oracy nogueira

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1 NOGUEIRA, Oracy Oracy Nogueira nasceu na cidade de Cunha (SP), em 17 de novembro de 1917. Seus pais eram professores do ensino primário. Completou o ginásio em Botucatu (SP), no início dos anos 1930, onde também trabalhou como redator e repórter do Correio de Botucatu. Na mesma época filiou-se ao Partido Comunista, permanecendo no Partido até 1960. Contraiu tuberculose, aos dezenove anos de idade e se internou para tratar da doença, em São José dos Campos (SP). Após o seu restabelecimento, e já residindo na capital paulista, Nogueira formou-se no curso normal. Em Cunha, onde viveu até os dez anos de idade, Nogueira conviveu com o Dr. Alfredo Casemiro da Rocha, médico proeminente, respeitado líder político e o único negro a ocupar posição de destaque na cidade. O desconforto da elite local em referir-se ao Dr. Casemiro como negro, pontuou as reminiscências de Nogueira durante a sua infância, o que o levou posteriormente a desenvolver estudos sobre o preconceito racial no Brasil. Em 1940, Nogueira ingressou no curso de ciência sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, onde foi aluno-bolsista de Donald Pierson. Nascido nos Estados Unidos, Pierson concluiu o doutorado em 1939 na Universidade de Chicago, cuja tese posteriormente foi publicada com o título Negroes in Brazil, a Study of Race Contact at Bahia. O estudo desenvolvido por Nogueira para a conclusão do bacharelado: A atitude Desfavorável de Alguns Anunciantes de São Paulo em Relação aos Empregados de Cor, identificou que as relações raciais no Brasil possuíam um caráter diferenciado das análises feitas por autores norte-americanos sobre a questão nos Estados Unidos ou na União Africana. Neste trabalho, Oracy verificou nos anúncios de um jornal paulistano, publicados em dezembro de 1941, preconceito contra aqueles a quem chamou de homens de cor. Por meio de depoimentos, estatísticas e questionários, constatou que no Brasil quanto mais escura a cor da pele e a incidência de caracteres negróides em um indivíduo, maior era o preconceito. Isso diferenciava os brasileiros dos norte- americanos, onde o preconceito era dirigido mesmo às pessoas que, apesar de possuírem pele clara, tinham ascendência negra. A ocorrência deste fato foi designada pelo autor

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NOGUEIRA, Oracy

Oracy Nogueira nasceu na cidade de Cunha (SP), em 17 de novembro de 1917.

Seus pais eram professores do ensino primário.

Completou o ginásio em Botucatu (SP), no início dos anos 1930, onde também

trabalhou como redator e repórter do Correio de Botucatu. Na mesma época filiou-se ao

Partido Comunista, permanecendo no Partido até 1960.

Contraiu tuberculose, aos dezenove anos de idade e se internou para tratar da

doença, em São José dos Campos (SP). Após o seu restabelecimento, e já residindo na

capital paulista, Nogueira formou-se no curso normal.

Em Cunha, onde viveu até os dez anos de idade, Nogueira conviveu com o Dr.

Alfredo Casemiro da Rocha, médico proeminente, respeitado líder político e o único

negro a ocupar posição de destaque na cidade. O desconforto da elite local em referir-se

ao Dr. Casemiro como negro, pontuou as reminiscências de Nogueira durante a sua

infância, o que o levou posteriormente a desenvolver estudos sobre o preconceito racial

no Brasil.

Em 1940, Nogueira ingressou no curso de ciência sociais da Escola Livre de

Sociologia e Política de São Paulo, onde foi aluno-bolsista de Donald Pierson. Nascido

nos Estados Unidos, Pierson concluiu o doutorado em 1939 na Universidade de

Chicago, cuja tese posteriormente foi publicada com o título Negroes in Brazil, a Study

of Race Contact at Bahia.

O estudo desenvolvido por Nogueira para a conclusão do bacharelado: A atitude

Desfavorável de Alguns Anunciantes de São Paulo em Relação aos Empregados de

Cor, identificou que as relações raciais no Brasil possuíam um caráter diferenciado das

análises feitas por autores norte-americanos sobre a questão nos Estados Unidos ou na

União Africana. Neste trabalho, Oracy verificou nos anúncios de um jornal paulistano,

publicados em dezembro de 1941, preconceito contra aqueles a quem chamou de

homens de cor. Por meio de depoimentos, estatísticas e questionários, constatou que no

Brasil quanto mais escura a cor da pele e a incidência de caracteres negróides em um

indivíduo, maior era o preconceito. Isso diferenciava os brasileiros dos norte-

americanos, onde o preconceito era dirigido mesmo às pessoas que, apesar de possuírem

pele clara, tinham ascendência negra. A ocorrência deste fato foi designada pelo autor

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como preconceito de marca, impossível de ser reduzido simplesmente, segundo

Nogueira, à questão de classe ou de raça.

Em l945 Nogueira concluiu o mestrado, também cursado na ELSP, com a

dissertação Vozes de Campos de Jordão. Experiências sociais e psíquicas do

tuberculoso no estado de São Paulo, transformando mais uma vez uma experiência

pessoal, em objeto de reflexão acadêmica. Nesse mesmo ano ingressou no doutorado na

Universidade de Chicago, cursando disciplinas ligadas aos departamentos de

antropologia e sociologia, sob a orientação do sociólogo estaduniense, Everett Hughes.

Hughes desenvolveu pesquisas sobre relações raciais e foi um dos primeiros

pesquisadores a desenvolver estudos sobre o nazismo na Alemanha, tendo publicado os

trabalhos Good people and dirty work e German Statistical Yearbook: A Case in

Professional Political Neutrality. Oracy Nogueira, no entanto, conforme assinalou

Maria Laura Viveiros de Castro, não defendeu a tese. Filiado ao Partido Comunista,

teve o visto para retornar aos Estados Unidos negado em 1952, em virtude do

macarthismo — política de extremo controle e perseguição aos suspeitos ou adeptos da

doutrina comunista, adotada, então, naquele país.

No Brasil, Nogueira trabalhou como docente na graduação e na pós-graduação

da ELSP. Foi diretor, com Donald Pierson e, depois, com Emílio Willems, da Revista de

Sociologia. Em 1950 foi convidado pelo professor Alfred Métraux, a pedido de Donald

Pierson, para integrar o grupo de pesquisa da Organização das Nações Unidas para a

educação, a ciência e a cultura (UNESCO) sobre as relações raciais no Brasil. No

período entre 1952 e 1957 chefiou o Setor de Pesquisas do Instituto de Administração

da Universidade de São Paulo (USP).

Em 1957 Nogueira foi convidado por Darcy Ribeiro, seu ex-aluno, para

trabalhar no Centro Brasileiro de Estudos Educacionais, onde permaneceu até 1961.

Além dessas atividades, entre os anos de 1962 e 1968 lecionou em várias faculdades do

interior paulista. Posteriormente, em 1968, foi integrado como docente da área de

sociologia à Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de

São Paulo. Em 1970, passou a atuar no Departamento de Letras e Ciências Humanas

dessa Universidade.

As pesquisas desenvolvidas por Nogueira estavam em campos opostos àquelas

elaboradas por Roger Bastide e Florestan Fernandes, coordenadores da pesquisa da

UNESCO em São Paulo. Para Florestan Fernandes, a questão racial era mais um

elemento para se pensar a estrutura de classes; conceito que informou as pesquisas

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sociológicas nessa área por toda uma década. Enquanto as pesquisas de Nogueira

vinculavam-se aos estudos de comunidade e à Escola de Chicago, razão pela qual após

o retorno de Pierson para os Estados Unidos, ele, aos poucos, perdeu espaço dentro da

Escola Livre de Sociologia e Política. Na publicação do volume UNESCO/Anhembi

(1955), o subtítulo escolhido “Ensaio Sociológico sobre as Origens, as Manifestações e

os Efeitos do Preconceito de Cor no Município de São Paulo”, já demarcava a exclusão

de Nogueira ─ cuja pesquisa abordou as relações raciais no município de Itapetininga.

Roger Bastide se encarregou de excluí-lo também dos comentários introdutórios do

livro.

Segundo Oracy Nogueira “a ideologia brasileira de relações raciais é

ostensivamente miscigenacionista”, estando intimamente relacionada à ideologia do

branqueamento. Tal fato imputou às características negroides, atributos preconceituosos

e pejorativos. Essas atitudes levavam ao uso de eufemismos ao classificar os negros,

salvo em situações que não fossem de galhofa, e à supressão de referências a

características físicas marcadamente presente nos negros, entendidas como algo

depreciativo.

O preconceito racial, de acordo com o autor, dificultava a ascensão social dos

negros, chegando, até mesmo, a delimitar os lugares que estes poderiam frequentar

(escolas, clubes, associações etc.). Até mesmo o casamento com pessoas de pele clara

seria dificultoso por conta do preconceito; dados comprovados em uma pesquisa

realizada por ele junto à Escola Normal Peixoto Gomide, localizada em Itapetininga

(SP).

Indivíduos com traços raciais suavizados, segundo Nogueira, teriam a sua

ascensão social facilitada, uma vez que esta característica era valorizada pela sociedade

brasileira. A isto se combinavam fatores como escolaridade, caráter, aspecto estético,

dons artísticos, que poderiam contribuir negativamente ou positivamente para a

integração social dos indivíduos de pele negra.

O preconceito racial, de acordo com Oracy Nogueira, aumentava de acordo com

a posição social, sendo mais comum a aceitação de elementos negros entre pessoas

menos abastadas, entre as quais o casamento misto ocorria com maior frequência. Já os

indivíduos dotados de um conjunto maior de características negróides, o peso da

ascensão social era maior, pois independente da posição conquistada, em situações de

conflito, a marca impressa na cor da pele e nos traços físicos falava mais alto.

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Oracy Nogueira faleceu na cidade de Cunha (SP) em 1996, suas pesquisas

inauguraram uma nova forma de pensar o racismo no Brasil, ao criar o conceito do

preconceito de marca. A este conceito, poderia ser justaposta a questão da divisão entre

as classes sociais. Para Nogueira essa forma de preconceito não geraria ódio racial

profundo; sendo, portanto, mais fácil de ser combatida..

Fontes:

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Oracy Nogueira e a antropologia

no Brasil. O estudo do estigma e do preconceito racial. Disponível em:

http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_31/rbcs31_01.htm. Acesso em:

03/07/2012.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito de Marca: As Relações Raciais em Itapetininga

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

www.jornalolince.com.br/2010/dez/pages/focus-preconceito.php. Acesso em14/06/2012

http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view=article&id

=119&Itemid=90. Acesso em 15/07/2012.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Donald_Pierson. Acesso em 01/08/2012.

http://en.wikipedia.org/wiki/Everett_Hughes. Acesso em 01/08/2012

Cláudia Calmon