organização espaço temporal do rolamento para frente
TRANSCRIPT
Organização espaço temporal dorolamento para frente
Alaercio Perotti Júnior* e Ana Maria Pellegrini*
Resumo
Este estudo focaliza a execução do rolamento para a
frente levando em consideração as restrições
ambientais (tatame e colchão) e internas impostas
pelo crescimento e desenvolvimento. Retratos de fase
dos segmentos corporais, obtidos a partir da posição
e velocidade angulares, foram analisados. As
trajetórias das órbitas dos segmentos perna, coxa e
tronco demonstraram ser diferentes entre si e
semelhantes entre os sujeitos, independentemente da
idade cronológica (5-6, 8-9, 11-12 anos e adultos) e
superfície de apoio (colchão e tatame). Menor
variabilidade nos retratos de fase dos segmentos
corporais foi observada em adultos quando
comparada com as das demais faixas etárias.
UNITERMOS: Desenvolvimento motor, rolamento
para frente, atratores, retratos de fase, organização
espaco-temporal
Abstract
This study focus on the forward roll taking into
account the environmental constraints due the
surface (mattress and tatame) and intrinsic
constraints imposed by growth and development.
Phase portraits of body segments obtained from
angular displacement and velocity were employed
for ihe analysis ofthe spatial-temporal organization
of the performance. The trajectories ofthe orbits of
of the leg and trunk segments showed to be
different among themselves but similar between
subjects, mdependently of chronological age and
surface used. Less variability in phase portraits
of body
segments was observed in adults as compared with
the younger age groups.
Key words: Motor development, forward roll, atirador,
phase portrait, spatio-temporal organization
Introdução
No contexto da área de estudo do desenvolvi-mento motor, entender como se dá o processo demudanças na coordenação e controle motor aolongo do tempo é uma preocupação permanenteentre os investigadores. A Abordagem dosSistemas Dinâmicos (ASD) postula que novasformas emergem dacooperação e interação demúltiplos componentesdentro do contexto datarefa. Assim, a coorde-nação e o controle dotronco e membros para aexecução deuma habilidade sãoresultados de umrelacionamento de forçasmusculares e não-musculares, incluindo oambiente, a atividade do organismo e as forçasreativas que emergem da interação entre oorganismo, o ambiente e a tarefa.
O interesse, neste estudo, pelo rolamento parafrente, habilidade conhecida como cambalhota,se justifica porque, embora esta habilidade possaser considerada complexa, exigindo um grande
O movimento
angular do corpo
no rolamento é
conseguido pela
coordenação dos
membros, cabeça e
tronco, em flexões e
extensões
harmoniosas
relacionamento de forças, crianças muito jovensa realizam. No entanto, a performance desta ha-bilidade muda ao longo dos anos. A criança con-segue coordenar e controlar o sistema efetor, ob-tendo grande eficácia na realização desta açãomotora. É uma habilidade bastante diversa dasdemais habilidades que compõem o repertóriomotor das crianças. Esta habilidade tem sido ra-ramente investigada, principalmente a partir dadécada de 80, com a aplicação de pressupostosda ASD no estudo do desenvolvimento motor.Segundo THELEN e ULRICH (1991), estaabordagem parte do pressuposto que novas for-mas de comportamento emergem da cooperaçãoe interação de múltiplos componentes dentro docontexto da tarefa. Esta abordagem está apoiadaem transições não-lineares, onde um modelo pre-ferido de comportamento é substituído por uma
nova forma. Este pa-radigma, bastanterico, permite endere-çar questões de de-senvolvimento de co-ordenação e controledas ações motoras,oferecendo subsídiosque permitam com-preender as mudan-ças que ocorrem naexecução do rola-mento para frente.
Na execução do rolamento, o corpo realiza umavolta completa em contato com uma superfície desuporte e, portanto, o deslocamento do corpo ocor-re no plano sagital, em volta do eixo lateral. A for-ma mínima requerida para um giro completo paraa frente é de cento e oitenta graus sobre a cabeça,caindo sobre as costas (WICKSTROM, 1983). Se-gundo HAYWOOD (1986), para que um rola-mento para frente seja considerado completo, oindivíduo deve se mover junto do solo, iniciandoe terminando sobre os pés. O peso do corpo devesucessivamente se apoiar no solo, iniciando pelaparte posterior da cabeça. Em seguida, as partes
superior e inferior das costas e por fim os quadris.
Embora seja um padrão motor que crianças mes-mo muito jovens consigam realizar logo nas suasprimeiras tentativas, ele é executado por elas deforma descoordenada, com a presença de muitosmovimentos desnecessários. Ao longo do desen-volvimento, a criança adquire controle sobre al-guns aspectos do rolamento, como a manutençãodo alinhamento do corpo, velocidade e economiade movimento, aperfeiçoando de forma progressi-va esta habilidade. O movimento angular do cor-po no rolamento é conseguido pela coordenaçãodos membros, cabeça e tronco, em flexões e exten-sões harmoniosas. Todas as ações são cumulativasde modo que uma falha em uma das ações (comouma falha de sustentação do corpo nos braços)influencia o movimento como um todo. ParaNEWELL (1985), as propriedades topológicas domovimento, relativas ao tronco e membros, espe-cificam uma dada atividade. No caso do rolamen-to para frente, o deslocamento da cabeça, tronco emembros em relação ao solo, num giro de 360°,caracteriza esta habilidade.
Quando o executante aplica força a uma superfí-cie estável, uma força contrária volta ao corpo,sendo que quanto menos estável for a superfície,menor será esta força contrária. Se a superfíciepossuir muita acomodação ou ceder bastante, aforça contrária é dissipada, limitando portanto amagnitude da força que pode ser repassada aoexecutante, e o resultado final é uma menor pro-pulsão. Assim, no presente estudo, as duas su-perfícies de apoio foram selecionadas de modo aexigir ajustamentos, por parte do executante, es-pecíficos às características de tensão da superfíciede apoio.
Diferenças consideráveis na performance de ha-bilidades motoras podem ser percebidas intra eentre indivíduos, parecendo impossível a um dadoindivíduo gerar padrões idênticos de movimentoem sucessivas tentativas de execução de umamesma tarefa. Segundo KELSO, DING eSCHÖNER (1993), a estabilidade (habilidade
Quando o executante
aplica força a uma
superfície estável,
uma força contrária
volta ao corpo,
sendo que quanto
menos estável for a
superfície, menor será
esta força contrária
10
em persistir sob várias condições ambientais) e aflexibilidade (habilidade para ajustar-se a mudan-ça nas condições internas ou externas) devem sercaracterísticas fundamentais de quaisquer prin-cípios de organização. A estabilidade, paraKELSO e DING (1993), desempenha um papelcentral, mais dramaticamente evidente quando amesma é perdida. Esta perda leva a mudanças nacoordenação. No presente estudo, as alteraçõesna superfície de apoio não seriam suficiente paramudanças no padrão de coordenação dorolamento, mas a flexibilidade permitiria os ajus-tamentos necessários e são estes ajustamentosfrente a restrição externa que serão focalizadosno presente estudo.
Há evidências não apenas de que padrões obser-vados correspondem a estados atratores mas tam-bém que a mudança de um a outro atrator é de-vida à perda de estabilidade do sistema (KELSO,DING & SHÕNER, 1993). O atrator indicaapenas a preferência do sistema para determina-dos estados, aparecendo quando o sistema se en-contra em equilíbrio, auxiliando em sua manu-tenção (THELEN & ULRICH, 1991).
O sistema prefere uma certa topologia em seuestado de espaço ou plano de fase. O traçado to-pográfico de um sistema dinâmico consiste nomapeamento do comportamento de uma variávelcoletiva, ao longo do tempo, em um estado ceespaço apropriado que capte a compressão dosgraus de liberdade. O estado de espaço é limita-do por variáveis do sistema e ilustra qualitativa-mente as posições onde o sistema reside e ondeas trajetórias são atraídas.
A representação gráfica do sistema, segundoCLARK, TRULLY e PHILLIPS (1993), é chama-da de plano de fase ou retrato de fase, e é obtida apartir da posição e da velocidade angulares de umsegmento na realização de um movimento. Con-forme CATUZZO (1994), o uso do retrato de faseé um modo alternativo de se descrever um padrãode coordenação ao longo do tempo. As caracterís-ticas topológicas da cinemática, emergem indepen-
dentemente da atividade ser cíclica ou não. Mu-danças na estrutura topológica da cinemática domovimento também poderão ocorrer na per-formance motora de adultos conforme as exigên-cias da tarefa. Assim, uma análise topológica dodesenvolvimento de padrões de movimento ofere-ce uma base mais segura para detectar mudançasqualitativas nos padrões de movimento dacriança em desenv o l v i m e n t o .(NEWELL, 1985).
Na tentativa de res-ponder a algumas dasmuitas questões exis-tentes, este estudopretende analisar opadrão do rolamentopara frente diante dasrestrições internas e externas, ou seja, verificar aorganização espaço-temporal do rolamento parafrente perante restrições internas impostas pelocrescimento e desenvolvimento, peculiar a dife-rentes faixas etárias, e restrições externas impos-tas por situações ambientais diferentes. Mais es-pecificamente verificar:
a) quais são os ajustamentos na organização es-paço-temporal dos segmentos da perna, coxa etronco em diferentes faixas etárias, frente a vari-ações nas restrições orgânicas, estruturais e fun-cionais (internas) na execução do rolamento parafrente;
b) quais os ajustamentos na organização espaço-temporal dos segmentos da perna, coxa e troncofrente às restrições impostas por superfícies dife-rentes (colchão e tatame).
Método
Sujeitos: Participaram deste estudo, 4 criançasem cada uma das faixas etárias de 5-6, 8-9, 11-12 e quatro adultos. Os participantes atende-
Através da posição e
velocidade angulares
na realização do
rolamento para frente
foi possível analisar
as trajetórias dos
segmentos perna, coxa
e tronco
11
ram voluntariamente divulgação sobre o proje-to, não havendo preferência quanto ao sexo pornão haver indicativo, na literatura, quanto à di-ferença entre os sexos na execução desta habili-dade. Participaram deste estudo apenas crian-ças e adultos sem treinamento específico ante-rior nesta habilidade, comum na prática do judôe da ginástica artística.
Procedimentos: Cada um dos participantesfoi filmadoindividualmente rea-lizando três rolamentosem cada tipo desuperfície, primeirosobre o colchão deespuma (densidade 23)e depois sobre o tatame.Antes do início de cadarolamento, osparticipantes recebiaminstruções sobre a tarefaa ser executada e, quandonecessário, também entreas mesmas. Osparticipantes iniciavam o
rolamento, posicionando-se atrás de uma marca,previamente colocada nos pisos, iniciavam o ro-lamento a partir de uma posição ereta, não sen-do permitido andar ou correr para aumentar oimpulso inicial na execução do rolamento.
A filmagem foi realizada no ginásio de ginásticaartística e, para aumentar o contraste figura-fun-do no registro visual, foi colocado um fundo ver-de em uma das paredes, próximo ao local no qualforam realizadas os rolamentos. Os participantestiveram as articulações do tornozelo, joelho, qua-dril, ombro, do lado direito, marcadas com umcírculo branco, de aproximadamente 2.5cm dediâmetro, circundado em preto, para melhor con-traste. Os participantes estavam vestidos com sun-ga ou maio de modo que as marcas nas articula-ções estivessem bem visíveis.
A câmara foi posicionada perpendicularmente àregião central de uma área demarcada para aperformance motora, a uma distância de 4m ealtura de lm do solo. Todos os participantes fo-ram filmados do lado direito. No início de cadauma das sessões de filmagem das performancesmotoras dos participantes, uma cruz era filmadapara fins de obtenção de referencial da escalamétrica. O intervalo de tempo entre os registrosera de 0,033 seg.
Decodificação e tratamento dos dados: Dos trêsrolamentos executados, um deles foi selecionadopara análise, com base nos seguintes critérios: a)que todos os pontos articulares estivessem visí-veis; b) pouca ou nenhuma rotação do corpo,durante o rolamento, para não prejudicar avisualização das partes do corpo, c) que os parti-cipantes estivessem em pé, parado para o iníciodo rolamento, não sendo permitido qualquer tipode corrida preparatória.
As imagens dos rolamentos selecionados foramtransferidas para o micro computador e captura-das via VIDcap. Em cada um dos quadros, os pon-tos demarcados foram digitalizados (coordenadasx e y) na seguinte ordem: tornozelo, joelho, qua-dril, ombro. De posse das coordenadas "x" e "y",foram feitos os gráficos, unindo os pontos articu-lares através do programa Wgraphil. Na Figura 1,um círculo foi adicionado ao final do segmentodotronco para ilustrar a cabeça do participante,permitindo uma inspeção visual inicial dos desem-penhos de todos os participantes.
Uma vez que os
músculos movem
segmentos corporais,
focalizamos a
atenção inicialmente
para o movimento
dos segmentos da
coxa, perna e tronco
na busca de
evidências de um
comportamento do
tipo ciclo-limite
Figura 1. Representação gráfica do rola-
mento para frente via Wgraphil a partir das
coordenadas x e y.
12
Após a captura das coordenadas bidimen-sionais "x" e "y", de cada ponto articular, osdados foram filtrados {Fast Fourier
Transformation - FFT). Em seguida foram cal-culados os ângulos de cada um dos segmentoscorporais perna, coxa e tronco, em relação aoeixo horizontal (Figura 2) e obtidos o desloca-mento e a velocidade angular de cada segmen-to corporal.
Os gráficos dos retratos de fases foram norma-lizados, de modo que, o maior valor do desloca-mento angular e velocidade angular no retratode fase de um determinado segmento foi consi-derado l e o menor valor -1 (Figura 4). Este pro-cedimento permitiu a comparação entre retratosde fase de segmentos diferentes.
Figura 2. Representação gráfica dos segmentos
(tronco, coxa e perna) em relação ao solo.
Com base nestes dados foram plotados os retra-tos de fases. O valor da posição angular foi pro-jetado no eixo "X" (abcissa) e a respectiva veloci-dade angular no eixo "Y" (ordenada), como podeser visto na Figura 3.
deslocamento angular
Figura 3. Retrato de fase referente ao segmento
coxa na execução do rolamento para frente sobre
o colchão (Ss 16).
Figura 4. Retrato de fase normalizado do
segmento coxa na execução do rolamento para
frente sobre o colchão (Ss 16).
De posse dos gráficos edados das posiçõesangulares dosmembros, três prin-cipais reversões foramidentificadas para ossegmentos perna, coxae tronco. Uma mudançano sentido do mo-vimento de um seg-mento em relação aosolo é considerada umareversão. Um exemplode reversões pode servisualizado no gráficodo deslocamentoangular da coxa (Figura5).
No início, o segmento
perna apresenta um
deslocamento
pequeno para em
seguida realizar uma
trajetória bastante
evidenciada para fora
da região central da
órbita, indicando
introdução de
energia,
correspondente ao
aumento da posição e
velocidade angulares
13
Figura 5. Reversões (RI, R2, R3) do des-
locamento angular da coxa na execução do
rolamento para frente sobre o colchão (Ss
16).
Resultados
Através da posição e velocidade angulares na re-alização do rolamento para frente foi possívelanalisar as trajetórias dos segmentos perna, coxa e tronco. Na Figura 6 são apresentados
os modelos geométricosdos movimentos da perna,coxa e tronco de umparticipante adulto.Apesar de todos os grausde liberdade inerentesnesta ação (os mais de 40músculos, todas as suasfibras musculares, e ossubstratos nervosos queativam as fibras destesmúsculos), temos aquiuma descrição mínimamas completa da ação.
Os músculos são vistoscomo as máquinas termodinâmicas de nossosistema motor. Uma vez que
os músculos movem segmentos corporais, focali-zamos a atenção inicialmente para o movimentodos segmentos da coxa, perna e tronco na buscade evidências de um comportamento do tipo ci-clo-limite. Segundo CLARK, TRULLY ePHILLIPS (1993), um ciclo-limite é um atratorque não descansa, mas circula periodicamentenuma órbita fechada de modo que o praticanteexecuta o movimento repetidamente. O rolamen-to pode ser executado várias vezes, em seqüênciade tal forma que executante não retorne à posi-ção inicial (de pé) entre rolamentos. Embora, nopresente estudo, os participantes tenham execu-tado apenas uma performance, fica evidente queela se comporta como ciclo-limite. O comporta-mento observado não se repetia, mas acredita-mos que o rolamento, em si, siga os mesmos prin-cípios de um ciclo-limite. Ele também retorna àmesma região do estado de espaço (a trajetóriado atrator), se ligeiramente perturbado ou cominício em modos (ou estados) diferentes.
Embora sejam de um mesmo ciclo completo dorolamento, os três segmentos corporais exibemcomportamentos periódicos cujas órbitas, nos pla-nos de fase, são fechadas e atraídas a regiões parti-culares do estado de espaço e, se perturbadas (talquando elas iniciam) ou se as condições de inérciaforem alteradas, elas retornam rapidamente à ór-bita original. Segundo CLARK, TRULLY ePHILLIPS (1993), esta propriedade dos ciclos-li-mites se refere a sua estabilidade estrutural. Por-tanto, como esperado, todos os segmentos corpo-rais dos participantes analisados neste estudo apre-sentaram estabilidade estrutural.
As trajetórias dos segmentos perna, coxa e tron-co eram qualitativamente diferentes mas seme-lhantes para todos os participantes, com peque-nas variações. Os resultados indicam não haverdiferença na organização espaço-temporal destestrês segmentos entre as diferentes faixas etárias e,portanto frente às restrições internas.
Especificamente, o retrato de fase da perna doparticipante 3, na execução do rolamento no
Embora existam
pequenas diferenças
nas trajetórias dos
segmentos perna, coxa
e tronco entre os
sujeitos, uma menor
variabilidade foi
detectada no grupo de
adultos, sendo que
estes apresentaram
um padrão mais
consistente
14
Figura 6. Orbitas atrativas dos segmentos da
perna (A), coxa (B) e tronco (C), na execução do
rolamento para frente sobre o colchão (Ss 13).
tatame apresentou variação no deslocamento evelocidade angular, evidenciando um aumentodos mesmos, embora a trajetória deste segmentoseja semelhante a dos demais participantes.Revendo a performance deste participante, foiconstatado que ele utiliza apenas uma perna para
o impulso, jogando o corpo de forma brusca enão controlada, exibindo, na fase do rolamentopropriamente dito, um estágio menos avançadodo que os demais participantes de seu grupo,demonstrando provavelmente nível inferior decontrole.
Conforme CLARK, TRULLY e PHILLIPS(1993), a perna como uma porção distai do mem-bro inferior tem amplitude e velocidade de mo-vimento maiores do que a coxa, que é uma por-ção proximal do membro inferior. O raio datrajetória é uma medida do trabalho necessáriopara manter a mesma, e flutuações para dentro,representariam a perda de energia, enquantoflutuações para fora representariam uma injeçãode energia. Presumivelmente, quanto maior aflutuação na trajetória de um segmento, maior adissipação de energia.
A trajetória do segmento perna inicia o desloca-mento em torno de 80° e vai diminuindo atépróximo de 0°, onde se dá a primeira reversão. Apartir daí, o deslocamento angular da perna co-meça a aumentar devido a maior velocidade an-gular, na fase de rolamento propriamente dito,ou seja, quando os pés perdem o contato com osolo, até novamente tocá-lo para iniciar a eleva-ção do corpo. Quando o segmento da perna seaproxima de 180° e inicia a segunda reversão, avelocidade angular vai diminuindo gradati-vamente até a perna se aproximar de 50°. Ouseja, quando o indivíduo começa a se levantar,ele eleva o segmento da coxa além dos 90° pro-vocando uma nova reversão, e o segmento pernacomeça a estender-se ficando próximo de 70° aofinal do rolamento. No início, o segmento pernaapresenta um deslocamento pequeno para emseguida realizar uma trajetória bastante eviden-ciada para fora da região central da órbita, indi-cando introdução de energia, correspondente aoaumento da posição e velocidade angulares(BARELA, 1992).
O segmento coxa atua de uma forma contráriaao da perna, como citado anteriormente. Este
15
segmento inicia a impulsão por volta de 130°,atingindo também sua maior velocidade angulardurante o rolamento propriamente dito até seaproximar de 0o. Neste momento, o segmentocoxa fica paralelo ao plano horizontal, quandohá, então, uma nova reversão e seu deslocamentoangular começa a aumentar até aproximada-mente 90° ao término do rolamento. No iníciodo deslocamento, o segmento da coxa apresenta,assim como o da perna, mudanças marcantes nosníveis de energia durante o seu ciclo, embora aperna pareça ser um sistema mais conservadordo que a coxa, evidenciando poucas flutuaçõespara dentro ou para fora de sua órbita.Os quatro grupos etários apresentaram, para osegmento tronco, um padrão topológico seme-lhante, com o início do deslocamento em tornode 90°, diminuindo até se aproximar de 0o,quando ocorre a primeira reversão e a ação derolar propriamente dita. A impulsão dada pelacoxa provoca a extensão do quadril que, por suavez, faz com que o deslocamento angular do seg-mento tronco comece a aumentar chegandopróximo aos 180°. Isto faz com que este seg-mento fique paralelo ao solo, e em seguida ocor-ra uma nova reversão e o tronco comece a seelevar diminuindo o deslocamento angular ul-trapassando o eixo de 90° terminando por voltade 50°. Neste ponto se dá a última reversão e oaumento do deslocamento angular terminapor volta de 80°, ou seja, com a extensão dotronco ao final do rolamento.
A fase de propulsão do rolamento é muito im-portante uma vez que ela é responsável pela ele-vação do corpo e retomada da posição "em pé".O membro inferior, identificado como perna, écomposto de três segmentos (coxa, perna e pé)que se articulam no quadril, joelho e tornozelo.Os retratos de fase mostram as diferençasbiomecânicas entre os segmentos da perna, coxae tronco. Na preparação da impulsão do movi-mento, o segmento coxa realiza movimento emsentido contrário ao dos segmentos perna e tron-
Figura 7. Órbitas atrativas dos segmentos da
coxa (A), perna (B) e tronco (C), na execução do
rolamento para frente sobre o colchão do sujeito
3 (Ss 3).
16
co. Enquanto o ângulo da coxa aumenta em re-lação ao plano horizontal, os ângulos da perna etronco vão diminuindo, ou seja, se movimentamem sentido inverso. A Figura 7 mostra o retratode fase da perna e da coxa de uma mesma pessoarealizando o rolamento. Como podemos obser-var, as formas geométricas (retratos de fase) des-tes dois segmentos são muito diferentes.
Se partirmos do princípio que os segmentos daperna e coxa são modelados dinamicamente comociclo-limite, então o comportamento dos dois seg-mentos juntos representam a acoplagem de doisciclos-limites. Conforme CLARK, TRULLY ePHILLIPS (1993), um sistema dinâmico destanatureza tem previsões de comportamento espe-cífico que podem ser derivadas. Uma previsãosegundo estas autoras é que osciladores de ciclo-limite aos pares estarão encaixados (acoplados)um no outro. Acoplamento significa que dois :saladores operam não mais independentementemas, em vez disso, de forma sincronizada, ouseja, um com o outro.
Na fase de preparação para impulsão, os desloca-mentos angulares do tronco e da coxa são muitomaiores do que os do segmento perna, e isto ocor-re devido às alterações no centro de gravidade paramais próximo do solo, facilitando a impulsão dadapelos membros inferiores ao rolar para frente.
Para a maioria dos participantes, no início damipulsão do rolamento para frente, o ângulo dosegmento perna está próximo a 0o e o da coxaem torno de 130°. A impulsão se dá de uma for-ma seqüencial, primeiro com uma reversão dosegmento da coxa, ocorrendo quase simultanea-mente reversão do tronco, devido à elevação doquadril. Por último, a perna atua de formamopulsiva, impulsionando o corpo para o rola-mento propriamente dito. Ao iniciar a reversão,tanto a perna como a coxa apresentam um au-mento na velocidade angular.
Através dos gráficos dos retratos de fase da per-na, coxa e tronco, pode-se notar que as mesmas
Figura 8. Retratos de fase da perna (A) e coxa (B)
na realização do rolamento para frente sobre
colchão (Ss 15).
características topológicas do rolamento para fren-te realizado no colchão foram observadas quan-do no tatame, com pequenas variações. Estaatração lhe dá robustez, oscilação persistente, masos ciclos-limites podem perder sua estabilidade(CLARK, TRULLY & PHILLIPS, 1993).
Cada segmento apresentou três reversões, comunsà performance de todos os sujeitos, em ambassuperfícies (colchão e tatame), indicando que asdiferenças de desenvolvimento observadas nosretratos de fase apresentados aqui são sutis. Istopode ser visto quando comparamos o ciclo deuma criança do grupo de idade de 5-6 anos, como ciclo de um adulto. Examinando as trajetóriasda perna, algumas similaridades são evidentes. Amaior diferença parece estar na amplitude datrajetória da criança que se mostra mais fechada.
17
Já as trajetórias da coxa parecem diferir menosna forma, com direção e velocidade angular si-milares, atingindo uma velocidade máxima aoredor de 400 graus por segundo. Tanto o tron-co como a perna apresentam diferença na aber-tura da trajetória. Enquanto as crianças possu-em uma órbita mais fechada, o grupo de adul-tos mostra uma órbita mais aberta, sendo que avelocidade angular máxima, tanto para as cri-anças como para os adultos, gira em torno de350 graus por segundo. Claramente, há dife-renças ao longo das idades nas formas geomé-tricas dos retratos de fases, mas argumentamos,com relação a estes resultados, principalmentequanto às diferenças nos parâmetros de contro-le que circundam a criança quando esta realizao rolamento, não excedem uma magnitude crí-tica e portanto não criam novos padrões quali-tativamente diferentes. Ao invés, estes parâ-metros de controle afetam o tamanho total dociclo-limite.
Os resultados das trajetórias dos segmentos per-na, coxa e tronco mostraram ser diferentes, indi-cando que cada segmento apresenta um desloca-mento espaço-temporal que lhe é próprio. Con-tudo, as trajetórias referentes a cada um dos seg-mentos, perna, coxa e tronco, foram semelhan-tes entre todos os sujeitos que participaram doestudo e nos dois pisos empregados. Embora exis-tam pequenas diferenças nas trajetórias dos seg-mentos perna, coxa e tronco entre os sujeitos,uma menor variabilidade foi detectada no grupode adultos, sendo que estes apresentaram umpadrão mais consistente.
Os retratos de fases mostram portanto um pa-drão dinâmico específico e reconhecível para aperna, coxa e tronco, independente da idade. Nogrupo de adultos isto fica mais evidente,demostrando uma ótima interação do organis-mo com o ambiente durante a ação.
Conclusões
O objetivo do presente estudo foi investigar orolamento para frente sob as influências das res-trições internas e externas, ou seja, verificar a or-ganização espaço-temporal do rolamento parafrente, diante de restrições internas e externas.Apoiado no resultado da análise apresentada po-demos concluir que:
- o rolamento para frente apresenta retratos defase para os segmentos da perna, coxa e tronco,com características topológicas específicas, por-tanto não ocorrem mudanças na organização es-paço-temporal dos segmentos da perna, coxa etronco em diferentes faixas etárias, frente às vari-ações das restrições internas;
- ao longo do desenvolvimento, os sujeitos detodos os grupos etários apresentam uma mesmaconfiguração dinâmica, com pequenas variaçõesentre os participantes;
- as mesmas características topológicas para ossegmentos foram observadas nos dois pisos, in-dicando que a mudança nas superfícies de ação,não foram suficientes para causar uma organiza-ção espaço-temporal diferente, pois não ocorremmudanças na organização espaço-temporal dossegmentos da perna, coxa e tronco frente às res-trições externas em que foram realizados os rola-mentos.
Este trabalho teve caráter descritivo-experi-mental exploratório e nenhum outro estudosobre o rolamento para frente utilizando estetipo de abordagem experimental foi encontrado.Este fato restringiu a discussão dos resultadosobtidos. Consideramos ainda que outraspesquisas se fazem necessárias com diferentesmétodos de análise para melhor compreensão dacoordenação e do controle do desenvolvimentodesta habilidade.
18
Referências Bibliográficas
BARELA, J.A. Desenvolvimento do saltar à horizontal:
uma análise topológica. Porto Alegre, p.100.
Dissertação (Mestrado em Ciências do
Movimento Humano) Escola Superior de
Educação Física, UFRGS, 1992.
CATUZZO, M.T. Os padrões de coordenação na
seqüência de desenvolvimento do saltar à
horizontal: uma visão dinâmica. Porto Alegre.
p.l 14. Dissertação (Mestrado em Ciências do
Movimento Humano) Escola Superior de
Educação Física, UFRGS, 1994.
CLARK, J.E., PHILLIPS, S.J. The development of
intralimb coordination in the first six months
of walking. In: FAGARDJ., WOLFF (Eds.).
Dynamical systems in development: 1
application. Cambridge, MA: MIT, 1991.
CLARK, J.E., TRULLY, T.L., PHILLIPS, S.J. On
the development of walking as a limit-cicle
system. In: SMITH, L.B, THELEN, E. (Eds.)
A dynamic approach to development. England:
A Bradford Book. p.71-93, 1993.
CLARK, J.E., WHITALL, J. What is motor
development? The lessons of history. Quest, v.41
p.183-202, 1989.
GALLAHUE, D.L. Understanding motor development
in children. New York: John Wiley & Sons, 1982.
GODFREY, B.B., KEPHART, N.C. Movement
patterns and motor education. New York:
Appleton-Century-Crofts, 1969.
HAYWOOD, K.M. Life span motor development.
Champaign, IL: Human Kinetics, 1986.
KELSO, JAS., DING, M. Fluctuations, intermittency,
and controllable chaos in biológica! coordination.
In: NEWELL,K.M, CORCOS.D.M. (Eds.).
Variability and motor control. Champaign, II:
Human Kinetics. p.291-316,1993.
KELSO, J.A.S., DING, M., SCHÓNER, G.
Dynamic pattern formation: a primer. In:
SMITH.L.B,THELEN,E. (Eds.). A dynammic
systems approach to development: applications.
p.13-50, 1993.
NEWELL, KM. Coordination, control and skill. In:
GOODMAN, D., WILBERG, R.B., FRANKS,
LM. (Eds.). Differing perspectives in motor
learning, memory and control. Amsterdam: North-
Holland. p.295-315, 1985.
PELLEGRINI, A.M. Tendências no estudo do
desenvolvimento motor. In: BENTO, J.,
MARQUES, A. (Eds). As ciências do desporto e
a prática desportiva/desporto na escola desporto
de reeducação e reabilitação-actas. Universidade
do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e
de Educação Física, v.l, p.379-91, 1991.
THELEN, E., SMITH, L.B. A dynamic systems
approach to the development of cognition and
action. Cambridge, MA.: MIT Press, 1994.
THELEN, E., ULRICH, B.D. Hidden skills: a
dynamic systems analysis of treadmill stepping
during the first year. Monographs of the society
for research in child development. Serial 223
(56), 1991.
TURVEY, M.T, FITCH, H.L., TULLER, B.. The
Berstein perspective: I the problem of degrees
of freedom and context-conditioned variability.
In: KELSO,JA.S. (Ed.). Human motor
behavior: an introduction. Hillsdale, New
Jersey: LEA. p.239-52, 1982.
WICKSTROM, R.L.. Fundamental motor patterns.
3 ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1983.
Notas
* Prof. da E.E.P.S.G. Prof. Gabriel Pozzi, Limeira-
SP e Prof. da disciplina Educação Física Adaptada
do Curso de Educação Física da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio
Pardo, SP. Mestre em Ciências da Motricidade
pela UNESP, Rio Claro.
19
**Profa Titular de Aprendizagem e Controle
Motor do Departamento de Educação Física-
UNESP, Rio Claro. Mestre e Doutora pela
Universidade de Illinois, Urbana-Champaign,
EUA, e Livre-docente pela UNESP, Rio Claro.
Alaercio Perotti Jr
R. Alan Kardec - 66 V. Piza - Limeira — SP
CEP 13.480-162 -Tel. (019) 3442-3254
Ana Maria Pellegrini
Av. Brasil - 1431 - Rio Claro - SP
CEP 13.505-600-Tel. (019) 535-3198
Obs: Trabalho elaborado com base na
Dissertação de Mestrado do primeiro autor no
Curso de Pós-Graduação em Ciências da
Motricidade, UNESP, Rio Claro.
20