oralidade na escrita - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3...

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1 ORALIDADE NA ESCRITA. ERRO? AUTOR: Célia de Oliveira Pimentel . RESUMO: Neste artigo, a discussão foi feita em relação a noção do “erro” na oralidade e a sua influência na escrita dos alunos das quintas séries do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Profª Maria Aparecida Nisgoski em Castro. Com a intervenção, iniciou-se uma proposta de atividades que tinha como ponto de partida a valorização da variação lingüística do educando, o seu linguajar, para depois partir para a produção textual, pois entendeu-se que se levando em consideração a linguagem que a criança já domina , proporcionar-se-ia assim uma aprendizagem mais efetiva, livre de pré-conceitos. PALAVRAS-CHAVE: Oralidade, Escrita, Erro ABSTRACT: In this article, the discussion was made on the notion of "error" in orality and its influence in the writing of students from fifth grade of elementary school in the State College of Prof. Maria Aparecida Nisgoski in Castro. With the intervention, started up a proposal for activities that had as its starting point the value of the change of language learners, their language and then starting to produce text, because it was thought that if taking into consideration the language that child has mastered, it would provide a so learning more effective, free pre-concepts. KEY WORDS: oral, written, Error

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Page 1: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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ORALIDADE NA ESCRITA ERRO

AUTOR Ceacutelia de Oliveira Pimentel

RESUMO Neste artigo a discussatildeo foi feita em relaccedilatildeo a noccedilatildeo do ldquoerrordquo na oralidade e a sua influecircncia na escrita dos alunos das quintas seacuteries do Ensino Fundamental no Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski em Castro Com a intervenccedilatildeo iniciou-se uma proposta de atividades que tinha como ponto de partida a valorizaccedilatildeo da variaccedilatildeo linguumliacutestica do educando o seu linguajar para depois partir para a produccedilatildeo textual pois entendeu-se que se levando em consideraccedilatildeo a linguagem que a crianccedila jaacute domina proporcionar-se-ia assim uma aprendizagem mais efetiva livre de preacute-conceitos

PALAVRAS-CHAVE Oralidade Escrita Erro

ABSTRACT In this article the discussion was made on the notion of error in orality and its influence in the writing of students from fifth grade of elementary school in the State College of Prof Maria Aparecida Nisgoski in Castro With the intervention started up a proposal for activities that had as its starting point the value of the change of language learners their language and then starting to produce text because it was thought that if taking into consideration the language that child has mastered it would provide a so learning more effective free pre-concepts KEY WORDS oral written Error

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INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo que eacute parte do Projeto PDE (PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO ESTADO DO PARANAacute) que tem como tiacutetulo rdquo Oralidade na Escrita Errordquo desenvolvido no Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski na cidade de Castro nas turmas da 5ordf seacuterie do Ensino Fundamental turno matutino

Objetivou-se com o projeto contribuir para a reflexatildeo do processo de desenvolvimento da oralidade e da escrita nas quintas seacuteries por meio de estudos e da investigaccedilatildeo da accedilatildeo pedagoacutegica do professor e das suas relaccedilotildees com a leitura envolvendo todo o processo discursivo na relaccedilatildeo do aluno com as atividades de letramento

Pesquisar a quinta seacuterie especificamente justificou-se pelo objetivo da valorizaccedilatildeo do sujeito e adaptaccedilatildeo dos educando de 5ordf de seacuterie na comunidade escolar uma vez que muitas delas encontram uma barreira muito grande ao depararam-se nesta fase da vida estudantil Aleacutem disso observou-se as condiccedilotildees de produccedilatildeo textual e verificou-se a influecircncia da oralidade nos textos de escrita espontacircnea

Para embasamento teoacuterico foram utilizados os pressupostos de autores como Mikhail Bakhitin Magda Soares Marcos Bagno Luiz Antocircnio Marcuschi e Joatildeo Wanderley Geraldi entre outros

Por isso considerando tais dificuldades tornou-se instigador buscar compreender como se daacute o processo da entrada dos alunos nas quintas seacuteries bem como a sua adaptaccedilatildeo

Entende-se que a escola para dar conta de cumprir o seu desafio maior que eacute o de formar leitores e escritores precisa num primeiro momento compreender o universo linguumliacutestico dos seus alunos a partir de uma visatildeo maior do seu entorno num segundo momento conhecer as peculiaridades de seus alunos em todos os niacuteveis mas especialmente as suas relaccedilotildees com a linguagem

DESENVOLVIMENTO

O PDE ( Programa de Desenvolvimento Educacional) tem por objetivo estabelecer o diaacutelogo entre os professores da Educaccedilatildeo Baacutesica e o Ensino Superior por meio de atividades teoacuterico-praacuteticas orientadas tendo como resultado a produccedilatildeo de conhecimento e consequumlentemente mudanccedilas relevantes na praacutetica escolar da escola puacuteblica paranaense Originando assim a promoccedilatildeo do professor para o Niacutevel III da Carreira conforme previsto no Plano de Carreira do Magisteacuterio Estadual nordm 103 de 15 de marccedilo de 2004

Um dos objetivos do Programa foi possibilitar o retorno dos Professores da Educaccedilatildeo Baacutesica agraves Universidades especificamente as atividades acadecircmicas de sua aacuterea de formaccedilatildeo inicial de forma presencial e semi-presencial com os demais professores da rede puacuteblica sendo apoiados com suportes tecnoloacutegicos para o desenvolvimento da atividade colaborativa

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A princiacutepio foram iniciadas as atividades com a elaboraccedilatildeo de Plano de Trabalho em conjunto com o professor orientador da Universidade no caso a Universidade de Ponta Grossa Tal Plano de Trabalho constituiu-se de uma proposta de intervenccedilatildeo na realidade escolar que foram estruturadas em trecircs grandes eixos que foram desenvolvidas no espaccedilo de dois anos a elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos os quais foram usados nas escolas a orientaccedilatildeo de Grupo de Trabalho em Rede envolvendo os professores da rede das aacutereas afins e a escrita de um artigo cientiacutefico

Na elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos foi feita a opccedilatildeo pelo Folhas cujo tiacutetulo foi Oralidade na escrita Erro O mesmo foi direcionado agraves quintas seacuteries do Ensino Fundamental feito de forma interdisciplinar com as disciplinas de Artes Histoacuteria e Geografia Nele o que se procurou salientar foi a discriminaccedilatildeo que haacute em torno da variaccedilatildeo linguumliacutestica e que vem muitas vezes carregadas de preconceito

Durante a Implementaccedilatildeo da Proposta Folhas muitas vezes ouviu-se dos educandos observaccedilotildees como ldquoestamos aprendendo portuguecircs de um outro jeitordquo ldquonossa entatildeo a maneira como meu avocirc fala natildeo eacute erradordquo ldquoposso aprender Geografia atraveacutes do Portuguecircsrdquo ldquo bom conhecer a histoacuteria das letrasrdquo enfim citaccedilotildees que trouxeram enriquecimento o educador

Tal Implementaccedilatildeo foi apresentada ao grupo de Trabalho em Rede atraveacutes da qual foi mantido contato virtual atraveacutes do Programa denominado Moodle em seis moacutedulos que assim buscou a efetivaccedilatildeo da formaccedilatildeo continuada totalizando 60 horas equivalendo a 9 pontos para progressatildeo dos participantes

No primeiro moacutedulo foi solicitada a apresentaccedilatildeo dos participantes do Grupo afim de socializar todos os integrantes

No segundo moacutedulo foi pedido aos colegas do GTR que fizessem a leitura e analise de textos contidos na Biblioteca do Professor textos estes escritos pelos palestrantes do I Seminaacuterio Temaacutetico do PDE

No moacutedulo trecircs foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada uma anaacutelise do mesmo de cada um dos itens do Projeto Tiacutetulo e problematizaccedilatildeo do tema descriccedilatildeo do objeto de estudo fundamentaccedilatildeo teoacuterica encaminhamentos e referencias bibliograacuteficas bem como a sua pertinecircncia para a Educaccedilatildeo Baacutesica

O moacutedulo quatro foi a apresentaccedilatildeo do Material Didaacutetico aos participantes do GTR e lhes foi solicitada uma anaacutelise do mesmo bem como foi incentivada a elaboraccedilatildeo do material didaacutetico aos participantes

No moacutedulo cinco foi apresentada a fundamentaccedilatildeo teoacuterica do Folhas onde foi sugerida a discussatildeo da proposta de implementaccedilatildeo da proposta de trabalho na escola bem como sugestotildees muito valiosas foram apresentadas

Finalmente no moacutedulo seis foi solicitado ao Grupo um Plano contendo possiacuteveis formas de implementaccedilatildeo da proposta de intervenccedilatildeo na Escola ou na sua aacuterea de atuaccedilatildeo bem como foi discutido os resultados obtidos com a implentaccedilatildeo

Com este trabalho pretendeu-se apontar alguns problemas que os alunos da quinta seacuterie do ensino fundamental apresentam para desenvolver certos toacutepicos discursivos de acordo com o que se espera da norma culta da liacutengua em funccedilatildeo da variaccedilatildeo linguumliacutestica que predomina principalmente fora da escola

A metodologia utilizada foi a escrita de textos em duas turmas da quinta seacuterie do periacuteodo matutino do Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski sendo que numa delas 5ordf seacuterie A fez-se uma preparaccedilatildeo para a produccedilatildeo textual e na 5ordf seacuterie B a produccedilatildeo de texto foi espontacircnea apenas com a observaccedilatildeo do professor e intervenccedilatildeo quando ldquonecessaacuteriardquo

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Observou-se que onde houve a preparaccedilatildeo para os textos escritos ocorreu uma preocupaccedilatildeo maior com a forma a escrita consequumlentemente textos mais bem elaborados sem muitas marcas de oralidade e poucos ldquoerrosrdquo Na 5ordf seacuterie B onde natildeo ocorreu uma preparaccedilatildeo os textos apresentavam maiores ldquoerrosrdquo e uma presenccedila muita grande de marcas da oralidade

Apoacutes a escrita dos textos partiu-se para a anaacutelise dos ldquoerrosrdquo mais frequumlentes marcas da oralidade muito arraigadas consequumlentemente observou-se as dificuldades em relaccedilatildeo agrave escrita dos educandos e que o mesmo acontece atraveacutes da valorizaccedilatildeo das variedades linguumliacutesticas trazidas pelos alunos no seu conviacutevio familiar

Partiu-se entatildeo para a praacutetica tendo como base o Projeto Folhas que tambeacutem faz parte do Projeto ou seja a Implementaccedilatildeo da Proposta de Trabalho na Escolaonde buscou-se a parceria com toda a comunidade escolar direccedilatildeo supervisatildeo e o trabalho interdisciplinar com os professores das disciplinas de Artes Histoacuteria e GeografiaO trabalho com a produccedilatildeo de textos oriundos da histoacuteria de vida de cada um dos educandos trabalhos com a escrita e a reescrita de textos em conjunto escrita de poesias lendas bilhetes histoacuterias de famiacutelia etc

As atividades sugeridas no Folhas fez com que muitos dos educandos questionassem o fato de se estar estudando a disciplina de Liacutengua Portuguesa e ao mesmo tempo outras disciplinas Comentaacuterios como ldquo Professora entatildeo natildeo haacute erro na forma como eu me comunico o que tenho que aprender eacute que haacute vaacuterias formas de se dizer a mesma dependendo da ocasiatildeo e com quem eu estiver conversandordquo

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos textos segundo Geraldi (199774) diz que ldquoa anaacutelise linguumliacutestica inclui tanto o trabalho sobre questotildees tradicionais quanto questotildees amplas a propoacutesito do textordquo e que por isso esta praacutetica natildeo pode limitar-se agrave ldquohigienizaccedilatildeo do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortograacuteficos limitando-se a correccedilotildeesrdquo

Partindo-se desse pressuposto primeiramente foi feito o levantamento das ocorrecircncias problemaacuteticas no texto onde pocircde-se constatar que os problemas de maior incidecircncia foram os de ordem fonoloacutegica

Sendo assim para ajudar a resolvecirc-los trabalhou-se individualmente as questotildees relacionadas agrave ortografia porque entende-se que para o aluno chegar agrave autonomia na correccedilatildeo ortograacutefica de seus textos eacute necessaacuterio que o professor gradue as atividades de forma a tornaacute-lo cada vez mais independente

A crianccedila ao chegar agrave escola iniciando sua vida escolar jaacute eacute portadora de saberes da oralidade que viabilizam a sua interaccedilatildeo social Esses saberes satildeo construiacutedos nos contextos sociais da comunidade e nas redes de interaccedilatildeo da crianccedila e servem de base para a construccedilatildeo de novos saberes adquiridos na escola principalmente a liacutengua escrita

Muitos professores no entanto ficam inseguros sobre como intervir de forma produtiva no processo comunicativo em sala de aula e intervecircm por vezes de forma estigmatizadora em relaccedilatildeo agrave fala do aluno considerando ldquoerrordquo aquilo que eacute apenas diferenccedila entre os ldquofalaresrdquo ou seja variedades da liacutengua que estatildeo relacionadas aos antecedentes sociolinguumliacutesticos

A esse respeito eacute necessaacuterio esclarecer ao aluno que existem diferentes formas de usar a liacutengua oral e que essas maneiras satildeo contextualmente definidas Desse modo ele poderaacute monitorar seu estilo adequando sua linguagem agrave circunstacircncia de fala Mas que essa intervenccedilatildeo seja feita fundada em uma pedagogia culturalmente sensiacutevel (Erickson 1987) aos antecedentes socioculturais e linguumliacutesticos do aluno para que natildeo haja prejuiacutezo no seu processo de ensino e aprendizagem e tambeacutem natildeo venha causar discriminaccedilatildeo ou preconceito O tratamento inadequado ou ateacute mesmo estigmatizante

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dessa questatildeo linguumliacutestica pode provocar inseguranccedila no falante comprometendo a sua auto-estima e dificultando sua integraccedilatildeo na cultura escolar bem como a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita

Os alunos provenientes das classes populares satildeo originaacuterios de uma cultura em predomina principalmente a oralidade A forma baacutesica de comunicaccedilatildeo eacute a oral e ao chegarem agrave escola deparam com a preponderacircncia de outra modalidade que eacute a escrita o que provoca uma incongruecircncia e agraves vezes ateacute desencanto com aquilo que lhes podia representar entre outras coisas inclusatildeo social

Alguns dialetos tecircm mais prestiacutegio que outros resultado de uma crenccedila que consolidou na cultura do Brasil ao longo de sua histoacuteria constituindo um mito Assim os membros de uma comunidade de fala que possuem poder econocircmico e poliacutetico satildeo tratados mais respeito e transmitem esses valores para o dialeto que falam Esses dialetos entatildeoa ser aqueles legitimados socialmente e aceitos como ldquocorretosrdquo de acordo com Bagno (2003)

O dialeto pode vir a ser considerado bom ou ruim dependendo da legitimidade que ganhou a partir de fatores econocircmicos ou poliacuteticos Esses valores no entanto satildeo de caraacuteter ideoloacutegico e geram preconceitos que precisam ser combatidos a comeccedilar pela escola pois a fala eacute sobretudo um instrumento identitaacuterio

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica considera tambeacutem os fatores linguumliacutestico-estruturais que podem ser fonoloacutegicos morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos e ateacute discursivos

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica equivale em complexidade agrave da proacutepria accedilatildeo humana Assim dominar os conceitos linguumliacutesticos com os quais vai trabalhar eacute necessaacuterio ao professor que educa em liacutengua materna principalmente ao professor alfabetizador poreacutem de modo geral os cursos de formaccedilatildeo de professores para os anos iniciais de escolarizaccedilatildeo natildeo tecircm contemplado em seus curriacuteculos uma formaccedilatildeo linguumliacutestica mais aprofundada

Bagno (2002 p 81) abordando aspectos da formaccedilatildeo do professor de liacutengua materna destaca quatro princiacutepios que devem constar dos seus conhecimentos a fim de que possa alavancar o ensino da liacutengua na escola

a) o estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica

b) a praacutetica da reflexatildeo linguumliacutestica sistemaacutetica e consciente (por meio da pesquisa)

c) o desenvolvimento constante e ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (aliadas tambeacutem agraves praacuteticas de oralidade)

d) o estudo dos gecircneros textuais (orais e escritos)

Os estudos sociolinguumliacutesticos haacute pouco tempo voltavam-se mais agraves diferenccedilas entre a linguagem oral e a escrita do que agraves suas semelhanccedilas processuais desconsiderando seus pontos comuns as diversas interferecircncias entre uma e outra subestimando a posiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica da emergecircncia e da produccedilatildeo do discurso na construccedilatildeo e constituiccedilatildeo da linguagem e o sujeito

Esta visatildeo tornou-se paracircmetro para praacuteticas pedagoacutegicas convencionais que ainda impregna o aprendizado da linguagem escrita nas escolas dando-se ecircnfase ao treino de habilidades cujas tarefas satildeo unidirecionalmente escolhidas pelo professor relegando a linguagem a um segundo plano VYGOTSKY (1994) criticava o meacutetodo mecanicista a que as crianccedilas se alfabetizavam valorizando o estado permanente da escrita cuja produccedilatildeo do objeto estaria preacute-definida em funccedilatildeo de suas diferenccedilas formais com a modalidade oral ou de seus traccedilos estruturais de um maior planejamento

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

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Page 2: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo que eacute parte do Projeto PDE (PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO ESTADO DO PARANAacute) que tem como tiacutetulo rdquo Oralidade na Escrita Errordquo desenvolvido no Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski na cidade de Castro nas turmas da 5ordf seacuterie do Ensino Fundamental turno matutino

Objetivou-se com o projeto contribuir para a reflexatildeo do processo de desenvolvimento da oralidade e da escrita nas quintas seacuteries por meio de estudos e da investigaccedilatildeo da accedilatildeo pedagoacutegica do professor e das suas relaccedilotildees com a leitura envolvendo todo o processo discursivo na relaccedilatildeo do aluno com as atividades de letramento

Pesquisar a quinta seacuterie especificamente justificou-se pelo objetivo da valorizaccedilatildeo do sujeito e adaptaccedilatildeo dos educando de 5ordf de seacuterie na comunidade escolar uma vez que muitas delas encontram uma barreira muito grande ao depararam-se nesta fase da vida estudantil Aleacutem disso observou-se as condiccedilotildees de produccedilatildeo textual e verificou-se a influecircncia da oralidade nos textos de escrita espontacircnea

Para embasamento teoacuterico foram utilizados os pressupostos de autores como Mikhail Bakhitin Magda Soares Marcos Bagno Luiz Antocircnio Marcuschi e Joatildeo Wanderley Geraldi entre outros

Por isso considerando tais dificuldades tornou-se instigador buscar compreender como se daacute o processo da entrada dos alunos nas quintas seacuteries bem como a sua adaptaccedilatildeo

Entende-se que a escola para dar conta de cumprir o seu desafio maior que eacute o de formar leitores e escritores precisa num primeiro momento compreender o universo linguumliacutestico dos seus alunos a partir de uma visatildeo maior do seu entorno num segundo momento conhecer as peculiaridades de seus alunos em todos os niacuteveis mas especialmente as suas relaccedilotildees com a linguagem

DESENVOLVIMENTO

O PDE ( Programa de Desenvolvimento Educacional) tem por objetivo estabelecer o diaacutelogo entre os professores da Educaccedilatildeo Baacutesica e o Ensino Superior por meio de atividades teoacuterico-praacuteticas orientadas tendo como resultado a produccedilatildeo de conhecimento e consequumlentemente mudanccedilas relevantes na praacutetica escolar da escola puacuteblica paranaense Originando assim a promoccedilatildeo do professor para o Niacutevel III da Carreira conforme previsto no Plano de Carreira do Magisteacuterio Estadual nordm 103 de 15 de marccedilo de 2004

Um dos objetivos do Programa foi possibilitar o retorno dos Professores da Educaccedilatildeo Baacutesica agraves Universidades especificamente as atividades acadecircmicas de sua aacuterea de formaccedilatildeo inicial de forma presencial e semi-presencial com os demais professores da rede puacuteblica sendo apoiados com suportes tecnoloacutegicos para o desenvolvimento da atividade colaborativa

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A princiacutepio foram iniciadas as atividades com a elaboraccedilatildeo de Plano de Trabalho em conjunto com o professor orientador da Universidade no caso a Universidade de Ponta Grossa Tal Plano de Trabalho constituiu-se de uma proposta de intervenccedilatildeo na realidade escolar que foram estruturadas em trecircs grandes eixos que foram desenvolvidas no espaccedilo de dois anos a elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos os quais foram usados nas escolas a orientaccedilatildeo de Grupo de Trabalho em Rede envolvendo os professores da rede das aacutereas afins e a escrita de um artigo cientiacutefico

Na elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos foi feita a opccedilatildeo pelo Folhas cujo tiacutetulo foi Oralidade na escrita Erro O mesmo foi direcionado agraves quintas seacuteries do Ensino Fundamental feito de forma interdisciplinar com as disciplinas de Artes Histoacuteria e Geografia Nele o que se procurou salientar foi a discriminaccedilatildeo que haacute em torno da variaccedilatildeo linguumliacutestica e que vem muitas vezes carregadas de preconceito

Durante a Implementaccedilatildeo da Proposta Folhas muitas vezes ouviu-se dos educandos observaccedilotildees como ldquoestamos aprendendo portuguecircs de um outro jeitordquo ldquonossa entatildeo a maneira como meu avocirc fala natildeo eacute erradordquo ldquoposso aprender Geografia atraveacutes do Portuguecircsrdquo ldquo bom conhecer a histoacuteria das letrasrdquo enfim citaccedilotildees que trouxeram enriquecimento o educador

Tal Implementaccedilatildeo foi apresentada ao grupo de Trabalho em Rede atraveacutes da qual foi mantido contato virtual atraveacutes do Programa denominado Moodle em seis moacutedulos que assim buscou a efetivaccedilatildeo da formaccedilatildeo continuada totalizando 60 horas equivalendo a 9 pontos para progressatildeo dos participantes

No primeiro moacutedulo foi solicitada a apresentaccedilatildeo dos participantes do Grupo afim de socializar todos os integrantes

No segundo moacutedulo foi pedido aos colegas do GTR que fizessem a leitura e analise de textos contidos na Biblioteca do Professor textos estes escritos pelos palestrantes do I Seminaacuterio Temaacutetico do PDE

No moacutedulo trecircs foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada uma anaacutelise do mesmo de cada um dos itens do Projeto Tiacutetulo e problematizaccedilatildeo do tema descriccedilatildeo do objeto de estudo fundamentaccedilatildeo teoacuterica encaminhamentos e referencias bibliograacuteficas bem como a sua pertinecircncia para a Educaccedilatildeo Baacutesica

O moacutedulo quatro foi a apresentaccedilatildeo do Material Didaacutetico aos participantes do GTR e lhes foi solicitada uma anaacutelise do mesmo bem como foi incentivada a elaboraccedilatildeo do material didaacutetico aos participantes

No moacutedulo cinco foi apresentada a fundamentaccedilatildeo teoacuterica do Folhas onde foi sugerida a discussatildeo da proposta de implementaccedilatildeo da proposta de trabalho na escola bem como sugestotildees muito valiosas foram apresentadas

Finalmente no moacutedulo seis foi solicitado ao Grupo um Plano contendo possiacuteveis formas de implementaccedilatildeo da proposta de intervenccedilatildeo na Escola ou na sua aacuterea de atuaccedilatildeo bem como foi discutido os resultados obtidos com a implentaccedilatildeo

Com este trabalho pretendeu-se apontar alguns problemas que os alunos da quinta seacuterie do ensino fundamental apresentam para desenvolver certos toacutepicos discursivos de acordo com o que se espera da norma culta da liacutengua em funccedilatildeo da variaccedilatildeo linguumliacutestica que predomina principalmente fora da escola

A metodologia utilizada foi a escrita de textos em duas turmas da quinta seacuterie do periacuteodo matutino do Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski sendo que numa delas 5ordf seacuterie A fez-se uma preparaccedilatildeo para a produccedilatildeo textual e na 5ordf seacuterie B a produccedilatildeo de texto foi espontacircnea apenas com a observaccedilatildeo do professor e intervenccedilatildeo quando ldquonecessaacuteriardquo

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Observou-se que onde houve a preparaccedilatildeo para os textos escritos ocorreu uma preocupaccedilatildeo maior com a forma a escrita consequumlentemente textos mais bem elaborados sem muitas marcas de oralidade e poucos ldquoerrosrdquo Na 5ordf seacuterie B onde natildeo ocorreu uma preparaccedilatildeo os textos apresentavam maiores ldquoerrosrdquo e uma presenccedila muita grande de marcas da oralidade

Apoacutes a escrita dos textos partiu-se para a anaacutelise dos ldquoerrosrdquo mais frequumlentes marcas da oralidade muito arraigadas consequumlentemente observou-se as dificuldades em relaccedilatildeo agrave escrita dos educandos e que o mesmo acontece atraveacutes da valorizaccedilatildeo das variedades linguumliacutesticas trazidas pelos alunos no seu conviacutevio familiar

Partiu-se entatildeo para a praacutetica tendo como base o Projeto Folhas que tambeacutem faz parte do Projeto ou seja a Implementaccedilatildeo da Proposta de Trabalho na Escolaonde buscou-se a parceria com toda a comunidade escolar direccedilatildeo supervisatildeo e o trabalho interdisciplinar com os professores das disciplinas de Artes Histoacuteria e GeografiaO trabalho com a produccedilatildeo de textos oriundos da histoacuteria de vida de cada um dos educandos trabalhos com a escrita e a reescrita de textos em conjunto escrita de poesias lendas bilhetes histoacuterias de famiacutelia etc

As atividades sugeridas no Folhas fez com que muitos dos educandos questionassem o fato de se estar estudando a disciplina de Liacutengua Portuguesa e ao mesmo tempo outras disciplinas Comentaacuterios como ldquo Professora entatildeo natildeo haacute erro na forma como eu me comunico o que tenho que aprender eacute que haacute vaacuterias formas de se dizer a mesma dependendo da ocasiatildeo e com quem eu estiver conversandordquo

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos textos segundo Geraldi (199774) diz que ldquoa anaacutelise linguumliacutestica inclui tanto o trabalho sobre questotildees tradicionais quanto questotildees amplas a propoacutesito do textordquo e que por isso esta praacutetica natildeo pode limitar-se agrave ldquohigienizaccedilatildeo do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortograacuteficos limitando-se a correccedilotildeesrdquo

Partindo-se desse pressuposto primeiramente foi feito o levantamento das ocorrecircncias problemaacuteticas no texto onde pocircde-se constatar que os problemas de maior incidecircncia foram os de ordem fonoloacutegica

Sendo assim para ajudar a resolvecirc-los trabalhou-se individualmente as questotildees relacionadas agrave ortografia porque entende-se que para o aluno chegar agrave autonomia na correccedilatildeo ortograacutefica de seus textos eacute necessaacuterio que o professor gradue as atividades de forma a tornaacute-lo cada vez mais independente

A crianccedila ao chegar agrave escola iniciando sua vida escolar jaacute eacute portadora de saberes da oralidade que viabilizam a sua interaccedilatildeo social Esses saberes satildeo construiacutedos nos contextos sociais da comunidade e nas redes de interaccedilatildeo da crianccedila e servem de base para a construccedilatildeo de novos saberes adquiridos na escola principalmente a liacutengua escrita

Muitos professores no entanto ficam inseguros sobre como intervir de forma produtiva no processo comunicativo em sala de aula e intervecircm por vezes de forma estigmatizadora em relaccedilatildeo agrave fala do aluno considerando ldquoerrordquo aquilo que eacute apenas diferenccedila entre os ldquofalaresrdquo ou seja variedades da liacutengua que estatildeo relacionadas aos antecedentes sociolinguumliacutesticos

A esse respeito eacute necessaacuterio esclarecer ao aluno que existem diferentes formas de usar a liacutengua oral e que essas maneiras satildeo contextualmente definidas Desse modo ele poderaacute monitorar seu estilo adequando sua linguagem agrave circunstacircncia de fala Mas que essa intervenccedilatildeo seja feita fundada em uma pedagogia culturalmente sensiacutevel (Erickson 1987) aos antecedentes socioculturais e linguumliacutesticos do aluno para que natildeo haja prejuiacutezo no seu processo de ensino e aprendizagem e tambeacutem natildeo venha causar discriminaccedilatildeo ou preconceito O tratamento inadequado ou ateacute mesmo estigmatizante

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dessa questatildeo linguumliacutestica pode provocar inseguranccedila no falante comprometendo a sua auto-estima e dificultando sua integraccedilatildeo na cultura escolar bem como a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita

Os alunos provenientes das classes populares satildeo originaacuterios de uma cultura em predomina principalmente a oralidade A forma baacutesica de comunicaccedilatildeo eacute a oral e ao chegarem agrave escola deparam com a preponderacircncia de outra modalidade que eacute a escrita o que provoca uma incongruecircncia e agraves vezes ateacute desencanto com aquilo que lhes podia representar entre outras coisas inclusatildeo social

Alguns dialetos tecircm mais prestiacutegio que outros resultado de uma crenccedila que consolidou na cultura do Brasil ao longo de sua histoacuteria constituindo um mito Assim os membros de uma comunidade de fala que possuem poder econocircmico e poliacutetico satildeo tratados mais respeito e transmitem esses valores para o dialeto que falam Esses dialetos entatildeoa ser aqueles legitimados socialmente e aceitos como ldquocorretosrdquo de acordo com Bagno (2003)

O dialeto pode vir a ser considerado bom ou ruim dependendo da legitimidade que ganhou a partir de fatores econocircmicos ou poliacuteticos Esses valores no entanto satildeo de caraacuteter ideoloacutegico e geram preconceitos que precisam ser combatidos a comeccedilar pela escola pois a fala eacute sobretudo um instrumento identitaacuterio

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica considera tambeacutem os fatores linguumliacutestico-estruturais que podem ser fonoloacutegicos morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos e ateacute discursivos

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica equivale em complexidade agrave da proacutepria accedilatildeo humana Assim dominar os conceitos linguumliacutesticos com os quais vai trabalhar eacute necessaacuterio ao professor que educa em liacutengua materna principalmente ao professor alfabetizador poreacutem de modo geral os cursos de formaccedilatildeo de professores para os anos iniciais de escolarizaccedilatildeo natildeo tecircm contemplado em seus curriacuteculos uma formaccedilatildeo linguumliacutestica mais aprofundada

Bagno (2002 p 81) abordando aspectos da formaccedilatildeo do professor de liacutengua materna destaca quatro princiacutepios que devem constar dos seus conhecimentos a fim de que possa alavancar o ensino da liacutengua na escola

a) o estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica

b) a praacutetica da reflexatildeo linguumliacutestica sistemaacutetica e consciente (por meio da pesquisa)

c) o desenvolvimento constante e ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (aliadas tambeacutem agraves praacuteticas de oralidade)

d) o estudo dos gecircneros textuais (orais e escritos)

Os estudos sociolinguumliacutesticos haacute pouco tempo voltavam-se mais agraves diferenccedilas entre a linguagem oral e a escrita do que agraves suas semelhanccedilas processuais desconsiderando seus pontos comuns as diversas interferecircncias entre uma e outra subestimando a posiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica da emergecircncia e da produccedilatildeo do discurso na construccedilatildeo e constituiccedilatildeo da linguagem e o sujeito

Esta visatildeo tornou-se paracircmetro para praacuteticas pedagoacutegicas convencionais que ainda impregna o aprendizado da linguagem escrita nas escolas dando-se ecircnfase ao treino de habilidades cujas tarefas satildeo unidirecionalmente escolhidas pelo professor relegando a linguagem a um segundo plano VYGOTSKY (1994) criticava o meacutetodo mecanicista a que as crianccedilas se alfabetizavam valorizando o estado permanente da escrita cuja produccedilatildeo do objeto estaria preacute-definida em funccedilatildeo de suas diferenccedilas formais com a modalidade oral ou de seus traccedilos estruturais de um maior planejamento

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

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Page 3: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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A princiacutepio foram iniciadas as atividades com a elaboraccedilatildeo de Plano de Trabalho em conjunto com o professor orientador da Universidade no caso a Universidade de Ponta Grossa Tal Plano de Trabalho constituiu-se de uma proposta de intervenccedilatildeo na realidade escolar que foram estruturadas em trecircs grandes eixos que foram desenvolvidas no espaccedilo de dois anos a elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos os quais foram usados nas escolas a orientaccedilatildeo de Grupo de Trabalho em Rede envolvendo os professores da rede das aacutereas afins e a escrita de um artigo cientiacutefico

Na elaboraccedilatildeo dos materiais didaacuteticos foi feita a opccedilatildeo pelo Folhas cujo tiacutetulo foi Oralidade na escrita Erro O mesmo foi direcionado agraves quintas seacuteries do Ensino Fundamental feito de forma interdisciplinar com as disciplinas de Artes Histoacuteria e Geografia Nele o que se procurou salientar foi a discriminaccedilatildeo que haacute em torno da variaccedilatildeo linguumliacutestica e que vem muitas vezes carregadas de preconceito

Durante a Implementaccedilatildeo da Proposta Folhas muitas vezes ouviu-se dos educandos observaccedilotildees como ldquoestamos aprendendo portuguecircs de um outro jeitordquo ldquonossa entatildeo a maneira como meu avocirc fala natildeo eacute erradordquo ldquoposso aprender Geografia atraveacutes do Portuguecircsrdquo ldquo bom conhecer a histoacuteria das letrasrdquo enfim citaccedilotildees que trouxeram enriquecimento o educador

Tal Implementaccedilatildeo foi apresentada ao grupo de Trabalho em Rede atraveacutes da qual foi mantido contato virtual atraveacutes do Programa denominado Moodle em seis moacutedulos que assim buscou a efetivaccedilatildeo da formaccedilatildeo continuada totalizando 60 horas equivalendo a 9 pontos para progressatildeo dos participantes

No primeiro moacutedulo foi solicitada a apresentaccedilatildeo dos participantes do Grupo afim de socializar todos os integrantes

No segundo moacutedulo foi pedido aos colegas do GTR que fizessem a leitura e analise de textos contidos na Biblioteca do Professor textos estes escritos pelos palestrantes do I Seminaacuterio Temaacutetico do PDE

No moacutedulo trecircs foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada uma anaacutelise do mesmo de cada um dos itens do Projeto Tiacutetulo e problematizaccedilatildeo do tema descriccedilatildeo do objeto de estudo fundamentaccedilatildeo teoacuterica encaminhamentos e referencias bibliograacuteficas bem como a sua pertinecircncia para a Educaccedilatildeo Baacutesica

O moacutedulo quatro foi a apresentaccedilatildeo do Material Didaacutetico aos participantes do GTR e lhes foi solicitada uma anaacutelise do mesmo bem como foi incentivada a elaboraccedilatildeo do material didaacutetico aos participantes

No moacutedulo cinco foi apresentada a fundamentaccedilatildeo teoacuterica do Folhas onde foi sugerida a discussatildeo da proposta de implementaccedilatildeo da proposta de trabalho na escola bem como sugestotildees muito valiosas foram apresentadas

Finalmente no moacutedulo seis foi solicitado ao Grupo um Plano contendo possiacuteveis formas de implementaccedilatildeo da proposta de intervenccedilatildeo na Escola ou na sua aacuterea de atuaccedilatildeo bem como foi discutido os resultados obtidos com a implentaccedilatildeo

Com este trabalho pretendeu-se apontar alguns problemas que os alunos da quinta seacuterie do ensino fundamental apresentam para desenvolver certos toacutepicos discursivos de acordo com o que se espera da norma culta da liacutengua em funccedilatildeo da variaccedilatildeo linguumliacutestica que predomina principalmente fora da escola

A metodologia utilizada foi a escrita de textos em duas turmas da quinta seacuterie do periacuteodo matutino do Coleacutegio Estadual Profordf Maria Aparecida Nisgoski sendo que numa delas 5ordf seacuterie A fez-se uma preparaccedilatildeo para a produccedilatildeo textual e na 5ordf seacuterie B a produccedilatildeo de texto foi espontacircnea apenas com a observaccedilatildeo do professor e intervenccedilatildeo quando ldquonecessaacuteriardquo

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Observou-se que onde houve a preparaccedilatildeo para os textos escritos ocorreu uma preocupaccedilatildeo maior com a forma a escrita consequumlentemente textos mais bem elaborados sem muitas marcas de oralidade e poucos ldquoerrosrdquo Na 5ordf seacuterie B onde natildeo ocorreu uma preparaccedilatildeo os textos apresentavam maiores ldquoerrosrdquo e uma presenccedila muita grande de marcas da oralidade

Apoacutes a escrita dos textos partiu-se para a anaacutelise dos ldquoerrosrdquo mais frequumlentes marcas da oralidade muito arraigadas consequumlentemente observou-se as dificuldades em relaccedilatildeo agrave escrita dos educandos e que o mesmo acontece atraveacutes da valorizaccedilatildeo das variedades linguumliacutesticas trazidas pelos alunos no seu conviacutevio familiar

Partiu-se entatildeo para a praacutetica tendo como base o Projeto Folhas que tambeacutem faz parte do Projeto ou seja a Implementaccedilatildeo da Proposta de Trabalho na Escolaonde buscou-se a parceria com toda a comunidade escolar direccedilatildeo supervisatildeo e o trabalho interdisciplinar com os professores das disciplinas de Artes Histoacuteria e GeografiaO trabalho com a produccedilatildeo de textos oriundos da histoacuteria de vida de cada um dos educandos trabalhos com a escrita e a reescrita de textos em conjunto escrita de poesias lendas bilhetes histoacuterias de famiacutelia etc

As atividades sugeridas no Folhas fez com que muitos dos educandos questionassem o fato de se estar estudando a disciplina de Liacutengua Portuguesa e ao mesmo tempo outras disciplinas Comentaacuterios como ldquo Professora entatildeo natildeo haacute erro na forma como eu me comunico o que tenho que aprender eacute que haacute vaacuterias formas de se dizer a mesma dependendo da ocasiatildeo e com quem eu estiver conversandordquo

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos textos segundo Geraldi (199774) diz que ldquoa anaacutelise linguumliacutestica inclui tanto o trabalho sobre questotildees tradicionais quanto questotildees amplas a propoacutesito do textordquo e que por isso esta praacutetica natildeo pode limitar-se agrave ldquohigienizaccedilatildeo do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortograacuteficos limitando-se a correccedilotildeesrdquo

Partindo-se desse pressuposto primeiramente foi feito o levantamento das ocorrecircncias problemaacuteticas no texto onde pocircde-se constatar que os problemas de maior incidecircncia foram os de ordem fonoloacutegica

Sendo assim para ajudar a resolvecirc-los trabalhou-se individualmente as questotildees relacionadas agrave ortografia porque entende-se que para o aluno chegar agrave autonomia na correccedilatildeo ortograacutefica de seus textos eacute necessaacuterio que o professor gradue as atividades de forma a tornaacute-lo cada vez mais independente

A crianccedila ao chegar agrave escola iniciando sua vida escolar jaacute eacute portadora de saberes da oralidade que viabilizam a sua interaccedilatildeo social Esses saberes satildeo construiacutedos nos contextos sociais da comunidade e nas redes de interaccedilatildeo da crianccedila e servem de base para a construccedilatildeo de novos saberes adquiridos na escola principalmente a liacutengua escrita

Muitos professores no entanto ficam inseguros sobre como intervir de forma produtiva no processo comunicativo em sala de aula e intervecircm por vezes de forma estigmatizadora em relaccedilatildeo agrave fala do aluno considerando ldquoerrordquo aquilo que eacute apenas diferenccedila entre os ldquofalaresrdquo ou seja variedades da liacutengua que estatildeo relacionadas aos antecedentes sociolinguumliacutesticos

A esse respeito eacute necessaacuterio esclarecer ao aluno que existem diferentes formas de usar a liacutengua oral e que essas maneiras satildeo contextualmente definidas Desse modo ele poderaacute monitorar seu estilo adequando sua linguagem agrave circunstacircncia de fala Mas que essa intervenccedilatildeo seja feita fundada em uma pedagogia culturalmente sensiacutevel (Erickson 1987) aos antecedentes socioculturais e linguumliacutesticos do aluno para que natildeo haja prejuiacutezo no seu processo de ensino e aprendizagem e tambeacutem natildeo venha causar discriminaccedilatildeo ou preconceito O tratamento inadequado ou ateacute mesmo estigmatizante

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dessa questatildeo linguumliacutestica pode provocar inseguranccedila no falante comprometendo a sua auto-estima e dificultando sua integraccedilatildeo na cultura escolar bem como a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita

Os alunos provenientes das classes populares satildeo originaacuterios de uma cultura em predomina principalmente a oralidade A forma baacutesica de comunicaccedilatildeo eacute a oral e ao chegarem agrave escola deparam com a preponderacircncia de outra modalidade que eacute a escrita o que provoca uma incongruecircncia e agraves vezes ateacute desencanto com aquilo que lhes podia representar entre outras coisas inclusatildeo social

Alguns dialetos tecircm mais prestiacutegio que outros resultado de uma crenccedila que consolidou na cultura do Brasil ao longo de sua histoacuteria constituindo um mito Assim os membros de uma comunidade de fala que possuem poder econocircmico e poliacutetico satildeo tratados mais respeito e transmitem esses valores para o dialeto que falam Esses dialetos entatildeoa ser aqueles legitimados socialmente e aceitos como ldquocorretosrdquo de acordo com Bagno (2003)

O dialeto pode vir a ser considerado bom ou ruim dependendo da legitimidade que ganhou a partir de fatores econocircmicos ou poliacuteticos Esses valores no entanto satildeo de caraacuteter ideoloacutegico e geram preconceitos que precisam ser combatidos a comeccedilar pela escola pois a fala eacute sobretudo um instrumento identitaacuterio

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica considera tambeacutem os fatores linguumliacutestico-estruturais que podem ser fonoloacutegicos morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos e ateacute discursivos

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica equivale em complexidade agrave da proacutepria accedilatildeo humana Assim dominar os conceitos linguumliacutesticos com os quais vai trabalhar eacute necessaacuterio ao professor que educa em liacutengua materna principalmente ao professor alfabetizador poreacutem de modo geral os cursos de formaccedilatildeo de professores para os anos iniciais de escolarizaccedilatildeo natildeo tecircm contemplado em seus curriacuteculos uma formaccedilatildeo linguumliacutestica mais aprofundada

Bagno (2002 p 81) abordando aspectos da formaccedilatildeo do professor de liacutengua materna destaca quatro princiacutepios que devem constar dos seus conhecimentos a fim de que possa alavancar o ensino da liacutengua na escola

a) o estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica

b) a praacutetica da reflexatildeo linguumliacutestica sistemaacutetica e consciente (por meio da pesquisa)

c) o desenvolvimento constante e ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (aliadas tambeacutem agraves praacuteticas de oralidade)

d) o estudo dos gecircneros textuais (orais e escritos)

Os estudos sociolinguumliacutesticos haacute pouco tempo voltavam-se mais agraves diferenccedilas entre a linguagem oral e a escrita do que agraves suas semelhanccedilas processuais desconsiderando seus pontos comuns as diversas interferecircncias entre uma e outra subestimando a posiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica da emergecircncia e da produccedilatildeo do discurso na construccedilatildeo e constituiccedilatildeo da linguagem e o sujeito

Esta visatildeo tornou-se paracircmetro para praacuteticas pedagoacutegicas convencionais que ainda impregna o aprendizado da linguagem escrita nas escolas dando-se ecircnfase ao treino de habilidades cujas tarefas satildeo unidirecionalmente escolhidas pelo professor relegando a linguagem a um segundo plano VYGOTSKY (1994) criticava o meacutetodo mecanicista a que as crianccedilas se alfabetizavam valorizando o estado permanente da escrita cuja produccedilatildeo do objeto estaria preacute-definida em funccedilatildeo de suas diferenccedilas formais com a modalidade oral ou de seus traccedilos estruturais de um maior planejamento

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Page 4: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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Observou-se que onde houve a preparaccedilatildeo para os textos escritos ocorreu uma preocupaccedilatildeo maior com a forma a escrita consequumlentemente textos mais bem elaborados sem muitas marcas de oralidade e poucos ldquoerrosrdquo Na 5ordf seacuterie B onde natildeo ocorreu uma preparaccedilatildeo os textos apresentavam maiores ldquoerrosrdquo e uma presenccedila muita grande de marcas da oralidade

Apoacutes a escrita dos textos partiu-se para a anaacutelise dos ldquoerrosrdquo mais frequumlentes marcas da oralidade muito arraigadas consequumlentemente observou-se as dificuldades em relaccedilatildeo agrave escrita dos educandos e que o mesmo acontece atraveacutes da valorizaccedilatildeo das variedades linguumliacutesticas trazidas pelos alunos no seu conviacutevio familiar

Partiu-se entatildeo para a praacutetica tendo como base o Projeto Folhas que tambeacutem faz parte do Projeto ou seja a Implementaccedilatildeo da Proposta de Trabalho na Escolaonde buscou-se a parceria com toda a comunidade escolar direccedilatildeo supervisatildeo e o trabalho interdisciplinar com os professores das disciplinas de Artes Histoacuteria e GeografiaO trabalho com a produccedilatildeo de textos oriundos da histoacuteria de vida de cada um dos educandos trabalhos com a escrita e a reescrita de textos em conjunto escrita de poesias lendas bilhetes histoacuterias de famiacutelia etc

As atividades sugeridas no Folhas fez com que muitos dos educandos questionassem o fato de se estar estudando a disciplina de Liacutengua Portuguesa e ao mesmo tempo outras disciplinas Comentaacuterios como ldquo Professora entatildeo natildeo haacute erro na forma como eu me comunico o que tenho que aprender eacute que haacute vaacuterias formas de se dizer a mesma dependendo da ocasiatildeo e com quem eu estiver conversandordquo

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo dos textos segundo Geraldi (199774) diz que ldquoa anaacutelise linguumliacutestica inclui tanto o trabalho sobre questotildees tradicionais quanto questotildees amplas a propoacutesito do textordquo e que por isso esta praacutetica natildeo pode limitar-se agrave ldquohigienizaccedilatildeo do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortograacuteficos limitando-se a correccedilotildeesrdquo

Partindo-se desse pressuposto primeiramente foi feito o levantamento das ocorrecircncias problemaacuteticas no texto onde pocircde-se constatar que os problemas de maior incidecircncia foram os de ordem fonoloacutegica

Sendo assim para ajudar a resolvecirc-los trabalhou-se individualmente as questotildees relacionadas agrave ortografia porque entende-se que para o aluno chegar agrave autonomia na correccedilatildeo ortograacutefica de seus textos eacute necessaacuterio que o professor gradue as atividades de forma a tornaacute-lo cada vez mais independente

A crianccedila ao chegar agrave escola iniciando sua vida escolar jaacute eacute portadora de saberes da oralidade que viabilizam a sua interaccedilatildeo social Esses saberes satildeo construiacutedos nos contextos sociais da comunidade e nas redes de interaccedilatildeo da crianccedila e servem de base para a construccedilatildeo de novos saberes adquiridos na escola principalmente a liacutengua escrita

Muitos professores no entanto ficam inseguros sobre como intervir de forma produtiva no processo comunicativo em sala de aula e intervecircm por vezes de forma estigmatizadora em relaccedilatildeo agrave fala do aluno considerando ldquoerrordquo aquilo que eacute apenas diferenccedila entre os ldquofalaresrdquo ou seja variedades da liacutengua que estatildeo relacionadas aos antecedentes sociolinguumliacutesticos

A esse respeito eacute necessaacuterio esclarecer ao aluno que existem diferentes formas de usar a liacutengua oral e que essas maneiras satildeo contextualmente definidas Desse modo ele poderaacute monitorar seu estilo adequando sua linguagem agrave circunstacircncia de fala Mas que essa intervenccedilatildeo seja feita fundada em uma pedagogia culturalmente sensiacutevel (Erickson 1987) aos antecedentes socioculturais e linguumliacutesticos do aluno para que natildeo haja prejuiacutezo no seu processo de ensino e aprendizagem e tambeacutem natildeo venha causar discriminaccedilatildeo ou preconceito O tratamento inadequado ou ateacute mesmo estigmatizante

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dessa questatildeo linguumliacutestica pode provocar inseguranccedila no falante comprometendo a sua auto-estima e dificultando sua integraccedilatildeo na cultura escolar bem como a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita

Os alunos provenientes das classes populares satildeo originaacuterios de uma cultura em predomina principalmente a oralidade A forma baacutesica de comunicaccedilatildeo eacute a oral e ao chegarem agrave escola deparam com a preponderacircncia de outra modalidade que eacute a escrita o que provoca uma incongruecircncia e agraves vezes ateacute desencanto com aquilo que lhes podia representar entre outras coisas inclusatildeo social

Alguns dialetos tecircm mais prestiacutegio que outros resultado de uma crenccedila que consolidou na cultura do Brasil ao longo de sua histoacuteria constituindo um mito Assim os membros de uma comunidade de fala que possuem poder econocircmico e poliacutetico satildeo tratados mais respeito e transmitem esses valores para o dialeto que falam Esses dialetos entatildeoa ser aqueles legitimados socialmente e aceitos como ldquocorretosrdquo de acordo com Bagno (2003)

O dialeto pode vir a ser considerado bom ou ruim dependendo da legitimidade que ganhou a partir de fatores econocircmicos ou poliacuteticos Esses valores no entanto satildeo de caraacuteter ideoloacutegico e geram preconceitos que precisam ser combatidos a comeccedilar pela escola pois a fala eacute sobretudo um instrumento identitaacuterio

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica considera tambeacutem os fatores linguumliacutestico-estruturais que podem ser fonoloacutegicos morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos e ateacute discursivos

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica equivale em complexidade agrave da proacutepria accedilatildeo humana Assim dominar os conceitos linguumliacutesticos com os quais vai trabalhar eacute necessaacuterio ao professor que educa em liacutengua materna principalmente ao professor alfabetizador poreacutem de modo geral os cursos de formaccedilatildeo de professores para os anos iniciais de escolarizaccedilatildeo natildeo tecircm contemplado em seus curriacuteculos uma formaccedilatildeo linguumliacutestica mais aprofundada

Bagno (2002 p 81) abordando aspectos da formaccedilatildeo do professor de liacutengua materna destaca quatro princiacutepios que devem constar dos seus conhecimentos a fim de que possa alavancar o ensino da liacutengua na escola

a) o estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica

b) a praacutetica da reflexatildeo linguumliacutestica sistemaacutetica e consciente (por meio da pesquisa)

c) o desenvolvimento constante e ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (aliadas tambeacutem agraves praacuteticas de oralidade)

d) o estudo dos gecircneros textuais (orais e escritos)

Os estudos sociolinguumliacutesticos haacute pouco tempo voltavam-se mais agraves diferenccedilas entre a linguagem oral e a escrita do que agraves suas semelhanccedilas processuais desconsiderando seus pontos comuns as diversas interferecircncias entre uma e outra subestimando a posiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica da emergecircncia e da produccedilatildeo do discurso na construccedilatildeo e constituiccedilatildeo da linguagem e o sujeito

Esta visatildeo tornou-se paracircmetro para praacuteticas pedagoacutegicas convencionais que ainda impregna o aprendizado da linguagem escrita nas escolas dando-se ecircnfase ao treino de habilidades cujas tarefas satildeo unidirecionalmente escolhidas pelo professor relegando a linguagem a um segundo plano VYGOTSKY (1994) criticava o meacutetodo mecanicista a que as crianccedilas se alfabetizavam valorizando o estado permanente da escrita cuja produccedilatildeo do objeto estaria preacute-definida em funccedilatildeo de suas diferenccedilas formais com a modalidade oral ou de seus traccedilos estruturais de um maior planejamento

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

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FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

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Page 5: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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dessa questatildeo linguumliacutestica pode provocar inseguranccedila no falante comprometendo a sua auto-estima e dificultando sua integraccedilatildeo na cultura escolar bem como a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita

Os alunos provenientes das classes populares satildeo originaacuterios de uma cultura em predomina principalmente a oralidade A forma baacutesica de comunicaccedilatildeo eacute a oral e ao chegarem agrave escola deparam com a preponderacircncia de outra modalidade que eacute a escrita o que provoca uma incongruecircncia e agraves vezes ateacute desencanto com aquilo que lhes podia representar entre outras coisas inclusatildeo social

Alguns dialetos tecircm mais prestiacutegio que outros resultado de uma crenccedila que consolidou na cultura do Brasil ao longo de sua histoacuteria constituindo um mito Assim os membros de uma comunidade de fala que possuem poder econocircmico e poliacutetico satildeo tratados mais respeito e transmitem esses valores para o dialeto que falam Esses dialetos entatildeoa ser aqueles legitimados socialmente e aceitos como ldquocorretosrdquo de acordo com Bagno (2003)

O dialeto pode vir a ser considerado bom ou ruim dependendo da legitimidade que ganhou a partir de fatores econocircmicos ou poliacuteticos Esses valores no entanto satildeo de caraacuteter ideoloacutegico e geram preconceitos que precisam ser combatidos a comeccedilar pela escola pois a fala eacute sobretudo um instrumento identitaacuterio

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica considera tambeacutem os fatores linguumliacutestico-estruturais que podem ser fonoloacutegicos morfoloacutegicos sintaacuteticos semacircnticos pragmaacuteticos e ateacute discursivos

O estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica equivale em complexidade agrave da proacutepria accedilatildeo humana Assim dominar os conceitos linguumliacutesticos com os quais vai trabalhar eacute necessaacuterio ao professor que educa em liacutengua materna principalmente ao professor alfabetizador poreacutem de modo geral os cursos de formaccedilatildeo de professores para os anos iniciais de escolarizaccedilatildeo natildeo tecircm contemplado em seus curriacuteculos uma formaccedilatildeo linguumliacutestica mais aprofundada

Bagno (2002 p 81) abordando aspectos da formaccedilatildeo do professor de liacutengua materna destaca quatro princiacutepios que devem constar dos seus conhecimentos a fim de que possa alavancar o ensino da liacutengua na escola

a) o estudo da variaccedilatildeo linguumliacutestica

b) a praacutetica da reflexatildeo linguumliacutestica sistemaacutetica e consciente (por meio da pesquisa)

c) o desenvolvimento constante e ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (aliadas tambeacutem agraves praacuteticas de oralidade)

d) o estudo dos gecircneros textuais (orais e escritos)

Os estudos sociolinguumliacutesticos haacute pouco tempo voltavam-se mais agraves diferenccedilas entre a linguagem oral e a escrita do que agraves suas semelhanccedilas processuais desconsiderando seus pontos comuns as diversas interferecircncias entre uma e outra subestimando a posiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica da emergecircncia e da produccedilatildeo do discurso na construccedilatildeo e constituiccedilatildeo da linguagem e o sujeito

Esta visatildeo tornou-se paracircmetro para praacuteticas pedagoacutegicas convencionais que ainda impregna o aprendizado da linguagem escrita nas escolas dando-se ecircnfase ao treino de habilidades cujas tarefas satildeo unidirecionalmente escolhidas pelo professor relegando a linguagem a um segundo plano VYGOTSKY (1994) criticava o meacutetodo mecanicista a que as crianccedilas se alfabetizavam valorizando o estado permanente da escrita cuja produccedilatildeo do objeto estaria preacute-definida em funccedilatildeo de suas diferenccedilas formais com a modalidade oral ou de seus traccedilos estruturais de um maior planejamento

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

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Page 6: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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preacutevio como se estivessem aprendendo uma liacutengua morta num modelo neutro (ou abstrato) de construccedilatildeo do letramento

Essa concepccedilatildeo dicotomizada separa liacutengua aspecto social da fala aspecto individual num processo de decifraccedilatildeo em que se exclui a enunciaccedilatildeo e o contexto da interaccedilatildeo verbal Sociolinguumlistas como BORTONI (2004) e MARCUSHI (2004) associam a liacutengua materna de um povo ao contexto de uso Qualquer cidadatildeo faz uso dela desde que aprende a falar pois tem sua estrutura gramatical internalizada permitindo-lhe comunicar-se em sociedade Bortoni afirma que no Brasil entretanto a liacutengua-padratildeo eacute determinada pelo contexto de forma secundaacuteria

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais como eacute o caso das grandes metroacutepoles brasileiras os falantes que satildeo detentores de maior poder ndash e por isso gozam de mais prestiacutegio ndash transferem esse prestiacutegio para a variedade linguumliacutestica que falam Assim as variedades faladas pelos grupos de maior poder poliacutetico e econocircmico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e ateacute mais corretas Mas essas variedades que ganham prestiacutegio porque satildeo faladas por grupos de maior poder nada tecircm de intrinsecamente superior agraves demais O prestiacutegio que adquirem eacute mero poliacuteticos resultado de fatores e econocircmicos(20043334)

Sua distribuiccedilatildeo eacute em princiacutepio associada a classe social As classes que tecircm acesso agrave cultura de letramento por meio de uma escolarizaccedilatildeo eficiente tecircm o apanaacutegio das formas prestigiosas de falar Agrave grande massa de brasileiros eacute sonegada uma boa escolarizaccedilatildeo e consequumlentemente o acesso aos recursos linguumliacutesticos que permitem ao falante transitar com seguranccedila de um estilo menos monitorado aos mais monitorados

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita

Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade

A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18) BAGNO (2003)

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

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diz-se mais do que usuaacuterios da liacutengua ldquoa noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo faz pensar em algo que estaacute fora uma espeacutecie de ferramenta que se pode retirar de uma caixa usar e depois devolver agrave caixa A relaccedilatildeo com a linguagem eacute muito mais profunda e complexa do que um simples ldquousordquo ndash ateacute porque essa relaccedilatildeo se faz com a proacutepria linguagem Aliaacutes a proacutepria ldquorelaccedilatildeordquo aqui natildeo daacute conta dessa complexidaderdquo (2003 17)

Para o autor entender a liacutengua significa assumir a concretude histoacuterica cultural sua condiccedilatildeo de atividade social sempre sujeita agraves instabilidades agraves flutuaccedilotildees de sentido agrave proacutepria opacidade da experiecircncia humana Eacute impossiacutevel admitir a busca de homogeneidade da liacutengua atraveacutes da norma padratildeo dita culta uma vez que a liacutengua portuguesa desde seus primoacuterdios passou e passa por evoluccedilotildees que a diversificam de acordo com sua necessidade de comunicaccedilatildeo O que os puristas da liacutengua denominam de ldquoerro de linguagemrdquo (termo utilizado principalmente agravequeles que satildeo os agentes mais diretos das mudanccedilas ou acomodaccedilotildees da linguagem as classe populares) Bagno chama de evoluccedilatildeo posto que o ldquousuaacuteriordquo da liacutengua eacute inteligente ao sintetizar ou economizar a forma de expressar (ldquovocecircrdquo eacute a forma econocircmica popular de ldquovossa mercecircrdquo a pronuacutencia de ouro oro eacute uma forma de economizar a escrita jaacute que busca transcrever a forma oral que eacute oro mesmo)

Natildeo haacute liacutengua estaacutetica feita de uma vez para sempre Meio de comunicaccedilatildeo e expressatildeo das realidades espirituais e fiacutesicas toda liacutengua se vai alterando com as constantes alteraccedilotildees do mundo e do espiacuterito num inevitaacutevel e incessante ajuste e reajuste agraves realidades para cuja designaccedilatildeo e expressatildeo ela eacute prevista Como exprimir exatamente coisas novas (objetos ideacuteias) de hoje com velhas palavras de ontem Essa mudanccedila da liacutengua eacute defendida como importante para se pensar o portuguecircs brasileiro cada vez mais distanciado do portuguecircs de Portugal liacutengua ateacute entatildeo defendida como a liacutengua culta padratildeo do povo brasileiro LUFT (1985) jaacute antecipava o problema da desvalorizaccedilatildeo da comunicaccedilatildeo oral

Seguidor das ideacuteias de Chomsky afirmava que nas escolas a luta do professor era conseguir que os alunos dominassem a liacutengua na sua forma culta padratildeo (e esta forma eacute sempre tomada do modelo escrito) Os grandes escritores ndash aqueles que em suas obras se esmeraram em adotar o idioma nas formas mais eruditas os chamados ldquoclaacutessicosrdquo ndash satildeo a diretriz deste modelo Nessa sua luta todavia o professor se defronta com uma seacuterie de problemas que lhe dificultam a consecuccedilatildeo do objetivo Ele professor deve ter consciecircncia de que todo falante eacute dono de uma coacutepia da gramaacutetica da liacutengua E essa gramaacutetica ndash interiorizada intuitiva ndash inclui regras de estruturaccedilatildeo vocabular O importante eacute o professor conseguir fazer o aluno tomar consciecircncia das variedades idiomaacuteticas e respectivas funccedilotildees Fazer o aluno compreender que em diferentes circunstacircncias formas diferentes de linguagem podem e devem ser usadas (eacute o que Bortoni(2004) e Freire(1993) chamam de mediador)

Luft afirma (ver Bagno (2003)) que nenhuma liacutengua do mundo estaacute pronta fixa para sempre Nenhuma liacutengua eacute estaacutetica A linguagem eacute essencialmente inelutavelmente dinacircmica Todas as liacutenguas evoluem e natildeo param nunca ndash nem pararatildeo jamais ndash de evoluir Soacute estatildeo fixas as que jaacute morreram ndash as liacutenguas mortas (o latim e o grego claacutessicos por exemplo) A linguagem eacute uma questatildeo de usos amp costumes (verbais) Cada tempo cada povo cada terra proviacutencia regiatildeo localidade tem os seus O ldquoerrordquo entatildeo eacute relativo (o relativismo linguumliacutestico) a liacutengua do passado tem ldquoerrosrdquo quando comparada com a do presente (e por que natildeo vice-versa) a liacutengua do camponecircs eacute ldquoerradardquo em relaccedilatildeo agrave do homem da cidade o analfabeto comete erros crassos do ponto de vista do doutor etc

Luft questiona ldquoA evoluccedilatildeo da liacutengua nos obriga a aceitar o erro e a consagraacute-lo como certordquo Natildeo para o autor a liacutengua natildeo obriga a nada os falantes eacute que evoluiacuteram alterando a maneira de falar adquirindo novos haacutebitos linguumliacutesticos Claro

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

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Page 8: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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nunca faltam ndash nunca faltaram nem faltaratildeo nunca ndash os que reagem os que natildeo querem mudanccedilas natildeo aceitam inovaccedilotildees Mas desses a histoacuteria nem guarda lembranccedila A vida eacute para frente e ela nem tempo lhe sobra de ter pena dos que ficam para traacutes Afinal recriminar o povo porque fala ldquoerradordquo desprezaacute-lo (talvez inconscientemente ) eacute a melhor maneira de nunca chegar a ele e portanto de natildeo elevaacute-lo jamais Melhoria linguumliacutestica ndash soacute com a melhoria soacutecio-econocircmico-cultural

A fala e a escrita representam realidades diferentes da liacutengua que conforme CAGLIARI (1997) estatildeo intimamente ligadas em sua essecircncia embora tenham uma realizaccedilatildeo proacutepria e independente nos usos dessa liacutengua Quando se fala nem sempre se pronuncia as palavras da mesma forma como se escreve Cabe aqui considerar a questatildeo dos alunos que satildeo imediatamente corrigidos pelo professor quando usam formas como barde (ao se referirem a balde que eacute considerada a correta pelo PVOLP Pequeno Vocabulaacuterio Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa) na fala e consequumlentemente na escrita Pensa-se ser necessaacuterio refletir sobre alguns pontos fundamentais relativos a esse assunto

Eacute importante que a atitude do professor diante do aluno que fala diferente da variedade padratildeo (e que agraves vezes ou muitas vezes nem sequer eacute a fala padratildeo da professora) seja a de quem entende o valor cultural e histoacuterico das variedades linguumliacutesticas dos falantes e partindo disso conduz o aluno a uma reflexatildeo que lhe possibilita dominar tambeacutem a variedade padratildeo para usaacute-la quando necessaacuterio Para isso eacute possiacutevel por exemploexplicar que nas diversas regiotildees as pessoas falam de formas diferentes embora em todas elas escrevam da mesma forma como eacute o caso da palavra pastel que pode ser pronunciada pelos cariocas usando-se o som de ch2 para a letra s assim como em diferentes famiacutelias a palavra balde pode aparecer pronunciada conforme o uso proveniente da sua culturautilizando-se o som de r para a letra l Aleacutem disso eacute importante notar que na fala essa palavra comumente aparece como baude o que natildeo muda em nada a norma escrita da mesma A esse respeito FRANCHI (1999 p180) recomenda que em vez de entrar no esquema das correccedilotildees da fala o professor deve reorientar os alunos de uma questatildeo normativa para uma questatildeo de fato que eacute interessante descobrir como as palavras podem ser usadas de modos diferentes pelas pessoas

Identificar com o aluno o valor cultural da variedade usada por ele eacute fundamental para que a partir da compreensatildeo de como ocorre o uso da liacutengua ele possa apropriar-se de mais uma variedade a padratildeo que segundo SUASSUNA (1995) lhe permitiraacute ter acesso aos bens culturais por ela veiculados

A liacutengua enquanto fator social eacute um fenocircmeno ao mesmo tempo dinacircmico e conservador Eacute conservador porque necessita manter um certo grau de uniformidade para permitir a comunicaccedilatildeo em uma dada comunidade linguumliacutestica eacute dinacircmico porque se modifica com o tempo estando tambeacutem sujeito agraves influecircncias regionais sociais e estiliacutesticas responsaacuteveis pelos processos de variaccedilatildeo linguumliacutestica como explica Preti (1994) Tais processos que constituem o objeto de estudo privilegiado da sociolinguumliacutestica ramo da linguumliacutestica que estuda as relaccedilotildees entre linguagem e sociedade satildeo descritos mais detalhadamente a seguir

A variaccedilatildeo geograacutefica ou regional refere-se agraves diferenccedilas lexicais (de vocabulaacuterio) fonoloacutegicas (de pronuacutencia ou ldquosotaquerdquo) eou sintaacuteticas (referentes agrave construccedilatildeo gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiotildees geograacuteficas que utilizam a mesma liacutengua A variaccedilatildeo social diz respeito agraves diferenccedilas observadas na linguagem de diversos grupos sociais os quais podem ser constituiacutedos por criteacuterios variados tais como classe social grau de instruccedilatildeo idade sexo etnia profissatildeo e outros Com relaccedilatildeo agrave influecircncia da posiccedilatildeo social e do grau de instruccedilatildeo

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

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fatores esses que em geral se apresentam juntos pode-se dizer que a oposiccedilatildeo mais importante se daacute entre a chamada linguagem culta (ou padratildeo) e a linguagem popular

A variaccedilatildeo estiliacutestica refere-se agraves diferenccedilas observadas na fala de um mesmo indiviacuteduo de acordo com a situaccedilatildeo em que ele se encontra ou seja satildeo diferenccedilas linguumliacutesticas determinadas pelas condiccedilotildees extraverbais que cercam o ato de fala como por exemplo o assunto tratado o tipo de ouvinte a relaccedilatildeo entre os interlocutores o estado emocional do falante o grau de formalidade do discurso Assim de acordo com a situaccedilatildeo o indiviacuteduo ldquoescolherdquo o tipo de linguagem que julga mais conveniente Pode-se afirmar que a oposiccedilatildeo baacutesica se daacute portanto entre um niacutevel de fala ou registro formal no qual predomina a linguagem culta e um niacutevel de fala ou registro coloquial ou informal com predomiacutenio de estruturas e vocabulaacuterio da linguagem popular

As liacutenguas natildeo satildeo estaacuteticas fixas imutaacuteveis Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso Muda a forma de falar mudam as palavras a grafia e o sentido delas Essas alteraccedilotildees recebem o nome de variaccedilotildees linguumliacutesticas

Ao observar um pouco a existecircncia do ser humano ao longo do tempo Haacute seiscentos anos o territoacuterio onde hoje estaacute o Brasil era habitado pelos povos indiacutegenas Nenhum deles falava o portuguecircs Aliaacutes como jaacute se viuo portuguecircs de hoje em dia eacute um pouco diferente do portuguecircs falado em Portugal no seacuteculo XVI pois naquela eacutepoca ainda havia palavras como computador e futebol Haacute duzentos anos os brasileiros andavam a cavalo ou sobre um carro puxado por burros Hoje em dia existem automoacuteveis eles natildeo surgem pendurados nos galhos das aacutervores Foi preciso que o homem trabalhasse para inventar e montar os automoacuteveis e eacute por isso que a sociedade pode se transformar ao longo do tempo da histoacuteria pois ela natildeo eacute um produto da natureza a sociedade humana sobrevive por causa do trabalho e da comunicaccedilatildeo entre as pessoas Eacute exatamente por causa disso que sempre existe a possibilidade de transformar a sociedade Portanto os seres humanos satildeo capazes de escolher modificar a sociedade e de criar novas maneiras de viver Embora se saiba que nem todas as variaccedilotildees linguumliacutesticas tenham o mesmo prestiacutegio social no Brasil Basta lembrar de algumas variaccedilotildees usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiotildees para se perceber que haacute preconceito em relaccedilatildeo a elas

As condiccedilotildees sociais influem no modo falar dos de indiviacuteduos gerando assim certas variaccedilotildees na maneira de usar uma mesma liacutengua

Quando natildeo se tem conhecimento sobre as variaccedilotildees linguumliacutesticas normalmente costuma-se consideraacute-las como formas ldquoerradasrdquo de comunicar-se No entanto eacute preciso que se conheccedila a variante formal ou seja o padratildeo culto que a escola iraacute ensinar

O contexto em que os falantes de uma liacutengua se encontram determinaraacute se a variante a ser utilizada seraacute a formal ou a informal

Quando se estaacute em um momento de conviacutevio familiar ou entre amigos ou seja com pessoas com quem se tem mais intimidade a conversa aconteceraacute de maneira mais relaxada despreocupada Nesse contexto observa-se as giacuterias e expressotildees regionais por exemplo Assim os interlocutores empregam a linguagem informal durante o processo de comunicaccedilatildeo

Entretanto quando haacute um contexto diferente do acima descrito o qual exija um comportamento de formalidade deve-se empregar a linguagem formal no processo de comunicaccedilatildeo

A linguagem formal deve obedecer agrave norma culta ou padratildeo da liacutengua e eacute empregada quando a situaccedilatildeo exige mais formalidade entre os falantes A linguagem informal eacute despreocupada com as regras determinadas pela norma culta permite o uso

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Page 10: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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de giacuterias e expressotildees regionais e eacute empregada por falantes que estejam em uma situaccedilatildeo de conviacutevio familiar ou entre amigos

Outro ponto fundamental a considerar eacute que se o aluno percebe a escrita como transcriccedilatildeo da fala em casos como o citado acima ao escrever barde natildeo comete nenhum erro uma vez que a grafia corresponde agrave forma de falar Ao referir-se a essa questatildeo CAGLIARI (opcit p31) defende que se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita veria essas escritas como escritas de fala e feitas com uma propriedade foneacutetica tatildeo grande que chega a ser comovente a consciecircncia que as crianccedilas tecircm do modo como falam

O autor prossegue esclarecendo que eacute preciso levar os alunos a perceberem que eles natildeo falam de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias conforme os dialetos de cada um e que natildeo eacute possiacutevel que todos escrevam as palavras como as falam porque isto causaria uma confusatildeo e tornaria a leitura muito difiacutecil entre os falantes de tantos dialetos

Ele assevera se a escrita funciona assim ningueacutem estaacute obrigado a ler as palavras de uma uacutenica forma (p 32)

Para o mesmo autor a escrita ortograacutefica eacute o uacutenico uso da liacutengua portuguesa que natildeo admite variaccedilatildeo e eacute evidente que os alunos devem chegar a dominar esse uso poreacutem eacute preciso que as crianccedilas possam escrever utilizando o conhecimento de que elas dispotildeem Isto oportuniza ao professor o ensino da distinccedilatildeo entre fala e escrita e lhe possibilita prestigiar a fala e a escrita convenientemente mostrar as variaccedilotildees dialetais e explicar por que se usa a forma ortograacutefica convencionada Se se tivesse siacutembolos graacuteficos uacutenicos correspondentes a cada unidade da fala e se cada siacutembolo graacutefico representasse apenas um fonema seria muito faacutecil ensinar a ler e escrever poreacutem talvez natildeo seria possiacutevel organizar a escrita de forma que todos entendessem Natildeo haacute uma correspondecircncia termo-a-termo na relaccedilatildeo entre liacutengua falada e liacutengua escrita o que de certa forma a torna mais rica

A fala eacute anterior agrave escrita Todo ser humano dentro das suas normalidades tem a capacidade de falar Jaacute a escrita eacute adquirida natildeo sendo pois de acesso a todos

Com a sua capacidade de transitar culturas ou propriedade de transferecircncia de meio a escrita tanto pode promover intercacircmbios como pocircr em ameaccedila o poder constituiacutedo Foi isso aliaacutes o que ocorreu na Idade Meacutedia quando a Igreja numa atitude de censura queimou vaacuterios livros e provocou a morte daqueles que se atreveram a lecirc-los como nos mostra o filme Em nome da Rosa

Quando a escrita faz seu aparecimento ela eacute muitas vezes a teacutecnica divinatoacuteria mais popular exatamente porque ela possibilita o acesso aos ldquosegredosrdquo Goody 197730 apud GNERRE Maurizio 199484

A escrita permite ainda ao homem um maior poder de abstraccedilatildeo visto transcender agrave situaccedilatildeo imediata da fala e diferentemente desta se deixa refazer Esse processo de refacccedilatildeo eacute praticamente impossiacutevel na fala uma vez que o dito depois de processado pelo ouvinte dificilmente pode ser retificado de forma eficaz Pode-se dizer assim que a escrita eacute um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar ao contraacuterio da fala que eacute proferida mais prontamente eacute mais imediata natildeo havendo tempo para planejamento o que faz com que na fala a repeticcedilatildeo do mesmo item lexical seja uma exigecircncia como forma de facilitar o processamento da informaccedilatildeo pelo ouvinte A escrita apesar de natildeo se fazer uacutenica haja vista as variaccedilotildees de registro possui caracteriacutesticas diferenciadas da fala A sua sintaxe em virtude da ausecircncia do interlocutor se organiza de maneira clara e expliacutecita Esse aliaacutes constitui o fator da

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

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situacionalidade que difere do modo como se daacute na fala vez que nesta a sintaxe sofre a interferecircncia do interlocutor e nesse sentido poderaacute ocorrer a polarizaccedilatildeo ou a reorganizaccedilatildeo das construccedilotildees sintaacuteticas Tambeacutem o processo anafoacuterico eacute mais proacuteprio da escrita pois ela permite ao leitor voltar ao texto na busca do referencial linguumliacutestico

Considerando que a fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ela ocorre mais na forma do discurso direto e se processa por induccedilatildeo ao passo que na escrita o discurso indireto eacute predominante isso tomando a fala espontacircnea e a prosa escrita acadecircmica como resultado da uacutenica possibilidade real de delimitar escritooral Nesse sentido pode-se dizer que o processo da escrita ocorre por deduccedilatildeo uma vez que ela eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo aleacutem de possibilitar a comprovaccedilatildeo ou natildeo das expectativas agrave medida que se desenvolve a leitura

Eacute ainda propriedade da fala a baixa densidade vez que apresenta mais itens gramaticais o que tambeacutem favorece no seu processamento Jaacute na escrita ocorre alta densidade por justamente conter mais itens lexicais

Infelizmente natildeo se tem levado em conta as diferenccedilas baacutesicas que existem entre a fala a escrita Esta acreditamos ser uma das razotildees para o fracasso no ensino da liacutengua escrita na escola

Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita Eacute nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento E eacute por isso tambeacutem que o mestre Paulo Freire (1984) diz no seu meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo de adultos que eacute extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando que faz parte de seu mundo social

A fala consiste na produccedilatildeo de sons em uma sequumlecircncia temporal e a escrita tem marcas semelhantes feitas no papel dispostas no espaccedilo A escrita eacute bidimensional Alguns sistemas escritos progridem no decorrer da paacutegina outros por toacutepicos Podem ser desenvolvidos em movimentos horizontais e verticais ndash escrita Ocidental e Oriental A escrita consiste num processo mais lento do que ler e falar Ela eacute mais duraacutevel podendo ser lida e reproduzida eacute independente ao contraacuterio da fala dispensando assim a presenccedila do autor A escrita portanto tem a capacidade de se transferir de um meio a outro

O leitor eacute um agente livre ele pode ler para si proacuteprio podendo selecionar o que lhe interessa ler O ouvinte por outro lado natildeo tem como prever o que seraacute dito pelo falante enquanto para o leitor existe essa possibilidade atraveacutes de inferecircncias O tipo mais frequumlente da linguagem falada eacute a conversaccedilatildeo face agrave face como na teoria de Grice em que satildeo arroladas quatro maacuteximas ndash quantidade (dizer soacute o necessaacuterio) qualidade (dizer soacute a verdade) relevacircncia (dizer soacute o que eacute relevante) modo (ser claro e conciso) Grice 197541 em KOCH amp TRAVAGLIA (1993) A linguagem falada eacute pois uma produccedilatildeo cooperativa ndash uma pergunta pode ser seguida de uma resposta um pedido de um atendimento de uma reaccedilatildeo uma declaraccedilatildeo pode ser seguida de um acordo contradiccedilatildeo ou informaccedilatildeo adicional O falante natildeo pode planejar cuidadosamente o que falar porque pode ser interrompido pelo interlocutor Na fala leva-se em consideraccedilatildeo tambeacutem a linguagem natildeo verbal como risadas suspiros respiraccedilatildeo ofegante posturas gestos e expressotildees faciais A fala portanto mostra-se presa agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo tanto assim que exige maior atenccedilatildeo do interlocutor senatildeo pode perder a sequumlecircncia da comunicaccedilatildeo O escritor no entanto tem que ser claro no que escreve porque natildeo conta com outros recursos que natildeo o texto escrito construiacutedo na ausecircncia do leitor

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

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Page 12: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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Conforme pesquisa Walker (1976) em Perera (1984) quando se ouve apenas assimila-se menos informaccedilatildeoA escrita por isso acumula informaccedilotildees durante seacuteculos as quais podem ser passadas de geraccedilatildeo agrave geraccedilatildeo Muitos conhecimentos de Geografia Histoacuteria e Ciecircncias satildeo possiacuteveis graccedilas agrave escrita A escrita poreacutem natildeo constitui na uacutenica ferramenta essencial aos estudos acadecircmicos visto hoje em dia a fala estar sendo priorizada e estudada apoacutes trabalhos de Bakhtin

A fala e a escrita apresentam diferentes funccedilotildees Agrave fala eacute mais comum a funccedilatildeo de informar e possui marcas que mostram certas intimidades aleacutem de usar de expressotildees mais coloquiais Jaacute a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais tanto que a habilidade para escrever depende muito do domiacutenio de alguns recursos linguumliacutesticos Para se desenvolver a escrita eacute preciso um tema algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado formando um todo coerente unificado com mudanccedilas de toacutepicos justificados e expliacutecitos A proacutepria estrutura gramatical da escrita faz com que ela seja mais expliacutecita por si soacute Assim o escritor procura direcionar o seu texto para o entendimento do leitor

A liacutengua falada por se desenvolver espontaneamente eacute caracterizada pela hesitaccedilatildeo repeticcedilatildeo pausas na voz E nisso a fala espontacircnea difere da leitura em voz alta Um repoacuterter por exemplo natildeo fala naturalmente quando lecirc uma reportagem vez que o que ele diz natildeo eacute dele

Desse modo tanto a fala como a escrita devem ser trabalhadas na sala-de-aula Natildeo como dois processos radicalmente opostos mas apenas diferenciados pois a aprendizagem da escrita deve ser mediada pela fala de modo a que os alunos percebam as propriedades e funccedilotildees de cada uma delas

Haacute livros para alfabetizar que segundo CAGLIARI (1999) apresentam erros grosseiros de foneacutetica porque confundem fatos da fala com fatos da escrita O exemplo citado pelo autor refere-se agrave interpretaccedilatildeo dos valores foneacuteticos da letra x em que se pretende distinguir os sons s e ss quando na verdade eles representam um uacutenico som

Eacute preciso aproveitar a habilidade que as crianccedilas tecircm de refletir sobre a proacutepria fala para explorando a linguagem oral fazer com que as anaacutelises que elas fazem se tornem conhecimentos estabelecidosAlgumas consideraccedilotildees sobre os fonemas na aquisiccedilatildeo da escrita

Considerando o que se discutiu ateacute aqui eacute importante destacar essa questatildeo uma vez que se entende que eacute atraveacutes da comparaccedilatildeo e relacionamento entre palavras da liacutengua observando semelhanccedilas e diferenccedilas que se pode analisar elementos da escrita relacionaacute-los com elementos da fala para com base nesta entender o funcionamento daquela modalidade

No exerciacutecio de anaacutelise das semelhanccedilas e diferenccedilas de comutaccedilatildeo entre palavras no plano da forma e da verificaccedilatildeo dos efeitos dessa comutaccedilatildeo no plano do conteuacutedo (significado) o aluno trabalha com o conhecimento intuitivo que tem sobre a liacutengua conscientiza-se das regras jaacute internalizadas para usaacute-las em outros contextos registra o que vai descobrindo e portanto apropria-se da palavra escrita

Na aprendizagem da escrita a crianccedila precisa poder analisar as unidades miacutenimas da liacutengua sem desligaacute-las do contexto onde ocorrem funcionalmente Tais unidades podem ser destacadas sem que se desvinculem da palavra a que pertencemAtraveacutes do jogo de comutaccedilatildeo de sons e de letras os alunos podem depreender os fonemas Quando lhes eacute oportunizado que faccedilam descobertas nesse sentido evita-se o surgimento de muitas das dificuldades relativas agrave ortografia

Muitos linguumlistas afirmam natildeo existir erro do ponto de vista linguumliacutestico porque um falante nativo sempre domina sua variaccedilatildeo linguumliacutestica e tambeacutem aquelas que tiver contato direto Para a Sociolinguumliacutestica a noccedilatildeo de erro geralmente se daacute no ponto de

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Page 13: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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vista extralinguumliacutestico ou seja social Eles defendem a ocorrecircncia de preconceito social disfarccedilado de preconceito linguumliacutestico Os linguumlistas apoiadores desta perspectiva defendem que erros ortograacuteficos natildeo satildeo erros linguumliacutesticos porque a ortografia eacute restrita agrave escrita uma determinaccedilatildeo eleita por especialistas e eacute aprendida na escola por meio de regras e condicionamento Portanto ortografia natildeo eacute algo natural e muito menos liacutengua materna

Seguindo esta diretriz teoacuterica erro seria toda a construccedilatildeo sistematicamente ausente na liacutengua em qualquer uma de suas variaccedilotildees Ex A gente vai - esta construccedilatildeo eacute uma forma variacional do portuguecircs brasileiro bastante comum apesar de natildeo fazer parte da chamada norma culta de nossa liacutengua como eacute sistematicamente encontrada na comunidades de falantes nativos eacute considerada correta - A gente vamos Do ponto de vista defendido aqui a construccedilatildeo acima tambeacutem estaacute correta pois faz parte de uma das formas variacionais do portuguecircs aparece sistematicamente na pronuacutencia de falantes nativos do nosso idioma e natildeo faz parte da norma culta - A vamos gente[2] - Errado esta construccedilatildeo natildeo pertence agrave liacutengua portuguesa brasileira porque natildeo se encontra falantes naturais do portuguecircs em qualquer uma de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas que construam esta frase

No Manual de portuguecircs do candidato ao Concurso Rio Branco o linguumlista Joseacute Luiz Fiorin nos apresenta seu ponto de vista sobre o erro afirmando que a noccedilatildeo acima exposta estaria parcialmente correta e aconselha a troca da ideacuteia de erro linguumliacutestico pela ideacuteia de adequaccedilatildeoinadequaccedilatildeo linguumliacutestica Para Fiorin seria mais adequada a utilizaccedilatildeo de uma variaccedilatildeo coloquial em uma conversa entre amigos iacutentimos e inadequada a opccedilatildeo por utilizarmos na mesma situaccedilatildeo social a variaccedilatildeo chamada norma formal ou culta Ao falar na tribuna do senado eacute adequada a utilizaccedilatildeo da norma formal culta ao inveacutes de uma variaccedilatildeo coloquial

Percebe-se que Fiorin natildeo acredita na existecircncia do erro linguumliacutestico ou seja um falante nativo sempre sabe falar sua proacutepria liacutengua mas ele defende a existecircncia do erro extralinguumliacutestico social Ao dizer adequadoinadequado ele manifesta-se a favor de que haacute situaccedilotildees comunicacionais nas quais o aspecto social deve ser observado e haacute momentos linguumliacutesticos onde a norma formal eacute exigida assim como haacute momentos que pedem uma variaccedilatildeo informal ou coloquial de fala ou escrita O preccedilo da utilizaccedilatildeo de uma variante inadequada agrave situaccedilatildeo seria a criaccedilatildeo de uma imagem desfavoraacutevel ao falante

Aponta-se para o fato de na maior parte das alternativas natildeo estar-se tratando de uma opccedilatildeo pela variaccedilatildeo linguumliacutestica que melhor caiba agrave condiccedilatildeo comunicacional do momento de fala mas sim do falante natildeo ter tido opccedilotildees sociais de aquisiccedilatildeo de outra variaccedilatildeo aleacutem daquela que traz como liacutengua materna

Outra diferenccedila entre os dois modos de pensar a noccedilatildeo de erro seria que para Bagno a imagem desfavoraacutevel do falante eacute originada no preconceito social bastante discutido em seus livros desse sociolinguumliacutesta enquanto Fiorin natildeo fala em preconceito mas em julgamento social e o defende

Entende-se que a diferenccedila entre julgamento social e preconceito social eacute muito tecircnue e se confunde em certo sentido ateacute porque o preconceito eacute entendido como algo que a pessoa que o apresenta natildeo consegue o admitir como tal considera uma opiniatildeo um julgamento Eacute assim e pronto Prefere-se ver como uma necessidade social de adequaccedilatildeo tanto quando se estaacute no lugar de falantes como quando na posiccedilatildeo de ouvintes

Haacute tambeacutem linguumlistas que defendem uma linha mais tradicional chamada gramaacutetica normativa A gramaacutetica normativa defende o ldquo bem falar e bem escreverrdquo Este bem falar e bem escrever eacute aquele eleito por especialistas com base nos escritos de

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

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Page 14: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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eminentes escritores brasileiros e portugueses do passado Para os gramaacuteticos normativistas tudo o que natildeo consta como pertinente agrave norma culta estaacute errado jaacute que esta seria a uacutenica forma do usuaacuterio da liacutengua atingir o grau perfeito de desenvolvimento na utilizaccedilatildeo da liacutengua

A postura defendida pelos gramaacuteticos normativistas eacute tatildeo nociva quanto a dos que bradam pela exclusatildeo do ensino da norma formal nas escolas porque gera muito mais perdas do que ganhos Uma coisa eacute defender o aprendizado do portuguecircs gramatical a fim de instruir os brasileiros e brasileiras a deslocarem-se de suas variaccedilotildees linguumliacutesticas e galgarem meios sociais tradicionalmente ocupados pela elite outra coisa bastante distinta eacute tomar uma postura de exclusatildeo linguumliacutestica perante os que natildeo dominam a norma culta

Tome-se por exemplo um indiviacuteduo que adquiriu a norma culta de fala e escrita aleacutem da variaccedilatildeo linguumliacutestica que costuma utilizar em situaccedilotildees iacutentimas em casa e com os amigos Este sujeito teraacute facilidades comunicacionais em meios sociais onde a gramaacutetica normativa eacute necessaacuteria e facilidades em situaccedilotildees informais onde a fala formal natildeo seria bem vinda Em contrapartida se esta pessoa dominar apenas a norma culta ou apenas um dos modos coloquiais de fala e escrita torna-se restrito a forma que domina Em consequumlecircncia disso teraacute seus ldquodeslocamentosrdquo comunicacionais estreitados em relaccedilatildeo ao sujeito que domina mais de uma forma de expressatildeo

CAGLIARI (1997 p 61) Um aluno pode escrever talveis (talvez) mas natildeo escreve eileifante (elefante) natildeo escreve vei (vecirc) mas escreve veis em lugar de vez Eacute impressionante como os erros dos alunos revelam uma reflexatildeo sobre os usos linguumliacutesticos da escrita e da fala Soacute a escola natildeo reconhece isso julgando que o aluno eacute distraiacutedoincapaz de discriminar () Para poder compreender a produccedilatildeo escrita das crianccedilas identificando as suas hipoacuteteses e a reflexatildeo que elas estatildeo fazendo o professor precisa observar atentamente a sua fala Somente assim eacute possiacutevel que se cumpra efetivamente o seu papel de mediador no processo de aprendizagem dessas crianccedilas

Permitir que elas escrevam textos espontacircneos para serem analisados em conjunto significa oportunizar-lhes que faccedilam de forma tranquumlila e segura a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia Cabe considerar ainda que um texto eacuteantes de tudo significaccedilatildeo o que nos leva a entender que as anaacutelises natildeo devem ser soacute formais porque se forem corre-se o risco de reduzir a fala agrave pronuacutencia e a escrita agrave grafia

Como se sabe em se falando de liacutengua nada eacute uniforme Sendo assim eacute notoacuterio que haacute um enorme preconceito linguumliacutestico em constituir somente as prescriccedilotildees da Gramaacutetica Normativa para se estabelecer os ditos ldquoerrosrdquo jaacute que o aluno produz reflete o que ele sabe provando provando o funcionamento da Gramaacutetica Internalizada Este saber pode ser diferenciado do saber de outros alunos provando o saber da Gramaacutetica Descritiva e isso natildeo eacute considerado nas correccedilotildees escolares Diante disso a concepccedilatildeo de ldquoerrordquo na escola poderia ser baseada tambeacutem na Gramaacutetica Internalizada e na Gramaacutetica Descritiva natildeo soacute na Gramaacutetica Normativa

Se o aluno venha a escrever algo a contrariar o sistema linguumliacutestico portuguecircs ou seja que natildeo venha a ser aceito nem pela GN nem pelas GI e GD como no exemplo

ldquogarotos pegar duas laacutepis cera derdquo

Ai sim se constituiria ldquoerrordquo porque a frase extrapolaria as regras preacute- estabelecidas pelas gramaacuteticas supracitadas

Eis outro exemplo

ldquoos menino

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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o dito ldquoerrordquo soacute seria considerado do ponto de vista da GN por desrespeitar a regra de concordacircncia de nuacutemero pois esse fenocircmeno da liacutengua ocorre sistematicamente na variante natildeo padratildeo ( ma marca da pluralidade soacute ocorre no primeiro elemento da sequumlecircncia) natildeo sendo ldquoerrordquo nem para a GI nem para a GD Poreacutem segundo Possenti (1999) o ldquoerrordquo aconteceria nos seguintes exemplos

ldquoessas meninosrsquo ldquo uma meninordquo ldquoos meninordquo

Que soacute ocorreriam por engano com os falantes nativos ou entatildeo na fala de estrangeiros com conhecimento rudimentar da liacutengua portuguesa

O que a GN chama de ldquoerrordquo na verdade eacute um fenocircmeno que acontece na liacutengua e que tem uma explicaccedilatildeo cientifica as pessoas preferem usar variantes que diferem da variante padratildeo e isso natildeo eacute aleatoriamente pois essas variaccedilotildees tambeacutem obedecem a certas regras ou seja regras novas que se sobrepotildeem agraves antigas

Com relaccedilatildeo aos textos o que eacute visto como errordquo pode servir como ponto de partida para que os professores possam ensinar aos alunos as regras de funcionamento tanto do texto escrito como do texto falado mostrando que a liacutengua compreende ambas modalidades

Entre os gramaacuteticos a liacutengua falada eacute subordinada agrave escrita na medida em que somente as liacutenguas grafadas merecem respeito Historicamente a fala antecede agrave escrita aprendemos primeiro a falar antes mesmo de escrever Entretanto a gramaacutetica ainda natildeo reconhece os falantes como portadores de muitas das variaacuteveis linguumliacutesticas espalhadas pelo Brasil O que importa para a gramaacutetica eacute o uso padronizado do idioma

Os gramaacuteticos versam o assunto oralidade e escrita de maneira dicotocircmica preocupados em apresentar esta uacuteltima como modalidade privilegiada culta e uniforme impingindo uma gramaacutetica codificada que nos leva a pensar que o ldquosaber portuguecircsrdquo requer do falante o domiacutenio correto da liacutengua escrita excetuando-se outras possibilidades O falante portanto corre o risco de natildeo saber portuguecircs se a fala natildeo coincidir com a estrutura da liacutengua escrita conforme Cipro e Infante(199716)

ldquoA gramaacutetica normativa estabelece a norma culta ou seja o padratildeo linguumliacutestico que socialmente eacute considerado modelar[] As liacutenguas que tecircm forma escrita como eacute o caso do portuguecircs necessitam da Gramaacutetica Normativa para que se garanta a existecircncia do padratildeo linguumliacutestico uniforme[]rdquo

Jaacute os linguumlistas vecircem a liacutengua falada e escrita como semelhante e indissociaacuteveis Marcuschi(199513) nos faz a seguinte citaccedilatildeo

ldquoAs diferenccedilas entre fala e escrita se datildeo dentro do continuum tipoloacutegico das praacuteticas sociais e natildeo na relaccedilatildeo dicotocircmica de dois poacutelos opostosrdquo

Em Faacutevero (199975) encontramos

ldquoA respeito das distinccedilotildees entre fala e escrita verifica-se que elas revelam aspecto especiacutefico de um tipo de texto em comparaccedilatildeo a outro e natildeo propriamente diferenccedilas entre as modalidades( fala e escrita)

Fala e escrita coexistem simultaneamente por meio da atividade interacional entre sujeitos de onde concluiacutemos que

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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a) A liacutengua falada e a escrita efetivam-se atraveacutes do mesmo conjunto de signos linguumliacutestico

b) Os processos de produccedilatildeo textuais para a liacutengua falada e a escrita podem ser formais eou informais

c) Ambas concorrem para manifestar as relaccedilotildees soacutecio- interacionais entre indiviacuteduos

d) Fala e escrita representam nossa cultura aprendidas de geraccedilatildeo a geraccedilatildeo e

e) Cada qual cumpre sua funccedilatildeo comunicativa

A verdade eacute que a forma culta padratildeo de expressar a liacutengua materna estaacute fundamentada na forma como se escreve e falar como se escreve eacute um preciosismo que poucos conseguem exercer Continua-se com ideacuteias estreitas e preconceituosas em relaccedilatildeo agrave fala apesar de que em qualquer domiacutenio social haja grande variaccedilatildeo no uso da liacutengua regras que determinam as accedilotildees ali realizadas O que muitos chamam de erros de portuguecircs satildeo simplesmente diferenccedilas entre variedades da liacutengua A fala espontacircnea responde basicamente agraves necessidades de comunicaccedilatildeo ocorrendo mais na forma do discurso direto e se processando por induccedilatildeo ao passo que a escrita processa-se por deduccedilatildeo pois eacute o resultado da interlocuccedilatildeo ou enunciaccedilatildeo agrave medida que se desenvolve a leitura Eacute atraveacutes da compreensatildeo das diferenccedilas entre fala e escrita que se pode partir das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas da escrita Marcuschi tambeacutem concorda que satildeo os usos que fundam a liacutengua e natildeo o contraacuterio ldquofalar ou escrever bem natildeo eacute ser capaz de adequar-se agraves regras da liacutengua mas eacute usar adequadamente a liacutengua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situaccedilatildeo Portanto eacute a intenccedilatildeo comunicativa que funda o uso da liacutengua e natildeo a morfologia ou a gramaacuteticardquo (2004 9) Oralidade e letramento devem ser vistos como atividades interativas e complementares no uso da liacutengua e natildeo atividades dicotocircmicas

O autor define o homem como um ser que fala e natildeo como um ser que escreve ainda que isso natildeo signifique que a oralidade seja superior agrave escrita Essa afirmaccedilatildeo baseia-se no fato de que todos os povos tiveram uma tradiccedilatildeo oral cronologicamente anterior agrave escrita Com o advento desta escrever adquiriu um valor social superior agrave oralidade A tarefa de esclarecer a natureza das praacuteticas sociais que envolvem o uso da liacutengua escrita e falada de um modo geral eacute mais importante para Marcuschi pois ldquoEssas praacuteticas determinam o lugar o papel e o grau de relevacircncia da oralidade e das praacuteticas do letramento numa sociedade e justificam que a questatildeo da relaccedilatildeo entre ambos seja posta no eixo de um contiacutenuo soacutecio-histoacuterico de praacuteticasrdquo(2004 18)

A relaccedilatildeo entre oralidade e escrita na elaboraccedilatildeo de saberes histoacutericos eacute dialeacutetica e processual Pois o que se escreve sobre algo eacute fruto de um acordo gnosioloacutegico coletivo Soacute existe sentido e sentido histoacuterico especificamente dentro da comunidade humana Ningueacutem eacute capaz de criar uma linguagem isolada destituiacuteda de comunidade mesmo que ele habite as mais distantes e iacutengremes montanhas ele carregaraacute em si as marcas da coletividade A linguagem eacute dialeacutetica porque o homem assim o eacute Portanto a linguagem e a historiografia satildeo conceitos humanos construiacutedos no tempo e em um lugar

Eacute obvio que a oralidade eacute anterior a escrita que surgiu como uma forma de perpetuar a memoacuteria de uma pessoa ou de um povo Mas quem a escreveu O que queria comunicar Para quem comunicava Possuiacutea consciecircncia de classe A escrita era uma teacutecnica dominada pelos escribas que se diferenciavam do povo simples que mantinha sua tradiccedilatildeo atraveacutes da oralidade

A partir daqui se tem a elaboraccedilatildeo de dois conceitos baacutesicos sobre o passado a erudita de caraacuteter predominantemente escrito e a popular de caraacuteter oral Seraacute que o temor acerca da legitimidade das fontes orais natildeo esconde uma tensatildeo de

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

Page 17: ORALIDADE NA ESCRITA - diaadiaeducacao.pr.gov.br · desenvolvimento da atividade colaborativa.. 3 ... No módulo três foi socializado o Plano de Trabalho ao Grupo e foi solicitada

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poderes de relaccedilotildees de forccedila entre ricos e pobres Entre aqueles que satildeo da academia e os que natildeo satildeo Ou melhor qual a realidade histoacuterica a partir da qual o historiador elabora uma linha de sentido historiograacutefica Esta pergunta eacute de fundamental importacircncia para a elaboraccedilatildeo de saberes historiograacuteficos que se possa ou natildeo integrar escrita e oralidade porque a questatildeo de fundo eacute esta como se pode elaborar um discurso historiograacutefico verdadeiro

Ou seja como se pode coletar e integrar a escrita e a oralidade a tal ponto que se tenha a visatildeo da realidade de modo amplo e especiacutefico ao mesmo tempo Mas o que de fato significa a integraccedilatildeo entre oralidade escrita e memoacuteria de um povo o que subjaz quando se constroacutei uma historiografia Michel Foucault aponta para relaccedilotildees de poder

Atualmente salienta Abaurre (1984) constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questotildees linguumliacutesticas o reconhecimento de que o aluno lsquopor mais marginalizado que seja possui ao iniciar o processo de alfabetizaccedilatildeo um repertoacuterio linguumliacutestico perfeitamente adequado e suficiente para a expressatildeo de seu universo de experiecircnciasrsquo (13) Entretanto tal repertoacuterio eacute muitas vezes desvalorizado pela escola que ainda natildeo assimilou esse conhecimento

De acordo com Franchi (1983) haacute um aspecto imposto pela sociedade e sobretudo pela escola que mais contribui para a regressatildeo da criatividade verbal oral e escrita em crianccedilas provenientes de classes sociais menos favorecidas Esse aspecto diz respeito ao fato das mesmas terem a sua linguagem marcada como ldquovulgarrdquo ldquoincorretardquo e ldquofeiardquo o que pode levar a um bloqueio na expressatildeo da linguagem oral e profundas dificuldades na aquisiccedilatildeo da escrita

Segundo Abaurre (1984) o fato da escola natildeo considerar a liacutengua padratildeo como meta a ser atingida mas antes como paracircmetro de comparaccedilatildeo com base no qual se avaliam desempenhos considerando-os como ldquocertosrdquo ou ldquoerradosrdquo acaba por reforccedilar diferenccedilas socialmente estabelecidas ao inveacutes de questionaacute-las e de favorecer a sua superaccedilatildeo Assim todos os alunos satildeo avaliados da mesma forma e com o mesmo grau de exigecircncia sem que seja levado em conta a peculiaridade das crianccedilas cuja linguagem estaacute mais distante da norma padratildeo Entretanto aleacutem das dificuldades ortograacuteficas inerentes ao sistema de escrita da liacutengua (no qual duas ou mais letras podem representar o mesmo som e dois ou mais sons podem ser representados pela mesma letra) que afetam igualmente a todos os alfabetizandos eacute bastante evidente em se tratando de um sistema alfabeacutetico que uma crianccedila que diz ldquoalembreirdquo ldquozoacuteiordquo ldquofrautardquo teraacute muito mais dificuldade em escrever corretamente as palavras ldquolembreirdquo ldquoolhosrdquo e ldquoflautardquo se comparada a uma crianccedila que fala uma variedade linguumliacutestica mais proacutexima da forma padratildeo

Uma vez que a liacutengua padratildeo constitui o veiacuteculo de todo saber cultural cientiacutefico e artiacutestico que se manifesta sob a forma escrita Muitos autores tecircm proposto que a funccedilatildeo da escola natildeo deve ser a de substituir a norma popular que os alunos jaacute dominam em sua linguagem falada pelos modelos da norma culta mas sim a de ensinar-lhes que ambas as formas de linguagem podem coexistir e ser utilizadas na comunicaccedilatildeo de acordo com as circunstacircncias (Preti 1994)

Tal proposta conhecida por ldquobidialetismordquo tambeacutem tem sido alvo de criacuteticas como a de Soares (1986) que alerta para a diferenccedila aparentemente sutil poreacutem com graves consequumlecircncias praacuteticas entre a proposta do bidialetismo enquanto instrumento de integraccedilatildeoadaptaccedilatildeo social ou de transformaccedilatildeo social Na verdade a possibilidade de uma pedagogia bidialetal para a transformaccedilatildeo social tem como pressuposto a inter-relaccedilatildeo entre aspectos poliacuteticos e educacionais Eacute necessaacuterio que os educadores desenvolvam natildeo apenas sua competecircncia teacutecnica mas tambeacutem seu compromisso

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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poliacutetico no sentido de poderem fazer uma opccedilatildeo mais consciente com relaccedilatildeo aos objetivos da sua praacutetica pedagoacutegica

A partir do exposto eacute possiacutevel perceber que a literatura existente sobre a questatildeo das relaccedilotildees entre variaccedilatildeo linguumliacutestica e ensinoaprendizagem da leitura e escrita tem sido consistente em atribuir a esse fator linguumliacutestico um papel importante no fracasso escolar das crianccedilas falantes de variantes linguumliacutesticas mais afastadas da liacutengua padratildeo As explicaccedilotildees para essa relaccedilatildeo entretanto variam desde a atribuiccedilatildeo de deficiecircncias linguumliacutesticas aos alunos pobres passando pela ideacuteia da diferenccedila linguumliacutestica (busca explicar as dificuldades de escolarizaccedilatildeo das classes populares pela maior distacircncia entre o sistema fonoloacutegico utilizado por falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido) E por fim a uma visatildeo mais criacutetica do problema que relaciona tais dificuldades Sobretudo ao preconceito e discriminaccedilatildeo com que a linguagem do aluno pobre vem sendo tratada pela escola a qual ao desqualificar a sua fala e consequumlentemente a sua origem e identidade sociocultural teria uma influecircncia negativa sobre o processo de aquisiccedilatildeo da linguagem escrita

Na escola a desqualificaccedilatildeo da linguagem do aluno pode se dar em dois niacuteveis no niacutevel oral por meio do bloqueio de sua expressatildeo verbal como resultado de correccedilotildees inadequadas feitas pelo(a) professor(a) e no niacutevel da escrita por meio do impedimento de que o(a) aluno(a) durante a etapa inicial do processo de alfabetizaccedilatildeo escreva foneticamente de acordo com a variedade linguumliacutestica por ele(a) utilizada a qual eacute considerada errada em comparaccedilatildeo com a norma padratildeo adotada como modelo De acordo com Franchi (1988) os erros ortograacuteficos costumam ser tratados diferentemente pela escola havendo maior discriminaccedilatildeo quando as escritas foneacuteticas se baseiam na transcriccedilatildeo de formas linguumliacutesticas natildeo-padratildeo utilizadas por alunos pertencentes agraves classes populares (por exemplo escrever muieacute por mulher oacuteia por olha) do que quando os erros cometidos baseiam-se em meras arbitrariedades ortograacuteficas do sistema ou em formas que estatildeo mais proacuteximas da liacutengua oral culta (por exemplo escrever caza por casacomi por come papeu por papel)

Alguns autores como Soares (1986) Abaurre (1984) e Garcia e Roncarati (1992) tecircm defendido a ideacuteia da existecircncia de um intervalo ou hiato entre a fala da crianccedila que se alfabetiza e a fala do professor alfabetizador Intervalo esse que estaria relacionado a um conflito linguumliacutestico enquanto expressatildeo de conflitos socioculturais mais abrangentes vivenciado nas situaccedilotildees de interaccedilatildeo verbal presentes no cotidiano escolar Tal conflito se constituiria num foco permanente de tensatildeo nas interaccedilotildees verbais gerando movimentos contraditoacuterios de assimilaccedilatildeo e resistecircncia linguumliacutestica e cultural De acordo com essa perspectiva o fracasso na aquisiccedilatildeo da norma culta pode ser visto como uma forma de resistecircncia No sentido de preservaccedilatildeo da identidade por meio da manutenccedilatildeo da proacutepria linguagem uma vez que o sucesso no processo de alfabetizaccedilatildeo significaria para esses indiviacuteduos a vitoacuteria do processo de aculturaccedilatildeo implicando no silecircncio de sua fala e em uacuteltima instacircncia dos seus desejos (Labov 1974 Assis 1988) Eacute importante observar que do ponto de vista linguumliacutestico e cognitivo a maior distacircncia existente entre o sistema fonoloacutegico utilizado por alunos falantes de variantes linguumliacutesticas natildeo-padratildeo e o sistema ortograacutefico a ser aprendido dificulta sobretudo o acesso agrave escrita ortograficamente correta Isso porque para se alfabetizar a crianccedila inicialmente deve construir a hipoacutetese de uma correspondecircncia biuniacutevoca entre letras e sons

Eacute somente no decorrer do processo de alfabetizaccedilatildeo que essa hipoacutetese inicial deveraacute ser reformulada no sentido de englobar as irregularidades na correspondecircncia entre letras e sons derivados do contexto ortograacutefico da estrutura morfoloacutegica das palavras e tambeacutem da distacircncia entre a fala do aluno e a liacutengua padratildeo na qual a escrita se baseia Aleacutem disso eacute possiacutevel esperar que as crianccedilas cuja fala apresenta maior grau de variaccedilatildeo linguumliacutestica enfrentem maiores dificuldades no processo de aquisiccedilatildeo da

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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linguagem escrita quando submetidas a praacuteticas interativas e pedagoacutegicas inadequadas baseadas na rejeiccedilatildeo de sua linguagem Poderia resultar num bloqueio da sua expressatildeo oral e escrita como bem mostrou Damergian (1981) em pesquisa realizada em escolas da cidade de Satildeo Paulo que atendem um grande contingente de crianccedilas migrantes nordestinas Contudo ainda satildeo poucas as contribuiccedilotildees das pesquisas empiacutericas destinadas a demonstrar de forma sistemaacutetica esse ldquointervalordquo entre a linguagem da escola e a linguagem popular e suas consequumlecircncias para o processo de alfabetizaccedilatildeo

Em concordacircncia com as contribuiccedilotildees teoacutericas apresentadas as propostas mais recentes de diretrizes curriculares para a educaccedilatildeo nacional no que se refere ao ensino da liacutengua materna tecircm enfatizado a importacircncia de se considerar as variedades linguumliacutesticas faladas pelos alunos sem discriminaacute-las Entendendo a variedade padratildeo como socialmente mas natildeo linguumlisticamente privilegiada Por outro lado enfatizam tambeacutem a necessidade de proporcionar ao aluno o domiacutenio da norma culta de modo que ele possa utilizaacute-la como meio de acesso aos bens culturais e agrave participaccedilatildeo poliacutetica no contexto social O objetivo natildeo eacute substituir pela liacutengua culta a variedade linguumliacutestica utilizada pelo aluno mas acrescentar esta modalidade agrave sua fala de tal forma que ele possa produzir discursos adequados aos diferentes contextos sociais Portanto eacute relevante verificar como este conhecimento tem sido difundido e assimilado pelos professores em sua praacutetica docente

CONCLUSAtildeO

No decorrer do desenvolvimento das atividades percebemos o quanto a crianccedila trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita Fora do ambiente escolarizado os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura Isso mostra o quanto eacute importante a valorizaccedilatildeo da oralidade para que o aluno possa ter seguranccedila no processo de transcriccedilatildeo para a escrita

Os resultados obtidos foram significativos porque as atividades desenvolvidas contribuiacuteram para uma reflexatildeo da praacutetica pedagoacutegica

Buscou-se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representaccedilatildeo da linguagem oral das crianccedilas ldquoEacute um momento transitoacuterio de passagem da oralidade para a escrita (Franchi 2003) Essa foi uma mediaccedilatildeo necessaacuteria porque assim ganharam espaccedilo e se fortaleceram todas as formas de manifestaccedilatildeo na escrita

Respeitando essa mediaccedilatildeo notou-se nas crianccedilas o gosto e a confianccedila na oralidade mostrando o prestiacutegio de sua arte verbal e natildeo tendo medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva

Portanto o ldquoerrordquo precisa deixar de ser visto pela escola como incapacidade do aluno ao contraacuterio deve ser encarado como levantamento de hipoacuteteses que precisam ser comprovadas para se constatar a sua veracidade tal como faz um cientista para provar a sua teoria Natildeo se pode exigir que o aluno deixe de lado a sua espontaneidade de expressatildeo e sim deve ser analisado o dito ldquoerrordquo para saber adequar a sua linguagem aos diversos contextos com os quais se defronta

O professor de liacutengua materna deve portanto conduzir o aluno agrave transposiccedilatildeo do oral para o escrito sem traumas e respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um jaacute que o professor tem agrave sua frente alunos reais e natildeo ideais

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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A liacutengua escrita natildeo se opotildee agrave liacutengua falada Satildeo instacircncias diferenciadas da linguagem humana que convivem nas sociedades letradas Ocorreu que na maioria das vezes a aquisiccedilatildeo da liacutengua escrita natildeo foi mediada pela fala Desse modo o aluno acaba por se convencer da sua incapacidade nesse tipo de aprendizagem

Em decorrecircncia da natildeo consideraccedilatildeo das caracteriacutesticas proacuteprias dessas duas modalidades o aluno ainda acaba por escrever como se fala e o professor por continuar na incansaacutevel luta contra o ldquoerrordquo do aluno O professor natildeo percebe que esse ldquoerrordquo eacute uma tentativa de acerto eacute uma hipoacutetese que o aluno levantou acerca da grafia da palavra com base na sua forma oral

Eacute necessaacuterio portanto expor o aluno aos mais diversos tipos de texto escrito para que ele perceba a estrutura da liacutengua escrita mostrando-lhe inclusive que dependendo da tipologia textual a forma discursiva poderaacute estar ou natildeo mais proacutexima da oralidade

Se na apreciaccedilatildeo do texto escrito do aluno o professor chamar a atenccedilatildeo para as marcas da oralidade indevidas agravequele tipo de texto teraacute sido este o comeccedilo para o aluno adquirir a competecircncia comunicativa tatildeo propagada no discurso e tatildeo distante das praacuteticas dos professores

Enquanto os professores persistirem no ensino fragmentado e artificializado da liacutengua sem orientar o aluno para o seu uso real que eacute eminentemente social a escola natildeo estaraacute cumprindo a sua funccedilatildeo primordial que eacute ensinar ao aluno os usos da escrita

Eacute preciso a adoccedilatildeo de um novo ponto de vista acerca do ensino da liacutengua escrita A sua aquisiccedilatildeo como de qualquer outro objeto de aprendizagem precisa ser vista como necessaacuteria e beneacutefica Em outras palavras o aluno precisa ver um objetivo para a sua aprendizagem do contraacuterio ver-se-aacute aquele mesmo na sala de alfabetizaccedilatildeo ateacute que ele desista da escola

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAGNO Marcos Preconceito linguumliacutestico O que eacute como se faz 36ordf ed Satildeo Paulo Loyola 1999 186p

KOCH Ingedore Grunfeld Villaccedila amp TRAVAGLIA Luiz Carlos A coerecircncia textual 5ordf ed ndash Satildeo Paulo Contexto 1993

FREIRE Paulo A importacircncia do ato de ler em trecircs artigos que se completam 28ordf ed - Satildeo Paulo Cortez 1993

MARCUSCHI Luiz Antocircnio Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 2003

KATO Mary No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguumliacutestica 7 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2005

PARANAacute Secretaria de Est Da Educaccedilatildeo Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Educaccedilatildeo Baacutesica do Est Do Paranaacute Curitiba SEED 2006

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SOARES Magda Letramento um tema em trecircs gecircneros Belo Horizonte CEALEAutentica 1998

CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep

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CAGLIARI Luiz Carlos Anaacutelise Fonoloacutegica Introduccedilatildeo agrave teoria e agrave pratica com especial destaque para o modelo fonecircmico CampinasSP Mercado das Letras 2002

BAGNO Marcos Portuguecircs ou Brasileiro Um convite agrave pesquisa Satildeo Paulo Paraacutebola 2001

ABURRE M B (1984) Regionalismo linguumliacutestico e a contradiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo no intervalo Seminaacuterio Multidisciplinar de Alfabetizaccedilatildeo (p 13-18)Brasiacutelia Inep