opus dei

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De Agamben

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  • Sobre Opus DeiDaniel Arruda Nascimento

    No curso de sua j conhecida e respeitada odisseiafilosfica em busca da restituio ao livre uso dos homens doque antes foi separado por algum tipo de interdio, profanador este novo gesto terico de Giorgio Agamben queassume o provocativo ttulo de Opus Dei. No se trata de estudosobre a notria e potente organizao catlica, como primeiravista se poderia pensar. A indicao numrica no frontispcio e osubttulo da obra so esclarecedores: o livro se insere na segundaparte do seu projeto filosfico, denominado genericamenteHomo sacer, e traz como objetos de anlise arqueolgica aliturgia e o ofcio divino e humano. Em confessada sintonia comO reino e a glria, publicado originalmente em 2007 (e noBrasil, pela Boitempo, em 2011), o mistrio litrgico aquiindagado no mbito da praxe terrena.

    Operatividade e efetualidade se oferecem como paradigmapara que possamos compreender como a modernidade forjoutanto a tica quanto a ontologia, tanto a poltica quanto aeconomia do nosso tempo. Acompanhando a argumentao dofilsofo italiano, em assdio ao influxo que permite que o deverse torne o conceito fundamental da tica por ns adotada,estaremos talvez em condies de pensar uma tica e umapoltica liberadas da dependncia das categorias do dever e davontade.

  • Sobre o autorGiorgio Agamben nasceu em Roma em 1942. um dos

    principais intelectuais de sua gerao, autor de muitos livros eresponsvel pela edio italiana das obras de Walter Benjamin.Deu cursos em vrias universidades europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New YorkUniversity em protesto poltica de segurana dos EstadosUnidos. Foi diretor de programa no Collge International dePhilosophie de Paris. Mais recentemente ministrou aulas deIconologia no Istituto Universitario di Architettura di Venezia(Iuav), afastando-se da carreira docente no final de 2009. Suaobra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt,centra-se nas relaes entre filosofia, literatura, poesia e,fundamentalmente, poltica. Entre seus principais livrosdestacam-se Homo sacer (2005), Estado de exceo (2005),Profanaes (2007), O que resta de Auschwitz (2008) e O reinoe a glria (2011), os quatro ltimos publicados pela Boitempo.

  • SUMRIO

    Prefcio1. Liturgia e polticaLimiar2. Do mistrio ao efeitoLimiar3. Genealogia do ofcioLimiar4. As duas ontologias, ou como o dever entrou na ticaLimiarBibliografiaLista de abreviaturasCrditosE-books da Boitempo Editorial

  • PREFCIO

    Opus Dei o termo tcnico que, na tradio da Igrejacatlica de lngua latina, designa, j a partir do sculo VI, aliturgia, isto , o exerccio da funo sacerdotal de Jesus Cristo[...] na qual o culto pblico integral praticado pelo corpomstico de Jesus Cristo, ou seja, pela Cabea e pelos seusmembros (Constituio da Sagrada Liturgia de 4 de dezembrode 1963).

    O vocbulo liturgia (do grego leitourgia, prestaopblica) , entretanto, relativamente moderno: antes que seuuso se estendesse progressivamente at o fim do sculo XIX,encontramos em seu lugar o termo latino officium, cuja esferasemntica no fcil de definir e que, ao menos em aparncia,nada parecia destinar sua nova fortuna teolgica.

    E m O reino e a glria[a], indagamos o mistrio litrgicosobretudo na face que este volta para Deus, isto , em seuaspecto objetivo e glorioso; neste volume, a pesquisaarqueolgica se orienta, ao contrrio, para o aspecto que dizrespeito sobretudo aos sacerdotes, ou seja, os sujeitos a quem

  • respeito sobretudo aos sacerdotes, ou seja, os sujeitos a quemcompete, por assim dizer, o ministrio do mistrio. E como,e m O reino e a glria, procuramos esclarecer o mistrio daeconomia que os telogos construram invertendo umaexpresso paulina em si perspcua, tratava-se aqui de arrancar omistrio litrgico da obscuridade e da impreciso da literaturamoderna sobre o argumento, restituindo-o ao rigor e aoesplendor dos grandes tratados medievais de Amalrio de Metzou Guilherme Durando. A liturgia , na verdade, to poucomisteriosa que se pode dizer que ela coincide antes como atentativa talvez mais radical de pensar uma prtica absolutamentee integralmente efetual. O mistrio da liturgia , nesse sentido, omistrio da efetualidade[b] e somente ao compreender essearcano possvel entender a enorme influncia que essa prtica,s em aparncia separada, exerceu sobre o modo como amodernidade pensou tanto sua ontologia quanto sua tica, tantosua poltica quanto sua economia.

    Como costuma ocorrer em toda pesquisa arqueolgica,tambm esta se conduziu, de fato, para bem alm do mbito doqual partimos. Como atesta a difuso do termo ofcio nossetores mais diversos da vida social, o paradigma que o opus Deiofereceu ao humana revelou-se constituir para a culturasecular do Ocidente um polo de atrao penetrante e constante.Mais eficaz que a lei, porque no pode ser transgredido, massomente contrafeito; mais real que o ser, porque consistesomente na operao atravs da qual se d realidade; maisefetivo que qualquer ao humana, porque age ex opereoperato, independentemente da qualidade do sujeito que ocelebra, o ofcio exerceu sobre a cultura moderna um influxo to

  • celebra, o ofcio exerceu sobre a cultura moderna um influxo toprofundo isto , subterrneo que passa despercebido atmesmo que no somente a conceitualidade da tica kantiana e ada teoria pura do direito de Kelsen (para nomear s doismomentos certamente decisivos de sua histria) dependeminteiramente deste, mas tambm que um militante poltico e umfuncionrio de ministrio se inspiram no mesmo paradigma.

    O conceito de ofcio significou, nesse sentido, umatransformao decisiva das categorias da ontologia e da praxe[c],cuja importncia resta ainda medir. No ofcio, ser e praxe, aquiloque o homem faz e aquilo que o homem , entram em uma zonade indistino, na qual o ser se resolve em seus efeitos prticos e,com uma perfeita circularidade, aquilo que deve (ser) e deve(ser) aquilo que . Operatividade e efetualidade definem, nessesentido, o paradigma ontolgico que, no curso de um processosecular, substituiu aquele da filosofia clssica: em ltima anlise esta a tese que a pesquisa gostaria de propor reflexo tanto do ser quanto do agir ns no temos hoje outrarepresentao seno a efetualidade. Real s o que efetivo e,como tal, governvel e eficaz: a tal ponto o ofcio, sob as vestessimples do funcionrio ou gloriosas do sacerdote, mudou de altoa baixo tanto as regras da filosofia primeira como as da tica.

    possvel que hoje esse paradigma esteja atravessandouma crise decisiva, cujo xito no dado prever. Apesar darenovada ateno liturgia no sculo XX, da qual o assimchamado movimento litrgico na Igreja catlica, por um lado,e as imponentes liturgias polticas dos regimes totalitrios, poroutro, constituem um testemunho eloquente, muitos sinais

  • outro, constituem um testemunho eloquente, muitos sinaispermitem pensar que o paradigma que o ofcio ofereceu aohumana esteja perdendo seu poder atrativo justamente no pontoem que alcanava sua mxima expanso. Tanto mais necessrioseria tentar fixar suas caractersticas e definir suas estratgias.

    [a] So Paulo, Boitempo, 2011. (N. E.)[b] Traduzimos a palavra effettualit por efetualidade, respeitando a diferena,desejada pelo autor, de efetividade, tambm prxima de efeito e efetivo. Emboraefetuabilidade seja uma opo mais segura no que concerne ao uso do nossovernculo, escolhemos efetualidade por razes outras. Alm de guardar uma maiorfamiliaridade com a palavra original, fica evidente que se cuida de uma palavra emdestaque, uma palavra que aqui adquire uma refinada relevncia filosfica nainvestigao do autor. Assim, effettualit foi traduzida por efetualidade; effettuale, porefetual; e effettualmente, por efetualmente. (N. T.)[c] scolhemos traduzir prassi por praxe na maioria das vezes em que o termo aparece.Em alguns casos, para preservar a adequao do sentido da frase e observar o melhoruso em portugus, o termo ser traduzido por prtica. No adotamos a traduo porprtica em todos os casos por entender que a palavra possui uma aplicaoexcessivamente coloquial, no desejada pelo autor. A traduo por praxis, por sua vez,somente vir tona quando o original for tambm praxis, respeitando-se a inteno doautor de usar o termo deliberadamente e de modo filosoficamente referenciado, comona distino aristotlica entre praxis e poisis presente no segundo captulo ou emoutras obras suas, por exemplo o captulo oitavo de Luomo senza contenuto. (N. T.)

  • Opus Dei

    Agir se diz de dois modos:1) o agir verdadeiro eprimeiro, aquele que produzas coisas do no-ser ao ser;2) produzir um efeito naquiloem que se produz um efeito.

    Al-KindiA obra de arte a posio-em-obra da verdade do ser.

    Martin Heidegger

  • 1.LITURGIA E POLTICA

    1. A etimologia e o significado do termo grego leitourgia(do qual deriva nosso vocbulo liturgia) so perspcuos.Leitourgia (de laos, povo, e ergon, obra) significa obrapblica e designa, na Grcia Clssica, a obrigao que a cidadeimpe aos cidados possuidores de certa renda de prover a umasrie de prestaes de interesse comum, que vo da organizaodos ginsios e dos jogos gmnicos (gymnasiarchia) preparaode um coro para as festas da cidade (chorgia, a exemplo doscoros trgicos para as Dionisacas), da aquisio de cereais eleos (sitgia) a armar e comandar uma trirreme (trirarchia) emcaso de guerra, de dirigir a representao da cidade nos jogosolmpicos ou dlficos (architheria) ao adiantamento que osquinze cidados mais ricos deviam pagar cidade sobre as taxasde todos os cidados tributveis (proeisfora). Tratava-se deprestaes de carter tanto pessoal quanto real (cada um,escreve Demstenes, liturgiza, seja com o prprio corpo, sejacom as prprias sustncias, tois smasi kai tais ousiaislitourgsai)[1], que, ainda que no fossem elencadas entre as

  • litourgsai)[1], que, ainda que no fossem elencadas entre asmagistraturas (archai), faziam parte do cuidado das coisascomuns (tn koinn epimeleian)[2]. Embora a prestao dasliturgias pudesse ser extremamente onerosa (o verbokataleitourge significava arruinar-se em liturgia) e houvessecidados (chamados assim diadrasipolitai, cidados latentes)que buscavam com todos os meios subtrair-se dela, ocumprimento das liturgias era visto como um modo deproporcionar honra e reputao para si, de maneira que muitos(o caso exemplar aquele, referente Lsia, de um cidado queem nove anos gastou com as liturgias mais de 20 mil dracmas)no hesitavam em renunciar ao direito de no prestar a liturgiapor dois anos consecutivos. Aristteles, na Poltica, coloca-seassim em guarda contra o hbito, tpico das democracias, deprestar custosas e inteis liturgias, como as coregias, aslampadarquias e outras desse gnero[3].

    Uma vez que at as despesas do culto pertencem comunidade (ta pros tous theous dapanmata koina pass tspoles estin), Aristteles pode escrever que uma parte das terrascomuns deve ser destinada s liturgias para os deuses (pros toustheous leitourgias)[4]. Desse uso cultural do termo, que serretomado com uma singular continuidade, tanto pelo judasmoquanto pelos autores cristos, os lxicos registram numerosostestemunhos, seja epigrficos, seja literrios. Alm disso, comoocorre nesse caso, o significado tcnico-poltico do termo, cujareferncia ao pblico sempre primria, estendido, s vezesjocosamente, a prestaes que no tm nada de poltico. Poucaspginas depois do trecho citado, Aristteles pode falar assim, a

  • pginas depois do trecho citado, Aristteles pode falar assim, apropsito da idade mais adequada reproduo sexual, de umservio pblico para a procriao dos filhos (leitourgein [...]pros tecnopoiian)[5]; no mesmo sentido, com ironia ainda maisacentuada, um epigrama evocar as liturgias de umaprostituta[6]. No exato afirmar que, nesse caso, o significadodo elemento pblico (litos) est inteiramente perdido[7]; aocontrrio, a expresso adquire a cada vez seu sentido antifrsticosomente em relao ao significado poltico originrio. Quando omesmo Aristteles apresenta como uma liturgia o aleitamentodos filhotes pela me[8] ou quando lemos em um papiro aexpresso constranger a liturgias privadas[9], em ambos oscasos o ouvido deve perceber o constrangimento implcito nodeslocamento metafrico do termo da esfera pblica e socialpara a privada e natural. O sistema das liturgias (munera em latim) atinge sua mxima difuso na RomaImperial a partir do sculo III d.C. Do momento em que o cristianismo se torna, porassim dizer, a religio do Estado, um particular interesse conquista o problema daiseno dos clrigos da obrigao das prestaes pblicas. J Constantino estabeleceraque aqueles que proviam o mistrio do culto divino [divini cultui ministeriaimpendunt], isto , aqueles que eram chamados de clrigos, deviam ser de todoisentados de toda prestao pblica [ab omnibus omnino muneribus excusentur][10].Apesar de, como prova um sucessivo decreto constantino que probe os decuries defazerem parte do clero, essa iseno implicar o risco de que pessoas abastadas sefizessem clrigos para escapar de munera onerosas, o privilgio, embora com outraslimitaes, foi mantido.Isso prova que o sacerdcio era visto de qualquer modo como um servio pblico eessa pode ser uma das razes que levaro, no mbito do cristianismo de lngua grega, especializao em sentido cultural do termo leitourgia.

  • 2. A histria de um termo coincide frequentemente com ahistria de suas tradues ou de seu emprego nas tradues. Ummomento importante na histria do termo leitourgia aquele queos rabinos alexandrinos realizam a traduo da Bblia para ogrego e escolhem o verbo leitourge (com frequncia unido aleitourgia) para traduzir o hebraico eret toda vez que essetermo, que significa genericamente servir, usado em sentidocultual. A partir de seu primeiro aparecimento em referncia sfunes sacerdotais de Aro, no qual leitourge usadoabsolutamente (en ti leitourgein: Ex 28,35), o termo usadocom frequncia em combinao tcnica com leitourgia paraindicar o culto na tenda do senhor (leitourgein tn leitourgian[...] en ti skni: Nm 8,22, referido aos levitas; leitourgein tasleitourgias ts skns kyriou: Nm 16,9).

    Os estudiosos se perguntaram as razes dessa escolha emdetrimento de outros termos gregos disponveis, como latreu oudoule, que em geral so reservados na Septuaginta a acepesmenos tcnicas. Que os tradutores tivessem bem presente osignificado poltico do termo grego mais que provvel, se serecorda que as instrues do Senhor para a organizao do cultoem Ex 25-30 (em que aparece pela primeira vez o termoleitourgein) no so mais que uma explicitao do pacto quepoucas pginas antes Israel constitui como povo eleito e comoreino de sacerdotes (mamleket kohanim) e nao sagrada(goj qados). significativo que a Septuaginta recorra aqui aotermo grego laos (esesthe moi laos periousios apo pantn tnethnn, sereis para mim o povo excelente entre todas asgentes: Ex 23,20) para depois reforar seu significado

  • gentes: Ex 23,20) para depois reforar seu significadopoltico, traduzindo o reino de sacerdotes do texto comosacerdcio rgio (basileion hierateuma, imagem retomadasignificativamente na Primeira Epstola de Pedro 2,9 vs soisuma estirpe eleita e um basileion hierateuma e em Ap 1,6) egoj qados como ethnos hagion.

    A eleio de Israel como povo de Deus constitui-oimediatamente na funo litrgica (o sacerdcio imediatamentergio, isto , poltico) e santifica-o assim enquanto nao (otermo normal para Israel no goj, mas am qados, laoshagios: Dt 7,6). No judasmo alexandrino, o significado tcnico de leitourgia e leitourge paraindicar o culto sacerdotal normal. Assim, na Epstola de Aristeu (sculo II a.C.), tnhieren h leitourgia refere-se s funes cultuais do sacerdote, minuciosamenteelencadas, da escolha da vtima ao cuidado do leo e dos aromas[11]; pouco depois,Eleazar en ti leitourgiai designa o sumo sacerdote em ato de oficiar, no qual vmdescritos com zelo as vestes e os paramentos sacros. O mesmo se pode dizer paraFlvio Josefo e Flon (que, entretanto, usa o termo tambm em sentido metafrico,como, por exemplo, com relao ao intelecto, que, quando serve Deus leitourgeithei em modo puro, no humano, mas divino)[12].

    3. Tanto mais significativa (com a vistosa exceo daEpstola aos Hebreus) a escassa relevncia do grupo lexical noNovo Testamento. Fora do corpus paulino (em que se l cincovezes tambm o termo leitourgos) , leitourgein e leitourgiafiguram apenas duas vezes, na primeira vez, completamentegenrica, em referncia s funes sacerdotais de Zacarias noTemplo (Lc 1,23) e na segunda em referncia aos cincoprofetas e doutores da ecclsia de Antioquia (At 13,2). Otrecho dos Atos (leitourgountn de autn ti kyrii ) no

  • trecho dos Atos (leitourgountn de autn ti kyrii ) nosignifica, como se quis sugerir com um evidente anacronismo,enquanto celebravam o servio divino em honra do Senhor.Como a Vulgata entendera, traduzindo simplesmente comoministrantibus autem illis Domino, leitourgein equivale aqui aenquanto desenvolviam a sua funo na comunidade para oSenhor (que era precisamente, como o texto exprimira poucoantes, aquela dos profetas e dos doutores proftai kaididaskaloi : At 13,1 e no dos sacerdotes, nem se entendequal outra leitourgia poderia estar em questo naquele momento;quanto orao, Lucas se refere geralmente a ela com o termoorare).

    Tambm nas Epstolas Paulinas o termo tem comfrequncia o significado profano de prestao pelacomunidade, como nas passagens em que a coleta feita pelacomunidade apresentada como um leitourgsai (Rm 15,27) ouco mo diakonia ts leitourgias (2Cor 9,12), e da ao deEpafrodito, que colocou em risco sua vida, diz-se que foirealizada para compensar a liturgia que os filipenses nopuderam prestar (Fl 2,30). Mas tambm nas passagens nas quaisleitourgia propositalmente aproximada a uma terminologiapropriamente sacerdotal, cumpre ter cuidado para no confundirincautamente os respectivos significados, deixando assimescapar a especificidade e a audcia da escolha lingustica dePaulo, que aproxima intencionalmente termos heterogneos. Ocaso exemplar Rm 15,16: para ser leitourgos de Cristo Jesuspara os gentios, realizando a ao sagrada da boa nova de Deus[hierourgounta to euangelion tou theou]. Os comentadores

  • [hierourgounta to euangelion tou theou]. Os comentadoresprojetam aqui sobre o leitourgos o significado cultual dehierourge, escrevendo: que [Paulo] entenda leitourgos emsentido cultual, francamente como sacerdote, prova-o o trechoseguinte, em que explica o termo com a locuo hierourgein toeuangelion: ele cumpre um ministrio sacerdotal a servio doevangelho[13]. Mas o hpax hierourgein to euangelion, no qual,com um extraordinrio exagero, a boa notcia se torna o objetoimpossvel de um sacrum facere (como, com um tour de forceanlogo, latreia, o culto sacrificial, aproximado em Rm 12,1ao adjetivo logik, lingustico) to mais eficaz, se leitourgosconserva seu significado prprio de encarregado de uma funocomunitria (minister, como corretamente traduz a Vulgata). Aaproximao da terminologia cultual do Templo a algo oanncio feito aos pagos e, como dito logo depois, a oblaodos gentios, prosfora tn ethn que de nenhuma maneirapode realizar-se no Templo, tem um evidente significadopolmico e no pretende conferir uma aura sacrificial pregaopaulina.

    Consideraes anlogas podem ser feitas para Fl 2,17:mas se eu tambm me ofereo em libao [spendomai] pelosacrifcio e pela liturgia de vossa f [epi ti thysiai kai leitourgiaits pistes], eu me alegro com todos vs. Ainda que secompreenda a ligao entre spendomai e as palavras que seseguem, em todo caso a afirmao adquire sua gravidadesomente se, deixando cair o anacronismo que v em leitourgiaum servio sacerdotal (a comunidade paulina no podeobviamente conhecer sacerdotes), percebem-se o contraste equase a tenso que Paulo sabiamente introduz entre terminologia

  • quase a tenso que Paulo sabiamente introduz entre terminologiacultual e terminologia litrgica em sentido prprio. Foi notado h tempos (Dunin-Borkowski) que, na literatura crist das origens, ostermos hiereus e archiereus so reservados somente a Cristo, enquanto para osmembros ou chefes da comunidade no mais usada uma terminologia propriamentesacerdotal (estes eram definidos simplesmente episkopoi superintendentes ,presbyteroi ancios ou diakonoi servidores). Um vocabulrio sacerdotal aparecesomente a partir de Tertuliano[14], Cipriano[15] e Orgenes[16]. Nas epstolas paulinas,que mencionam episkopoi e diakonoi (em Cl 1,25, Paulo denomina a si mesmodiakonos), particular ateno dedicada s vrias funes desempenhadas nacomunidade, nenhuma das quais definida em termos sacerdotais. (Ver 1Cor 12,28--31: A alguns Deus colocou na igreja como apstolos [apostolous], em segundo lugarcomo profetas [proftas], em terceiro como mestres [didaskalous], depois as potncias[dynameis], depois os dons de cura [charismata iamatn], de assistncia[antilmpseis], de governo [kybernseis], dos gneros de lngua [gen glossn]; Rm12,6-8: havendo dons diversos segundo a graa que nos dada, seja profeciasegundo analogia com a f, seja o servio no servio [diakonian en ti diakoniai], sejao mestre no ensinamento [didaskn en ti didaskaliai], seja o confortante no conforto[parakaln en ti paraklsei]).

    4. O autor da Epstola aos Hebreus elabora uma teologia dosacerdcio messinico de Cristo, em cujo contexto o grupolexical que nos interessa ocorre quatro vezes. Desenvolvendo aargumentao paulina das duas alianas (2Cor 3,1-14), o ncleoteolgico da carta joga com a oposio entre o sacerdciolevtico (levitik hiersyn : 7,11), correspondente antigaaliana mosaica e inscrito na descendncia de Aro, e a novaaliana, na qual a assumir a liturgia do grande sacerdote(archiereus, inscrito dessa vez na descendncia deMelquisedeque) Cristo mesmo. Das quatro presenas dafamlia lexical, duas se referem ao culto levtico: em 9,21,

  • famlia lexical, duas se referem ao culto levtico: em 9,21,Moiss asperge com sangue a tenda e todos os objetos daliturgia (panta ta skeu ts leitourgias ); 10,11 evoca osacerdote da antiga aliana, que todos os dias se apresenta noTemplo para exercer as funes litrgicas [leitourgn] e oferecermuitas vezes os mesmos sacrifcios. As duas ocorrnciasremanescentes referem-se, ao contrrio, a Cristo, grandesacerdote da nova aliana. Na primeira (8, 2), ele definidocomo o liturgo das coisas sacras e da verdadeira tenda (tnhagin leitourgos kai ts skns ts althins : ver Nm 16,9); nasegunda (8,6), diz-se que ele obteve uma liturgia diversa emelhor [diaforteras tetycken leitourgias], quanto melhor aaliana da qual mediador. Enquanto, de fato, os sacrifciosdos levitas so s exemplo e sombra (ypodeigma kai skia :8,5) das coisas celestes e no podem, portanto, cumprir e tornarperfeito (teleisai : 9,9; 10,1) aquilo que oferecem, o sacrifcioda nova aliana, no qual Cristo sacrifica a si mesmo, anula opecado (athetsin hamartias: 9,26), purifica (kathariei :9,14) e santifica para sempre (teteleiken eis to dinekes toushagiazomenous : 10,14) os fiis.

    Reflita-se sobre a identidade que o texto supe entre a aode Cristo e a liturgia. No somente sua ao salvfica apresentada como uma liturgia, mas, como grande sacerdotede um sacrifcio em que o sacrificante sacrifica a si mesmo(heauton prosnenken : 9,14), Cristo realiza uma aolitrgica, por assim dizer, absoluta e perfeita, que, por isso, podeser cumprida uma s vez (hapax prosenechtheis: 9,28; mian[ . . . ] prosenenkas thysian : 10,12). Nesse sentido, Cristocoincide sem resduos com sua liturgia essencialmente

  • coincide sem resduos com sua liturgia essencialmenteliturgia e justamente essa coincidncia confere a ela suaincomparvel eficcia.

    Se a inteno do autor , sem sombra de dvida, opondodecididamente duas figuras do sacerdcio, apresentar o messiasna veste hiertica de um celebrante, no se deve esquecer que osacerdote messinico que aqui est em questo apresentacaractersticas bem particulares, que o distinguem ponto porponto do sacerdcio levtico, e que propriamente nessacontraposio est o sentido da carta. Decisivo que, enquantoos sacrifcios levticos devem ser incessantemente repetidos erenovam todo ano a recordao dos pecados (anamnsishamartin : 10,3), o sacrifcio da nova aliana advm, como oautor no se cansa de insistir, uma vez s e no pode ser demodo nenhum repetido. Na afirmao dessa irrepetibilidade dosacrifcio, cujo nico sacerdote, tendo conseguido umaredeno eterna, entra de uma vez por todas [efapax] nosanturio (9,12), o autor da carta se mantm fiel a uma genunainspirao messinica, sobre cuja base (em boa paz com a praxeeclesistica sucessiva) no possvel fundar nenhuma liturgiacultual. No mesmo instante em que o define como leitourgos eevoca para ele uma liturgia diversa e melhor, o autor da cartasabe que o grande sacerdote da nova aliana fechouirrevogavelmente s suas costas as portas do templo. Nessesentido, a diafortera leitourgia no uma celebrao, isto ,algo essencialmente repetvel (esse o significado etimolgicode celeber). O paradoxo da liturgia crist que ela, tomando pormodelo de seu sacerdcio a ao litrgica de Cristo archiereus e

  • modelo de seu sacerdcio a ao litrgica de Cristo archiereus efundando as prprias celebraes sobre a Epstola aos Hebreus,comprometer-se- a repetir um ato irrepetvel, a celebrar o nocelebrvel.

    5. Foi Rudolf Sohm quem definiu a igreja primitiva comouma comunidade carismtica, em cujo interior nenhumaorganizao propriamente jurdica era possvel.

    Uma vez acertado que no uma palavra humana, mas apenas a palavra de Deuspode governar a igreja, consegue-se com igual certeza que no pode haver nacristandade um poder ou um ofcio que possa exercer uma autoridade jurdicasobre a comunidade. A palavra de Deus no reconhecida por sua formaexterior, mas por sua fora interior. A cristandade pode seguir somente quelapalavra, que em virtude de sua livre e interior adeso ela reconhece comopalavra de Deus [...]. No pode existir na igreja nenhum poder jurdico degoverno [rechtliche Regierungsgewalt].[17]

    A organizao da comunidade primitiva pode ter,consequentemente, s um carter carismtico:

    A cristandade organizada atravs da repartio dos dons de graa(Chrarismen), que chama e, ao mesmo tempo, torna capazes os singularescristos para as diferentes atividades na cristandade. O carisma vem de Deus.Portanto, o servio (diakonia) para o qual o carisma chama um servioconsignado por Deus.[18]

    Da a tese radical, segundo a qual: O direito cannicocontradiz a essncia da igreja. A verdadeira igreja, a igreja deCristo, no conhece direito cannico[19].

    Segundo Sohm, a situao muda quando, em um momentono qual testemunha a Epstola de Clemente aos Corntios, abrecaminho a ideia de que os presbteros e os bispos tinham odireito de exercer sua liturgia e a comunidade no podedemov-los de seu encargo, que vem assim a adquirir um

  • demov-los de seu encargo, que vem assim a adquirir umsignificado jurdico[20]. A consequncia imediata da EpstolaClementina foi, escreve Sohm, uma mudana na constituioda comunidade romana[21], cujo resultado ltimo atransformao da igreja primitiva na Igreja catlica, dacomunidade carismtica das origens na organizao jurdica quenos familiar.

    Aqui no lugar para entrar no mrito das discusses que atese de Sohm provocou entre os historiadores da igreja e osestudiosos do direito cannico. Interessa-nos sobretudo, naeconomia de nossa investigao arqueolgica, o significado e arelevncia particular que o termo leitourgia e seus derivados tmna Epstola Clementina.

    6. A Epstola de Clemente aos corntios o primeiro textoem que uma preocupao pastoral assume a forma de umateorizao da hierarquia eclesistica compreendida comoliturgias. O contexto do problema conhecido: Clemente, querepresenta a igreja que permanece no exlio [paroikousa] emRoma, escreve igreja em exlio em Corinto, onde um conflito(antes uma verdadeira stasis, uma guerra civil: 1,1) divide osfiis dos chefes da comunidade, que foram demitidos de suasfunes. Na luta que ope os obscuros aos ilustres, os tolos aossbios e os jovens aos ancios (presbyterous: 3,3), Clementetoma resolutamente o partido destes ltimos. Decisivo, em suaestratgia, no tanto o recurso metfora militar, que ademaister na histria da igreja uma longa fortuna (como em umexrcito, cada um em seu posto executa aquilo que ordenadopelo rei e pelos comandantes: 37,3), quanto a ideia de fundar a

  • pelo rei e pelos comandantes: 37,3), quanto a ideia de fundar afuno dos presbteros e dos bispos como uma liturgiapermanente que tem seu modelo no sacerdcio levtico.Clemente conhece a cristologia sacerdotal da Ep aos Hebreus edefine Cristo uma vez como o grande sacerdote de nossaoferta (archierea tn prosforn hmn: 36,1); contudo, o quelhe interessa no so as caractersticas e a eficcia especial dessesacerdcio, mas o fato de que Cristo constitua o fundamento dasucesso apostlica: O Cristo vem de Deus, e os apstolos vmde Cristo (42,2). No sem contradio com o ditado pelaEpstola aos Hebreus (que havia substitudo o sacerdcio levticopelo de Cristo) e com um singular anacronismo (as funessacerdotais no Templo de Jerusalm, destrudo em 70 d.C. pelosromanos, cessaram havia j algum tempo), Clemente institui umarelao paradigmtica entre a ordem hereditria dos levitas e a dasucesso apostlica na Igreja. Na construo dessa analogia, oconceito de leitourgia desempenha um papel central. Como, noTemplo de Jerusalm, as ofertas e as funes litrgicas[prosforas kai leitourgias] no so cumpridas ao acaso e semordem, mas em tempos e momentos determinados [...] e foramdadas ao grande sacerdote as liturgias particulares [idiaileitourgiai], aos sacerdotes um lugar prprio e aos levitas seusprprios servios [diakoniai], assim tambm na igreja cada umdeve agir e agradar a Deus no posto que lhe prprio, semtransgredir os cnones que foram estabelecidos por sua liturgia[ton hrismenon ts leitourgias autou kanona] (40,2-41,1). Osapstolos, de fato, prevendo que seria iniciada uma contendasobre as funes episcopais ( peri tou onomatos ts episkops),estabeleceram como regra que, depois da morte daqueles que

  • estabeleceram como regra que, depois da morte daqueles queeles haviam nomeado, outros homens probos lhes sucederiamem sua liturgia [diadexontai [...] tn leitourgian autn] (44,2).Por isso, Clemente pode agora afirmar com fora noconsiderar justo que sejam demitidos de sua liturgia[apoballesthai ts leitourgias] aqueles que desempenharam demodo irrepreensvel suas funes litrgicas [leitourgsantasamempts] nas labutas do rebanho de Cristo (44,3); e podeconcluir com um louvor queles ancios [presbyteroi] quepercorreram todo o seu caminho e alcanaram um fim fecundo eperfeito e com uma advertncia aos fiis de Corinto que osdestituram da liturgia que haviam exercido com honra e demodo irrepreensvel (44,6).

    evidente que, na carta, o termo leitourgia, mesmomantendo o significado original de prestao pela comunidade,adquire as caractersticas de um ofcio estvel e vitalcio, objetode um cnone (kann) e de uma regra (epinom, que a antigaverso latina da carta d como lex). Todo o vocabulrio deClemente vai nesta direo: kathistmi (constituir, nomear),diadechomai (termo tcnico para a sucesso de um cargo),ypotass (submeter-se a uma autoridade; reciprocamente,aqueles que desobedecem so responsveis por uma stasis,guerra civil, insurreio). Alm disso, a refernciaparadigmtica ao culto levtico confere ao termo (como jocorria na Septuaginta) um carter e uma aura sacerdotal em ummomento nada seguro (como vimos, nenhum documento dasorigens usa o termo sacerdote hiereus, sacerdos paraindicar um membro da comunidade). De prestao pblica

  • ocasional, que no tem um titular especfico no interior dacomunidade, a liturgia comea a transformar-se em umaatividade especial, em um ministrio que tende a definir comotitular um sujeito particular: o bispo e os presbteros na carta e,mais tarde, o sacerdote. Mas o que define essa atividade, o queconstitui como liturgia uma esfera de ao determinada? Na seo das Constituies Apostlicas, notada como Cnones apostlicos, pode-sever como a passagem de uma comunidade carismtica para uma organizao do tipojurdico no somente um fato de qualquer modo j completo, mas havia constitudo oobjeto de uma estratgia precisa. O texto, que, embora composto ao fim do sculo IV,imiscui-se de obra dos prprios apstolos, comea de fato com um amplo tratamentodos carismas tradicionais (glossolalia etc.), mas o objetivo do autor com todaevidncia minimizar a relevncia a respeito do que ele define logo depois comoorganizao eclesistica (ekklsiastik diatypsis). Em questo esto, certamente, asconstituies (diataxeis, termo tcnico para as disposies testamentrias) que osapstolos estabeleceram como configurao ou modelo geral (typos) da igreja, daordenao do bispo articulao da hierarquia aos rituais dos sacramentos. Evidente,nas Constituies, a construo de uma hierarquia eclesistica separada que culminano bispo:

    Os sacrifcios de ento so agora a orao, as invocaes e as aes de graas[eucharistia ]; as primcias, os dzimos e as ofertas de ento so agora os donse as oblaes que os santos bispos oferecem a Deus, atravs de Jesus Cristo,que foi morto por ns. Esses so os vossos sumos sacerdotes [archiereis] e ospresbteros so os vossos sacerdotes, os diconos, os vossos levitas.[22]

    Qualquer um que faz qualquer coisa sem o bispo, l-se pouco depois, f-loem vo (matn)[23]; e assim como no podemos nos aproximar de Deus seno atravs de Cristo, no consentido nos aproximarmos do bispo se noatravs dos diconos[24].

    Ainda em Ireneu, ao contrrio, os carismas no so

  • subordinados sucesso segundo a ordenao apostlica. Otrecho em que ele recomenda a obedincia aos presbteros,porque estes com a sucesso episcopal receberam um charismaveritatis certum[25], no significa, como foi sugerido, que elereivindique para o bispo uma espcie de infalibilidade; antes, ofato de que, logo depois, Ireneu distinga entre bons e mauspresbteros e confirme a importncia dos charismata Dei mostraque ele concebe estes ltimos como um elemento igualmenteimportante da ordenao eclesistica:

    Onde foram postos os carismas de Deus [ubi igitur charismata dei positasunt], ali preciso aprender a verdade: junto deles encontram-se tanto asucesso apostlica da igreja quanto a vida reta e irrepreensvel e a palavraincorrupta e no adulterada.[26]

    No fim do sculo II, comunidade carismtica e organizaohierrquica convivem ainda em unidade funcional na igreja.

    7. Guy Stroumsa chamou recentemente a ateno para apermanncia da ideologia sacrificial no cristianismo. sabidoque o judasmo rabnico, depois da segunda destruio doTemplo, orientou-se no sentido de uma espiritualizao daliturgia, transformando-a de uma sequncia de ritos queacompanhavam a ao sacrificial em um conjunto de oraesque de fato substituam os sacrifcios. Nessa perspectiva, otalmud Torah, o estudo da Tor, suplantou as prticassacrificiais e os rabinos reunidos em Yavne conseguiramtransformar o judasmo, sem confessar, talvez, nem a si mesmos,em uma religio no sacrificial[27]. Todavia, o cristianismo sedefine precocemente como:

    uma religio concentrada no sacrifcio, ainda que se trate de um sacrifcio

  • uma religio concentrada no sacrifcio, ainda que se trate de um sacrifcioreinterpretado. A anamnsis crist do sacrifcio de Jesus tem um poder muitodiverso com relao memria hebraica dos sacrifcios do Templo, porque aanamnsis a reativao do sacrifcio do Filho de Deus, desenvolvida pelossacerdotes.[28]

    Stroumsa poderia ter acrescentado que a construo daliturgia sacramental se funda, j a partir da patrstica, sobre acontraposio explcita e sem reserva dos sacramentos da antigalei, que significam e anunciam, mas no realizam o quesignificam, aos sacramentos da nova lei, que cumprem o quesignificam.

    Em realidade, o autor da Epstola aos Hebreus noestabelece nenhum nexo entre a doutrina do sacerdcio de Cristoe a celebrao eucarstica. No este o lugar para reconstruir agenealogia dessa conexo, cuja importncia estratgica para aIgreja evidente. J implcita em Orgenes[29], ela aparecefrequentemente de modo sub-reptcio, pela simples justaposiodos dois motivos. Assim em dois trechos das ConstituiesApostlicas, nos quais a preocupao eclesiolgica evidente:Senhor, concede a teu servo, que escolheste para o episcopado,apascentar o santo rebanho e exercer diante de ti o sumosacerdcio [archierateuein] de modo irrepreensvel, dia e noite[...] oferecendo-te sem desvio nem censura nem reprovao osacrifcio puro e no sangrento, que instituste atravs de Cristo,o mistrio da nova aliana[30]; o primeiro sumo sacerdote pornatureza [prtos [...] ti physi archiereus], o Cristo unignito,no assumiu por si essa dignidade, mas foi ordenado pelo Pai.Fez-se homem por ns e, oferecendo a seu Deus e Pai o

  • sacrifcio espiritual, ordenou somente a ns realizar essascoisas[31]; e em Epifnio (a fim de que fosse para nsordenado padre segundo a ordem de Melquisedeque sempre econtinuamente portando a oferta por ns, depois de sersacrificado na cruz para abolir todo o sacrifcio da antigaaliana)[32]. Pouco mais tarde, encontramos os dois temasjuntos em Ambrsio (Quem ento o autor dessessacramentos, se no o Senhor Jesus? [...] Aprendemos que notempo de Abro houve uma prefigurao [ figuram] dessessacramentos quando o santo Melquisedeque, que no tinhaincio nem fim de anos, ofereceu o sacrifcio. Ouve, homem, oque diz o apstolo Paulo aos hebreus)[33] e em Agostinho (Ele tambm o nosso sacerdote em eterno segundo a ordem deMelquisedeque, que se ofereceu em sacrifcio por nossospecados e nos recomendou celebrar uma semelhana de seusacrifcio em memria de sua paixo, a fim de que o queMelquisedeque ofereceu a Deus pudssemos ver ofertado naIgreja de Cristo sobre toda a terra)[34].

    Trata-se em todo caso, juntando dois textos distintos, deconceber a instituio da eucaristia como uma prestaosacerdotal de Jesus, que, segundo a doutrina da carta, age comosumo sacerdote da ordem de Melquisedeque e transmite, dessemodo, o ministrio sacerdotal aos apstolos e a seus sucessoresna Igreja. Pode-se dizer, nesse sentido, que a definio docarter sacerdotal da hierarquia eclesistica constri-sejustamente fundando a liturgia sacramental na doutrina de Cristosumo sacerdote. Naquela summa da liturgia catlica que o

  • sumo sacerdote. Naquela summa da liturgia catlica que oRationale divinorum officiorum [Exposio racional dos ofciosdivinos] de Guilherme Durando, a conexo j possui a evidnciade uma frmula: Missa instituit Dominus Iesus, sacerdossecundum ordinem Melchisedech, quando panem et vinum incorpus et sanguinem suum transmutavit, dicens: Hoc estcorpus meus, hic est sanguis meus, subiungens: Hoc facite inmeam commemorationem [A missa foi instituda pelo SenhorJesus, sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, quandotransmutou o po e o vinho no seu corpo e sangue, ao dizer:Isto o meu corpo, aqui est o meu sangue e acrescentar:Fazei isto em memria de mim][35].

    O Conclio de Trento (seo XXII, cap. 1) sanciona paraalm de qualquer dvida o carter fundador e eterno dosacerdcio de Cristo, que se renova e perpetua na liturgiaeucarstica, em cuja celebrao a Igreja se liga ao Cristo liturgoda Epstola aos Hebreus:

    Padecendo a morte sobre a cruz, Cristo se ofereceu de uma vez por todas aDeus Pai para operar por ns a redeno eterna. Sua morte, todavia, nosignifica o fim de seu sacerdcio. Por isso, na ltima Ceia, na mesma noite emque seria trado, quer deixar Igreja, sua esposa amada, um sacrifcio visvelque tornasse presente e comemorasse at o fim dos tempos o sacrifcio queestava por realizar de uma vez por todas sobre a cruz de modo sangrento [...].Afirmando que tinha sido constitudo sacerdote por toda a eternidade, segundoa ordem de Melquisedeque, ele ofereceu a seu Deus Pai, sob a espcie do po edo vinho, o seu corpo e o seu sangue e, sob os sinais destes, ofereceu-se abeber e a comer aos apstolos. Ao mesmo tempo, ele se constitua comosacerdote da Nova Aliana, ordenando a estes e a seus sucessores queoferecessem o mesmo sacrifcio.Na ideia do sacerdcio eterno de Cristo, a de uma vez

    por todas (hapax) da Epstola aos Hebreus vincula-se com at

  • por todas (hapax) da Epstola aos Hebreus vincula-se com ato fim dos tempos da celebrao eucarstica incessantementerepetida pela Igreja, e a continuidade da hierarquia eclesisticada Epstola de Clemente recebe seu selo sacerdotal.

    A definio da liturgia nas encclicas do sculo XX no fazseno confirmar esse nexo: A sagrada liturgia o culto pblico,que o nosso redentor, enquanto Chefe da Igreja, recebe do Paiceleste e que a sociedade dos fiis oferece a seu Chefe e, atravsdele, ao Pai eterno[36].

    O fato de que a Igreja havia fundado sua prtica litrgicasobre a Epstola aos Hebreus, colocando em seu centro umaincessante reatualizao do sacrifcio realizado por Cristoleitourgos e grande sacerdote, constitui ao mesmo tempo averdade e a aporia da liturgia crist (que Agostinho resumia naanttese semel immolatus [...] et tamen quotidie immolatur[imolado uma nica vez [...] e, no obstante, imoladodiariamente]). O problema, que no cessar de aparecer nahistria da Igreja como seu mistrio central, certamenteaquele do modo como se devem entender a realidade e a eficciada liturgia sacramental e, ainda, como esse mistrio podetomar a forma de um ministrio, que define a prtica especficados membros da hierarquia eclesistica.

    8. A doutrina do carter litrgico do sacrifcio de Cristo temsua raiz na prpria doutrina trinitria. Mostramos alhures como,para conciliar em Deus a unidade da substncia com apluralidade das pessoas, os Padres, em um estreito corpo a corpocom a gnose, formularam-na no incio da doutrina da trindadeem termos de uma oikonomia, de uma atividade de

  • em termos de uma oikonomia, de uma atividade deadministrao e gesto da vida divina e da criao[37]. Naspalavras de Tertuliano, que est entre os primeiros a elaborarcontra os monarquistas a doutrina trinitria como umaeconomia divina: deve-se crer em um nico Deus, mas comsua oikonomia [...] a unidade, que traz por si mesma a trindade,no destruda por esta, mas administrada [non destruatur abilla sed administretur]. Invertendo uma expresso de Paulo,que havia falado em suas cartas, com referncia ao plano divinoda redeno, de uma economia do mistrio (oikonomia toumystriou: Ef 3,9), Hiplito,

    Ireneu e Tertuliano apresentam assim a prpria articulaoda trindade e sua ao salvfica como um mistrio daeconomia (mystrion ts oikonomias, oikonomiassacramentum). A insistncia no carter mistrico da obradivina da salvao mostra, todavia, que a diviso que se queriaevitar no plano do ser reaparece como fratura entre Deus e suaao, entre ontologia e praxe. Misterioso agora no mais, comoem Paulo, o plano divino da redeno, que exigia umaoikonomia em si mesma perspcua; misteriosa ou mistrica agora a prpria economia, a prpria prtica por intermdio da qualDeus assegura a salvao de sua criao. Seja qual for osignificado a atribuir ao termo mystrion e ao seu equivalentelatino sacramentum, essencial aqui que a economia divinatome a forma de um mistrio.

    Por intermdio da encarnao, Cristo assume sobre si essaeconomia misteriosa; mas, com base na passagem de Joosegundo a qual o filho do homem foi glorificado por Deus eDeus foi glorificado nele, a economia compreendida ao

  • Deus foi glorificado nele, a economia compreendida aomesmo tempo como uma glorificao e uma manifestaorecproca do pai por intermdio do Filho e do Filho por obra doPai. No comentrio de Orgenes ao Evangelho de Joo, aeconomia da paixo do salvador coincide perfeitamente com aeconomia da glria pela qual o Filho revela e celebra o Pai. Omistrio da economia um mistrio doxolgico, isto , litrgico.

    com essa concesso aportica da economia trinitria,na qual Cristo age como ecnomo tanto da redeno quantoda glria do Pai, que se deve ler a doutrina da Epstola aosHebreus, na qual Cristo se apresenta em vestes de leitourgos, deum sumo sacerdote que assume sobre si a liturgia, a prestaopblica e sacrificial da redeno do gnero humano. Acristologia trinitria se elabora, assim, atravs de um duploregistro metafrico: metfora poltica e cultual de Cristo liturgoda redeno na Epstola aos Hebreus corresponde pontualmentenos Padres a metfora econmica de Cristo administrador edispensador do mistrio divino da salvao. A relao e a tensoentre essas duas metforas definem o locus em que se situa aliturgia crist. Celebrando liturgicamente seu sacrifcio (seumistrio), Cristo leva a cumprimento a economia trinitria; oministrio da economia, enquanto uma economia da salvao,realiza-se e traduz-se em mistrio litrgico, no qual metforaeconmica e metfora poltica se identificam.

    Os telogos modernos chegam a distinguir a trindadeeconmica (ou de revelao), que define Deus em sua aosalvfica com relao aos homens, e a trindade imanente (oude substncia), que define a articulao interna da vida divina

  • de substncia), que define a articulao interna da vida divinaem si mesma. Trindade econmica e trindade imanente devemcoincidir na liturgia. Mas as tenses e as contradies que eramimplcitas no paradigma econmico-mistrico da trindadecontinuaro ainda a assinalar o mistrio litrgico da atividadepblica da Igreja, no qual mistrio e economia, ao sacerdotal epraxe econmico-poltica, opus operatum e opus operantiscontinuaro at o fim a se distinguir e a se sobrepor.

    9. A Epstola aos Hebreus e a Epstola de Clementeconstituem as duas polaridades pelas quais a tenso da liturgiacrist no cessar de se articular e definir. Por um lado, o semel[uma nica vez] do sacramento eficaz, mas no passvel derepetio, cujo sujeito nico Cristo; por outro, o quotidie[diariamente] da liturgia do bispo e dos presbteros no interiorda comunidade. Por um lado, o mistrio de uma ao sacrificialperfeita, cujos efeitos se realizam de uma vez por todas (naspalavras do tratado litrgico de Cabasilas, a santificao); poroutro o ministrio dos que devem celebrar sua recordao erenovar sua presena (que Cabasilas denomina significao,smasia)[38]. Por um lado, nas palavras da encclica MediatorDei, com a qual a Igreja moderna, em um momento crucial desua histria, procurou restituir vitalidade tradio litrgica, oelemento objetivo da liturgia, o mysterium do corpo mstico,cujo operador a graa, que se manifesta nos carismas e age nossacramentos ex opere operato (atravs da simples realizao decerto ato); por outro, o elemento subjetivo do culto feito pormeio da participao dos fiis, ex opere operantis Ecclesiae [39].

    A insistncia com que a encclica Mediator Dei tenta negar

  • A insistncia com que a encclica Mediator Dei tenta negare quase exorcizar a contradio entre a ao divina e acolaborao dos homens, entre a eficcia do rito exterior dossacramentos, que se produz ex opere operato e a ao meritriadaqueles que o dispensam e o recebem, que chamamos opusoperantis, entre a vida asctica e a piedade litrgica[40],traduz uma dificuldade da qual os telogos no conseguiram darcabo completamente.

    Aquilo que define a liturgia crist , portanto, a tentativaaportica, mas sempre reiterada, de identificar e articularcoligadamente no ato litrgico compreendido como opus Dei mistrio e ministrio, de fazer coincidir, assim, a liturgia comoato soteriolgico eficaz, e a liturgia como servio comunitriodos clrigos, o opus operatume o opus operantis Ecclesiae. Costuma-se atribuir, sobre a autoridade de Du Cange, a criao do sintagma opusDei regra beneditina, na qual este aparece algumas vezes para designar o ofciolitrgico. Na verdade, o compilador da regra depende tambm nesse caso de sua fonteprincipal, que a Regula magistri. A concordncia da edio Vog registra para aexpresso opus Dei cerca de trinta ocorrncias e mostra, portanto, que j no primeiroquarto do sculo VI (quando, segundo Vog, da Regula magistri teria sidocomposta) o sintagma havia se tornado um termo tcnico para o ofcio monstico. Sese trata de uma inveno do autor da regra, ela poderia derivar de sua definio domonastrio como officina divinae artis [oficina de arte divina] (Officina veromonasterium est, in qua ferramenta cordis in corporis clausura reposita opusdivinae artis diligenti custodia perseverando operari potest [Na verdade, omonastrio a oficina, na qual a ferramenta do corao posta no recndito do corpopode realizar diligentemente a obra da arte divina mantendo-se vigilante])[41].Segundo a correspondncia entre liturgia e economia trinitria que evocamos, a origemda expresso viria cercada com toda probabilidade da definio de Cristo comoprimum opus Dei [primeira obra de Deus], que se encontra, por exemplo, em um textoariano, a carta de Cndido a Mrio Vitorino sobre a gerao divina (metade do sculoIV): Dei filius, qui est logos apud Deum, Jesus Christus, per quem effecta sunt

  • IV): Dei filius, qui est logos apud Deum, Jesus Christus, per quem effecta suntomnia et sine quo nihil factum est, neque generatione a Deo, sed operatione a Deo,est primum opus et principale Dei [O Filho de Deus, que o Logos junto a Deus,Jesus Cristo, por meio de quem existem todas as coisas e sem o qual nada foi feito,no por gerao de Deus, mas por operao de Deus, a primeira e principal obra deDeus][42]. Em todo caso, o sintagma opus Dei, que estendeu sua eficcia para bemalm do monaquismo, adquire seu sentido prprio no contexto da liturgia, concebidacomo o lugar em que mistrio e ministrio, prestao sacerdotal e empenhocomunitrio tendem a coincidir. Quando hoje o sintagma vem associado a uma potenteorganizao catlica, fundada em 1928 por Josemara Escriv de Balaguer, cabe noesquecer que a escolha da denominao perfeitamente coerente com essaspromessas.

    10. A distino entre opus operatum e opus operantis naencclica Mediator Dei provm da tradio escolstica eencontrou sua sano no Conclio de Trento[43]: se algum dizque atravs dos sacramentos da nova lei a graa no conferidaex opere operato, mas que somente a f na promessa de Deus suficiente para obter a graa, anathema sit [seja antema].

    Nessa formulao exprime-se um princpio que define demodo constitutivo a praxe litrgica da Igreja: a independncia daeficcia e da validade objetiva do sacramento do sujeito que oadministra em concreto. Opus operatum designa assim o atosacramental em sua realidade efetual, opus operantis (aformulao mais antiga , na verdade, opus operans) designa aao enquanto realizada pelo agente e qualificada por suasdisposies morais e fsicas.

    A origem da distino surge nas disputas sobre a validadedo batismo que dividem a Igreja entre os sculos III e IV e cujopice ser a controvrsia entre Cipriano e o pontfice Estvo em

  • pice ser a controvrsia entre Cipriano e o pontfice Estvo em256 e aquela entre Agostinho e os donatistas entre 396 e 410.Em ambos os casos, trata-se de afirmar, contra Cipriano e contraos donatistas, a validade do batismo conferido por um herticoou por um ministro indigno, ou seja, assegurar a eficcia objetivado sacramento e da ao sacerdotal para alm das condiessubjetivas que poderiam torn-los nulos ou ineficazes. Assimcomo aqueles que foram batizados por Judas, escreveAgostinho, no devem ser batizados de novo, porque foi Cristoque os batizou, aqueles que foram batizados por um bbado,por um homicida ou por um adltero, se receberam o batismocristo, foram batizados por Cristo[44]. Como ocorre em todainstituio, trata-se de distinguir o indivduo da funo queexerce, de modo a assegurar a validade dos atos que ele realizaem nome dela.

    Em Toms, a doutrina da eficcia dos sacramentos ex opereoperato j est completamente elaborada. Ela distingue antes detudo os sacramentos da lei hebraica, que no possuam eficciaex opere operato, mas s atravs da f, daqueles da nova lei,que conferem a graa ex opere operato [45]. No tratado sobreos sacramentos da Summa theologiae[46], a neutralizao doopus operantis e da condio subjetiva desenvolvida atravsda doutrina do sacerdote como causa instrumental de um atocujo agente primeiro o prprio Cristo. E, assim como a causainstrumental no age em virtude de sua prpria forma, massomente em virtude do movimento que lhe foi imprimido peloagente principal[47], os ministros da Igreja operam ossacramentos de modo instrumental, porque as definies do

  • sacramentos de modo instrumental, porque as definies doministro e do instrumento so idnticas[48]. Por isso, enquanto oministro assim uma espcie de instrumento animado[49] deuma operao cujo agente Cristo, no somente no necessrio que ele tenha f ou caridade, mas tambm umainteno perversa (por exemplo, batizar uma mulher com ainteno de abusar dela) no tira validade do sacramento. Emvirtude da eficcia ex opere operato e no ex opere operantis, defato, a inteno perversa do ministro perverte, na aosacramental, o que obra do ministro, mas no a obra de Cristode quem ele ministro[50]. Grundmann observou que a precoce e clara formulao da doutrina do opusoperatum que se encontra j no De sacri altaris mysterio [Sobre o sagrado mistriodo altar], de Inocncio III, pode ser considerada uma resposta polmica daquelesmovimentos espirituais, como os valdenses, que colocavam em questo a validade dossacramentos dados por sacerdotes indignos[51]. Afirma o pontfice:No sacramento do corpo de Cristo o sacerdote bom no realiza nada de mais e o maunada de menos [...] porque ele se realiza no atravs do mrito do sacerdote, mas noverbo do criador. A indignidade do sacerdote no impede por isso o efeito dosacramento, como a enfermidade do mdico no compromete o efeito da medicina.Ainda que por momentos a obra operante possa ser impura, a obra operada , todavia,sempre pura. (In sacramento corporis Christi nihil a bono maius, nihil a malo minusperficitur sacerdote [...] quia non in merito sacerdotis, sed in verbo conficiturcreatoris. Non ergo sacerdotis iniquitas effectum impedit sacramenti, sicut necinfirmitas medici virtutem medicinae corrumpit. Quamvis igitur opus operansaliquando sit immundum, semper tamen opus operatum est mundum.)[52]

    11. Os tratados modernos sobre os sacramentos atribuem demodo genrico a primeira formulao da doutrina do opusoperatum s Sentenas de Pedro de Poitiers, um telogo do

  • operatum s Sentenas de Pedro de Poitiers, um telogo dosculo XII que, por sua sutileza, era relacionado, com PedroAbelardo, Gilberto Porretano e Pedro Lombardo, entre oslabirintos da Frana. Um reconhecimento dos dois trechos daobra nos quais a distino se revela particularmente instrutiva. Aprimeira articulao da doutrina no se relaciona, de fato, com ateoria dos sacramentos, mas com aquela da ao do demnio.Em seu estilo labirntico, escreve Pedro:

    Tambm o diabo serve a Deus e Deus aprova as obras que ele operou, mas noaquelas por meio das quais operou [opera eius quae operatur, non quibusoperatur]: as obras operadas, como se diz, no as obras operantes [operaoperata, ut dici solet, non opera operantia], s quais so todas maldades,porque no provm da caridade. Como Deus aprovou a paixo de Cristopromovida pelos judeus, enquanto obra operada dos judeus [opus iudaeorumoperatum], mas no aprovou a obra operante dos judeus [opera iudaeorumoperantia] e as aes com as quais estes operaram a paixo. Deus ofendidopela ao do diabo, mas no pelo ato em si; Deus no quer que o diabo faa nomodo em que o faz o que Deus lhe comanda fazer. Se se l na Escritura queDeus manda o diabo fazer algo, como, por exemplo, no Livro dos Reis apropsito do engano de Acab [...] que no deve ser entendido que ele comandacomo se o quisesse; ou seja, se quer que ele faa, no quer, porm, que o faacomo o faz. Embora, de fato, o diabo faa o que Deus quer, no o faz comoDeus quer e, por isso, peca sempre.[53]

    Compreende-se por que, nos tratados modernos, aatribuio da doutrina do opus operatum a Pedro de Poitiersdeveria permanecer genrica. Que a primeira formulao dadistino que devia fornecer o paradigma da prtica sacramentaldo sacerdote fosse concebida para definir a ao do diabo nointerior da economia providencial no podia no ser embaraosopara os historiadores da teologia. somente no livro V, apropsito da eficcia do batismo, que Pedro transfere a distino

  • propsito da eficcia do batismo, que Pedro transfere a distinopara o mbito da teoria dos sacramentos:

    Aquele que vem a ser batizado o pela autoridade de algum: ou do Cristo oudo sacerdote. Se o pela autoridade do sacerdote e no pelo batismo de Cristo,ento o sacerdote que redime os pecados [...]. A purificao obra de algum,ou do batizante ou do batizado. Se obra do batizante e em virtude dacaridade, ento o mrito do batismo compete ao batizante. Do mesmo modo, eletem o mrito da ao batismal [baptizatione], no sentido em que baptizatio sediz da ao com a qual ele batiza, que obra diversa do batismo [baptismus],porque uma obra operante [opus operans], enquanto o batismo uma obraoperada [opus operatum], se assim se pode dizer.[54]

    importante notar que tanto Pedro de Poitiers quanto Inocncio III falam de opusoperans e no de opus operantis, como faro mais tarde os telogos. A distino nisso consiste, como veremos, sua novidade no divide o que somente o sujeito desua ao, mas tambm a ao mesma, considerada na primeira vez operao de umagente e em outra em si mesma, isto , em sua efetualidade.

    12. O que est em jogo na estratgia que leva a distinguir oopus operatum do opus operans , neste ponto, evidente. Trata-se de separar, em uma ao, sua realidade efetual tanto do sujeitoque a realiza (sem que, por isso, ele seja exonerado de todaresponsabilidade com respeito a ela) quanto do processo atravsdo qual ela se realiza. Reflita-se sobre o singular estatuto quevem assim a competir ao sacerdotal. Esta se cinde em duas:de uma parte, o opus operatum, isto , os efeitos que deladerivam e a funo que ela desempenha na economia divina; deoutra, o opus operans (ou operantis), isto , as disposies e asmodalidades subjetivas atravs das quais o agente faz existir aao. A liturgia enquanto opus Dei a efetualidade que resultada articulao desses dois elementos distintos e, todavia,conspiradores.

  • conspiradores.Desse modo, o nexo tico entre o sujeito e sua ao se

    quebra: determinante no tanto a reta inteno do agente, mass a funo que a ao desempenha enquanto opus Dei. Como aao do demnio enquanto opus operatum desenvolvida aservio de Deus, tambm, como opus operantis, se restamaldosa, assim a ao litrgica do sacerdote eficaz como opusDei, mesmo se o sacerdote indigno comete pecado. A liturgiadefine assim uma esfera particular de ao, na qual o paradigmamistrico da Epstola aos Hebreus (o opus operatum de Cristogrande sacerdote) e aquele ministerial da Epstola de Clemente(o opus operantis Ecclesiae) coincidem e ao mesmo tempo sedistinguem. Isso pode ocorrer, porm, somente ao custo dedividir e esvaziar de sua substncia pessoal a ao do sacerdote,que, enquanto instrumento animado de um mistrio que otranscende, em realidade no age e, todavia, enquanto titular deum ministrio, exerce de qualquer maneira uma ao prpria.Nesse sentido, se, por um lado (com relao ao mistrio e aoopus operatum) ele no sujeito, mas instrumento, que, naspalavras de Toms, no age em virtude da prpria forma, poroutro (com relao a seu ministrio), mantm sua aoespecfica, como o machado, no exemplo de Toms, segue suaao instrumental s exercitando sua ao especfica, que dividir e cortar[55]. O sacerdote, enquanto instrumentoanimado, , portanto, aquele sujeito paradoxal, a quemcompete o ministrio do mistrio. Enquanto, nele, o opusoperantis pode coincidir com o opus operatum somente namedida em que se distinguem e podem se distinguir somente na

  • medida em que se distinguem e podem se distinguir somente namedida em que desaparecem nele, pode-se dizer que (naterminologia dos atos lingusticos) sua felicidade suainfelicidade e sua infelicidade sua felicidade. significativo que a encclica Mediator Dei de 1947 manifeste particular ateno aoproblema da distino entre opus operatum e opus operantis Ecclesiae e procure detodo modo minimizar o problema da sobra (discrepantia) que permanece entre eles.Recita o texto sob o ttulo Falsas oposies para rejeitar inventadas no nosso tempo:Na vida espiritual no pode haver nenhuma discrepncia ou contraposio[discrepantia vel repugnantia] entre a ao divina que, para perpetuar nossa redeno,infunde a graa nas almas e a obra laboriosa e colaboradora do homem [sociamlaboriosamque hominis operam], que no deve tornar vo o dom de Deus. Portantoentre a eficcia do rito exterior dos sacramentos, que se produz ex opere operato, e aao meritria daqueles que os concedem ou recebem, que denominamos opusoperantis; igualmente, entre as oraes pblicas e as privadas, entre a vida asctica e apiedade litrgica; e, enfim, entre a jurisdio e o magistrio legtimo da hierarquiaeclesistica e o poder que se diz propriamente sacerdotal, que se exerce no sacroministrio.[56]Contudo, enquanto o texto confirma vrias vezes que, ao menos no que concerne aossacramentos, a eficcia do culto se produz sobretudo e em primeiro lugar ex opereoperato[57], no claro como se deva entender a necessidade da opus operantisEcclesiae que a encclica se predispe a afirmar.

    possvel reconhecer aqui o modelo teolgico daquelaciso e, ainda, cooperao, entre a atividade e a iniciativanecessria do militante poltico, de um lado, e as leis dialticasda histria que lhes garantem a eficcia, de outro, que assinaloupermanentemente a praxe da tradio marxista.

    LimiarEm perfeita coerncia com o significado etimolgico do

  • Em perfeita coerncia com o significado etimolgico dotermo leitourgia, a Igreja sempre sublinhou o carter pblicoda prpria liturgia. A piedade e as oraes privadas dos fiis socertamente importantes, mas estas, avisa a encclica MediatorDei, tm valor prprio na medida em que preparam para aparticipao no culto pblico, que tem seu centro na celebraoeucarstica[58] e, se se separam deste, so reprovveis eestreis[59]. A definio da liturgia contida na encclica exprimeesse carter pblico atravs da imagem, familiar aoshistoriadores da poltica, do corpo mstico de Cristo,constitudo da unio inseparvel da sociedade dos fiis e de suaCabea: A sagrada liturgia o culto integral e pblico doCorpo mstico de Jesus Cristo, da Cabea, portanto, e de seusmembros[60].

    esse significado poltico da Igreja enquanto assembleialitrgica que Erik Peterson coloca no centro de seu livro de 1935sobre os anjos. A igreja, ele escreve, a assembleia doscidados de pleno direito [Vollbrger] da cidade celeste, que serenem para realizar atos de culto[61]. O culto da Igrejaceleste, lemos poucas pginas depois, e, por isso, naturalmentetambm a liturgia da Igreja terrena que conjunta com a celeste,tem uma relao original com a esfera poltica[62].

    A distino e, ao mesmo tempo, a conjuno entre Igrejaceleste e Igreja terrena correspondem aqui dupla articulaoentre opus operatum e opus operans, trindade imanente etrindade econmica que vimos definir a liturgia. A liturgiarealiza a comunidade poltica entre Igreja celeste e Igreja terrenae, ainda, a unidade de trindade imanente e trindade econmica

  • e, ainda, a unidade de trindade imanente e trindade econmicaem uma praxe sacramental. Mas, exatamente por isso, constitutivamente marcada por uma duplicidade. Na medida emque exprime a operao interna da prpria vida divina, aatividade econmica do Cristo leitourgo e sacerdote e de seucorpo mstico no pode seno ser eficaz ex opere operato. Etodavia, na medida em que ela define a praxe da igreja comocomunidade poltica, no pode haver liturgia sem o opusoperans de seus membros. A obra da redeno, estabelece aencclica, que em si algo no dependente da nossa vontade,precisa do esforo [nisus] interior de nosso nimo a fim de quepossamos conseguir a salvao eterna[63].

    Definindo desse modo a particular operatividade de suaprtica pblica, a Igreja inventou o paradigma de uma atividadehumana cuja eficcia no depende do sujeito que a pe em obrae que necessita dele, contudo, como de um instrumentoanimado para realizar-se e tornar-se efetiva. O mistriolitrgico, enquanto alcana nele sua realizao o mistrio daeconomia trinitria, o mistrio dessa praxe e dessaoperatividade.

    [1] Demstenes, IV Phil., 28.[2] Iscrates, 7, 25.[3] Aristteles, Pol. (1309a 18-21) [ed. bras.: A poltica, 2. ed. rev., Bauru, Edipro,2009].[4] Ibidem, 1330a 13.

  • [4] Ibidem, 1330a 13.[5] Ibidem, 1335b 29.[6] Anth. Pal., 5, 49, 1.[7] Hermann Strathmann, s. v. leitourge, leitourgia, em Gerhard Kittel e GerhardFriedrich (orgs.), Theologisches Wrterbuch zum neuen Testament (Stuttgart,Kohlhammer, 1933--1979), p. 595.[8] Aristteles, De anim. incessu, 711b 30.[9] P. Oxy., III, 475, 18.[10] Carsten Drecoll, Die Liturgien im rmischen Kaiserreich des 3. und 4. Jh. n.Chr. Untersuchung ber Zugang, Inhalt und wirtschaftliche Bedeutung derffentlichen Zwangsdienste in gypten und anderen Provinzen (Stuttgart, Steiner,1997), p. 56.[11] Aristeu, 92, p. 87.[12] Rer. div. her., 84.[13] Hermann Strathmann, s. v. leitourge, leitourgia, cit., p. 631.[14] Tertuliano, De baptismo, em Jacques-Paul Migne (org.), Patrologiae cursuscompletus. Series latina (Parisiis, excudebat Migne, 1844-1864), II, 17, 1; AdversusJudaeos, em Jacques-Paul Migne (org.), Patrologiae cursus completus, cit., II, 6, 1,14.[15] Cipriano, Epistolae, em Jacques-Paul Migne (org.), Patrologiae cursuscompletus, cit., IV, 59, 14; 66, 8.[16] Orgenes, Hom. in Num., 10, 1.[17] Rudolf Sohm, Kirchenrecht: Die geschichtlichen Grundlagen (Munique,Duncker & Humblot, 1923), v. 1, p. 22-33.[18] Ibidem, p. 27.[19] Ibidem, p. 459.[20] Ibidem, p. 159.[21] Ibidem, p. 165.[22] Marcel Metzger, Les Constitutions apostoliques (Paris, Cerf, 1986), v. 1, p. 237.

  • [22] Marcel Metzger, Les Constitutions apostoliques (Paris, Cerf, 1986), v. 1, p. 237.[23] Ibidem, v. 1, p. 241.[24] Ibidem, v. 1, p. 247.[25] Ireneu de Lio, Contre les hrsies (orgs. Adeline Rousseau et al., Paris, Cerf,1965-2002), v. 4, 26, 2-3 [ed. bras.: Contra as heresias, So Paulo, Paulus, 1997,Patrstica 4].[26] Ibidem, v. 4, 26, 5.[27] Guy Gedaliahu Stroumsa, La fin du sacrifice. Les mutations religieuses delAntiquit tardive (Paris, Odile Jacob, 2005), p. 76.[28] Idem.[29] Orgenes, Hom. in Num., cit., 9, 5, 2; 10, 21.[30] Marcel Metzger, Les Constitutions apostoliques, cit., v. 1, p. 147-9.[31] Ibidem, p. 271.[32] Epifnio, Panarion haer. 34-64 (orgs. Karl Holl e Jrgen Dummer, Berlim,Akademie--Verlag, 1980), 55, 4, 5-7, p. 329.[33] Ambrsio, De sacr., 4, 8-12; 5, 1 [ed. bras.: Explicaes dos smbolos. Sobre ossacramentos. Sobre os mistrios. Sobre a penitncia, 2. ed., So Paulo, Paulus, 2005,Patrstica 5].[34] Agostinho, De diversis quaestionibus liber unus, em Jacques-Paul Migne (org.),Patrologiae cursus completus, cit., XL, 56, 2.[35] Guilherme Durando, Rationale divinorum officiorum (orgs. Anselme Davril eTimothy Thibodeau, Turnholti, Brepols, 1995-2000), v. 1, p. 240.[36] Carlo Braga e Annibale Bugnini (orgs.), Documenta ad instaurationemliturgicam spectantia. 1903-1963, CLV (Roma, Edizioni Liturgiche, 2000), p. 571.[37] Giorgio Agamben, Il regno e la gloria. Per una genealogia teologicadelleconomia e del governo. Homo sacer, II, 2 (Turim, Bollati Boringhieri, 2009), p.31-66 [ed. bras.: O reino e a glria: uma genealogia teolgica da economia e dogoverno. Homo sacer, II, 2, So Paulo, Boitempo, 2011, p. 31-64].[38] Nicolas Cabasilas, Explication de la divine liturgie (orgs. Svrien Salaville et al.,

  • [38] Nicolas Cabasilas, Explication de la divine liturgie (orgs. Svrien Salaville et al.,Paris, Cerf, 1967), p. 130.[39] Ver Carlo Braga e Annibale Bugnini (orgs.), Documenta ad instaurationemliturgicam spectantia, cit., p. 574-5.[40] Ibidem, p. 578.[41] Adalbert de Vog (org.), La rgle du matre (Paris, Cerf, 1964), v. 1, p. 380.[42] Vitorino, Contra Arium, em Traits thologiques sur la Trinit (orgs. PaulHenry e Pierre Hadot, Paris, Cerf, 1960), p. 122.[43] Conclio de Trento, seo VII, can. 8, Denz. 851.[44] Agostinho, In Evangelium Johannis Tractatus, em Jacques-Paul Migne (org.),Patrologiae cursus completus, cit., XXXV, 5, 18.[45] Toms de Aquino, p. 92.[46] Idem, S. Th., III, qu. 60-5.[47] Ibidem, qu. 62, art. 1.[48] Ibidem, qu. 64, art. 5.[49] Ibidem, qu. 64, art. 8.[50] Ibidem, qu. 64, art. 10, sol. 3.[51] Herbert Grundmann, Religise Bewegungen im Mittelalter. Untersuchungen berdie geschichtlichen Zusammenhnge zwischen der Ketzerei, den Bettelorden und derreligisen Frauenbewegung im 12. und 13. Jahrhundert und ber die geschichtlichenGrundlagen der deutschen Mystik (Berlim, Ebering, 1935), p. 490.[52] Inocncio III, PL, CCXVII, c. 844.[53] Pedro de Poitiers, Setentiae Petri Pictaviensis (orgs. Philip S. Moore e MartheDulong, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1943-1950), p. 156.[54] Inocncio III, PL, CCXI, p. 1235.[55] Toms de Aquino, S. Th., III, qu. 62, art. 1.[56] Carlo Braga e Annibale Bugnini (orgs.), Documenta ad instaurationemliturgicam spectantia, cit., p. 578.

  • [57] Ibidem, p. 574.[58] Carlo Braga e Annibale Bugnini (orgs.), Documenta ad instaurationemliturgicam spectantia, cit., p. 578.[59] Ibidem, p. 576.[60] Ibidem, p. 571.[61] Erik Peterson, Das Buch von den Engeln. Stellung und Bedeutung der heiligenEngel im Kultus (Wrzburg, Echter, 1994), p. 198.[62] Ibidem, p. 202.[63] Carlo Braga e Annibale Bugnini (orgs.), Documenta ad instaurationemliturgicam spectantia, cit., p. 576.

  • 2.DO MISTRIO AO EFEITO

    1. O termo mistrio est no centro de uma reflexo sobrea liturgia que marcou profundamente a conscincia que a Igrejatem hoje de sua atividade. Trata-se da obra de Odo Casel (1886-1948), um monge beneditino da abadia renana de Maria Laachque foi um dos principais inspiradores daquele que seria definidomais tarde como Movimento Litrgico (liturgischeBewegung). J Ildefons Herwegen, nomeado abade de MariaLaach em 1914, havia imediatamente dado vida a uma releituradas fontes da tradio litrgica, que a partir de 1918 se expressana publicao de duas sries com o significativo ttuloLiturgiegeschichtliche Quellen und Forschungen [Fontes epesquisas da histria da liturgia] e Ecclesia orans [Igreja queora]. Em 1921, Casel acrescenta a essas duas publicaes oJahrbuch fr Liturgiewissenschaft [Anurio de CinciaLitrgica], que se prope um estudo sistemtico e ao mesmotempo histrico do culto da Igreja. Nos vinte anos que durou suapublicao, o Jahrbuch tornou-se, atravs de uma quantidadeimponente de estudos filolgico-lexicais e teolgicos, o rgo do

  • imponente de estudos filolgico-lexicais e teolgicos, o rgo doque foi com razo definido, no ttulo de uma monografiadedicada a Maria Laach, como uma renovao da Igreja a partirdo esprito da liturgia[64]. Na perspectiva de Casel e seusseguidores, a liturgia deixa de ser o cumprimento de um rito quepossua alhures na f e na teologia dogmtica seu sentido etorna-se o locus theologicus por excelncia, o nico a partir doqual a Igreja pode encontrar sua vida e sua realidade. SegundoCasel:

    O cristianismo no s uma religio ou uma confisso no sentido modernodesses termos, e, assim, um sistema de verdades estabelecidas mais ou menosdogmaticamente, que se aceitam e se professam, nem um conjunto deimperativos morais que se observam ou, pelo menos, se reconhecem.Certamente o cristianismo estas coisas: tanto um conjunto de verdades comouma lei moral. Mas isso no exaure sua essncia.[65]

    O cristianismo tal a tese que resume o pensamento deCasel essencialmente mistrio, ou seja, uma ao litrgicaque a cada vez torna presente em forma ritual a prtica salvficade Cristo e, entrando em contato com ela, a comunidade cultualpode obter a salvao. Ademais, contra a dessacralizao e aracionalizao do mundo que define a idade moderna que Caselempreende sua reivindicao do mistrio. Afirmando com fora a centralidade da ao mistrica na realidade da Igreja, Casel(e, com ele, o Movimento Litrgico) parece referir-se implicitamente ao antigo axiomaque, na traduo da Igreja, sancionava o primado da liturgia sobre a f: legem credendistatuat lex supplicandi [a lei da splica estabelece a lei da f] (ou, em forma abreviada,lex orandi lex credendi [lei da orao lei da f]). Como foi escrito, para Casel asautnticas tradies litrgicas no so somente uma entre outras fontes para oconhecimento da f, mas a fonte e o testemunho central da vitalidade da f e de todaliturgia[66]. E no certamente por acaso se, no imponente trabalho filolgico de sua

  • liturgia[66]. E no certamente por acaso se, no imponente trabalho filolgico de suaescola, a anlise dos textos litrgicos e dos sacramentrios tenha privilgio sobre a daEscritura e dos textos teolgicos em sentido estrito. A liturgia prevalece sobre adoutrina exatamente como, nos movimentos polticos contemporneos, a nfase dadaantes prtica que teoria. Dado o sucesso da tese do Movimento Litrgico nointerior da Igreja, no surpreende que em sua encclica Pio XII dedique uma passagemimportante refutao de sua radicalizao. Mesmo sublinhando com fora aimportncia vital das prticas litrgicas, o princpio segundo o qual a norma da liturgiadecide a da f vem pontualmente invertido: A liturgia sacra no estabelece nemconstitui de modo absoluto e por sua prpria fora a f catlica [...] se quisssemosexprimir e determinar de modo absoluto e geral a relao que intercorre entre a f e asagrada liturgia, deveramos dizer em bom direito: a lei da f estabelece a lei da orao[lex credendi legem statuat supplicandi][67]. E, todavia, o que o pontfice tem emmente , como sugere a rubrica do captulo em questo, uma estreitssima conexoentre liturgia e dogma (arcta connexio liturgiae et dogmatis)[68], na qual a liturgiapode fornecer argumentos e testemunhos de grande importncia para decidir ospontos fundamentais da doutrina crist[69].

    2. Os primeiros vinte anos do sculo XX foram definidoscom razo como a era dos movimentos. No somente ospartidos cedem o lugar aos movimentos (assim como omovimento operrio, o fascismo e o nazismo tambm se definemcomo movimentos), tanto direita quanto esquerda doordenamento poltico, mas tambm nas artes, nas cincias e emtodo o mbito da vida social os movimentos substituem a talponto as escolas e as instituies que praticamente impossvelfornecer uma lista exaustiva ( significativo que, em 1914,quando Freud buscou um nome para sua escola, tenha decididoao fim por movimento psicanaltico).

    Caracterstica comum aos movimentos uma decididatomada de distncia com relao ao contexto histrico no qual seproduzem e viso de mundo da poca e da cultura qual se

  • produzem e viso de mundo da poca e da cultura qual secontrapem. Nesse sentido, tambm o movimento litrgicoparticipa dessa reao contra o individualismo humanista e aracionalizao do mundo que definem muitos movimentos quese seguiram Primeira Guerra Mundial. A leitura do primeirocaptulo do livro-manifesto de Casel, Das christlicheKultmysterium [O mistrio do culto cristo] (1932), intituladoO retorno ao mistrio, , desse ponto de vista, particularmenteinstrutiva. Nosso tempo, escreve Casel, est assistindo ao ocasodo individualismo e do humanismo, que, despojando a naturezae o mundo do divino, acreditaram ter dissipado para sempre aobscuridade do mistrio. Desse modo, atravs da runa dohumanismo racionalista, nosso tempo reabriu a via do retornoao mistrio[70]. O mundo de novo um campo de ao deforas divinas e o mistrio divino est de novo diante denossos olhos[71]. Com uma aluso apenas velada ao que estavaacontecendo naqueles anos na esfera profana e, em particular, redescoberta dos cerimoniais e das liturgias no mbito poltico,Casel pode assim escrever: At mesmo o mundo que est forado cristianismo e fora da Igreja est hoje procura do mistrio ese constri um novo rito no qual o homem tributa a si mesmo umculto. Mas desse modo o mundo no pode alcanar a realidadedivina[72].

    3. A estratgia de Casel j est claramente articulada nadissertao discutida em 1918 na Universidade de Bonn comAugust Brinkmann: De philosophorum Graecorum silentiomystico [Sobre o silncio mstico dos filsofos gregos]. Sob aaparncia de uma pesquisa puramente histrico-filolgica,

  • aparncia de uma pesquisa puramente histrico-filolgica,encontramos aqui j enunciadas as duas teses que guiaro seustrabalhos posteriores.

    A primeira, que constitui o tema da dissertao, que osmistrios pagos (eleusinos, rficos e hermticos) no deveriamser vistos como uma doutrina secreta, a qual se pode enunciarem palavras, mas no se pode revelar. Tal significado do termomistrio , segundo Casel, tardio e deriva do influxo dasescolas neopitagricas e neoplatnicas. Na origem, mistriodesigna uma praxe, os drmena, os gestos e os atos pelos quaisuma ao divina se realiza no tempo e no mundo para a salvaodos homens: silentium mysticum non qualecumque theologiam,sed actiones ritusque sacros texisse [O silncio mstico nourdiu uma teologia qualquer, mas aes e rito sacros][73].

    A segunda tese, que conclui a dissertao em forma depergunta, , na realidade, uma declarao programtica:

    A filosofia grega cessou, mas no est morta. Portanto, possvel perguntar seos cristos retomaram e recolocaram em uso a doutrina mistrica grega e queinfluxo ela exerceu no somente sobre sua filosofia e sua teologia, mas tambmno culto sacro e em seus preceitos morais (em particular entre os monges).Desse argumento proponho-me a tratar em outro lugar [qua de re alio loco eritagendum].[74]

    Pode-se dizer que toda a obra posterior de Casel seja apaciente, metdica e obstinada realizao desse programa, que,por uma srie imponente de estudos lexicais e histrico-filolgicos, procuram demonstrar a conexo da liturgiasacramental crist com os mistrios pagos e a naturezaessencialmente mistrica do culto cristo.

  • A tentativa de pr de qualquer modo em relao os mistrios pagos e a liturgiacrist j est presente implicitamente, na verdade, no gesto com que ClementeAlexandrino ope os mistrios do logos (tou logou ta mystria) aos mistriospagos[75]. De todo modo, entre o fim do sculo XIX e o primeiro decnio do sculoXX, os historiadores da religio, de Usener a Dieterich, de Reitzenstein a WilhelmBousset, haviam observado e documentado para alm de qualquer dvida o nexoevidente entre a experincia salvfica que est em questo nos mistrios pagos e amensagem crist. Que a reivindicao desse nexo proviesse agora de um mosteirobeneditino e se difundisse no interior da Igreja explica tanto o novo significado que elaassume na teologia do sculo XX quanto as polmicas que acompanham sua difuso.Ainda em 1944, trs anos antes que a cria tomasse posio sobre a tese doMovimento Litrgico com a encclica Mediator Dei, um telogo jesuta, Hugo Rahner,em uma conferncia sobre Os mistrios pagos e os mistrios cristos podia escreverque o argumento objeto ainda hoje de furiosa discusso[76].A doutrina de Casel pode ser vista como a tentativa de construir uma genealogia nojudaica da liturgia crist (que, de fato, como mostram as pesquisas de Werner,sabemos, ao contrrio, por muitos aspectos derivar diretamente da liturgia dasinagoga). O judasmo, ele no se cansa de repetir, no conhecia mistrios [...] areligio hebraica da lei no era mstica; onde aparecem ideias msticas, como nosprofetas, estas no se referem ao culto. Um autntico conceito de mistrio encontra-sesomente no helenismo[77]. Nesse sentido possvel que a tomada de distncia dagenealogia judaica contivesse, dado seu contexto histrico, inconscientes implicaesantissemitas (que o autor, para dizer a verdade, no parece ter nunca explicitado).

    4. A tese da derivao da liturgia crist dos mistriospagos e tardo-antigos deu lugar a interminveis discusses entreos telogos e os historiadores da liturgia. As pesquisas lexicaisde Casel e de seus alunos sobre a histria semntica (que eleschamam de filologia teolgica) dos termos mysterium,sacramentum, leitourgia demonstram que havia certamente nosPadres, j entre os sculos IV e V, uma clara conscincia dosignificado que esses termos possuam no contexto pago.

  • significado que esses termos possuam no contexto pago.Quanto derivao do termo latino sacramentum do juramentoclssico, que, na figura do voto, implicava uma consagrao enesse sentido estava presente nas iniciaes mistricas, aspolmicas, j acesas durante a vida de Casel, continuaram depoisde sua morte.

    O debate sobre a filologia teolgica se arrisca, contudo, aocultar um problema mais essencial, que no concerne tanto aoproblema da continuidade entre mistrios pagos e mistrioscristos, mas quele da natureza mesma do mistrio litrgico. Sequisermos compreender o que Casel entende por mistrio,devemos indagar a funo que este desempenha em suaestratgia argumentativa. Assim, o que h, para Casel, nadefinio do cristianismo como mistrio? Por que a conexogenealgica com os mistrios pagos , para ele, todeterminante?

    Mistrio significa, para Casel, essencialmente aocultual. Definir o cristianismo como mistrio equivale, antes detudo, a afirmar que a Igreja no simplesmente umacomunidade de crentes, definida pelo compartilhar de umadoutrina cristalizada em um conjunto de dogmas. A Igreja sedefine antes pela participao mistrica na ao cultual. Assimcomo a economia da salvao no compreende somente asdoutrinas, mas sobretudo as aes salvficas de Cristo, assimtambm a Igreja conduz a humanidade salvao no somenteatravs da palavra, mas atravs das aes sacras[78].

    A redeno de Cristo deve por isso realizar-se em ns. O que pode advir noatravs de uma simples aplicao, diante da qual permaneceremos em atitudepassiva, nem atravs de uma justificao que viria s da f, nem atravs de

  • passiva, nem atravs de uma justificao que viria s da f, nem atravs deuma outorga da graa de Cristo que para receber devemos somente eliminar osobstculos entrepostos. necessria uma vital e ativa participao na obraredentora de Cristo, participao que passiva, na medida em que o Senhorque opera em ns, e ativa, na medida em que estamos ativamente presentes comnossa ao. obra de Deus em ns (opus operatum) deve corresponder nossocooperar, realizado com a ajuda da graa de Deus.[79]

    Isso significa, se olharmos atentamente, que a Igreja algocomo uma comunidade poltica (Casel se serve da expressocomunidade cultual), que se realiza plenamente s nocumprimento de uma ao especial, que a liturgia. Evocando osignificado poltico original do termo leitourgia, Casel afirmaque os dois termos mistrio e liturgia significam a mesmacoisa, mas de dois pontos de vista diversos:

    mistrio significa a essncia ntima da ao sacra, isto , a obra redentoraproveniente do Senhor glorioso atravs dos ritos sacros por ele institudos;liturgia, de acordo com seu significado etimolgico de obra do povo eservio, indica mais particularmente a ao da Igreja em unio com a obrasalvfica de Cristo.[80]

    Em outro texto, ele precisa que Mistrio significa a aodivina [gttliche Tat] na Igreja, ou seja, os fatos objetivos[objektive Tatsachen], que advm em e para uma comunidade[Gemeinschaft] e encontram assim uma expressosupraindividual no servio comunitrio[Gemeinschaftsdienste][81]. Essa ao divina est efetualmentepresente na ao litrgica, que se define ento como a execuo[Vollzug] ritual da obra redentora de Cristo na Igreja e atravsdela, isto , a presena da ao divina de salvao [dieGegenwart gttlicher Heilstat] sob o vu do smbolo[82].

  • Gegenwart gttlicher Heilstat] sob o vu do smbolo[82]. A centralidade do carter pragmtico do mistrio litrgico afirmada com fora emum dos primeiros textos publicados por Casel no Jahrbuch fr Liturgiewissenschaft,Actio in liturgischer Verwendung [Actio no uso litrgico], que particularmente importante porque permite pr o problema da relao entre liturgia edireito. Por meio da anlise de uma frmula contida nos mais antigos sacramentrios eainda no missal romano, Casel mostra que o nome da celebrao eucarstica eraoriginalmente actio, ao. Casel menciona nesse ponto a opinio de Baumstark,segundo a qual o uso litrgico do termo derivaria do direito romano, em que actiodesignava aquela forma eminente do agir que a legis actio, isto , o juzo[83]. Actiosignificava aqui a particular eficcia performativa da pronncia de uma frmula ritual(e do gesto que a acompanhava), que, na forma mais antiga do processo, a legis actiosacramenti, compreendia tambm a prestao de um juramento. Embora Honrio deAutun j houvesse notado a analogia entre o processo e a missa, escrevendo que ocnone chamado ainda actio, porque nele tem lugar a causa entre o povo e Deus[quia causa populi in eo cum deo agitur][84], Casel abandona a tese de Baumstarkpara sugerir que o uso litrgico do termo actio seria antes para se colocar em relaocom a terminologia sacrificial romana, em que agere e facere designavam a praxesacrificial.

    A designao do cnone como actio prova que, na poca de sua origem, estavaviva ainda a antiga e puramente litrgica concepo da eucharistia como ofertasacrificial. Ela fornece tambm um indcio importante para a avaliao da antigaliturgia crist, cujo contedo no era um silencioso aprofundar, e cujo objetono era uma abstrata doutrina teolgica, mas um agir, um ato [Handlung,Tat].[85]

    Preocupado como sempre em sublinhar o carter prtico da liturgia, Casel no percebeque a analogia com a legis actio teria permitido compreender a natureza particular daao litrgica. A eficcia ex opere operato que a define corresponde pontualmente eficcia performativa da pronncia da frmula na actio, que realizava imediatamente asconsequncias jurdicas contidas na declarao (uti lingua nuncupassit, ita ius esto).Tanto no direito quanto na liturgia, est em questo o particular regime performativoda eficcia de uma actio, que se trata precisamente de definir. Uma negao anloga da evidente proximidade entre efetualidade litrgica e direitoest no ensaio de Walter Drig sobre o conceito de penhor na liturgia romana. O termo

  • est no ensaio de Walter Drig sobre o conceito de penhor na liturgia romana. O termopignus, que no direito romano designa o objeto que o devedor consigna em plenaposse ao credor como garantia do pagamento, transposto nos textos litrgicos emreferncia cruz, s relquias dos santos e, em particular, eucaristia, definida comopenhor da redeno. Assim como o penhor constitui nas mos do credor umaconcreta antecipao da prestao futura, tambm a cruz e a eucaristia antecipam apresena da realidade escatolgica. O problema no tanto se na base dos textoseucarsticos sobre pignus haja ao menos uma relao jurdica (o que Drig pretendeexatamente negar)[86], mas aquele da evidente analogia estrutural entre mbito jurdicoe mbito litrgico.

    5. Se a verdadeira realidade da Igreja o mistrio litrgicoe se este se define pela presena eficaz da ao redentora divina,compreender a natureza da liturgia significar compreender anatureza e os modos dessa presena. A esse problema decisivo,que aparece em filigrana em todos os seus escritos, Caseldedicou um ensaio especfico, que se intitula precisamenteMysteriengegenwart, presena mistrica.

    O termo presena mistrica , segundo Casel, umatautologia, porque a presena pertence essncia domistrio[87]. Ele define o ncleo mais prprio da liturgiacrist, que no outro seno a presentificao (repraesentationo sentido literal de tornar novamente presente) da Heilstat, daao salvfica de Cristo e, portanto, antes de tudo, do prprioCristo. Casel cita a esse propsito o trecho do De mysteriis, deAmbrsio, no qual essa presena afirmada como tal: Devescrer que l (no sacramento) a divindade est presente. Se crs naoperao, como pois no crer na presena? De onde viria aoperao, se no a precedesse a presena [Unde sequereturoperatio, nisi praecederet praesentia]?[88].

  • operatio, nisi praecederet praesentia]?[88].A presena em questo no mistrio no , entretanto, a

    presena histrica de Jesus no Glgota, mas uma presena detipo particular, que concerne unicamente ao redentora deCristo (e, por conseguinte, Cristo enquanto redentor). Cristoapareceu, de fato, Igreja em uma dplice figura: como ohomem histrico Jesus, cuja divindade era ainda velada [...] ecomo o kyrios Christos, que atravs de sua paixo foieternamente transfigurado junto do Pai[89]. Presentes, nomistrio litrgico, esto somente as aes que Cristo realizoucomo redentor, no as meras circunstncias histricas, que para aoikonomia so privadas de valor[90]. Isso significa que, nosacrifcio eucarstico, Cristo no morre novamente em sentidohistrico-real; antes sua ao salvfica se tornasacramentalmente, in mysterio, in sacramento, presente e, dessemodo, acessvel queles que buscam a salvao[91].

    Resta que, para Casel, essa presena , todavia, efetiva(wirklich) e no simplesmente eficaz (wirksam)[92]. Comentandoo dito agostiniano: Semel immolatus est in semetipso Christus,et tamen quotidie immolatur in sacramento [Cristo foiimolado uma nica vez e, no obstante, imolado diariamenteno sacramento], ele escreve que, se a immolatio que ocorre noaltar no real, mas sacramental, todavia e justamente por issoela no mera representao [Darstellung] nesse caso noseria um sacramento , mas uma efetualidade sob o sinal[Wirklichkeit unter dem Zeichen]. Em uma palavra,sacramentum, mysterium[93].

    Por isso, segundo Casel, o protestantismo, que nega que o

  • Por isso, segundo Casel, o protestantismo, que nega que osacrifcio de Cristo seja efetualmente presente na eucaristia,destri a fora mais prpria da liturgia catlica, que a de ser omistrio objetivo e pleno de efetualidade [wirklichkeitserflltes]da ao salvfica de Cristo[94].

    6. Para explicar a singular modalidade da presena que eledefine como Mysteriengegenwart, Casel se refere no ensaio tradio da patrstica oriental, de Cirilo de Jerusalm a JooCrisstomo, que interpretam essa presena em sentidopneumtico. Presente nos mistrios est o Pneuma de Cristo ou,mais precisamente, o Senhor pneumtico, que atravs deles ageconstantemente na Ig