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Origem Kamayura e acontecimentos no Morena: KWARUP, LUTA HUKA HUKA, JOGO DE BOLA, PINTURA CORPORAL 5 Jaluik kamaiura ALTO

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Page 1: Origem Kamayura e acontecimentos no MorenaA linguista Lucy Seky a revisou antes de publicar no livro, com apoio de Paltu e Kanutary. Todas as narrativas originalmente publicadas ali

Origem Kamayura e acontecimentos no Morena:

KWARUP, LUTA HUKA HUKA, JOGO DE BOLA, PINTURA CORPORAL

5Jaluik kamaiuraALTO

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Agradecimento

Minhas palavras de gratidão são para a pessoa que me apoiou nessa pesquisa, cacique Kotok Kamayura. Gostaria de nomear todas as outras pessoas que me apoiaram mais diretamente no decorrer dos anos de minha formação.

Sou grato ao narrador que compartilhou seus conhecimentos como pajé, permitindo que eu registrasse informações sobre as histórias e seus conhecimentos.

Um agradecimento especial pela atenção sobre o mito contado, Kujawiru Kamayura e Jaty Kamayura. Awahiwua Ipotawet Kamayura é um jovem que colaborou comigo na tradução, e Mawira Kamayura, uma jovem que ilustrou desenhos das pinturas. As narrativas “Lugar sagrado para o povo Kamayura” , “Cultura Kamayura”. “Mito e história de origem do Kwarup” também estão publicadas no blog http://jaluwik.wordpress.com

Também reapresento aqui algumas narrativas do meu povo com pequenas adaptações, como “Origem do jogo de bola e da luta huka-huka”, que já apareceram escritas: vejam a narrativa 8 no livro “Jane ramyimena juru pytsaret. O que habitava a boca dos nossos ancestrais”, organizado pela linguista Lucy Seky, e publicado em 2010 pelo Museu do Indio, Rio de Janeiro. A versão ali transcrita foi contada por Tarakwaj, e registrada pelo antropólogo Etienne Samain em 8 de setembro de 1977 em Campinas. A linguista Lucy Seky a revisou antes de publicar no livro, com apoio de Paltu e Kanutary. Todas as narrativas originalmente publicadas ali aparecem em duas versões, uma na língua Kamayura, outra em português.

Outras narrativas kamayura estão publicadas, por exemplo, no livro “Mitos e outras narrativas Kamayura” pelo antropólogo Pedro Agostinho. A história de como começou o jogo de bola, aparece ali, na página 121: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/175/1/Mitos%20e%20outras%20narrativas%20Kamayura.pdf

Com esta publicação da Formação em Gestão Territorial (FGTSSX), algumas narrativas registradas em outros livros com apoio de outros pesquisadores poderão circular um pouco mais dentro do PIX, animando as pesquisas que seguimos fazendo, nas nossas festas, sobre nossas festas.

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Apresentação 4

Lugar sagrado para o povo Kamayura 6

Cultura kamayura 7

Cerimoniais intertribais importantes dos Kamayura e outros 8

Mito do Kwarup 10

História de origem do Kwarup 12

Origem do jogo de bola e da luta huka-huka 14

História da onça: origem do jogo de bola e da luta huka-huka 16

Pintura corporal do povo Kamayura 29

Modo de chegar a pintura de outro povos 29

Pintura 29

Para se usar certas pinturas: cada uma tem seu significado 30

Sumário

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Apresentação

A história é contada pelos historiadores Kamayura, muitas são antigas e a cultu-ra é repassada de geração em geração.

No tempo dos nossos avós, eles aprenderam ouvindo as histórias na oralidade, era assim que nossos historiadores transmitiam seus conhecimentos. Passadas de geração em geração, muitas culturas antigas e sagradas são por isso res-peitadas, desde os tempos dos nosso avós. Ouvindo as histórias, através delas aprendemos a cantar e a valorizar os costumes. Muitas histórias são reais, como Morena, lugar do primeiro Kwarup e muitos outros acontecimentos. Ali você pode ver o apenap feito pelo sol e pela lua. Também podemos ver a imagem da

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MAPA DOS LUGARES SAGRADOS KAMAYURA. MUITAS ORIGENS ACONTECEM NESSES LUGARES.

1. Morena é um lugar sagrado onde acontece a origem no Kwarup. Nesse lugar existe um apenap. Nesse lugar acontece o surgimento da humanidade, do dia e da noite, a história de Kanawaty e Kanarawary, de Waniwani, e muitas outras histórias. Na aldeia Morena tem um desenho no chão feito por sol e lua.

2. Kamy’wa é um local sagrado onde acontece a história do Kanaraty.

3. Nesse local tem uma estátua, que eram pessoas que dormiam aqui para descansar da viagem.

Historiadores relatam que quando aconteceu eclipse (owykyt) do sol (kwat), um casal e seus filhos viraram estátua.

4. Lagoa sagrada de Mawaiaka. Essa lagoa era aldeia de Mawaiaka, onde existem objetos como jura, hoket e muitos outros. Iamutukuri era a aldeia da onça. É onde Mavutsini foi tentar tirar a corda do seu arco e quase morreu... onde encontrou o sobrinho e falou para ele se casar com as primas. Por isso esse lugar tem muitos pedaços de barro, cacos de cerâmica.

pessoa desenhada no chão, e pinturas que nossos avós aprenderam olhando outras pinturas, algumas delas usadas para o corpo, outras para o artesanato.

A história que vou contar aqui fala sobre o Kwarup e a sua origem. Também fala sobre a origem do jogo de bola e da luta Huka-huka, bem como do lugar sagrado para o povo Kamayura.

Os mitos trazem muitas informações para pessoas interessadas em conhecer nossa cultura. Esses conhecimentos podem servir para todos que tiverem aces-so, bem como para a escola. É muito importante conhecermos nossa história, e que nossa geração saiba de suas origens, dê valor a sua história e reconheça a importância do lugar onde vivemos.

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Lugar sagrado para o povo Kamayura

Morena é um lugar sagrado para o povo Kamayura, porque são lugares men-cionados na narrativa de origem do meu povo. Em Morena vivia e vive Ma-vutsinin, criador dos povos do alto Xingu e da mãe dos gêmeos Kwat (sol) e Jay (lua), referidos nos mitos como Morena Jat, “os senhores do Morena”. No Morena ocorreram várias ações míticas, além de Mavutsinin e dos gêmeos que lá vivem com as respectivas famílias: Ajanama, os irmão Kanarawary e Kanaraty, e também Waniwani. Sol e lua nasceram na aldeia da onça situada no Jamutukuri, na lagoa Ypavu.

Existem muitas coisas e objetos sagrados no outro lado do Morena, onde mora Kanaraty com seu irmão e avô. Onde está agora Morena tem apenap, um cemitério feito pelos irmãos sol e lua; também tem um desenho, onde sol desenhou seu irmão que foi engolido pelo Jakunaun. Para trazer seu irmão de volta, sol o desenhou no chão e colocou os ossos no desenho. Fez tudo para trazer seu irmão: cobriu com folha de jenemyop, e começou a rezar seu irmão; foi chamar seu avô Makukawa, porque não conseguia acordar seu irmão. Cha-mou seu avô mosquinha, meirup, que acordou seu irmão. No Morena existe um peixe sem tripa: foi sol que tirou a tripa dele quando estava procurando seu irmão, até que o achou na barriga do jakunaun.

As estátuas eram pessoas que vinham das caçadas que faziam pelo rio Xingu. Elas descansaram no local, acamparam e dormiram com a família. Enquanto dormiam ali, houve um eclipse do sol e eles viraram estátuas, sua esposa es-tava com seu filho no colo e outra perto, e viraram estátua juntos. Quando acontece eclipse, as pessoas não podem dormir nem andar. Até hoje, quando acontece eclipse do sol, seres vivos se transformam em algumas coisas, por exemplo, lagarta se transforma em peixe. Diz que antigamente as pessoas se transformavam em animais e em pedra.

A aldeia Ypavu é um lugar sagrado. Dentro da lagoa existem muitas coisas, como jurahet, owa’amawet e outras. A lagoa era aldeia do Mawaiaka, onde o povo dele foi extinto. Os historiadores dizem que o povo Mawaiaka foi morto pela água. Dizem que Ajanamam estava tomando ervas de kumananhü para ficar forte e ser lutador campeão. Ele tinha um pombo de estimação que to-mou a erva e, quando o dono se afastou, ele voou e veio na direção da aldeia Mawaiaka. Bem em cima da aldeia, o pombo fomentou. Mawaiaka estava na sua roça. Voltando, viu a sua aldeia cheia de água. Todas as famílias de Ma-

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waiaka foram mortas. Até hoje se ouve Mawaiaka tomando banho na lagoa, por isso essa lagoa é importante para o povo Kamayura.

No mesmo lugar também se relata a história de onça. Mavutsinin foi tirar a cor-da de seu arco e quase foi morto pelas onças. Jamutukuri era aldeia da onça, onde existem muitos objetos, onde se conta que o povo Waura vivia junto com Kamayura. Mahũtsi viveu também nesse lugar, onde existem muitos objetos quebrados como cacos de panela de barro, machado de pedra e outros.

CULTURA KAMAYURA

A cultura Indígena não é uma só, cada um dos povos indígenas tem um modo de viver, pensar e de fazer as coisas, como a dança. Esses conhecimentos são com-partilhados há muitos tempos e fazem com que cada cultura seja o que é e se renove sempre.

Os povos Kamayura por exemplo, no passado distinguiam-se pela especialidade em arco preto e outras. Também outros povos como Waura, Kuikuro, Kalapalo, Yudja e Kawaiwete têm sua especialidade em algumas coisas.

Na cultura Kamayura os indivíduos passam por período de reclusão variável em diferentes momentos de sua vida. Um desses momentos é aquele em que os jo-vens de ambos os sexos atingem a puberdade. Durante a reclusão obedecem a uma rigorosa dieta alimentar, e adquirem os conhecimentos de que necessitarão em sua vida adulta. Entre outros momentos em que se dá a reclusão, está o do nascimento do primeiro filho da pessoa. Também passa na reclusão, para esses indivíduos, o que eles não podem comer, e o que não deve ser feito durante o nascimento do primeiro filho dele e dela.

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Cerimoniais intertribais importantes dos Kamayura e outros

Kwarup e Jawari são festas realizadas na aldeia. Jawari é uma festa realizada de-pois do Kwarup, para término do período de luto da pessoa que perdeu sua fa-mília ou parente.

A realização do Kwarup acontece quando uma pessoa morre, como cacique, cantor, lutador, pessoa que representava a comunidade na festa ou, por exem-plo, como convidado: quando vai para outra aldeia, chamada para representar a sua comunidade.

Quando morre uma pessoa, para enterrar eles têm que escolher um buraco. Na cultura kamayura tem modo de enterrar as pessoas. Na minha comunidade, di-zem que os buracos têm seus donos, e tem três buracos onde colocam a pessoa deitada na rede, e dois paus para amarrar a rede da pessoa, dentro do buraco. Tem muitos tipos de buracos.

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Depois de dois ou quatro meses, a pessoa que é responsável vai se reunir para decidir cortar apenap. Assim que decidirem, eles vão chamar a família para o centro da aldeia, para pedir ao pai, mãe, irmão. Quem decide é a família, se vai homenagear ou não. Assim que a família decidir, eles vão dizer sim. Nesse mo-mento a comunidade começa a pensar em que dia eles vão cortar apenap. E começam a se preparar. As pessoas que enterraram vão ser as responsáveis da-quela família.

Primeira preparação é cortar apenap (um tipo de cemitério); depois eles coletam pequi e, então, vão para a pescaria. Nesse período acontece também a brinca-deira do arukaka e outras. Assim que terminam de coletar pequi, eles guardam a castanha do pequi, para que uma moça leve para outros convidados de outra al-deia. Por alguns meses, os donos da festa vão para a pescaria. Assim que voltam, chamam assim: “Peke’i apinakatap”, que é uma festa que se realiza durante um dia, até o fim do dia. Depois de três, quatro ou sete dias, o dono da festa marca o dia em que vão levar a comunidade inteira para a pescaria, durante quatro dias. Nessa pescaria se realiza também um ritual, para que os peixes sejam muitos, e uma pequena cerimônia para que a arraia não pique as pessoas. De manhã os pajés rezam as redes de pesca e rezam também as arraias.

Ao chegar dessa pescaria, a festa dura três dias. O dono da festa começa a pre-parar o enfeite de kwarup; no segundo dia eles começam a preparar o tronco. Primeiro o cantor canta, e ao mesmo tempo eles começam a descascar bem no meio do tronco, para que a pintura fixe bem. Assim que terminam de pintar, ele é levado para o meio da aldeia, onde vão ser colocados todos os enfeites, como cocar, cinto e tudo. A festa dura o dia e a noite inteiros, até amanhecer o dia. Às oito horas, começam a chegar os convidados para competir com o dono da aldeia. Assim que a luta acabar, o dono da festa vai levar as moças em reclusão para oferecer castanha aos convidados. Os convidados também tiram os enfeites da moça, como cinto, brincos e outros. Depois o dono da festa leva peixe aos convidados.

Outras festas realizadas pelo povo Kamayura são festas cotidianas, como tau-rawana, takwara, maurawa (festa do pequi) e outras. Cada uma tem seu modo de fazer e realizar, as regras são diferentes de uma festa a outra. Cada festa tem seu dono e modo dele ser alimentado, como taurawana, que é uma festa realizada em qualquer momento e o seu dono pode levar peixe, mingau e outros alimentos.

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Mito do Kwarup

Este mito relata a origem do Kwarup por dois irmãos gêmeos, netos de Mavutsi-nin. Cinco mulheres, filhas de Mavutsinin, foram criadas e enviadas para a aldeia da onça, para se casarem com a onça. Eram cinco, mas só duas que chegaram na aldeia da onça e se casaram. A irmã mais nova ficou grávida do seu marido. Quando os irmãos gêmeos estavam na barriga dela, ela foi morta pela própria sogra (mas eles nasceram).

Com isso, pensando em trazer de volta a sua mãe, os gêmeos foram onde ela estava enterrada (sepultura da mãe deles). Quando removeram a terra para de-senterrar, o corpo dela já estava putrefato. Tentavam chamar sua mãe, mas ela respondia com a voz bem fraca.

Não conseguiram, e tiveram outra ideia para trazer ela de volta e homenageá-la. Eles procuraram madeira boa para homenagear a sua mãe e encontraram a que se chama kami’ywa. Cortaram troncos e os pintaram. Cada um desses Kwarup re-presenta a pessoa, e sua pintura também representa o sexo da pessoa, feminino e masculino.

Enquanto eles pintavam, o irmão foi convidar o cantor para cantar para ele, e é por isso que até hoje se usa fazer assim. Quando a pessoa for homenageada, o dono da festa tem que convidar um cantor. Quando ele canta, a água se move bem no meio da lagoa (onde é agora aldeia Morena).

A alma da pessoa vem na direção do tronco. Enquanto isso, bem no meio da la-goa um tipo de onda se forma; é a alma da mãe que estava ali no meio. Enquanto as pessoas na aldeia gritavam, uma mulher acordou curiosa querendo ver o que estava acontecendo no centro da aldeia. Eles estavam tão contentes, trazendo a pessoa de volta para a sua família. Estava quase chegando, o espírito da pessoa, a transformação já alcançava bem até o pé da pessoa, faltava pouco para concluir, e todas as pessoa ficaram contentes de ver.

Foi quando essa mulher acordou e saiu de casa correndo para ver o que estava acontecendo no pátio da aldeia. Quando viu, o tronco voltou ao normal, como era antes: a alma se transformou como jiboia. Por isso até hoje respeitamos a jiboia, pois sabemos quem ela é. Mas as pessoas que estavam perto do Kwarup ficaram tristes e muito bravas com a mulher. Os irmãos ficaram tristes:

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– Não há como fazer – disseram.

– Deixa nossos netos ficarem assim, podem homenagear, só para lembrar dos seus irmãos e irmãs, filhos(as), não há o que fazer! Foi assim que eles disseram e definiram as regras de como vai ser organizado, e da preparação: o dono da festa tem que estar bem preparado para cuidar e saber organizar as coisas que devem ser feitas naquele momento.

Primeiro eles cortam Kwarup. Ao cortar Kwarup, o dono da festa prepara min-gau e pimenta; leva também pajé para rezar o tronco e acalmar o espírito do tronco. Depois de cortar tronco, o dono da festa começa a preparar beiju, mingau e muitas coisas para levar para a pescaria. O dono da festa tem que convidar pajé para rezar rede de pesca para os peixes não fugirem, e para ver e falar com espírito, para não levarem mordida de piranha, jacaré, arraia e outras coisas.

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História de origem do Kwarup

NARRADORA: KUJAWIRU

Sol é kwat, lua é jay. São netos do Mavutsinin. Essa história complementa a anterior.Mavutsinin criou mãe do sol e lua, que são gêmeos. A mãe deles foi para a aldeia da onça, para se casar com a onça. Ela ficou grávida e eles nasceram, sol e lua, filhos da onça. Então a mãe deles foi morta pela sogra. Quando estava catando piolho da sogra, ela engoliu o cabelo dela e cuspiu, e a sogra atacou. Com isso, os irmãos foram tirados da barriga da mãe pela formiga, e enterraram sua mãe. Quando cresceram, tiveram a ideia de trazer a sua mãe de volta. Primeiro, eles foram até a sepultura dela e começaram a remover a terra para desenterrá-la. O corpo dela já estava putrefato.

Chamando a sua mãe: – Mamãe, mamãe!...

– Sim! – ela respondia lá no fundo com a voz bem fraca.

Continuaram chamando a mãe:

– Mamãe, mamãe!

– Sim... – ela respondeu com a voz cada vez mais fraquinha, até que sumiu. Tive-ram outra ideia para trazer a mãe de volta.

– Como é que nós vamos fazer, lua (jay) ? Vamos procurar outro jeito de trazer a nossa mãe. Vamos procurar madeira?

O irmão respondeu:

– É, vamos ver se a gente consegue com isso, vamos cortar madeira do Kwarup. Eles foram procurar madeira, cortaram e trouxeram para a aldeia deles. Pintaram e colocaram braço, cocar, colar de caramujo.

O tronco todo enfeitado, os irmãos foram convidar as pessoas que perderam alguém da sua família, para homenagear e chorar perto do tronco do Kwarup. Os irmãos foram convidar o cantor, para cantar e chamar a alma da mãe deles. Quando o cantor cantou, eles choraram, e bem do meio da lagoa Morena, a alma da pessoa começa a vir na direção do Kwarup. Disseram para as pessoas que esti-

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vessem menstruadas, grávidas ou quem já pariu, para não olharem ainda:

– Espera aí, espera aí, não olhem ainda!

O cantor cantou de novo.

– Tsi tsi tsi ........

– Espera aí, espera aí! Não olhem ainda! Não olhem ainda! As pessoas gritaram.

– Ho! ho! Wakaw! ho! Ho! Wakaw! O Kwarup se mexeu.

Tinha uma mulher que estava dormindo. Ela já tinha ganhado um bebê há duas semanas. O Kwarup já estava quase se transformando como gente, estava bem no meio do tronco a transformação do corpo.

– Espera aí, espera aí!

A alma já estava quase chegando perto do Kwarup, no meio do pátio da aldeia quando, por curiosidade, a mulher com bebê pequeno saiu correndo da casa para ver o que estava acontecendo. Já estava se transformando como gente, só faltavam os pés, quando a alma parou e voltou, e o tronco do Kwarup voltou a ser madeira. Tudo o que estava virando gente ficou como jiboia.

Então ela disse, correndo: – Po ko’yt!

E disseram pra ela: – Por que você veio agora? Poderia vir depois – diziam. Fica-ram bravos com ela, ela não poderia ver ainda, eles ficaram muito bravos, porque esse tronco ia se transformar em pessoa, ia trazer a pessoa de volta pra sua famí-lia. Disseram assim:

– Eles vão ficar assim.

Quando a gente morresse, a gente ia voltar quando fizessem Kwarup. Deixa nos-sos netos ficarem assim. Eles só vão fazer Kwarup para lembrar dos seus irmãos, irmãs e filhos (as). Quando fizerem festa, só podem homenagear seu irmão... Os irmãos deixaram a festa assim, só para homenagear pessoas falecidas, para que pais se relembrem do seu filho ou irmão, e para tirar luto deles. Esse que eles fize-ram, era para trazer a pessoa de volta para a família deles, mas não conseguiram. É assim que a história termina.

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Origem do jogo de bola e da luta huka-huka

Baseado em “Jane ramyimena juru pytsaret”

Esta história versa sobre a origem do jogo de bola tradicional dos Kamayura, e da luta huka-huka. A história conta como surgiu huka-huka (joetyk) e jogo de bola (mangawa apitap). A trama envolve um rapaz que foi procurar uma esposa em aldeia de outra etnia, das onças. O rapaz convive algum tempo com a esposa sem o conhecimento dos pais dela, mas os sogros acabam descobrindo o relaciona-mento. Depois de submeterem o rapaz a alguns testes, nos quais ele se sai bem, os sogros o aceitam. O mesmo não ocorre com os cunhados e outros membros do grupo, que odeiam o rapaz e tentam matá-lo no decorrer dos jogos de bola e das lutas praticadas pelas onças, que estariam na origem do jogo tradicional de bola e da luta huka-huka dos Kamayura.

O rapaz havia aprendido com a esposa a jogar e lutar bem, e saía vencedor em todas as disputas. Consciente do perigo que corria, decidiu fugir e voltar para sua aldeia, abandonando e deixando inconsolável a esposa grávida. Os sogros foram até lá e levaram a alma do rapaz, causando a sua morte. Na narrativa são descri-tas várias disputas, envolvendo o rapaz e a esposa, de um lado, e o sogro e a sogra de outro, bem como entre o rapaz e diferentes espécies de onça.

O mangawa apitap ou “jogo de bola”, constitui um elemento tradicional da cultura Kamayura, disputado entre dois distintos grupos como forma de competição intertri-bal, sendo também jogado entre os próprios Kamayura para treino e diversão. Com a introdução do futebol na aldeia, o jogo caiu em desuso. Tarakwaj, autor da presente versão da narrativa, ainda praticava o jogo, que foi presenciado por Kanutari (Koka).

A bola era pequena, do tamanho de uma bola de pingue-pongue, branca. Era feita com resina de mangaba, que depois de fervida ia endurecendo e podia ser moldada como uma bola. Outra alternativa era uma bola oca por dentro, elástica e que, ao bater no chão, produzia um ruído. Para a confecção deste tipo de bola, camadas da resina eram passadas sobre partes do corpo do indivíduo e, com au-xílio de uma semente, eram depois retiradas em forma de tiras. Estas eram usadas para envolver uma semente, de modo a moldar uma bola que, depois, era corta-da ao meio para a retirada da semente, sendo as metades novamente unidas e envoltas com novas camadas de resina.

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No desenvolvimento do jogo, a bola podia ser movimentada somente com os joelhos e com a cabeça, exceto no primeiro lance, quando a mão era usada para o levantamento da bola. O jogador A lançava a bola com a mão na direção do jogador B, que rebatia com o joelho, atirando-a na direção de A, que por sua vez rebatia com a cabeça, e assim por diante. Os demais jogadores tinham por tarefa recuperar a bola quando esta se desviava da linha de jogo. Cabeceando a bola, ou impulsionando-a com o joelho, conforme a altura em que ela estivesse, iam trazendo-a até o principal jogador. O objetivo de cada jogador principal era fazer com que a bola acertasse alguma parte do corpo do adversário, o que defi-nia a vitória. Quando isto acontecia, as equipes trocavam de lado no campo. Nas disputas formais, envolvendo distintos grupos, costumavam jogar pela manhã e também à tarde. Se o grupo visitante obtinha a vitória no jogo, os jogadores en-travam nas casas dos vencidos e pegavam como prêmio todos os seus pertences, como rede, cesta, arco, e outras coisas que ali estivessem. Quando a disputa era vencida pelos jogadores do grupo anfitrião, eles tomavam todos os pertences dos visitantes, que então regressavam sem nada para sua aldeia.

O jogo era sempre precedido pela luta chamada joetykap em Kamayura, conhe-cida pelos não-índios como huka-huka. Diferentemente do jogo de bola, a luta se conservou e é de grande relevância na cultura Kamayura e alto-Xinguana em geral. Está presente no Kwarup ou “Quarupe” e em outras celebrações, sendo bas-tante conhecida através da mídia.

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História da onça: origem do jogo de bola e da luta huka-huka

Baseado em “Mitos e outras narrativas kamayura”

NARRADOR: TARAKWAJ

Um rapaz estava indo para a aldeia da onça-pintada, porque queria casar-se com a filha dela. No caminho encontrou seu amigo, que perguntou:

– Onde você vai, amigo?

Respondeu o rapaz:

– Estou indo à procura de uma mulher de outra etnia, para me casar com ela.

– Quem é ela, companheiro?

– É a filha da onça-pintada, a filha do perigo da mata ciliar.

Disse o colega:

– Está bem, então vá.

Era muito difícil alguém se casar com a filha da onça. Os pais dela não aceitavam nenhum pretendente que tivesse qualquer defeito, por mínimo que fosse, como uma cicatriz, uma feridinha ou um machucado. Se tivesse, era logo morto. Dizem que atrás da casa dela havia muitas ossadas de pretendentes que tinham tentado anteriormente.

O amigo informou ao rapaz que o chefe-onça tinha uma criação – um gavião que ficava preso em uma gaiola de varas. A onça o mantinha ali para tirar penas dele, quando precisasse. Antes de se despedir, o colega aconselhou o rapaz sobre como proceder ao chegar na aldeia das onças:

– Você fique esperando a moça-onça junto à gaiola do gavião. Quando ela sair da casa, faça-lhe um sinal. Se ela sorrir ao olhar para você, é porque te aceitou, amigo.

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– Está bem. Deixa-me ir lá tentar – disse o rapaz.

– Então vá amigo! Tomara que nada de mal aconteça com você.

O rapaz seguiu seu caminho rumo à aldeia das onças. Ao chegar lá, foi para perto da gaiola do gavião e ficou esperando. A filha da onça estava varrendo a casa – tsiw, tsiw, tsiw – e depois saiu fora para jogar a lixo. Ao vê-lo, o rapaz ficou se perguntando:

– Será que ela vai gostar de mim?

Ela já ia entrando de volta na casa. Então o rapaz saiu de trás da gaiola e fez “psiu’’! Ao ouvir o sinal, ela parou e se virou para ver quem era.

– Vem cá! – disse o rapaz.

– Espera um pouquinho! – ela disse.

A moça-onça entrou na casa e logo tornou a sair e foi indo na direção dele. Foi andando – tyk tyk tyk – até chegar perto dele.

– Como vai? – ela disse.

– Estou bem! – respondeu o rapaz.

– Como está? – repetiu ela.

– Estou bem, eu vim aqui para te namorar! – ele explicou.

– Está bem! Vamos para lá.

Ela o levou para dentro da casa e logo soltou um arroto “heew”! Fez isto bem junto à narina do rapaz. Ele aguentou firme o bafo fedorento dela e não cuspiu de nojo. Então os dois ficaram juntos. Ele foi permanecendo lá, vivendo com a moça-onça. Ele ficava num compartimento que a moça-onça havia delimitado num canto da casa, com uma cerca de buriti.

Aaah! Os pais dela não sabiam. O pai e mãe dela estavam caçando, ficavam só caçando lá pelo meio do mato.

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Um dia ao amanhecer, o rapaz e a moça-onça ouviram a fala dos pais dela, que haviam voltado da caça: “tsirowa hyhy tsirowa hyhy.” Depois as piadas do pai--onça: – Tuk tuk tuk! Ele estava chamando a esposa para lutar.

Eles começaram a lutar lá no centro da aldeia: – Tu tu tu – faziam com os pés deles batendo forte no chão, nos passos ritmados e rápidos da huka-huka. Logo o marido pegou nas costas da esposa, vencendo a luta. Depois foram jogar bola – tuk tuk!

E assim fizeram no dia seguinte, e no outro, no outro, e no outro.

– Puxa! São muito bons – diziam as pessoas, admirando.

De lá de dentro da casa, o rapaz ficava olhando a luta e o jogo de bola, e foi apren-dendo. Já estava sabendo bem. Assim foi indo, e os pais da moça-onça foram no-vamente caçar no mato. Então a moça chegou para o rapaz batendo os pés – tuk tuk tuk –, e usando a fala dela, o chamou para lutar:

– Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy! Vamos?

– Vamos! – Ele respondeu.

E foram para o lugar onde as onças sempre lutavam. Começaram a girar – tu, tu, tu –, e tão logo se atracaram, ele pegou nas costas da esposa. Lutaram outra vez e ele pegou novamente nas costas dela. Terminando a luta, passaram ao jogo de bola. Ela levantou a bola, que era uma pedra branca, e atirou nele. O rapaz reba-teu logo. Ela jogou novamente e ele tornou a rebater a bola. Daí os competidores trocaram de lado no campo de jogo. Quando acabou o jogo, entraram na casa.

E assim continuaram vivendo por um tempo. A moça ficou treinando o rapaz. Os pais dela ainda não sabiam que o rapaz estava lá morando com a filha.

Pois bem, um dia, enquanto andava caçando no mato, o pai-onça encontrou uma cotia. Quando ele entesou o arco para flechá-la, ela disse:

– Espera aí! Espera aí! Por que você quer fazer isso comigo? Aquele que está vi-vendo com a tua filha é quem deveria estar procurando alimento para você!

– Ah! Então é assim? – disse o pai-onça.

Ele ficou furioso ao saber que a filha estava vivendo com alguém e voltou logo

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para a aldeia, atirando flechas no rumo da casa: – pĩĩĩĩĩ pĩĩĩĩĩ pĩĩĩĩĩ!

A onça-filha percebeu que o pai estava sabendo de tudo e que estava vindo para casa, então ela chegou para o rapaz e disse:

– Você tem que tapar o seu nariz. E ela enfiou algodão nas narinas dele. As flechas assobiavam já bem perto da casa.

– Apareça! Mostre-se! – ordenou o pai-onça.

– Apareça! – reforçou a mãe-onça.

O rapaz estava escondido no seu recanto atrás de cerca de buriti, e não saiu. En-tão o pai-onça entrou na casa e deu um arroto, “weeew umm”, expelindo seu bafo muito fedido. Pensou que o rapaz não suportaria o cheiro e sairia do esconderijo. Mas ele aguentou firme. Vendo isto, o pai-onça ficou intrigado:

– Será que é ele que estou procurando para ser meu genro? – disse.

O pai-onça arrotou de novo e nada. O rapaz não mostrou qualquer reação.

– Parece que é mesmo ele, minha velha! – disse o pai-onça à esposa.

Então ele abriu a cerca de buriti – Tyryryryry –, olhou o rapaz e falou:

– Ah! Este deve ser mesmo o meu sobrinho, minha velha.

Como ele queria testar mais o rapaz, saiu para o pátio e ordenou:

– Filha, que venha aqui aquele que está vivendo com você!

– Fique preparado! Tome bastante cuidado! – disse a moça-onça ao rapaz, depois de transmitir-lhe o recado.

Humm! O rapaz foi para a praça da aldeia e sentou-se perto dos pais da esposa. Humm! Eles puseram-se a lambê-lo e a olhar todo o corpo dele à procura de um defeito. Primero foi o pai, depois a mãe da moça-onça. O rapaz ficou sentado quietinho, com a cabeça levantada. As onças continuaram examinando minucio-samente o corpo dele, verificando se havia algum defeito, cicatriz. Nada encon-traram. Depois passaram a examinar os pés dele. O rapaz ficou lá tranquilo, com

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a cabeça levantada. As onças não encontraram nada.

Então o pai da moça-onça disse:

– Este é mesmo o meu sobrinho, minha velha!

Depois o sogro queria ver se rapaz comia cascalho. Então avisou à filha:

– Filha, vamos levar aquilo que vive com você para comer cascalho.

Bem cedinho, a moça-onça tornou o grão de milho que encontrou ao marido:

– Você vai comer somente isto. Eu comerei cascalho.

E assim fizeram: ele comeu apenas milho e a esposa comeu cascalho – trek trek trek.

Depois o pai-onça queria testar o rapaz para ver se ele não tinha nojo de car-ne podre. Passado um dia, ele saiu para matar anta. Hum! Atirou numa anta e deixou-a morta. Dois dias depois ele foi lá para ver. – Uhu hu hu – lá estava a anta com um monte de moscas à volta:

– Ããã! Já está muito fedido! – constatou o pai-onça. Ele então voltou para a aldeia e chamou a filha:

– Filha! É para aquele que está com você ir lá no mato buscar a caça que matei!

– Está bem – disse ela. A moça-onça sabia que o pai ia seguir o rapaz, às escon-didas, para ver a reação dele ante a caça fedida. Então ela o instruiu sobre o que dizer, de modo que o pai pudesse ouvir:

– Você fala bem assim: – É desse jeito que a caça de meu tio ficava se estragando enquanto eu não estava aqui!

O rapaz levou algodão e enfiou nas narinas, enquanto ia pelo caminho. Quando chegou ao lugar onde estava a anta morta, ele fez do jeito que a esposa havia aconselhado:

– Aaaah! É desse jeito que a caça do meu tio ficou estragando enquanto eu não estava aqui! – disse ele, enquanto pegava a anta, a colocando nas costas para levar.

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O sogro estava lá espreitando. Viu tudo e correu para chegar em casa antes do genro. O rapaz veio andando rápido pelo caminho – tyk tyk tyk –, carregando a caça. Entrou na casa e perguntou à moça-onça:

– Onde é para por?

Poky! Ele colocou a anta no lugar indicado.

Oh! Quanto bicho havia nele! Os vermes da carne podre da anta tinham passado para o corpo do rapaz. A cavidade junto à clavícula estava cheia deles!

O sogro chamou a filha:

– Filha! Diga ao que vive com você para vir aqui.

O rapaz foi até lá. Humm! A sogra começou a lambê-lo. Lambeu tudo, foi lam-bendo bem, enquanto ele ficava lá, com o pescoço erguido. Lambeu as axilas, a cabeça. Aí foi a vez do sogro. Lambeu o dorso dos pés dos rapaz, as axilas, a área em torno dos olhos ....puxa! O corpo dele ficou todo limpinho.

– Já está pronto – disseram.

O rapaz passou na prova.

Depois começaram a anta todinha e foram dormir. Quando amanheceu, ouvi-ram-se pisadas fortes – Tuk Tuk Tuk!

– Escuta só! Estão começando a lutar! – a moça-onça avisou ao marido.

As onças iam para perto do adversário, batiam forte os pés no chão –Tuk Tuk Tuk, desafiando-o para a luta, e o outro respondia “Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy”. Ao amanhecer do outro dia, o pai-onça veio até a casa da filha e ficou pisando duro no chão – Tuk Tuk Tuk – e chamou:

– Filha! Que o teu marido venha lutar! Eu quero ver!

– Você tem que acertar o velho só de leve – recomendou a moça-onça ao marido.

O rapaz foi lutar com o tio e começou a girar. Hum! Logo ele pegou nas costas da onça e, assim, venceu a luta. Depois lutou com a sogra. Hum! Pegou nas costas

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dela e venceu de novo.

– Este é mesmo meu sobrinho, minha velha! – disse o pai-onça ao ver o desem-penho do rapaz.

Passaram depois ao jogo de bola. O sogro foi andando ali para o lugar de onde deveria jogar. Ããããh! Pegou a bolinha de pedra e ficou lá em pé, mirando bem para acertar o rapaz. Tem! Jogou a bola, mas o rapaz a pegou. Quando foi a vez dele jogar, a esposa recomendou de novo:

– Você deve jogar de leve no velho!

O rapaz jogou e o velho rebateu. Jogaram novamente. Depois o rapaz teve que jogar com a sogra. Ah! Ela ficou mirando bem o genro e atirou a bola, mas não acertou. Era a vez do rapaz jogar, e a esposa novamente recomendou:

– Você deve jogar só de leve com a velha! Atire a bola de leve na mamãe!

Ele jogou devagar e a sogra rebateu a bola. Depois lutaram e jogaram de novo, e o rapaz saiu sempre vencendo.

Tsining Tsining Tsining! Em cada jogo, as onças apostavam contra o rapaz e le-vavam os objetos apostados – colares, arcos, flechas e outras coisas. Como ele vencia, elas traziam os objetos de volta. Ah! Iam devolvendo as coisas – Tsining Tsining Tsining! Quando tudo terminou, entraram nas casas.

No dia seguinte, novamente lutaram e jogaram bola. De um lado do campo es-tava jogando o rapaz e a esposa. Do outro, jogavam o sogro e a sogra. “Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy , Tsirowa hyhy!”, diziam. O pai foi na direção da filha assobiando: “I’I’I’IW, Tyrurury”. Ããã! Foi na direção da filha. Ficou mirando bem e jogou a bola: Tum! Mas ela rebateu. Quando chegou a vez do marido jogar, a moça-onça reco-mendou:

– Você deve jogar no velho só de leve.

Depois, quando jogava com a sogra ela falou de novo:

– Você deve jogar na velha só de leve! Jogue de leve na mamãe!

Ele seguiu as recomendação da esposa. Depois os jogadores trocaram de lado no

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campo, e assim ficaram jogando até o final da manhã.

No outro dia, Ah! no outro dia bem cedo o filho da onça estava vindo de outra aldeia, onde morava. – Hum! Ele foi entrando direto na casa do pai.

– Como está filho?

– É, vou indo – respondeu o filho.

– Deite-se um pouco para descansar – disse o velho.

O filho deitou-se e logo o velho começou a falar com ele:

– Filho!

– Sim!

– Tua irmã se casou!

– Está bem, deixe ela pra lá – disse o filho-onça.

Ele estava muito chateado, o pai havia saído da antiga aldeia onde ainda morava o filho. Saiu para evitar que o pessoal perigoso de lá se casasse com a moça-onça. Ele cobrou isso do pai:

– Pois é! Você casou a sua filha! Você a trouxe de lá para afastá-la do perigo de seu povo, no entanto casou-a com esse aí?

– Ora, é claro que não fui eu que fiz isso! Foi a tua irmã que ficou com ele, meu filho!

O filho da onça ficou só um pouquinho ali deitado e depois foi embora muito bravo. Chegou na sua aldeia e, no dia seguinte à tardinha, quando o sol já estava bem baixo, ele fez uma fala contando para o pessoal o que tinha acontecido:

– Rapaziada, o tio de vocês casou a filha dele!

As onças ficaram furiosas:

– Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy – faziam elas demonstrando desconten-

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tamento. – Ããã! Ficaram muito bravas e decidiram vir à aldeia do tio. No dia seguin-te, chegaram lá gritando, “u’u’u’u’hu hu hu”. Era um sinal de ameaça ante à presença de um estranho. Entraram na aldeia falando: “Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy, Tsirowa!”, e começaram a pisar duro no chão – tuk tuk,tuk,tuk – chamando para a luta.

Lá na aldeia estava um esquilo que, embora pequeno, era invencível na luta, era um verdadeiro campeão. Ele queria muito lutar primeiro com o rapaz. Pegou um pouco de terra, como fazem os lutadores antes da lutar, para a mão não escorre-gar, e ficou batendo os pés – tuk tuk tuk – desafiando o rapaz.

– Vem! – ele chamou.

Mas as onças não permitiram, porque acharam que ele era muito pequeno:

– Ora essa! De jeito nenhum! Você fica aí se metendo, só dizendo ‘eu’, ‘eu’, como se fosse gente grande! Nada disso!

Então o esquilo soltou a terra que segurou na mão e foi lá para um canto.

O cunhado-onça-pintada veio em direção ao rapaz batendo fortemente os pés chamando-o para a luta – tuk tuk tuk! Mal começaram e o rapaz pegou nas costas dele e o derrubou. Aí veio a onça preta lutar com rapaz. Logo ele pegou nas cos-tas dela e a derrubou também. Depois foi a vez da onça parda. Ela veio pra cima dele com muita raiva, mas o rapaz pegou nas costas dela e a derrubou, como fez com outras. Ele lutava muito bem.

– Desse jeito o cunhado de vocês nem vai senti-los, rapaziada! Ele luta muito bem! – disse o pai onça.

A luta terminou e já ia começar o jogo de bola. “Tsirowa hyhy, tsirowa hyhy, Tsi-rowa hyhy”.

As onças pagaram aos jogadores para matarem o rapaz e, dando por certo que isto iria acontecer, foram correndo pegar as coisa oferecidas como pagamento: – Tsining Tsining! O primeiro a jogar com o rapaz foi o cunhado, que era onça--pintada. Ficou de lá mirando cuidadosamente, e jogou a bola de pedra – Tum! Porém, o rapaz rebateu, atirando-a de volta no cunhado, que não acertou. Do mesmo modo ocorreu com a onça preta, e depois com a onça parda.

Então a jaguatirica, aquela pequena, queria jogar com o rapaz e já começou a pe-

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gar as coisas, o pagamento. “Tsining Tsining Tsining Tsining”... Foi pegando e colo-cando tudo lá. Mas o rapaz venceu – Nyk nykuwaoa! Aoo! Ela foi trazendo as coisas de volta. Ela fez isso sozinha e demorou muito. Já era tarde quando acabou.

Humm! As onças foram embora para sua aldeia. Chegaram lá somente para dor-mir e, no outro dia, retornaram bem cedo. Queriam lutar até o fim, para matar o rapaz. Chegaram gritando: “U’u’u’u’u’u’u’uhwa’u’uhu. Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy Tsirowa hyhy”!

– Escuta! São as onças chegando! – disse a onça-moça para o marido.

O “perigo do mata ciliar” veio de novo para lutar! Como da outra vez, o cunhado veio em direção ao rapaz, batendo fortemente os pés no chão desafiando-o para a luta. O rapaz foi lutar com o cunhado e logo o pegou nas costas. – Humm! – Derrubou-o. Então veio a onça parda:

– Agora eu vou lutar com ele!

– Humm!– O rapaz pegou-a nas costas e a derrubou. O mesmo aconteceu com a onça preta. Terminada a luta, passaram ao jogo de bola. O primeiro a jogar contra o rapaz foi o cunhado. Ficou mirando bem no pé do ouvido dele e atirou a bola de pedra – Tum! Mas o rapaz foi direto na bola e evitou. Ficaram assim, jogando, e o rapaz não perdeu nenhuma vez, continuava invicto. Tsinng Tsining Tsining!, começaram a devolver as coisas. Vinham trazendo, trazendo ..... Aaah! Quando terminaram, as onças foram embora.

Humm! Assim que elas partiram, o esquilo, que havia ficado o tempo todo escon-dido, apareceu de repente junto ao rapaz:

– Amigo, vamos banhar?

– Vamos – respondeu o rapaz.

– Vejo que você ainda está vivo! – continuou o esquilo.

– Pois é, ainda estou aqui – disse o rapaz.

– Amigo, as onças não desistiram e vão te comer! – disse o esquilo no caminho para o banho.

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– É sim, eu sei – disse o rapaz.

– Deixa tudo aí e vai embora, amigo!

– Está bem. Ficarei mais um dia, depois eu vou.

– Olha, se naquele dia eu tivesse lutado com você, eu teria vencido e, com isto, elas teriam te comido. Quer ver só? Vamos lutar? Começaram a se mover em círcu-los e, num piscar de olhos, o esquilo pegou nas costas do rapaz, vencendo assim a luta.

– Nooossa! Ainda bem que você não lutou comigo lá! – disse o rapaz.

– Pois é! Eu teria causado a tua morte. Veja bem, amigo. Era só você cair e elas teriam pulado sobre você e o teriam comido. Você deve ir embora, amigo. Elas estão pensando em te comer hoje! – disse o esquilo.

– Está bem, farei isso. Vou ficar aqui só mais uma tarde, e depois vou embora.

No outro dia, as onças vieram novamente para lutar. Chegaram gritando: “Hu,hu,hu”! “Tsirowa hyhy,Tsirowa hyhy, Tsirowa hyhy,Tsirowa hyhy”. Entrando na aldeia, começaram a pisar duro – Tuk tuk tuk tuk! O rapaz saiu de casa e desafiou o cunhado. Começaram a lutar e logo o rapaz venceu. E veio aquela pequena, a jaguatirica, lutar com ele e perdeu. Ele pegou nas costas dela, depois lhe deu um empurrão, derrubando-a.

Passaram ao jogo de bola. A onça preta pegou uma pedra branca. Puxa! A pedra era muito branquinha! A onça ficou mirando bem o rapaz e atirou a pedra nele. A pedra veio zunindo, mas ele rebateu e jogou de volta na onça. Por último veio novamente o cunhado. Jogou a pedra no rapaz e ele a rebateu. A onça parda veio mais uma vez. Estava com muita raiva, e dizia consigo:

– Eu vou matar esse sujeito!

O rapaz foi direto na pedra que ela jogou e, ao revidar, mirou embaixo da barriga dela. Atirou a pedra e acertou bem onde queria. A onça caiu.

– Disse jeito vocês não podem mais deter o cunhado de vocês rapazes – disse o sogro.

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Aaah! Então a onça parda, atingida, foi se sentar num canto. Ah! Ficou lá sangran-do. A pedra que o rapaz acertou nela passou raspando por baixo da barriga e foi arrancando a pele. Ela ficou lá sentada. O pessoal veio trazendo as coisas para vencer o rapaz, que seguia lutando e vencendo. E assim continuaram. Já era bem tarde quando as onças foram embora. Lá se foram as onças. O esquilo ainda ficou na aldeia e tornou a aconselhar o rapaz:

– Você deve ir embora, amigo!

– Está bem – ele concordou.

Os dois estavam indo novamente juntos para o banho e no caminho, o esquilo insistiu: – Vá embora amanhã, amigo. Elas vão te enganar! Elas vão te enganar!

Humm! As onças estavam à espreita, querendo comer o rapaz. Mas não tiveram êxito, pois ele estava vigilante. No dia seguinte ele foi embora. Primeiro, avisou ao esquilo: – Vou vestir o meu cocar e colocar o meu cinto.

Ele ficou se aprontando, e depois mentiu para a esposa:

– Eu vou banhar, meu bem!

– Está bem, pode ir – ela respondeu. Ela estava grávida, já perto de dar à luz. O filho estava bem perto de nascer, mas o rapaz saiu dizendo a si mesmo: – Eu vou embora daqui!

Ele rumou para a sua aldeia. Aaah! Quando chegou lá, o pessoal veio cumprimen-tá-lo dizendo:

– Você chegou! Você chegou!

– Sim, eu cheguei. Que horror! Ninguém aguenta ficar lá! Numa hora assim, as onças chegaram de repente e, no outro dia, já estavam querendo me comer. Eu quase ma-tei a onça parda! Deixei-a com o peito todo esfolado! Por pouco não matei as onças.

Então o rapaz ficou um tempo em reclusão dentro da casa. Depois começou a correr, sempre, treinando para ser campeão e ficar veloz como as onças. Sabe-se lá porque, ele treinava correndo na direção do fundo das casas, ao invés de fazer isso dentro da praça da aldeia! Ele ficava treinando lá – “U u u u”!

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Enquanto isso, lá na aldeia dos sogros, a esposa dele já estava com o rosto todo murcho de tanto de chorar. O cunhado e as onças da outra aldeia continuavam decididos a comer o rapaz e, pensando que ele ainda vivia com a esposa, vieram outra vez. Um dia chegaram lá gritando: “Hi’hi’i’i’iw’ú hu hy hi’uuuu”!, mas não houve qualquer resposta.

– Ele foi embora – disse a esposa do rapaz.

– Ele ficou com medo, ficou mesmo com medo! – diziam as onças.

Ããã! Elas partiram desapontadas. Pois bem, as coisas foram seguindo assim, até que, depois de algum tempo, o sogro tomou uma decisão:

– Vamos pegá-lo lá na aldeia dele, minha velha!

– Está bem! – Ela concordou e eles foram pra lá. Acomodaram-se num lugar próxi-mo e ficaram tocaiando. Hum! De lá o sogro viu alguém treinando corrida.

– Olha aquele lá! Parece que é ele, minha velha!

– Parece sim – ela disse.

– Vamos mais perto!

No dia seguinte vieram e ficaram mais perto da aldeia, tocaiando. Desta vez iriam pegar o rapaz, iriam pegar a alma dele!

Pois é. No outro dia vieram cedinho e ficaram bem perto, à espreita. Ãã! O rapaz veio correr de manhã. Huuuuu! Ficou treinando corrida, indo e voltando de um lado da aldeia para o outro. Voltou uma última vez.

– Zaz! Logo as onças agarraram o infeliz. Agarraram o genro. A sogra e o sogro pegaram a alma dele e levaram. O rapaz veio de lá para morrer. Ficou muito mal, gritando de dor. Pois logo morreu e desapareceu. Foi-se, o infeliz. Alguns dizem que quem veio buscar a alma dele foi o sogro. Outros dizem que foi a sogra. Ou-tro dizem que foi a esposa.

Fim.

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Pintura corporal do povo Kamayura

MODO DE CHEGAR A PINTURA DE OUTRO POVOS

Na cultura do Kamayura, cada pintura tem seu nome e significado na língua, e a pintura vem sendo passada de geração em geração. Antigamente as pessoas usavam jenipapo para se pintar, que continua sendo usado na forma certa e res-peitando a pintura. A pintura do Kwarup é a mais respeitada: somente lutador usa, só na festa de Kwarup, para lutar com outra pessoa como ele. As pinturas vinham sendo pouco valorizadas.

A comunidade tem contato com outros povos, tiveram relacionamento e se casa-ram, e essas pessoas aprenderam a pintura desses outros povos. Desde 2005 e 2006, mais pinturas de outros povos vêm surgindo na comunidade. Hoje em dia a geração aprende cada vez mais a pintura de outros povos, no encontro, reunião e através de fotografia. Outras pinturas de outros povos estão vindo e sendo usadas, tendo a sua origem nestes povos, seus significados na língua e seu modo de usar na festa.

Nos anos de 2012 e 2013, as comunidades tiveram muitas pinturas diferentes, pou-cas pessoas usavam as suas próprias pinturas, e muitos usavam pinturas diferentes, principalmente as mulheres. Até as tintas foram substituídas, pois antigamente a comunidade usava tinta de jenipapo, hoje em dia não se usa muito jenipapo nem (yrykyjup); as tintas mais usadas são as da cidade.

PINTURA

Na aldeia Kamayura, existem 22 tipos de pinturas diferentes; com a chegada de outras pinturas, deve ser aumentado. Cada uma delas tem seus nomes, tais como: aru’a tapaka, kwarywa tapaka, judja tapaka, apyryrĩ e etc. As pinturas ser-vem para enfeitar as coxas das mulheres e dos homens, nas festas que acontecem a qualquer momento na comunidade.

Elas representam imagens de algumas aves, insetos, caminho da formiga, e ou-tros, sendo usadas também para enfeitar diferente tipos de artesanatos.

As mulheres são as que mais usam para pintar seus parentes, filha, netos e irmãos durante os acontecimentos cerimoniais e para tirar luto do parente que já fale-ceu. Ou seja, quando perdeu alguém da sua família, nesse momento aparecem as pinturas especiais para pintar os caciques.

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A cultura está mudando, aquela época dos nossos avôs com a sua cultura tradi-cional, não era como hoje com a modernidade, com carro, motor-de-popa e etc. A cultura muda no homem e depois na pintura, que cada vez muda o seu modo de fazer. Desde 2006, vem mudando, a cada ano surgindo uma nova.

Na escola Mavutsinin trabalham três professores indígenas que dão aula de cul-tura de canto, da luta huka-huka e artesanato para alunos. Para as moças: canto de jamurikumã, pintura corporal e artesanato.

PARA SE USAR CERTAS PINTURAS: CADA UMA TEM SEU SIGNIFICADO

Aryrya rape Essa pintura serve para mulheres. Outra pintura de aryrya rape é im-portantíssima, utilizada para tirar luto da pessoa que perdeu parente.

Kaninea retowape é um pintura do rosto de arara, que serve somente para as mulheres. Outra pintura, da arara retowape, é utilizada para pintar artesanato, por isso que poucas pessoas usam.

Pir ywyte kang é pintura utilizada em qualquer momento na festa.

Mojupep é usada pelas mulheres adultas, na festa jamurikumã ou em qualquer momento.

Apyryrĩ, essa pintura serve em duas coisas, para pintar no Kwarup, ou as pessoas usam para pintar seu corpo. Outra pintura, do apyryrĩ, era pintura do warakuni, que namorou a própria irmã. É mais usada para pintar as moças e os moços.

Aru’a Tapaka é a pintura do morcego, essa pintura é bonita e é usada somen-te para moças que estão em reclusão, quando vão participar de algumas festas realizadas na aldeia. Antes de a moça sair de casa onde está em reclusão, as suas pernas serão pintadas com essa pintura, para ela dançar. Então, essa pintura não é muito usada na aldeia. Não é usada pelos homens, nem pelas crianças. E as moças só usam de vez em quando, para a moça que está na reclusão participar na festa e quando está saindo da reclusão.

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Kwarywa tapaka Essa pintura é importante, mais usa-da para pintar o tronco do Kwarup. Muitas pinturas es-tão mudadas na sua forma de fazer: o uso das pinturas de outros povos é o principal motivo. Kwarywa tapaka é pintura importante para o povo Kamayura, sendo usada para pintar o tronco do Kwarup na festa em que homenageamos os mortos. Ela também é usada para tirar luto da pessoa que perdeu irmão ou família. Por isso é respeitada, somente sendo usada pelos velhos ou adultos de ambos os sexos.

Yudja Tapaka Essa pintura é emprestada dos Yudja. Ela não tem significado nem valor especial para os Kamayura. Mas tem grande importância para os Yud-ja, sendo usada por eles em qualquer festa, tanto por homens quanto por mulheres.

Tapaka Essa pintura, que tem o nome do peixe pa-cuzinho, serve para todos: jovens, adultos, moças e meninas. Ela é utilizada em qualquer momento em que tiver festa, e também para enfeite pessoal, para embelezamento.

Kwarywa tapaka é pintura importante, mais usada para pintar os troncos do Kwarup na festa em que homenageamos os mortos. É usada também para ti-rar luto da pessoa. Ela é muito respeitada, por isso as pessoas não a usam muito, mas apenas para pintar Kwarup. O que usam mais para tirar luto são pinturas de tapaka.

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Kanine aretowape é a pintura do rosto de arara. Essa pintura serve somente para as mulheres e é ainda usada na aldeia, no dia a dia. As pinturas mais usadas são: kanine aretowape, tapaka, apyryrī e muitas ou-tras. Elas usam mais essas pinturas na festa, em qual-quer festa. Hoje em dia, as moças usam muitos tipos, mas poucas sabem essa pintura.

Apyrurī Essa pintura serve para todos, homens e mu-lheres. Ela tem história. No relato de historiadores, eles dizem que essa era pintura de Warakuni. Na his-tória contada, esse sujeito namorou sua própria irmã. Por isso as moças usam muito essa pintura: elas ficam mais bonitas e usam no dia a dia. Poucos homens usam, na festa. Hoje em dia as mulheres têm mais criatividade para inventar pinturas.

Ayrya rape é caminho da formiga, pintura que não é muito usada na festa. Somente as mulheres adultas a usam na festa. Também tem outra pintura usada somente por elas, que poucas moças usam, que se chama mojũpep. Ela também é muito usada quando alguém perde parente, porque ajuda a tirar a tristeza da pessoa. É para pintar as mulheres.

Pira Ywyte kang é coluna vertebral de peixe. Essa pintura é para usar em qualquer festa, como Jamu-rikumã, Taurawana, Takwara e outras. Também não é muito usada. Quem usa mais é quem tem mais de 30 a 35 anos, poucas moças usam.

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