os animais performáticos de beuys, sherk, berwick e dion

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  • 7/21/2019 Os animais performticos de Beuys, Sherk, Berwick e Dion.

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    CERNICCHIARO, Ana Carolina. Os animais performticos de Beuys, Sherk, Berwick e Dion. Crtica Cultural

    Critic, Palhoa, SC, v. 9, n. 1, p. 87-96, jan./jun. 2014.

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    OS ANIMAIS PERFORMTICOSDE BEUYS, SHERK, BERWICK E DION

    Ana Carolina Cernicchiaro1

    Resumo: Nas performances animais de Joseph Beuys, Bonnie Sherk, Rachel Berwick e

    Mark Dion, o ponto de vista irredutvel da alteridade inumana funda novos modos estticos

    e ticos que colocam em questo as dicotomias ocidentais entre sujeito da arte e objeto de

    arte, mas tambm entre natureza e cultura, humano e inumano, mesmidade e alteridade.

    Palavras-chave: Arte e animalidade. Joseph Beuys. Bonnie Sherk. Mark Dion. Rachel

    Berwick

    Num sbado de fevereiro de 1970, ao almoar trancafiada em uma das jaulas darea de alimentao dos felinos (enquanto os outros animais comiam nos covis ao lado),Bonnie Sherk se apresenta diante do olhar desestabilizador do animal. Na performanceintituladaPublic Lunch, a artista estadunidense colocava em cheque a ideia tradicionalde objeto, tanto de objeto de arte quanto de objeto de conhecimento ou deentretenimento, tornando-se, ela prpria, um animal/objeto enjaulado aos olhos dosvisitantes do zoolgico de San Francisco. Sherk est sujeita ao olhar do espectador, mastambm ao olhar do animal, de forma que, a prpria artista plstica confessa, Public

    Lunch resultou numa experincia profunda para pensar o potencial de percepo,inteligncia e comunicao das outras espcies, para pensar o olhar do animal sobre ohumano, para se sentir olhado pelo outro, para se ver sob o olhar do outro, sob o pontode vista inumano.

    Public Lunch foi um trabalho seminal para mim. Durante a performance, eu andei, comiminha comida humana, subi at a plataforma, escrevi o que eu estava pensando e sentindo,deitei, descansei. Enquanto eu estava olhando o lindo cu sobre mim, vendo as nuvens e os

    pssaros acima, o tigre na jaula ao lado, sentou e ronronou para mim. Eu pensei, este tigre

    est me percebendo; ele est me olhando. O que ele est olhando? O que ele est pensando?O que ele est sentindo? (SHERK, 2012)2.

    As reaes do tigre marcaram profundamente o trabalho performtico de Sherk,que passou a incluir em suas pesquisas e performances o comportamento de outrosanimais. Mais do que um trabalho de etologia, do que um estudo de comportamentoanimal, tratava-se de um trabalho de performance: "The animals were performers, aswas I" (SHERK, 2000). Mesmo antes de Public Lunch, Sherk j vinha desafiando asconvenes de apresentao da arte e os limites usuais da galeria ao tentar trazer aexperincia da natureza para a cidade com intervenes inesperadas, como a srie

    Portable Parks, em que ela e Howard Levine expuseram palmeiras, mesas de picnic e

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    Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, realiza estgio ps-doutoral na Universidade do Sul de Santa Catarina.2Traduo minha.

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    animais da fazenda e do zoo nas ruas de San Francisco. Esse trabalho levou Sherk aoprojeto The Crossroads Community (tambm chamado de The Farm), que durou de1974 a 1980. Construdo sob uma movimentadssima freeway de San Francisco, essasorte de jardim ecolgico, de "escultura performtica ambiental", para usar uma

    expresso da prpria Sherk, inclua, entre outras coisas, um teatro, um espao paradiferentes formas de arte, uma escola sem muros e uma biblioteca. Integrando todosestes elementos, Sherk se propunha a passar adiante aquilo que experienciou atravs daarte e da observao dos processos naturais, ou seja, "a interconectividade de diferentesestados de ser/conhecer/amar". Interconectividade esta que, acredita ela, pode ser afonte para a emergncia de novas formas de arte. Afinal, se, como afirma Hlio Oiticica,a arte a formulao de novas possibilidades de vida3, tambm pensar outras formas devida possibilitar a irrupo de novas formas de arte. Uma espcie de "complexo detostines" que vincula arte e mundo numa relao tica singularmente plural. Nas

    palavras de Sherk, como artista, eu tentei expandir o conceito de arte para incluir, e at

    ser, a vida, e fazer visvel as conexes entre diferentes sistemas de conhecimento (SHERK, 2007, p. 227)4, a arte como um trptico entre humano, animal e vegetal, comouma convergncia global.

    Outra prtica artstica que tambm marcada por esta crena na capacidade oupotncia da arte em reunir homem e natureza na construo de um novo mundo a deJoseph Beuys, que inspirou boa parte dos artistas performticos da segunda metade dosculo XX. Fundador de um partido poltico dos animais, Beuys acreditava que, umavez que a atividade artstica capaz de produzir percepes mais profundas deexperincia e estabelecer novas causas que podem mudar nossa maneira de se relacionar

    com a natureza, uma ideia real de ecologia somente poderia ser atingida pela arte. importante lembrar, no entanto, o carter universal do conceito de arte de

    Beuys. Para ele, todo homem - ou mais que isso, todos os seres vivos - so artistas epodem desenvolver sua criatividade de maneira a transformar o mundo. Alis, segundoele, o homem s est verdadeiramente vivo quando realiza esse seu ser criativo,artstico, em todos os aspectos de sua vida. preciso, no entanto, criar uma nova base

    para arte, porque esta que temos se tornou terrivelmente restrita no decorrer dos ltimoscem anos. "Ela se tornou um territrio de poucos intelectuais, muito distante da vida das

    pessoas"5, afirma Beuys (1997, p. 24), acrescentando que mesmo o ato de descascaruma batata pode ser uma obra de arte se for um ato consciente (BEUYS, 1990, p. 87).

    Beuys defendia que a arte o real capital de uma sociedade, a fora revolucionriacapaz de transformar a terra, a humanidade, a ordem social e etc (BEUYS, 1996, p. 30).Da que suas performances sejam chamadas de "esculturas sociais", uma vez quefuncionam como formas de moldar o mundo em que vivemos.

    Meus objetos devem ser vistos como estimulantes para a transformao da idia deescultura ou da arte em geral. Eles podem provocar pensamentos sobre o que a escultura

    3A fundao de uma obra no a produo infinita do objeto: a formulao de uma possibilidade devida (OITICICA, 2010).4Traduo minha.5Traduo minha.

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    pode ser e como o conceito de escultura pode ser estendido para materiais invisveis usadospor todos.

    FORMAS PENSADAScomo moldamos nossos pensamentos ou

    FORMAS FALADAS como moldamos nossos pensamentos em palavras ouESCULTURA SOCIAL como moldamos e damos forma ao mundo no qual vivemos:ESCULTURA COMO PROCESSO EVOLUCIONRIO; TODO MUNDO UM ARTISTA(BEUYS, 1990, p. 19)6.

    Nessas esculturas sociais, como tentativas de interao entre o mundo humano einumano, Beuys explicou arte para uma lebre morta, dividiu o palco com um cavalo

    branco, passou trs dias num quarto com um coiote e plantou rvores, muitas rvores.Em um projeto concebido para a Documenta 7, em 1982, por exemplo, Beuys plantousete mil carvalhos na cidade alem de Kassel. O projeto apresentava um processo derevitalizao no apenas da natureza, mas do organismo social como um todo, uma

    forma de resistncia ao enorme processo letal que a humanidade causou atravs de seuconceito de materialismo e de seus processos de produo. A ideia era apontar para aimportncia de uma nova conscincia, questionar o que exatamente o homem e o queele tem em comum com outros seres, despertar uma poltica scio-ecolgica, que

    permitisse entender o relacionamento entre humanidade e natureza como uma unidade,de maneira que, juntos, homem e natureza pudessem construir um novo mundo(BEUYS, 1996, p. 30). Para Beuys, a natureza um lugar de eventos sociais. Como umdiplomata cosmopoltico, como um xam, ele pretendia religar o homem terra, natureza, aos animais, mostrar que o ser humano um ser-com (com hfen, conforme alio de Jean-Luc Nancy) com a natureza e que a rvore est to ciente de ns quantons dela.

    isso que vemos em performances como Coyote: I Like America and AmericaLikes Me. Em maio de 1974, Beuys foi pego por uma ambulncia no aeroporto de NovaYork e levado at a galeria Ren Block, onde dividiu um quarto com um coioteselvagem por uma semana. Embrulhado em um fino cobertor de feltro, s vezes apoiadoem um cajado como um pastor, noutras cado como um objeto vulnervel diante docoiote (pastor mas tambm cordeiro), Beuys tentava estabelecer uma relao nohierrquica com o animal.

    Little John, o coiote, cautelosamente rodeou Beuys, urinou sobre as cinquentacpias do Wall Street Journalespalhadas pelo cho e trocou seu feno pelo cobertor defeltro de Beuys, que foi destrudo em seguida. Ao final da experincia, Beuys novamente embrulhado e levado ao aeroporto por uma ambulncia, deixando a Amricasem ver nada alm de um coiote: "Eu queria me concentrar somente no coiote. Eu noqueria ver nada da Amrica alm do coiote" (BEUYS, 2008, p. 15)7. Conforme explicao prprio Beuys, a ideia era curar, como um xam, um ponto psicologicamentetraumtico dos Estados Unidos com o povo nativo: "todo o trauma americano com o

    6Traduo minha.7Traduo minha.

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    indgena, o Pele Vermelha. Voc pode dizer que um acerto de contas foi feito com ocoiote, somente assim esse trauma pode ser superado" (BEUYS, 1990, p. 141)8.

    Mas por que o coiote? Como nos mostra Lvi-Strauss em Histria de lince(1993), o coiote personagem constante nos mitos dos povos da Amrica do Norte, sejacomo figura poderosa, herica, ou como um malandro trapaceiro, um trickster. De um

    jeito ou de outro (como heri ou anti-heri), a escolha de Beuys pelo coiote no gratuita. Os Estados Unidos que ele quer ter contato os Estados Unidos capaz de terum dilogo com o coiote, de devir-coiote. Assim como em "Meu tio o Iauaret", de JooGuimares Rosa (2001), o devir-tupi implica um devir-ona e vice-versa9; tambm odevir-ndio norte-americano implica uma relao de contgio com o coiote, um devir-coiote, na medida que rememora uma relao perdida do homem com o animal, umafilosofia ou uma ontologia perspectivista, onde a subjetividade, a alma, o ponto de vistaso potencialidades dos animais10. "Eu queria lembr-lo que os seres humanos esto

    agora falando com ele. (...) que ele compreendido como ator considervel na produode liberdade, que ns precisamos dele como um produtor e um auxiliar importante"(BEUYS apud TISDALL, 2008, p. 14)11.

    Segundo a anlise da fotgrafa da performance, Caroline Tisdall, a chave paraCoyote est no princpio de transformao: transformao da ideia de liberdade,transformao da linguagem, transformao do dilogo verbal em dilogo de energias(TISDALL, 2008, p. 12); transformao dos conceitos estanques ocidentais em fluidez

    perspectivista, poderamos acrescentar. Tisdall percebeu que, ao interagir com o coiote,

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    Traduo minha.9A leitura proposta aqui v na ona algo mais do que uma representao totmica clssica, v um devir-ndio-ona e um devir-ona-ndio. Um devir-ona que um devir-ndio do sertanejo, uma jaguaridade

    potencial (xamnica ou canibal) do ndio, como forma ideal de predao, de devorao do outro e de seuponto-de-vista. Essa vontade de devorar o ponto de vista do outro, o desejo de ser o outro, a incorporaodo outro, a sada de si o que faz do modo de ser indgena um modo de devir-outro, pois a relao com ooutro funda a identidade, da mesma maneira que a relao com o inimigo funda a sociedade. Por outrolado, tal devir-ona pressupe uma potencialidade canibal (humana) do jaguar, uma capacidade deassumir a posio reflexiva, de ser sujeito, de no domesticao ou coisificao do inumano. O sobrinhodo Iauaret se torna ndio e ona, pois as duas coisas esto interligadas como duas faces da mesmamoeda: ao assumir sua cultura indgena, ele assume tambm a proximidade dessa cultura com a natureza,seu pensamento no dicotmico, que v natureza e cultura como sries contnuas e no como doisdomnios ontolgicos diferentes, estanques. Um pensamento que prope uma diferena relativa,mesurvel e flexvel, ou melhor, um estado de diferenciao permanente, um modo de ser que um modode devir.10 Desenvolvido por Eduardo Viveiros de Castro em parceria com Tnia Stolze Lima a partir dasconcepes indgenas (em especial das tribos de origem tupi-guarani) de mundo, pessoa, sujeito, humanoe no-humano, o perspectivismo multinaturalista se refere a um aspecto do pensamento amerndio quedefine que o mundo habitado por diferentes espcies de sujeitos ou pessoas, humanas e no-humanas,que o apreendem segundo pontos de vista distintos (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 347). Para estacosmologia, a conscincia e a cultura, a subjetividade e a intencionalidade no so exclusividade doshumanos, mas potencialidades de uma infinidade de outras espcies. Cada uma das diferentes formas devida v sua prpria espcie como humana, considerando as outras como animais ou espritos. Isso porque,

    para o pensamento perspectivista, a forma manifesta de cada espcie seria um envoltrio, uma roupa, queesconde a forma interna humana (a forma mtica original de todos os seres) e que visvel apenas aos

    olhos da prpria espcie ou de certos seres transespecficos, como os xams (VIVEIROS DE CASTRO,2002, p. 351).11Traduo minha.

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    Beuys est se relacionando com uma outra Amrica, da o ttulo irnico I Like Americaand America Likes Me, justamente porque a Amrica que ele gosta e que gosta dele, outra, a do coiote, uma Amrica que pressupe uma outra relao com a natureza ecom os animais, uma Amrica que percebe os animais como seres capazes de um

    embate tico. E a essa Amrica que Beuys quer se abrir para escutar a voz;principalmente porque, para Beuys, essa a responsabilidade de todo ser humano emrelao aos outros seres: ouvir a voz do mundo mudo.

    Assumir tal responsabilidade o que, dez anos antes, j havia levado Beuys performance The Chief(1963-64). Num quarto com esculturas de gordura nos cantos,Beuys, enrolado em uma manta de feltro, mas dessa vez com uma lebre morta em cada

    ponta do tecido, fazia barulhos incompreensveis que eram amplificados no quarto e narua. Continuando essa ideia, no ano seguinte, em How to Explain Pictures to a Dead

    Hare, a proposta era, mais uma vez atravs da lebre, entrar no mundo animal e vegetal

    que parte de ns, parecer uma lebre, devir-lebre: "Eu no sou um ser humano, narealidade eu sou uma lebre. Isso muito real. Eu trabalho com esta transformao"(BEUYS, 1997, p. 14)12.

    A famosa performance acontecia em uma galeria fechada, que permitia ao pblicoapenas espiar pela janela. Com a cabea coberta de mel e de folhas douradas, Beuysfazia a pata da lebre tocar os quadros e sussurrava em sua orelha explicaes sobre cadaum deles. Depois de finalizar o tour, o artista sentou em uma cadeira e comeou aexplicar os quadros a sua pequena amiga, afinal, conclui ele, "eu acho que hoje melhorexplicar a importncia da arte aos animais do que aos seres humanos" (BEUYS, 1997,

    p. 9)13. Para ele, a lebre, assim como uma oliveira, um cipreste, um cavalo, o mar, as

    montanhas so partes do interior do homem, so rgos do homem da mesma maneiraque o fgado, o corao, os rins e todo o resto, e se formos capazes de explicar pinturas

    para esse rgo externo, ento a arte poder ser entendida como uma genuna ratificaodos poderes criativos do homem (BEUYS, 1996, p. 30). Beuys defende que a arte algoque desafia nossa vontade de sntese, de representao, de sentido nico, de explicao,de entendimento. De maneira tal que mesmo uma lebre morta possui mais intuio doque um ser humano cuja racionalidade se tornou inflexvel, cujo pensamento foiintelectualizado at um nvel mortfero:

    Em nossos tempos, pensar se tornou algo to positivista que as pessoas s apreciam o que

    pode ser controlado pela razo, o que pode ser til, o que alavancar sua carreira. Por isso eusinto que necessrio apresentar algo mais do que meros objetos. Ao fazer isso, quem sabeas pessoas possam comear a entender que o homem no s um ser racional (BEUYS,1990, p. 86)14.

    Beuys olhou o coiote e se viu olhado pelo animal, falou e ouviu a lebre. Ele seentregou aos olhos do animal para se tornar uma espcie de objeto, uma escultura emque os espectadores no so os visitantes que espiam de fora da galeria, mas o prprio

    12Traduo minha.13Traduo minha.14Traduo minha.

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    coiote, a prpria lebre. Tal questionamento sobre as fronteiras do humano e do animalse confunde com uma pergunta sobre os papis (e os limites desses papis) doespectador, do artista, do sujeito da arte, e do objeto de arte, da coisa que se contempla.Conforme analisou Valerie Casey, How to Explain Pictures to a Dead Hare critica as

    relaes pr-concebidas entre espectadores e objetos na indstria da arte, especialmentena galeria e no museu, desafiando as interpretaes e apropriaes super racionalizadasdo mundo da arte (CASEY, 2005).

    esse tipo de crtica que vemos tambm na srie The Library for the Birds, deMark Dion, apresentada em Massachusetts, Nova York e Anturpia. A primeira delas,The Library for the Birds of Antwerp, de 1993, foi exibida no Museum vanHedendaagse Kunst da Anturpia e contava com 18 pssaros que voavam,empoleiravam-se e cantavam sobre uma rvore que marcava o centro da instalao (a

    biblioteca dos pssaros). Os pssaros, totalmente livres, fizeram do ambiente sua casa

    graas a um jogo de luzes que os atraa. Os objetos que os circundavam, gaiolas demadeira da frica e da Amrica, lembravam o mercado lucrativo de pssaros exticosque comeou no sculo XVI e continua at hoje no Vogelmarkt de Anturpia, onde asaves foram compradas. Alm das gaiolas, de uma reproduo de Concerto das Aves, doflamengo Frans Snyders, de retratos de pssaros e de uma foto do avirio do zoolgicoda Anturpia, os sinais de captura e extino estavam em todos os lugares, nos livrosexpostos sobre a rvore, em ilustraes e, principalmente, na rvore seca no centro dainstalao. Como se a biblioteca rememorasse uma histria dos vencidos, da presa, doanimal em extino, contra a histria oficial do desenvolvimentismo.

    Alis, os animais em extino so um tema recorrente nas obras de Mark Dion.

    Em Tar and Feathers, de 1996, por exemplo, animais taxidermizados pendurados numamacabra rvore coberta de alcatro (tar) e penas (feather) chamam a ateno para este

    problema. O prprio nome/material da instalao j remete crueldade da relao dohomem com o inumano (no caso, com o homem inumanizado), j que lembra uma

    prtica de punio, tortura e linchamento dos tempos feudais que persistiu nos EstadosUnidos e na Inglaterra ainda no sculo XX. Impossvel tambm no lembrar da famosacena da Guerra do Golfo em que pssaros cobertos de petrleo agonizavam diante dascmeras. De uma maneira ou de outra, permanece o elemento macabro, aterrorizador,que, segundo o prprio Dion, tem a ver com a temtica da extino. "Eu acho quequando se lida com questes como extino, difcil no se tornar um pouco macabro"

    (DION, 1997, p. 33)15.Tambm neste sentido, vale uma referncia a May-por-, de Rachel Berwick. O

    trabalho de 1997 (que esteve em Porto Alegre para a Bienal do Mercosul de 2004),consiste num avirio escultural com dois papagaios amaznicos que falam uma lnguaindgena extinta. As aves foram ensinadas por ela a partir das anotaes de AlexanderVon Humboldt, que, em 1799, adquiriu um dos papagaios que haviam sidodomesticados por uma tribo indgena caribenha j dizimada e que eram os nicos"falantes" da lngua Maypure. As paredes translucidas do avirio ao mesmo tempo queencobrem os papagaios (apenas suas sombras podem ser vistas pelo espectador),

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    tambm remetem ideia de rastro, de vestgio, de trao, como se um rastro do humanoextinto perdurasse no animal - aquele que tradicionalmente o extinto -, maisironicamente ainda, na linguagem deste animal - justamente aquela caractersticaconsiderada exclusiva do homem, responsvel at por separ-lo dos outros viventes16.

    Da mesma maneira que os papagaios de Berwick colocam em questo a diferenaentre natureza e cultura ao testemunhar a extino de um povo e sua lngua; os pssarosde Mark Dion, ao ganharem uma biblioteca num espao institucional como o museu dearte, revelam-se seres mais do que naturais. Ao mesmo tempo, seus espectadoreshumanos, ao entrarem no espao dos pssaros e serem sobrevoados por eles, tambmno so mais seres puramente culturais. Ali, homens e pssaros so interseces de artee espectador, sujeito e objeto, natureza e cultura17.

    Norman Bryson mostra que Dion est interessado na interface entre a natureza e ahistria das disciplinas e dos sistemas de poder que a tomam como seu objeto de

    conhecimento, que a classificam e a controlam. Da, afirma Bryson, o carter paradoxalde uma biblioteca para pssaros, pois, se todo saber sobre o mundo natural condicionado pelas instituies de conhecimento, com sua maneira prpria e particularde produo da verdade, ento o real, a natureza, no tanto o que aparece mas o que

    permanece margem da representao (BRYSON, 1997, p. 96), aquilo que pode serinvocado pela experincia do espectador, devido justamente proximidade (confuso,

    podemos dizer) entre o sujeito e o objeto de arte.

    Para alm de suas bibliotecas para pssaros, toda obra de Mark Dion traz umapreocupao com os limites entre natureza e cultura e suas instituies colecionadoras.Ao investigar o museu de arte, o museu de histria natural, o zoolgico e os elementos

    de dominao que os envolvem, ele mostra de que maneira esses espaos dividem, almde sua descendncia em comum, um mesmo objetivo: exibir tesouros e trofus, de modoa ostentar o poder, a influncia e o conhecimento do proprietrio de tais colees, sejaeste um indivduo ou uma nao. No a toa que a nacionalizao e a abertura visitao pblica dos zoolgicos e dos museus se deu em conjunto nos sculos XVIII eXIX. Tanto quanto os zoos, os museus so colees de perspectivas histricas na qualse constitui um conhecimento sobre o outro, dispositivos imperiais que representam umcerto tipo de saber estatal objetivante sobre este outro, um indicativo da capacidade declassific-lo, control-lo e domin-lo18.

    16O tema tambm aparece em outra instalao de Rachel Berwick. Lonesome George, de 2005, fala deuma tartaruga de 80 anos que - ou melhor, era (em junho deste ano, ouvi em algum noticirioestadunidense a notcia de sua morte) - a ltima de sua espcie. Neste trabalho, Berwick dramatiza estesentido de perda, com velas de embarcaes que se enchem de ar toda vez que George aparece serecolhendo em seu casco no vdeo que compe a instalao.17Semelhante questo exps Pauline Bastard em Campo contra campo, apresentado na 30 Bienal de SoPaulo: A iminncia das poticas, em 2012. O vdeo de nove minutos filmado por dois cavalosvideomakers, que possuam uma cmera acoplada na cabea, apresenta uma arte executada pelos prpriosanimais, que, alm de revelar o olhar do animal e o mundo como visto por eles, ainda questiona os limitesentre natureza e cultura, museu de arte e museu de histria natural, ao expor este olhar e este mundo numaBienal.18

    Este outro pode ser animal, mas tambm humano. A ltima exposio de animais humanos enjauladosem zoolgicos foi a de uma famlia do Congo, h pouco mais de 50 anos, em 1958, em Bruxelas. Entre osprimeiros desses povos exticos expostos na Europa esto a famlia de ndios tupinamb que desfilaram,

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    Os zoolgicos pblicos surgem quando os animais comeam a desaparecer davida cotidiana. Como afirma John Berger, o zoo uma espcie de epitfio de umarelao que era to antiga quanto o homem e que se perdeu. O olhar entre o homem e oanimal, que teve um papel crucial no desenvolvimento da sociedade humana e com o

    qual todos os homens conviveram, foi extinto. Por isso o zoolgico - este "lugar deexcluso e recluso dos animais selvagens (SANTIAGO, 2006, p. 183) - no podeseno desapontar, pois em nenhum lugar do zoo se pode encontrar o olhar do animal:"O zoo ao qual as pessoas vo para encontrar o animal, para observ-los, para v-los, ,de fato, um monumento impossibilidade destes encontros" (BERGER, 1997, p. 103)19.

    Ainda que, como disse Berger, o zoolgico no seja um espao propcio para oencontro com o animal por ser um lugar de objetivao, dominao e classificao dooutro, quando apropriado pela arte, ele pode, sim, revelar o olhar do animal sobre ns. A

    jaula de Bonnie Sherk, o viveiro dos papagaios de Rachel Berwick, a biblioteca para

    pssaros de Mark Dion, a galeria onde Joseph Beuys est preso com um coiote, soespaos que se parecem com o zoolgico (no caso de Sherk o prprio zoolgico), masque o inverte, o transforma. A arte abre as jaulas do zoolgico, mas tambm do museu,na medida que confunde a separao entre homem e animal e entre arte e mundo, namedida que expe no mais um animal objeto, um objeto espetacular, ou um homemanimalizado, mas uma relao de devir.

    Segundo Deleuze e Guattari, a arte no um fim, mas um instrumento para traaros devires, linhas de vida, fugas ativas. Fugas que no fazem da arte um refgio, poisso "desterritorializaes positivas, que no iro se reterritorializar na arte, mas queiro, sobretudo, arrast-la consigo para as regies do a-significante, do a-subjetivo e do

    sem-rosto" (DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 57). Trata-se de uma das funespolticas da arte, pois o devir nos libera, afirma Peter Pl Pelbart, da forma do homem-branco-macho-racional-europeu. Atravs dele, a arte abandona a "Forma-homem, aoembarcar em devires minoritrios, inumanos, plurais, transpondo as fronteiras entre "o

    animal, o vegetal e o mineral, ou entre o humano e inumano, o individual e o coletivo, omasculino e o feminino, o material e o imaterial, etc" (PELBART, 2000, p. 69).

    Como explica Nato Thompson, em Monstruos Empathy - texto de abertura aocatlogo da exposio Becoming-Animal, organizada pelo Massachusetts Museum ofContemporary Art (MASS MoCA), de maio de 2005 a maro de 2006, que incluatrabalhos de Dion e Berwick -, quando Deleuze e Guattari desenvolvem esta ideia,desestabilizam as fronteiras restritas e arbitrrias da modernidade entre a humanidade eo reino animal. Segundo ele, o termo devir permite o intercmbio entre concepes demundo outrora estticas como homem/natureza, homem/mulher, eu/ns, humano/animal(THOMPSON, 2005, p. 8), pois, no devir, no h divises essenciais entre minerais,vegetais, animais e humanos, mas um contnuo, um campo de foras virtuais,intensidades e foras, que esto sempre mudando conforme se encontram e serelacionam com outras entidades.

    em 1550, para o rei Henrique II e a nobreza em Rouen, na Frana. Mas foi no incio do sculo XIX, que

    estas exposies se tornaram mais populares. Segundo Pascal Blanchard, mais de 1 bilho de pessoasassistiram aos espetculos de "humanos exticos" realizados entre 1800 e 1958 (BLANCHARD, 2008).19Traduo minha.

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    CERNICCHIARO, Ana Carolina. Os animais performticos de Beuys, Sherk, Berwick e Dion. Crtica Cultural

    Critic, Palhoa, SC, v. 9, n. 1, p. 87-96, jan./jun. 2014.

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    Como todos os seres, o ser humano tambm est engajado nestas constantesrelaes de devir, que nos abrem a outros modos de existncia. Da Jacques Derridaconcluir que o ponto de vista do animal sobre o humano traz questes que "engajam um

    pensamento do que quer dizer viver, falar, morrer, ser e mundo como ser-no-mundo ou

    ser-ao-mundo, ou ser-com" (DERRIDA, 2002, 29).Esta citao de O animal que logo sou nos remete ao pensamento de Jean-Luc

    Nancy, para quem o ser no outra coisa seno o ser-uns-com-os-outros, circulando nocom e pelo com da co-existncia singularmente plural. Para o autor de Ser Singular

    Plural, o homem est no mundo porque o mundo sua prpria exterioridade, o mundo o no-humano ao qual o humano se expe. Por isso o homem no o fim da natureza;seu fim, sua finalidade, o ser-no-mundo e o ser-mundo de todo o existente.

    Ao se colocar como campo aberto alteridade, a arte deixa de ser umaapresentao do eu ou uma representao do outro e passa a ser uma presentificao de

    seres-uns-com-os-outros singularmente plurais. O mesmo se apaga porque justamente apartcula eu, que define e forma toda ipseidade, est tomada por um outro que no identitrio, no fixo, mas que est sempre em devir. Assim que, na arte que se expeao olhar do animal, na arte que se deixa atravessar por esse olhar, no h fixao do eu,mas fico do eu, frico do eu com muitas outras coisas que o contagiam, afetaoinfinita e mltipla, afinal, o ser nada mais do que um ser-com, um ser-entre-muitos-outros, e de inmeras espcies.

    REFERNCIAS

    BERGER, John. "Why look at animals?". In: CORRIN, Lisa Graziose; KWON, Miwon; BRYSON,Norman. Mark Dion. New York and London: Phaidon Press, 1997.

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    plan for the Western man: writings by and interviews with Joseph Beuys. Compiled by Carin Kuoni.New York: Four Walls Eight Windows, 1990.

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    Liverpool University Press, 2008.BRYSON, Norman. "Mark Dion and the Birds of Antwerp". In: CORRIN, Lisa Graziose; KWON,Miwon; BRYSON, Norman. Mark Dion. New York and London: Phaidon Press, 1997.

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    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Flix. Mil plats: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3. Trad. AnaLcia de Oliveira e Lcia Cludia Leo. 4 reimpresso. So Paulo: Editora 34, 2008.

    DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. Trad. Fbio Landa. So Paulo: Editora UNESP, 2002.

    DION, Mark. "Miwon Kwon in conversation with Mark Dion". In: CORRIN, Lisa Graziose; KWON,Miwon; BRYSON, Norman. Mark Dion. New York and London: Phaidon Press, 1997.

    DURINI, Lucrecia de Domizio. Difesa della Natura. Milano: Edizioni Charta, 1996.

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  • 7/21/2019 Os animais performticos de Beuys, Sherk, Berwick e Dion.

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    CERNICCHIARO, Ana Carolina. Os animais performticos de Beuys, Sherk, Berwick e Dion. Crtica Cultural

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    ROSA, Joo Guimares. Meu tio o Iauaret. In: Estas Estrias. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2001.

    SANTIAGO, Silviano. Bestirio. In: SANTIAGO, Silviano. Ora (direis) puxar conversa! BeloHorizonte: Editora UFMG, 2006.

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    Recebido em: 14/06/2014. Aprovado em 15/06/2014.

    Title:Performing animals of Beuys, Sherk, Berwick and Dion

    Author: Ana Carolina Cernicchiaro

    Abstract: On Joseph Beuys, Bonnie Sherk, Rachel Berwick and Mark Dion animal

    performances, the irreductible point of view of inhuman alterity establishes new aesthetics

    and ethics modes that call into question the occidental dichotomies between subject and

    object of art, as well nature and culture, human and inhuman, selfness and otherness.

    Keywords: Art and animality. Joseph Beuys. Bonnie Sherk. Mark Dion. Rachel Berwick.