origem da ayurveda

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este importante momento da nossa pesquisa vamos analisar o Ayurveda dentro do contexto histórico da sua gênese. Pois apesar dos autores indianos colocarem a Medicina Ayurvedica ou Ayurveda como um derivado dos vedas ou upa-veda. Nos textos védicos, que chegaram até a nossa era não existe nenhuma referencia ao termo Ayurveda, e nem a tradicional classificação do tipo psico-fisico dos doshas que é fundamental, dentro do diagnóstico e tratamento, segundo os textos clássicos da Medicina Indiana. Ranade, Qutab e Deshpande, médicos e autores indianos afirmam:   “ Dentro dos quatro Vedas, Atharva Veda é o mais antigo registro do conhecimento médico durante o período védico. Então a ciência do Ayurveda é um sub-ramo do Atharva Veda. Este contém muitos hinos, preces e encantamentos para o tratamento de doenças para serem utilizados com as plantas medicinais. A maioria dos versos védicos de cura estão no Atharva Veda. Mais de cem dos seus hinos são dedicados a condições como: febre, lepra, doença do coração, dor de cabeça, reumatismo, epilepsia etc...” (Ranade, Qutab, Deshpande,1998: 11 )  Esta afirmação é uma crença geral da tradição indiana, porém o nosso questionamento é que como um conhecimento pode ser um sub-ramo de outro mais antigo se este não cita nenhuma das suas teorias básicas e muito menos o seu nome? Os mesmos autores parecem se contradizer quando mais adiante no livro “ History and Philosophy of Ayurveda” afirmam:   “ É importante notar que o conhecimento sobre os princípios fundamentais do Ayurveda não foram documentados durante o período védico. O crescimento e desenvolvimento do Ayurveda ocorreu principalmente durante o período Asha.” (Ranade, Qutab, Deshpande, 1998:12)  E mais adiante os autores não descrevem uma data precisa para o período Asha mas dão uma idéia subjetiva que este período seria posterior ao período védico quando os principais textos clássicos do Ayurveda foram compilados:   “ Este período se estende através de alguns séculos e é caracterizado pelo aparecimento de muitos tratados, sistematizados, sobre o tema do Ayurveda por diferentes sábios. Ayurveda, a ciência da vida, é reconstituído de uma origem mítica através do semimítico até o seu inicio histórico.” (Ranade, Qutab e Deshpande, 1998: 12)  É exatamente esta origem histórica que não está bem clara, pois do período védico, que Max Muller colocou como entorno do segundo milênio antes da nossa era, até a compilação dos compêndios clássicos do Ayurveda, chamados de Samhitas, principalmente Bhela, Susrura e Charaka Samhitas pode haver uma distancia de algumas centenas de anos que estão cobertos por escuridão. A colocação de Ramachandra Rao sobre os ramos da Medicina Indiana e a possível raiz do Ayurveda é deveras interessante:   “ A Medicina Indiana chegou até nós em alguns ramos, quatro deles sobressaem-se claramente. O primeiro ramo é composto por médicos profissionais chamados vaidyas ou bhishaks originalmente pertencentes a uma classe de pessoas chamados ambashtas. O segundo consiste de vendedores errantes, a maioria deles de origem tribal, que coletam drogas e ervas nas florestas e montanhas e as vedem nas aldeias. O terceiro grupo são sacerdotes dos templos, especialmente os de crença Vaikhanasa que também são chamados a atuar como médicos.O quarto ramo é

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este importante momento da nossa pesquisa vamos analisar o Ayurveda dentro docontexto histórico da sua gênese. Pois apesar dos autores indianos colocarem aMedicina Ayurvedica ou Ayurveda como um derivado dos vedas ou upa-veda. Nostextos védicos,que chegaram até a nossa era não existe nenhuma referencia ao termo Ayurveda, enem a tradicional classificação do tipo psico-fisico dos doshas que é fundamental,

dentro do diagnóstico e tratamento, segundo os textos clássicos da Medicina Indiana.Ranade, Qutab e Deshpande, médicos e autores indianos afirmam:  “ Dentro dos quatro Vedas, Atharva Veda é o mais antigo registro do conhecimentomédico durante o período védico. Então a ciência do Ayurveda é um sub-ramo doAtharva Veda. Este contém muitos hinos, preces e encantamentos para o tratamentode doenças para serem utilizados com as plantas medicinais. A maioria dos versosvédicos de cura estão no Atharva Veda. Mais de cem dos seus hinos são dedicados acondições como: febre, lepra, doença do coração, dor de cabeça, reumatismo,epilepsia etc...” (Ranade, Qutab, Deshpande,1998: 11 ) Esta afirmação é uma crença geral da tradição indiana, porém o nosso questionamentoé que como um conhecimento pode ser um sub-ramo de outro mais antigo se este nãocita nenhuma das suas teorias básicas e muito menos o seu nome? Os mesmosautores parecem se contradizer quando mais adiante no livro “ History and Philosophyof Ayurveda” afirmam:  “ É importante notar que o conhecimento sobre os princípios fundamentais doAyurveda não foram documentados durante o período védico. O crescimento edesenvolvimento do Ayurveda ocorreu principalmente durante o período Asha.” (Ranade, Qutab, Deshpande, 1998:12) E mais adiante os autores não descrevem uma data precisa para o período Asha masdão uma idéia subjetiva que este período seria posterior ao período védico quando osprincipais textos clássicos do Ayurveda foram compilados:

  “ Este período se estende através de alguns séculos e é caracterizado peloaparecimento de muitos tratados, sistematizados, sobre o tema do Ayurveda pordiferentes sábios. Ayurveda, a ciência da vida, é reconstituído de uma origem míticaatravés do semimítico até o seu inicio histórico.” (Ranade, Qutab e Deshpande, 1998:12) É exatamente esta origem histórica que não está bem clara, pois do período védico,que Max Muller colocou como entorno do segundo milênio antes da nossa era, até acompilação dos compêndios clássicos do Ayurveda, chamados de Samhitas,principalmente Bhela, Susrura e Charaka Samhitas pode haver uma distancia dealgumas centenas de anos que estão cobertos por escuridão. A colocação deRamachandra Rao sobre os ramos da Medicina Indiana e a possível raiz do Ayurveda é

deveras interessante:  “ A Medicina Indiana chegou até nós em alguns ramos, quatro deles sobressaem-seclaramente. O primeiro ramo é composto por médicos profissionais chamados vaidyasou bhishaks originalmente pertencentes a uma classe de pessoas chamadosambashtas. O segundo consiste de vendedores errantes, a maioria deles de origemtribal, que coletam drogas e ervas nas florestas e montanhas e as vedem nas aldeias.O terceiro grupo são sacerdotes dos templos, especialmente os de crençaVaikhanasa que também são chamados a atuar como médicos.O quarto ramo é

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ilustrado por aquilo que podemos chamar de “remédios caseiros”, a sabedoria e práticamédica que foram, até recentemente, comuns dentro do meio doméstico denominadascomo “prescrição da vovó”em todo o país.” (Rao,1985: 2) Com esta afirmação podemos ver a grande heterogeneidade das práticas médicas naÍndia, aqui Ramachandra Rao sugere um sincretismo da sabedoria popular com

influencia na origem do Ayurveda:  “ Pode ser visto prontamente que o primeiro destes ramos apóia-se em uma literaturatradicional elaborada e uma disciplina empírica. Os outros três estão obviamenteenraizados em práticas populares, para eles naturalmente faltam uma tradiçãodocumentada e padronizada para sustentar suas práticas e prescrições . Masconsiderando a difusão e a singular surpreendente correspondência entre estaspráticas em diferentes partes da Índia, é razoável assumir que a tradição popular,apesar de não estar documentada, foi profundamente enraizada e largamenteembasada. É possível que mesmo a habilidade e a sabedoria médica do profissionalmédico na Índia antiga foram definitivamente fundadas na tradição popular. Oarcabouço essencial foi fornecido pela habilidade popular e os detalhes foramtrabalhados nos anos subseqüentes pela observação, racionalização, experiência eexperimentação.”(Rao, 1985:2) Com esta afirmação o autor coloca a sabedoria da medicina popular como uma grandeinfluencia dentro do Ayurveda, mas as suas especulações não se limitam a medicinapopular. Ramachandra Rao acredita na influencia de outras fontes e escolas naformação do Ayurveda:  “ A medicina profissional na Índia tem quatro linhas maiores de desenvolvimento,todas elas têm origem em um passado remoto. Duas delas, uma representada pelomédico Charaka e outra pelo cirurgião Susruta ( ambos viveram em séculos anterioresa era cristã) são coletivamente chamadas de Ayurveda ( ou a Ciência da Vida), e foramintegradas dentro do corpo védico.Eles constituem uma tradição, separada em oito

ramos. A terceira linha de desenvolvimento é o sistema de alquimia terapêuticaconhecido como Rasavaidya ( ou a escola Rasayana), no qual há um grande uso demetais e mercúrio. Este é um ponto de encontro entre a química indiana e a MedicinaIndiana. Este sistema está normalmente incluído na tradição ayurvedica, desenvolveu-se quase que indepen-dente do corpo védico, e tirou proveito do contato com outrasculturas como a Árabe, Persa e Chinesa. A quarta linha de desenvolvimento é osistema Siddha , ( ou o “perito”) o qual a origem é extremamente obscura, porem foi,claramente, fora da tradição védica. Atualmente é prevalente apenas no sul da Índia,especialmente em Tamil Nadu. Existe pouca dúvida que todas estes sistemas foramenraizados na cultura tantrica e foram grandemente influenciados pelo complexoSamkhya-Yoga.”( Rao, 1985: 3) Com estas afirmações, que não são aceitas pelos hindus ortodoxos, Ramachandra Rao

coloca outras influencias na formação do Ayurveda. A possível interferência de fontesestrangeiras na formação do Ayurveda é uma hipótese bem interessante pois comovimos as trocas comerciais entre a Índia e a China eram uma realidade a partir doséculo II A C. Mas a influencia da tradição tantrica, certamente não védica, é umacolocação de extrema ousadia dentro do sistema ortodoxo hindu, que não aceita estatradição como legitima pois é colocada como marginal ao corpo de conhecimento dosVedas. 

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Tantra é um termo sânscrito que significa teia ou urdidura, deriva do radical “tan”quetem o sentido de expandir. Tantra também pode significar sistema, ritual doutrina oucompendio. Segundo explicações esotéricas Tantra é aquilo que expande oconhecimento ou sabedoria, neste sentido a filosofia do Tantra levaria ao auto-conhecimento. O Swami Rama em seu interessante trabalho “Vivendo com os Mestresdo Himalaia” afirma:

  “ Há uma vasta literatura sobre a filosofia e a ciência do Tantra, que não secompreende com facilidade e que é amiúde mal empregada. Ciência esotéricaaltamente avançada, tem sido praticada por hindus, jainistas e budistas. De acordocom a ciencia do Tantra, macho e fêmea são dois princípios do universo chamados deShiva e Shakti. Os dois princípios existem no interior de cada individuo.Há três escolasprincipais de Tantra: Kaula, Misra e Samaya. Os Kaulas, ou tantristas da mãoesquerda, adoram Shakti e seu modo de adoração envolvem rituais externos, incluindopráticas sexuais. Meditam sobre a força latente interior (Kundalini) e a despertam nochacra Muladhara, localizado na base da espinha. Os leigos, muitas vezes, empregammal este caminho. Na escola Mishra ( mista ou combinada), o culto interior combina-secom práticas externas. A força latente, despertada e conduzida ao chacra Anahata( centro do coração),ali é adorada. O caminho mais puro e mais alto do Tantra chama-se Samaya, ou caminho da mão direita. Puramente iogue, nada tem que ver comqualquer ritual ou forma de culto que envolva sexo. A chave é a meditação no lótus demil pétalas, o mais elevado de todos os chacras.... O estudo dos chacras, nadis( correntes nervosas sutis) e pranas ( forças vitais) e um estudo filosófico da vida sãonecessários a quem quiser ser aceito como discípulo desta escola.” ( Rama, 1978:241) Segundo Feuerstein o Tantra desenvolveu a sua própria forma de terapia, poucoconhecida no ocidente, é baseada na idéia da auto-purificação não só no nível físico emental mas também a nível energético. A purificação física é feita através dosexercícios de Hatha Yoga, o Yoga da força, a purificação mental consiste em práticasde meditação e a purificação energética através de exercícios respiratórios para

harmonizar o prana. Os praticantes do Tantra são zelosos em manter o seu bem estarfísico. Feuerstein coloca:  “ Com este fim, eles se beneficiam das técnicas do Hatha Yoga e dos muitos remédiosnaturopaticos do Ayurveda(Ciência da Vida), que vão de ervas à dieta e ao jejum.Fazem inclusive uso de preparados químicos que acreditam promover a saúde elongevidade. Desde os primórdios que tem existido um vinculo entre Tantra, medicinae alquimia. Todos os três se desenvolveram através de experimentação e experiênciapessoal ao longo de muitos séculos. Numerosos iniciados escreveram textos sobreYoga e medicina. Assim Patanjali que compôs o Yoga-Sutras, é considerado tambémautor de obras sobre medicina e gramática.”( Feuerstein, 2001: 169 ) A origem do Ayurveda pode ter sido múltipla através de diversas fontes de varias

regiões dentro e fora da Índia. Algumas possíveis fontes de desenvolvimento da “Clássica Medicina Indiana” já foram colocadas como: os Vedas, mais especificamenteo Atharva Veda, o Tantra, a alquimia indiana e influencias provenientes de paísesvizinhos como os Árabes e os Chineses. Sobre estas influencias no AyurvedaRamachandra Rao coloca:  “ Se o Ayurveda surgiu da tradição tantrica para uma carreira independente, ossistemas de alquimia da Medicina Indiana, Rasachikitsa e Siddha, continuaram os seusenvolvimentos com as idéias tantricas. Não é fácil identificar as origens das idéias

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alquímicas na Índia. Presume-se que o contato com a China, o primeiro lar da alquimia( em torno do terceiro século A C), foi o responsável pelo desenvolvimento destecomplexo teórico-pratico aqui. Mas os objetivos gêmeos da alquimia, nominalmente, atransmutação de metais comuns em metais nobres (como ouro e prata ) e oprolongamento da vida por um elixir são sugeridos nos registros védicos. As idéiasalquímicas eram prevalentes aqui desde, possivelmente, tempos pré-vedicos, apesar

deles não produzirem um sistema,como eles produziram na China, Egito, paísesÁrabes e Europa Ocidental, até três ou quatro séculos após Cristo. A utilização dosmetais, minerais pedras preciosas e ervas para fins medicinais e mágicos eraconhecida pelos poetas do Rig Veda e do Atharva Veda.... A influencia chinesa estavacertamente lá, especialmente nos primeiros séculos da era cristã, e a Mahachina ( agrande China ou Tibet) era uma terra familiar aos tantricos e alquimistas da Índia.Siddha Nagarjuna supostamente foi lá; e o Siddha de Tamil, Bogar, é dito ter vindodaquele país. Ambos foram eminentes mestres da alquimia indiana durante o quarto equinto século...” (Rao, 1985: 10) 

Alem da possível influencia da alquimia tantrica e da escola chinesa existe uma outrapossibilidade que foi pesquisada e referendada por Zysk que é a dos ascetas errantesque eram prevalentes na Índia durante o período de Buda, século V e VI A C, e quefaziam parte de uma tradição “não bramanica”ou seja fora do corpo védico deconhecimento. Estes ascetas errantes foram denominados Sramanas. É possível que onome Charaka (autor do clássico do Ayurveda Charaka Samhita) tenha alguma relaçãocom esta tradição, pois a palavra caraca um nome masculino da raiz sânscrita “car” significa um errante ou um asceta, possívelmente um asceta errante dedicado amedicina ou seja o grupo dos Sramanas. Mircea Eliade em seu surpreendente trabalho “Yoga, Immortality and Freedom” faz referencia aos Sramanas como mágicos:  “Mágicos, ascéticos e comtemplativos continuam a aparecer no crescente corpo detextos rituais e comentários. Algumas vezes há, nada mais que uma alusão, como, porexemplo no caso de certa classe de “black sramanas- magicians” mencionados no

Apastamba-sutra ( 2, IX, 23, 6-8): “Agora eles realizam seus desejos meramente, porimaginá-los. Por exemplo, (o desejo de) obter chuva, conceber uma criança, mover-setão rápido quanto o pensamento e outros desejos desta espécie.”( Eliade, 1967: 135 ) Provavelmente a medicina foi “empurrada” para as tradições marginais ao corpo védicoe perdeu seu status devido ao conceito védico, descrito nos textos daquele período, deque o médico era considerado impuro e por isto o Brâmane não deveria seguir acarreira médica pois teria que entrar em contato com pessoas de classes inferiores ouseja impuras.Podemos entender melhor esta questão ao lermos as palavras de Zysk:  “Trabalhos literários sub-sequentes , particularmente...do período védico tardio( 900a500 A C) indicam que os médicos e a medicina foram denegridas pela hierarquia

sacerdotal, que censurava os médicos pela sua impureza e pela sua associação comtodo tipo de pessoas. Uma passagem do Taittiria Samhita fornece evidencias doconceito dos sacerdotes pelos médicos...: “Os deuses falaram para aqueles dois: “estes dois médicos, que vagam com humanos, são impuros. Portanto a medicina nãoé para ser praticada pelo Brahman, pois aquele que é um medico ( bhisaj ) é impuro,inadequado para o sacrifício”... (Zysk, 1998; 22) 

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Os médicos, segundo a tradição vedica-bramanica, eram considerados impuros logoinadequados para participar dos rituais e sacrifícios que estavam restritos aosBrâmanes, que eram os sacerdotes e a elite religiosa no período dos Vedas. É provávelque esta estrutura social tenha levado a formação de uma tradição não védicaassociada as artes da cura e que a partir desta tradição, que não estava restrita asregras Bramanicas, tenha surgido uma abordagem, com relação a saúde, distinta

daquela dos Vedas. Na literatura encontramos referencias aos ascetas errantes quepoderiam ter representado este papel pois não estavam restritos as crença védicas das “impurezas criadas por vagar entre os homens”.  “ Evidencias significativas da conexão entre as artes médicas e os ascetaserrantes( Sramanas) é proveniente do relatório do historiador grego Meghasthenes( 300 A C ), um embaixador especial enviado por Seleucus para a corte de ChandraguPta Maurya no Pataliputra (moderno Patna). Suas observações são comunicadas pelohistoriador e geógrafo Strabo ( 64 A C a 21 D C ): “... e em relação aos Garmanes( Sramanas), Megasthenes diz que alguns, os mais estimados, são chamados Hylobii,(habitantes das florestas), que vivem nas florestas, sobrevivendo de folhas e frutasselvagens, vestem-se de cascas de arvores, e não se entregam ao intercurso sexual eao vinho.... E após os Hylobii, Megasthenes diz que, os médicos, vem em segundo emhonra, e que eles são filósofos, interessados na humanidade, frugais, porem não vivemda terra, sustentam-se com arroz e cevada...ele diz que eles são capazes de fazergerar múltiplos filhos... através da arte de preparar e utilizar as drogas, porem eleslevam a cura através dos grãos, na maioria das vezes, não através das drogas, e sobreas drogas, ele diz que, as mais estimadas são os ungüentos e os emplastros, mas têmmuitos perigos no resto. E, ele diz, que, ambos, os primeiros e os segundos,( Sramanas) praticam resistência, ativa e inativa, então eles podem ficar fixos em umapostura todo o dia; e há outros que são proféticos, habilidosos no uso dosencantamentos, e habilidosos nas palavra e costumes associado aos que “falecem”, eaqueles que pedem esmolas através das aldeias e cidades, por outro lado há outrosque são mais atraentes que estes mais urbanos...e, ele diz que, as mulheres assimcomo os homens estudam filosofia com alguns deles, e as mulheres também abstêm-

se do sexo.” (Zysk, 1998: 37) 

Nesta referencia de Megasthenes fica bem claro a associação dos Sramanas com amedicina e a filosofia. Podemos relacionar os Sramanas com monges budistas ouyogues que praticavam austeridades, posturas de Yoga e meditação, assim como ocelibato. Provavelmente eram considerados sábios pois “ as mulheres assim como oshomens estudam filosofia com alguns deles”. Os Sramanas podem ser aquilo queFilliozat chamou de “ intermediary tradition” no seu trabalho “The Classical Doctrine of Indian Medicine”:  “ A Medicina Indiana teve, portanto, retirado dos Vedas os principais elementos da suadoutrina geral. Desse modo, o Ayurveda é o legitimo herdeiro dos Vedas, porém

desenvolveu a uma vasta extensão o patrimônio recebido. Sistematizou idéias antigasque constituiu um imenso tesouro de observações e experiências ambas com relaçãoas doenças e o meio de curá-las. Quando nós encontramos isto pela primeira vez nostextos clássicos, parece como se existisse um abismo entre o conhecimento acumuladopor eles e as escassas noções médicas que podem ser encontradas nos antigos textosvédicos. Os trabalhos intermediários, aqueles que nós poderíamos observar aconstituição gradual do vasto edifício, que repentinamente, aparece a nossa frente nasua forma já pronta, não chegaram até nós ...É devido a necessidade de umacontinuação entre as especulações védicas e a clássica doutrina do Ayurveda que nós

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podemos afirmar com certeza a existência de uma tradição intermediária.” (Filliozat,1968: 188)

Esta tradição intermediária, possivelmente, seria uma tradição de ascetas errantes,que viviam a margem da tradição hegemônica dos Brâmanes védicos. A tradição

budista e os ascetas Sramanas, ambos não védicos, seriam possivelmente a molapropulsora no desenvolvimento de um sistema empírico-racional que veio “concorrer” com a medicinamágico-religiosa dos textos védicos, principalmente o Atharva Veda. É muitointeressante a colocação de Ramachandra Rao sobre os ascetas Sramanas:  “ A medicina Indiana foi ativamente cultivada durante alguns séculos ( sete a oito deacordo com Filliozat) antes do nascimento de Cristo. Nós temos a evidencia deMegasthenes, o embaixador grego que visitou a Índia no quarto século A C, que osSramanas ( um grupo de filósofos e ascetas fora da cultura védica) eram praticantesde medicina e eram grandemente respeitados pela população por estes serviços. Háuma sugestão em Strabo ( 15, 170) que estes Sramanas eram também mágicos,dando crédito a visão que a Medicina Indiana pertenceu a tradição Tantrica.” ( Rao,1985: 8) Com estas referencias fica bem claro a conexão entre os ascetas Sramanas e aMedicina Indiana, mas com relação a tradição budista que se iniciou a partir do séculoVI A C com Sidharta Gautama, o Buda, podemos afirmar que a medicina budista, queera um dos conhecimentos que os monges deveriam estudar, teve como seu pioneiro opróprio medico de Buda, Jivaka Komarabhacca. Contam os textos budistas que Jivakafez sua formação em Taxila, no noroeste da Índia, onde estudou por sete anos com umrenomado médico chamado Atreya. Segundo a tradição Jivaka, após sua formação comAtreya, se tornou médico do rei e foi designado para tratar o próprio Buda sendoconsiderado o maior médico da sua época.. Zysk cita uma importante passagem de umtexto budista em pali que faz uma conexão direta entre o Ayurveda, a medicina

budista e os Sramanas, ou Samanas em pali, através das palavras do próprio Buda:  “ Quando questionando o Buddha sobre a causa do sofrimento da humanidade, oasceta errante Sivaka, que pode ter sido um medico, disse que alguns Samanas eBramanas afirmam que o sofrimento é causado apenas pelas ações passadas, Karma.O Buddha disse que esta visão era incorreta e que a causa do sofrimento dahumanidade tinha oito razoes: “bile (Pitta), fleuma ( Kapha), vento( Vata) e suascombinações ( sannipata), mudança das estações ( utu), estresse de atividades nãousuais (visamaparihara) (e.g.sentar ou ficar muito tempo em pé), os excessos, sairrepentinamente a noite,( ser mordido por uma cobra) agentes exter-nos (ser presocomo ladrão ou adultero) e o resultado de ações passadas é o oitavo” ( Zysk, 1998;30) 

Este texto acima poderia, sem nenhum erro de doutrina, estar dento de um tratadoclássico sobre Ayurveda, pois as mudanças de estações, as alterações de Vata, Pitta eKapha, os excessos e os agentes externos são todos citados na clássica MedicinaIndiana como causadores de doenças. Podemos, então, aferir a ligação que existia dobudismo primitivo com o Ayurveda e a tradição dos ascetas errantes, cada um delesestava fora da tradição dos Vedas ou seja não eram aceitos pela tradição religiosahegemônica naquela época. Isto coloca a comunidade budista (sangha) em destaque,pois, afirma a tradição, que Buda negou a autoridade dos Vedas e como vimos os

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textos védicos daquele período colocavam a profissão médica como impura logoinadequada para o Brâmane. A nossa hipótese aqui é bem clara: a tradição que deuorigem ao Ayurveda não pode ser védica pois a medicina foi menosprezada pelostextos védicos.Com relação a isto Zysk afirma:  “ O movimento ascético heterodoxo na Índia antiga abasteceu com uma orientação

social e filosófica os primeiros budistas e teóricos médicos. Os médicos, como osascetas, eram buscadores de conhecimento e fora de castas, evitados pelos hindusortodoxos. Eles erravam, realizando curas e adquirindo novos medicamentos,tratamentos e conhecimento médico, e eventualmente se tornaram indistinguíveis dosoutros Sramanas com os quais estavam em contato freqüente. Os médicos não eramnecessariamente ascetas, mas muitos ascetas, como os monges budistas curadores,poderiam muito bem ter sido médicos.Um enorme deposito de conhecimento médicodesenvolveu-se entre estes médicos Sramanas fornecendo a tradição médica indianaos preceitos e a prática daquilo que seria conhecido como Ayurveda. Os primeirosdocumentos desta tradição médica ocorreram quando os ascetas errantes assumiramuma existência mais estacionária, enclausurados nos monastérios budis-tas primitivos.” ( Zysk, 1998: 37) A nossa hipótese aqui é que varias tradições, que estavam em contato no primeiromilênio antes da nossa era, principalmente a partir da época de Buda, século VI A C,foram as responsáveis pela interação que deu origem a uma nova abordagem médica:A tradição dos ascetas errantes, Sramanas, o Tantra e sua alquimia, associado asinfluencias externas chinesas, e o pensamento budista, todos eles não védicos ou sejafora de castas, levaram a uma abordagem empírico-racional da saúde em substituiçãoao antigo paradigma mágico-religioso brâmane. A filosofia budista com o seu clássico “caminho do meio” foi um combustível importante nesta nova abordagem. A mudança de paradigma de uma medicina mágico-religiosa, prevalente nos Vedas,para uma medicina empírico-racional dos textos clássicos do Ayurveda pôde acontecerdevido aos personagens principais desta transformação não estarem limitados pelos

conceitos védicos, pois eram sem castas, ou seja fora da hierarquia bramanica.Posteriormente quando o Ayurveda tornou-se popular, houve a necessidade dele serreferendado como um conhecimento da tradição hindu, ou seja uma “hindunização” deuma tradição que foi em seu inicio anti-vedica, neste momento “as cartas já estavammarcadas” pois colocou-se o Ayurveda relacionado ao “menor” dos Vedas, odesvalorizado Atharva-Veda. Com relação a isto Ramachandra Rao sabiamentecoloca:

 “ A antipatia nutrida pelos ortodoxos ao Ayurveda deve ser considerado neste terreno.E quando o Ayurveda teve que ser acomodado dentro do complexo védico, o Atharva-Veda era naturalmente aonde ele pertencia. Characa afirma que o Atharva-Veda ésuperior aos outros Vedas por que se relaciona com a vida que é a fundação de toda afelicidade e riqueza, e isto é sintomático da sensibilidade do profissional médico

daquele período. Sua afiliação ao Atharva-Veda foi a natureza de um desafio, pois esteVeda tinha uma reputação duvidosa nos círculos ortodoxos.” ( Rao, 1985:7) Vamos agora analisar os principais textos clássicos do Ayurveda: Charaka, Susruta, eVagbhata Samhita em uma visão critica.