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Orlando Gonnelli Netto ANÁLISE DA DIDATIZAÇÃO DO TEMA RADIAÇÃO DE CORPO NEGRO SOB A LUZ DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Educação Científica e Tecnológica. Orientador: Dr. Frederico Firmo de Souza Cruz. Co-orientador: Dr. Paulo José Sena dos Santos. Florianópolis 2014

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Orlando Gonnelli Netto

ANÁLISE DA DIDATIZAÇÃO DO TEMA RADIAÇÃO DE CORPO

NEGRO SOB A LUZ DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO

DIDÁTICO

Dissertação submetida ao Programa de

Pós-graduação em Educação Científica

e Tecnológica, da Universidade Federal

de Santa Catarina para a obtenção do

Grau de Mestre em Educação Científica

e Tecnológica.

Orientador: Dr. Frederico Firmo de

Souza Cruz.

Co-orientador: Dr. Paulo José Sena dos

Santos.

Florianópolis

2014

AGRADECIMENTOS

Cada contribuição ao trabalho, sendo no início, no fim ou no

meio deste é infinitamente enriquecedora, independente do momento em

que surgiu.

Agradeço:

Os meus mestres orientadores do grupo de pesquisa Prof. Dr.

Frederico Firmo de Souza Cruz, Prof. Dr. Paulo Sena dos Santos e Profª.

Drª. Sonia Maria Correa de Souza Cruz, sempre pacientes, precisos e

geniais nas orientações. Vocês são exemplos a serem seguidos.

Aos membros da banca avaliadora que despenderam o seu

precioso tempo e contribuíram com suas ideias para este trabalho.

Aos professores do PPGECT, pela competência na arte de

ensinar, e aos colegas da turma de mestrado de 2011 que iniciaram

comigo essa jornada e com quem troquei importantes experiências.

Ao Thiago Foca, Tiago Loro, Elton, Marcelão, Spliter e Diego

Milhouse, amigos inesquecíveis, pelos churrascos e diversão quase sem

limites durante as partidas de Smash Bross.

Ao Roberto, Caio, Bruno Cani, Paiotti, Pedrão, Lucas Casé e

Lucas Sorriso, amigos, colegas e parceiros com quem passo horas e

horas conversando sobre música, praia e assuntos filosóficos e cujas

amizades faço questão de manter.

Ao meu irmão Eduardo, meu fiel e mais antigo amigo, que está

comigo desde que está vivo; grande parceiro na música, nas artes e nos

conselhos.

À minha linda namorada Barbara, sempre carinhosa e

companheira que compartilha comigo desta etapa na vida. E um

agradecimento especial a este trabalho de dissertação que cruzou nossos

caminhos.

Aos meus pais Sueli e Vilmar e aos meus avós Valdir e Lídia,

meus maiores exemplos, por terem me ensinado o valor dos estudos e,

principalmente, a não desistir dos meus sonhos. A vocês devo tudo que

sou e o que ainda virei a ser.

E por fim, à Capes, pela bolsa de estudos que financiou este

projeto e proporcionou minha estadia na ilha da magia.

RESUMO

Neste trabalho de dissertação, analisamos a transposição do tópico

Radiação de Corpo Negro para o ensino superior. A análise baseou-se

em dois livros-textos propostos para a disciplina Estrutura da Matéria 1,

da Universidade Federal de Santa Catarina, nos exercícios das listas de

tarefas e nas provas aplicadas durante a apresentação do conteúdo aos

alunos. O referencial teórico utilizado para a análise foi da Teoria

Antropológica do Didático, de Yves Chevallard, que permite modelar a

atividade didática em dois blocos (“saber” e “saber fazer”) e posicionar

a tríade aluno-conhecimento-professor imersa numa instituição social e

governada pelas regras e praxeologias da instituição. Foi elaborada uma

versão didatizada do tema Radiação de Corpo Negro a partir de

referências bibliográficas, com a finalidade de definir um texto padrão

que permita gerar praxeologias que enfatizem nossa visão de ruptura

entre Mecânica Clássica e Mecânica Quântica e suas consequências.

Essa didatização foi então comparada à análise das praxeologias da

disciplina. Ao todo, 2 livros-textos, 9 provas e 2 listas de exercícios

deram origem a 72 exercícios analisados. Os resultados mostram que a

didatização presente no livro Física Quântica - Átomos, Moléculas,

Sólidos, Núcleos e Partículas, dos autores Robert Eisberg e Robert

Resnick, traz uma técnica para a dedução da fórmula de Planck que

prioriza a Teoria Ondulatória e associa a quantização da energia das

ondas eletromagnéticas ao trabalho de Planck, entre outros resultados.

Os exercícios propostos para a disciplina priorizam tarefas que

envolvem cálculo, o que acaba por não discutir conceitos fundamentais

em Física. Nossa análise parece indicar que há uma tentativa de

adequação do tópico Radiação de Corpo Negro ao modelo tradicional de

ensino de física utilizado em outros conteúdos, o qual enfatiza

exercícios de cálculo em detrimento de outros que poderiam permitir

uma discussão mais profunda dos conceitos físicos fundamentais.

Palavras-chave: Radiação de Corpo Negro. Teoria Antropológica do

Didático. Praxeologia. Tradição de Ensino de Física.

ABSTRACT

In this thesis it is analyzed the transposition of the theme Blackbody

Radiation for higher education. The analysis was based on two proposed

textbooks for the discipline Matter Structure 1, at the Federal University

of Santa Catarina, in the exercises of the lists of tasks and tests given

during the presentation of the content to the students. The theoretical

framework used for the analysis was the Anthropological Theory of

Didactics, by Yves Chevallard, which allows modeling the didactic

activity in two blocks (practical block and theoretical block) and

position the triad student-teacher-knowledge immersed in a social

institution and governed by the rules and praxeologies of the institution.

It was elaborated a text version of the theme blackbody radiation from

the references in order to set a default text that may allow generate

praxeologies that emphasizes the vision of rupture between classical

mechanics and quantum mechanics and its consequences. This

didactization was then compared to the analysis of the discipline‟s

praxeologies. Altogether, 2 textbooks, 9 tests and 2 lists of tasks, led to

72 exercises analyzed. The results shows that the didactization in

Quantum Physics - Atoms, Molecules, Solids, Nuclei and Particles

book, by Robert Eisberg and Robert Resnick, brings a technique for

derivation of Planck's formula that prioritizes Wave Theory and

associates the quantization of energy of electromagnetic waves by

Planck's work, among other results. The exercises proposed for the

discipline prioritize tasks involving calculation, which turns out not to

discuss fundamental concepts in physics. The analysis suggests that

there is an attempt to adapt the topic blackbody radiation to the

traditional model of physical education used in other contents that

emphasizes calculation over others skills that could enable further

discussion of fundamental physical concepts.

Keywords: Blackbody Radiation. Anthropological Theory of Didactics.

Praxeology. Tradition of Physics Teaching.

LISTA DE ABREVIATURAS

EM – Ensino Médio

ES – Ensino Superior

FMC – Física Moderna e Contemporânea

RCN – Radiação de Corpo Negro

TAD – Teoria Antropológica do Didático

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Esquema que representa os constituintes básicos da

praxeologia e resume brevemente seus significados para a TAD. ........ 28

Figura 2: Possíveis movimentos de uma molécula diatômica: (a)

movimento de translação do centro de massa, (b) movimento de rotação

ao redor de vários eixos, e (c) movimento de vibração ao longo do eixo

molecular. .............................................................................................. 40

Figura 3: Gráfico do calor específico molar do hidrogênio em função da

temperatura. A escala horizontal é logarítmica e o gráfico mostra

claramente os graus de liberdade “acionados” conforme há aumento de

temperatura. ........................................................................................... 41

Figura 4: Gráfico do calor específico molar do Silício e Germânio

(sólidos) em função da temperatura. Pela lei de Dulong-Petit,

deveríamos esperar um valor constante para o calor específico, mas

observamos que, em baixas temperaturas, o calor específico tende a

zero. ....................................................................................................... 41

Figura 5: Representação de um corpo (2) no interior da cavidade oca de

um corpo (1). ......................................................................................... 42

Figura 6: corpo negro cuja cavidade se comunica com o meio externo

por um orifício minúsculo que deixa escapar a radiação da cavidade.

Esta radiação deve possuir a forma da distribuição de um corpo negro.44

Figura 7: Intensidade espectral como função do comprimento de onda

obtida por Lummer e Pringsheim em novembro de 1899. A figura

mostra os valores calculados (“berechnet”) e obtidos experimentalmente

(“beobachtet”). ...................................................................................... 58

Figura 8: Curvas da energia da radiação versus temperatura, medidas

através dos raios residuais (“reststrahlen”), usando-se pedras de sal

( ) e comparadas (“berechnet nach” significa “calculado

após”) com as fórmulas de Wien, Lord Rayleigh, Thiesen e Planck. ... 60

Figura 9: Figura que ilustra, numa projeção em duas dimensões, como o

número de modos no intervalo , e pode ser substituído por um

incremento no espaço de fase de volume , onde

. ................................................................................................. 62

Figura 10: Gráfico da radiância espectral de um corpo negro e sua

respectiva legenda, retirados do livro-texto (1). .................................... 82

Figura 11: Gráfico da radiância espectral segundo os resultados

experimentais em comparação com a previsão de Rayleigh e Jeans

(teoria clássica) e sua respectiva legenda retirados do livro-texto (1). . 90

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Quantidade de Exercícios, Tarefas e Tipos de Tarefas

encontrados em provas, livros-textos e listas de exercícios. ................. 99

Tabela 2: quantidade de Tipos de Tarefas segundo tipos de atividades,

de forma que a porcentagem refere-se à quantidade total de Tipos de

Tarefas em cada objeto da tabela 1 anterior. ....................................... 100

Tabela 3: Quantidade de vezes que as fórmulas e expressões são

utilizadas no cálculo de determinado Tipo de Tarefa que envolve

Cálculo. Nesta tabela, é levado em conta que alguns tipos de tarefas

fazem uso de duas expressões ou mais. .............................................. 101

Tabela 4: Classificação das tarefas ( ) que envolvem cálculo conforme o

modo como exploram os conceitos físicos envolvidos na resolução das

mesmas. A porcentagem em cada coluna é sempre referente ao TOTAL

na última linha..................................................................................... 102

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Quadro esquemático que sintetiza a abordagem de Rayleigh e

Jeans ao fenômeno Radiação de Corpo Negro segundo Longair (1986).

............................................................................................................... 69

Quadro 2: Quadro esquemático que sintetiza a abordagem de Planck ao

problema do Corpo Negro segundo Longair (1986). ............................ 70

Quadro 3: esquema que sintetiza a técnica ( ) utilizada pelo livro-

texto (1) para deduzir a fórmula de Planck. Nele, destacamos os

exemplos trabalhados ao longo do Capítulo 1 do livro-texto (1), o

percurso seguido por ele e as respectivas etapas da técnica ( )

associadas ao percurso. ......................................................................... 96

Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 19

1. A TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO COMO

REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................... 23

1.1 Detalhando a TAD .................................................................................. 24

1.1.1 Objetos, pessoas e instituições......................................................... 24

1.1.2 Relação Institucional e Relação Pessoal .......................................... 25

1.2 A Praxeologia ......................................................................................... 27

1.2.1 Os constituintes da praxeologia ....................................................... 28

1.3 Os principais elementos da TAD para este trabalho e a praxeologia como

possibilidade de pesquisa .............................................................................. 31

2. O CONTEXTO DA RUPTURA ENTRE A FÍSICA CLÁSSICA E A

MECÂNICA QUÂNTICA .............................................................................. 33

2.1 O contexto da Ruptura ............................................................................ 36

2.1.1 O congelamento dos graus de liberdade. ......................................... 36

2.1.2 O corpo Negro de Kirchhoff ............................................................ 42

2.1.3 A Lei de Stefan-Boltzmann ............................................................. 44

2.1.4 Lei de Deslocamento de Wien ......................................................... 47

2.1.5 O espectro de radiação do corpo negro de Wien ............................. 48

2.1.6 Planck no início da carreira ............................................................. 51

2.1.7 Como Planck Chegou no espectro de radiação do corpo negro ....... 55

2.1.8 A equação de Rayleigh-Jeans .......................................................... 60

2.1.9 A Teoria de Planck sobre a Radiação de Corpo Negro e o ponto de

Ruptura ..................................................................................................... 64

2.2 O contexto da Ruptura sintetizado .......................................................... 68

2.3 Exemplos de praxeologias a partir do contexto da ruptura ..................... 71

2.4 Comentários gerais .................................................................................. 72

3. INVESTIGANDO A RELAÇÃO INSTITUCIONAL .............................. 75

3.1 O caráter institucional do livro-texto e as evidências da tradição de

ensino ............................................................................................................ 75

3.2 A determinação do livro-texto e dos documentos a serem analisados .... 78

3.3 A sequência metodológica adotada ........................................................ 79

3.4 Etapa 1: praxeologia e o livro-texto ....................................................... 80

3.4.1 Introdução ....................................................................................... 80

3.4.2 Radiação térmica ............................................................................ 80

3.4.4 Teoria de Planck da radiação de cavidade ...................................... 89

3.4.5 O uso da lei da radiação de Planck na termometria ........................ 93

3.4.6 O postulado de Planck e suas implicações ...................................... 93

3.4.7 Um pouco de história da física quântica ......................................... 94

3.5 A técnica ( ) do livro-texto (1) ......................................................... 95

3.6 Etapa 2: Categorização das tarefas ( ) e tipos de tarefas ( ) .................. 97

3.6.1 Tipos de Tarefas que envolvem cálculo ........................................ 101

3.6.2 Tipos de Tarefas Interpretação-Explicação: ................................. 104

4. CONCLUSÕES ......................................................................................... 109

4.1 O que se ensina .................................................................................... 109

4.2 A tradição de ensino e considerações finais ......................................... 112

Referências .................................................................................................... 115

Anexo 1 .......................................................................................................... 121

Professor 1 ................................................................................................. 121

Professor 2 ................................................................................................. 122

Professor 3 ................................................................................................. 123

Anexo 2 .......................................................................................................... 125

Provas Professor 1 ...................................................................................... 125

Provas Professor 2 ...................................................................................... 128

Livro-texto (1) ............................................................................................ 129

Livro-texto (2) ............................................................................................ 133

19

INTRODUÇÃO

Historicamente, nos cursos de formação de professores de

Física, é atribuído ao tópico Radiação de Corpo Negro (RCN) papel

privilegiado para discutir a ruptura entre a Mecânica Clássica e

Mecânica Quântica. Os Sistemas Quânticos são uma nova classe de

sistemas físicos que desafiam o senso comum e as explicações a partir

da Física Clássica. O tópico RCN é sugerido como um dos tópicos a ser

trabalhado no Ensino Médio (OSTERMMAN; MOREIRA, 2000)

(OSTERMMAN; PEREIRA, 2009) e é citado no PCN e PCN+ por ser

um tema controverso em aplicações como radiação solar, efeito estufa e

formas de medir a temperatura em Astronomia e Astrofísica.

A partir de levantamento na literatura, encontramos trabalhos

que propõem ou realizam algum tipo de intervenção direta do tópico

RCN no Ensino Médio (EM) e Ensino Superior (ES). Valadares e

Moreira (2004) apresentam um texto didático que aborda analogias e

sugestões conceituais e práticas para se introduzir tópicos de Física

Moderna e Contemporânea no EM; Vitor e Corrêa-Filho (2007)

descrevem atividades de leitura, palestras e organização de mapa

conceitual com alunos do EM sobre a temática RCN; Meggiolaro e Betz

(2012) e Alvarenga (2008) trabalham o tema RCN com alunos do EM

através de discussões, análise gráfica computacional e roteiro de

atividades.

Além disso, é possível encontrar trabalhos referentes ao estado

da arte da área de ensino da Física Moderna e Contemporânea (FMC),

onde o tópico RCN está inserido. Ostermman e Moreira (2000),

Ostermman e Pereira (2009) e Silva e Almeida (2011) realizam revisão

da literatura sobre o ensino de FMC através da consulta a artigos

publicados nas principais revistas de ensino de ciências do Brasil e do

exterior nos últimos anos. É possível constatar que a maioria dos artigos

se refere a bibliografias de consulta direcionadas para professores de

física que atuam no EM e ES. Tais bibliografias são constituídas de

textos de apoio, de recursos didáticos, de propostas de unidades

didáticas e divulgação científica, o que mostra uma tentativa de

inovação das tradicionais formas de apresentação do conteúdo (aula

expositiva e livro-texto) (OSTERMMAN ; PEREIRA, 2009).

Porém, segundo Ostermman e Pereira (2009), há poucos

trabalhos que investigam os mecanismos envolvidos no processo de

construção de conhecimentos relativos a temas de FMC em sala de aula,

tanto no EM como no ES. Ainda conforme Ostermman e Pereira (2009),

20

poucos trabalhos foram categorizados como “Mudanças no ensino de

FMC em nível superior”, sendo que apenas quatro destes tratam de

temas referentes à Mecânica Quântica numa abordagem

fenomenológica-conceitual, diferente das tradicionais1. Os resultados

apresentados mostraram que os estudantes que tiveram contato com a

nova abordagem tiveram uma melhor compreensão da teoria quando

comparados a outros que receberam instrução numa abordagem

tradicional (OSTERMMAN e PEREIRA, 2009).

Sanches (2006), ao analisar livros-textos para o EM, reforça a

existência de tentativa de inserção da FMC no EM por parte dos livros

didáticos, mas destaca que a abordagem encontrada nos livros

analisados ainda é muito inadequada. Por vezes, os assuntos são

resumidos, sintéticos e apresentados como notas complementares,

enquanto a repetição dos exercícios, dos problemas e das atividades

propostas tende a mecanizar o processo de resolução deles. Quanto à

análise de livros didáticos no ensino superior, não foi possível encontrar

qualquer trabalho com temática em FMC ou RCN até a data de término

desta dissertação.

Do exposto até aqui, notamos que o tópico RCN não é foco

específico de análises ou propostas dos trabalhos em ensino de FMC, o

que se apresenta como um paradoxo, pois ele é fundamentalmente o

início do próprio processo de construção do conhecimento quântico.

Notamos também que a análise de Sanches (2006) não contempla o

texto didatizado adotado pelos livros e não expõe quais as capacidades

exigidas dos alunos na resolução das atividades e exercícios propostos.

1 Os quatro artigos são:

GRECA, I. M; MOREIRA, M. A; HERSCOVITZ, V. Uma Proposta para

o Ensino de Mecânica Quântica. Revista Brasileira de Ensino de Física,

São Paulo, v. 23, n. 4, p. 444-457, dez. 2001.

GRECA, I. M.; FREIRE Jr., O. Does an emphasis on the concept of

quantum status enhance student‟s understanding of Quantum Mechanics?

Science & Education, New York, v. 12, n. 5-6, p. 541-557, Aug. 2003.

GRECA, I. M.; HERSCOVITZ, V. E. Construyendo significados en

mecánica cuántica: fundamentación y resultados de una propuesta

innovadora para su introducción en el nivel universitario. Enseñanza de

las Ciencias, Barcelona, v. 20, n. 2, p. 327-338, jun. 2002.

GRECA, I. M.; HERSCOVITZ, V. E. Superposição linear em ensino de

mecânica quântica. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em

Ciências, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p. 61-77, jan. 2005.

21

Um livro didático manifesta uma série de escolhas ao

determinar seu conteúdo, ao selecionar sua técnica, tarefas e teoria, e

estas escolhas refletem o que uma determinada instituição (comunidade

de professores e pesquisadores de Física) considera como “saber a ser

ensinado”. Neste trabalho de dissertação, pretendemos analisar a versão

transposta do tópico RCN por livros-textos do ES (ou seja, a didatização

do tópico RCN) e analisar melhor as praxeologias existentes nos cursos

de formação dos professores (termo que será melhor detalhado no

próximo capítulo). Concentraremos a análise em dois livros didáticos do

ES e nos problemas e questões que os estudantes do curso de Física têm

contato.

Como objetivos mais específicos, pretendemos identificar em

apenas um livro-texto sua praxeologia, termo chave na Teoria

Antropológica do Didático (TAD), e categorizar as atividades

(exercícios e tarefas) que os estudantes estão sujeitos em categorias de

análise desenvolvidas para expor mais claramente quais os saberes são

necessários para a realização destas atividades. Também, elaboramos

uma versão didatizada do tema Radiação de Corpo Negro a partir de

referencias bibliográficas escolhidas de maneira pertinente aos nossos

propósitos (que serão discutidos no capítulo 2) com a finalidade de

definir um texto padrão que permita gerar praxeologias que enfatizem

nossa visão de ruptura entre Mecânica Clássica e Mecânica Quântica e

suas consequências. Esta didatização evidencia a ruptura entre a Física

Clássica e a Mecânica Quântica como a mudança no entendimento da

maneira como os sistemas físicos trocam energia entre eles: da maneira

contínua para a maneira quantizada. Podemos, por fim, gerar

comparações entre a didatização proposta e as praxeologias encontradas

na disciplina sob análise.

Para tanto, no Capítulo 1 vamos apresentar o referencial teórico

da Teoria Antropológica do Didático e os componentes da praxeologia

de Chevallard. No Capítulo 2 apresentaremos nossa versão didatizada

do tópico RCN. No Capítulo 3 analisaremos a disciplina Estrutura da

Matéria 1 da UFSC e o livro-texto adotado para ela, ou seja, será

caracterizado o que chamamos de Relação Institucional entre Objeto

Radiação de Corpo Negro e a instituição Disciplina. No Capítulo 4

apresentaremos os resultados, discussões e conclusões da análise.

Sendo assim, assumiremos as seguintes hipóteses:

a) Existe uma maneira tradicional de ensinar RCN, maneira que se

manifesta fortemente nos livros e programas dos cursos de

formação;

22

b) A escolha do livro-texto implica escolha de atividades e tarefas

e formas de avaliação características que variam pouco, embora

não se possa afirmar sobre as ações de diferentes professores;

c) De forma propositada, vamos dar ênfase ao livro-texto, devido

ao seu papel crucial na definição do saber que deve ser

ensinado ao aluno, com sua ligação orgânica com a tradição de

ensino de física e seu papel para aluno e professor,

caracterizando a relação destes com a instituição na reprodução

desta tradição.

O fenômeno didático é um fenômeno ternário envolvendo o

professor, o aluno e o saber. No que concerne ao professor e aluno,

pretendemos caracterizar uma instituição de ensino. O foco no livro-

texto justifica-se, em primeiro lugar, por ter um papel fundamental na

definição, para o aluno, sobre o que é o conhecimento a ser aprendido e,

para o professor, sobre o conteúdo a ser ensinado. Nele residem as

escolhas feitas sobre o valor, a ênfase e o significado que cada conteúdo

tem no contexto da situação didática proposta pelo curso ou disciplina,

isto é, a instituição.

Os livros-textos adotados num número muito grande de

instituições definem os programas e, mesmo, a ementa das disciplinas e

definem até menos critérios de valor com relação aos conteúdos. Além

disso, o nível e a profundidade de alguns cursos são muitas vezes

analisados a partir do livro didático escolhido. É importante frisar que,

embora a subjetividade e as idiossincrasias de professores e das relações

que estabelecem com os alunos sejam de fundamental importância,

nossa análise no momento focaliza a tradição e a instituição. Não se

trata aqui de negligenciar a atividade do professor, mas, sim, de uma

tentativa de caracterizar melhor o papel institucional. Em outro trabalho

talvez possamos analisar as relações, flexibilidades e/ou imposições que

definem o professor, mas acreditamos que nossa análise pode dar bons

indícios sobre o professor enquanto persona institucional, isto é,

caracterizar o conhecimento institucional do professor e o conhecimento

institucional do aluno.

Para tanto, vamos utilizar o referencial teórico da Teoria

Antropológica do Didático, que será tratada em detalhes no próximo

capítulo.

23

1. A TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO COMO

REFERENCIAL TEÓRICO

Ao observarmos um médico receitando medicamentos, um

jornalista escrevendo a respeito do universo, um engenheiro atuando

numa linha de produção, um professor ensinando adição, etc., não nos

damos conta que todos ali estão participando socialmente na difusão do

conhecimento matemático através de diferentes grupos. A matemática é

feita de atividades humanas e pode ser produzida, difundida, manuseada,

ensinada, através de uma grande variedade de instituições sociais. Nesse

mesmo contexto, ainda podemos perceber que a receita médica do

século XXI não é a mesma do século XIX, ou seja, os elementos do

conhecimento em geral não podem ser considerados produtos finais

acabados ou eternos. Eles são criados e desenvolvidos por seres

humanos, e sua função varia de acordo com lugares, sociedades e

períodos de tempo (CHEVALLARD, 1989b).

Este panorama exemplifica a posição epistemológica de Yves

Chevallard (1989a, 1999), que situa a atividade de estudar matemática e

seus elementos de conhecimento no conjunto das atividades humanas e

instituições sociais. Para ele, a didática é a ciência da difusão do

conhecimento e das práticas dos grupos humanos. Seja numa sala

escolar ou numa instituição qualquer, a didática visa compreender

melhor os fenômenos de difusão dos “saberes” e do “saber fazer”

humanos, permitindo-nos uma relação menos ingênua e mais armada

desses fenômenos.

A Teoria Antropológica do Didático (TAD) surge como

resposta às críticas sobre a Teoria da Transposição Didática,

estabelecida no livro La Transposición Didáctica: del saber sabio al

saber enseñado (Chevallard, 1991). Nele, Chevallard se refere ao “saber

sábio”, ou apenas ao “saber”, para designar a fonte dos saberes a

ensinar. Desse modo, a crítica de Caillot (1996) aponta para o fato de

que a Teoria da Transposição Didática assume como verdade, ou ponto

de partida, a existência de um único saber ou referência que, não sendo

de uma área específica, poderia ser transposto para outras didáticas

(RICARDO, 2012).

Do ponto de vista da TAD, este problema é contornado quando

Chevallard insere a atividade matemática e, por conseguinte, a atividade

do estudo da matemática, em um conjunto mais amplo de atividades

humanas e de instituições sociais, que podem ser descritas e

caracterizadas por sua praxeologia; noção capital na TAD (RICARDO,

24

2012). Sendo assim, Chevallard (1991) aponta para a possibilidade de

uma antropologia dos saberes e define, para o caso das matemáticas, que

seus objetos seriam as práticas sociais matemáticas ou, mais

propriamente, as práticas sociais com matemáticas, lançando a ideia de

uma teoria antropológica da didática (RICARDO, 2012 – destaque do

autor).

Logo, o fenômeno didático em geral pode ser considerado como

a realização de uma tarefa ou atividade humana, o que atribui a ele o

caráter Antropológico e que possibilita denominar a teoria como

Antropológica do Didático. Deste modo, não é possível compreender a

aprendizagem individual sem compreender a aprendizagem

institucional, ou seja, aquela aprendizagem mediada por uma instituição

social.

Com relação ao termo “didático”: [...] Chevallard questiona agora qual seria o objeto

das didáticas? E responde que seria o didático.

Entretanto, Chevallard (1991) destaca que o

didático não se reduz ao sistema didático. Para o

autor, didático se associa ao termo estudo,

proveniente do grego didaktikos, ou seja, “próprio

à instrução”, “relativo ao ensino”. (RICARDO,

2012, p. 124 – destaques do autor)

Ricardo (2012) ainda destaca que o significado do termo

didático não está explícito em Chevallard (1991). O sentido atribuído

aqui foi extraído de outras publicações do autor. Passaremos a descrever

a TAD com mais detalhes.

1.1 Detalhando a TAD

1.1.1 Objetos, pessoas e instituições

Os principais conceitos da TAD são Objetos (O), Pessoas (X) e

instituições (I). Os objetos (O) são caracterizados como tudo aquilo que

estiver na mira de uma atividade humana ou toda obra que é produto de

uma ação intencional humana. Os saberes, em geral, podem ser

considerados objetos, por exemplo: número, tópico ou conceito

(aparelhos celulares, tablets, conceito de energia, derivadas, Radiação de

Corpo Negro, etc.), até mesmo um sentimento (ansiedade, medo, etc.).

As pessoas (X) são os sujeitos propriamente ditos (um garoto,

estudantes, professor, funcionário, etc.) e as instituições (I) são

organizações que possuem suas próprias regras, métodos, tecnologias e

25

ideias, e que impõem estes últimos a qualquer pessoa (X) que seja

membro dela (CHEVALLARD, 1989a). Por exemplo, tornar-se cientista

é institucionalizar-se, no sentido de que a pessoa submeteu-se a uma

determinada instituição (I‟), a Comunidade Científica, e passou a aceitar

suas condições, ficando de acordo com ela. Nessa teoria, a interação

entre as unidades estruturais acima gera o que denominamos de

“Relação” entre elas.

1.1.2 Relação Institucional e Relação Pessoal

A Relação Institucional é definida como a relação entre a

instituição (I) e o objeto (O). Esta relação é estabelecida quando o objeto

(O) é inserido nessa instituição (I), e passa a fazer parte dela. A partir de

então, de acordo com Chevallard (1989a), as Relações Institucionais

definem o que a instituição (I) faz com um determinado conhecimento,

determinam a finalidade deste, bem como a forma como é trabalhado e

interpretado, quais aspectos do objeto serão mais enfatizados e

priorizados, etc.

Portanto, para Chevallard (1992), nessa abordagem

antropológica, um objeto (O) só vai existir, se for definido ou aceito por

uma determinada instituição (I). Por exemplo, o tópico Radiação de

Corpo Negro é um objeto reconhecido e estabelecido pela instituição

social Comunidade Científica. A partir de então, tal instituição pode

definir, por exemplo, através de um livro didático, qual o significado

desse objeto para ela e quais aspectos do objeto serão enfatizados aos

alunos membros da instituição.

Como sabemos que existem diversos materiais didáticos

produzidos no mercado, cada qual enfatizando determinado aspecto de

um dado saber, é típico da instituição escolher o material que melhor lhe

represente. Este livro didático pertencente à instituição social

Comunidade Científica acaba por caracterizá-la e torna-se uma

manifestação dela. Desta maneira, o livro didático assume também

caráter institucional, e nele estarão presentes as “regras do jogo”, ou

seja, tarefas, exercícios e técnicas que deverão ser apresentadas aos

alunos. Chevallard, Bosch e Gascón (2001) ressaltam que o significado

de tarefa, entendida como ações dos seres humanos, reflete o sentido

antropológico da teoria, logo é planejada e possível de ser realizada,

revelando, com isso, o principal objeto de análise da TAD como sendo o

conjunto de tarefas.

26

A Relação Pessoal é definida como a relação estabelecida

quando um objeto (O) passa a existir dentro da mente individual de uma

pessoa (X), o que significa que esta pessoa (X) conhece este objeto (O),

e passa a ter uma relação pessoal com ele. Segundo Chevallard (1989), a

Relação Pessoal é definida como toda a coleção de conhecimento,

habilidades, percepções e intelecto que uma pessoa (X) possui em

relação a um determinado objeto (O). Numa visão mais ampla: é toda

relação entre o indivíduo e o conhecimento. O conjunto de Objetos (O) que possuem relação com uma

pessoa (X) é denominado de Universo Cognitivo da pessoa (X). Estes

objetos podem ter relação com diferentes instituições (I), e acabam por

definir Universo Cognitivo de maneira ampla, no sentido de que este é

todo o conhecimento que a pessoa possui do mundo. Por exemplo, os

Objetos ( ) de uma determinada pessoa (X) podem ser

“tênis”, “skate” “café” ou “teoria da perturbação”. Analisar

especificamente uma relação entre determinado objeto (O) e a pessoa

(X) é, portanto, entender melhor parte do universo cognitivo desta

última.

Nota-se, então, que, para estabelecer a Relação Pessoal de (X)

com (O), é necessário que (X) esteja situada socialmente. Isso significa

que a relação pessoal se forma sob a influência da instituição (I), da qual

a pessoa (X) faz parte ou está diretamente ligada (CHEVALLARD,

1989). Dessa maneira, quando uma pessoa (X) passa a fazer parte de

uma instituição (I), sua relação pessoal com um dado objeto (O) irá ser

alterada conforme as regras determinadas pela instituição (I), isto é, a

partir da relação institucional de (I) com (O). Consequentemente, o

Universo Cognitivo da pessoa (X) é modificado ou, caso esta pessoa (X)

não possua qualquer tipo de relação com (O), esta relação será criada.

Uma vez estabelecida a Relação Pessoal, (X) passa a adquirir

determinado papel dentro da instituição (I), desempenhando

determinada função e definindo o que chamamos de persona. Como (X)

pode fazer parte de diferentes instituições (I), (X) adquire diferentes

papeis em cada uma delas, com diferentes características, assumindo

uma persona diferente em cada instituição (I). Esta persona então é o

conjunto de relações com vários objetos. E, conclusivamente, a persona

é alterada se a relação pessoal com determinado objeto (O) alterar-se. A

pessoa (X) é o indivíduo invariante, o que muda é a persona.

Nessa teoria, a aprendizagem é definida como sendo a alteração

na relação pessoal entre (X) e (O). Os mecanismos que estabelecem

essas relações pessoais estão ligados às tarefas e atividades que (X)

desenvolve em relação a um determinado objeto (O), conforme as regras

27

da instituição (I). Desta forma, não somente as tarefas, mas também, a

maneira de realizá-las, definem “o que aprender” e “como aprender”.

Assim, é introduzido o conceito de Praxeologia.

1.2 A Praxeologia

Para realizar atividades e tarefas, a TAD leva em conta dois

aspectos complementares da atividade humana: o primeiro é o aspecto

funcional, que pode ser analisado por meio da teoria dos momentos

didáticos (DIOGO et. al. 2007). O segundo é o aspecto estrutural da

atividade. No que diz respeito a este último, Chevallard postula que

todas as atividades humanas desempenhadas regularmente podem ser

descritas através de um modelo único, que recebe o nome de

Praxeologia (CHEVALLARD, 1999). Explicitando melhor, Chevallard,

Bosch e Gascón (2001, p. 251) escrevem: Na atividade matemática, como em qualquer outra

atividade, existem duas partes, que não podem

viver uma sem a outra. De um lado estão as

tarefas e as técnicas e, de outro, as tecnologias e

teorias. A primeira parte é o que podemos chamar

de “prática”, ou em grego, a práxis. A segunda é

composta por elementos que permitem justificar e

entender o que é feito, é o âmbito do discurso

fundamentado – implícito ou explícito – sobre a

prática, que os gregos chamam de logos.

Primeiramente, a praxeologia propõe que as atividades humanas

seguem um roteiro para serem realizadas: uma tarefa deve ser cumprida

e, para tanto, uma técnica deve ser utilizada. Esta técnica é justificada

por uma tecnologia, que por sua vez é fundamentada por uma teoria

mais geral. Por exemplo, um estudante de física que cursa a disciplina

Estrutura da Matéria 1 e está diante do tópico Radiação de Corpo Negro

deverá desempenhar tarefas para que possa criar relação pessoal com

este objeto em estudo. Tais tarefas, que podem ser agrupadas em tipos

de tarefas, são, na maioria das vezes, encontradas nas provas e testes

aplicados durante a disciplina. Para que as tarefas sejam cumpridas,

determinadas técnicas serão utilizadas. O que garante a validade da

técnica é um discurso fundamentado, uma tecnologia, que justifica o uso

de determinada técnica. Esta tecnologia é encontrada no livro-texto da

disciplina, e será lida pelo estudante. Ela só possui garantia porque uma

teoria mais geral a fundamenta, uma vez que, para adquirir um

conhecimento completo de todo o trabalho realizado, é importante que a

28

teoria, tecnologia, técnica e tarefa sejam bem compreendidas pelo

estudante ou leitor. Um exemplo prático será descrito em detalhes mais

adiante.

Um segundo aspecto a ser considerado é que, apesar de a TAD

ter sido criada no campo da didática da matemática, tomando como base

a citação de Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p. 251), podemos

estendê-la a outras atividades humanas e áreas do conhecimento, como a

física, a química, a biologia, entre outras. Portanto, o fenômeno didático,

enquanto atividade humana, também pode ser decomposto em tipos de

tarefas, técnicas, tecnologias e teorias.

1.2.1 Os constituintes da praxeologia

A seguir, a figura 1 exemplifica os constituintes básicos da

praxeologia.

Figura 1: Esquema que representa os constituintes básicos da praxeologia e

resume brevemente seus significados para a TAD.

Fonte: (KURNAZ ; ARSLAN, 2009, p.75)

29

1.2.1.1 O Bloco prático

Vamos explicar um pouco melhor os constituintes básicos da

praxeologia. Designamos tarefas por ( ), e estas podem ser agrupadas

em determinados tipos de tarefas, designados por ( ). Na maioria dos

casos, uma tarefa (e um tipo de tarefa associado a ela) se expressa por

um verbo: limpar o quarto, interpretar o texto, subir uma escada,

calcular a intensidade máxima no pico de emissão, etc. Um tipo de

tarefa representa um grupo de atividades bastante preciso. Subir uma

escada é um tipo de tarefa, mas subir, simplesmente, não é. Da mesma

maneira, calcular a intensidade máxima no pico de emissão é um tipo de

tarefa, mas calcular, simplesmente, é o que se denomina um gênero de

tarefas, que necessita de um complemento (CHEVALLARD, 1999).

Ainda conforme Chevallard (1999), tarefas, tipos de tarefas e gêneros de

tarefas são construções institucionais.

Como exemplo, considere o exercício a seguir, conforme Diogo

et. al. (2007): Dois automóveis A e B percorrem a mesma reta no mesmo

sentido com velocidades e . Num

determinado instante, A está 100 m atrás de B. Determine a posição e o

instante em que A alcança B. Este exemplo é uma tarefa ( ) a ser

realizada e ele se enquadra num tipo de tarefa ( ) bastante direta:

determinar a posição e o instante de encontro de dois móveis.

A fim de realizar corretamente as tarefas ( ) pertencentes a ( ),

deve-se determinar uma maneira para tal. Esta maneira recebe o nome

de técnica (do grego tekhnê, saber fazer), designada por ( ) (CHEVALLARD, 1999). Portanto, a praxeologia possui um bloco

prático, o “saber fazer”, onde cada tipo de tarefa ( ) possui ao menos

uma determinada maneira de ser realizado. Esta determinada maneira

não é única, sendo possível priorizar técnicas mais eficientes e

superiores que outras para a execução de ( ); prioridade que depende

fortemente da instituição (I) onde ( ) está contido.

Voltando ao nosso exemplo, uma técnica ( ) que possibilita

realizar tarefas pertencentes ao tipo de tarefa ( ) pode ser escrita

seguindo, respectivamente, as etapas:

1) Escrever as funções horárias (posição em função do tempo) dos

dois móveis;

2) Igualar as funções horárias para determinar o instante do

encontro;

30

3) Substituir o valor obtido para o instante do encontro em uma

das funções horárias, para obter a posição de encontro.

Esta técnica não é a única que pode ser utilizada. Como escrito

em Diogo et. al (2007), outra técnica ( ) que permite resolver esse tipo

de tarefa ( ) consiste nas etapas:

1) Escrever as funções horárias dos dois móveis;

2) Traçar um sistema cartesiano no qual o eixo das ordenadas

representa a posição, e o eixo das abscissas, o tempo;

3) Construir o gráfico das duas funções horárias;

4) Determinar o ponto de interseção das duas retas, obtendo-se a

posição e o instante do encontro.

Notemos que cada técnica possui sua diferença, sendo a técnica

( ) desenvolvida com ajuda de equações, enquanto a técnica ( )

prioriza a construção de gráficos no plano cartesiano. Cada uma exige

conhecimentos distintos por parte do aluno que a utiliza, portanto, cada

uma pode gerar interpretações diferentes do mesmo problema. Fica claro

que a escolha de uma determinada técnica por parte da instituição (I)

acaba delimitando o que o aluno vai aprender.

1.2.1.2 O bloco Teórico

A tecnologia, representada por ( ), é o discurso que justifica

racionalmente a técnica ( ), mostra o porquê de ela estar correta. A

tecnologia compõe o bloco do saber (logos), e fica a critério de cada

instituição (I) determiná-la. Geralmente, uma instituição (I) adota uma

única tecnologia (CHEVALLARD, 1999).

Em nosso exemplo, uma tecnologia possível, a tecnologia ( ), que permite justificar e explicar a técnica ( ) pode ser descrita,

conforme Diogo et. al (2007, p.5), da seguinte maneira: a função horária da posição em função do tempo,

de um objeto que se move em trajetória retilínea

com velocidade constante é dada por: ( ) , onde: ( ) é a posição do objeto num

instante , em relação à origem do sistema de

referência adotado; é posição inicial do objeto,

em relação à origem do sistema de referência

adotado; é a velocidade do móvel. Dois objetos

se movendo em uma mesma direção se

31

encontrarão, ou seja, ocuparão a mesma posição,

quando suas funções horárias forem iguais:

( ) ( ). Ao se igualar as duas funções

determina-se um valor para a variável

independente , que revela o instante do encontro.

A posição do encontro é determinada pela

substituição do valor encontrado para o instante

do encontro em qualquer das funções horárias.

O outro componente do bloco do saber é a teoria, representada

por ( ). Esta passa a ser um nível superior de justificação-explicação-

produção, que adquire, em relação à tecnologia, o papel que esta última

tem em relação à técnica. No geral, a teoria possui enunciados teóricos

que aparecem frequentemente como “abstratos”, muito diferentes das

simples preocupações técnicas ou tecnológicas. Este efeito de abstração

possibilita a grande generalidade dos enunciados teóricos e sua

capacidade para justificar, para explicar, para produzir

(CHEVALLARD, 1999). A teoria que explica e justifica a tecnologia

é a Mecânica Clássica de Newton, sintetizada nas Leis de Newton,

das quais podemos derivar a equação horária da posição de um móvel

em movimento retilíneo e uniforme num referencial inercial.

1.3 Os principais elementos da TAD para este trabalho e a

praxeologia como possibilidade de pesquisa

Uma instituição é definida pelo conjunto de tarefas, técnicas,

tecnologias e teorias que adota, isto é, a sua praxeologia ou conjunto de

praxeologias. A princípio, podemos definir a Física Moderna como uma

grande instituição ( ), que possui suas determinadas organizações

praxeológicas. Paralelamente, podemos olhar para uma instituição ( )

diferente, a Disciplina Estrutura da Matéria 1 da UFSC, que tem por

característica o ensino daquelas praxeologias de ( ). A instituição ( )

teve sua origem na instituição ( ), a Física moderna, ou mais

pontualmente, a Física da Radiação de Corpo Negro, da qual ( ) foi

objeto de transposição.

Neste trabalho de dissertação, os três principais elementos da

Teoria Antropológica do Didático são definidos da seguinte forma:

Instituição ( ) Disciplina Estrutura da Matéria 1 da

Universidade Federal de Santa Catarina;

Objeto (O) Tema Radiação de Corpo Negro;

32

Pessoas (X) Estudantes de Física cursando Estrutura da

Matéria 1 da Universidade Federal de Santa Catarina;

Nessa perspectiva, a relação institucional é expressa ou

manifesta-se a partir do livro-texto da disciplina, das atividades

propostas por ele, das listas de exercícios e, principalmente, das provas

de avaliação. Estes são elementos de institucionalização e acabam por

definir o que o estudante deve saber com relação ao conteúdo proposto.

Essas atividades e a maneira como executá-las constituem as regras e os

valores da instituição ( ), ou seja, são a Relação Institucional entre a

instituição Disciplina Estrutura da Matéria 1 da Universidade Federal de

Santa Catarina e o objeto Radiação de Corpo Negro.

Uma vez colocado este panorama, é possível identificarmos

quais modificações ocorreram na transposição do conjunto de

praxeologias da instituição ( ) Física da Radiação de Corpo Negro, tal

qual ocorreu na sua construção histórica, para a instituição ( )

disciplina Estrutura da Matéria 1. Tais modificações podem ser

identificadas através de uma análise epistemológica e didática, nos

termos de Chevallard (1991), das praxeologias da instituição ( ) em

comparação com as praxeologias de ( ). Usando o referencial da TAD,

nossa investigação referente às praxeologias de ( ) é guiada pelas

seguintes questões: quais são os tipos de tarefas ( ) presentes nas

atividades que envolvem o tópico RCN? Elas têm a mesma natureza que

os tipos de tarefas ( ) referentes a outros conteúdos tradicionais? Quais

os componentes do modelo praxeológico são mais enfatizados num

livro-texto da disciplina que visa trabalhar RCN?

Como um último comentário, é importante pontuar que, a partir

do momento em que um professor, inserido na disciplina Estrutura da

Matéria 1 da Universidade Federal de Santa Catarina passa a trabalha

com um livro didático proposto, ele está aceitando quais são as

prioridades, métodos e interpretações do objeto RCN propostos pela

instituição disciplina. Assim, o sujeito professor é momentaneamente

tirado do foco da análise. Indiretamente, estamos penetrando na forte

tradição educacional que uma instituição (I) cria ao longo do tempo, o

que possibilita uma reflexão crítica acerca desta tradição, e somos

levados a questionar acerca da capacidade da instituição disciplina

formar professores completos, que trabalham os diferentes pontos de

vista da ciência, inclusive a Ruptura entre as Físicas Clássica e

Mecânica Quântica. No próximo capítulo, definiremos com clareza o

termo “ruptura”.

33

2. O CONTEXTO DA RUPTURA ENTRE A FÍSICA CLÁSSICA E

A MECÂNICA QUÂNTICA

Neste capítulo, desenvolvemos um texto cujos pontos principais

caracterizam de forma fidedigna o trabalho de caráter fenomenológico

do físico alemão Max Planck (1858 - 1947) e aspectos relevantes da

Física Clássica e Mecânica Quântica associados ao fenômeno da

Radiação de Corpo Negro (RCN). A construção deste texto e o registro

do mesmo dentro desta dissertação tem um papel metodológico

importante para a investigação e análise. A análise dentro do referencial

da TAD enfatiza as escolhas de técnicas, tecnologias e teorias na

praxeologia didática, o que indica que a análise de um dado fenômeno

didático não se encerra em si mesma, pois necessita também da

contextualização das escolhas e implica situar estas escolhas dentro de

finalidades didáticas e pedagógicas. O problema da RCN é um tema

associado à construção dos conceitos que levaram à Mecânica Quântica,

é um momento onde se toma consciência da necessidade de uma nova

física, é um momento, portanto, de ruptura. Usualmente a grande

justificativa deste tema se baseia nos argumentos acima. As escolhas

praxeológicas deveriam então brindar estes aspectos, e a análise da

praxeologia deve também levar isto em conta. O texto escolhido vai ter,

assim, um papel metodológico.

Alguns critérios foram utilizados na escolha do texto: o livro de

Longair (1986) contextualizou historicamente as perguntas centrais da

física da época que envolvem o problema da RCN. O texto desenvolve

com a profundidade necessária as várias técnicas, tecnologias e teorias

(termodinâmica e eletromagnetismo) empregadas no ataque a estas

questões; trata com o devido cuidado histórico as ligações entre

problemática de Planck e os problemas de sua época; enfatiza as

questões do contexto da ruptura e, numa linguagem moderna, discute de

forma didática os conhecimentos necessários para que alunos possam

compreender que o problema central reside na compreensão do

equilíbrio térmico da radiação em corpos aquecidos e na maneira como

a energia é compartilhada diferentemente da esperada em sistemas

clássicos. Portanto, o texto não pretende ser a expressão histórica nem a

reprodução dos textos científicos que historicamente contribuíram para

as conclusões de Planck. Ao invés disso, ele é uma versão já didatizada

do momento histórico e dos desenvolvimentos científicos que levaram à

conclusão de Planck sobre a existência de uma classe de objetos que não

se adequavam ao tratamento clássico. Em resumo, a escolha específica

34

desse livro-texto justifica-se em função de observarmos nele a presença

das características principais que norteiam a nossa análise segundo a

TAD: contextualização histórica, exposição clara de todas as técnicas,

tecnologias e teorias envolvidas no problema Radiação de Corpo Negro,

contextualização da ruptura quântica.

Além disso, o texto é uma espécie de modelo no sentido físico

do termo, isto é, ele tem uma idealização do objeto a ser analisado e,

como todo modelo, é obviamente uma aproximação que tem como

função guiar a investigação sobre o objeto. Portanto, não estamos

propondo que o texto de Longair (1986) seja uma proposta didática

ideal, e nem que seja o único modelo. Na literatura, outros textos

poderiam ser utilizados para a construção deste referencial de análise2.

Mas consideramos que o conteúdo de Longair (1986) nos dá os

instrumentos adequados e suficientes para fazer a análise proposta.

Logo, enfatizamos que, metodologicamente, este texto funciona como

ferramenta de análise, onde, a partir dele, descrevemos organizações

praxeológicas da instituição ( ) Física da Radiação de Corpo Negro,

associadas ao trabalho de Planck e de Rayleigh e Jeans, que dão atenção

aos momentos de ruptura na construção do conhecimento científico,

criando, assim, critérios, a partir dos quais pudéssemos, depois, realizar

uma comparação entre este texto e a análise das praxeologias da

instituição ( ) disciplina Estrutura da Matéria 1.

A RCN é um tópico dentro dos primeiros cursos de Física

Moderna que tratam das origens da Mecânica Quântica. A problemática

em torno da RCN e suas discrepâncias com as teorias e conhecimento

físico da época manifestam as limitações da Física Clássica, e apontam

para a necessidade de uma nova teoria, sendo que o problema da RCN é

um dos pontos mais significativos na ruptura entre Física Clássica e a

Mecânica Quântica. Existe uma classe de fenômenos, estudos,

experimentos e evidências espalhadas ao longo de anos que

caracterizam em definitivo uma determinada ruptura entre a Física

Clássica e a Mecânica Quântica. Sabemos que o trabalho de Planck e a

consequente quantização da energia não estabelecem de início uma

ruptura ou quebra de paradigma na maneira de pensar ou fazer física da

época, o que ainda levou anos para a aceitação por parte da comunidade

científica e até mesmo do próprio Planck. Vamos utilizar o termo

2 Podemos citar como exemplos: artigos originais de Planck; Blackbody Theory

and the quantum discontinuity - 1894-1912, de Thomas Khun; Quantum

Mechanics - volume1, de Shin'ichiro Tomonaga; Física Atômica, de Max Born,

entre outros.

35

ruptura neste trabalho no sentido de apontar a mudança na maneira de

descrever como os sistemas físicos absorvem e emitem energia, ou seja,

como a energia destes sistemas varia: num sistema mecânico clássico, a

troca de energia ocorre continuamente, enquanto que em sistemas físicos

quânticos (átomos e moléculas), a variação de energia ocorre

discretamente em porções de energia bem definidas, ou quantas de

energia. Este apontamento mistura-se a uma classe de outros fenômenos

que caracterizam um momento de ruptura ou contexto de ruptura muito

maior e que, para nossos propósitos, não se encontram descritos aqui.

Assumimos esta visão de ruptura por ela ser uma das diferenças mais

profundas entre a Física Clássica e a Mecânica Quântica e possibilitar

uma ampla discussão conceitual em diversas áreas da Física.

Nos cursos e livros didáticos, na apresentação deste tema, este

momento de ruptura é enfatizado. Destacamos a seguir pequenos

fragmentos introdutórios de alguns livros-textos: Eisberg e Resnick

(1994), Longair (1986) e Tipler e Llewellyn (2008): “[...] as repetidas contradições com as leis

clássicas nos mostrará a necessidade da mecânica

quântica [...]” (EISBERG; RESNICK, 1994, p.

19).

“[...] esta é uma das passagens mais maravilhosas

da história intelectual [...] Nós vamos encontrar

um contraste impressionante entre as coisas que

podem ser provadas classicamente e aquelas que

são necessariamente quânticas em essência.”

(LONGAIR, 1986, p. 171 e 172).

“[…] já havia rachaduras vexatórias na fundação

do que hoje chamamos de física clássica [...] o

fracasso da teoria para explicar o espectro de

radiação emitida por um corpo negro e os

resultados inexplicáveis da experiência de

Michelson-Morley. Na verdade, a ruptura da física

clássica ocorreu em diversas áreas [...]” (TIPLER;

LLEWELLYN, 2008, p. 2).

Como ficará evidente ao final do capítulo, a escolha das

referências na construção do texto amplia sensivelmente a teoria ( ) por

trás de possíveis futuras didatizações do tópico RCN, o que possibilita

diversificar tarefas ( ) e estabelecer diferentes técnicas (τ) e tecnologias

( ) para executá-las. Com isso, pode-se criar praxeologias que

enfatizem os momentos de ruptura na construção do conhecimento

científico; auxilie na compreensão dos modelos e idealizações em física;

mostrem a natureza do trabalho científico, a importância do debate de

36

ideias, o fato de uma teoria não nascer “da noite para o dia”; evidenciem

a integração das diferentes áreas da física e ajudem na superação da

visão ingênua de linearidade da ciência. Conclusivamente, acreditamos

que, durante a formação do professor, é importante que ele tenha contato

com didatizações desta natureza, contribuindo com uma possível

vigilância epistemológica dentro de seus limites. A versão didatizada

deste capítulo receberá a nomenclatura de “Contexto da Ruptura”. O

Contexto da Ruptura traz o conceito de Corpo Negro segundo a

construção cronológica, desde os primeiros pesquisadores a atacarem o

problema até os passos de Max Planck para o desenvolvimento de sua

teoria e a descoberta da quantização da energia.

2.1 O contexto da Ruptura

2.1.1 O congelamento dos graus de liberdade.

Historicamente, o prelúdio de uma Ruptura surge pela primeira

vez com o problema do “congelamento dos graus de liberdade”. Tal

problema é de suma importância, pois é onde nos deparamos, pela

primeira vez, através dos reflexos dinâmicos da estrutura molecular

sobre os calores específicos, uma indicação clara de que a mecânica

clássica deixa de ser aplicável no domínio atômico (NUSSENZVEIG,

2002).

Podemos descrever classicamente os gases como minúsculas

partículas esféricas idênticas em constante movimento para todas as

direções. A descrição detalhada da teoria cinética dos gases pode ser

encontrada em Nussenzveig (2002), volume 2, capítulo 11, página 237.

A partir de um tratamento estatístico num gás contido dentro de um

pistão, é possível concluir que a energia cinética média ⟨ ⟩ de uma

molécula desse gás é dada por

⟨ ⟩, onde é a massa da partícula e

⟨ ⟩ é a média de sua velocidade ao quadrado nas três direções

espaciais. Inicialmente, para um modelo simples de um gás

monoatômico, a única forma de energia expressa pelo gás seria a energia

de translação, ou seja, sua energia cinética. Logo, é possível

escrevermos a energia cinética média total do gás de partículas

( de partículas) como sendo sua energia interna :

⟨ ⟩

⟨ ⟩ (2.1)

37

Por outro lado, consideremos a 1ª Lei da Termodinâmica e a 2ª

Lei da Termodinâmica:

1ª Lei: (2.2)

2ª Lei:

(2.3)

Onde é uma quantidade de calor infinitesimal fornecida ao

sistema num processo reversível à temperatura , é uma variação

infinitesimal da entropia do sistema, é a pressão do gás mantida

constante e é a variação infinitesimal do volume do gás, de tal forma

que é o trabalho realizado pelo gás numa transformação

reversível. Para mais detalhes, vide Nussenzveig (2002), volume 2,

capítulo 10, páginas 222 e 223.

Essas Leis podem ser combinadas da seguinte maneira:

(2.4)

A função entropia é uma função de estado, o que significa

dizer que, para um fluido, cujo estado é definido por qualquer par das

variáveis ( , e ), podemos considerar como função de qualquer um

desses pares: ( ); ( ); ( ). Também

consideramos a expressão para a pressão do gás em função da energia

interna , cuja demonstração pode ser encontrada em Nussenzveig

(2002), volume 2, capítulo 11, página 244:

(2.5)

Utilizando-se as expressões (2.5) na expressão (2.4):

(2.6)

A energia interna do gás é função apenas da temperatura ,

de tal forma que podemos escrever:

( ) (2.7)

(2.8)

38

Assim, utilizando (2.8), reescrevemos (2.6) da seguinte forma:

(2.9)

Como é função apenas de ( ), também podemos escrever:

(

) (

) (2.10)

Comparando agora a expressão (2.9) com a expressão (2.10),

chegamos à conclusão que:

(

)

( )

e

(2.11)

Notemos, em relação à expressão acima que

não depende de

. Como as operações de derivação parcial em relação a e a são

independentes, podemos aplicá-las em qualquer ordem na função :

(

)

(

) (2.12)

Mas, como

não depende de , o lado esquerdo de (2.12)

resulta em zero (derivada de uma constante). Portanto, podemos

escrever a partir de (2.12) e (2.11):

(

)

(

( )

)

(

( )

) (2.13)

Portanto, a expressão entre colchetes representa uma constante.

Como ( ), para uma dada temperatura T, tem o mesmo valor para

todos os gases, concluímos que essa constante é uma constante universal:

(2.14)

39

Escrevendo

e utilizando (2.1), temos:

⟨ ⟩

(2.15)

Onde é a constante de Boltzmann ( ⁄ ) e a

temperatura absoluta do gás no recipiente. Esta última expressão fornece

uma interpretação microscópica da temperatura absoluta, como medida

da energia cinética média de translação das moléculas de um gás ideal.

Podemos calcular então a capacidade térmica de um gás ideal

monoatômico em volume constante e em pressão constante

através das expressões:

e (2.16)

Isso resulta em

e

. Experimentalmente,

quando determinados os calores específicos e, consequentemente, a

capacidade térmica de um gás diatômico, os valores encontrados são

maiores que os deduzidos acima, mostrando claramente que, além de

energia cinética de translação, deve-se levar em conta outras

contribuições à energia das moléculas.

Segundo um teorema fundamental da mecânica estatística

clássica, o Teorema da Equipartição de Energia, numa situação de

equilíbrio térmico à temperatura T, a energia média associada a cada

grau de liberdade é igual a

por molécula. Por “grau de liberdade”

entende-se “maneiras de um sistema utilizar a energia”. Por exemplo, a

energia de translação (visto que uma molécula pode transladar pelas 3

coordenadas espaciais) é

, ou seja, a partícula

pode ter velocidade (energia cinética) em cada dimensão espacial. Caso

a molécula seja diatômica (forma de halter), ela pode rodar em torno de

mais dois eixos (exceto seu próprio eixo – partículas pontuais), e a

energia de rotação será

. Caso a distância entre os

átomos da molécula diatômica se modifique, como presos a uma mola, temos aí mais dois graus de liberdade (um termo cinético e outro

potencial), e a energia total da vibração será

.

40

Figura 2: Possíveis movimentos de uma molécula diatômica: (a) movimento de

translação do centro de massa, (b) movimento de rotação ao redor de vários

eixos, e (c) movimento de vibração ao longo do eixo molecular.

Fonte: disponível em Kshitij Education India Private Limited.

Podemos utilizar estes resultados para calcularmos os calores

específicos de moléculas monoatômicas, diatômicas e poliatômicas, uma

vez que os calores específicos se relacionam com a energia total do gás

e, consequentemente, com os graus de liberdade. Segundo a teoria,

moléculas monoatômicas deveriam apresentar

e

.

Moléculas diatômicas rígidas, que transladam e giram como halteres,

deveriam apresentar

e

, moléculas diatômicas com

vibração

e

, e moléculas poliatômicas e

. Para sólidos, cujo modelo do arranjo atômico assume átomos

presos a uma rede cristalina ocupando posições bem definidas, a energia

térmica estaria associada a pequenas vibrações dessas partículas em

torno da posição de equilíbrio. Como há 3 direções independentes de

oscilação para cada partícula, teríamos de energia total de vibração,

o que ocasionaria (Lei de Dulong e Petit).

Deveríamos esperar que uma mínima variação de temperatura,

ou seja, o mínimo aumento de energia fosse distribuído igualmente para

todos os graus de liberdade do sistema, o que ocasionaria valores de

e constantes para qualquer temperatura, e todos os graus de liberdade

estariam contribuindo e absorvendo igualmente a energia fornecida.

Portanto, segundo o Teorema da Equipartição e as leis clássicas, a taxa

de variação da energia de um corpo com a temperatura deveria ser uma

constante, dependendo apenas do número de graus de liberdade.

No entanto, na faixa de baixas energias, ou seja, na região de

temperaturas muito baixas, o que se observa é que, conforme

aumentamos a temperatura, somente alguns graus de liberdade são

acionados, isto é, recebem energia. Os demais permanecem

“congelados”, e passam a se manifestar a partir de uma temperatura

41

maior. Fica evidente que a maneira como o sistema absorve energia do

meio não obedece à descrição clássica.

Figura 3: Gráfico do calor específico molar do hidrogênio em função da

temperatura. A escala horizontal é logarítmica e o gráfico mostra claramente os

graus de liberdade “acionados” conforme há aumento de temperatura.

Fonte: (KITTEL, 2006).

Figura 4: Gráfico do calor específico molar do Silício e Germânio (sólidos) em

função da temperatura. Pela lei de Dulong-Petit, deveríamos esperar um valor

constante para o calor específico, mas observamos que, em baixas temperaturas,

o calor específico tende a zero.

Fonte: (KITTEL, 2006).

Maxwell foi provavelmente o primeiro a perceber este

problema; numa conferência que deu em 1869, referindo-se a ele nesses

42

termos: “Apresentei-lhes agora o que considero a maior dificuldade até

hoje encontrada pela teoria molecular” (NUSSENZVEIG, 2002). A

explicação deste fenômeno só veio a ser fornecida pela mecânica

quântica, mais precisamente, quantização da energia e os trabalhos de

Planck. O problema com os graus de liberdade internos das moléculas

(vibração e rotação) indica que os corpos absorvem energia de maneira

diferente da apregoada pela física clássica, apontando para uma

anomalia. Este episódio é a primeira evidência clara de que a mecânica

clássica não consegue explicar fenômenos de natureza microscópica.

2.1.2 O corpo Negro de Kirchhoff

O estudo da Radiação de Corpo Negro teve origem com os

trabalhos de Gustav Kirchhoff (1824 – 1887). Amparado pelas leis da

Termodinâmica, Kirchhoff formula uma lei que relaciona a emissão e

absorção de radiação por corpos em geral e, no inverno de 1859 e 1860,

anuncia resultados importantes (KUHN, 1978). Aqui será descrita uma

linha de raciocínio que nos leva às conclusões de Kirchhoff. Apesar de

ele ter interpretado a energia irradiada e absorvida por um corpo na

forma de ondas de calor, conceito não mais aceito hoje, ele as trata com

características semelhantes à luz, o que faz seus resultados concordarem,

depois de 30 anos de suas publicações, com os resultados de Maxwell e

Hertz.

Imagine o corpo extenso (1) que possui uma cavidade em seu

interior mantido a certa temperatura T. Colocamos então um corpo (2)

com temperatura diferente de T no interior dessa cavidade, conforme

figura 5.

Figura 5: Representação de um corpo (2) no interior da cavidade oca de um

corpo (1).

Fonte: arte do autor

43

Este corpo (2) irá absorver a energia originada da radiação no

interior da cavidade e irá se aquecer até alcançar uma temperatura de

equilíbrio. Em equilíbrio, o corpo deve continuar absorvendo energia da

radiação incidente, mas também deverá emitir radiação no mesmo

passo, pois só assim ele se manterá em equilíbrio, isto é, com a mesma

temperatura. Se o corpo (2) estiver a uma temperatura maior, ele irradia

mais energia que absorve. Logo, ambos os corpos (1) e (2), na mesma

temperatura T, emitem energia na mesma taxa que absorvem. Baseado

na Termodinâmica, caso não haja influência externa, o equilíbrio será

mantido.

O corpo (2) no interior da cavidade está imerso na radiação da

cavidade. Esta radiação tem sua energia distribuída pelas ondas

eletromagnéticas de várias frequências e intensidades. Portanto, sobre o

corpo (2) incide um fluxo de energia por unidade de área que é função

dos diferentes comprimentos de onda e da temperatura T, dado por

( ). Para um corpo qualquer, uma fração da energia é absorvida,

parte pode ser refletida e/ou transmitida sem ceder energia para o corpo.

O corpo por sua vez, na medida em que aquece, emite radiação térmica.

Por outro lado, quando este corpo alcançar o equilíbrio térmico, ele

deverá emitir tanta radiação quanto a que ele absorve. Se definirmos o

fluxo de energia emitida como , o equilibrio entre emissão e absorção

deve se estabelecer para cada componente da luz, isto é, para cada

frequência . Portanto, podemos escrever ( ). Se supusermos que outro corpo (3) feito de outro material está

agora imerso na cavidade no lugar do corpo (2) e absorve mais devido

às características de sua composição química, ele consequentemente tem

que emitir mais para que se estabeleça o equilíbrio. Portanto, a razão

entre emissão e absorção de energia por um corpo não pode depender

das características do material que o compõe, somente da temperatura

em que se encontra, caso queiramos obedecer à Segunda Lei da

Termodinâmica. Assim, para dois corpos 1 e 2 quaisquer, temos

sempre:

( ) (2.17)

Isso mostra que a função ( ) vale para qualquer material e é

portanto universal. Para o caso em que um corpo é perfeitamente negro,

ou seja, absorve toda radiação que nele incide, teremos , e a

emissão do corpo tomará a forma da função ( ). Portanto, esta

44

função universal descreve como a Intensidade se distribui para cada

comprimento de onda, isto é, ( ) dá a distribuição da energia por

comprimento de onda, ou a Intensidade por comprimento de onda, numa

dada temperatura, que é emitida por um corpo negro. É importante

observar que um corpo negro é também, quando em equilíbrio térmico,

um emissor perfeito. Kirchhoff também notou que, se um corpo negro

possui uma cavidade com um pequeno orifício que se comunica com o

meio externo, a intensidade da radiação que sai por este buraco pode ser

observada e pode-se, assim, obter experimentalmente a função ( ) no equilíbrio. Esta radiação deve ter a forma da distribuição de corpo

negro.

Figura 6: corpo negro cuja cavidade se comunica com o meio externo por um

orifício minúsculo que deixa escapar a radiação da cavidade. Esta radiação deve

possuir a forma da distribuição de um corpo negro.

Fonte: arte do autor

Portanto, Kirchhoff deu aos físicos um objeto hipotético (corpo

negro) e um experimento hipotético (irradiador de cavidade) que pode

ser usado para estudar o espectro de emissão de um corpo negro. Ele

também notou que uma descrição matemática completa deste espectro

deveria guiar a um entendimento profundo sobre o equilíbrio

termodinâmico da radiação.

2.1.3 A Lei de Stefan-Boltzmann

O primeiro passo para o entendimento da radiação emitida por

um objeto ao ser aquecido surge dos trabalhos de Joseph Stefan (1835 -

1893), com a lei empírica de Stefan, de 1879. Esta lei diz que a

densidade de energia total emitida por um objeto a cada segundo é

proporcional à temperatura elevada à quarta potência:

45

(2.18)

Em 1884, Ludwig Eduard Boltzmann (1844 - 1906) deduz a

mesma expressão através de considerações da termodinâmica clássica.

Em seu modelo, um recipiente de volume que possui uma parede

móvel na forma de pistão é preenchido por radiação eletromagnética.

Este “gás” de radiação, mantido à pressão constante , recebe uma

quantidade de calor do ambiente, sofrendo uma variação de energia

interna e expandindo de um volume . Conforme a 1ª Lei da

Termodinâmica:

(2.19)

Rearranjando esta expressão para introduzirmos a variação da

entropia

, temos:

(2.20)

Dividindo ambos os lados de (2.20) por , temos:

(

) (

) (2.21)

Consideremos também uma das Relações de Maxwell (o leitor

mais interessado pode encontrar em Longair (1986), páginas 149 e 150,

a dedução desta relação):

(

) (

) (2.22)

Com isso, podemos escrever a equação que relaciona a pressão

do “gás” eletromagnético à temperatura contido no volume com a

energia interna (equação de estado do “gás” eletromagnético)

substituindo (2.22) em (2.21):

(

) (

) (2.23)

46

Boltzmann pode relacionar a pressão que a radiação causa ao

chocar-se com as paredes de um recipiente à energia total dessa

radiação. Esta relação é deduzida a partir das equações de Maxwell

quando partimos do modelo de uma caixa quadrada cujas paredes

internas refletem a radiação. Ao ser refletida, esta radiação “empurra” as

paredes, o que causa o efeito de pressão. Esta passagem é feita em

detalhes em Longair (1986), página 175 até 182, e pode-se mostrar que a

soma das densidades de energia das ondas refletidas e incidentes

unidimensionais entre duas placas condutoras, isto é, a densidade de

energia total da radiação, é igual à pressão exercida na parede:

(2.24)

Expressão válida para o caso unidimensional (uma onda que se

propaga em ). No caso tridimensional, cada coordenada recebe de

energia. A pressão total então é , e, ao longo de , temos:

(2.25)

Note que, para esta dedução, utilizamos argumentos do

eletromagnetismo e termodinâmica clássicos. Utilizando e

(2.25) na expressão de Boltzmann (2.23), encontramos:

( (

)

)

( ( )

)

(2.26)

Precisamos resolver esta equação a fim de determinar ( ). Podemos rearranjar (2.26) da seguinte maneira:

(

) (

( )

)

(2.27)

(

) (

)

(2.28)

(

)

(2.29)

(

)

(2.30)

47

(

)

(2.31)

(2.32)

Quando resolvida, chegamos à relação:

( ) ( ) (2.33)

(2.34)

Esta lei foi vista com pouca credibilidade até 1897, quando

experimentos cuidadosos corroboraram sua validade (LONGAIR,

1986). Mesmo assim, até este ponto, o espectro de emissão do corpo

negro não era inteiramente conhecido. Uma expressão que descrevesse

qual a densidade de energia do espectro em função dos comprimentos de

onda da luz emitida pelo corpo aquecido, ( ), ainda não era

conhecida. É de se pensar que os argumentos termodinâmicos e

eletromagnéticos permitem descrever perfeitamente essa função, uma

vez que Boltzmann obteve sucesso em sua análise baseado nessas duas

áreas da física. Wilhelm Wien também utilizará de argumentos

termodinâmicos e eletromagnéticos clássicos na tentativa de encontrar

uma função que relacione a energia irradiada pelo corpo negro para cada

frequência de radiação emitida.

2.1.4 Lei de Deslocamento de Wien

O trabalho de Wilhelm Carl Werner Otto Fritz Franz Wien

(1864 - 1928) foi publicado em 1894, e assume papel crucial no

desenvolvimento da teoria do corpo negro. Como dito anteriormente,

Wien mistura eletromagnetismo e termodinâmica para atingir seus

resultados. Ele ataca o problema inicialmente, imaginando o que

acontece com um gás de radiação se ele for expandido adiabaticamente

dentro de uma cavidade esférica de raio . A expansão adiabática sugere

que não está havendo trocas de calor com o meio externo, logo a

temperatura da cavidade e, consequentemente a temperatura da radiação,

permanecem em equilíbrio termodinâmico à temperatura .

Utilizando a equação de estado de Boltzmann (2.23), agora com

, e a lei de Stefan-Boltzmann, concluímos que a temperatura do

gás é inversamente proporcional ao raio: quanto maior o raio da

48

cavidade, menor a temperatura do gás de radiação. O leitor mais

interessado pode encontrar essa discussão mais detalhada em Longair

(1986), páginas 182 e 183. A consideração anterior é possível se

assumimos uma cavidade que expande muito pouco:

(2.35)

O que Wien faz em seguida é buscar uma relação entre o

comprimento de onda da radiação e o raio da cavidade. Com isso, é

possível relacionar o comprimento de onda com a temperatura a partir

da relação (2.35). Se imaginarmos a radiação incidindo sobre um

espelho plano que se afasta com determinada velocidade, conseguimos

extrair uma relação da mudança do comprimento de onda da luz

incidente e refletida após várias reflexões em função da velocidade de

afastamento. Imaginando agora uma cavidade esférica de raio que

expande para muito lentamente, Wien consegue a relação:

(2.36)

Novamente, optamos por não demonstrar a dedução rigorosa.

Esta se encontra em Longair (1986), página 183 até 187. Comparando

(2.35) com (2.36), concluímos que:

ou (2.37)

Este é um dos aspecto da Lei de Deslocamento de Wien. O que

essa lei mostra é que o comprimento de onda da radiação é “deslocado”

conforme a temperatura da cavidade é alterada, o que é perfeitamente

observado na prática.

2.1.5 O espectro de radiação do corpo negro de Wien

Wien foi além e, a partir da lei de Stefan-Boltzmann e desta

última relação (2.37) entre o comprimento de onda e a temperatura da

cavidade, obteve informações sobre a forma que a radiação no interior

da cavidade deve assumir (LONGAIR, 1986). Primeiramente, Wien

nota que, quando aprisionamos radiação numa cavidade, todo o sistema

deve atingir uma temperatura de equilíbrio, uma vez que a radiação está

sendo refletida nas paredes e sendo emitida por elas. Se esperarmos

tempo suficiente para o equilíbrio, o que teremos é o próprio espectro de

49

radiação do corpo negro. Tal espectro isotrópico é caracterizado

somente pela temperatura da cavidade e pelo comprimento de onda da

radiação que ela emite e absorve.

A segunda característica a ser notada é o fato de que, se o

sistema transita entre a temperatura e em expansão quase-estática,

ou seja, muito vagarosamente, a radiação deve estar em equilíbrio com a

cavidade a cada pequena variação da temperatura durante a expansão.

Logo, o espectro da radiação toma forma do espectro do corpo negro

durante toda a expansão, e tem uma íntima relação com a temperatura da

cavidade.

Então, para cada aumento do volume, teremos uma temperatura

e um conjunto de comprimentos de onda. Consideremos uma porção de

radiação entre os comprimentos de onda e . A densidade de

energia contida nessa porção de radiação será ( ) . Pela lei de

Stefan-Boltzmann (2.34), essa quantidade de energia é proporcional à

. Se considerarmos dois estados diferentes (1) e (2) para a cavidade,

podemos escrever a relação abaixo:

( )

( ) (

) (2.38)

Mas, como , teremos , e podemos

escrever ( ⁄ ) . Substituindo na equação (2.38), teremos:

( )

( )

(2.39)

Conclusivamente:

( )

(2.40)

Usando (2.37) novamente, podemos escrever:

( )

(2.41)

Perceba que ( ) é a densidade de energia em função do

comprimento de onda. Este espectro de radiação é a equação que

queremos. Como sabemos, através dos argumentos acima, que o

espectro de radiação deve depender somente da temperatura e do

comprimento de onda, e que a única combinação entre T e constante é

50

o produto entre eles, para que a relação ( )

seja constante, ela deve ser

igual a uma função que envolva o produto . Assim:

( ) ( ) ( ) (2.42)

Quando escrito em termos da frequência, temos:

( ) (

) (2.43)

onde ( ) é a densidade de energia por intervalo de frequência da onda

eletromagnética. Agora, o problema limita-se em encontrar a função

(

). Wien alcança este resultado a partir de considerações

essencialmente termodinâmicas. Estes resultados, publicados em 1894,

eram resultados de ponta quando Planck se interessa pela primeira vez

pela questão do corpo negro (LONGAIR, 1986).

Wien ainda arriscou uma função para (

) segundo sua teoria

de corpo negro. Para ele, a forma da função de distribuição de energia

assemelhava-se à distribuição de Maxwell para velocidades de

moléculas de um gás. Segundo Studart (2000, p.526), Wien argumentou

que:

“o número de moléculas é proporcional a

expressão que deveria ser válida também para

moléculas no sólido – e „uma visão atualmente

aceita é que as cargas elétricas das moléculas

podem excitar ondas eletromagnéticas...[e] como

o comprimento de onda da radiação emitida por

uma dada molécula é uma função de , também

é uma função de ‟.”

Publicada em 1896, a proposta era coerente com os dados

experimentais daquele ano: esta função deveria tender para zero no

limite de altas frequências e possuir um valor finito para baixas

frequências, de tal forma que a intensidade é zero quando a frequência é

zero. Ele então propõe uma expressão para sua Lei de Distribuição que

pode ser escrita da seguinte maneira:

( )

(2.44)

51

(

)

(2.45)

onde e são constantes (WIEN, 1897).

2.1.6 Planck no início da carreira

Planck inicia a carreira universitária assistindo às aulas de

Kirchhoff e Hermann von Helmholtz (1821 – 1894), que, segundo ele

mesmo, não eram bons professores, apesar de físicos excepcionais.

Planck se interessa pela Segunda Lei da Termodinâmica e suas

aplicações, além dos trabalhos de Rudolf Clausius (1822 - 1888), que o

estimulam a escrever uma dissertação nesta área. Após a morte de

Kirchhoff, Planck assume sua cadeira na Universidade de Berlim em

1889. Ele tem contato com o fenômeno do corpo negro a partir da

publicação de Wien, em 1894, e começa a tratar o assunto (LONGAIR,

1986).

É importante mencionar que Planck tem resultados originais em

Termodinâmica: escreveu um livro sobre o assunto e um dos princípios

da Termodinâmica recebe seu nome (princípio de Kelvin-Planck).

Portanto, sua ênfase para analisar a Radiação de Corpo Negro é na

Termodinâmica. Esta é uma abordagem diferente da abordagem

estatística de Boltzmann, que havia deduzido a Segunda Lei da

Termodinâmica a partir de considerações estatísticas, e mostrado, em

termos de probabilidade, que um sistema isolado possui grande chance

de aumentar a entropia, mas uma chance pequena, porém finita, de que

ela decresça. Planck e seus estudantes publicaram artigos criticando

alguns passos da abordagem de Boltzmann.

O primeiro grande passo de Planck foi tratar as paredes da

cavidade do corpo negro como osciladores que interagem com a

radiação. Esses osciladores nada mais são do que cargas elétricas da

parede da cavidade, as quais, ao oscilarem, produzem ondas

eletromagnéticas que se espalham pela cavidade. Dado um tempo

suficientemente grande, os osciladores e a radiação entrariam em

equilíbrio. Desta forma, o Eletromagnetismo de Maxwell também é

pressuposto válido obrigatório para o desenvolvimento da teoria. Segundo esta teoria, uma carga elétrica acelerada emite radiação

conforme a equação:

(

)

| |

(2.46)

52

A dedução da (2.46) pode ser encontrada em Caruso (2006),

capítulo 5 - seção 5.6.7 e capítulo 10 - seção 10.2.2. Notemos que, de

(2.46), a taxa de radiação total emitida é conhecida e depende da carga

do elétron ao quadrado e da aceleração dele ao quadrado.

O próximo passo de Planck foi analisar a dinâmica de um

oscilador harmônico e agora amortecido. A conclusão a seguir é

demonstrada em detalhes em Longair (1996), página 194 até 196. É

possível escrever a taxa de emissão de energia do oscilador em termos

da constante de amortecimento e da energia média do oscilador:

(

) (2.47)

As polarizações do campo eletromagnético imprimem um fator

3 à equação (2.47). Durante o desenvolvimento de (2.47), Planck

consegue mostrar que não há energia dissipada na forma de calor,

somente na forma de radiação. Também, percebe-se que uma possível

constante de amortecimento dependeria somente de constantes

fundamentais, diferentemente se tratássemos as perdas de energia

através de calor, o que resultaria em amortecimento dependente do

material, o que não iria condizer com a lei de Kirchhoff.

O próximo passo é tratar o elétron como oscilador amortecido e

forçado, excitado por uma radiação externa advinda da cavidade. Como

o trabalho realizado pelo campo elétrico incidente é suficiente para

suprir as perdas de energia por segundo do oscilador, o sistema mantém-

se em equilíbrio, ou seja, os osciladores permanecem em equilíbrio

térmico com a radiação da cavidade. Portanto, esta condição de

equilíbrio térmico nos permite afirmar que a radiação emitida que

preenche a cavidade e escapa em pequena quantidade para o exterior

toma a forma de uma distribuição de corpo negro.

Consideremos uma carga elétrica que oscila com frequência

natural a partir de uma amplitude inicial . A equação do oscilador

harmônico amortecido é dada por:

(2.48)

Tal equação pode ser reescrita como:

(2.49)

53

onde

. Se uma onda eletromagnética incide sobre o oscilador, a

energia pode ser transferida para ele, e então é possível escrever no lado

direito da equação (2.49) um termo referente à força elétrica:

(2.50)

Consideremos uma força externa do tipo , onde

é a frequência de oscilação do campo elétrico externo, é a amplitude

de oscilação deste campo elétrico e é a carga elétrica. Como solução

geral de (2.50), podemos adotar , e substituir em (2.50) para

encontrarmos:

( )

(2.51)

Esta expressão (2.51) possui um fator complexo no

denominador. Estamos interessados em encontrar uma expressão para a

aceleração da carga elétrica para utilizarmos na equação (2.46). Como

havíamos assumido que , tomando a parte real deste

número, temos:

( ) (2.52)

Assim, a aceleração pode ser dada por:

(2.53)

Dessas duas últimas expressões:

( ) (2.54)

Mas, como em (2.46) aparece o módulo da aceleração ao

quadrado, devemos trabalhar com o módulo ao quadrado da expressão

da amplitude , para depois substituirmos o resultado em (2.54).

Calcular o módulo ao quadrado de um número complexo é multiplicarmos este número por seu complexo conjugado:

| |

54

| | (

(

)) (

(

))

O que resulta em:

| |

[( ) ]

(2.55)

Por fim, se introduzirmos (2.54) em (2.46), temos:

(

)

( ) (2.56)

Introduzindo-se (2.55) em (2.56), temos:

(

)

( )

*(

) +

(2.57)

Os próximos passos estão desenvolvidos em detalhes em

Longair (1986), páginas 197 e 198: inicialmente a média temporal da

expressão (2.57) é extraída para que seja eliminado o termo quadrático

do cosseno. Em seguida, na expressão resultante, deve-se substituir a

amplitude do campo elétrico pela soma de todas as amplitudes das ondas

que atingem as paredes da cavidade. Mas, esta soma ainda pode ser

substituída por toda a intensidade incidente ( ) contida num intervalo

de frequência. Se considerarmos que a intensidade incidente varia

lentamente em comparação com a resposta do oscilador e possui o valor

constante de ( ), encontraremos:

(

)

( ) (2.58)

Onde é o raio clássico do elétron dado por

⁄ . A expressão (2.58) é a taxa de perda de radiação de

um elétron oscilante. Agora, podemos igualar (2.58) à taxa de emissão

de energia do oscilador (2.47):

( ) (2.59)

Rearranjando a equação:

55

( ) ( )

(2.60)

onde ( ) é a densidade de energia numa dada frequência . Como

esta equação é válida para qualquer frequência, podemos utilizar

para encontrarmos:

( )

(2.61)

A equação (2.61) surpreende, pois não possui informação sobre

os argumentos eletrodinâmicos utilizados inicialmente por Planck nem

as características específicas do modelo de elétron como oscilador

harmônico, como por exemplo, sua massa ou carga elétrica! Planck

atinge esses resultados e os publica em junho de 1899. Basta agora

encontrar a relação da energia cinética média do oscilador com a

temperatura e a frequência.

2.1.7 Como Planck Chegou no espectro de radiação do corpo

negro

De acordo com a teoria clássica e como visto na sessão 2.1.1

desta dissertação, no equilíbrio termodinâmico, cada grau de liberdade

de um sistema recebe

de energia, e por isso, a energia média do

oscilador é , devido aos graus de liberdade associados a e . A

resposta então seria:

( )

(2.62)

Esta é a conhecida expressão de Rayleigh-Jeans para baixas

frequências, que será discutida em breve. Mas, Planck não procedeu

dessa forma. Para ele, analisar a energia ou qualquer sistema físico do

ponto de vista estatístico não era adequado, uma vez que, em meados de

1899, não era clara quão correta era a abordagem através da equipartição

de energia (basta lembrar que a abordagem estatística de Maxwell para

calcular os calores específicos das substâncias não gerava resultados

satisfatórios – “congelamento dos graus de liberdade”).

Diferentemente dos demais físicos, Planck suspeitava que

deveria encontrar relações fundamentais se entendesse como a entropia

56

do sistema estava relacionada com a energia da cavidade (LONGAIR,

1986). A expressão de variação de entropia que ele encontra para um

oscilador que recebe uma variação de energia é:

(2.63)

Desta equação (2.63), a variação da entropia ocorre quando a

energia do oscilador varia uma quantidade . Assim, se e tem

sinais opostos, e o sistema tende a retornar à posição de equilíbrio, isto

é, variação de entropia positiva, podemos concluir que a função

deve

necessariamente assumir valor negativo. Um valor negativo para a

função

indica que deve haver um máximo de entropia e, portanto, se

e tem sinais opostos, o sistema deve tender ao equilíbrio.

Planck assume que a Lei de Distribuição de Wien (2.45) para o

espectro do corpo negro seja correta. E, para tanto, (2.45) deve respeitar

a Segunda Lei da Termodinâmica. Portanto, Planck passa a trabalhar

com a Lei de Distribuição de Wien e a estuda segundo os princípios

termodinâmicos. Esta Lei está bastante de acordo com os dados

experimentais da época. Planck, comparando (2.61) com (2.44) obtém:

(2.64)

Podemos notar que, da expressão (2.20) escrita por Boltzmann:

(

)

, a variável energia interna pode ser considerada a energia

média do sistema em nossa análise. Da expressão (2.64), podemos

encontrar uma relação entre e ⁄ , o que resulta em:

(

)

(

) (2.65)

Se tomarmos a segunda derivada desta expressão, temos:

(2.66)

Na definição da lei de distribuição de Wien a constante , a

frequência e a energia média devem assumir valores positivos e,

57

portanto,

é negativa. Logo, além de ser uma expressão de grande

simplicidade, a lei de distribuição de Wien é totalmente consistente com

a Segunda Lei da Termodinâmica, conforme discutido a partir de (2.63).

Estes resultados foram expostos em junho de 1900, mas, em outubro

daquele mesmo ano, as coisas mudaram novamente. Medidas mais

precisas da Radiação de Corpo Negro realizadas por Lummer e

Pringsheim comprovam que a lei de Wien é inadequada para descrever o

espectro de energia irradiada na região de baixas frequências e altas

temperaturas (LONGAIR, 1986). As medidas indicam que, nesta faixa

de frequências e temperaturas, a intensidade da radiação deve ser

proporcional a , o que é claramente incoerente com a lei de

distribuição de Wien, a qual tende a uma expressão independente de

para altas temperaturas.

58

Figura 7: Intensidade espectral como função do comprimento de onda obtida

por Lummer e Pringsheim em novembro de 1899. A figura mostra os valores

calculados (“berechnet”) e obtidos experimentalmente (“beobachtet”).

Fonte: (STUDART, 2000, p. 526).

59

Planck agora sabe que a lei de distribuição deve tender a algo

proporcional à temperatura quando a razão

, ou seja, para baixas

frequências: ( ) . Portanto: . Da primeira Lei da

Termodinâmica, temos:

. Logo:

e

para baixas

frequências.

Sabemos também que, para altas frequências, a Lei de Wien é

uma ótima aproximação. Logo, a partir da Lei de Wien, Planck conclui

que:

. Agora, levando em conta essas condições de limites, nas

palavras do próprio Planck (PLANCK, 2000, p.536): “[...] finalmente comecei a construir expressões

completamente arbitrárias para a entropia que,

embora mais complicadas do que a expressão de

Wien, ainda parecem satisfazer completamente

todos os requisitos da termodinâmica e da teoria

eletromagnética. Fui especialmente atraído por

uma das expressões, então construídas, que é

quase tão simples quanto a expressão de Wien, e

que mereceria ser investigada uma vez que a

expressão de Wien não é suficiente para cobrir

todas as observações.”

Obtemos essa expressão, colocando:

( ) (2.67)

Que, quando resolvida, resulta:

(2.68)

Substituindo este resultado em (2.61), temos:

( )

(2.69)

Agora, para que a função da energia esteja de acordo com a

expressão (2.43), e, consequentemente, com a lei de deslocamento de

Wien (2.37), a constante deve ser proporcional à frequência do

oscilador. Integrando a expressão

para encontrar a expressão da

entropia do oscilador, Planck atinge o seguinte resultado:

60

*(

) (

)

(

)+ (2.70)

Figura 8: Curvas da energia da radiação versus temperatura, medidas através

dos raios residuais (“reststrahlen”), usando-se pedras de sal ( ) e

comparadas (“berechnet nach” significa “calculado após”) com as fórmulas de

Wien, Lord Rayleigh, Thiesen e Planck.

Fonte: (STUDARD, 2000, p.528).

2.1.8 A equação de Rayleigh-Jeans

Lorde Rayleigh faz uma abordagem diferente para tratar a

Radiação de Corpo Negro e atinge um resultado curioso. Seu interesse

no problema da Radiação de Corpo Negro surge quando toma ciência

das inadequações da Lei de Deslocamento de Wien ao comportamento,

em baixas frequências, da Radiação de Corpo Negro em função da

temperatura (LONGAIR, 1986). Rayleigh aplica a teoria de ondas para

tratar o problema. O nome de Jeans é posteriormente introduzido à

equação por ter publicado um trabalho na Nature, em 1906, onde corrige

um fator numérico erroneamente calculado por Rayleigh (LONGAIR,

1986).

61

Lorde Rayleigh primeiramente inicia o tratamento do problema

considerando a radiação eletromagnética sob a forma de ondas no

interior de um cubo com lados de comprimento . Tais ondas no interior

da cavidade cúbica oscilam para todas as direções. Em notação atual, a

equação que descreve o sistema é:

(2.71)

onde é a velocidade das ondas. Considerando as paredes fixas e

metálicas, um resultado clássico do Eletromagnetismo mostra que as

ondas formam nós sobre as paredes, ou seja, para e teremos . A solução da equação de ondas (2.71) para essas

condições é conhecida e tem a forma:

(

) (

) (

) (2.72)

onde é uma constante, é a frequência angular de vibração das ondas

e e são números inteiros. Esta equação garante que a radiação no

interior da cavidade cúbica mantém-se sob a forma de ondas

estacionárias, cujos modos normais de vibração, são dados pelas

combinações de e . Os modos são todos independentes e, portanto,

representam maneiras independentes de as ondas oscilarem. Também

formam um conjunto ortogonal completo. Logo qualquer distribuição

pode ser escrita como uma soma de modos normais de vibração.

Substituindo a expressão de na equação de onda (2.71), obtemos uma

relação entre e com :

( ) (2.73)

Escrevendo , temos a relação:

(2.74)

De acordo com o Teorema da Equipartição da Energia, deve-se

distribuir igualmente a energia por todos os graus de liberdade do

sistema, ou seja, os modos normais de vibração. Para tanto, é necessário

que se conheça quantos modos existem no intervalo entre e . O

procedimento padrão é desenhar uma grade tridimensional de

62

coordenadas e e contar o número de modos normais contidos em

um oitavo da esfera, cuja projeção é representada na Figura 9 a seguir.

Figura 9: Figura que ilustra, numa projeção em duas dimensões, como o número

de modos no intervalo , e pode ser substituído por um incremento no

espaço de fase de volume

, onde .

Fonte: (LONGAIR, 1986).

Se for grande, o número de modos é:

( )

(2.75)

Expressando este resultado em função de , a partir de (2.74),

temos:

(2.76)

(2.77)

E, portanto:

( )

(2.78)

Como estamos trabalhando com ondas eletromagnéticas, não

podemos nos esquecer de que há duas polarizações independentes para

63

cada valor , o vetor de onda. Portanto, temos o dobro de modos

normais do que a equação (2.78) mostra:

( )

(2.79)

Como sabemos que , e, consequentemente, , substituímos por (2.79), para escrevermos:

( )

(2.80)

Para finalizar, a densidade de energia total do espectro irradiada

por segundo deve ser o número total de ondas estacionárias multiplicado

pela energia média de cada onda (lembrando que é necessário dividir a

expressão final pelo volume da cavidade, já que estamos escrevendo a

densidade de energia):

( )

( )

(2.81)

( )

(2.82)

Este resultado é igual ao que Planck deduziu percorrendo um

caminho diferente. A constante de proporcionalidade de ambas é

idêntica. A diferença crucial agora reside no cálculo da energia média

dos osciladores, onde as hipóteses de como ocorre a troca de energia

entre a cavidade e a radiação devem ser consideradas. Rayleigh busca na

mecânica estatística o valor da energia média para cada grau de

liberdade, considerando o Princípio da Equipartição da Energia como

válido e substituindo :

( )

(2.83)

Este resultado está em desacordo com os dados experimentais.

Em seu artigo de 1900, Rayleigh ainda sugere que um termo

exponencial seja introduzido ad hoc em sua fórmula de maneira a

ajustá-la às observações. Mas, experimentos posteriores mostram a

incompatibilidade com tal proposta.

64

Certamente Planck se impressionou com a facilidade de

Rayleigh em obter a mesma relação entre a densidade de energia da

radiação e a energia média dos osciladores atacando o problema pelo

método estatístico. Também atentou para o fato de que a diferença entre

sua lei de distribuição e a proposta por Rayleigh reside agora no cálculo

da energia média dos osciladores. Apesar do método estatístico da

equipartição de energia mostrar-se errado para descrever o problema,

Planck sabe que deve olhar com cuidado para a maneira como essa

dedução da energia média é desenvolvida. Para tanto, ele também deve

trabalhar com a mecânica estatística que havia evitado até agora.

Planck percebeu que sua expressão para a Radiação de Corpo

Negro deveria basear-se em fundamentos sólidos, e não somente em

ajustes da sua equação com os dados experimentais, como ele havia

feito (LONGAIR, 1986). Mesmo mostrando que esses ajustes estavam

de acordo com a termodinâmica, não havia qualquer informação sobre

as constantes presentes na fórmula (2.69).

2.1.9 A Teoria de Planck sobre a Radiação de Corpo Negro e o

ponto de Ruptura

A expressão (2.69) encontrada por Planck descreve

perfeitamente os dados observacionais do espectro da radiação do corpo

negro, mas não era claro o porquê. Para tanto, Planck utiliza agora a

teoria estatística da termodinâmica para obter com mais detalhes a

entropia do sistema, como havia feito a partir da Termodinâmica dos

osciladores. Nas palavras de Planck (FELDENS et al, 2010, p. 2602-7): “Mas mesmo que a validade absolutamente

precisa da fórmula da radiação seja assumida, na

medida em que ela tenha meramente o status de

uma lei revelada por uma sorte da intuição, ela

não poderia esperar possuir mais do que um

significado formal. Por essa razão, no próprio dia

em que formulei a lei, comecei a devotar-me à

tarefa de investiga-la com um real sentido físico.

Essa procura automaticamente levou-me a estudar

a inter-relação de entropia com probabilidade, em

outras palavras, a perseguir a linha de pensamento

inaugurada por Boltzmann.”

A análise que Planck faz dos osciladores é semelhante à de

Boltzmann para um conjunto de partículas. A dedução em detalhes pode

ser encontrada em Longair (1986), páginas 114 até 120. O modelo

65

proposto tem início assumindo ressonadores, cada qual com energia

média , de modo que a energia total do sistema é . Esta

energia total pode ser dividida em pequenos pedaços de energia ϵ. Se

tendermos esse pequeno pedacinho a um valor muito pequeno,

precisaremos de infinitos pedacinhos para compor a energia total,

dizendo assim que a energia é contínua.

Para Planck, a energia total é , onde é o número total

de elementos de energia do sistema. O que Planck faz a partir daí é

descobrir quantas maneiras existem de distribuir os elementos entre os

osciladores. Conforme Planck (PLANCK, 2000, p.539): “É evidente que agora a distribuição dos

elementos de energia entre os ressonadores não

pode ocorrer segundo um número finito e

determinado de maneiras. Chamaremos cada uma

destas repartições de um „complexo‟

[complexion], segundo o termo utilizado por

Boltzmann para uma noção semelhante. Se

designarmos os ressonadores pelos números 1, 2,

3, ..., , se os escrevermos uns em seguida aos

outros, e se, debaixo de cada ressonador,

colocarmos o número de elementos de energia que

lhes são atribuídos quando de uma repartição

arbitrária, obtemos para cada complexo um

padrão da seguinte forma:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

7 38 11 0 9 2 20 4 4 5

Fizemos a suposição aqui de que ,

. O número de todos os complexos

possíveis é visivelmente igual ao número de todos

os arranjos possíveis de números que se pode

obter para a linha inferior, quando N e P forem

fixos. Para sermos precisos, notemos que dois

complexos devem ser considerados como distintos

se apresentarem os mesmos números, mas

dispostos em ordem diferente.”

Conclusivamente, o número total de maneiras de distribuir a

energia por N osciladores é:

( )( ) ( )

( )

( ) (2.84)

Podemos fazer a aproximação:

66

( )

( ) ( )

(2.85)

De acordo com a fórmula de Stirling temos, como primeira

aproximação . Utilizando em (2.85):

( )

( )

(2.86)

A hipótese adicional de Planck é considerar (2.86) como sendo

a probabilidade de encontrar os osciladores num determinado estado .

Conforme Planck (PLANCK, 2000, p.539 e 540): Consideremos agora que a entropia do sistema

é, a menos de uma constante aditiva arbitrária,

proporcional ao logaritmo da probabilidade ,

sendo que os ressonadores tem todos em

conjunto a energia total :

( ) No fundo, esta relação se torna, me parece, uma

definição da probabilidade , porque, nas

hipóteses sobre as quais se baseia a teoria da

radiação eletromagnética, nenhuma indicação nos

permite dar a esta probabilidade um sentido ou

outro. Convém utilizar esta definição por sua

simplicidade, e também pela sua conexão íntima

com um teorema da teoria cinética dos gases.”

Substituindo (2.86) na expressão da entropia de Boltzmann

( [ ]), estamos aptos a calcular a entropia do conjunto de

osciladores:

( )

[( ) ( ) ] (2.87)

Considerando: e , podemos escrever

.

Logo:

*(

) (

) (

) (

)+ (2.88)

*(

) (

)

(

)+ (2.89)

E, portanto, a entropia S de cada oscilador será dada por:

67

*(

) (

)

(

)+ (2.90)

Esta é análoga à expressão da entropia do oscilador (2.70).

Comparando ambas, descobrimos que . Como é proporcional à

frequência do oscilador, Planck conclui que cada pedacinho de energia é

proporcional à frequência e escreve esta conclusão da forma como a

conhecemos hoje:

(2.91)

Considerando a estatística clássica, deveríamos agora fazer o

valor de tender à zero, mas isso entraria em discordância com a

expressão da entropia do oscilador (2.90). Os pequenos pedaços de

energia não podem desaparecer da expressão e possuem uma magnitude

finita . Planck poderia muito bem ter rejeitado esses resultados, mas

como foi dito e enfatizado algumas vezes anteriormente, ele está muito

bem amparado pelas bases sólidas da Termodinâmica: olhar para a

entropia dos osciladores através da Termodinâmica clássica está em

completo acordo com a análise do problema através da descrição

estatística da Termodinâmica. Portanto, esses resultados são válidos e

merecem ser interpretados. Eis o ponto de Ruptura!

Devemos notar também que a constante (da teoria de

Boltzmann, é a sua própria constante

). Assim, a expressão de Planck

para a distribuição de energia do corpo negro é:

( )

(2.92)

É justo notar que ninguém havia entendido o que Planck

acabara de fazer (LONGAIR, 1986). Sua teoria não foi aceita de

imediato. Mas vale enfatizar que, gostando ou não dela, o conceito de

quanta aparece naturalmente através do conceito de energia, porque,

sem ele, não é possível escrever a equação de Planck. Podemos terminar

por aqui nossa descrição do Contexto da Ruptura e, a partir disso, gerar

algumas considerações e comentários que serão úteis para os propósitos

deste trabalho.

68

2.2 O contexto da Ruptura sintetizado

A leitura acima nos mostra que Longair (1986) aproxima-se de

uma discussão sobre a mudança no entendimento da maneira de

descrever a troca de energia entre sistemas, mostra também onde falha o

Princípio da Equipartição da Energia, e sua pretensão é descrever, o

melhor possível, o processo da construção e obtenção da fórmula de

Planck (2.92). Para tanto, Longair (1986) descreve a abordagem de

Planck e também a abordagem dos cientistas Rayleigh e Jeans, que,

como visto, percorrem caminhos diferentes. Faremos então um quadro

esquemático que mostra o percurso de cada abordagem e suas

conclusões.

69

Quadro 1: Quadro esquemático que sintetiza a abordagem de Rayleigh e Jeans

ao fenômeno Radiação de Corpo Negro segundo Longair (1986).

Fonte: Dados da pesquisa

70

Quadro 2: Quadro esquemático que sintetiza a abordagem de Planck ao

problema do Corpo Negro segundo Longair (1986).

Fonte: Dados da pesquisa.

71

Inicialmente, destacamos as teorias encontradas nas abordagens,

o que podemos chamar de saber clássico. Em Rayleigh e Jeans, a Teoria

Ondulatória é utilizada em quase todo o processo. Em Planck, temos:

Eletromagnetismo, Mecânica Estatística, Mecânica Newtoniana e,

principalmente, Termodinâmica. Essas teorias envolvidas demonstram

claramente a complexidade do objeto Radiação de Corpo Negro (RCN),

sendo que cada abordagem enfatiza determinada teoria e uma

determinada técnica.

Também concluímos que conceitos como as leis da

Termodinâmica, equilíbrio térmico entre corpo negro de Kirchhoff e

radiação de cavidade, função de distribuição e alguma noção de

mecânica estatística são fundamentais para que se compreenda o

problema da RCN como um todo.

2.3 Exemplos de praxeologias a partir do contexto da ruptura

Podemos localizar a síntese desenvolvida acima na organização

praxeológica de Chevallard. Segundo o Modelo, existe um conjunto de

tarefas ( ) que devem ser executadas, técnicas (τ) que possibilitam

resolvê-las, tecnologias ( ) que justificam as técnicas e as teorias ( )

nas quais os pesquisadores basearam-se.

Para Planck, o problema central era compreender a

termodinâmica dos osciladores. Dessa forma, podemos nomear as

teorias envolvidas: Eletromagnetismo ( ); Mecânica Estatística ( ); Mecânica Clássica ( ); Termodinâmica ( ), com uma ênfase na teoria

Termodinâmica ( ). Segundo a abordagem de Rayleigh e Jeans, cujo

problema maior consistia em determinar o número total de ondas

estacionárias na cavidade, é possível identificar grande ênfase na Teoria

Ondulatória ( ). Da análise do trabalho de Planck, uma praxeologia possível a

partir da teoria ( ) é considerar a Segunda Lei da Termodinâmica

como tecnologia ( ). Esta tecnologia justifica a técnica ( ) que se

mostrou satisfatória para deduzir parte da expressão para a distribuição e

energia ( ). ( ) pode ser escrita da seguinte maneira:

1) Derivar a expressão de variação de entropia para um

oscilador em função da variação de energia ;

2) Estudar a Lei de Wien e mostrar sua consistência com a

Segunda Lei da Termodinâmica;

72

3) Ajustar a expressão para a derivada segunda da entropia do

oscilador em função da energia para os limites de altas e baixas

temperaturas;

4) Resolver a expressão

( );

5) Comparar o resultado com a lei de deslocamento de Wien e

concluir que a constante . Dessa maneira, nota-se que a teoria ( ) é bastante explorada.

A técnica ( ) permite realizar parte do tipo de tarefa ( ): deduzir a forma da função de distribuição de Planck. E, obviamente, esta

técnica ( ), explicada pela tecnologia ( ), não é a única que possibilita

executar o tipo de tarefa ( ), pois outras técnicas e tecnologias

permitem trabalhar diferentes teorias para a resolução de um mesmo tipo

de tarefa.

Na abordagem de Rayleigh e Jeans, que despendeu grande parte

dos esforços em contar o número de modos normais de vibração das

ondas eletromagnéticas, a teoria Termodinâmica ( ) não é enfatizada

ou discutida. Pode-se notar que o princípio da equipartição de energia

foi utilizado como uma etapa da técnica desenvolvida, o que diminui as

possibilidades de aproximação da técnica com a noção de mudança na

maneira como os sistemas trocam energia. Quando assumimos

determinada praxeologia e a didatizamos e a inserimos num livro

didático, estamos selecionando e enfatizando determinados saberes ao

invés de outros, o que torna importante pensar cuidadosamente sobre a

didatização de determinado conteúdo. Podemos afirmar aqui que

escolher desenvolver uma técnica ao invés de outra define o saber a ser

ensinado.

2.4 Comentários gerais

Como fechamento do capítulo, elencamos alguns pontos que

não podem ser negligenciados ou mantidos em segundo plano a respeito

do que foi construído:

a) Em qualquer tipo de didatização referente à RCN, é importante

existir sempre a definição clara do que significa equilíbrio

térmico entre radiação e cavidade. Também apresentar uma

noção detalhada do que é o corpo negro;

b) Pesquisadores atacam o problema da Radiação de Corpo Negro

a partir de modelos diferentes e atingem resultados que

73

mostram que o ponto chave reside nas considerações a respeito

da maneira como os sistemas absorvem e emitem energia. É

isto que está por trás do problema do congelamento dos graus

de liberdade, a catástrofe do ultravioleta de Rayleigh e Jeans e

onde se encontra o postulado de Planck. Em Longair (1986), a

didatização escolhida enfatiza muito este aspecto;

c) As diversas tentativas de Planck para resolver o problema da

Radiação de Corpo Negro basearam-se na Física Clássica. As

conclusões às que ele chega a partir delas enfatizam a

necessidade de postular algo novo e romper com a velha física.

Portanto, como ficou demonstrado, o postulado não é uma

hipótese inserida a priori, como se caísse dos céus e omitisse as

tentativas de soluções a partir da física clássica;

d) Para a Física, a importância de modelos e idealizações é

inegável, e, em Longair (1986), é enfatizado os modelos de

cada pesquisador: Planck e cargas oscilando; Wien e cavidade

esférica expandindo; Boltzmann e o pistão preenchido com “gás

de radiação”; Rayleigh e ondas estacionárias. Na perspectiva do

ensino de física, podemos dizer que o estudante de física só tem

a ganhar quando em contato com esta riqueza de ideias e

criatividade por parte dos pesquisadores;

e) É notável a resistência do cientista a novas e diferentes

abordagens daquelas comumente aceitas pela comunidade

científica. Planck rejeita a Mecânica Estatística até o limite em

que se vê obrigado a utilizá-la para atacar o problema mais a

fundo. Ocorre, portanto, uma superação pessoal do cientista

diante de suas crenças em teorias amplamente aceitas que,

dentro de certos limites, não conseguem mostrar resultados

satisfatórios: é necessário aceitarmos o novo e o diferente para

entendermos os fenômenos recentes! Esta superação é um viés

do processo de desenvolvimento da ciência, aspecto quase

nunca tocado no processo de formação do futuro cientista ou

professor. É importante ensinar isso ao aluno?

Acreditamos que, até este ponto, ficam determinadas e

delimitadas técnicas e teoria que caracterizam o momento da ruptura.

Podemos, inclusive, afirmar categoricamente que, dada a riqueza de

conceitos que envolvem a temática do Corpo Negro e a dinamicidade

com que esta teoria atinge diferentes áreas da Física, é importante que o

aluno de Física saiba que existe um processo de construção de

conhecimento culminando na quantização da energia, e que esta

74

quantização não pode ser apresentada meramente na forma de passagens

ou técnicas matemáticas isentas de um significado mais profundo. No

próximo capítulo, vamos investigar como a instituição ( ) disciplina

efetivamente transpõe este tópico aos seus alunos.

75

3. INVESTIGANDO A RELAÇÃO INSTITUCIONAL

Segundo a TAD, investigar a Relação Institucional que

determinada instituição possui com o objeto é revelar quais os aspectos

deste objeto são importantes para ela e o que esta instituição pretende de

fato ensinar às pessoas pertencentes a ela. Conforme já descrito

anteriormente, os três principais elementos da nossa investigação, sob o

ponto de vista da TAD, são definidos da seguinte forma:

Instituição ( ) Disciplina Estrutura da Matéria 1 da

Universidade Federal de Santa Catarina;

Objeto (O) Tema Radiação de Corpo Negro;

Pessoas (X) Estudantes de Física cursando Estrutura da

Matéria 1 da Universidade Federal de Santa Catarina;

Portanto, neste capítulo procuramos entender melhor como o

tópico Radiação de Corpo Negro é tratado no livro-texto e nos

exercícios, provas e demais atividades trabalhadas na disciplina

Estrutura da Matéria 1 da Universidade Federal de Santa Catarina. Isso

significa observar as praxeologias desta instituição ( ) e expandir

nossas conclusões a partir dos dados e resultados atingidos.

3.1 O caráter institucional do livro-texto e as evidências da

tradição de ensino

O curso de Física da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC) conta com a disciplina Estrutura da Matéria 1, cuja parte da

ementa é o estudo das evidências que levaram ao surgimento da

Mecânica Quântica3, sendo que é nesta etapa que o tópico Radiação de

Corpo Negro é apresentado aos alunos. Na UFSC, a disciplina é de

caráter obrigatório e tem a duração de um semestre para os cursos de

Bacharelado em Física e Licenciatura em Física, sendo o conteúdo

programático de ambos os cursos iguais. A disciplina é oferecida nos

cursos de graduação em Física em diversas outras instituições de ensino

de nível superior do país, podendo apresentar nomenclatura diferente da

encontrada na UFSC, mas com ementa e, principalmente, bibliografia

similar.

3 Ementa, programa e bibliografia podem ser consultados em:

http://www.fsc.ufsc.br/ensino/cursodegraduacaoemfisica/gradefsc2009/FSC550

6.pdf

76

A partir de um levantamento junto à ementa das disciplinas

destes diversos cursos de graduação4 é possível constatar que, na grande

maioria, inclusive na disciplina Estrutura da Matéria 1 da UFSC, três

livros são citados:

a) Física Quântica - Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e

Partículas, dos autores Robert Eisberg e Robert Resnick;

b) Física Moderna, dos autores Paul Tipler e Ralph

Llewellyn;

c) Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos

Quânticos, dos autores Francisco Caruso e Vitor Oguri.

Dentre estes três livros, “Física Quântica - Átomos, Moléculas,

Sólidos, Núcleos e Partículas” aparece em oito das dez bibliografias; o

livro “Física Moderna”, em cinco das dez bibliografias; o livro “Física

Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos”, em três das dez

bibliografias.

Embora haja liberdade de escolha bibliográfica para o

professor, é sintomático que estes livros citados nas bibliografias sejam

sempre os mais utilizados. O aparecimento dos dois primeiros livros

como os mais citados sugere que seu conteúdo e a maneira de transpô-lo

sejam similares, enquanto que o terceiro livro “Física Moderna: Origens

Clássicas e Fundamentos Quânticos”, dos autores Francisco Caruso e

4 Cursos de graduação em Física de importantes instituições de ensino superior

que disponibilizam o programa das disciplinas na internet foram consultados e

encontram-se abaixo.

PUC-Rio - http://www.puc-

rio.br/ferramentas/ementas/ementa.aspx?cd=FIS1061

UDESC -

http://www.joinville.udesc.br/portal/ensino/graduacao/fisica/disciplina.php?d=F

MO1001&c=fisica

UFC - http://www.fisica.ufc.br/ementas/fisica/CD222.htm

UFMG - http://www.fisica.ufmg.br/fisicamoderna/

UFPR - http://fisica.ufpr.br/grad/cf099.pdf

UFRGS - http://www.if.ufrgs.br/tex/fis01208/index.html

UnB - http://www.fis.unb.br/cgrad/cg/e118346.txt

Unicamp -

http://portal.ifi.unicamp.br/images/stories/imagens/arquivos/programas_discipli

nas.pdf (pag. 51)

USP – São Carlos -

https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=FFI0775

USP – São Paulo -

https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=4300375

77

Vitor Oguri, não se assemelha a eles. De fato, este último possui

características especiais: é um livro recente que traz contexto histórico,

aproxima-se mais do contexto da descoberta, apresenta o tópico RCN a

partir da abordagem de Planck, isto é, desenvolve o conteúdo do ponto

de vista teórico de Planck, com suas técnicas e enfatiza a

Termodinâmica. Este livro fica de fora da maioria das bibliografias por

destoar dos tradicionais livros utilizados, o que nos permite dizer que ele

não caracteriza as escolhas institucionais. Por esta razão, vamos nos

fixar nos livros-textos mais citados.

Como já foi discutido no capítulo 2 desta dissertação, os livros-

textos desempenham papel duplo em nossa análise. Vamos assumir aqui

que, devido à forte tradição dos cursos de física, os livros-textos têm

papel central nas relações institucionais entre algumas disciplinas e

determinados tópicos em física e definem o papel da relação tanto entre

professor e “saber a ser ensinado”, quanto entre aluno e “saber a ser

aprendido”. Os livros-textos manifestam fortemente as escolhas

didáticas da instituição disciplina, isto é, escolhas de determinadas

tarefas ( ), técnicas ( ), tecnologias ( ) e teorias ( ) que caracterizam a

sua transposição. Além disso, vamos assumir também que a escolha de

determinado livro-texto implica fortemente na escolha de exercícios

para as provas e listas de tarefas, o que acaba por definir os exercícios,

questões e problemas do livro-texto como base de boa parte das

atividades.

Em nossa análise, é possível identificar que os professores da

disciplina Estrutura da Matéria 1 utilizam os livros mais citados nas

bibliografias dos outros cursos de graduação5: “Física Quântica -

Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas” dos autores Robert

Eisberg e Robert Resnick e o livro “Física Moderna” dos autores Paul

Tipler e Ralph Llewellyn. O livro “Física Moderna: Origens Clássicas e

Fundamentos Quânticos” dos autores Francisco Caruso e Vitor Oguri,

não é mencionado.

Existe uma maneira quase que institucionalizada de se ensinar

este tema, maneira que se manifesta fortemente nos programas de cursos

de formação, na bibliografia utilizada, nas listas de atividades,

problemas, exercícios e nas avaliações. De todos os aspectos citados, o

livro-texto tem papel marcante, pois nele se encontra não apenas o

5 Num primeiro momento ou pesquisa exploratória, um questionário foi

aplicado aos professores que ministram e já ministraram esta disciplina na

UFSC. O questionário e respostas encontram-se em anexo.

78

conteúdo associado às disciplinas de Física Moderna, mas também

mostra os caminhos adotados, a forma de didatização com suas

respectivas técnicas de derivação, forma de apresentação, recursos

didáticos, aspectos enfatizados e a escolha de atividades e tarefas. Em

suma, os livros-textos contêm todo o conhecimento, teorias e

justificação das técnicas utilizadas, como também as atividades e tarefas

propostas, o que pode ser compreendido como o “know how” das

técnicas que ele utiliza. Os livros-textos trazem o “saber” e o “saber

fazer”, ou seja, uma praxeologia ou conjunto de praxeologias referentes

a determinado objeto.

3.2 A determinação do livro-texto e dos documentos a serem

analisados

Segundo o que foi colocado, é possível afirmar aqui que o livro

“Física Quântica - Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas”,

dos autores Robert Eisberg e Robert Resnick, possui forte caráter

institucional, muito representativo de uma tradição de ensino, sendo

largamente utilizado nas instituições de ensino nacionais e estrangeiras.

Apesar de não possuirmos estudo mais detalhado, é possível afirmar que

este livro é utilizado como balizamento para outros e, portanto, vamos

analisá-lo em detalhes e com bastante rigor, a fim de clarificarmos

melhor sua didatização do objeto RCN.

No livro “Física Moderna”, os autores Paul Tipler e Ralph

Llewellyn seguem a mesma abordagem do primeiro livro, descrevem as

mesmas técnicas e derivações, apenas com rigor matemático menor e

sem aprofundamento de certos conteúdos. Por isso, optamos por não

apresentamos aqui a análise do seu texto, pois ela seria completamente

redundante. Mas, como as atividades deste livro são utilizadas pelos

professores, conforme citado no questionário, vamos analisar as tarefas

e exercícios propostos nele.

Vamos aqui identificar os livros-textos como (1) e (2):

Livro-Texto (1) - Eisberg, Resnick – Física Quântica: Átomos,

Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas, edição 1 e 2 – em

português;

Livro-Texto (2) - Paul A. Tipler, Ralph Llewellyn – Física

Moderna, 5ª edição;

79

Por fim, baseado na TAD, é possível considerar as provas da

disciplina, ou seja, a avaliação do desempenho do aluno durante o

semestre como a forte manifestação daquilo que a instituição disciplina

acredita que o aluno deveria conhecer ou aprender. Podemos escrever

que o desempenho do aluno nas avaliações ou provas mostra a

adequação dele à relação da instituição disciplina com o objeto de

conhecimento, e nelas encontramos as tarefas ( ) ou tipos de tarefas ( )

que devem ser executadas. Conclusivamente, a partir do questionário

respondido pelos professores, na disciplina Estrutura da Matéria 1, da

UFSC, as provas são baseadas nos exercícios dos livros-textos e nas

listas de exercícios, o que torna fundamental analisá-los.

Foram coletados junto aos professores os seguintes documentos

aplicados durante a apresentação do tópico Radiação de Corpo Negro:

9 (nove) provas;

2 (duas) listas de exercícios.

3.3 A sequência metodológica adotada

Inicialmente, definimos uma versão didatizada do tópico RCN

que atende aos nossos propósitos e identificamos as praxeologias

envolvidas (Capítulo 2). Em seguida, analisamos em detalhes as

praxeologias da instituição disciplina estrutura da matéria 1 da UFSC

( ). Temos, portanto, dois resultados que podem ser comparados. Para

investigar a relação entre ( ) e o objeto Radiação de Corpo negro,

elaboramos duas etapas de análise que complementam a metodologia

desenvolvida para este trabalho de dissertação. São elas:

a) Etapa 1 – Praxeologia e o Livro-texto: definição das tarefas ( ) técnicas ( ), tecnologias ( ) e teorias ( ) desenvolvidas no

capítulo que trata da RCN. Ao mesmo tempo, tecemos

comentários e críticas, sempre em comparação com o Contexto

da Ruptura construído no Capítulo 2, para depois sintetizarmos

os resultados da análise num esquema que torne sua

visualização mais clara.

b) Etapa 2 – Categorização das tarefas ( ) e tipos de tarefas ( ):

classificação das atividades que os alunos do curso de física

realizam em tarefas ( ) e tipos de tarefas ( ) a fim de

compreender um pouco melhor quais saberes são necessários

para suas realizações. Tais atividades são exercícios do livro-

texto (1), do livro-texto (2) e dos documentos coletados.

80

3.4 Etapa 1: praxeologia e o livro-texto

O capítulo de abertura do livro-texto (1) denomina-se

“Radiação térmica e o postulado de Planck”. Ele se divide em sete

sessões ou subcapítulos e se encerra com vinte questões e dezoito

problemas.

3.4.1 Introdução

A primeira sessão denomina-se “Introdução”, e situa o leitor,

mesmo que muito pouco, nos fatos históricos da física na virada do

século XIX para o XX. Segundo o livro, a publicação do trabalho de

Planck sobre o espectro do corpo negro, em 14 de Dezembro de 1900, é

considerado o nascimento da mecânica quântica, cujos aspectos

bastantes gerais são também comentados nesta sessão introdutória, que

contextualiza brevemente o momento da ruptura.

3.4.2 Radiação térmica

A sessão dois denomina-se “RADIAÇÃO TÉRMICA”. Nela,

são definidos os conceitos importantes que serão utilizados no decorrer

do capítulo. São eles: radiação térmica, equilíbrio térmico, corpo negro,

radiância espectral, radiância total, Lei de Stefan e Lei de Deslocamento

de Wien. Também é apresentado, nessa sessão, o gráfico da radiância

espectral de um corpo negro em função da frequência da radiação. Na

citação a seguir, encontramos as primeiras definições:

“A radiação emitida por um corpo devido a sua

temperatura é chamado radiação térmica. Todo

corpo emite esse tipo de radiação para o meio que

o cerca, e dele a absorve. Se um corpo está

inicialmente mais quente do que o outro, ele irá se

esfriar, porque a sua taxa de emissão de energia

excede à taxa de absorção. Quando o equilíbrio

térmico é atingido, as taxas de absorção e emissão

são iguais”. (EISBERG; RESNICK, 1994, p. 20)

Nota-se que, da maneira como as definições são introduzidas,

há pouco aprofundamento na teoria termodinâmica se a compararmos

com o Capítulo 2. Com isso, o aprofundamento teórico no decorrer da

discussão do tópico pode permanecer superficial ou ficar comprometido

81

com os exemplos que aparecerão em breve. Em seguida, uma descrição

qualitativa sobre o fenômeno da emissão de radiação visível por objetos

aquecidos é realizada, evidenciando uma relação entre a cor aparente da

radiação e a temperatura, sem mencionar a condição de equilíbrio

térmico dos corpos aquecidos. O conceito de corpo negro é definido

como corpos cujas superfícies absorvem toda a radiação térmica

incidente sobre eles, sem mencionar o trabalho de Kirchhoff.

“No entanto, a experiência nos mostra que há um

tipo de corpo quente que emite espectros térmicos

de caráter universal. Esses corpos são chamados

de corpos negros, isto é, corpos cujas superfícies

absorvem toda a radiação térmica incidente sobre

eles. O nome é apropriado porque esses corpos

não refletem a luz e são negros”. (EISBERG;

RESNICK, 1994, p. 20)

Novamente, aqui, o texto não toca nos aspectos termodinâmicos

com clareza, isto é, não é clara a ligação de corpo negro com o

equilíbrio térmico ou com a permanência da temperatura do sistema

constante. Se utilizarmos a definição acima para aproximar corpos

realísticos do modelo de corpos negros ideais, como, por exemplo, um

atiçador de ferro no fogo ou sistemas mais complexos como o Sol, não

conseguiríamos. Segundo a definição do livro-texto (1), seria impossível

caracterizar corpos diferentes de uma cavidade ou que não sejam

perfeitamente negros como corpos negros. Segundo a definição acima,

os corpos tem que ser negros. O atiçador de ferro no fogo emite luz, e

portanto não é negro! Muito menos o Sol.

A discussão de Kirchhoff que introduz o modelo de corpo

negro, como escrito no Capítulo 2, caberia muito bem neste trecho do

texto, mas somente no final desta sessão é discutido o balanço

energético entre absorção e emissão de radiação de um corpo negro,

citando, mesmo que em apenas uma linha, a lei de Kirchhoff.

A radiância espectral é definida como a distribuição espectral

da radiação do corpo negro, e o gráfico característico da radiância em

função da frequência para diferentes temperaturas é apresentado como

resultado experimental a partir de Lummer e Pringsheim, em 1899, com

seus limites e máximos discutidos. A radiância espectral, talvez um dos

conceitos mais importantes do capítulo, é apresentada sem ligação com

o equilíbrio térmico e e de forma pouco aprofundada. Claro que essas

82

lacunas podem ser supridas pelo professor, mas no texto as explicações

estão ausentes.

Figura 10: Gráfico da radiância espectral de um corpo negro e sua respectiva

legenda, retirados do livro-texto (1).

Fonte: (EISGERG ; RESNICK, 1994, pg. 21).

Através de uma análise qualitativa da função de distribuição

expressa pelo gráfico, o livro-texto (1) apresenta a radiância total do

corpo negro, a Lei de Stefan e a lei de Deslocamento de Wien, sem

mencionar argumentos do Eletromagnetismo e da Termodinâmica que

foram utilizados originalmente para a dedução dessas leis. Este é o

momento em que poderia haver comentários mais significativos sobre a

teoria Eletromagnética no texto, como visto no Capítulo 2. Vide citação

a seguir: “A integral da radiância espectral ( ) sobre

todas as frequências é a energia total emitida por

unidade de tempo por unidade de área por um

corpo negro a temperatura . É dita Radiância .

Isto é ∫ ( )

,. Como vimos da

discussão precedente, da figura 1.1, ( ) cresce

rapidamente com o aumento da temperatura. De

fato, este resultado é chamado lei de Stefan, e foi

enunciado pela primeira vez em 1879 sob a forma

de uma equação empírica. , onde é

chamada de constante de Stefan-Boltzmann. A

83

figura 1.1 também mostra que o espectro se

desloca para maiores frequências à medida que T

aumenta. Este resultado é chamado de lei de

deslocamento de Wien: , onde é a

frequência na qual tem seu valor máximo

para uma dada temperatura”. (EISBERG;

RESNICK, 1994, p. 21 e 22)

Antes de concluir a sessão, é mostrado que a Radiação de Corpo

Negro pode ser substituída pela radiação de uma cavidade mantida a

uma temperatura fixa, que escapa para o exterior através de um orifício

pequeno, o que caracteriza uma Radiação de Corpo Negro. Tal

substituição do objeto “corpo negro” para “cavidade” será importante

para a didatização que o livro adota, uma vez que ele passará a trabalhar

com a radiação que preenche a cavidade, e não com as paredes ou a

superfície de um corpo negro. Neste ponto, podemos perceber que a

escolha em enfatizar a radiação e não a matéria e os exemplos que serão

colocados a seguir começam a dar indícios da teoria ( ), tecnologia ( )

e técnica ( ) que o livro-texto (1) pretende desenvolver para tratar o

fenômeno da Radiação de Corpo Negro.

A seguir, são mostrados os dois exemplos numéricos, “a” e “b”,

para aplicação da lei de Stefan e lei de deslocamento de Wien, segundo

a hipótese de que a superfície das estrelas são corpos negros. E esta

hipótese parece não ter coerência com a definição de corpo negro

apresentada há pouco pelo livro, o que pode tornar confuso o

entendimento do leitor. “a) Como , a velocidade constante da luz, a

lei de deslocamento de Wien também pode ser

colocada na forma , onde

é o comprimento de onda na qual a

radiância espectral atinge seu valor máximo para

uma dada temperatura T. O valor determinado

experimentalmente para a constante de Wien é

. Se supusermos que as superfícies

estelares se comportam como corpos negros,

podemos obter uma boa estimativa de sua

temperatura medindo-se . Para o Sol,

, enquanto que para a Estrela do

Norte (Estrela Polar) . Achar a

temperatura dessas estrelas. Para o Sol,

. Para a Estrela do Norte,

.

84

b) Usando a lei de Stefan e a temperatura obtida

acima, determinar a potência irradiada por 1 cm²

da superfície estelar. Para o Sol,

( )

Para a

Estrela do

Norte,

( )

” (EISBERG; RESNICK, 1994, p. 23

e 24)

3.4.3 A teoria clássica da radiação da cavidade

A sessão três denomina-se “A teoria clássica da radiação de

cavidade”. Inicialmente, é definido com clareza que o cálculo utilizado

nela será aquele desenvolvido essencialmente por Rayleigh e Jeans.

Segue a descrição: “No início deste século, Rayleigh, e também

Jeans, fizeram o cálculo da densidade de energia

da radiação da cavidade (ou do corpo negro), o

qual mostrou uma séria divergência entre a física

clássica e os resultados experimentais. Este

cálculo é análogo aos que aparecem ao

considerarmos muitos outros fenômenos (por

exemplo, calor específico dos sólidos), que serão

tratados mais tarde. Apresentaremos os detalhes

do cálculo aqui, mas, como uma forma de facilitar

a sua compreensão, faremos antes uma digressão

sobre o problema.” (EISBERG; RESNICK, 1994,

p. 24)

Dessa maneira, a sessão define uma tarefa a ser realizada:

descrever a função da distribuição espectral da radiação da cavidade.

Denominaremos essa tarefa de ( ). Notamos também que as definições

e exemplos da sessão anterior parecem servir de base tecnológica para o

que será desenvolvido nesta sessão, de maneira que o problema da

Radiação de Corpo Negro se resume em determinar a forma da

distribuição espectral. Ainda conforme citação anterior, o livro-texto

parece justificar, de maneira geral, a escolha da abordagem de Rayleigh

e Jeans (em detrimento da maneira desenvolvida pelo Planck, por

exemplo) por sua abrangência em tratar outros fenômenos discutidos

mais adiante em outros capítulos, inclusive o calor específico dos

sólidos. Esta é a sua opção didática. A seguir, o livro apresenta um

resumo da sessão:

85

“Consideremos uma cavidade com paredes

metálicas aquecidas uniformemente a uma

temperatura T. As paredes emitem radiação

eletromagnética na faixa térmica de frequências.

Sabemos que isso acontece, basicamente, por

causa dos movimentos acelerados dos elétrons nas

paredes metálicas, que surgem como resultado da

agitação térmica (vide apêndice B). No entanto,

não é necessário estudar detalhadamente o

comportamento dos elétrons nas paredes da

cavidade. Em vez disso, estudaremos o

comportamento das ondas eletromagnéticas em

seu interior. Rayleigh e Jeans procederam da

seguinte maneira. Inicialmente, a teoria

eletromagnética clássica é usada para mostrar que

a radiação dentro da cavidade deve existir na

forma de ondas estacionárias com nós sobre as

superfícies metálicas. Usando-se argumentos

geométricos, faz-se uma contagem do número

dessas ondas estacionárias cujas frequências estão

no intervalo de e , de forma a determinar

como esse número depende de . Então usa-se um

resultado da teoria cinética clássica dos gases para

calcular a energia total média dessas ondas

quando o sistema está em equilíbrio térmico. A

energia total média depende, na teoria clássica,

apenas da temperatura T. O número de ondas

estacionárias no intervalo de frequências,

multiplicado pela energia média das ondas e

dividido pelo volume da cavidade, nos dá a

energia média contida em uma unidade de volume

no intervalo de frequências de e . Esta é a

quantidade desejada, a densidade de energia

( ). Façamos agora tudo isso em detalhes.”

(EISBERG; RESNICK, 1994, p. 24 e 25)

Este resumo define a técnica utilizada pelo livro-texto (1), que

vamos denominar ( ), para realizar o cálculo da densidade de energia

da radiação de um corpo negro, e explicitamente aponta para a maneira

como Rayleigh e Jeans procederam no tratamento do problema,

assemelhando-se ao esquema sintetizado na sessão 2.3 do Capítulo 2

desta dissertação.

Atentamos para um fato curioso neste ponto. Ao afirmar que

não é necessário estudar os elétrons nas paredes metálicas da cavidade, o

livro opta por usar o modelo das ondas eletromagnéticas aprisionadas

86

numa cavidade de paredes metálicas para tratar os modos normais,

passando, portanto, a estudar a radiação eletromagnética da cavidade.

Consequentemente, como agora ele trabalha somente com a radiação e

não com a matéria, qualquer resultado que venha a ser atingido,

inclusive a quantização que será descrita em breve, será referente às

ondas eletromagnéticas, e não à energia dos osciladores como do

modelo proposto por Planck.

Em seguida, acontece a descrição detalhada da técnica ( ) proposta acima. Inicialmente é estabelecido o modelo de ondas

eletromagnéticas dentro de uma cavidade metálica cúbica: “Suponhamos para simplificar que a cavidade

com paredes metálicas contendo radiação

eletromagnética tenha a forma de um cubo cujas

arestas medem . Então a radiação que é refletida

sucessivamente pelas paredes pode ser

decomposta em três componentes, ao longo das

três direções mutualmente perpendiculares

definidas pelas arestas da cavidade. Como as

paredes opostas são paralelas, as três componentes

da radiação não se misturam, e podemos trata-las

separadamente. Consideremos inicialmente a

componente e a parede metálica em .

Toda radiação nessa direção que incide sobre a

parede é refletida por ela, e as ondas incidente e

refletida se combinam formando uma onda

estacionária. Como a radiação eletromagnética é

vibração transversal, com o vetor campo elétrico

perpendicular à direção de propagação, e como

a direção de propagação para essa componente é

perpendicular à parede considerada, seu vetor

campo elétrico é paralelo à parede. No entanto,

na parede metálica não pode haver campo elétrico

paralelo à superfície, pois as cargas sempre fluem

de forma a neutralizar o campo elétrico. Portanto,

essa componente de deve ser sempre zero na

parede. Isto é, a onda estacionária associada à

componente da radiação deve ter um nó

(amplitude zero) em . A onda estacionária

também deve ter um nó em , pois não é

possível ai a existência de campo elétrico paralelo

a essa parede. Além disso, condições semelhantes

se aplicam às duas outras componentes.”

(EISBERG; RESNICK, 1994, p. 25)

87

Após esta passagem, que brevemente faz considerações

eletromagnéticas sobre a radiação na cavidade, é realizada a contagem

de modos normais desta radiação em apenas uma dimensão espacial. A

contagem dos modos é necessária, pois, conforme a Teoria Ondulatória,

estes são os graus de liberdade do sistema ondulatório, ou seja, a

maneira como as ondas absorvem energia. Optamos, aqui, por não

transcrever as passagens do livro-texto (1) nesta descrição, pois ela é

semelhante à contagem de modos desenvolvida por Rayleigh e Jeans já

descrita em detalhes no Capítulo 2 desta dissertação.

Em seguida, o resultado do número de modos normais em uma

dimensão é generalizado para o caso tridimensional. Depois, são

realizadas considerações a respeito do equilíbrio termodinâmico do

sistema para que seja possível classificar os modos normais de vibração

como constituintes gerais (entes) de um sistema em equilíbrio

termodinâmico, a fim de que, por fim, possamos utilizar aqui, como

consideraram Rayleigh e Jeans, o princípio da equipartição da energia, e

atribuir

de energia a cada grau de liberdade do sistema, que, no caso

de ondas estacionárias, são os modos normais de vibração. “No entanto, para um sistema contendo um grande

número de entes físicos do mesmo tipo, que estão

em equilíbrio térmico entre si, a uma temperatura

, a física clássica faz uma previsão bem definida

dos valores médios das energias desses entes. Isso

se aplica ao nosso caso, já que o grande número

de ondas estacionárias que constituem a radiação

térmica dentro da cavidade são entes do mesmo

tipo que estão em equilíbrio térmico entre si a

uma mesma temperatura , a temperatura das

paredes da cavidade.” (EISBERG; RESNICK,

1994, p. 31)

Conclusivamente, a fórmula de Rayleigh-Jeans para a densidade

de energia da cavidade é alcançada multiplicando-se o número de ondas

estacionárias no intervalo de frequências pela energia média dessas

ondas, obtendo-se:

( )

(3.1)

O último parágrafo desta sessão trata do episódio conhecido

como Catástrofe do Ultravioleta:

88

“Na figura 1-8 comparamos as previsões dessa

equação com os dados experimentais. A

discrepância é evidente. No limite de baixas

frequências, o espectro clássico se aproxima dos

resultados experimentais, mas, à medida que a

frequência cresce, a previsão teórica vai a infinito.

A experiência nos mostra que a densidade de

energia sempre permanece finita, como é óbvio

que deveria permanecer; na realidade, a densidade

de energia vai a zero para frequências muito altas.

O comportamento grosseiramente não realista da

previsão da teoria clássica para altas frequências é

conhecido na física como a „catástrofe do

ultravioleta‟. O termo sugere e enfatiza a não

validade da teoria clássica nesta região.”

(EISBERG; RESNICK, 1994, p. 31)

Do Capítulo 2 desta dissertação, sabemos que o cerne do

problema reside justamente no princípio da equipartição da energia, que

leva em conta a maneira como os sistemas trocam energia entre si, mas

ao citar a “catástrofe do ultravioleta” e a discrepância experimental,

conforme a última citação, o livro-texto (1) não indica onde está

exatamente localizado o problema. Não está especificado se a

discrepância é causada por imprecisão do equipamento de medida, ou

por alguma falha na teoria eletromagnética, ou alguma consideração na

teoria ondulatória, ou no princípio da equipartição da energia, ou tudo

isso ao mesmo tempo, o que pode gerar confusão para o leitor. Portanto,

não há clareza quanto ao objetivo de discutir a “catástrofe do

ultravioleta” da maneira como foi feito.

Conclusivamente, podemos constatar que a didatização do

livro-texto (1) desenvolve a descrição da função densidade de energia

conforme a abordagem de Rayleigh e Jeans descrita no Capítulo 2 desta

dissertação. Fica evidente também que a Teoria Ondulatória é

predominante durante a descrição e que a ênfase desta abordagem está

no cálculo dos modos normais de vibração. Alguns resultados da Teoria

Termodinâmica são citados ao se definir rapidamente o conceito de

corpo negro, equilíbrio térmico e ao fazer uso do Princípio da

Equipartição da Energia. A Teoria Eletromagnética é citada rapidamente

quando o livro faz uso das condições de contorno das ondas

eletromagnéticas nas paredes metálicas da cavidade. Radiância total,

radiância espectral, lei de Stefan, lei de deslocamento de Wien são

introduzidos a partir de dados experimentais. Dois exemplos numéricos

89

para a utilização da Lei de deslocamento de Wien e Lei de Stefan são

resolvidos.

Tendo agora uma visão geral da sessão dois, novamente

escrevemos a tarefa ( ) que a praxeologia presente na didatização do

livro pretende executar: descrever a função da distribuição espectral da

radiação da cavidade. Para executá-la, o livro-texto (1) constrói um

percurso didático em etapas, isto é, está definindo as etapas da técnica

que utiliza, da qual denominaremos aqui de ( ). Veja que, primeiro,

ele expõe a técnica ( ,) para, depois, comentar sobre a incoerência

entre experiência e saber clássico. Podemos então escrever as três

primeiras etapas da técnica ( ) na seguinte ordem:

1) definir conceitos básicos;

2) desenvolver em detalhes a técnica ( ); 3) comentar sobre incoerência entre experimento e teoria.

3.4.4 Teoria de Planck da radiação de cavidade

A próxima sessão, quarta na sequência, intitula-se “Teoria de

Planck da radiação de cavidade”. Remetendo ao Capítulo 2 desta

dissertação, somos levados a notar certa estranheza neste título, uma vez

que Planck não possui uma teoria para a radiação da cavidade, e sim

para o modelo de cargas oscilantes e suas energias nas paredes dessa

cavidade, o que acaba exemplificando a transformação do saber durante

o processo de sua transposição. A primeira afirmação desta sessão é a

seguinte: “Ao tentar solucionar a discrepância entre a teoria

e a experiência, Planck foi levado a considerar a

hipótese de uma violação da lei de equipartição da

energia sobre a qual a teoria se baseava.”

(EISBERG; RESNICK, 1994, p. 32)

O próximo passo do livro-texto (1) é mostrar de que maneira

Planck foi levado a considerar uma violação no princípio da

equipartição da energia. A próxima citação e a figura 10 tentam mostrar

de que maneira Planck atingiu este feito:

90

Figura 11: Gráfico da radiância espectral segundo os resultados experimentais

em comparação com a previsão de Rayleigh e Jeans (teoria clássica) e sua

respectiva legenda retirados do livro-texto (1).

Fonte: (EISGERG ; RESNICK, 1994, pg. 32).

“Da figura 1.8, é claro que a lei [de Rayleigh e

Jeans] dá resultados satisfatórios para baixas

frequências. Portanto, podemos supor

A discrepância para altas frequências poderia ser

eliminada se houvesse, por algum motivo, um

corte, de forma que

Em outras palavras, Planck descobriu que, nas

circunstâncias que predominam no caso da

radiação de corpo negro, a energia média das

ondas estacionárias é uma função da frequência...

Isso contradiz a lei da equipartição da energia...”

(EISBERG; RESNICK, 1994, p. 32)

Dois comentários são importantes neste ponto. Primeiramente,

não podemos nos esquecer de que as diversas tentativas de Planck para

resolver o problema da Radiação de Corpo Negro basearam-se na Física

Clássica, e as conclusões que ele atinge a partir delas enfatizam a

necessidade de postular algo novo e romper com a velha física. Segundo

citação acima, Planck é levado a esta hipótese de violação analisando simplesmente os limites do gráfico da radiância espectral, como se o

problema fosse resumido a um ajuste de curva. Em segundo lugar,

conforme citação anterior, Planck atinge suas conclusões trabalhando

com o modelo de ondas eletromagnéticas estacionárias na cavidade

91

metálica, o que discorda de seu trabalho original, onde ele modela os

elétrons nas paredes da cavidade como osciladores, conforme visto no

Capítulo 2 desta dissertação. Há, aqui, portanto, uma discordância com

os trabalhos originais, que culminará com a quantização da energia do

campo eletromagnético, e não quantização da energia dos osciladores

nas paredes da cavidade.

Em sequência, o livro-texto (1) frisa a origem da equipartição

da energia através da distribuição de probabilidades de Boltzmann,

distribuição esta deduzida num apêndice no final do livro. Em seguida,

usa-se esta probabilidade para se calcular a energia média, segundo:

∫ ( )

∫ ( )

(3.2)

onde ( ) é a probabilidade de encontrar um dado ente de um

sistema com energia num intervalo . Neste caso, os entes são um

conjunto de ondas estacionárias oscilando em movimento harmônico

simples em equilíbrio térmico em uma cavidade de corpo negro. Por

fim, como os entes de um sistema podem assumir qualquer energia,

somar todas elas é o papel da integral escrita em (3.2).

Em seguida, lê-se a frase: “A grande contribuição de Planck surgiu quando

ele descobriu que poderia obter o corte necessário,

se modificasse o cálculo que leva de ( ) a , tratando a energia como se ela fosse uma

variável discreta, em vez de uma variável

contínua, como sempre foi considerada na física

clássica.” (EISBERG; RESNICK, 1994, p. 33)

Todo o trabalho termodinâmico, estatístico e eletromagnético de

Planck é resumido em uma frase, bastando agora resolver novamente a

equação para , trocando a integral por uma soma discreta, uma vez que

ela não pode mais assumir qualquer valor.

Em seguida, há a passagem: “Planck descobriu que ele poderia obter

quando a diferença entre energias sucessivas for pequena, e quando é grande. Como

ele precisava obter o primeiro resultado para

baixos valores de frequência , e o segundo para

grandes valores de , ele obviamente precisava

fazer de uma função crescente de . Alguns

cálculos lhe mostraram que ele poderia tomar a

relação mais simples possível entre e com

92

essa propriedade. Isto é, ele supôs que essas

grandezas fossem proporcionais.” (EISBERG;

RESNICK, 1994, p. 34 e 35)

Juntamente a este trecho, é apresentada a equação ,

onde é a constante de Planck. Depois, basta utilizarmos a expressão de

com as novas informações, para que seja realizada uma soma e

encontrada a nova expressão para a energia média:

(3.3)

Desta forma, o livro-texto (1) descreve a maneira como Planck

solucionou o problema da Radiação de Corpo Negro, mostrando,

primeiramente, a origem do Princípio da Equipartição da Energia na

Mecânica Estatística, para, depois, introduzir o postulado de Planck e,

finalmente, revisar o Princípio da Equipartição da Energia e recalcular . Logo, a técnica ( ) ganhou mais etapas.

Após conseguir a nova expressão para , o livro-texto trabalha

seus limites, para mostrar sua coerência com resultados experimentais

do gráfico da radiância espectral em função da frequência.

Multiplicando esta nova expressão de (3.3) pelo número de modos

normais de vibrações das ondas na cavidade (3.1), conforme obtido por

Rayleigh e Jeans, escrevemos o espectro de corpo negro de Planck:

( )

(3.4)

Segundo o livro: “Devemos lembrar que Planck não alterou a

distribuição de Boltzmann. „Tudo‟ que ele fez foi

tratar a energia das ondas estacionárias

eletromagnéticas, oscilando senoidalmente com o

tempo, como grandeza discreta em vez de

contínua.” (EISBERG; RESNICK, 1994, p. 37)

Novamente, aqui, é reforçada a ideia de que Planck, em todo

seu trabalho, idealizou um modelo para a radiação, e não para as paredes

da cavidade. Em seguida, como exemplo, é realizado o cálculo

detalhado da expressão a seguir (3.5), que nos dá a energia média,

considerando-se a energia discreta e múltipla de :

∑ ( )

∑ ( )

(3.5)

93

Também como exemplo, é demonstrado o cálculo detalhado de

como escrever o espectro de corpo negro de Planck na variável λ. Ainda

no final da sessão, é comentado, sem detalhes de cálculo, como é

possível deduzir a lei de Stefan e a lei de deslocamento de Wien a partir

do espectro de corpo negro de Planck. Estes exemplos são discutidos

para mostrar que a fórmula de Planck é consistente com os resultados

clássicos já conhecidos. “A lei de Stefan é obtida integrando-se a lei de

Planck sobre todo o espectro de comprimento de

onda. Obtém-se que a radiância é proporcional à

quarta potência da temperatura, sendo a constante

de proporcionalidade identificada

com , a constante de Stefan, que tem o valor

determinado experimentalmente de . A lei de deslocamento de Wien é obtida

fazendo-se ( ) . Encontramos

, e identificamos o lado

direito desta equação com a constante de Wien,

determinada experimentalmente como sendo

. Usando-se esses dois valores

medidos, e supondo-se um valor para a velocidade

da luz, podemos calcular os valores de e . De

fato, isto foi feito por Planck, estando os valores

obtidos bastante próximos dos obtidos

posteriormente por outros métodos.” (EISBERG;

RESNICK, 1994, p. 39)

3.4.5 O uso da lei da radiação de Planck na termometria

Na sequência, a sessão cinco, intitulada “O uso da lei da

radiação de Planck na termometria”, discute o princípio de

funcionamento do pirômetro óptico para aferir a temperatura de corpos

aquecidos. Esse exemplo se justifica por ser possível utilizar a equação

de Planck numa aplicação prática e pelo auxílio da termometria na

descoberta da radiação cósmica de fundo em micro-ondas.

3.4.6 O postulado de Planck e suas implicações

A sessão seis, intitulada “O postulado de Planck e suas

implicações”, generaliza o postulado de Planck e discute basicamente

94

suas implicações em sistemas macroscópicos, generalizando o termo

“coordenada” para “qualquer quantidade que descreva a condição

instantânea do ente”. Vide citação a seguir: “Qualquer ente físico com um grau de liberdade

cuja „coordenada‟ é função senoidal do tempo

(isto é, executa oscilações harmônicas simples)

pode possuir apenas energias totais e que

satisfaçam a relação , onde

é a frequência de oscilação, e uma constante

universal.” (EISBERG; RESNICK, 1994, p. 40)

É importante frisar que, conforme obtido no Capítulo 2 dessa

dissertação, o postulado de Planck refere-se a um sistema vibratório

material, o que não inclui as ondas eletromagnéticas. O trecho citado

anteriormente parece ser introduzido a fim de generalizar o postulado

para abranger qualquer “ente” de um sistema que oscile, inclusive a luz.

Não há discussão profunda sobre as origens dessa generalização, e

novamente neste ponto é reforçada a ideia de que Planck introduz o

postulado a fim de quantizar as ondas eletromagnéticas. Esta sessão seis

do livro-texto (1) é encerrada com breve discussão de um exemplo de

sistema macroscópico: o pêndulo simples.

3.4.7 Um pouco de história da física quântica

Já na sétima e última sessão deste capítulo, intitulada “Um

pouco de história da física quântica”, o livro comenta de forma

superficial sobre o percurso historicamente trilhado por Planck e escreve

sobre a não generalidade do postulado em seu trabalho original. A

citação ainda não deixa claro quem ou de que maneira é possível

ampliar a abrangência do postulado: “Em sua forma original, o postulado de Planck

não era tão abrangente quanto na forma em que

expusemos. O trabalho inicial de Planck foi feito

tratando, detalhadamente, o comportamento de

elétrons nas paredes do corpo negro e seu

acoplamento ou interação com a radiação

eletromagnética dentro da cavidade. Este

acoplamento leva ao mesmo fator que

obtivemos se partirmos de argumentos mais

gerais, devido a Rayleigh e Jeans. Através deste

acoplamento, Planck associou a energia a uma

dada frequência da radiação de corpo negro à

energia de um elétron na parede oscilando

95

senoidalmente com a mesma frequência, e ele

postulou apenas que a energia da partícula

oscilante é quantizada. Somente mais tarde foi que

Planck aceitou a ideia de que as próprias ondas

eletromagnéticas eram quantizadas, e o postulado

foi ampliado de forma a incluir qualquer ente cuja

coordenada oscilasse senoidalmente.” (EISBERG;

RESNICK, 1994, p. 42)

A análise do capítulo 1 do livro-texto (1) encerra-se aqui.

3.5 A técnica ( ) do livro-texto (1)

Agora, é possível escrever todas as etapas da técnica ( )

adotada pelo livro-texto (1):

1) Definir conceitos básicos;

2) Descrever a técnica de Rayleigh e Jeans ( ); 3) Comentar sobre a incoerência entre o experimento e o saber

clássico;

4) Mostrar a origem do Princípio da Equipartição da Energia na

Mecânica Estatística;

5) Introduzir o postulado de Planck;

6) Revisar o Princípio da Equipartição da Energia para recalcular

; 7) Multiplicar número total de modos normais das ondas na

cavidade pela nova expressão de ; 8) Trabalhar os limites da expressão de Planck;

9) Generalizar o postulado de Planck.

Utilizando esta técnica ( ), o livro-texto (1) realiza a tarefa

( ): descrever a função da distribuição espectral da radiação da

cavidade. Apesar de justificar essa didatização adotada por ser útil em

outros capítulos, o livro-texto (1) aparentemente a escolheu por ser uma

maneira bastante didática (simples e rápida) de deduzir a expressão de

Planck para a Radiação de Corpo Negro. É importante, neste ponto,

sintetizarmos o percurso didático e os demais exemplos discutidos ao

longo da análise nessa Etapa 1 num esquema que facilite a sua

visualização. Este esquema também foi montado propositalmente para

destacar os exemplos trabalhados pelo livro-texto (1) ao longo do

percurso. Tal destaque auxilia a análise dos demais dados nas próximas

etapas metodológicas.

96

Quadro 3: esquema que sintetiza a técnica ( ) utilizada pelo livro-texto (1)

para deduzir a fórmula de Planck. Nele, destacamos os exemplos trabalhados ao

longo do Capítulo 1 do livro-texto (1), o percurso seguido por ele e as

respectivas etapas da técnica ( ) associadas ao percurso.

Fonte: dados da pesquisa

97

Os exemplos discutidos ao longo do Capítulo foram

propositadamente não incluídos na técnica ( ). Isso se deve ao fato

que, como será discutido na próxima etapa, somente o conhecimento de

tais exemplos é suficiente para a realização de muitas tarefas, reduzindo

a utilidade da técnica ( ) em resolver tarefas propostas. A didatização

trazida pelo livro-texto enfatiza o bloco tarefa-técnica [ , ]. Com isso, fica caracterizado o saber a ser ensinado segundo a

didatização presente no livro-texto (1), que, conforme nossa análise,

privilegia a Teoria Ondulatória e a Mecânica Estatística. Uma pessoa

(X) pertencente a uma instituição disciplina que se relaciona com o

objeto RCN da maneira como foi identificada, pode criar uma relação

pessoal com este objeto RCN com ênfase na Teoria Ondulatória e

técnica de contagem de modos normais de vibração numa cavidade.

Também constatamos que a técnica descrita acaba quantizando o campo

eletromagnético, ou as ondas eletromagnéticas, e não a energia dos

osciladores nas paredes da cavidade. Portanto, fica assim definido o que

a pessoa vai aprender.

O livro-texto (1) procede desta maneira, pois aparentemente sua

pretensão é deduzir o mais rápido possível a fórmula de Planck. Este

percurso caracteriza a relação institucional do livro-texto (1) com o

objeto Radiação de Corpo Negro. Na próxima Etapa, vamos analisar as

tarefas ( ) e tipos de tarefas ( ) propostas para este conteúdo transposto

na técnica ( ).

3.6 Etapa 2: Categorização das tarefas ( ) e tipos de tarefas ( )

Primeiramente, é feita a contagem das Tarefas ( ) e Tipos de

Tarefas ( ) identificadas no material coletado. Notemos que os

elementos que constituem este material aparecem em momentos de

estudos diferentes durante a apresentação do tópico RCN; momentos

que abrangem as relações entre a tríade aluno-saber-instituição. As listas

de exercícios caracterizam o momento de estudo do aluno e a relação

estudante-saber, enquanto que as provas são posteriores e caracterizam o

momento de avaliação da instituição. As listas de exercícios balizam o

aluno sobre o que o professor considera importante, enquanto que as

provas contêm aquilo que o aluno “deveria saber”. Em consequência, os elementos do material coletado ficam

assim classificados: provas, livros-textos e listas de exercícios. Em cada

um deles, um problema ou questão pode dar origem a diferentes tarefas

98

( ), que, por sua vez, podem ser agrupadas em Tipos de Tarefas ( ). Por

exemplo, nos livros-textos, encontramos o seguinte exercício: “Encontre da radiação de corpo negro para (a)

(b) e (c) .”

Neste exercício são identificadas três Tarefas ( , , ) representadas ali pelos itens “a”, “b” e “c”, que se enquadram num

mesmo Tipo de Tarefa ( ): calcular dada a temperatura do corpo

negro. Neste próximo exemplo, em uma das provas, encontramos o

seguinte exercício: “Suponha que a temperatura do filamento de uma

lâmpada incandescente de 50 W é de

aproximadamente 3.000 K. Supondo que o

filamento se comporte como um corpo negro: (a)

determine o comprimento de onda no máximo

da distribuição espectral. (b) determine a

frequência máxima no máximo da distribuição

espectral;”

Nesse caso, identificamos no exercício duas tarefas ( ) ali

representadas pelos itens “a” e “b”, respectivamente: em “a”, calcular

dada a temperatura do corpo negro, e em “b”, calcular a frequência

no máximo de distribuição a partir da temperatura ou . Em

princípio, ( ) podem ser enquadradas, respectivamente, em:

( ) (calcular dada a temperatura do corpo negro); novo tipo

de tarefa ( ) (calcular dada a temperatura do corpo negro). Porém,

( ) e ( ) são semelhantes, bastando utilizar a Lei de Deslocamento de

Wien para resolvê-las. Portanto, podemos ainda enquadrar as tarefas

( , , , , e ) no mesmo tipo de tarefa ( ): calcular , ou

temperatura a partir da Lei de Deslocamento de Wien. As Tarefas ( ), Tipos de Tarefas ( ) e os exercícios coletados encontram-se no anexo 2.

A tabela abaixo mostra a contagem de exercícios, tarefas ( ) e tipos de

tarefas ( ) dos elementos ou objetos provas, livros-textos e lista de

exercícios.

99

Tabela 1: Quantidade de Exercícios, Tarefas e Tipos de Tarefas encontrados em

provas, livros-textos e listas de exercícios.

Atividades

Objetos dos diferentes momentos didáticos

TOTAL Provas

Livro-Texto

(1)

Livro-Texto

(2)

Lista de

exercícios

Exercícios 11 38 12 11 72

Tarefas 37 48 25 23 133

Tipos de

Tarefas 14 38 9 9

70

Fonte: Dados da pesquisa.

Na tabela 1, considerando todos os objetos coletados, contamos

133 tarefas que agrupamos em 70 tipos de tarefas. Destes 70 tipos de

tarefas, algumas se encontram repetidas em objetos diferentes. Da

mesma tabela, notamos que o livro-texto (1) consegue diversificar mais

os Tipos de Tarefas que os demais objetos listados. Podemos considerar

que muitas tarefas categorizadas em poucos tipos de tarefas exigem do

aluno a repetição da mesma atividade diversas vezes. Em si, a repetição

não é ruim, uma vez que, para o registro da atividade, é necessário que o

aluno repita a operação algumas vezes. Porém, o que seria ideal evitar é

a utilização absoluta de uma mesma técnica, sem a exploração de outra.

Para expor os saberes presentes nos Tipos de Tarefas ( ), os

classificamos segundo Tipos de Atividades mais comuns praticadas

durante a resolução dos exercícios num curso de Física. Algumas

categorias são baseadas em Kurnaz e Arslan (2009). São elas: Tipos de

Tarefas que envolvem Cálculo, Interpretação-Explicação, Construção de

Gráficos, Análise de Gráficos e Análise-Interpretação de Dados

Experimentais. Vide tabela 2 a seguir.

100

Tabela 2: quantidade de Tipos de Tarefas segundo tipos de atividades, de forma

que a porcentagem refere-se à quantidade total de Tipos de Tarefas em cada

objeto da tabela 1 anterior.

Tipos de

Atividades

Quantidade de Tipos de Tarefas TOTAL

Provas Livro (1) Livro (2) Lista

Cálculo 8 (57%) 16 (42%) 7 (77%) 8 (89%) 39

Interpretação-

Explicação 4 (29%) 22 (58%) 2 (23%) 0 28

Construção

Gráfica 1 (7%) 0 0 1 (11%) 2

Análise de

Gráficos 1 (7%) 0 0 0 1

Análise-

interpretação de

dados

experimentais

0 0 0 0 0

Fonte: Dados da pesquisa.

Os Tipos de Tarefas que envolvem Cálculo englobam aquelas

que exigem manipulação de equações ou substituição de valores

numéricos nas expressões e fórmulas, originando como resposta um

valor numérico ou uma expressão matemática. Tarefas Interpretação-

Explicação são aquelas que exigem discussão dos conceitos ou

discussão dos significados das grandezas físicas e explicação e

justificação das respostas, sendo algumas difíceis e emblemáticas. As do

tipo Construção de Gráficos são tarefas que exigem construção de

gráficos no plano cartesiano e conhecimento das propriedades de

derivação, integração, inclinação das curvas, máximos e mínimos,

enquanto que Análise de Gráficos são tarefas que conectam os gráficos

com significados de conceitos físicos e suas interpretações. Tarefas que

apresentam dados experimentais e os conecta com conceitos e os

significados destes conceitos enquadram-se no Tipo de Tarefas Análise-

Interpretação de Dados Experimentais.

Da Tabela 2, concluímos que tipos de tarefas que exigem

cálculo são as mais priorizadas em todo o material coletado, exceto no

livro-texto (1), ou seja, o bloco tarefa-técnica [ , ] é privilegiado. Logo,

tipos de tarefas que envolvem cálculo devem ser analisados com maior rigor, a fim de expor os saberes ali envolvidos. Também, notamos na

tabela 2, que os tipos de tarefas que exigem interpretação-explicação

somam um número expressivo. Logo, também é interessante analisá-los

mais a fundo.

101

Ainda em relação à tabela 2, notamos que tipos de tarefas que

exigem análise e conhecimento gráfico são praticamente inexistentes

(elas representam

ou do total dos Tipos de Tarefas em todo o

material coletado), e tipos de tarefas que poderiam permitir analisar ou

interpretar dados experimentais não estão presentes.

3.6.1 Tipos de Tarefas que envolvem cálculo

Explorando melhor a categoria cálculo, é possível classificá-las

segundo as fórmulas utilizadas e manipuladas. Encontramos aqui os

resultados mais famosos da teoria da Radiação de Corpo Negro,

conforme descrito no Capítulo 2 desta dissertação. Vide tabela 3 a

seguir.

Tabela 3: Quantidade de vezes que as fórmulas e expressões são utilizadas no

cálculo de determinado Tipo de Tarefa que envolve Cálculo. Nesta tabela, é

levado em conta que alguns tipos de tarefas fazem uso de duas expressões ou

mais.

Fórmulas

Quantidade de vezes que a fórmula é

utilizada para a realização dos Tipos de

Tarefas ( ) que envolvem cálculo TOTAL

Provas

Livro-

texto

(1)

Livro-

texto (2) Lista

Lei de Planck 2 4 4 3 13

Lei de Deslocamento

Wien 1 3 2 3

9

Lei Stephan-

Boltzmann 1 3 2 2

8

Outros 2 4 1 0 7

Valor médio 0 5 0 0 5

Relação de Kirchhoff 2 0 0 0 2

Lei de Rayleigh-

Jeans 0 1 0 0

1

Fonte: Dados da pesquisa.

Na Tabela 3, a categoria “outros” engloba conhecimentos gerais

pouco importantes ou alheios ao conteúdo Radiação de Corpo Negro,

como a aplicação direta de regras de três, relação fundamental da

ondulatória, fórmulas sobre Relatividade, constante solar e resolução de

integrais em geral. Tais conhecimentos são encontrados nas provas e

102

significam pouco para a teoria da RCN discutida em sala. O cálculo do

valor médio é cobrado 5 vezes em tarefas presentes no livro-texto (1), o

que tende a reforçar sua própria técnica ( ), porém parece ser

estranho às atividades trabalhadas em sala e desinteressante para as

provas, conforme podemos ver da tabela 3.

Apesar de as tarefas que envolvem cálculo aparentemente serem

executadas de poucas maneiras, pode haver ainda um caráter

interpretativo na manipulação das equações, permitindo conduzir o

aluno a uma discussão mais profunda. Não somente isso: ao executar

um tipo de tarefa que envolve cálculo, podemos esperar que o aluno

aprenda determinadas técnicas de cálculo, que explore equações

fundamentais, que ele desenvolva uma interpretação física sobre o tema

através da análise do conceito e equações em diferentes contextos,

situações e limites. Na tabela a seguir, classificamos as tarefas ( ) que

envolvem Cálculo segundo a maneira como os conceitos físicos são

explorados durante a realização da tarefa. São eles: manipulação das

equações, exploração de relação entre conceitos, exploração do

significado dos conceitos e exploração de significados na relação entre

conceitos.

Tabela 4: Classificação das tarefas ( ) que envolvem cálculo conforme o modo

como exploram os conceitos físicos envolvidos na resolução das mesmas. A

porcentagem em cada coluna é sempre referente ao TOTAL na última linha.

Categorias

Quantidade de tarefas ( ) Quantidade

total Provas

Livro-

texto

(1)

Livro-

texto

(2)

Lista

Manipulação das

equação

15

(68%)

8

(44,5%)

14

(61,1%)

16

(73%)

53

(62%)

Exploração de

relação entre

conceitos

5

(23%)

2

(11,1%)

6

(26%)

5

(23%)

18

(21%)

Exploração de

significado dos

conceitos

2

(9%)

3

(16,7%)

1

(4,3%)

1

(4%)

7

(8,5%)

Exploração de

significado na

relação entre

conceitos

0 5

(27,7%)

2

(8,6%) 0

7

(8,5%)

TOTAL 22 18 23 22 85

Fonte: Dados da pesquisa.

103

Conforme a tabela 4, mais da metade do cálculo presente no

material coletado prioriza a manipulação das equações, isto é, a

substituição de valores numéricos em fórmulas prontas buscando um

resultado numérico final tão somente e também a manipulação algébrica

de equações que necessitam de conhecimento matemático, mas não a

necessidade de conhecimento conceitual aprofundado. Nesta categoria,

grande parte das tarefas necessita da lei de deslocamento de Wien, Lei

de Planck e Lei de Stefan-Boltzmann para serem executadas, o que está

de acordo com a tabela 3.

Na categoria “exploração de relação entre conceitos”, são

enquadradas tarefas que envolvem mais de uma fórmula ou conceito

para serem executadas. Na categoria “Exploração de significado dos

conceitos”, são enquadradas as tarefas cujas equações, ou até mesmo a

resposta numérica final, trazem um significado ou conceito importante

para realização da tarefa, os quais não podem ser negligenciados. Nas

provas, as questões de Cálculo que exploram o significado dos conceitos

são minoria, sendo que a única questão encontrada, que envolve o

conceito de equilíbrio térmico, está citada a seguir: Um corpo negro (c.n.) esférico (com raio r = 10

cm) está em equilíbrio térmico. Sua temperatura é

mantida em 1000 K devido a um feixe de luz que

incide diretamente sobre ele. Qual a potência

irradiada pelo c.n.? Qual a energia irradiada em 10

s? Qual a energia absorvida pelo corpo negro em

10 s?

O livro-texto (1) ainda diversifica um pouco mais as tarefas. Em

algumas, ele tenta explorar os conceitos que envolvem RCN em

situações físicas distintas. Na tarefa citada a seguir, o livro tenta utiliza a

Lei de Stefan, que no seu texto é pouco explorada, juntamente com a

equivalência massa-energia; resultado da relatividade restrita não

explorado no texto: (a) Supondo que a temperatura da superfície do

sol é 5700 K, use a lei de Stefan, para determinar

a massa de repouso perdida por segundo pelo sol

sob forma de radiação. Considere o diâmetro do

sol como sendo . (b) Que fração da

massa de repouso do sol é perdida a cada ano sob

forma de radiação eletromagnética? Considere a

massa de repouso do sol sendo . É natural que o livro-texto extrapole o conhecimento

desenvolvido por ele para aspectos não tocados anteriormente. Uma

finalidade para tal extrapolação é a sondagem do grau de apropriação do

104

conhecimento pelo aluno. Mas, é possível notar que, para as questões

que exploram o significado dos conceitos e o significado na relação

entre conceitos, semelhantes à citada anteriormente, não é possível

desenvolver uma resposta satisfatória apenas com a leitura do livro-texto

(1) e de sua técnica ( ), pois os conhecimentos necessários para

responder estes tipos de tarefas encontram-se fora do percurso didático

escolhido pelo livro e envolvem conceitos que não estão presentes na

leitura. Outras tarefas desta categoria estão listadas no anexo 2.

3.6.2 Tipos de Tarefas Interpretação-Explicação:

Diferentemente das tarefas que envolvem prioritariamente o

cálculo, Interpretação-Explicação são questões conceituais, necessitam

de aprofundamento teórico e possuem potencial de explorar o

significado dos conceitos e a relação entre eles, enfatizando, portanto, o

bloco tecnologia-teoria [ , ] da praxeologia. Porém quando tentamos

respondê-las, alguns imprevistos aparecem. Abaixo, encontramos alguns

exemplos de exercícios que contêm tarefas agrupadas em Interpretação-

Explicação presentes no livro-texto (1): “Um corpo negro sempre apresenta ser negro?

Explique o termo corpo negro.”

Nesta pergunta, não fica clara a intenção do autor, pois pode

gerar uma resposta superficial e mecânica, bastando repetir a definição

do livro. Mesmo assim, utilizando-se apenas o livro-texto (1), há a

possibilidade de confusão. Segundo a definição do livro, corpos negros

“são corpos cujas superfícies absorvem toda a radiação térmica

incidente sobre eles. O nome é apropriado porque esses corpos não

refletem a luz e são negros.” Tal sentença sugere que este objeto teórico

é sempre negro. Adiante, introduz-se o conceito de radiação de cavidade

e de corpos negros considerados como cavidades. No entanto, o livro-

texto utiliza a estrela Sol ou um atiçador de ferro no fogo como

exemplos de corpos negros. Como o aluno enfrenta o fato de o Sol não

ser negro e poder ser modelado como um corpo negro? Esta questão

pode surgir da pergunta colocada na prova e suscita nova investigação,

não podendo ser respondida nesta dissertação.

Vejamos a próxima questão abaixo, também presente no livro-

texto (1): “Mostre que a constante de Planck tem dimensões

de momento angular. Isso necessariamente sugere

que o momento angular é quantizado?”

105

Neste caso, apesar de tratar-se do conteúdo do capítulo, é

necessário profundo conhecimento de espaço de fase para que uma

resposta satisfatória seja construída, mas o livro-texto (1) não dá

subsídios para tanto. Apesar de que apenas uma análise dimensional da

constante de Planck mostre a igualdade da sua dimensão com a do

momento angular, quais argumentos devem ser considerados para uma

resposta completa? Na questão a seguir, encontramos o mesmo

problema: “As partículas elementares parecem ter um

conjunto discreto de massa de repouso. Pode-se

encarar esse fato como uma quantização da

massa?”

A análise segundo o livro não leva a uma discussão profunda

sobre o que é quantização e quais grandezas são quantizadas. Como se

vê historicamente, nem mesmo Planck considera sua solução suficiente

para implicar a quantização da luz, então parece que podemos esperar

muito pouco de outras grandezas ou sistemas físicos. Como o aluno

pode então discutir a colocação desta questão? Quais os parâmetros

sobre os quais os alunos poderiam se apoiar para concluir positivamente

ou negativamente esta questão? Tais parâmetros não parecem estar

nessa didatização do livro-texto (1). O ponto central é que, sem

parâmetros para sequer pensar sobre o assunto, resta pouco ao aluno.

Estes três exemplos acima são típicos do livro-texto (1). Neles,

notamos claramente um caráter subjetivo, cuja técnica descrita pelo

livro-texto (1) e os exemplos por ele apresentados no capítulo não são

suficientes para que uma pessoa, que só tenha seguido o livro-texto (1),

consiga desenvolvê-los por completo, dependendo praticamente do

apoio do professor. Esta conclusão é facilmente estendida às demais

tarefas Interpretação-Explicação presentes no livro-texto (1). Em

particular, vamos comentar a questão a seguir, também do livro-texto

(1): ela foi repartida em três tarefas, onde uma delas exige cálculo e

explora significados nas relações entre os conceitos físicos para ser

respondida, e as outras duas tarefas são de Interpretação-Explicação.

Segue a questão: “Considere duas cavidades de material e formato

arbitrários, as duas a uma mesma temperatura T,

ligadas por um tubo estreito no qual podem ser

colocados filtros de cor (supostos ideais) que vão

permitir a passagem apenas de radiação com uma

dada frequência . (a) Suponha que em uma certa

freqüência , ( ) para a cavidade 1 seja

maior que ( ) para a cavidade 2. Um filtro

106

que permite a passagem apenas da frequência é

colocado no tubo que liga as duas cavidades.

Discuta o que vai acontecer em termos de fluxo de

energia. (b) O que vai acontecer com as

respectivas temperaturas? (c) Mostre que isto

violaria a segunda lei da termodinâmica; portanto,

prove que todos os corpos negros a uma mesma

temperatura devem emitir radiação térmica com o

mesmo espectro, independentemente dos detalhes

de sua composição.”

A essência deste problema aparece na discussão de Kirchhoff

sobre o corpo negro, conforme descrito no Contexto da Ruptura, no

Capítulo 2. Mas, no livro-texto (1), esta discussão é citada muito

rapidamente na forma de exemplo. Nota-se também que, para responder

satisfatoriamente o que foi colocado, é necessário algum conhecimento

de Termodinâmica, cujo conteúdo em nenhum momento foi trabalhado

no texto em profundidade suficiente para que pudesse gerar uma

resposta.

Nas provas da disciplina encontramos outros tipos de tarefas

Interpretação-Explicação baseadas no livro-texto (1) da disciplina. São

elas: “Explique o que é a „catástrofe do ultravioleta‟.”

“Explique sucintamente as principais diferenças

entre a teoria clássica da radiação e a teoria de

Planck.”

“O problema da teoria clássica da radiação estava

no cálculo do número de modos dos ressonadores

ou na energia por modo? Diga o porquê da sua

resposta.”

“Defina corpo negro e radiação de cavidade.”

Estas questões são dissertativas e envolvem sem sombra de

dúvida mobilização de conceitos, mas são desbalanceadas. Enquanto a

primeira exige o conhecimento sobre a catástrofe, isto é, a sua descrição,

clareza sobre as hipóteses (condições físicas supostas), clareza sobre as

implicações e finalmente explanação dos paradoxos e problemas

gerados por estas consequências, a segunda exige, praticamente, uma

revisão de toda a seção. Como o texto dá ênfase ao processo de

construção da fórmula de Planck, há o temor que as diferenças sejam

explicadas apenas pelo contraste das fórmulas com os dados

experimentais. Uma das perguntas envolve de forma intrigante o

número de modos dos ressonadores (aparentemente osciladores das

paredes), mas o desenvolvimento utilizado fala sempre em ondas

107

estacionárias. As respostas a estas questões daria uma dissertação sobre

o tema. Esses tipos de tarefas encontram-se repetidos nas provas e,

certamente, para afirmações mais diretas, deve ser investigado o que o

professor esperaria como resposta a elas para enfim afirmar

veementemente se há alguma espécie de tentativa de quebra da tradição

ou não.

108

109

4. CONCLUSÕES

4.1 O que se ensina

Da análise apresentada neste trabalho, mostramos que a

didatização do tópico RCN presente no livro-texto (1) concede ênfase

maior na Teoria Ondulatória, prioriza, em parte, a contagem de Modos

Normais de Vibração da radiação eletromagnética contida na cavidade,

conforme executado por Rayleigh e Jeans e exposto no Capítulo 2 desta

dissertação; enfatiza a Mecânica Estatística como base teórica para o

cálculo da energia média dos modos normais de vibração; não enfatiza a

teoria Eletromagnética, apesar de comentar alguns resultados; e não cita

a Teoria Termodinâmica. Não há detalhamento do modelo utilizado por

Planck (paredes da cavidade como cargas oscilando), apenas breve

citação. O postulado de Planck parece surgir da análise dos limites de

gráficos experimentais, e ser inserido providencialmente, a fim de

resolver o cálculo da energia média dos modos normais das ondas em

concordância com os dados experimentais, isto é, sem justificativas

teóricas profundas.

As definições inseridas a priori nas sessões iniciais do livro-

texto (1) não discutem o objeto teórico corpo negro, a Lei de

Deslocamento de Wien e a Lei de Stefan-Boltzmann a partir de

fundamentos termodinâmicos ou eletromagnéticos. O livro-texto (1)

apenas relaciona essas leis com o gráfico da radiância espectral para

dizer que são leis verificadas experimentalmente. Isso as tornam isentas

de significados termodinâmicos ou eletromagnéticos mais profundos, e,

como visto, quando é exigido conhecimento detalhado desses conceitos

em tipos de tarefas Interpretação-Explicação, não há como aprofundar a

resposta.

Os exemplos numéricos no decorrer da técnica do livro-texto

(1) exploram o cálculo (manipulação da equação para atingir um

resultado numérico ou uma equação final) (vide Figura 11 e tabela 4), e

a técnica ( ) adotada pelo livro-texto (1) segue as etapas:

1) Definir conceitos básicos;

2) Descrever a técnica de Rayleigh e Jeans ( ); 3) Comentar sobre a incoerência entre o experimento e o saber

clássico;

4) Mostrar a origem do Princípio da Equipartição da Energia na

Mecânica Estatística;

5) Introduzir o postulado de Planck;

110

6) Revisar o Princípio da Equipartição da Energia para recalcular ; 7) Multiplicar número total de modos normais das ondas na

cavidade pela nova expressão de ; 8) Trabalhar os limites da expressão de Planck;

9) Generalizar o postulado de Planck.

Utilizando esta técnica, o livro-texto (1) realiza a tarefa ( ): descrever a função da distribuição espectral da radiação da cavidade. No

decorrer do desenvolvimento da técnica ( ), o livro-texto (1)

apresentou a quantização da energia como sendo a energia das ondas

eletromagnéticas, e não as energias dos osciladores nas paredes de uma

cavidade ou corpo negro, conforme Planck.

Diante disto, é possível concluir que a didatização presente no

livro-texto (1) explora o resultado da técnica e não a técnica em si, isto

é, prioriza o bloco tarefa-técnica [ , ] da praxeologia, o que justifica o

fato de ele deduzir de maneira rápida e prática a fórmula de Planck e de

definir os conceitos de corpo negro e sua relação com equilíbrio térmico,

Lei de Deslocamento de Wien e Lei de Stefan-Boltzmann da maneira

como fez. Esta ênfase torna-se mais evidente a partir da análise das

tarefas propostas.

Com relação às atividades propostas para os estudantes, tarefas

que exigem cálculo são as mais comuns, seguidas das tarefas de

Interpretação-Explicação. Como vimos nas tabelas 3 e 4, conceitos

como Lei de Planck, Lei de deslocamento de Wien, Leis de Stefan-

Boltzmann, são os mais cobrados nas tarefas de cálculo e, quando

cobrados, seguem o padrão dos exemplos discutidos no decorrer do

texto do livro-texto (1). Dessa maneira, utilizá-las em cálculos repetidas

vezes pode levar o aluno a sua memorização tão somente. Os exemplos

destacados na figura 11 da Etapa 1 foram escritos de modo a não

pertencerem à técnica ( ) do livro-texto (1). Como eles são

suficientes para a resolução de grande parte das tarefas que envolvem

cálculo, podemos dizer que a técnica ( ) do livro-texto 1 não é útil

para resolver os Tipos de Tarefas que envolvem Cálculo.

Nota-se também que a Equação de Rayleigh e Jeans é

mencionada apenas uma vez nas atividades de Cálculo. Porém, é nela

que encontramos um ponto de conflito entre a teoria Clássica e a

Mecânica Quântica, o que pode levar a discutir aspectos relevantes da Ruptura. Também, podemos dizer que no momento de interação entre

aluno e conhecimento, representado pelos exercícios dos livros-textos

(1) e listas de exercícios, não há a utilização da técnica ( ) do próprio

livro, com exceção do cálculo do valor médio (tabela 3).

111

É justo notar que, se, por um lado, a lista de exercícios é uma

particularidade do professor, por outro, esta particularidade se destaca

pouco ou deixa de ser particular quando constatamos que a lista possui

quase que inteiramente atividades semelhantes às do livro-texto e

exploram prioritariamente o cálculo (tabelas 2 e 3). Seria uma forte

manifestação da força da instituição disciplina em impor uma

praxeologia padrão a ser seguida?

Como visto da tabela 2, as provas (momento de avaliação

daquilo que a instituição disciplina considera que o aluno deveria

conhecer ou aprender) priorizam o cálculo, cujas tarefas configuram

mais da metade das atividades, assemelhando-se à distribuição de tarefas

do livro-texto (2), às listas de exercícios e exercícios resolvidos do livro-

texto (1). Novamente, a particularidade do professor, que poderia estar

presente nas provas, não é notada.

Mostramos também que, diferentemente da maioria das tarefas

de cálculo, os tipos de tarefas Interpretação-Explicação necessitam de

aprofundamento nos conceitos que nos instrumentalizam para resolvê-

las. Isso significa que, para realizar tipos de tarefas ( ) Interpretação-

Explicação presentes no próprio livro-texto (1), é necessário que se

conheça e se discuta a tecnologia ( ) e a teoria ( ), isto é, o modelo

praxeológico por completo. As questões discutidas no capítulo 3 desta

dissertação exigem que se conheça e entenda a fundo os conceitos de

equilíbrio térmico, radiação térmica, Lei de deslocamento de Wien, etc.,

mas, quando tais conceitos são transpostos pelo livro-texto (1), acabam

sendo apenas definidos, e não discutidos, dando-se pouca ênfase ao

bloco tecnologia-teoria [ , ] da praxeologia.

As tarefas interpretação-explicação têm potencial para discutir

aspectos profundos do contexto da ruptura definido neste trabalho.

Como extrapolação de nossos resultados, e assumindo que,

tradicionalmente, os conteúdos de Física são transpostos e cobrados com

ênfase no cálculo, é possível dizer que o livro-texto (1) apresenta uma

tentativa de quebra de tradição, mas da maneira como apresenta a

didatização do tópico RCN, pode ocasionar uma forma de rejeição aos

tipos de tarefas Interpretação-explicação, uma vez que os alunos podem

encontrar grande dificuldade em respondê-las somente com a técnica

( ) do livro-texto (1).

112

4.2 A tradição de ensino e considerações finais

Mostramos que a didatização de um tópico presente em um

livro-texto referência no ensino de Física Moderna e Contemporânea

adotado em diversas Universidades brasileiras não é satisfatório para

discutir aspectos importantes do ponto de ruptura entre Física Clássica e

Mecânica Quântica estabelecido neste trabalho. Esta transposição

privilegia o cálculo.

A “fixação” por atividades que envolvem cálculo aparece em

outros trabalhos e objetos de ensino na física, o que indica forte ênfase

neste tipo de atividade dentro da tradição de ensino de física (KURNAZ;

ARSLAN, 2009) (PIETROCOLA; BROCKINGTON, 2005).

Mostramos que esta ênfase também ocorre no tópico RCN, inserido

numa disciplina que tem características especiais, pois trata do contexto

da construção de um conhecimento. Os conteúdos visados em Física

Moderna e Contemporânea que tratam do momento de Ruptura, além de

apresentarem problemas intrínsecos devidos às peculiaridades dos

fenômenos Quânticos, enquadram-se no contexto da descoberta,

enquanto que o ensino trata tradicionalmente do contexto da

justificativa. Nossa análise parece indicar que há uma tentativa de

adequação do tópico RCN ao modelo tradicional utilizado em outros

conteúdos da física, como se estivéssemos assumindo uma única

maneira de se ensinar física: ênfase em cálculo ou bloco tarefa-técnica

[ , ] da praxeologia proposta.

É notável, por exemplo, que um livro-texto recente, que traz

contexto histórico, que se aproxima mais do contexto da descoberta e

que apresenta o tópico RCN a partir da abordagem de Planck, isto é, que

desenvolve o conteúdo do ponto de vista teórico e das técnicas de

Planck, enfatizando a Termodinâmica, como é o caso do livro “Física

Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos”, dos autores

Francisco Caruso e Vitor Oguri, sugerido para a disciplina Estrutura da

Matéria 1 da UFSC, não seja citado pelos professores que ministram ou

já ministraram a disciplina, nem esteja presente em grande parte das

ementas de disciplinas de cursos similares em outras universidades

brasileiras.

Quanto ao referencial teórico da Teoria Antropológica da Didática, mostramos sua potencialidade na análise das propostas

didáticas que são hegemônicas no ensino de física moderna. Outro

apontamento relevante é a sutileza em colocar a pessoa professor em

segundo plano, pois o que analisamos são os parâmetros institucionais

113

que acabam por definir o professor, definir o que há de fundamental em

sua prática. Não estamos desprezando o sujeito professor, estamos

apenas falando sobre ele de uma maneira geral. Os professores que

possuem aulas diferentes e que trabalham o conteúdo de maneira

singular ou enfatizam o bloco tecnologia-teoria [ , ] da praxeologia

não caracterizam a tradição de ensino que estamos apontando, e a

tentativa deste professor de escapar da tradição cai por terra quando a

prova ou avaliação dele acaba por basear-se inteiramente no livro-texto

da disciplina. O que caracteriza a tradição de ensino são as tarefas ( ), técnicas ( ), tecnologias ( ) e teorias ( ) que a instituição assume, ou

seja, a praxeologia adotada por ela e utilizada pelo professor.

Apesar de este estudo concentrar-se num ponto específico do

curso de Física, não é difícil encontrar indícios de aspectos similares

ocorrendo em outras disciplinas. Portanto, o que devemos esperar do

aluno de graduação, futuro professor de física, quando atuar no ensino

médio ou ensino superior: uma pessoa (X) formada pela instituição

disciplina apontada neste trabalho?

114

115

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120

121

Anexo 1

As entrevistas aconteceram no período de 19 a 23 de Março de 2012.

Professor 1

1) Quanto tempo ministrando a disciplina? (experiência do

professor)

Resposta: 6 anos.

2) Qual o livro adotado para a disciplina? Resposta: Eisberg, Resnick - Quantum physics e Paul A. Tipler,

Ralph Llewellyn - Modern Physics.

3) Eram cobradas listas de exercícios? Eram baseadas no livro-

texto? Haviam outras atividades?

Resposta: Eram cobradas listas de exercícios. As listas traziam questões diferentes das do livro-texto. As provas eram baseadas nas

listas e na leitura do livro-texto.

4) Você se incomoda em disponibilizar as listas, provas e

demais atividades para análise? Resposta: Não.

5) Qual o objetivo central em transmitir Efeito Fotoelétrico

e Radiação de Corpo Negro?

Resposta: estes conceitos são o fundamento da Física Moderna e contemporânea; A Radiação de Corpo Negro possui importância

história, o que é fundamental para o estudante; O Efeito Fotoelétrico

pode ser utilizado para estudar a física atômica;

6) O que você gostaria que os alunos aprendessem desses

conceitos?

Resposta: no tópico Corpo Negro, frisar em aula a importância

de abstrações e idealizações em Física; aluno ter noção de que fenômenos complicados podem ser descritos com poucas variáveis (por

exemplo, Corpo Negro definido apenas pela temperatura); aluno entender a construção da Física Moderna através da história. Quanto

ao tópico Efeito Fotoelétrico, o aluno deve conhecer Einstein e sua

contribuição para a Física Moderna.

122

Professor 2

1) Quanto tempo ministrando a disciplina? Resposta: 8 anos.

2) Qual o livro adotado para a disciplina? Resposta: Paul A. Tipler, Ralph Llewellyn - Modern Physics.

Este livro traz uma abordagem histórica e conceitual do Efeito

Fotoelétrico que despertou o interesse do professor, mas não possui muita aplicação deste fenômeno. Há a necessidade de outras leituras.

Ele indicava para os alunos textos da área da Física Médica e rádio terapia.

3) Eram cobradas listas de exercícios? Eram baseadas no livro-

texto? Haviam outras atividades?

Resposta: As listas de exercícios eram os exercícios do livro-texto. Fichas de exercícios eram atividades praticadas em aula, e

continham exercícios propostos pelo professor. As provas eram

baseadas no livro-texto e nas atividades em sala.

4) Você se incomoda em disponibilizar as listas, provas e

demais atividades para análise? Resposta: Não.

5) Qual o objetivo central em transmitir Efeito Fotoelétrico

e Radiação de Corpo Negro?

Resposta: Com relação ao Efeito Fotoelétrico, o objetivo central é ajudar o aluno a construir a noção de fóton (utilizava para

isso o livro-texto); mostrar para o aluno a quantidade de fenômenos cotidianos associados a este efeito.

Com relação à Radiação de Corpo Negro, o objetivo central

era transmitir a “beleza da coisa”, utilizando a cor da radiação como agente estimulante da curiosidade do estudante; sua relação com o

conceito de eqüipartição de energia.

6) O que você gostaria que os alunos aprendessem desses

conceitos? Resposta: Mudar a visão de mundo do aluno, permitindo com

que ele enxergue o mundo através do olhar do físico, deixando, assim, o

mundo mais belo.

123

Professor 3

1) Quanto tempo ministrando a disciplina? Resposta: 2 anos.

2) Qual o livro adotado para a disciplina? Resposta: Eisberg, Resnick - Quantum physics.

3) Eram cobradas listas de exercícios? Eram baseadas no livro-

texto? Haviam outras atividades?

Resposta: As aulas eram essencialmente expositivas no modelo tradicional, com a diferença de que perguntas eram dirigidas aos

alunos na introdução dos tópicos com a finalidade de sondar o

conhecimento prévio e provocar interesse e curiosidade em aprender os tópicos. Haviam listas de exercícios inteiramente baseadas no livro-

texto.

4) Você se incomoda em disponibilizar as listas, provas e

demais atividades para análise? Resposta: Não foi possível encontrar esses materiais.

5) Qual o objetivo central em transmitir Efeito Fotoelétrico

e Radiação de Corpo Negro?

Resposta: Frisar o enfoque histórico, o sentimento de poder do cientista e a resistência dos cientistas às mudanças; transmitir a

necessidade de mente aberta perante às mudanças de paradigmas

(podendo fazer um link com a ciência atual em tópicos como energia escura e exoplanetas); transmitir a emoção em descobrir algo novo.

6) O que você gostaria que os alunos aprendessem desses

conceitos?

Resposta: o conteúdo formal de ambos os tópicos; o fato de a física mudar com o tempo e a ciência se desenvolvendo (a física não é

estática).

124

125

Anexo 2

Abaixo, seguem os exercícios e atividades propostas pelos

professores, livros-textos e listas de exercícios, assim como Tipos de

Tarefas identificadas nesses objetos. Antes, é necessário construir uma

identificação que auxiliará na análise dos dados. Os Tipos de Tarefas

são identificados por , onde diferencia um Tipo de Tarefa do outro.

Em azul, está indicado o número de Tarefas referentes ao determinado

Tipo de Tarefa.

As provas estão divididas segundo dois professores,

identificados aqui por professor 1 e 2. O Professor 1 disponibilizou seis

provas, enquanto que o Professor 2 disponibilizou três. Para cada

professor, as provas são identificadas por . Cada Tipo de Tarefa

possui à sua frente, a identificação azul de quantas Tarefas são

identificadas ali, e a identificação para a prova onde a Tarefa aparece.

Por exemplo, no primeiro Tipo de Tarefa abaixo: apenas 1 tarefa

pertence a ele, e ela se localiza na prova número 1. Já o Tipo de Tarefa

apresenta 3 tarefas, uma na prova 1, outra na 4 e a última na prova 5.

Provas Professor 1

126

127

– Construir o gráfico da Radiância em função da frequência para um

corpo negro (1)

– Utilizar lei de Wien para calcular frequência, comp. De onda,

temperatura ou constante da lei de Wien , (3)

- Explicar a que o termo “catástrofe do Ultravioleta” se refere (3)

, , – Explicar como a teoria de Planck corrige a catástrofe do ultravioleta

(5)

– Transformar a expressão de Planck ( ) em ( ) (1)

– Analisar gráfico (3) , , – Aplicar Lei de Stefan para calcular potência irradiada por um corpo

negro, temperatura, constante; (1)

– Calcular energia irradiada por um corpo negro dado potência e

tempo; (1)

– Calcular energia absorvida pelo corpo negro dado potência e tempo

de emissão; (1)

- Calcular razão entre energia absorvida e refletida. (1)

128

Provas Professor 2

- Definir corpo negro (1)

- Definir radiação de cavidade (1)

- Calcular temperatura, comprimento de onda, frequência de máxima

emissão (6)

- Calcular temperatura dada a potência, radiância (4) , - Calcular a freqüência de máxima emissão dado comp. Onda (1)

- Calcular taxa de emissão de radiação pela lei de Planck dados

temperatura e comprimentos de onda , (3)

- Traçar gráfico da densidade de energia em função do comp. Onda,

dados temperatura e com. de onda máximo (1)

129

Nos Livros Texto, as Tarefas são contadas para cada livro-texto.

Novamente em azul, identificamos o número de Tarefas em cada livro,

e agora o sinal na frente do Tipo de Tarefa indica que ela é encontrada

em ambos os livros.

Livro-Texto (1) - Eisberg, Resnick - Quantum physics, edição

1 e 2 – em português;

Livro-Texto (2) - Paul A. Tipler, Ralph Llewellyn - Modern

Physics, edição 5;

Livro-texto (1)

130

131

– Calcular temperatura, comprimento de onda ou frequência de

máxima intensidade (6)

- calcular constante de proporcionalidade entre ( ) ( );

( )

e ( )

. (1)

- discutir detalhes específicos do corpo negro: (1)

– Calcula potência irradiada de um orifício de raio r a partir da

temperatura numa dada faixa de comp. de onda. (1)

- Aplicar lei de Planck para radiância total (2)

- Calcular massa de repouso do Sol dado a temperatura da superfície

e diâmetro. (1)

– Calcular fração de massa de repouso perdida por ano (1)

- Calcular radiância, ou potência, ou temperatura (3)

- Conhecer a constante solar e aplicá-la (1)

– mostrar que a lei de Rayleigh-Jeans não é consistente com a lei de

Wien (1)

- calcular média de tentativas/medidas/números (3)

– mostrar as relações de valor médio para um conjunto definido de

valores (1)

– mostrar a relação ∑ ( ) para um conjunto definido de

valores (1)

– calcular valor médio de uma função contínua (1)

– comparar resultados de valor médio de funções contínuas e

discretas. (1)

132

- Resolver o cálculo para energia média assumindo energia contínua

(1)

- Deduzir lei de Stefan-boltzman a partir da lei de Planck (1)

- Deduzir a lei de deslocamento de Wien a partir da lei de Planck

(1)

Tipos de tarefas de até estão na figura a seguir, representadas

pelos números de 1 até 20.

133

Livro-texto (2)

134

– Calcular comprimento de onda, frequência ou temperatura de

máxima (11)

- Deduzir lei de Stefan-boltzman a partir da lei de Planck (1)

– Escrever fórmula de Planck em outra variável: a expressão ( )

em ( ) (2)

– Calcular freqüência máx. a partir do comp. de onda máx. (1)

– Calcular potência total ou temperatura; (4)

- calcular energia média por modo, dado o comprimento de onda (2)

- comparar energia média quântica (calculada por Planck) e clássica

(

) para pequenos e longos comprimentos de onda. (1)

- Identificar comprimento de onda no espectro eletromagnético; (1)

- derivar a constante da lei de Wien ou equação de deslocamento de

Wien a partir da fórmula de Planck (2)

135

A contagem de Tipos de Tarefas e Tarefas da Lista de

Exercícios encontra-se abaixo.

136

– Determinar , comp. De onda máximo ou Temperatura (12)

– Determinar valor de em função de , e . (1)

– Escrever equação de Planck em outra variável: a expressão ( )

em ( ) (1)

– Determinar Potencia total irradiada ou temperatura (3)

– Utilizar a Lei de Plank para calcular a constante da Lei de Wien (1)

– Construir gráfico (1)

– Calcular inclinação do gráfico (1)

– Calcular erro percentual entre constante tabelada e medida (2)

– Calcular σ dados valores medidos de Radiância e Temperatura (1)