaías XXIV 21-23) pode ser consi-derada como se referindo a poderes demoníacos. Nela, a “hoste do céu no céu” contrasta com os “reis da Terra sobre a Terra”, parecendo se referir às divindades que se acredi-tava residiam e controlavam os cor-pos celestes; aparentemente, uma referência às divindades astrais babilônicas concebidas como hostis ao Deus de Israel. Diz o profeta, Iah-weh mostrará seu poder sobre esses deuses estrangeiros, confundindo a Lua e envergonhando o Sol. É ape-nas outra forma da exclamação no Êxodo XV 11: “Quem és como Tu, oh Iahweh, dentre os deuses?” Magia e adivinhação não envol-vem necessariamente relação com espíritos hostis ou maus. A médium de Endor [10], os conjuradores e necromantes (de Isaías VIII 19; Le-vítico XIX 31 etc.) evocavam os es-píritos dos mortos para responder questões dos vivos; mas aqueles não eram considerados moralmente maus, desnaturados ou malevolen-tes. Eram simplesmente seres do-tados de um conhecimento superior ao humano, cuja orientação podia ser solicitada. Assim, pode parecer que a crença em demônios malevolentes não constituiu um elemento proe-minente ou influente na velha reli-gião israelita, mas esta seria uma conclusão precipitada. Deve-se naturalmente supor que a fé espí-rita primitiva sobreviveu na vida do povo. Embora tenha sido banida da literatura do Velho Testamento em virtude de cogitações mais elevadas, pôde reaparecer transformada, assi-milada aos novos padrões e reorga-nizada. Se assim se deu, devemos presentemente investigar. De início, voltemos ao reino dos seres de Elohim, os “filhos de Elohim”, os “mensageiros” de Elohim ou Iahweh e perguntemos se seres malevolentes figuram em suas fileiras. Sem o compromisso de recuar no exame de suas origens, será suficiente reconhecê-los como eles aparecem em todo o Velho Tes-tamento: como servos, mensageiros e ministros do Deus de Israel, dota-dos de poderes sobrehumanos, mas sempre sob o controle de Iahweh e agindo apenas segundo Sua vontade e comando. Podemos distinguir dois estágios nas funções dos anjos: de início, são simplesmente executores da vonta-de divina, seja para o bem ou para o mal, para abençoar ou amaldiçoar; em seguida, são em grande medida removidos da esfera da vida humana individual, agindo quase exclusiva-mente como funcionários do mundo, dirigindo os negócios das nações ou movendo-se em lugares celestiais. O Velho Testamento todo praticamen-te pertence ao primeiro estágio (ex-ceto o livro de Daniel [11]). Naquele, anjos são por vezes ministros de pu-

Marcio Horta

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nição e mal, infligindo pragas (2 Sa-muel XXIV; 1 Crônicas XXI; 2 Reis XIX 35) e perseguindo os inimigos do povo escolhido (Salmos XXXV 5-6; LXXVIII 49). Mas os anjos não são apresentados como movidos por animosidade: cumprem apenas os comandos de Iahweh, de quem pro-cedem todas as coisas, boas e más. Incluí acima “os filhos de Elohim” (ou Elim) na mesma cate-goria dos “mensageiros” ou “anjos”. Porém, embora as duas classes de seres possam ser designadas como pertencendo particularmente à esfera de Elohim, o uso do Velho Testamento estabelece uma dife-rença entre elas. Enquanto o termo mal’īk descreve as inteligências sobre-humanas que atuam como agentes ou representantes de Deus para o controle de Seus negócios, os “filhos de Deus” são mencionados noutra conexão, não tanto como mi-nistros, mas antes como membros da divina corte, servidores de Deus já algo independentes. A baixa fre-qüência com que aparecem aponta algo de peculiar à sua concepção. O título ocorre apenas em três livros. No Gênesis VI 2, 4, eles descem à Terra e estabelecem alianças matri-moniais com as filhas dos homens. Aqui, a brevidade da narrativa deixa muitas obscuridades, mas os “filhos de Elohim” agem sem referência ao Deus supremo; são, de fato, eles mesmos deuses e seus matrimônios com mulheres são mencionados, aparentemente, para explicar o nascimento dos heróis que figuram na história antiga [12]. Em Jó, são servidores da majestade divina, uma vez (I 6; II 1) apresentando a si mesmos antes de Iahweh para, como parece, fazer menção aos seus feitos (embora suas funções não sejam mencionadas); noutra opor-tunidade (XXXVIII 7), regozijam-se pela criação do mundo (compare Gênesis I 26). No Salmo XXIX 1 e LXXXIX 6-7, eles constituem uma classe de seres divinos da qual Iah-weh é declarado superior e que é chamada para glorificá-Lo; de modo idêntico, devemos entender o Salmo LXXXII como um recado aos filhos de Elohim que, aqui, são aparente-mente deidades estrangeiras [13] . Eles parecem vinculados a uma tradição que concebia os seres de Elohim de um modo bem mais pa-recido com seus aspectos divinos primitivos; já os mensageiros ou anjos são esses mesmos seres or-ganizados como agentes do governo divino. Satã aparece no Livro de Jó nas fileiras dos filhos de Elohim; aqui e em Zacarias (III), ele ainda pertence ao círculo dos servos, sob a direção imediata de Iahweh. Em Jó, Satã é um espirito cético, sardônico, um observador da vida humana, mas que não age senão quando ordenado por Iahweh, tornando-se instrumen-to no julgamento de Jó, de modo a demonstrar a integridade do herói e ilustrar a teoria do autor que o sofri-mento, às vezes, é enviado por Deus não como punição, mas como tes-te e para disciplinar. Em Zacarias, Satã é o acusador do religioso gra-duado antes da sentença do anjo de Iahweh. Aqui, sua figura não é tão distinta daquela de Jó, mas ele é evi-dentemente introduzido com o pro-pósito de afirmar que, embora acu-sações fossem feitas contra Israel, elas foram desconsideradas por Iah-weh, que estava pronto a restabele-cer a paz em seu povo. Podemos ver certa semelhança entre o papel de Satã nessas passagens e a que assi-nala o espírito mentiroso de Micaías em 1 Reis XXXII 19-22. Este último

segue como enviado de Iahweh para enfeitiçar Ahab, embora Seu profe-ta, para o enlouquecer e matar. Esta é a concepção mais antiga, que todo mal é produzido imediatamente pelo propósito e comando de Deus – uma visão que é ainda sustentada em Jó e Zacarias. Mas há duas diferenças entre Micaías e o personagem de Jó. A primeira é que enquanto o mau espírito do primeiro é instruído por Iahweh e enviado simplesmente para executar um comando divino, o Satã do último tem seu próprio pen-samento e propósito independentes – num caso, a iniciativa pertence a Deus, noutro, a Satã. O espírito mentiroso mais antigo é desprovido de malícia, um mero instrumento; o espírito tardio escarnece da virtude humana e tenciona conduzir Jó a abandonar sua integridade. Eis a segunda diferença: o espí-rito (aquele de Reis) atua sobre a mente dos homens, influenciando seus pensamentos, enquanto o ou-tro controla apenas as condições ex-ternas. Esta segunda diferença de-

saparece no papel assinalado para Satã em Crônicas (1 Crônicas XXI 1), onde ele incita Davi a abandonar Israel; as duas concepções se fundi-ram num processo que parece ter requerido um tempo considerável (se atribuirmos às Crônicas a data de 300 a.C.), e a inferência natural é que o Satã de Jó não descendente diretamente do velho “espírito de Iahweh” israelita, que foi assumido como a causa imediata de todas as disposições no coração dos homens, boas e más. É um novo elemento de fé religiosa que aqui faz sua apari-ção. O antigo credo hebreu, no modo como foi professado pelos profetas, não reconhecia qualquer poder dos céus que não proviesse do Deus de Israel, nenhum evento na Terra que não fosse Seu ato imediato (Amós III 6); aqui, temos um originador independente, capaz tanto de fazer o homem justo sofrer quanto de influenciar o próprio Deus. Dentre essas duas concepções, há o cresci-mento da ideia de um ser sobrena-

tural moralmente mau; há também um período considerável de tempo e o exílio babilônico entre elas. O de-senvolvimento de Satã, o adversário da justiça na corte divina, pode ser explicado como uma mudança natu-ral no pensamento judaico ou deve-mos evocar em auxílio a influência estrangeira? Parece-me que, para explicar esse novo personagem, devemos ter em mente as duas direções nas quais o pensamento nacional israe-lita foi modificado pelo exílio: nas almas mais elevadas, houve uma percepção opressiva & quase es-magadora de desastre nacional; e houve também um contato próximo com outra civilização. O problema do sofrimento nacional foi tratado de diferentes modos por diferentes pensadores: os profetas Jeremias e Ezequiel consideraram-no simples-mente um castigo pelo pecado, a ser seguido pela restauração e prospe-ridade. De ampla visão, o autor de Isaías LIII interpretou o tema como pastor: se o povo é que sofre, o ponto

é o padrão de sua piedade. O sofri-mento é um instrumento adequado para iluminar os homens, purifica toda a nação num ajuste convenien-te a Deus e prepara propósitos di-vinos mais amplos. Em outros (por exemplo, no profeta Zacarias), ocor-reu o pensamento que havia um ad-versário na corte celeste cujo inten-to era obter um julgamento contra Israel. O autor do Livro de Jó deu à questão do sofrimento um sentido urgente e, depois, à maneira dos sá-bios, tratou-o como um fato geral da experiência humana. Ele também a resolveu pela introdução de um ad-versário celeste, mas estou inclinado a relacionar a origem dessa explica-ção ao sentimento nacional tal como concebido pelos profetas. Primeiro, naturalmente, viria o fato imediato & mais relevante (como pareceu à maioria dos homens) do sofrimento nacional; então, depois, a reflexão sobre a vida humana demandaria uma explicação para o fato realmen-te maior do sofrimento humano em

geral [14]. Aos que acreditavam que a nação ou o homem eram justos e que, portanto, o fundamento do sofrimento não devia ser buscado no pecado, haveria de parecer que o autor ou instigador do problema devia se encontrar em algum ser sobre-humano hostil à nação ou ao homem justo. Mas não é fácil perceber como surgiu a concepção de uma inteli-gência maligna sobre-humana. O Velho Testamento lança pouca ou nenhuma luz na questão. Nos pro-fetas anteriores ao exílio, do exílio e nos livros históricos (nos livros da lei anteriores ao exílio e do exílio) não existe (como apontado acima) qualquer insinuação a um persona-gem malevolente na corte de Iah-weh. Portanto, é natural olhar para fora de Israel e perguntar se tal con-cepção não foi sugerida pela teolo-gia estrangeira. Dos dois povos com os quais os judeus daquele tempo tiveram contato, os babilônios e os persas, os primeiros não oferecem material satisfatório para explicar

a idéia de Satã. É desnecessário fornecer detalhes da demonologia babilônica, para a qual me permito sugerir um livro sobre o tema [15]. O credo demoníaco dos babilônicos pertence ao velho sistema espírita que possui pouco em comum com o personagem e o papel do adversário do Velho Testamento. Com efeito, há uma figura nos velhos mitos ba-bilônicos que se supôs possuir uma relação próxima com o velho agen-te do mal sobre-humano hebreu: o dragão Tiamat, que faz guerra con-tra os deuses, pode razoavelmente ser comparado à serpente do Gê-nesis III, que surge para derrotar os propósitos do Criador. Mas entre essas figuras e a de Satã existe uma grande diferença. Elas pertencem a uma esfera inteiramente distinta da dos deuses, a quem são aberta-mente hostis, enquanto Satã, em sua primeira aparição, pertence à hoste dos filhos de Elohim, estando completamente subordinado a Ele e O servindo proximamente. Mais tar-

de, em a Sabedoria de Salomão (II 24), Satã haverá de ser identificado com a serpente; porém, no Velho Testamento, ambos per-manecem isolados em esferas diferentes, nunca mencionadas juntas, e parecem ter chegado até ali por caminhos distintos. Com efeito, devemos esperar que uma concepção estrangeira adotada pelos israe-litas fosse bem modificada no processo de ajuste ao esquema de pensamento mono-teísta judaico. Mas a transformação da ser-pente tentadora no Satã de Zacarias ou Jó envolve uma mudança de visão altamente improvável. Quando ambos estavam já es-tabelecidos, eles puderam no curso do tem-po ser identificados; contudo, no começo, ficavam muito distanciados para sustentar a suposição de que um se associa ao outro. Há menos dificuldades na suposição de uma transformação de um mau espírito persa em Satã. A concepção persa de dois reinos opostos do bem e do mal pode, de início, não ter sido inteiramente compreen-dida pelos judeus ou, se foi compreendida, parecia-lhes impossível. Mas a noção geral de um grande poder contrário a Deus no universo, cujo fim era arruinar o bom traba-lho do Criador, pode ter-lhes parecido ofe-recer uma solução bem-vinda ao misterioso problema do mal. Naturalmente, tal ser ma-levolente seria concebido pelo monoteísmo israelita, em primeiro lugar, como de alta posição e grande poder e, em segundo lu-gar, como subordinado ao Deus de Israel; e essas duas condições eram preenchidas por uma figura como Satã, um dos principais seres de Elohim, próximo ao trono divino e impotente para agir, salvo com a permissão divina. Em Crônicas, como já foi observado, Satã assume a posição de tentador e ins-tigador ao mal, e este é o papel que conti-nuará a desempenhar. A concepção de Satã não adentrou facilmente a consciência reli-giosa judaica. Na literatura dos três séculos anteriores à nossa era, ele aparece apenas duas vezes. No Livro de Salmos, no qual a experiência religiosa íntima é uma caracte-rística proeminente, ele não é mencionado (o Salmo CIX 6 refere-se a um adversário humano), permanecendo ignorado em Pro-vérbios, Eclesiastes e mesmo em Tobias, no qual um mau espírito persa desempenha um papel muito importante. Em a Sabe-doria de Salomão (II 24), o nome Diabolos lhe é aplicado pela primeira vez. A primeira parte de Enoc tem seu próprio esquema de anjos decaídos, dos quais Azazel parece ser o chefe; nas Parábolas, surge uma hoste de satãs sob o controle de um chefe satã; a este, Azazel [16] e todas as suas hostes pa-recem estar subordinadas (Enoc XL 7; LIII 3; LIV 5-6). Os anjos caídos estão eviden-temente conectados aos filhos de Elohim do Gênesis VI, e os satãs descendem do grande adversário de Zacarias e de Jó. A relação precisa entre Satã e Azazel não é estabelecida. Não podemos inferir disso que a demonologia judaica tardia era de estrutura compósita, advinda do Velho Tes-tamento nessas duas linhas diferentes e, inicialmente, não constituindo um sistema unitário? Os judeus foram levados por seu senso moral avançado a construir um reino do mal, cujos materiais tomaram de todas as fontes acessíveis, e cuja organização foi naturalmente um processo gradual. Tanto isso foi verdadeiro que a ideia de um ten-tador sempre presente, seduzindo a mente dos homens – oposta como era, ou parecia ser, a um monoteísmo judaico não concessi-vo – fez seu caminho com dificuldade e, com efeito, nunca foi inteiramente adotada pelos judeus; os ataques de Satã foram pensados muito mais como exteriores do que como interiores (Weber, Lehren des Talmud, § 54). No Novo Testamento, com os contrastes éticos finalmente mais bem desenvolvidos, Satã toma forma completa como chefe do reino espiritual maligno. Ele é o deus desta era, que cega as mentes dos descrentes (2 Coríntios IV 4) e é capaz de se apresentar como um anjo de luz (2 Coríntios XI 14); ele instiga a traição de Judas (Lucas XXII 3) e a desonestidade de Ananias (Atos V 3).

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Porém, a concepção mais antiga, relativa ao seu poder físico, não é desperdiçada. Certos pecadores devem ser entregues a ele para a destruição da carne (1 Coríntios V 5); Paulo é esbofeteado por um de seus mensageiros (2 Coríntios XII 7) e estor-vado por ele em seu trabalho (1 Tessalo-nicenses II 18). As duas concepções per-manecem lado a lado no Novo Testamento e, então, continuam por um longo tempo depois (Lutero). Ademais, parece que, ao assumir a posição de líder, Satã apropriou as funções e os nomes de vários outros se-res sobrenaturais malignos proeminentes. No Novo Testamento, ele é identificado à serpente do Gênesis III (como antes, em a Sabedoria de Salomão) 2 Coríntios XI 3; Rev. XII 9; ele é chamado de Belzebu (Ma-teus X 25), Belial ou Beliar (2 Coríntios VI 15) e é concebido como tendo decaído do céu (Lucas X 18). Estas expressões pare-cem testemunhar a natureza compósita desse personagem; numa palavra, Satã torna-se a personificação de tudo o que é mau na esfera sobrenatural. Existem duas classes de maus espí-ritos supra-humanos ao longo do Novo Testamento, cuja origem e função não es-tão estabelecidas muito claramente, mas que aparecem como hostis a Deus e aos homens. Uma dessas classes é denota-da pelos títulos de “anjos”, “potentados”, “poderes” etc. Em Romanos VIII 38, a possibilidade de suas atitudes hostis é assumida; em 1 Coríntios XV 24-25, sua “autoridade, poder e arbítrio” são aparen-temente considerados (versículo 25) como inimigos e, no contexto geral, Paulo parece ter agentes sobrenaturais em vista; em Efésios VI 12, os potentados, autoridades, tiranos do mundo das sombras e poderes espirituais malvados do céu são expressa-mente contrastados com carne e sangue, e descritos como antagonistas da vida cris-tã; em Colossenses II 15, tais potentados e autoridades são desafiados e vencidos pelo Cristo. A concepção dos seres sobrenaturais contida nessas passagens pertence ao de-senvolvimento judaico tardio, cuja histó-ria é desnecessário traçar aqui. Basta ter em mente que se trata do velho esquema israelita dos seres de Elohim que, sob in-fluência persa, dividiu-se em duas grandes hostes de bons e de maus (mais tarde, or-ganizadas em hierarquias sob orientação de idéias persas e gnósticas). O principal ponto de interesse histórico-religioso foi a retenção dos seres angélicos hostis no céu, como em Jó e Daniel. Trata-se da sobrevivência de uma concepção do Velho Testamento, mantendo seu lugar ao longo do desenvolvimento do personagem Satã, cuja relação com esses outros poderes foi aparentemente aludida em Revelações XII 8. Pode-se supor que provavelmente tais seres angélicos foram considerados como formando um reino hostil, do qual Satã é o líder; mas a ideia desse reino descende historicamente do esquema hebreu dos seres de Elohim, como desenvolvido nos livros de Daniel e Enoc, enquanto o perso-nagem Satã provém diretamente do livro de Jó. Assim, as duas concepções podem ter convivido lado a lado, não perfeitamen-te fundidas numa unidade. Particularmente proeminente nos Evangelhos, a outra classe de maus espí-ritos encontrada no Novo Testamento é a propriamente demoníaca. A base desta concepção encontra-se na convicção do Velho Testamento que condições men-tais extraordinárias são produzidas pela intervenção de um espírito enviado por Deus. Quando, num processo histórico, a separação radical entre as atuações etica-mente boas e as más teve lugar, os efeitos benéficos foram atribuídos a Deus e os da-nosos a maus espíritos, que se tornaram demônios [17]. Não há nada sobre posses-são demoníaca no Velho Testamento e, no período pré-cristão mais recente, apenas sua menção (Josefo, Guerra judaica 7, 6, 3). Sua ocorrência freqüente no Novo Testa-mento devese principalmente, talvez, à na-tureza da investidura (nas biografias dos

grandes professores e religiosos, uma de suas funções era minorar o sofrimento humano) de Jesus e dos professores cristãos, que represen-tam o estabelecimento do reino de Deus e seu antagonismo ao reino do mal. Era natural que no rol de ativi-dades beneficentes do reino divino constasse a sujeição dos demônios que atormentam os homens. Quan-to mais intenso o sentimento ético da cristandade, mais ela enfatiza a história da atividade dos poderes maléficos. Tais poderes demoníacos são apresentados nos Evangelhos sinópticos como coisas de Belzebu, ou seja, de Satã (Mateus XII 24-29; Marcos III 22-27; Lucas XI 15-22) e, às vezes (1 Coríntios X 20-21), de deidades pagãs (ver nota 9). Eles são os espíritos enviados por Deus do Velho Testamento, agora organi-zados (segundo o desenvolvimento geral do pensamento judaico) num corpo separado e unido à hoste ma-

ligna liderada pelo diabo. Nessa concepção, há uma tes-temunha para a crença do Velho Testamento judaico. O que prevale-ceu no primeiro século da nossa era deve ter tido suas raízes no passa-do; e pode-se razoavelmente inferir que, desde os dias de Saul (e mesmo antes), os israelitas atribuíam à ação de maus espíritos aquelas condições mentais peculiares pelas quais o ho-mem perde o controle de si mesmo e obedece a maus impulsos. O avanço geral seguiu no sentido de organizar o contraste entre o po-der bom e o mau, sendo o material antigo constantemente expandido e moldado pelo crescimento ético e estímulo do pensamento estran-geiro. Como apontado acima, num tal desenvolvimento, não deve sur-preender encontrar o velho conser-vando seu lugar parcialmente imbri-cado ao novo.

Notas:1 – texto traduzido para o portu-guês por marcio rodrigues horta, doutor em filosofia pela usp e fuN-cioNário de carreira do tre/sp.2 – coNferêNcia apreseNtada em 1889 por crawford howell toy (publicada No jourNal of biblical literature, vol. 9, Nº 1, 1890, pp. 17-30). Nascido em 1836 em NorfolK (virgíNia/eua), toy graduou-se em artes pela uNiversidade da virgí-Nia em 1856. lecioNou No iNstituto femiNiNo albemarle até 1859, quaN-do iNgressou No corpo de eruditos da igreja batista sulista e passou a orgaNizar grupos missioNários. Na guerra civil, uNiu-se aos coN-federados, participaNdo de várias batalhas até ser capturado pelas forças da uNião em gaithersburg. de 1866 a 1868, estudou teologia

e idiomas semíticos Na alemaNha, retorNaNdo para lecioNar grego Na uNiversidade furmaN. em 1869, torNou-se professor de idiomas orieNtais e iNterpretação do velho testameNto em sua igreja. aliNha-do à escola alemã, deseNvolveu uma teologia liberal, adotaNdo métodos de crítica avaNçados e buscaNdo harmoNizar as escrituras com a evolução darwiNista. em 1879, ge-rou polêmica ao publicar dois tex-tos Nos quais ideNtificou a figura do servo sofredor de isaías à Nação de israel e Não ao messias. Na coN-veNção batista sulista daquele aNo, em atlaNta, defeNdeu sua posição e apreseNtou sua demissão – para sua surpresa, os coNveNcioNais aceita-ram-Na. deixou o sul para NuNca mais voltar. em 1880, passou a le-cioNar Na uNiversidade de harvard, oNde se torNou catedrático haN-cocK de hebreu e idiomas orieNtais, além de coNfereNcista dexter de

literatura bíblica. coNverteu-se ao uNitarismo e, em seus últimos trabalhos, rejeitou quase todas as doutriNas ceNtrais do cristiaNismo. aposeNtou-se em 1909, viveNdo em massachusetts até morrer em 1919 (cf. www.sites.silaspartNers.com & hurt, b. g.; crawford howell toy: iNterpreter of the old testameNt. the southerN baptist theological semiNary, 1966). Nota do tradutor.3 – a explicação de עעעעע como oriuNdo de עעעעע” ,o removedor” (do עעעע), é simples e gramatical-meNte adequada; mas é apeNas uma coNjectura, Não possuiNdo qualquer fuNdameNto documeNtal. a deriva-ção do Nome persa daeva azi (spie-gel; eraNische alterthurNsKuNde i 135) Não parece possível.4 – o levítico xvi é posterior a jó i e zacarias iii; é de se supor que seu autor estivesse familiarizado com essas passageNs.5 – o livro de eNoc apreseNta graN-

de fecuNdidade Na elaboração e or-gaNização de aNjos e demôNios.6 – compare-se com a cerimôNia iro-quesa do cão braNco que, Na festa aNual, carregava as coNfissões do povo e, eNtão, era queimado (gar-ricK mallery; popular scieNce moNthly 11/1889 p. 73). ambos, cão e bode, parecem ter sido origiNalmeN-te coNsiderados como realmeNte portaNdo o pecado NacioNal. uma vez que o bode figura como um tema de azazel, pode ser que este fosse um demôNio bode. No eNtaNto, com-pare-o com as deidades árabes uzzע e aziz; do mesmo modo, azazel po-deria vir por adição formativa ע) ao iNvés de uma loNga vogal fiNal), seNdo o ע עuma mera letra vogal. portaNto, ele poderia ser coNside-rado uma velha figura hebraica, o chefe dos demôNios do deserto, ele-vado à posição de represeNtaNte do reiNo do mal por iNfluêNcia de idéias persas. sobre uzzע, ver well-hau-

seN, restea rabischeN heideNtumes, p. 32.7 – sobre a lilit babilôNica, ver fr. le-NormaNt, la magie chez les chaldéeNs (paris, 1874) e a tradução alemã do mes-mo trabalho; sobre a coNcepção judaica tardia, ver weber, lehreN des talmud, p. 246. sobre a relação eNtre demôNios e aNimais, ver w. r. smith, the religioN of the semites, pp. 113 e segs.8 – No talmude, ele é o cabeça do shedim (weber, lehreN des talmud, p. 245).9 – deuses pagãos são deNomiNados “demô-Nios” em baruc iv 7 e 1 coríNtios x 20-21; No talmude, os demôNios coNstituem o shedim. Na septuagiNta עעעע ,עעעעעNo deuteroNômio xxxii 17; isaías lxv 11; salmos xcvi 5 e cvi 37, o termo foi provavelmeNte utilizado No seNtido mais geral de “diviNdade” ou “diviNdade má ou hostil”; depois, o emprego mais receNte de “mau espírito” viria facilmeNte. apareNte-meNte, foi utilizado Nos dois seNtidos No primeiro século da Nossa era.10 – em 1 samuel iii 25. Nota do tradutor.11 – a palavra mal’עK No seNtido de “aNjo” ocorre freqüeNtemeNte No velho testa-meNto; preseNte 113 vezes, sua ocorrêNcia é desigualmeNte distribuída eNtre os vá-rios livros, como segue: gêNesis 15; êxodo 6; Números 11 (dos quais 10 estão Na histó-ria de balaam); juizes 22 (com exceção de 3, todas Nas histórias de gideão e saNsão); 1 samuel 1 (Na boca do filisteu achish), 2 samuel 7 (4 Na história da praga, 2 Na mu-lher sábia de teKoa, 1 em mefistófeles); 1 reis 3 (1 pelo velho profeta de bethel); 2 reis 3; 1 crôNicas 9 (todas Na história da praga); 2 crôNicas 1; jó 2; salmos 8; isaías 2 (1 Na parte histórica); oséas 1; zacarias 20; daNiel 2. parece haver apeNas uma meNção profética a aNjos até perto do fim do exílio, relativa ao período patriarcal (oséas xii 5); No deuteroNômio NeNhu-ma; relativameNte muitas Nos profetas do pós-exílio – a maioria Nas Narrativas populares. a coNcepção parece ter per-teNcido origiNalmeNte ao folclore, seNdo orgaNizada tardiameNte sob iNfluêNcia de peNsameNto estraNgeiro.12 – essa Não parece ser uma tradição is-raelita aNtiga, mas um empréstimo de povo estraNgeiro (provavelmeNte babilôNio ou persa), algo traNsformado pelo seNtimeN-to moNoteísta tardio e pobremeNte eN-xertado Na história dos tempos primevos. o editor israelita Não o fez estabelecer relação com o dilúvio ou com o pecado da raça.13 – o primeiro verso deve provavelmeNte ser: “iahweh figura Na reuNião dos elim; deNtre os elohim, aNuNcia o julgameNto”.14 – certas semelhaNças eNtre os livros de jó e o cap. 52 de isaías levaram alguNs críticos a coNsiderar a figura de jó como coNstituiNdo uma represeNtação de is-rael. mas uma objeção séria a esta visão é o tom e a cor decididameNte Não NacioNais deste trabalho, tal como todas as produ-ções do hoKma hebreu. é improvável que um escritor de peNsameNto tão seNsível às aflições judaicas tomasse a Nação por seu herói, e é igualmeNte improvável que alguém cuja iNteNção fosse apreseNtar os destiNos e o problema religioso da Nação sob a forma de um homem Não desse siNal de seu propósito. jó parece ser mais tardio que zacarias. a difereNça que ambos atri-buíram ao grau de hostilidade de satã Não parece importaNte.15 – ver leNormaNt, la magie chez les chaldéeNs.16 – o azazelo de eNoc parece ser uma coNcepção difereNte daquela do demôNio do levítico xvi; o Nome foi apeNas pego emprestado.17 – Na literatura judaica & Nesse seN-tido, o termo ocorre primeirameNte em tobias iii 8, oNde é qualificado revelado-rameNte pelo epíteto “malvado”; parece começar aqui a traNsição do sigNificado origiNal para o tardio.

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Papel dos Espíritas perante o espiritismoNão é exato afirmar que a úNica missão de Kardec era de publicar os eNsiNos dos espíritos

João Viegas

Muitos espíritas acreditam que a filosofia espírita é mérito exclusivo dos Es-

píritos, cabendo a Kardec apenas sistematizar e organizar as comuni-cações provenientes do plano espi-ritual. Este comportamento poderia sugerir aos adeptos do Espiritismo uma postura passiva e silenciosa diante das comunicações, sem a necessidade de investigação, análi-se e ponderações, uma vez que os Espíritos nos esclarecem com muita propriedade sobre os diversos te-mas que nos afligem. Nada poderia estar mais longe da verdade. Esse pensamento pode estar presente nas mentes dos espíritas em virtu-de da postura humilde de Kardec registrada nos prolegômenos de “O Livro dos Espíritos”. Lá ele afirma: “este livro é o repositório de seus eNsiNos (dos espíritos). foi es-crito por ordem e mediaNte ditado de espíritos superiores, para esta-belecer os fuNdameNtos de uma fi-losofia racioNal, iseNta dos precoN-ceitos do espírito de sistema. Nada coNtém que Não seja a expressão do peNsameNto deles e que Não teNha sido por eles examiNado. só a ordem e a distribuição metódica das maté-rias, assim como as Notas e a forma de algumas partes da redação coNs-tituem obra daquele que recebeu a missão de os publicar.” [1] é exato afirmar que a filosofia espírita provém dos Espíritos, no sentido de que ela não saiu da cabe-ça de um homem, como ocorre com as ciências da matéria. Mas não é exato afirmar que a única missão de Kardec era de publicar seus ensi-nos. Encontramos no próprio “O Li-vro dos Espíritos” as marcas de um genuíno pesquisador. Como ler “O Livro dos Espíritos” pulando a sua introdução? Não é lá como começa-mos a entender como a Doutrina co-meçou a ser revelada? Não é lá que está registrado os primeiros fenô-menos estudados por Kardec? Tudo

começou com as mesas girantes, de-pois a cesta com o lápis, a prancheta e por fim a mão do médium. O que dizer do seu artigo “Ensaio Teórico das Sensações nos Espíritos”? Mes-mo possuindo limitado conhecimen-to do funcionamento do cérebro, ele consegue responder com maestria como é possível os Espíritos terem as mesmas sensações e percepções humanas, como a dor, por exemplo, se são destituídos de corpo físico? Como explicar as diversas reclama-ções, de que foi testemunha, de frio e calor dos Espíritos? Vou dar um exemplo para tornar clara a função daquele que investiga os fenômenos espíritas. É o próprio Kardec que explica: “Passa-se no mundo dos Espíri-tos um fato muito singular, de que seguramente ninguém houvera sus-peitado: o de haver Espíritos que se não consideram mortos. Pois bem, os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, não vieram dizer antecipadamente: “Há Espíritos que julgam viver ain-da a vida terrestre, que conservam seus gostos, costumes e instintos.” Provocaram a manifestação de Es-píritos desta categoria para que os observássemos. Tendo-se visto Es-píritos incertos quanto ao seu esta-do, ou afirmando ainda serem deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações ordinárias, deduziu--se a regra. A multiplicidade de fa-tos análogos demonstrou que o caso não era excepcional, que constituía uma das fases da vida espírita; po-de-se então estudar todas as varie-dades e as causas de tão singular ilusão, reconhecer que tal situação é sobretudo própria de Espíritos pouco adiantados moralmente e peculiar a certos gêneros de morte; que é temporária, podendo, todavia, durar semanas, meses e anos. Foi assim que a teoria nasceu da obser-vação. O mesmo se deu com relação a todos os outros princípios da dou-

trina.” [2] Apesar de muitos princípios terem sido resultados das observa-ções dos fenômenos, existem outros promulgados pelos Espíritos que Kardec não teve como demonstrá--los ou evidenciá-los. Esse é o caso da reencarnação. Na questão nº 171 de “O Livro dos Espíritos” ele ques-tiona: “Em que se funda o dogma da reencarnação?” [3] Os Espíritos, por sua vez, respondem: “Na justiça de Deus e na revelação…” [3]. Ou seja, é um princípio que foi agregado a filo-sofia espírita, resultado dos ensinos dos Espíritos, e não da observação dos fatos. No entanto, ele utilizou de outros critérios para se certificar da veraci-dade das informações provenientes dos Espíritos como o Controle Uni-versal do Ensino dos Espíritos. Por sua vez, “O Livro dos Mé-diuns” é uma obra na qual Kardec expõe toda sua perspicácia na aná-lise das comunicações. Esta obra possui um capítulo especial de mensagens apócrifas [4] atribuí-das a espíritos de alta envergadura moral, como Jesus de Nazaré por exemplo. Ele fez este registro para que os espíritas saibam que nin-guém está livre de receber comu-nicações mistificadoras, e que cabe aos espíritas discernir o falso do verdadeiro. É intrigante notar que esta recomendação seja proveniente dos próprios Espíritos, ou seja, são os próprios Espíritos que nos dizem que devemos analisar as mensagens oriundas do além, conforme segue a recomendação abaixo de Erasto: “…fazei-a (erasto refere-se às comuNicações espíritas) passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradameNte o que a razão e o bom-seNso reprovarem. melhor é repelir dez verdades do que admitir uma úNica falsidade, uma só teoria errôNea.” [5] Não há nesta argumentação nenhum propósito de desmerecer

o trabalho extraordinário daqueles Espíritos que foram incumbidos de realizar a revelação espírita (São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito de Verdade, Sócrates, Pla-tão, etc..) [1], pois sem o concurso deles o Espiritismo careceria de seu caráter verdadeiro, ou seja, seria uma expressão equivocada das leis Divinas espirituais. Em contrapar-tida, uma postura criteriosa, cau-telosa, investigativa, questionadora e abnegada por parte de Kardec garantiu, com boa dose de certe-za, que as comunicações recebidas eram, de fato, provenientes de Es-píritos superiores. O que estamos tentando esclarecer para o querido leitor é que o caráter científico da Doutrina é o que garante a origem divina da revelação espírita, sendo a ciência espírita de total respon-sabilidade dos espíritas, e não dos Espíritos. Portanto, a nossa postura diante dos fenômenos é que vai ca-racterizar o Espiritismo como ciên-cia, a exemplo de Kardec. O Fundador do Espiritismo dis-corre em seu brilhante artigo intitu-lado “Caráter da Revelação Espíri-ta”, contido em sua obra “A Gênese” o papel dos homens perante os fenômenos. Ele considera que a re-velação espírita tem duplo caráter: divino e científico. Esta passagem é tão esclarecedora que dispensa qualquer comentário. “Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: partici-pa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Par-ticipa da primeira, porque foi provi-dencial o seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um desígnio premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de coisas que eles ignora-vam, que não podiam aprender por

REFERÊNCIAS

1) Kardec, allan. o livro dos espíritos. tradução de guilloN ribeiro. 74ª ed. rio de jaNeiro: federação espíri-ta brasileira, prolegômeNos.2) Kardec, allan. a gê-Nese. tradução de guilloN ribeiro. 38ª ed. rio de jaNei-ro: federação espírita brasi-leira, capítulo i, caráter da revelação espírita, ítem 15.3) Kardec, allan. o livro dos espíritos. tradução de guilloN ribeiro. 74ª ed. rio de jaNeiro: federação espí-rita brasileira; justiça da reeNcarNação; cap iv – da pluralidade das existêNcias, parte seguNda – do muNdo espírita ou muNdo dos espíri-tos.4) Kardec, allan. o livro dos médiuNs. tradução de guilloN ribeiro. 64ª ed. rio de jaNeiro: federação espíri-ta brasileira, comuNicações apócrifas, capítulo xxxi – dissertações espíritas, se-guNda parte – das maNifesta-ções espíritas.5) Kardec, allan. o li-vro dos médiuNs. tradução de guilloN ribeiro. 64ª ed. rio de jaNeiro: federação espírita brasileira, capítulo xx – da iNfluêNcia moral do médium, seguNda parte – das maNifestações espíritas.6) Kardec, allan. a gê-Nese. tradução de guilloN ribeiro. 38ª ed. rio de jaNei-ro: federação espírita brasi-leira, capítulo i, caráter da revelação espírita, ítem 14.

si mesmos e que lhes importa co-nhecer, hoje que estão aptos a com-preendê-las. Participa da segunda, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não se-rem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensa-dos do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, por-que a doutrina não foi ditada com-pleta, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. Numa pala-vra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.” [6]

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A Crise da Morteum caso por afogameNto - psicografia mecâNica pela mediuNidade do juiz johN

w. edmoNds - aNálise e comeNtários por um famoso cieNtista espírita

Ernesto Bozzano

Se houvera podido escolher a ma-neira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconte-ceu, dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subita-mente diante de mim. No momento da morte, revi, como num panora-ma, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as cenas, todas as ações que eu praticara passaram ante o meu olhar, como se houvessem gravado na minha mentalidade, em fórmulas lumino-sas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até a morte, faltou á chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços minha mulher, apareceram--me meu pai e minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo, nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvi-do o barulho das ondas a se quebra-rem sobre as nossas cabeças. Des-prendi-me do corpo quase sem me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui minha mãe, que viera para nos acolher e guiar. O primeiro sentimento penoso só me assaltou quando dirigi o pen-samento para o meu caro irmão; porém, minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: Teu irmão também não tardará a estar conosco: A partir desse instante, todo sentimento penoso desapa-receu de meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de vi-ver, unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de

Extraio este fato de uma obra intitulada: Let-ters and Tracts on Spiritualism, obra que con-tém os artigos e as monografias publicadas pelo Juiz Edmonds, de 1854 a 1874.

desgraça. Logo, entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo por que eu fora. Todos os objetos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a presença de tantas pessoas que sabias morta, teria corrido para junto dos náufra-gos. Quis informar-te de tudo isto, a fim de que pos-sas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que os que lhes são caros e que desa-pareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar às boas vindas nas esferas dos imortais. Não tendo estado enfermo e não tendo sofrido, fácil me foi adaptar-me imedia-tamente às novas condições de existência…

Com esta última observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de outras personalidades mediúni-cas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos da alma, é possível atravessar o Espírito à crise da desencarnação, sem haver ne-cessidade de ficar submetido a um período mais ou menos longa de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva à longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvi-

da por preocupações mundanas, ou oprimida pelo terror da morte, ou, ainda, apenas, mas firmemen-te, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a um período mais ou menos prolongado de inconsciência. Ponderarei que estas observações já se referem a um desses detalhes secundários a que aludi em começo e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta por mo-dos muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições espirituais tão diversas em que se acham no momento da desencarnação. Cumpre-se atente, além disso, no detalhe inte-ressante de dizer o morto ter tido, no momento da morte, a visão panorâmica de todos os aconteci-mentos de sua existência. Sabe-se que este fenô-meno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas salvas de naufrágios. (Publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma Re-vista, no correr dos anos de 1922- 1923.) Ora, no caso relatado pelo juiz Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo gênero, assistimos ao fato importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da visão panorâmica, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna teoricamente importante, desde que se te-nha em mente que o juiz Edmonds não conhecia a existência dos fenômenos desta espécie, ignorados pelos psicólogos de sua época. Ele, pois, não podia auto sugestionar-se nesse sentido, o que constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que se trata. Notarei, finalmente, que neste episódio, ocor-

rido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já se observam muitos detalhes fun-damentais, concernentes aos processos da desen-carnação do Espírito, os quais serão depois cons-tantemente confirmados, em todas as revelações do mesmo gênero. Assim, por exemplo, o detalhe de o Espírita não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda menos, que se achava num meio espiritual. Também o outro de-talhe de o Espírito se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou quase terrestre, de pensar que se exprime de viva voz como dantes e perceber, como antes, as pala-vras dos demais. Assinalemos ainda outro deta-lhe: o de achar o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são ge-ralmente seus parentes mais próximos, mas que também podem ser seus mais caros amigos, ou os Espiritos-guias. Detalhe fundamental também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias mais ou menos es-peciais de mortos moralmente inferiores e degra-dados, aos quais a inexorável lei de afinidade (lei físico-psíquica, irresistível em seu poder fatal de atração dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento espiritual muito diferentes das com que deparam os Espíritos evolvidos.

As redes sociais concentram uma grande diversidade de pessoas interessadas nos assuntos mais variados. São inúmeros sites que tratam dos mais bizarros te-

mas. Neste emaranhado de informação duvidosa, muito pou-co se pode aproveitar daquilo que realmente possui aferição. Digo de um modo particular sobre essas histórias sem pé nem cabeça que procuram os entusiastas fazer acreditar os homens excessivamente crédulos e ainda iniciantes na Dou-trina Espírita. Tornou-se um hábito, escrever sobre as ideias mais des-cabidas e malucas e dar a elas a autoridade de Espíritas. Nenhum médium tem a autoridade para modificar um ensi-no aferido pelo Controle Universal de Ensino dos Espíritos, mas algumas pessoas tomam como palavras sacramentais os maiores absurdos, confundindo o moral com o intelectual, elevando ao status de sacerdotes certos médiuns, por maior nobreza que possam ter feito de seu tempo em prol dos ne-cessitados, não tiveram o necessário cuidado de aferir todas as informações que por eles são passadas. Logo, escrevem e publicam de modo sensacionalista, os mais flagrantes absur-dos frontalmente contra a Codificação.

Os Espíritos assim como os homens, se enganam, e não basta estar morto para ter a ciência ou a moralidade no grau mais desenvolvido. A informação quando dada de modo universal ainda constitui o modo mais seguro de afe-rir as verdades espirituais. Não temos ainda outro método de aferição, portanto, aos verdadeiros espíritas, as obras fundamentais ainda constituem o pilar inabalável e seguro da Doutrina Espírita. Compreender Kardec de um modo mais particular é de-ver de todo estudante zeloso, de toda criatura realmente in-teressada em entender o que a Doutrina faz pelo homem na terra e na erraticidade. Não se trata apenas de uma muleta pela qual durante a vida no corpo, nós adeptos podemos nos escorar, contra as investidas da expiação que nós mesmos possamos ter causado no pretérito. Se trata de uma Doutri-na também científica que necessita do esforço de cada um de nós para continuar avançando, para continuar a desbra-var o mecanismo da vida e da morte. Quando foi que paramos no tempo? Quando foi que dei-xamos de nos aprofundar na ciência espírita, para transfor-má-la em muleta religiosa e permitir a alienação fanática que tanto combatemos no passado? Quando foi que, tive-mos que nos preocupar mais com as disputas “doutriná-rias” do que com o ataque dos nossos detratores?

Pense nisso...

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Kardec e os conselhos de erastocoNsiderado por allaN Kardec como um espírito que produziu comuNicações

que traziam o cuNho iNcoNtestável da profuNdeza e da lógica,

Anderson Santiago

Erasto é um daqueles Espíri-tos a quem podemos chamar de sábio e profundo conhe-

cedor da fenomenologia mediúnica. Não por acaso são encontradas mui-tas comunicações de sua autoria em um capítulo de o evaNgelho seguN-do o espiritismo e por todo o livro dos médiuNs. O capítulo XX, Influência Moral do Médium, é um destes. Tendo por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a influência moral do médium na produção dos fenômenos espí-ritas, este capítulo é rico em infor-mações para os espiritistas. Nele, Kardec desejava precaver os adep-tos do Espiritismo contra o perigo de subestimar ou superestimar a influência dos médiuns na transmis-são dos despachos de além túmulo. Ele deve ser estudado atendendo ao sábio conselho dado pelo codifi-cador, quando alerta que “o estudo prévio da teoria é indispensável, se o médium pretende evitar os incon-venientes inseparáveis da falta de experiência” [1]. Aprendemos neste capítulo que não existem médiuns perfeitos na Terra, mas bons mé-diuns, o que segundo os Espíritos já é muito, pois eles são raros! Até porque… “o médium perfeito seria aquele que os maus espíritos jamais ousas-sem fazer uma teNtativa de eNga-Nar. o melhor é o que, simpatizaNdo someNte com os boNs espíritos, tem sido eNgaNado meNos vezes”. É importante observar este tre-cho com atenção. Primeiro, porque não existe médium infalível. O que nos leva à certeza de que não há comunicação isenta de falhas, mui-to menos inquestionável. Segundo, porque se o melhor médium é o que tem sido enganado menos vezes, como supor que exista algum ‘into-cado’ pelos Espíritos inferiores? Por exemplo: justamente pelo valor da sua história e da sua importância para o movimento espírita brasi-leiro e mundial, supor ser o Chico Xavier perfeito e isento de falhas seria demonstrar ignorar os mais básicos princípios do Espiritismo. Condenar uma análise crítica feita sobre alguma das suas obras psico-grafadas seria ignorar as insistentes recomendações feitas por Kardec e principalmente por São Luís quando afirma que: “por mais legítima coNfiaNça que vos iNspirem os espíritos […], há uma recomeNdação que NuNca seria demais repetir e que deveis ter sem-pre em meNte ao vos eNtregardes aos estudos: a de Pesar e analisar, submetendo ao mais rigoroso con-trole da razão todas as comu-nicações que receberdes; a de Não NegligeNciar, desde que algo vos pa-reça suspeito, duvidoso ou obscuro, de pedir as explicações Necessárias para formar a vossa opiNião”(grifos Nossos). [2] A questão 10, do capítulo supra-citado é valiosíssima por afirmar que:“os espíritos boNs permitem que os melhores médiuNs sejam às vezes enganados, Para que exercitem o seu julgamento e aPrendam a discernir o verdadeiro do falso. além disso, por melhor que seja um

médium, jamais é tão perfeito que Não teNha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. isso deve servir--lhe de lição. as comuNicações fal-sas que recebe de quaNdo em quaNdo são advertências Para evitar que se julgue infalível e se torne or-gulhoso. porque o médium que re-cebe as mais Notáveis comuNicações não Pode se vangloriar mais do que o tocador de realejo, que basta vi-rar a maNivela de seu iNstrumeNto para obter belas árias”. É incrível observar que se a maioria dos médiuns se propuses-se a estudar esta magnífica obra de forma séria e metódica, a prudência teria evitado que diversas obras de conteúdo duvidoso tivessem sido publicadas, o que tornaria o mo-vimento espírita brasileiro muito mais sério, respeitado e livre dos pseudossábios e mistificadores que entravam a sua obra de emancipa-ção de consciências. Entretanto, por mais sublimes e indispensáveis sejam estas informa-ções, não são as únicas pérolas en-contradas neste capítulo. Existe ain-da uma advertência de Erasto com relação às comunicações repletas de ideias heterodoxas,“espiriticamente falando” que possam vir dos Espí-ritos e que poderiam ser insinuadas em meio às coisas boas junto a fatos imaginados, asserções mentirosas, com tamanha habilidade que po-deriam enganar as pessoas de boa fé. Ele ainda estimula a eliminação sem piedade de toda palavra e toda frase equívoca, conservando-se na comunicação somente o que a ló-gica aprova ou o que a doutrina já ensinou; afirma que “onde a influên-cia moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas ideias pessoais aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É quando ele tira da sua própria imaginação, as teorias fantásti-cas que ele mesmo julga, de boa fé [mas nem sempre], resultar de uma comunicação intuitiva” (Grifos nossos). Erasto também alerta ser neces-

sário aos dirigentes espíritas pos-suírem um tato apurado e uma rara sagacidade para poder discernir as comunicações verdadeiras e não fe-rir o amor próprio daqueles que se permitem iludir com jóias falsas. É neste momento que ele nos oferece um de seus mais famosos e importantes conselhos: “Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos provérbios. Não admitais, pois, o que Não for para vós de evi-dêNcia iNegável. ao aparecer uma Nova opiNião, por meNos que vos pa-reça duvidosa, Passai-a Pelo crivo da razão e da lógica. o que a razão e o bom senso reProvam rejeitai co-rajosamente. mais vale rejei-tar dez verdades do que admitir uma úNica meNti-ra, uma úNica teoria fal-sa. com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar todo um sistema que desmoroNaria ao primeiro sopro da verdade, como um moNumeNto coNstruído sobre a areia movedi-ça. entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, Porque não estão Para vós clara e logicamente de-monstradas, logo um fato chocaNte ou uma demoNstração irrefutável virá vos afirmar a sua auteNticida-de”. Embora ela tenha se tornado uma regra de ouro [a frase desta-cada em maiúsculo], conforme J. Herculano Pires afirmou, devendo ser constantemente observada nos trabalhos e estudos espíritas, iso-lada do seu contexto ela perde a sua riqueza, o seu caráter especial, ficando deslocada e nem sempre parecendo justa. Analisemos a sua estrutura. Primeiro reencontramos um sábio provérbio: “na dúvida, abs-tém-te”. Pois quem nunca duvidou não pode afirmar que encontrou a verdade, que adquiriu a convicção. O codificador é um belo exemplo de como a dúvida, sem exageros, conduz à verdade. É valiosíssimo o depoimento de Kardec encontrado em obras Póstumas, onde ele afir-ma que um dos primeiros resulta-

dos das suas observações foi saber que os Espíritos nada mais são que as almas dos homens, possuindo conhecimentos limitados à sua condição evolutiva e que por isto as suas opiniões tinham o valor de uma opinião pessoal, nada mais. Foi esta verdade, compreendida desde o início que o protegeu de acreditar ingenuamente na infalibilidade dos Espíritos e de elaborar teorias pre-maturas com base nos ditados de uns ou de alguns [5]. Quantas teorias não são cons-truídas dentro desta perspectiva? Os vários corpos do perispírito, em gritante oposição ao conceito for-mulado pelo codificador, a magia, as informações e afirmações sobre Física Quântica relacionados com o Espiritismo são alguns exemplos de ‘teorias’ edificadas em informa-ções pessoais dos Espíritos como se fossem absolutamente verda-deiras. Elas não foram observadas, analisadas, criticadas, reavaliadas para serem aceitas como verdades verificadas. Aqui é onde entra a im-portância da abstenção. Pois se não possuo a firme convicção oriunda da análise sistemática, racional e emi-nentemente lógica e da experiência, como posso supor que uma determi-nada informação é verdadeira? Não podemos agir por achismos dentro do movimento espírita. Em segundo lugar encontramos a importância de passar toda opi-nião, por menos duvidosa que pare-ça, pelo crivo da razão e da lógica. Como afirma Erasto, “é incontestá-vel que, submetendo-se ao cadinho da razão e da lógica todas as observa-ções sobre os Espíritos e todas as suas comunicações, será fácil rejeitar o absurdo e o erro” [6]. As palavras destacadas dão um valor importan-tíssimo à citação. Primeiro porque ressalta a importância de que haja um exame severo sobre os Espíri-tos comunicantes e suas comunica-ções. Segundo por que para Erasto, quem assim procede, não encontra dificuldades em perceber a ponta da orelha do mentiroso, do pseudossá-bio, do fanfarrão. Até porque estes Espíritos mistificadores podem, fingindo amor e caridade, semear a desunião e retardar o progresso da humanidade e da Ciência Espí-rita ao propagarem seus sistemas absurdos, muitas vezes com a ajuda não só de médiuns imprevidentes, mas de casas espíritas que se jul-gam privilegiadas, ou onde reinam a superstição e a falta de um estudo sistemático da Codificação. Não é à toa que Herculano Pires escreve: “a coNfiaNça de Kardec Na aná-lise racional das comunicações é acertada, mas depeNde do critério seguro de quem aNalisa. Por isso mesmo é conveniente fazer a aná-lise em conjunto e recorrer, no caso de dúvida, a outras Pessoas de reconhecido bom senso. o es-Pírito farsante Pode influir sobre um indivíduo e sobre um gruPo, o que tem ocorrido com freqüêNcia em virtude da vaidade, da preteNsão ou do misticismo domiNaNte. comuNica-ções avulsas e até obras mediúNicas aleNtadas, evideNtemeNte falsas, têm sido publicadas, aceitas e até mesmo defeNdidas por grupos e iNs-

tituições diversas”. [3] Terceiro, após as considerações acima expostas, compreendemos que o conselho do Erasto visa antes à prudência que o exagero. E isto fica muito claro quando ele desen-volve seu raciocínio, no fim deste parágrafo, ao afirmar que se hoje rejeitamos certas verdades, pelo fato de não estarem devidamen-te demonstradas amanhã um fato “chocante” poderá afirmar a sua au-tenticidade. E este é o ponto chave da sua afirmação, pois se não temos certeza de uma opinião, como pode-mos provar a sua autenticidade? Por mais respeitável que seja o nome que subscreva a comunicação, por mais atraente que seja uma teoria, só o tempo e uma metodologia de pesquisa adequada poderão provar que ela está correta. É por isto que não devemos ter medo de rejeitar uma ideia, sem, no entanto, ignorar que ela pode, se for testada e averi-guada, provar estar certa. Esta ob-servação é confirmada por Kardec da seguinte forma: “se é certo que a utopia de hoje se torNa muitas vezes a verdade de amaNhã, deixemos que o futuro realize a utopia de hoje, mas Não eNredemos a doutriNa com priNcí-pios, que possam ser coNsiderados quimeras e a torNem rejeitada pelos homeNs positivos” [4]. Como pudemos ver nesta sucin-ta análise, não é absurdo rejeitar dez verdades para não ter que acei-tar uma mentira porque não estão clara e logicamente demonstra-das. E é justamente por conselhos como estes, compreendidos em seu contexto, que Kardec considerou Erasto um Espírito Superior, pois só um poderia ensinar tanto com tão pouco. O estudo das suas men-sagens deve ser obrigatório nas ca-sas espíritas. E diferente de outros “espíritos famosos” da atualidade, muito verbosos e prolixos, com suas dezenas de perispíritos e magos, este sim é um ilustre desconhecido que precisa ser redescoberto!

NOTAS:[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 23ª Ed. SP – LAKE, 2004. Cap. XVII, p. 177

[2] ______. Idem. Cap. XXIV, item 266, p. 236

[3] ______. Idem, ibidem

[4] ______. Obras Póstumas. 14ª Ed. SP, LAKE – 2007. Segunda parte, Dos Cismas, p. 282

[5] ______. Idem, p. 218

[6] ______. O Evangelho segundo o Espiritismo. 61ª Ed. SP – LAKE, 2006. Cap. XXI, item 10, p. 265

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Este é um importante detalhe, pois, analisado de forma su-perficial, deixa entrever um

falso vínculo que venha unir o Es-piritismo ao Catolicismo, ao menos quando o Espiritismo toma a acep-ção de Doutrina Espírita. Em primeiro lugar é preciso lem-brar que o título de santo não faz da entidade um Espírito superior. E, não sendo um Espírito superior, está sujeito a transmitir comunica-ções eivadas de opiniões pessoais remanescentes dos preconceitos e ideias pré concebidas dos quais já se livraram completamente os Es-píritos superiores. Outros Espíri-tos também demonstram muito de suas antigas crenças, no modo de se expressarem, usando palavras e expressões consagradas pela Igre-ja. Isto de forma alguma retira a importância da mensagem, porém, é razão para receber críticas até muito severas por parte de alguns adeptos que se dizem cientificistas/laicistas, mas que, no fundo, não passam de críticos que esperneiam em bases pouco consistentes. É o que se vê, principalmente, em co-municações na Revue e também em O Evangelho segundo o Espiritismo. Além do que, os médiuns também estavam embebidos pelo costume de um mundo católico. O fato de Kardec ter mantido termos e ex-pressões originalmente católicos não significa uma submissão nem uma adesão ao vaticano, mas a de-monstração da irrelevância da ques-tão. Por isto, este fato não pode ser entendido nem como uma falha de Kardec nem como uma sanção. Um sistema com duração de nada menos que doze séculos não poderia fazer outra coisa senão mol-dar psiquismos, fazendo com que as mesmas cren-ças e parâmetros fossem tidos como verdades. Mil e duzentos anos sob o jugo absoluto e perverso de um sistema implacá-vel, certamente comprometeu o desenvolvimento intelectual huma-no, mas o pior de todos os efeitos é que a essência do Cristianismo ficou confundi-da com a religião católica romana. Historicamente, vale lembrar que Roma perseguiu os primeiros cris-tãos após remeter o castigo da cruz para aquele a quem tornaria seu monopólio. Não se pode negar a laicidade do Espiritismo quando se dá ao termo seu devido significado. Não tendo vínculo com nenhuma religião, ou submetido à autoridade de qualquer

Influência do Catolicismo no Espiritismonão são Poucas as orientações das obras da codificação assinadas com nomes dos santos católicos que foram, de al-guma forma, exPoentes de uma fé verdadeira e que, até certo Ponto, Puderam exercer alguma influência benéfica no

seio da igreja e que tiveram algum eco Para a humanidade, muito embora não imediatamente.

Maria Ribeiro

sistema religioso existente na Terra, o Espiritismo é laico. Da mesma for-ma não se pode omitir ao Espiritis-mo a cristandade, ou seja, sua base cristã. Os cientificistas/lacistas ar-gumentam que, não sendo religião, o Espiritismo também não é cristão. Este argumento chega a ser abjeto, pois em toda a obra espírita esta afirmação é encontrada. Aqui está um ponto que merece mais reflexão para todas as vertentes espíritas que têm-se hoje no Brasil: cristia-nismo não é religião. Cristianismo foi um movimento ideológico e só recebeu este nome depois da mor-te de Jesus, que era judeu. Tanto que, os primeiros adeptos do ensino que este ministrava, poderiam ter constituído uma sinagoga, que a lei permitia para grupos com mais de dez pessoas, e não o fizeram.[1] O cristianismo, mesmo para aqueles homens ignorantes, não estava num templo, não era algo circunscrito a um lugar ou a uma época. Já tinha um caráter universalista, muito lon-ge do particularismo judeu herdado, de certa forma, pelo catolicismo. O erro está em se associar a essência deste movimento com a ICAR, que fez um péssimo uso do nome cristão e uma péssima propa-ganda de Jesus. Seria preciso ques-tionar como a ICAR poderia ser cristã em sua essência ao mesmo tempo em que a sua atuação traiu as principais premissas ensinadas por Jesus e pela vivência dos primeiros apóstolos, na simbologia do cristia-nismo. “A Igreja só foi verdadeiramen-

te popular e democrática em suas origens, durante os tempos apostó-licos, períodos de perseguição e de martírio…”[2] A despeito da crítica feita acerca das negligências da ins-tituição, esta fala inserta em Cristia-nismo e Espiritismo de Leon Denis

deixa clara a associação de Igreja com o movimento cristão primitivo, que são, em absoluto, duas verten-tes distintas. Sem nos remetermos aos casti-gos corporais, mortes, e todo tipo de violência que tolheu a liberdade, a criação de dogmas subjugou a inteligência humana e isto tem sé-rios reflexos no psiquismo humano até hoje, o que não deixa de ser um castigo moral de difícil reparo. Não é raro ver quem supervalorize os sacramentos da ICAR sem mesmo nunca ter assistido a uma missa. Ou seja, a bênção de Deus ainda está lá e só lá. Em tudo há o ranço ca-tólico. E que dizer dos inumeráveis problemas psicológicos! Se os seres aprendem por repetição, imagine-se o que é reencarnar durante 1200 anos sempre sob o mesmo sistema. Mas nem mesmo o Espiritismo que veio trazer ao mundo o sentido do verdadeiro cristianismo, aquele ensinado por Jesus e depois pe-los discípulos, conseguiu isenção desta influência, embora apenas no linguajar. Mas, pior do que ter--se assinaturas de santos católicos nas Letras Espíritas, é perceber que há uma influência prática no movimento espírita do Brasil. Para começar, lembrem-se que os dois maiores expoentes bibliográficos são ex-membros da Igreja, um sa-cerdote e uma freira, ou Emmanuel e Joana de Angelis, sob a benção do católico Adolfo Bezerra de Menezes em sua simpatia pelos escritos de Roustaing, e que goza de extrema-da simpatia pelos adeptos. Mas os

dois primeiros são, de longe, os mais consumi-dos e assimilados pela esmagadora maioria de adeptos espíritas. ESTA NUANCE CRIOU O QUE SE PODE CHAMAR DE UMA RE-LIGIÃO ESPÍRITA, QUE ADOTA CERTOS RI-TUAIS, AINDA QUE VE-LADOS, ALIÁS, TEMA JÁ EXPLORADO NOU-TRA OPORTUNIDADE. Parece um con-trassenso a esta altura querer-se um vínculo com um sistema que dominou por longos séculos todo um mundo, e que não foi capaz de resolver nenhum problema humano, mas criou vários. Que a ICAR tenha ponto de contato com o Espiritismo, assim como todas as religiões, é verdade sem contradi-ta, afinal a fenomenologia sempre esteve a par com a humanidade e não seriam os preconceitos das reli-giões que representariam barreiras para sua ação. Já a Doutrina Espírita nada tem a ver com o catolicismo. Aliás, derrubou-lhe todos os pi-lares, construídos sobre o orgulho e a ambição,

tornando-se mesmo a sua antagonista, a começar pela sustentação da reencar-nação, da mediunidade e da evolução como sendo leis naturais e inerentes à condição humana. A exemplo de Jesus e o movimento continuado pelos seus discípulos e apóstolos (cristianismo), a

Doutrina Espírita consagrou a caridade como bandeira; exaltou a humildade e a simplicidade não somente como estilos aparentes de vida, mas como modo de ser espiritualmente falando; rompeu com a crença dos escolhidos e privile-giados por Deus ao explanar sobre as provas e expiações, causa e efeito, livre arbítrio, conduta moral, evolução do Es-pírito. Dirigida pelos que pensavam ser a Igreja a crença universal, algumas cen-tenas de O Livro dos Espíritos foram le-vados às chamas da fogueira inquisidora católica em pleno século XIX, aconteci-mento que entrou para a história do Es-piritismo como O Auto de Barcelona. É oportuno perguntar o quê exata-mente a humanidade deve à ICAR. E vamos além: o quê o Espiritismo deve à ICAR. Absolutamente nada, pela sim-ples razão de que, independente dela e apesar dela, os fenômenos sempre exis-tiram. O que se vê no meio espírita, mesmo na banda dos opositores da FEB, que, diga-se de passagem, representa algo da ICAR como em tempos de liberdade do além, defesas calorosas para com os

feitos da Igreja; o que remete à ideia de que a humanidade, na verdade o espírita, deve pedir-lhe a bênção, como a grande mãe de todos, protetora, pro-vedora e que nos deixou uma herança inigualável. Para concluir, pode-se dizer que a influência da ICAR em todos os atos da humanidade ainda é enorme, e também pode-se afirmar a tônica negativa que isto representa, principalmente, é claro, no seio doutrinário, uma vez que, en-quanto esta influência existir, dificilmen-te ter-se-á uma divulgação de Doutrina Espírita isenta dos seus frutos nocivos, já que a raiz permanece.

NOTAS:[1] ROPS, Daniel, A Igreja dos apóstolos e dos mártires, p. 11.

[2] DENIS, Leon, Cristianismo e Espiri-tismo, Introdução.

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Quem foi o Barão de Guldenstubbé

Grande trabalhador das primeiras horas do Espiritualismo Moderno, um grande pesquisador da alma e

que teve também as suas obras queima-das na Espanha pela Santa Inquisição no dia 9 de outubro de 1861 no conhecido AUTO-DE-FÉ EM BARCELONA. O Barão luis guldeNstubbé, que dei-xou a vida em 27 de maio de 1873, na sua residência, em Paris, 29 rua de Trévise, aos 53 anos de idade, foi conhecido prin-cipalmente por suas investigações e expe-riências em pNeumatografia. De origem sueca, pertencia a antiga família escan-dinava, de nomeada histórica, tendo dois dos seus antepassados do mesmo nome sido queimados vivos, em 1309, na com-panhia de Jaques de Molav, por ordem do Papa Clemente IV. O Barão passava uma vida retirada, em companhia de sua virtuosa irmã. Sua memória é afetuosamente respeitada por sua conduta nobre, urbana e benévola e por seus numerosos atos de modesta ca-ridade. Dedicou-se mais às experiências da escrita direta, na França onde obteve em 13 de agosto de 1856, o primeiro su-cesso nessa modalidade de comunicação espírita. Escreveu o livro intitulado “la réalité des spirites et de leurs maNi-festatioNs” (A Realidade dos Espíritos e de suas Manifestações). E também a obra peNsées d’outre-tombe (1858). Em poucos anos de trabalhos expe-rimentais, o Barão obteve um número considerável de escrita direta, algumas obtidas sem o auxílio de lápis, papel ou

Já faz algum tempo que está em nossos planos ampliar os limites fronteiriços da RCE. Em uma de nossas edições fizemos uma edi-ção simplificada da Revista e colocamos no Itunes Store, apenas para verificar se o público daquele “espaço” possuía algum interesse pela leitura dessa temática. Para nossa surpresa, além dos exemplares já distribuídos gratuitamente pelo nosso site, o publico leitor da Apple fez mais de 500 downloads de uma única edição. Isso nos motivou a aprimorarmos a qualidade do produto e disponibilizá-lo em dois lo-cais, o site (na Banca de Revistas) e agora no iTunes Store. Esse momento é um marco para nós, pois conseguiremos atingir um público maior e ainda conseguimos manter o produto gratuito, sempre com a intenção de levar conhecimento científico de primeira qualidade sobre a temática espírita. Os índices e a constância dos tra-balhos conseguem nos colocar num ranking de melhor material cien-tífico espírita da atualidade, tanto por pesquisas inéditas, feitas pelo próprio grupo colaborador, como também artigos traduzidos e que sintetizam os resultados de outros pesquisadores ao redor do mundo. Com isso, ganhamos nós em prestígio e ganha o leitor pela qualidade e garantia informativa que vem a surgir em primeira mão. Temos um compromisso com a verdade, então essa será sempre mantida, por esse motivo, resultados que denotem algo negativo ao espiritismo sempre serão expostos também e isso é importante para que possa se fazer autoreflexões a respeito do que sabemos ou acha-mos que sabemos. Isso ocorreu em nossa edição passada, onde se abordou o tema: passes isolados e coletivos fuNcioNam? A ciência parte das perguntas e tentamos fazer experimentos para buscar as respostas. Quando não podemos fazer os devidos experimentos podemos coletar dados de outros e trabalhar em alguma conclusão. Isso é a ciência e ela precisa caminhar com muito rigor, ratificando verdades espíritas e retificandoos mitos que foram criados ao longo do tempo. Talvez esse seja o maior desafio! Às vezes penso que é mais dificil desconstruir um mito do que buscar alguma resposta nova. Nós como seres humanos temos uma tendência natural de acreditar no que dizem sem nos questionarmos ou sem investigarmos. Claro, é compreensível pois investigar dá muito trabalho e por isso tentamos fazer essa parte e o leitor pode desfrutar dos dados e nossas conclusões e depois concluir por si mesmo.

agora, cabe ao leitor o trabalho de dissemiNar o que apreNde e o que percebe. todos somos respoNsáveis!

saNdro foNtaNa

editor - revista ciêNcia espírita

ardósia. Os próprios espíritos comunicantes trans-porta- vam o material necessário para a obtenção das mensagens. “esses feNômeNos”, diz ele “estão agora firma-dos sobre a base sólida dos fatos, permitiNdo que de ora em diaNte coNsideremos a imortalidade da alma como um fato cieNtífico, e o espiritualismo como uma poNte laNçada eNtre este muNdo e o iN-visível.”

Escrita Direta O Barão de Guldenstubbé foi o primeiro que obteve, na França, a escrita direta. Eis como ele relata o facto (“La Réalité des Esprits”, págs. 66 e 67): Em um belo dia (10 de Agosto de 1856), veio-lhe o pensamento de experimentar se os Espíritos podiam escrever diretamente, sem o auxílio de um médium.

Conhecendo a escrita direta misteriosa do Decálogo, segundo Moisés, a escrita igualmente direta e mis-teriosa na sala do festim do Rei Baltasar, segundo Daniel, e tendo ouvido falar dos mistérios modernos de Straford, na América, onde se acharam certos ca-racteres ilegíveis e estranhos traçados num pedaço de papel e que não pareciam provir dos médiuns; o autor quis certificar-se da realidade de um fenômeno cujo alcance seria imenso, se fosse verdadeiro.” Colocou, portanto, uma folha de papel em branco e um lápis aparado dentro de uma caixinha fechada a chave, guardando sempre essa chave consigo e a nin-guém dando parte da sua experiência. Durante doze dias esperou inutilmente, sem observar o menor traço de lápis no papel; mas, a 13 de Agosto de 1856, o seu espanto foi grande quando notou certos caracteres misteriosos no papel; apenas sucedeu tal facto, e ele repetiu por dez vezes a experiência no mesmo dia, para sempre memorável, colocando, no fim de cada meia hora, uma nova folha de papel em branco na cai-xinha. A experiência foi coroada de êxito completo. No dia imediato, 14 de Agosto, fez de novo umas vinte experiências, deixando a caixinha aberta e não a perdendo de vista; viu, então, que caracteres e pa-lavras na língua Estônia formavam-se ou eram gra-vadas no papel, sem que o lápis se movesse. Desde então, vendo a inutilidade do lápis, cessou de pô-lo sobre o papel; e, colocando simplesmente uma folha de papel dentro de uma gaveta, em sua casa, obteve também comunicações. (No fim da obra do Barão en-contram-se fac-similes dessas escritas). O Barão de Guldenstubbé repetiu a experiência em presença do Conde d’Ourches, e este obteve uma comunicação de sua mãe, cuja assinatura e letra fo-ram reconhecidas como autênticas, quando compara-das com as dos autógrafos que o Conde possuía. Esses primeiros ensaios foram seguidos de mui-tos outros, e o autor adquiriu a certeza de não ser ele quem escrevia em estado sonambúlico, como julgou a princípio.

Revista Ciência Espírita

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