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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO GABRIEL VICTOR RODRIGUES PINTO OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO EM SUA MODALIDADE FISCALIZATÓRIA Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto NATAL/RN 2017

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Page 1: OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO … · 2019-01-31 · RESUMO O presente trabalho traça um paralelo entre a operação Carne Fraca e a modalidade fiscalizatória

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIEL VICTOR RODRIGUES PINTO

OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO

DOMÍNIO ECONÔMICO EM SUA MODALIDADE FISCALIZATÓRIA

Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto

NATAL/RN

2017

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Gabriel Victor Rodrigues Pinto

OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO

DOMÍNIO ECONÔMICO EM SUA MODALIDADE FISCALIZATÓRIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito

como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Direito, do Centro de

Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos

Silveira Neto

NATAL/RN

2017

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Pinto, Gabriel Victor Rodrigues.

Operação carne fraca: uma análise da intervenção estatal no domínio

econômico em sua modalidade fiscalizatória / Gabriel Victor Rodrigues Pinto.

- Natal, RN, 2017.

76f.

Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito.

1. Operação Policial – Monografia. 2. Intervenção Indireta - Domínio

Econômico - Monografia. 3. Fiscalização Estatal - Monografia. I. Silveira

Neto, Otacílio dos Santos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, àqueles que, com esplêndida ternura, me ensinaram o significado do

amor. Pai e mãe, o carinho que sinto por vocês é puro e divino.

Ao meu irmão Daniel, por ser o meu melhor amigo e companheiro.

À minha prima Victoria, por estar sempre ao meu lado.

Ao meu avô Diassis e à minha avó Ié, que me educaram sobre a bondade e o bem-

querer, e que levarei para sempre no meu coração, seja lá onde estiverem.

À minha tia Shirley, por estar me guiando lá do céu.

Aos meus tios Eurides e Eudes, que inadvertidamente escolhi como segunda mãe e

segundo pai.

À minha avó Veva, que nunca me negou amor.

À minha Tia Marlúcia, por sempre ter me recebido de braços abertos.

A Deus, por ser a minha fonte inesgotável de força.

À UFRN, por ter me acolhido como aluno e por ter transformado a minha

compreensão do mundo.

Ao Professor Otacílio, por ter, prontamente, aceitado a minha orientação.

A Cybelle e Lucas, por, muitas vezes, terem sido a minha fortaleza.

A Matheus, por ser o meu antro de força e paz.

A Jarson, por ter me ensinado o significado da amizade.

A Laísa, Juliana, Lissa, Lucas e Renê, por terem aceitado ser meus amigos para uma

vida toda.

A Giovana Meireles Fixina Barreto, por ter crescido ao meu lado sob o ensinamento

de companheirismo e simplicidade.

A Jullyet, Priscila e Mônica, que levarei para todo o sempre em meu coração.

A Thaís, Guedes e Laura, que sempre me fizeram sorrir.

A Mariana, Lucas, Duda e Dezza, por terem me ajudado a enfrentar os meus desafios

com maior leveza e ternura.

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RESUMO

O presente trabalho traça um paralelo entre a operação Carne Fraca e a modalidade

fiscalizatória da intervenção estatal no domínio econômico. A dita operação foi deflagrada

pela Polícia Federal em março de 2017 e teve como alvo um conjunto de frigoríficos do

centro-sul do país, acusados, dentre outros crimes, de fraudar e adulterar produtos cárneos. O

decorrer desta monografia esclarece a relação entre esses dois temas, bem como analisa o

efetivo cumprimento da fiscalização brasileira no setor agropecuário e os seus possíveis

gargalos. Preferiu-se utilizar o estudo de caso como principal método, realizando-se, sempre

que possível, um comparativo e aprofundamento com a doutrina e jurisprudência nacional. Ao

fim, ficaram esclarecidas as razões para que a intervenção estatal no domínio econômico seja

indispensável e, também, as dificuldades enfrentadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF),

cujo dever é fiscalizar todo o sistema brasileiro de produtos de origem animal. Esse trabalho

representa uma breve introdução para aqueles que queiram estudar e propor o

aperfeiçoamento do SIF e discutir a competitividade da carne brasileira no mercado externo.

Palavras-chave: Operação Policial. Intervenção Indireta no Domínio Econômico.

Fiscalização Estatal.

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ABSTRACT

This paper draws a parallel between the brazilian’s Weak Flesh Federal Investigation

and the State intervention in the economic domain. The inestigation was announced by the

Brazil’s Federal Police in March-2017 and targeted some brazilian flesh companies, accused

of fraud and adulteration of meat products. The course of this monograph clarifies the relation

between these two themes, as well as analyzes the effective compliance of the Brazilian

inspection in the agricultural sector and what the possible bottlenecks faced by it. It was

preferred to use the case study as the main method, along side a comparative with the law’s

doctrine and jurisprudence. At the end, the paper proves the necessity of the state intervention

and clarifies questions such as difficulties faced by the brazilian Federal Inspection Service

(SIF), whose duty it is to supervise the entire system of animal products. This work represents

a brief introduction for those who wish to study and propose the improvement of SIF and to

discuss a competition of the brazilian meat in the external market.

Keywords: Federal Investigation. State intervention in the economic domain. Government

oversight.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9

2 A OPERAÇÃO CARNE FRACA ...................................................................................... 13

2.1 Os Efeitos Internacionais da Carne Fraca ................................................................. 22

2.2 A Pecuária Brasileira e a Operação Carne Fraca em Números............................... 23

3 HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO ......... 27

3.1 As Distorções do Liberalismo de Adam Smith e o Seu Colapso ............................... 32

3.2 O Neoliberalismo de Friedman e a Atual Globalização ............................................ 35

4 A ATUAL ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AGENTES

E MEIOS DE INTERVENÇÃO ............................................................................................ 37

4.1 O Art. 173, caput, da CRFB/88 e o Princípio da Subsidiariedade ........................... 40

4.2 A Intervenção Direta do Estado no Domínio Econômico: o Estado Empresário ... 43

4.3 A Intervenção Indireta do Estado no Domínio Econômico ...................................... 45

4.3.1 O Estado indutor da economia ............................................................................. 47

4.3.2 O Estado e o planejamento econômico ................................................................ 49

4.3.3 O Estado Fiscalizador ........................................................................................... 51

5 A CARNE FRACA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO

ECONÔMICO ........................................................................................................................ 57

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 64

7 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 68

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1 INTRODUÇÃO

Em março de 2017, mais uma grande operação policial foi deflagrada pela Polícia

Federal. Dessa vez, porém, o foco não estava em Brasília. O seu alvo era um conjunto de

frigoríficos do centro-sul do país, acusados de fraudar e adulterar produtos cárneos.

Essa notícia tomou rapidamente grandes proporções, pois estava relacionada a um

dos mais importantes setores econômicos do país: a agropecuária. Esse ramo é responsável,

hoje, por uma parcela significativa das exportações brasileiras e, também, é tido como um

fator determinante no Produto Interno Bruto nacional. A matéria encontrava relevância não só

para o consumidor interno, mas também aos diversos mercados internacionais importadores

da carne brasileira.

Nesse caso, a discussão passa a tomar um rumo mais complexo – se antes os fatos

estavam muito mais limitados a um caso de polícia, agora já se discutia não só as reais

implicações financeiras dessa operação, mas também qual era a medida da responsabilidade

do Estado.

Daí surgiu, então, a ideia preliminar deste trabalho. Tornou-se imperioso entender a

relação existente entre a Operação Carne Fraca e a intervenção (ou não) do Estado no

Domínio Econômico. Precisávamos encontrar respostas que explicassem quais eram os

gargalos enfrentados por nosso sistema fiscalizatório, bem como os desafios a serem

enfrentados pelo nosso controle de qualidade – tão importante para a competitividade dos

nossos produtos no mercado externo. Esta problemática também coloca em discussão a

própria legitimidade que o Estado possui para intervir no domínio econômico, compreensão

que foi amadurecida lentamente ao longo da história econômica mundial. Se essa intervenção

for possível, é imperioso atentar até que ponto ela pode ocorrer e em que medida ela seria

benéfica para a estabilização da ordem econômica.

Essa discussão ganha tônica se considerarmos o delicado momento político vivido

em nosso país. Além da falta de representatividade política, o Poder Público enfrentou nos

anos recentes os piores índices econômicos e uma verdadeira eclosão social. É nessa ótica que

se torna importante discutir de que modo o Estado pode agir para beneficiar o seu povo. Em

suas mãos, a Administração Pública, aliada ao Poder Legislativo e Judiciário, possui

instrumentos capazes de influir diretamente nos setores econômicos – seja por incentivo ou

regulação. Esses instrumentos, quando bem manejados, podem sanar as distorções do

mercado e reequilibrar o clico de agentes econômicos.

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A troca de presidência em meados de 2016 pode servir de exemplo para melhor

destacar essa instrumentalização da política econômica. Mesmo com a baixa popularidade e

um quase inexistente poderio político, o Governo Temer tem apresentado um melhor sucesso

nos índices econômicos. Isso se deve a algumas das medidas feitas pelo Governo, que além de

acertadas, se mostraram necessárias, pois reorganizam um quadro econômico não tão

favorável deixado por sua antecessora. Um exemplo chave para esse caso é a maior

independência dada ao Banco Central, que ultimamente tem respondido com maior fluidez

aos anseios do mercado. Lentamente, o país absorve essas mudanças e começa a dar os

primeiros sinais de recuperação econômica, uma vez que temos em vista um resultado

positivo para o Produto Interno Nacional.

Insta dizer, contudo, que essa comparação não possui qualquer intuito de

manifestação ou defesa política. Longe disso. Em verdade, o seu objetivo é ilustrar a clara

influência da Administração no meio econômico e como isso tem virado pauta nos noticiários

nacionais.

Ora, essa mudança de política econômica promove uma alteração radical na vida da

sociedade brasileira, podendo ela servir tanto para a sua melhoria quanto para a sua derrocada.

É por esse motivo que esse trabalho buscou estudar essa temática, pois se entende que o

Estado é um importante agente de transformação social, cabendo a ele o dever de regulação e

normatização da economia – assunto de interesse de toda a sociedade.

Diante dessas considerações, vale dizer que a presente monografia passeia por alguns

tópicos principais, explicando os detalhes relativos à operação em comento e, também,

abrindo portas para um retrato doutrinário do Direito Econômico. Essa divisão de capítulos

permite ao leitor absorver o conteúdo de forma concatenada e lógica, pois se realiza uma

contextualização fática do caso em estudo, e, logo em seguida, parte-se para uma análise

jurídico-econômica das questões posta em debate.

Veja-se, portanto, que cada tópico trabalhado possui a sua particular importância e

pertinência. Inicialmente, escolheu-se pormenorizar as minúcias apresentadas pela operação

policial. Neste primeiro tópico, o trabalho cuida de analisar diversas peças processuais

pertinentes ao caso, como o inquérito policial, a representação apresentada ao juízo

competente e, também, a decisão judicial por ele emanada. Na oportunidade, também se

analisa o boom midiático provocado pela operação, fazendo-se um comparativo, inclusive,

sobre a abordagem feita por alguns dos principais meios de comunicação e telejornais.

Em seguida, o mesmo capítulo ainda retrata outras importantes questões para o

trabalho. Primeiro, se pontua a repercussão internacional da operação, na qual se discute as

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medidas de suspensão e embargos tomadas pelo mercado externo e o prejuízo financeiro

causado a este setor econômico. Após, optou-se por apresentar um apanhado de dados e

números que sugerem a importância da agropecuária para a economia brasileira.

Vencido esse capítulo fático, entendeu-se que não seria adequado partirmos

diretamente para uma análise jurídica do caso. Primeiramente, era necessário que o leitor

estivesse ciente da evolução histórica e conceitual da intervenção do Estado no Domínio

Econômico. Nessa senda, partimos da longínqua queda do império romano e caminhamos até

o conceito de Estado contemporâneo. Abordamos o surgimento do liberalismo e o seu

colapso, e, depois, partimos para a compreensão do estado de bem-estar social e o surgimento

da doutrina neoliberal.

Posteriormente, decide-se abrir um capítulo que se dedique, especialmente, à ordem

constitucional econômica brasileira. Neste ponto do trabalho, apresenta-se de que forma a

CRFB/88 organiza o nosso sistema econômico e, também, quais os princípios elencados por

ela. Em seguida, dá-se maior vigor à discussão relativa à intervenção do Estado no domínio

econômico. Primeiro, se destrincha o princípio da subsidiariedade – importantíssimo para o

tema – e, só então, se apresenta as modalidades de intervenção autorizadas por nossa

Constituição.

Ao fim, o trabalho propõe um capítulo unicamente para fazer a relação entre os

tópicos abordados entre ele, sobretudo, na relação existente a operação “Carne Fraca” e o

papel desempenhado pelo Estado na fiscalização das empresas frigoríficas.

Veja-se, inclusive, que todo esse trabalho tem como ponto-central responder algumas

perguntas ainda sem respostas para aqueles que acompanharam o desenrolar da operação, tais

como: se o Estado está cumprindo com eficiência a sua função fiscalizatória e quais as falhas

existentes no nosso sistema de inspeção.

Ademais, como objetivos específicos, cumpre observar também de que modo a

intervenção estatal pode influir e beneficiar na ordem econômica e, igualmente, verificar

quais seriam os benefícios desse tipo de intervenção numa economia predominantemente

neoliberal. Outrossim, merece realizar um levantamento histórico sobre a evolução da

intervenção estatal no domínio econômico e qual o atual quadro fiscalizatório do setor

agropecuário no Brasil. Isso inclui, claro, discutir as soluções e problemáticas de um modelo

fiscalizatório federal, cujo investimento e unidade se destaca frente aos demais modelos de

fiscalização nas demais esferas do poder público.

Para se responder essas questões, o método utilizado na consecução da presente

pesquisa inclui a abordagem indutivo-observativo e dialético-qualitativa. Ele é indutivo na

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medida em que o raciocínio ora proposto leva em consideração um caso concreto e algumas

proposições jurídicas – princípios e normas constitucionais –, dos quais se retira uma verdade

geral. Também é observativo, pois não tem o propósito de alterar a realidade em que se

encontra, mas tão somente observá-la e, daí, inferir determinadas conclusões sociojurídicas.

Já em relação ao seu aspecto dialético, constata-se que o método escolhido também

assume um viés qualitativo, visto que todo fato deve ser considerado a partir de um contexto

social e, não, meramente abstrato. Em razão disso, trata-se de um diálogo voltado à própria

contradição e oposição de ideias (síntese e antítese), que, ao fim, dá origem a novos

questionamentos.

Nesse ponto, indica-se que as fontes estudadas foram analisadas a partir de um

conceito exploratório. Isso porque a pesquisa desenvolvida foi muito mais bibliográfica,

focada em livros e revistas científicas, dos quais se extraiu os principais dados doutrinários e

jurisprudenciais.

Ademais, o trabalho também se importou em coletar, ostensivamente, diversos dados

públicos relacionados ao tema, como a quantidade de carne exportada por nosso país, a

proporção desse valor no Produto Interno Bruno nacional e outros dados de incrível

relevância. Pela natureza do tema, foi necessário ponderar os benefícios da liberdade

econômica defendida em nossa Constituição com a, diametralmente oposta, necessidade de

intervenção estatal – também autorizada pela Carta Magna.

Dada essa introdução ao trabalho, partimos agora para o aprofundamento do tema,

nos moldes que já foi apresentado, para que assim seja apresentada a problemática deste

trabalho e os resultados colhidos ao longo da pesquisa.

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2 A OPERAÇÃO CARNE FRACA

Na manhã de 17 de março de 2017, a Polícia Federal do Brasil noticiou a maior de

suas operações policiais. De acordo com comunicado emitido pela instituição1, foram

convocados por volta de 1.100 agentes para desarticular uma associação criminosa formada

por empresários do agronegócio e fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento (MAPA).

A operação resultou no cumprimento de 309 mandados judiciais, dentre os quais 27

eram prisões preventivas, 11 prisões temporárias, 77 conduções coercitivas e 194 buscas e

apreensões. Todas essas ordens judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal de

Curitiba/PR2 e cumpridas simultaneamente no Distrito Federal e em outros seis Estados

Federados: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais.

A operação tinha como foco um dos setores mais expressivos da economia brasileira:

o agronegócio; que corresponde atualmente a altas cifras da exportação nacional. De acordo

com VIEIRA, a relevância desse setor pode ser verificada a partir de dados disponibilizados

pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento3, os quais revelam que em 2016

“foram abatidos mais de 24 milhões de bovinos e 5,5 bilhões de aves sob a responsabilidade

dos Serviços de Inspeção de Produtos de Origem Animal das Superintendências Federais da

Agricultura” 4.

Diante desse cenário, e ciente da gravidade das acusações, a Polícia Federal coletou

ostensivamente, por mais de dois anos, diversas provas e depoimentos, que hoje formam os

autos do Inquérito Policial (IPL) 0136/2015-SR/PF/PR.

Os delitos averiguados indicavam a atuação criminosa de agentes públicos e privados

na adulteração sistêmica de produtos alimentícios de origem animal – dentre os quais carnes

bovinas, frangos, linguiças e salsichas. Esses alimentos eram destinados tanto ao mercado

1 BRASIL. Comunicação Social da Polícia Federal em Curitiba/PR. PF desarticula esquema criminoso

envolvendo agentes públicos e empresários. 2017. Disponível em:

<http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/03/pf-desarticula-esquema-criminoso-envolvendo-agentes-

publicos-e-empresarios>. Acesso em: 07 set. 2017. 2 BRASIL. 14ª Vara Federal de Curitiba - Seção Judiciária do Paraná. Decisão interlocutória no pedido de

prisão preventiva nº 5002951-83.2017.4.04.7000/PR. Disponível em:

<http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2017/03/DECIS%C3%83O-

PARTE-1.pdf.compressed.pdf>. Acesso em: 21 de ago. 2017. 3 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Quantidade de Abate Estadual por

Ano/Espécie. Disponível em:

<http://sigsif.agricultura.gov.br/sigsif_cons/!ap_abate_estaduais_cons?p_select=SIM>. Acesso em: 26 set. 2017. 4 VIEIRA, E. S. de S. Defesa Agropecuária e Inspeção de Produtos de Origem Animal: uma breve reflexão

sobre a Operação Carne Fraca e possíveis contribuições ao aprimoramento dos instrumentos normativos

aplicáveis ao setor. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Março/2017 (Texto para

Discussão nº 230). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em 28 de março de 2017.

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nacional quanto às exportações, por mais que fossem impróprios para o consumo humano, em

um claro atentado à saúde pública e à economia popular.

O modus operandi narrado pelo IPL era cristalino. Empresas frigoríficas de grande

capital, localizadas nos Estados do Paraná, Minas Gerais e Goiás, tentavam aumentar a sua

produtividade e lucro a partir de dois artifícios: a reutilização de carne estragada e a

adulteração de produtos alimentares. No primeiro caso, as empresas se utilizavam de carne

vencida, que, após ser tratada com ácido sórbico5, ganhava novamente o aspecto de bem

consumível. Já no caso da adulteração, verificou-se que alguns dos frigoríficos investigados

falsificavam a composição das carnes, injetando nos alimentos diversas substâncias, como

papelão6 e água.

Ainda de acordo com a narrativa do inquérito, as empresas corruptoras pagavam

propina a agentes fiscais do MAPA, que, em retorno a esse incentivo ilícito, realizavam

fiscalização omissa aos alimentos adulterados. Isso significa dizer que, de acordo com as

investigações capitaneadas pela Polícia Federal, mesmo sem a verificação efetiva e o rigor

técnico, as carnes degeneradas recebiam os certificados sanitários e eram postas à venda,

gerando lucro às empresas de grande capital em detrimento à segurança do consumidor.

Em razão do objeto investigado e dos crimes cometidos, a operação realizada pela

Polícia Federal foi batizada como “Carne Fraca”. A razão da escolha foi esclarecida no

primeiro comunicado da PF à imprensa, emitido ainda em 17 de março de 2017, quando foi

dito que

o nome da operação faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia

com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por

grandes grupos corporativos do ramo alimentício. A expressão popular

demonstra uma fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam

zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos à sociedade7.

5 O ácido sórbico (C6H8O2) é uma substância comumente utilizada como conservante alimentar, responsável

por evitar o crescimento de diversos micro-organismos, tais como fungos e leveduras. Disponível em:

<http://aditivosingredientes.com.br/upload_arquivos/201601/2016010628577001453487283.pdf>. Acesso em:

02 ago. 2017. 6 A acusação de uso de papelão na produção de carnes por algumas das empresas investigadas na Operação

Carne Fraca foi alvo de grande repercussão na mídia brasileira, tornando-se um dos assuntos mais comentados

no Twitter e nos noticiários em geral. Em resposta a essa polêmica, o Ministro brasileiro da Agricultura, Blairo

Maggi, disse haver um equívoco na narrativa do inquérito, apontando que, na verdade, o papelão mencionado na

investigação serviria às embalagens dos produtos e, não, para a sua adulteração. Disponível em:

<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos> 02. ago.

2017. 7 Op. Cit..

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Um fato que chamou a atenção, contudo, é que as investigações feitas pelas

autoridades policiais não teriam se iniciado em data próxima à deflagração da operação. Em

verdade, a abertura do inquérito ocorreu em 14 de janeiro de 2015 e chegou a perdurar até 15

de abril de 2017, quando o Delegado da Polícia Federal Maurício Morcardi Grillo emitiu o

seu relatório final.

O fato desencadeador para as investigações foi uma notícia apresentada pelo Fiscal

Federal Agropecuário (FFA) Daniel Gouvêa Teixeira, que suspeitava haver fraude na entrega

de alimentos à Secretaria de Educação do Estado do Paraná. À época, o noticiante estava

convencido de uma possível adulteração nos alimentos que se destinavam à merenda infantil,

levando-o a fazer a devida denúncia perante as autoridades policiais.

Conforme pode ser visto no Relatório Final do IPL 0136/2015-SR/PF/PR8, em seu

depoimento, Daniel Teixeira confidenciou ter percebido um esquema de corrupção dentro do

MAPA, pois desconhecia razões técnicas para as remoções de fiscais lotados na fiscalização

de empresas de grande capital. Inclusive, o noticiante chegou a declarar que, enquanto ocupou

o cargo de Chefe Substituto do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SIPOA),

constatou que as ditas remoções eram articuladas pelos chefes das Unidades Técnicas

(UTRA) e que ocorriam com o único propósito de evitar fiscalizações, não possuindo

qualquer razão ou critério técnico.

Para fortalecer ainda mais suas suspeitas, o noticiante recebeu ordens de sua

superior, Maria do Rocio Nascimento, determinando a remoção imediata de fiscais contrários

aos interesses da cúpula da Superintendência Regional da Agricultura/PR e das indústrias de

grande capital. Irresignado com o episódio, o denunciante informou o ocorrido ao seu

sindicato e foi, no mesmo dia, exonerado de seu cargo de chefia e removido para outra

localidade – levando a crer que sua denúncia teria contrariado diretamente os interesses de

seus superiores.

Ainda de acordo com o Relatório Final do IPL 0136/2015-SR/PF/PR9, quando

Daniel Teixeira chegou à nova lotação, teve contato imediato com um pequeno abatedouro,

onde constatou diversas irregularidades, “como o aproveitamento de animais mortos para a

produção de gêneros alimentícios e o pagamento de propinas a fiscais federais, [ironicamente]

chamada de ‘ajuda de custo’”. Na oportunidade, também passou a fiscalizar a indústria de

8 BRASIL. Superintendência da Polícia Federal do Estado do Paraná. Relatório Final do IPL 0136/2015-

SR/PF/PR. 2017, pp. 3. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-

content/uploads/sites/41/2017/04/246_REL_FINAL_IPL1.pdf >. Acesso em: 21 de ago. 2017. 9 Ibid., pp. 4.

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processamento PECCIN AGROINDUSTRIAL LTDA, que também foi autuada após a

verificação de irregularidades em sua linha de produção.

Ocorre que, tão logo o fiscal denunciante autuou a PECCIN, determinado a

suspensão de suas atividades, soube que sua superior estaria afastando-o de suas funções. A

Portaria que cancelou a nomeação de Daniel Teixeira para a fiscalização da PECCIN,

inclusive, foi publicada naquela mesma data.

No mais, durante as investigações realizadas pela Polícia Federal, três depoentes

vieram a corroborar com as informações prestadas pelo primeiro denunciante. Todas elas

eram ex-funcionárias da PECCIN, chamadas de Daiane Marcela Maciel, Joyce Igarashi

Camilo e Vanessa Letícia Charneski. Dentre as acusações mais graves apontadas pelas

testemunhas, estavam: a adulteração de carne por meio do uso de ácido sórbico; a fraude de

notas de carne e o pagamento de propina a fiscais federais.

Com o passar da investigação, novos depoimentos colhidos passaram a indicar

possíveis irregularidades em outras duas empresas frigoríficas, a NOVILHO NOBRE e a

MASTERCARNES – que se tornaram alvo de suspeitas pela PF.

Diante desse novo panorama, a autoridade policial representou perante o Juízo

competente requisitando a interceptação telefônica de diversos investigados, bem como a

quebra do sigilo bancário e fiscal – o que foi prontamente deferido.

A partir daí, a Polícia Federal teve ciência de que se tratava de uma extensa

organização criminosa, baseada na fraude de alimentos e no pagamento de propina aos

agentes fiscalizadores. Isso levou ao ponto ápice da investigação:

Diante da necessidade de coligir maiores elementos e desarticular os grupos

criminosos detectados, foi elaborada Representação por buscas e apreensões,

conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas, além de bloqueios

de contas judiciais e sequestros de bens móveis e imóveis [...]10

.

A dita Representação11

foi analisada no Pedido de Prisão Preventiva nº 5002951-

83.2017.4.04.7000/PR, cujo Juízo competente era a 14ª Vara Federal de Curitiba – Seção

Judiciária do Paraná.

Quando foi dada a oportunidade, o Ministério Público Federal se manifestou nos

autos alegando concordância parcial com as diligências pedidas, de modo que as autoridades

10

Ibid., pp. 10-1. 11

BRASIL. Superintendência da Polícia Federal do Estado do Paraná. Ofício nº 0485/2017 - IPL 0136/2015-4

SR/PF/PR. 2017.

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17

policiais viram a necessidade de apresentar aditamento à Representação formulada em juízo.

A título de exemplo, uma das alterações sugeridas foi a diminuição dos pedidos de prisão

preventiva – que de 40 foram minoradas para 27.

Findadas as manifestações do parquet, coube ao Juiz Federal proferir a sua decisão12

,

expedindo, assim, as ordens judiciais que entendia cabíveis. Foram 413 páginas para

fundamentar e deferir todos os 309 mandados judiciais – deles, como já dito, eram 27 prisões

preventivas13

, 11 prisões temporárias14

, 77 conduções coercitivas e 194 buscas e apreensões.

Os números impressionaram e fizeram da Operação Carne Fraca a maior ação

policial já ocorrida no Brasil, se considerado o número de mandados cumpridos. Inclusive,

com esse status o assunto virou tema dos principais meios de comunicação do país –

especialmente os telejornais e as mídias sociais. Eram centenas de mandados sendo cumpridos

simultaneamente, sem que a população soubesse a real extensão do que estava sendo

investigado e quais empresas eram alvos das medidas.

Em verdade, toda a investigação ocorreu sobre segredo de justiça, só se tornando

pública quando foi finalmente deflagrada, no dia 17 de março de 2017. O sigilo é facilmente

justificável, tendo em vista que o conhecimento prévio da operação policial poderia colocar

em risco a obtenção de provas e a prisão preventiva dos acusados. Ocorre que a maneira

abrupta em que a operação foi deflagrada, aliada com a falta de transparência de informações,

gerou uma falha de comunicação entre os fatos publicados pela imprensa e aqueles

efetivamente investigados.

A desinformação criou um efeito sensacionalista que foi inesperado tanto para o

Poder Público, quanto para o Mercado. As chamadas feitas pelos principais noticiários não

eram capaz de distinguir quais os frigoríficos interditados, levando a crer que a prática fosse

generalizada por todos os produtores de carne do país.

Uma amostragem se faz precisa.

12

Op. Cit. 13

As ordens de prisão preventiva foram expedidas em face dos seguintes representados: Carlos Cesar, Daniel

Gonçalves Filho, Eraldo Cavalcanti Sobrinho, Fabio Zanon Simão, Flávio Evers Cassou, Georcio Luiz Bonesi,

Gil Bueno de Magalhães, Idair Antônio Piccin, José Eduardo Nogalli Giannetti, Josenei Manoel Pinto, Juarez

José de Santana, Luiz Carlos Zanon Junior, Maria do Rocio Nascimento, Nair Klein Piccin, Nilson Alves

Ribeiro, Nilson Umberto Saccheli Ribeiro, Normélio Peccin Filho, Paulo Rogério Sposito, Renan Menon,

Roberno Brasiliano da Silva, Roney Nogueira dos Santos, Sebastião Machado Ferreira, Sergio Antônio de Bassi

Pianaro, Tarcísio Almeira de Freitas, André Luis Baldissera e Dinis Lourenço da Silva. 14

As prisões temporárias foram expedidas em nome dos seguintes representados: Alice Mitico Nojiri Gonçalves,

Brandízio Dario Junior, Celso Dittert de Camargo, Leomar José Sarti, Luiz Alberto Patzer, Marcelo Tursi

Toledo, Osvaldo José Antoniassi, Rafael Nojiri Gonçalves, Sidiomar de Campos, Antônio Garcez da Luz e

Mariana Bertipaglia de Santana.

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18

Quando noticiou a operação, o G1 (portal de notícias da Rede Globo) preferiu fazer

uma narrativa mais enxuta, usando como manchete o seguinte título: “Polícia Federal deflagra

operação de combate a venda ilegal de carnes” 15

. No texto da notícia, inclusive, é aberto um

tópico sob a seguinte passagem: “veja o que se sabe até o momento” – indicativo de que a

grande mídia ainda tinha pouco conhecimento sobre os detalhes da operação.

Por sua vez, o jornal Carta Capital priorizou uma abordagem um pouco mais

sensacionalista da matéria, conforme demonstra o título a seguir: “Carne Fraca: Frigorífico

colocava carne de cabeça de porco em linguiça” 16

.

Essas diferentes abordagens serviram até como estudo e discussão para a área de

comunicação social. Um exemplo disso é o artigo publicado na Revista de Estudos

Universitários (REU) da Universidade de Sorocaba, cujo título é “Carne Fraca via SBT: como

a emissora narrou o início dessa operação?”. Na publicação, os autores Hergesel e Silva

apontam que “a imprensa narra a explosão desse acontecimento de diferentes formas, algumas

focando a parte econômica, outras atingindo os valores morais” 17

. Em seguida, fazem uma

análise profunda sobre o perfil comunicativo escolhido pelo SBT durante o dia 17 de março

de 2017:

A Operação Carne Fraca é, indubitavelmente, uma narrativa que surpreendeu

a população brasileira e marcou o mês de março de 2017, ganhando

variações estilísticas dentro de um mesmo veículo de comunicação. Por meio

dos fragmentos analisados, percebe-se que o SBT encontrou três maneiras de

transmitir a mesma notícia: pelo viés apelativo, pelo posicionamento

emotivo e pela vertente referencial. O jornal Primeiro Impacto, por meio de

interrogativas, diálogos diretos e exemplificações envolvendo o “povo”,

mostrou-se muito mais focado no espectador, colocando-o como vítima da

situação, numa tentativa de compaixão midiática. [...] O jornal SBT Brasil,

por sua vez, faz uma abordagem mais séria e moralista do assunto, com

matéria editada e imagens exclusivas, mas sem deixar de lado o tom

15

G1. Polícia Federal deflagra operação de combate a venda ilegal de carnes. 2017. Disponível em:

<http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2017/03/policia-federal-deflagra-operacao-de-combate-venda-ilegal-de-

carnes.html>. Acesso em: 21 set. 2017. 16

CARTA CAPITAL. Carne Fraca: Frigorífico colocava carne de cabeça de porco em linguiça. 2017.

Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/carne-fraca-frigorifico-colocava-carne-de-cabeca-

de-porco-em-linguica>. Acesso em: 21 set. 2017. 17

HERGESEL, João Paulo; SILVA, Míriam Cristina Carlos. Carne Fraca via SBT: como a emissora narrou o

início dessa operação?. Revista de Estudos Universitários - REU, [S.l.], v. 43, n. 1, p. 151-167, ago. 2017. ISSN

2177-5788. Disponível em: <http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/reu/article/view/3010>. Acesso em: 10 set.

2017. doi: http://dx.doi.org/10.22484/2177-5788.2017v43n1p151-167.

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19

opinativo. [...] Por fim, é (n)o Jornal SBT Notícias [...] que se percebe mais

neutralidade na condução da narrativa. Sem palavras de ordem ou vínculo

passional explicitado, tem-se uma trama organizada cronologicamente, que

resume e inclui novidades com base nos fatos, na réplica do que foi

oficialmente mencionado, por meio de paráfrases que, muitas vezes, tornam

a matéria redundante18

.

A abordagem midiática escolhida pela imprensa preocupou os economistas e

estudiosos do ramo agropecuário. Em tom de alerta, José Otávio Menten (2007), professor

associado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, unidade de ensino da

Universidade de São Paulo, ponderou que dos 4837 frigoríficos fiscalizados do país, apenas

21 deles estavam sendo investigados por irregularidades – valor inferior a 0,5%19

. Além disso,

apontou que dos 11.000 fiscais e agentes sanitários do Ministério da Agricultura, apenas 33

deles (menos de 0,3%) estavam sendo afastados de seus serviços.20

Em seguida, o artigo de

opinião assinado pelo professor considera que

os procedimentos para divulgação da Operação, sem esclarecimentos

técnicos que poderiam ter sido fornecidos pelo Ministério da Agricultura,

podem ter causado sérios problemas para a economia brasileira. A imagem e

a reputação dos alimentos produzidos no Brasil podem ser seriamente

prejudicadas. E isto pode afetar todo o agro Brasil e a nossa economia, que

vem tentando superar a maior recessão de nossa história. O agro foi o

principal responsável pela crise não ter sido ainda maior e é o setor que mais

poderá contribuir para a retomada do crescimento, aumentando a renda,

exportações, geração de empregos.21

No mesmo sentido das considerações feitas pelo especialista, merece destacar que

dentre as 21 empresas investigadas na operação, apenas duas delas possuem grande inserção

no mercado nacional: a BRF S.A (grupo controlador da Sadia e Perdigão) e a Seara Alimentos

LTDA (pertencente ao grupo JBS). Em relação à BRF, apenas a unidade de Mineiros/GO foi

alvo da operação. A SEARA também só teve uma interdição, ocorrida no frigorífico

18

Idem. 19

MENTEN, José Otavio. Operação Carne Fraca: comunicação adequada?. 2017. Disponível em:

<http://www.folhadelondrina.com.br/colunistas/espaco-aberto/espaco-aberto-973215.html>. Acesso em: 10 set.

2017. 20

Idem. 21

Idem.

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20

localizado em Lapa/PR. Em razão disso, é preferível imaginar que os demais frigoríficos

dessas empresas seguem respeitando os padrões sanitários instituídos pelo MAPA – o que

tornava injustificável a demonização dessas empresas e da qualidade da carne brasileira.

Em vista dos acontecimentos, é esperado dizer que o Ministério da Agricultura foi

bastante vagaroso em indicar as empresas envolvidas no escândalo e o destino dos alimentos

produzidos por elas. Essa omissão de dados técnicos foi talvez um dos principais agravantes

dos efeitos econômicos da operação Carne Fraca. Isso porque o Mercado esperava uma

posição oficial do Governo, para só então ter conhecimento das perdas enfrentadas pela

indústria agropecuária nacional. Essa resposta, contudo, somente veio no dia 19 de março,

dois dias depois que a operação foi deflagrada. Na oportunidade, a pasta anunciou a

publicação de uma lista22

relatando “as empresas citadas na Operação Carne Fraca, para onde

elas haviam exportado nos últimos 60 dias, em quais mercados chegaram e os produtos

comercializados” 23

.

Além do MAPA, a Polícia Federal também precisou ouvir críticas em relação à

maneira como divulgou a Carne Fraca. No afã de veicular a operação como a maior de sua

história, a instituição teria pecado em dar uma conotação técnica e sanitária à investigação,

quando o verdadeiro enfoque da comunicação deveria ter sido a corrupção de servidores

públicos por empresas privadas. Corroborando com esse pensamento, o Presidente da

Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral,

admitiu ter havido um equívoco na comunicação feita pelas autoridades policiais. No seu

entender,

A operação foi necessária, [pois] havia corrupção, servidores públicos

envolvidos e alguns frigoríficos. Havia crime e a investigação aconteceu. Ao

final, a nota da PF diz que foi a maior operação da história. [...] Só que você

dizer que é a maior [operação], envolve uma série de variáveis com

importância, repercussão econômica, social. Ao dizer que é a maior, dá uma

dimensão muito grande, que talvez tenha gerado essa interpretação de que

22

BRASIL. Tabela com controle de saída de produtos de frigoríficos. 2017. Disponível em:

<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos/copia-de-

tabela.pdf>. Acesso em: 10 set. 2017. 23

BRASIL. Ministro garante controle de saída de produtos de frigoríficos. 2017. Disponível em:

<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos>. Acesso

em: 10 set. 2017.

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21

aqueles fatos eram um problema sistêmico de todo o mercado produtivo

brasileiro.24

No dia 21 de março, a ANVISA também se pronunciar sobre as informações

divulgadas pela Polícia Federal. De acordo com essa Agência Sanitária, é competência do

MAPA a normatização e o controle de abatedouros, frigoríficos e indústrias de

processamento. A ela apenas caberia “o estabelecimento das normas relativas aos aditivos

permitidos a serem utilizados em alimentos”25

.

Na oportunidade, a ANVISA também se pronunciou em relação ao uso de ácido

sórbico nas carnes de algumas empresas investigadas. O órgão negou que a substância tenha

efeito cancerígeno, divergindo do que foi narrado no inquérito:

O ácido sórbico (INS 200), por sua vez, é um aditivo autorizado em alguns

produtos cárneos com a função de conservador, ou seja, para impedir ou

retardar a alteração dos alimentos provocada por microrganismos ou

enzimas. Essa substância pode ser empregada nos produtos secos, curados

e/ou maturados embutidos ou não e nos produtos salgados crus. Nesses

casos, seu limite de uso é de 0,02g por 100g do produto e sua aplicação está

limitada ao tratamento externo da superfície desses produtos.

Reavaliação de risco realizada em 2015 pela Autoridade Europeia de

Segurança de Alimentos (EFSA) concluiu que doses diárias de até

300mg/kg/dia, o equivalente a 18 gramas/dia com base num peso corporal de

60 kg, não representaria risco à saúde. Os estudos toxicológicos avaliados

não identificaram nenhum efeito adverso. Ressaltamos que o ácido sórbico

não é classificado como carcinogênico pela Agência de Pesquisa sobre

Câncer (IARC) da OMS.26

De todo modo, pouco tempo após as primeiras notícias veiculadas, o boom midiático

em cima da operação gerou um dos seus primeiros efeitos colaterais: a desconfiança

internacional.

24

Pronunciamento dado por Carlos Eduardo Sobral, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de

Polícia Federal, durante a abertura do VII Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ocorrida em

Florianópolis no dia 21 de março de 2017. 25

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota da Anvisa sobre a Operação "Carne

Fraca". 2017. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-

/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/nota-da-anvisa-sobre-a-operacao-carne-fraca-

/219201/pop_up?inheritRedirect=false>. Acesso em: 11 set. 2017. 26

Idem.

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22

2.1 Os Efeitos Internacionais da Carne Fraca

A repercussão dada à Carne Fraca fez com que os países importadores da carne

brasileira colocassem em dúvida a qualidade do produto nacional. Logo, vários países

anunciaram restrições ou embargos à importação de gêneros cárneos brasileiros.

Essa reação, contudo, não pareceu surpreender. Se até no Brasil não se sabia a real

dimensão dos frigoríficos investigados, é fácil imaginar que os demais países iriam preferir

tomar precauções em relação às proteínas importadas.

Num primeiro momento, Nações como Argélia, Qatar, Marrocos, Zimbábue, São

Cristóvão e Névis, Chile, China, Arábia Saudita, México, Trinidad e Tobago, São Vicente de

Granadina e Bahamas decidiram por suspender de forma geral as importações de carne

brasileira27

. A decisão também foi seguida por Hong Kong, que é o principal destino da carne

bovina congelada, fresca ou refrigerada do Brasil, representando, sozinho, a parcela de 19%

das exportações de janeiro a agosto de 201728

, de acordo com os dados disponibilizados pelo

Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

União Europeia, Japão, Canadá, África do Sul, Egito, Suíça, Emirados Árabes,

Vietnam, Peru e Bahrein também decidiram suspender as importações de carnes brasileiras,

mas apenas de forma parcial, pois somente restringiram a entrada de produtos dos frigoríficos

investigados.

Enquanto isso, Estados Unidos, Malásia e Argentina decidiram por reforçar o

controle de suas autoridades sanitárias, aumentando o rigor na inspeção dos produtos cárneos

importados do Brasil. Já Israel, Rússia, Barbados e Irã realizaram apenas pedidos de

informações, sob a tentativa de colher melhores detalhes sobre o escândalo.

Certamente, essas restrições estavam fora dos planos do Governo Brasileiro e da

indústria nacional do agronegócio, e representaram um forte retrocesso nos avanços do Brasil

no mercado mundial de alimentos. Atualmente, o país é responsável por, aproximadamente,

27

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Situação nos mercados importadores de

carne - 27 de março de 2017 - 13h00. 2017. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/noticias/lista-de-

restricoes-inclui-suspensao-temporaria-ate-esclarecimentos/situacao-mercados-2703.jpg>. Acesso em: 23 set.

2017. 28

BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Carne de bovino congelada, fresca ou

refrigerada. 2017. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-

exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1100>. Acesso em: 23 set. 2017.

Page 23: OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO … · 2019-01-31 · RESUMO O presente trabalho traça um paralelo entre a operação Carne Fraca e a modalidade fiscalizatória

23

7% de todas as exportações mundiais do agronegócio29

. A depender do MAPA, porém, esse

número pretende ser elevado, visto o Governo quer expandir a influência do Brasil no

mercado mundial de alimentos, mirando numa porcentagem um pouco mais expressiva, na

casa dos 10%30

.

A impressão geral das autoridades brasileiras é a de que a Carne Fraca foi um grande

arranhão na imagem do Brasil perante o Mercado Internacional, podendo, até mesmo, ter

representado um atraso nos planos brasileiros de expansão.

Em face desse cenário crítico, o MAPA tentou zelar pela boa imagem do produto

nacional e tentar recuperar a confiança da comunidade internacional. Como primeira medida,

a pasta decidiu interditar administrativamente três dos frigoríficos investigados e afastar 33

servidores envolvidos na operação Carne Fraca.31

Além disso, tanto o Presidente Temer como

o Ministro Blairo Maggi se reuniram com embaixadores e empresários, sob o intuito de

fortificar os laços comerciais e evitar novas restrições.

A iniciativa rendeu frutos imediatos. Em 27 de março de 2017, apenas dez dias

depois da operação, o MAPA publicou uma lista atualizada com a situação dos países

importadores da carne brasileira. De acordo com esse documento, a situação caminhava para

uma melhora. China, Chile, Egito e Coréia do Sul teriam reaberto os seus mercados para o

produto cárneo brasileiro, cancelando a suspensão antes imposta e normalizando a

comercialização com o Brasil.

Passados alguns meses, outros países passaram a revisar suas restrições e embargos,

o que parece ser uma tendência, visto que a repercussão midiática sobre a operação vem

perdendo força e o mercado está se normalizando.

Os impactos econômicos deixados pela operação, todavia, foram significativos e

merecem lembrança.

2.2 A Pecuária Brasileira e a Operação Carne Fraca em Números

29

BRASIL. Secretária de Comunicação Social da Presidência da República. The Brazilian Meat Industry –

Production and Inspection. 2017. Disponível em: <http://www.brazilgovnews.gov.br/menu-de-

relevancia/factsheet-carne-english.pdf>. Acesso em: 23 set. 2017. 30

EXAME. Ministério da Agricultura quer elevar de 7% para 10% a participação do Brasil no

agronegócio mundial. 2017. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/ministerio-da-

agricultura-quer-elevar-de-7-para-10-a-participacao-do-brasil-no-agronegocio-mundial-shtml/>. Acesso em: 26

set. 2017. 31

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ministério da Agricultura interdita

frigoríficos e afasta 33 servidores. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/noticias/ministerio-da-

agricultura-interdita-frigorificos-e-afasta-33-servidores>. Acesso em: 21 set. 2017.

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24

Beira o contrassenso falar da Carne Fraca e não mencionar o seu surpreendente

impacto na economia. Em que pese apenas 21 frigoríficos estivessem sob alvo de

investigação, quando deflagrada, a operação conduzida pela Polícia Federal ganhou contornos

inesperados e atingiu seriamente um dos setores mais expressivos da economia brasileira: o

agronegócio.

Para ter uma dimensão de sua importância, relatório da Associação Brasileira de

Indústrias Exportadores de Carne (ABIEC) indicam que, em 2015, “o PIB do agronegócio

alcançou R$1,26 trilhão, representando 21% do PIB total brasileiro”. Desse montante,

R$400,7 bilhões foram gerados somente da pecuária, o que significa 30% de todo o

agronegócio brasileiro 32

– ou, aproximadamente, 6,3% do PIB nacional.

Esse setor também tem números expressivos na exportação nacional. Se

considerados os valores de janeiro a agosto de 2017, conforme divulgado pelo balanço mensal

do MDIC33

, a carne de bovino congelada, fresca ou refrigerada do Brasil soma o valor

exportado de US$ 3.143,69 (em milhões) – ou 2,15% das exportações totais.

Quando considerado o peso dessa carne exportada, os dados indicam ser este valor o

equivalente a 753.093,7 toneladas. Se tomássemos por base o consumo per capita de carne

bovina no Brasil (atualmente em 36,9 kg/ano) 34

, toda essa proteína exportada seria suficiente

para alimentar uma mesma pessoa durante 20.409.043 anos.

Em 2016, os principais destinos da carne bovina brasileira foram: Hong Kong (17%),

Irã (15%), China (14%), Rússia (8,6%) e Egito (7,4%). Dessas exportações, a maior parte do

gado saiu dos Estados de São Paulo (23,9%) e Mato Grosso (20,5%).

Outro produto expressivo nas exportações tupiniquins é o frango. O mesmo balanço

do MDIC 35

, que considera os valores de janeiro a agosto de 2017, aponta a soma do valor

exportado de frango em US$ 4.342,26 (em milhões) – ou 2,98% das exportações totais. Como

este produto é naturalmente mais leve, ele correspondente ao equivalente a 2.661.200

toneladas – o suficiente para alimentar muitas famílias.

Em 2016, os principais destinos do frango brasileiro foram: Arábia Saudita (19%),

China (15%), Japão (12%), Emirados Árabes Unidos (7,8%) e Hong Kong (5,8%). Dessas

32

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INDÚSTRIAS EXPORTADORES DE CARNE. Perfil da Pecuária no

Brasil: Relatório anual 2016. São Paulo: Newsprime, 2017. 46 p. 33

BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Carne de bovino congelada, fresca ou

refrigerada. 2017. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-

exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1100>. Acesso em: 23 set. 2017. 34

VALOR ECONÔMICO. Reação ao consumo de carne no horizonte. 2017. Disponível em:

<http://www.valor.com.br/agro/4849380/reacao-do-consumo-de-carne-no-horizonte>. Acesso em: 21 set. 2017. 35

Idem.

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25

exportações, as maiores parcelas vieram dos Estados do Paraná (36%) e Santa Catarina

(22,2%).

Também merece destaque o comércio exterior de carne suína. De janeiro a agosto de

2017, o MDIC36

aponta uma exportação total de US$ 1.006,09 (em milhões) – ou 0,69% das

exportações totais. Somente em 2016, a Rússia foi responsável por importar 36% da carne

suína brasileira, seguida por Hong Kong (18%) e China (17%).

Esses números mostram, por si, a força da pecuária nacional e sua importância dentro

da economia brasileira. Nesse caso, chega a ser compreensível a preocupação dos

economistas e do próprio Mercado com a repercussão negativa que a operação Carne Fraca

poderia gerar em cima da proteína comercializada pelo Brasil.

Logo no dia 21 de março, primeira terça-feira após a deflagração da operação, dados

pouco animadores foram divulgados pelo MDIC, indicando uma queda drástica na exportação

de carne brasileira. Naquele dia, foram embarcados para o exterior apenas o equivalente a

US$ 74 mil, quando a média diária era de US$ 63 milhões - uma diminuição aproximada de

99,9% das exportações.

Quando se pronunciou sobre o assunto, o Ministro Blairo Maggi disse ser incerto “o

tamanho da pancada que [o mercado pecuário iria] levar” 37

. É fácil imaginar, contudo, a

razão da queda. Com o fechamento dos mercados externos para a carne brasileira e a

repercussão negativa que ainda pairava sobre os produtos cárneos nacionais, é fácil imaginar

que os frigoríficos preferiram segurar a carne no território nacional ante as incertezas que o

mercado demonstrava.

A mudança de panorama, contudo, veio com o passar dos dias. Diante da força-tarefa

montada pelo MAPA, bem como pelos esforços das autoridades brasileiras em minimizar os

danos, as exportações voltaram a um patamar próximo à normalidade.

Em balanço divulgado pelo MDIC no dia 27 de março, constou-se que, para as

“carnes, a média diária de exportações da quarta semana foi de US$ 50,5 milhões, com queda

de 19% em relação ao valor registrado até a terceira semana de março (US$ 62,2 milhões)” 38

.

Essa repercussão negativa também chegou ao mercado financeiro. Tanto a JBS

quanto a BRF, maiores frigoríficos brasileiros, viram suas ações perderem radicalmente o

36

Idem. 37

Pronunciamento dado por Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, perante a

Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em sessão conjunta com Comissão de Agricultura e

Reforma Agrária (CRA), ocorrida em Brasília no dia 22 de março de 2017. 38

BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Quarta semana de março tem superávit de

US$ 1,6 bi. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/index.php/noticias/2392-quarta-semana-de-marco-tem-

superavit-de-us-1-6-bi>. Acesso em: 26 set. 2017.

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valor durante o pregão de 18 de março do IBOVESPA. Conforme foi noticiado pelo Valor

Econômico,

o maior recuo em valor de mercado ocorreu nos papéis da JBS. Na quinta-

feira, a empresa valia na Bolsa R$ 32,7 bilhões. Ao final do pregão de

ontem, o montante era de R$ 29,3 bilhões, uma perda de quase R$ 3,5

bilhões de uma só vez, fruto do recuo de 10,59% na cotação de suas ações --

cada uma vale agora R$ 10,72. No mercado americano, os recibos de ações

(ADRs, na sigla em inglês) registraram um tombo de 9,26%. O valor de

mercado da BRF também teve forte queda: caiu R$ 2,4 bilhões, para R$ 30,1

bilhões. As ações desabaram 7,25%, para R$ 37,10. Nos ADRs, a perda foi

de 7,73%. 39

Apresentados esses números, e justificada a importância do agronegócio para a

economia brasileira, é importante que este trabalho siga adiante, discutindo não só a

relevância da Operação, mas também o seu significado enquanto intervenção do Estado no

domínio econômico.

39

VALOR ECONÔMICO. Frigoríficos perdem R$ 5,9 bilhões em valor de mercado em um só

pregão. 2017. Disponível em: <http://www.valor.com.br/agro/4904148/frigorificos-perdem-r-59-bilhoes-em-

valor-de-mercado-em-um-so-pregao>. Acesso em: 25 set. 2017

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3 HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO

Entender a intervenção estatal no domínio econômico requer um olhar para o

passado. Somente desse modo é possível assimilar o presente e conhecer o significado das

normas vigentes em nosso ordenamento.

Ora, podemos dizer que a História ampara a compreensão da atual ordem econômica

constitucional brasileira, bem como a própria existência do Art. 170 da Constituição da

República de 1988 – dispositivo central ao Direito Econômico pátrio.

Nesse caso, merece pontuar que o exercício hermenêutico desenvolvido por um

jurista deve ser sempre de alta complexidade, uma vez que devem ser levadas em

consideração as diversas razões para o significado da norma, além de sua origem e lógica.

É nesse entender que Savigny40 define a norma como produto dos ditames e

aspirações sociais, a qual, em sua essência, está passível de mutação, visto que ela acompanha

as diversas transformações ocorridas na sociedade. Assim, não basta ao jurista buscar apenas

o significado imposto pelo legislador, mas, sobretudo, fazer uma ponderação entre i) os

fenômenos atuais e ii) o cenário existente à época da publicação da norma.

Nessa comparação, o jurista poderá se questionar se as escolhas jurídicas feitas pelo

legislador seriam possivelmente idênticas caso naquela época vigorassem os mesmos

fenômenos sociais.

A partir desse entendimento, lança-se uma análise ao passado – considerando as

premissas que deram fôlego ao pensamento liberal, bem como o status atual de intervenção

estadista.

Essa retrospecção nos leva, inicialmente, a um momento chave da história humana: a

desestruturação e queda do império romano ocidental.

Veja-se que, naquele momento, e diante da ausência de um poder centralizado, o

território europeu se viu esfacelado – dividido e a mercê das guerras e das invasões bárbaras.

A vida nas cidades, antes consideradas o antro cultural e mercantil civilizatório, não

representava mais vantagens e benefícios à população, que se viu obrigada a fugir para os

campos – onde encontravam proteção, terra e moradia; cedidas pelos senhores feudais.

Esse quadro motivou a formação de um sistema econômica baseado não mais no

comércio, mas principalmente nas culturas agrícolas e trocas comerciais. O território, por sua

40

SAVIGNY, 1886 apud REALE, 2002, p. 423.

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vez, era descentralizado, com pequenos centros de poder, concentrados nos feudos, porções

de terras dominadas pelos já citados senhores feudais. A época também foi marcada pela

relação de submissão entre uns e outros mestres. O binômio proteção-poder alimentava um

sistema de hierarquia e lealdade entre o vassalo (submisso) e o suserano (domínio) – sistema

que deu vigor por longas datas ao Feudalismo.

O colapso desse sistema só ocorreu por volta do Século XIV, quando o território

europeu foi duramente castigado com a peste bubônica. Com a morte de 1/3 da população

europeia, a produção agrícola sofreu grandes baixas, dando espaço para a ascensão de uma

nova classe: a burguesia. Esse grupo social fazia do comércio a sua fonte de renda, tendo em

vista os aparentes óbices mostrados pela alternativa agrícola. No passar do tempo, a burguesia

passou a ter maior influência na sociedade medieval, inclusive passando a adquirir terras dos

falidos senhores feudais.

Esse novo cenário alterou substancialmente o eixo econômico do continente europeu.

O território que antes era dominado pelas lavouras agrícolas passou a inclinar a sua atividade

econômica para o comércio, fato motivado, especialmente, pela ascensão burguesa e

desaparecimento dos senhores feudais.

O poder passou, então, a ser mais centralizado, e o sucessor natural para detê-lo foi o

monarca, o rei, que aliado à classe comerciante passou a ser soberano perante um território

definido. Enquanto o rei ganhava para si poder, os burgueses ganhavam influência. Para estes

últimos, era claro que divisão territorial em nada facilitava o comércio, pois impossibilitava as

rotas comerciais e tornava inviável a infraestrutura desejada pela burguesia.

Segundo Elias 41

, tal mudança no cenário possibilitou uma inversão na ordem de

poderio militar, pois a força de armas antes concentrada no Estado Nobre foi deslocada para

as mãos de um único indivíduo: o príncipe ou rei. Este tinha, com um domínio apoiado na

renda tributária de uma maior parcela territorial, plenas condições de manter um maior e mais

forte exército. Em razão disso, a nobreza foi lentamente deixando sua autonomia de lado para

ser compreendida como guerreiros e oficiais assalariados a serviço do suserano.

A relação intrínseca entre soberano e burguesia foi a gênese para a intervenção

estatal no domínio econômico. Isso porque dela nasceram os Estados Nacionais europeus,

expoentes do século XVII e primeira expressão do Estado tal como conhecemos.

Esse paralelo também foi observado por João Bosco Leopoldino da Fonseca,

conforme transcrito in verbis:

41

ELIAS, 1993 apud GRAU, 2010, p. 14.

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[...] começam a formar-se os Estados modernos, como termo inicial das

indagações sobre a atuação do Estado no âmbito da relação direito –

economia, principalmente porque, a partir dessa época, começam a delinear-

se as diversas formas de atuação do Estado no que respeita à condução de

políticas econômicas. A Inglaterra realiza sua unidade a partir do reinado de

Henrique VII (1485-1509), a França consegue a sua unidade nacional a

partir do reinado de Luís XI (1461-1483), a Espanha se unifica a partir de

1469, com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela,

Portugal consolida sua independência a partir de 1640, quando se separa de

Espanha.

O mercantilismo surge como reflexo das concepções ideológicas daquele

momento. A ideia de nacionalidade começa a afirmar-se, o Estado se propõe

a solidificar seu poder perante as nações estrangeiras, o poder central se

desenvolve e, com isso, ascendem as despesas públicas, o comércio

internacional se desenvolve em busca de riquezas, dando-se ênfase aos

metais preciosos como instrumentos de troca, e, ao mesmo tempo, desperta

o espírito capitalista42

Daí em diante, com a inauguração da Idade Moderna no continente europeu, o

Estado se agiganta – dando solo fértil para a ascensão do mercantilismo enquanto política

econômica.

Esse modelo toma para si as concepções ideológicas existentes na época para fixar

quatro premissas principais, sejam elas: i) o acúmulo de metais preciosos – cujo propósito era

dar maior segurança financeira ao Estado, pois serviam como lastro de riqueza; ii) o

protecionismo – de onde se passou a encorajar o equilíbrio da balança comercial; iii) a

xenofobia e iv) as políticas de Estado, com o pressuposto de incentivar o fortalecimento do

poder central.

Essas premissas, juntas, indicam a ordem ideológica vigente, a qual estava

alicerçada, sobretudo, nas trocas comerciais e exaltação da identidade nacional. À época, o

amor à pátria e a supramencionada xenofobia se justificavam pela grande quantidade de

guerras ocorridas no território europeu, tendo em vista que os Estados Nacionais ainda

estavam em formação e lutavam por sua independência.

42

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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Como já mencionada, esse panorama deu força para que o poder central ganhasse

espaço e influência por todo o território. O modelo dava abertura para o nascimento da

chamada monarquia absolutista, onde o Rei tudo era e tudo podia. O maior retrato desse poder

incondicional repousa na pessoa do rei francês Luís XIV, que em célebre momento se

reconheceu como o próprio ente estatal, pois proclamou: “o Estado sou eu”43

.

O ato, que pode causar indignação e desconforto quando visto na perspectiva

contemporânea, retrata de forma fidedigna a figura do monarca moderno. Em melhor

precisão, Eros Grau44

define que “na monarquia absoluta, o governo, que detinha o monopólio

da violência (poder de polícia) e tributação, consistia em um monopólio pessoal de um único

indivíduo”. Apesar disso, o Monarca dependia diretamente da renda proveniente da

arrecadação tributária. Surge, então, o primeiro sinal de intervenção estatal no domínio

econômico, pois, para se aparelhar, o Estado necessitava interferir na propriedade privada.

Lembre-se que, na França, essa realidade incomodou mais profundamente o povo –

em especial a burguesia. Isso porque, apesar dos altos impostos pagos, os privilégios

continuavam destinados apenas à nobreza e ao clero, que representavam um número ínfimo

da população.

O colapso somente surgiu na revolução francesa, que levantou os motes da liberdade,

igualdade e fraternidade. Nas coxias da revolução, preponderavam as ideais filosóficas

pautadas na liberdade e nos direitos individuais. Essa quebra de paradigma, ressalta André

Ramos Tavares45

, deu azo para o surgimento de Estado democrático liberal, no qual todos, até

mesmo os governantes, deveriam sujeitar-se aos ditames genéricos albergados nas leis.

Daí surgiu o liberalismo, que assumiu diversas formas – incluindo a filosófica e

política –, e que também foi defendido na sua perspectiva econômica. De acordo com essa

linha teórica, a economia seria um sistema autorregulável, capaz de se adequar por intermédio

de suas leis naturais e dispensando, assim, qualquer tipo de intervenção estatal. Essa ideia foi

defendida com maior vigor por Adam Smith, cujo ideário partia do pressuposto de que:

sem qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos

homens levam-nos, naturalmente, a dividirem e a distribuírem o capital de

qualquer sociedade entre os diferentes empregos com ele realizados, tanto

quanto possível, na proporção mais vantajosa para o interesse de toda a

43

Do francês “L’état c’est moi”. 44

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.

16. 45

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 46.

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sociedade. As várias regulamentações do sistema mercantil vêm,

necessariamente, perturbar mais ou menos esta distribuição natural e muito

vantajosa do capital. 46

Ainda desenvolvendo sua teoria, Smith destaca que o homem é um maximizador dos

seus interesses, o que faz da economia um sistema independente e autoajustável:

Cada indivíduo esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais

vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que

tem em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o juízo da

sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a

preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade. Portanto, como cada

indivíduo tenta, tanto quanto possível, aplicar o seu capital no apoio à

indústria interna e, por consequência, dirigir essa indústria de modo a que a

sua produção tenha o máximo valor, cada um trabalha, necessariamente, para

que o crédito anual da sociedade seja o maior possível. Na realidade, ele não

pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o

está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está

a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a

sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho,

e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão

invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca

será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções.

Ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de

uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente

o pretende fazer.

O estadista que tentasse orientar as pessoas privadas sobre o modo como

deveriam aplicar os seus capitais, não só se estaria a sobrecarregar com uma

tarefa desnecessária, como ainda assumiria uma autoridade que não só

dificilmente poderia ser confiada a uma única pessoa como, nem sequer, a

qualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nas mãos de um

homem que tivesse a loucura e a presunção suficientes para se considerar

capaz de a exercer. 47

46

SMITH, 1983, p. 199 apud FONSECA, 2014. 47

SMITH, 1983, p. 755, 757-758 apud FONSECA, 2014.

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Após a consolidação do modelo liberal, a economia europeia entrou em um período

de enorme pujança – época também marcada pelo surgimento das indústrias e dos

conglomerados empresariais.

Diante dessa a riqueza gerada, a burguesia – a quem foi atribuída a alcunha de

Terceiro Estado –, lentamente esqueceu-se que inclusive liberdade possui o seu limite.

3.1 As Distorções do Liberalismo de Adam Smith e o Seu Colapso

Distanciado de qualquer intervenção estatal, o liberalismo pregou a autorregulação

como um dogma absoluto. Prevalecia a lógica de que apenas os mais fortes e hábeis

conseguiriam sobressair-se perante os demais, o que significava um filtro natural imposto pelo

próprio Mercado.

Essa competição desregrada inaugurou uma série de distorções no sistema

econômico. As empresas mais bem sucedidas passaram a projetar-se não apenas no mercado

local, mas também regional, impulsionando, assim, o seu crescimento e sua influência aos

consumidores. A dita “seleção natural” promovida pelo mercado fez solo infértil para o

surgimento de novos empresários, levando a um status de supressão da concorrência. Daí

surgiram os monopólios e oligopólios, símbolos de concentração econômica e dominação

pelo capital.

Nesse contexto, Eros Grau48

aponta que o modelo clássico de mercado preferia

ignorar o seu óbvio poder econômico. Isso porque, agarrados na égide de um princípio sem

princípios – o livre mercado, indica o autor –, aqueles que detinham o grande capital estavam

plenamente conscientes de seu poder de dominação, e, por isso, interessados em mantê-lo.

A partir desse ponto, fica evidente a distorção mais grave causada pelo liberalismo: a

inversão de mercado. Esse fenômeno indica uma alteração de rumo na própria ordem

econômica, pois é a sociedade servindo ao Mercado, quando ele, na verdade, deveria estar

servindo ao seu povo.

Em abordagem semelhante, Silveira Neto49 menciona que a ideia de liberdade está

necessariamente associada à definição de algumas regras, quando se pretende vê-la exercida

por todos. Essa liberdade, ou qualquer outro direito concernente ao homem moderno, encontra

regramento no próprio código jurídico de nossa sociedade, pois esta seria uma das funções

48

Ibid., p. 20. 49

SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A intervenção direta do Estado no domínio econômico - Limites

constitucionais à atuação no mercado das empresas públicas. Revista de Direito Público da Economia, Belo

Horizonte, n. 43, p.157-173, 2013, p. 160.

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precípuas do Direito. Não faria sentido, por certo, que não houvesse um regramento também

para a economia, que alimentada por um contexto de liberdade extrema, resultou em uma

inegável disfunção social do mercado, voltado apenas para seu próprio benefício e, não, do

cidadão.

Com o distanciamento estatal da seara econômica, o papel desenvolvido pelo ente

político se limitava muito mais à própria manutenção do laissez faire50

, sem que este

intervisse diretamente na inversão de mercado promovida pelo liberalismo.

O colapso desse sistema só foi claramente definido em 1929, quando ocorreu a

quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. O episódio fez transparecer a insustentabilidade

do modelo até então adotado, fazendo reconhecer que as ideias antes desenvolvidas por Adam

Smith mereciam revisão.

Nada obstante a grande depressão americana ter ocorrido somente em 1929, com

alguns anos de antecedência já se discutia um novo modelo de Estado, baseado na intervenção

mínima e na imposição de balizas à liberdade econômica.

Esse movimento foi inaugurado pela Constituição mexicana de 1917, quando se

impôs a supremacia do interesse público ao interesse privado e o combate às práticas de

monopólio e concentração de poderio econômico. Seguiria nessa mesma esteira a

Constituição de Weimar de 1919, a qual, sem muitos rodeiros, definiu uma liberdade

econômica nos limites da lei.

A nova linha de pensamento, contudo, não viria para extinguir a liberdade econômica

ou obstaculizá-la em seu sentido máximo. A história já teria provado os benefícios do livre

mercado. O que seria necessário, dali em diante, seria definir regras basilares para que do

mercado “se possa extrair o máximo de proveito a todos (empresariado, Estado e

sociedade)”51

.

Foi mérito também dessas recentes Constituições capitalistas introduzir uma nova

noção de Estado, o qual se baseava no desenvolvimento social e na melhoria de vida dos seus

cidadãos. Estava lançada a ideia de que não se bastava o aumento de capital de uma nação, era

necessário que houvesse a repartição dessa riqueza e a melhoria conjunta de qualidade de vida

por todo o povo.

Essa nova fórmula de Estado promovia o bem estar social, baseado, sobretudo, na

escola de pensamento desenvolvida por Jonh Maynard Keynes. Esse economista inglês foi

50

Símbolo máximo do liberalismo econômico, o Laissez-faire é uma expressão francesa que define o puro

capitalismo e a liberdade de mercado, uma vez que prega a não intervenção no mercado e sua autorregulação. 51

Ibid., p. 163.

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responsável por publicar, em 1936, o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que

instruía o Estado a assumir um papel de controle econômico.

Nesse caso, caberia ao ente político não só buscar o pleno emprego de sua

população, mas atuar diretamente na economia, minimizando os danos causados por eventuais

recessões econômicas – que, naquele ponto, se mostravam como cíclicas e inevitáveis.

Seguindo essa mesma senda, Dellagnezze aponta que:

A escola keynesiana se fundamenta no princípio de que o ciclo econômico

não é auto-regulado como pensam os neoclássicos, uma vez que é

determinado pelo "espírito animal" (animal spirit, no original em inglês) dos

empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema capitalista

conseguir empregar todas as pessoas que querem trabalhar, que Keynes

defende a intervenção do Estado na economia.

A teoria keynesiana atribuiu ao Estado o direito e o dever de conceder

benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida

como a criação do salário minimo, do seguro-desemprego, da redução da

jornada de trabalho (que então superava 12 horas diárias) e a assistência

médica gratuita.52

Ao assumir esses deveres sociais, o novo modelo de Estado passa a promover

políticas públicas voltadas à população, o que, consequentemente, expande a estatização de

setores econômicos e a influência pública no domínio privado. No Brasil, por exemplo, essa

estatização foi percebida com maior vigor após a criação da Companhia Siderúrgica Nacional

(CSN) e da Petrobrás – ambas gigantes estatais criadas na metade do século XX.

Esse modelo, contudo, foi lentamente se mostrando insustentável. A ideia de um

Estado agigantado se prejudicou com a decorrência da crise do petróleo ocorrida na década de

70. Além disso, os governos passaram a ter dificuldades orçamentárias em relação aos

programas sociais antes defendidos e a empresas estatais não se mostravam tão eficientes o

quanto se esperava. Essa ineficiência estava justificava, principalmente, porque as empresas

controladas pelo Estado não possuíam em sua essência o principal combustível para o sistema

capitalista: a busca pelo lucro.

52

DELLAGNEZZE, René. O estado de bem estar social, o estado neoliberal e a globalização no século XXI.

Parte II - O estado contemporâneo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <

https://goo.gl/1Bgj2G>. Acesso em out 2017.

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Diante desses entraves, retorna ao ideário popular a defesa do livre mercado. Isso se

deu por intermédio de uma doutrina reformada e mais moderna do liberalismo, chamada de

neoliberal.

3.2 O Neoliberalismo de Friedman e a Atual Globalização

A filosofia neoliberal teve seu principal arrimo com a publicação do livro

“Capitalismo e Liberdade”, escrito pelo economista norte-americano Milton Friedman, em

1962. Pensando sob uma visão reformada das ideias liberais, o novo modelo desenvolvido por

Friedman pedia o regresso do livre mercado e o diminuição do Estado. Sua principal

preocupação seria o caráter estatizado da economia, que havia se desenvolvido durante o

welfare state53

.

Mesmo por conta de seu caráter de renovação, a política neoliberal possuía

consciência das distorções provocadas pelo liberalismo, e, por isso, pregava uma liberdade de

mercado mais equilibrada, com a possibilidade de intervenção do Estado em casos mais

pontuais. Seria uma intervenção mínima, sobretudo nos casos de regulação de mercado.

De forma semelhante, o neoliberalismo incentivava a diminuição da influência

estatal no domínio privado, razão pela qual se iniciou, a partir da década de 70, uma onda de

privatizações das empresas anteriormente controladas pela Administração Pública.

Os consumidores, por sua vez, seriam os principais beneficiados com o predomínio

do mercado. A livre concorrência seria responsável por filtrar de forma natural os melhores

produtos e serviços disponíveis no mercado, visto que a população sempre preferirá aderir à

melhor oferta disponível.

Na Europa, essa doutrina econômica foi bastante impulsionada pela Primeira-

Ministra britânica Margareth Thatcher, que liderou uma série de privatizações no Reino

Unido. Ao seu tempo, no Brasil, esse movimento foi iniciado pelo Presidente eleito no início

da década de 90, Fernando Collor, e continuada durante os dois mandatos de Fernando

Henrique Cardoso.

Eis que, porém, caminhando ao lado da ideologia neoliberal, surge também um

fenômeno inaugurado após a Segunda Guerra Mundial: a globalização. Seu conceito continua

sendo alvo de discussão perante a academia, mas pode ser um pouco simplificado, se

considerarmos que a globalização nada mais é do que um fato histórico. Por meio da terceira

53

A expressão welfare state ficou consolidada como um dos principais pilares da política keynesiana, adotada

especialmente na segunda metade do século XX. Essa expressão é normalmente traduzida como Estado de bem

estar social, já que este modelo representou a institucionalização de vários direitos sociais.

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revolução industrial, marcada pelo aprimoramento dos meios de comunicação e de

transportes, as distâncias foram encurtadas e o mundo está cada vez mais conectado entre si.

Em questão de segundos, uma transação financeira entre o Brasil e a Austrália pode ser

finalizada em um simples apertar de botão.

Ao fazer um paralelo, contudo, Eros Grau54

pondera que “a globalização é [apenas]

um fato histórico, [enquanto que] o neoliberalismo, uma ideologia”. Esse autor ainda ressalta

“que não há uma relação necessária entre a globalização e o neoliberalismo, e que, outras

fossem as condições político-sociais, a globalização poderia conviver com outras ideologias

que se tornassem hegemônicas”. Seria possível imaginar, nesse sentido, um mundo socialista

globalizado, visto que não se relacionam os planos da globalização e do capitalismo.

O fato é que, diante da predominância do capital frente à tendência globalizada,

formou-se o que se conhece de globalização financeira, não mais associada às trocas de

mercado, mas baseado, sobretudo, em um sistema financeiro – não baseado na produção de

riquezas, mas puramente baseado em títulos e especulações.

Certamente, falar do presente se torna uma tarefa mais árdua, quando comparado

com o simples relato dos acontecimentos passados. O atual cenário é fruto da História recente

e não pode servir como prelúdio para o futuro, servindo apenas como uma expectativa.

Com tudo, sabemos que a atual influência do modelo neoliberal foi determinante

para fixar os parâmetros da ordem econômica constitucional delineada pela Constituição da

República Federal do Brasil, promulgada em 1988. As ideias nela contidas aspiram ao ideário

neoliberal e isso pode ser claramente percebido por meio da leitura do Art. 170 em diante,

conforme será minuciosamente discutido no tópico vindouro.

54

Ibid., p. 53-54.

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4 A ATUAL ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AGENTES

E MEIOS DE INTERVENÇÃO

O local de partida para compreender a atual ordem econômica brasileira deve ser a

Constituição. É nesta norma primária que o jurista encontrará as principais diretrizes

apontadas pelo constituinte, e, também, de onde ele poderá extrair toda a organização e

política econômica de seu Estado.

No Brasil, esta tarefa fica a cargo da Constituição da República Federativa do Brasil,

promulgada em 1988. Nela, o constituinte, já no seu Art. 1º, IV, apontou como um dos

fundamentos da República os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o que, em outros

termos, significa dizer que o Estado Brasileiro fez uma clara opção pelo sistema capitalista.

Com essa escolha, o constituinte não só reconhece o livre mercado como meio de

crescimento e desenvolvimento econômico, como também defende a livre iniciativa como

instrumento de transformação social.

Tudo isso, claro, sob a preciosa defesa e valorização do trabalho, visto que está

vedada qualquer desvalorização da dignidade humana e de sua força laboral.

Além do Art. 1º, a CRFB/88 consegue ir mais longe, dedicando uma única parte de si

para a organização da ordem econômica e financeira. Trata-se do Título VII, cuja divisão

ocorreu em quadro capítulos: i) dos princípios gerais da atividade econômica; ii) da política

urbana; iii) da política agrária e fundiária e reforma agrária e iv) do sistema financeiro

nacional.

Essa disciplina, por óbvio, não é capaz de organizar, sozinha, toda a política

econômica do nosso país. Pelo contrário, é largamente sabido que a Constituição de 1988

optou por cumprir uma finalidade programática, isto é, de balizar projetos e políticas públicas

que melhorem ou estabilizem em longo prazo a organização do Estado. É por essa razão que

Eros Grau55

prefere apontar a nossa Constituição como dirigente, cujo propósito principal é

implantar e planejar uma nova ordem econômica56

.

Essa última expressão, contudo, nem sempre é bem compreendida. Apesar do seu

uso corriqueiro nos textos jurídicos, o dizer “ordem econômica” pode ser aplicado sob

55

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.

174. 56

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1950/SP. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.

Eros Grau. Brasília, 03 de novembro de 2005. Disponível em: <https://goo.gl/EoLFhU>. Acesso em 01 nov.

2017.

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38

diversos sentidos. Aqui opta-se, porém, pelo sentido escolhido por André Ramos Tavares57

,

segundo a qual trata-se da “parcela do sistema normativo voltada para a regulação das

relações econômicas que ocorram em um Estado”.

Se assim for, podemos dizer que a parcela mais substancial desse sistema normativo

está compreendida no Art. 170 da Constituição, no qual estão previstas as principais garantias

e liberdades dos agentes econômicos:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme

o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as

leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos

previstos em lei.58

Com efeito, uma leitura desses princípios revela que não há certa homogeneidade

entre eles, conforme foi apontado pelo Ministro Luís Roberto Barroso59

. Todavia, é

justamente no exercício conjunto dessas normas e princípios que se mantém possível o

ambiente econômico, porquanto, cumprindo esse regramento, tem-se uma sociedade livre, na

qual os agentes econômicos poderão livremente atuar – e gerar uma máxima prosperidade

econômica.

57

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 82. 58

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 nov.

2016. 59

BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de

preços. Revista de Direito Administrativo, [s.l.], v. 226, p.187-212, 9 mar. 2015. Fundação Getúlio Vargas.

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Esses ditos agentes econômicos correspondem justamente àqueles indivíduos ou

instituições que, em razão de suas escolhas ou ações, interferem direta ou indiretamente no

quadro econômico60

. São eles: as famílias, as empresas, a administração pública e o mercado

externo. Todos eles interagem entre si, num ciclo natural e vicioso. As empresas são

responsáveis pela maior geração de riqueza e oferecem serviços e produtos às famílias e ao

mercado externo, ao passo que são fiscalizadas pelo Estado, representado na Administração

Pública. É com esta interação inquestionável que, juntos, esses agentes econômicos dão

sentido e movimento à Economia.

A boa manutenção desse elo, contudo, depende da observância dos princípios acima

elencados. Cada um deles, em certa medida, corresponde a uma face da ordem econômica a

qual deve ser respeitada.

O respeito à propriedade privada, por exemplo, prevista no Art. 170, II, da CRFB/88,

merece uma interpretação completamente diferenciada daquela retratada no Art. 5º, XXII, da

mesma carta normativa. Enquanto que o respeito à propriedade privada elencada no rol de

direitos fundamentais se refere à defesa individual dos bens e patrimônios de um único

cidadão, a propriedade privada existente nos incisos do Art. 170 merece outra compreensão.

Esta se refere àquela propriedade privada que está em pujança, gerando riqueza. Essa

propriedade pujante merece prioridade em sua defesa porque está dando retorno à sociedade e

cumprindo a sua função social. Com isso, se está evitando os abusos de propriedade e

maximizando o rendimento dos agentes econômicos.

Outro princípio que merece particular destaque é aquele previsto no Art. 170, VIII: a

busca do pleno emprego. Este também não pode ser interpretado de forma literal, cabendo a

ele uma interpretação muito mais extensiva. Nesse caso, o que interessa à ordem econômica

constitucional é o pleno emprego dos fatores de produção. Isso significa dizer que o nosso

Estado vive uma busca incessante de máximo rendimento de seus setores econômicos. Para

isso, o Estado eventualmente precisa intervir na economia, com o objetivo de que os fatores

de produção não se tornem subutilizados, estando eles sempre em níveis ótimos, que significa,

dentre várias coisas, um máximo de trabalhadores empregados, uma indústria naval e

automotiva funcionando bem, bom setor de serviços, etc.

Esse último princípio, assim como vários outros, poderia ser alvo de melhor

aprofundamento, podendo ele, quiçá, ser palco de outro ensaio acadêmico. Por isso, seria

60

CARVALHO, Cristina Maria Jesus; RIBEIRO, Leonor Carmona. OS AGENTES ECONÓMICOS E AS

SUAS RELAÇÕES. 2007. 11 f. TCC (Graduação) - Curso de Engenharia Civil, Departamento de Engenharia

Civil, Instituto PolitÉcnico de Coimbra, Coimbra, 2007.

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impossível falar de forma tão detalhada e profunda sobre ele, razão pela qual se optou pela

economia de palavras.

Foi precioso falar desse princípio, contudo, porque é justamente na discussão

levantada sobre o pleno emprego dos fatores de produção que passamos a discutir o imperioso

papel exercido pelo Estado na economia – este, sim, um ponto chave para este trabalho.

Ora, se já sabíamos que a Administração Pública é um agente econômico e que sua

existência é indispensável para a boa manutenção desse ciclo, falta elucidar de que forma e

em que medida essa atuação poderá ocorrer.

Pois bem, antes de tudo, impede ressaltar que o Estado poderá intervir no domínio

econômico a partir diferentes óticas: direta ou indiretamente. Essa intervenção, contudo, é

comedida e obedece às restrições impostas pela Constituição Federal, visto que qualquer

ausência de regramento poderia significar em verdadeiro estorvo para o livre mercado.

Essa normatização poderá ser entendida com maior clareza no tópico subsequente,

vez que aqui se pretende dar maior amplitude ao tema e discuti-lo de forma mais minuciosa.

4.1 O Art. 173, caput, da CRFB/88 e o Princípio da Subsidiariedade

Em que pese isso já tenha sido asseverado, é importante relembrar que a intervenção

desmedida do Estado, quando não necessária, pode causar um desequilíbrio no ciclo de

interação entre os agentes econômicos. Pensando nisso, o constituinte optou por delimitar, de

forma bastante clara, as oportunidades de intervenção capitaneadas pelo Estado.

Essa previsão normativa foi impressa no teor do Art. 173, caput, da Constituição

Federal, segundo o qual:

Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de

atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme

definidos em lei 61

.

O recém-mencionado dispositivo constitucional é límpido. Quando ele aponta que a

intervenção do Estado brasileiro se dará apenas em caráter de exceção, ele também reconhece

que a regra escolhida pelo constituinte foi a da livre iniciativa e livre mercado, sem qualquer

interferência do Estado.

61

Idem.

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Essa lição é especialmente importante porque analisando a evolução da dinâmica

entre Estado e economia, algumas coisas foram aprendidas. Dentre elas, com certeza deve se

destacar que uma intervenção estatal acentuada no domínio econômico pode ser muito custosa

para a sociedade.

Inclusive, esse tema possui bastante visibilidade no ordenamento brasileiro, visto que

tivemos, recentemente, um histórico não desejável de intervenções econômicas – movidas

especialmente pelo Governo Federal.

Apesar disso, não se pode olvidar que, por muitas vezes, a intervenção pode ser

muito benéfica ao sistema econômico, vindo, sobretudo, para organizá-lo. Exatamente por

isso que a nossa Constituição trouxe, em si, autorização normativa para esse tipo de

intervenção.

Existem três principais razões para que a intervenção seja possível em um Estado

predominantemente pautado no livre mercado. Cada uma delas delineada com maior vigor por

João Bosco Leopoldino da Fonseca62

:

A primeira e mais importante razão para que a intervenção seja possível é o seu

potencial de corrigir as falhas existentes no mercado. É com a intervenção que o Estado

consegue garantir de forma mais eficaz a livre competição e reestruturar o mercado, dando a

ele maior sustentabilidade. Conforme sobrelevado por Avelãs Nunes63

, quando o Estado

intervém no quadro econômico, ele não deve ser encarado como um mero estorvo ou

impedimento para os objetivos empresariais, mas, principalmente, como um minimizador dos

riscos de um sistema capitalista. Isso porque se para Adam Smith o homem é, naturalmente,

maximizador de seus interesses, merece resguardar que, sem regulação, ele pode vir a

prejudicar os seus iguais.

A segunda razão a justificar a intervenção advém do imperioso papel assumido pelo

Estado de garantir a distribuição de renda. É de fácil compreensão que o livre mercado é o

principal caminho para geração de riqueza. Apesar disso, a sua lógica é baseada, sobretudo,

na acumulação de capital, base do sistema capitalista. Cabe ao Estado, portanto, garantir que

haja a distribuição da riqueza gerada. O caminho mais natural para isso é, por óbvio, a

despesa pública. É a partir de seus grandes investimentos que o Estado faz movimentar a

economia – desde a compra de pequenas canetas até a construção de grandes rodovias.

Por último, mas não menos importante, se destaca a terceira razão para que haja a

intervenção no domínio econômico: a necessidade de rápidas respostas à política econômica.

62

Idem. 63

NUNES, António José Avelãs. Do capitalismo e do socialismo. Coimbra: Atlântida, 1972, p. 125.

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Ora, se sabemos que a economia é fluida e que os seus fatores (como o câmbio, oferta e

demanda) são variáveis, é importante que o Estado tenha mecanismos de autoajuste e saiba

combater de forma rápida e eficaz algumas distorções. Essa concepção do Direito Econômico

se mostrou útil para qualquer modelo da sociedade moderna, não devendo essa matéria ser

apresentada tão somente como um “modelo jurídico antiliberal”, conforme indicado por

Washington Peluso64

.

Essa intervenção, todavia, só será permitida em casos excepcionais, seja para

cumprir os imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo. É justamente

dessa excepcionalidade que advém o princípio da subsidiariedade. Esse princípio está

diretamente relacionado à ideia de que, ao Estado, só cabe agir na economia quando a ele for

imperativo complementar ou suplementar onde há distorções.

Veja-se que para José Alfredo de Oliveira Baracho65

, o princípio da subsidiariedade

se aplica também no direito econômico, pois apesar dele sugerir normalmente um papel de

suplência, para a economia ele pode ser interpretado como meio de “conter ou restringir a

intervenção do Estado”.

Sendo assim, a permissão contida no Art. 173, caput, dá azo para que a intervenção

ocorra em duas circunstâncias principais: quando imperativo para a segurança nacional e

quando houve interesse coletivo. É bem verdade que essas duas expressões não possuem

definição muito clara, o que acaba tornando a análise do caso mais subjetiva e aberta. Apesar

disso, é válido tentar compreendê-las em certa medida.

O imperativo de segurança nacional está normalmente relacionado à própria defesa

do território nacional e dos planos estratégicos de um país. Para Alvacir Nicz66

, requer-se que

algumas iniciativas não estejam concentradas nas mãos de particulares, como é o caso do

petróleo e da energia atômica, pois além de possuírem alto potencial bélico, são importantes

para a independência econômica da nação.

O interesse coletivo, por sua vez, está muito mais relacionado à própria vida em

sociedade. Isso porque o interesse individual nem sempre merece prevalecer, sendo muito

mais útil que se valorize a vontade implícita da maioria, representada na soma de vários

interesses individuais – e normalmente defendida pelo Estado.

64

SOUZA, Washington Peluso Albino de; CLARK, Giovani. Direito Econômico e a Ação Estatal na Pós-

modernidade. São Paulo: LTR, 2011, p. 25. 65

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio de Subsidiariedade: Conceito e Evolução. Revista da

Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 35, p.13-52, 1995. 66

NICZ, 1981, p. 114 apud TAVARES, 2011, p. 279.

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Nesse caso, a intervenção poderá assumir dois diferentes meios: a direta e a indireta.

Cada uma delas com suas particularidades e suas especificidades, conforme se pretende

apresenta-las no tópico a seguir. Inicialmente, se introduzirá de que forma a Administração

Pública pode intervir diretamente na economia, para só então dissecar melhor as modalidades

de intervenção indireta.

4.2 A Intervenção Direta do Estado no Domínio Econômico: o Estado Empresário

Em determinadas circunstâncias, o Estado pode perceber que um setor econômico

está em dificuldade, se vendo, assim, obrigado a absorvê-lo ou ajudá-lo, por meio da criação

de uma Estatal. Nessa conjuntura, entende-se que o Estado precisará imergir completamente

nesse setor econômico, tomando para si a função empresária.

Diante desse panorama, Eros Grau67

aponta que, ao assumir uma intervenção direta,

o Estado estará intervindo no domínio econômico por meio de uma dessas duas modalidades:

absorção ou participação.

Será considerada a absorção caso o setor econômico esteja completamente

descoberto, sendo necessário que o Estado assuma uma função de monopólio e supra as

necessidades do mercado. Por sua vez, a dita participação ocorre quando, mesmo já havendo a

livre iniciativa de particulares para determinada área, a demanda não esteja sendo suprida,

fazendo crer que o Estado precisará ajudar essas empresas a dar vazão ao mercado, por meio

de suas estatais.

Em ambos os casos, a Administração age no campo econômico em sentindo estrito,

ou seja, assume uma posição de frente e figura como um dos agentes econômicos principais,

dando ação ao ciclo econômico. Essa tarefa não cabe somente à União. Quando evocado, o

dito “exploração direta da atividade econômica pelo Estado abrange todas as entidades

estatais (União, Estados, Distrito Federal e Município)”, conforme desenha o

constitucionalista José Afonso da Silva68

.

Não de pode olvidar, contudo, que existem algumas “atividades reputadas como de

alta relevância nacional e social”69

que, por sua natureza, implicam num modelo irrenunciável

de monopólio. Por muitas décadas esse caso se aplicou ao petróleo nacional, que chegou a ser

expresso na redação da Constituição Federal de 1967, Art. 162, segundo o qual a pesquisa e a

67

Ibid., p. 147. 68

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

804. 69

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 281

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lavra do petróleo seriam monopólio da União70

. Outro caso célebre é o manuseio de minérios

nucleares.

Essa concentração é, por muitas vezes, justificada, mas pode sofrer algum tipo de

flexibilização, a depender, especialmente, das necessidades de mercado e do momento vivido

pela nação.

Essa discussão é particularmente recente, se considerarmos que hoje o Brasil

experimenta um momento particularmente interessante em relação à abertura de exploração

do Pré-sal para o mercado externo. Ao leiloar algumas bacias de petróleo na região do pré-

sal71

, o Governo Federal desobriga a Petrobrás a explorar áreas estrategicamente pouco

vantajosas para a empresa, possibilitando que a petroleira consiga potencializar sua eficiência

e produção. Por outro lado, com a concessão das demais áreas, o Estado consegue arrecadar

bons capitais externos – bastante convenientes para o momento fiscal em que vivemos.

Ainda assim, é importante citar a Petrobrás como exemplo, porque essa empresa tem

se mostrado nos últimos tempos especialmente autônoma. Essa característica é, inclusive, um

dos centros de discussão, porque nos remete à distinção entre a Administração direta e

indireta.

Pois bem, ao longo de seu tempo, a Administração Pública percebeu que não era tão

vantajoso centralizar em si todo o poder e responsabilidade de seus órgãos. Eventualmente,

portanto, passou a criar novas pessoas jurídicas, com o objetivo de distribuir a elas suas

competências.

Para Di Pietro72

, esse fenômeno é chamado de descentralização e resume os casos em

que a Administração distribui competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica. Com

esse fenômeno jurídico que se dá vida às quatro espécies da administração indireta:

autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Dessas quatro, duas dela tem como função principal a participação no quadro

econômico, sejam elas: as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A definição

jurídica de cada uma delas encontra respaldo no Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

[...]

70

Idem. 71

BRASIL. Pré-Sal: 2ª e 3ª Rodadas arrecadam R$ 6,15 bilhões. 2017. Disponível em: <goo.gl/WLd7XW>.

Acesso em: 02 out. 2017. 72

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2015, p. 516.

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II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,

com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a

exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de

contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das

formas admitidas em direito.

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de

direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma

de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à

União ou a entidade da Administração Indireta.

[...]

Nessa toada, podemos usar como exemplo os dois maiores bancos nacionais: a Caixa

Econômica Federal e o Banco do Brasil. Enquanto a primeira é uma empresa pública, cujos

recursos advêm exclusivamente da União, o Banco do Brasil se mostra atualmente como uma

sociedade de economia mista, sob a forma de sociedade anônima.

Se fôssemos considerar a classificação feita por Eros Grau, trata-se de intervenção

direta em sua modalidade de participação, visto que ambos os bancos convivem

harmoniosamente com outros bancos privados.

A intervenção direta não é, contudo, a única forma de intervenção do Estado na

economia. Essa intervenção poderá ocorrer também na sua forma indireta, conforme será

explicado no tópico seguinte.

4.3 A Intervenção Indireta do Estado no Domínio Econômico

As experiências somadas ao longo do Século XX foram particularmente importantes

para o Estado. Por um lado, descobrimos que, algumas vezes, se torna imperioso intervir no

domínio econômico. Por outro, contudo, vimos que essa intervenção nem sempre precisa

ocorrer de forma direta, isto é, com o Estado realizando a função empresária.

Silveira Neto73

retrata que a nossa Constituição Federal tem conhecimento que num

mercado competitivo, os espaços econômicos são preenchidos naturalmente pela livre

concorrência. Além disso, o autor afirma que o Estado reconhece não ser um bom

administrador privado, pois jamais alcançaria um alto desempenho com a eficiência e rapidez

que o setor privado conseguiria. Essa realidade parece realmente lógica. Se o homem é o

73

SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A Instrumentalidade da atividade financeira do Estado como

indutora do desenvolvimento econômico – o papel dos incentivos fiscais na promoção da livre concorrência e

da livre iniciativa. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, n. 41, p.119-134, 2013. p. 131.

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maximizador de seus interesses, terá plena vontade de ver o seu negócio dando seu mais alto

rendimento – panorama que nem sempre é visto na Administração Pública.

Essa lição abriu portas para que o Estado começasse a pensar em outros meios de

intervenção na economia, afinal é mais interessante e menos custosa que sua atuação

ocorresse de forma indireta. Ora, ao seu favor, o Estado concentra, dentre tantas funções, o

poder de polícia e a ação legiferante, que são fortes aliadas para uma intervenção bem

sucedida na economia. Assim, não há razão para que o Estado prefira criar uma estatal se

existem caminhos mais simplificados para corrigir uma falha de mercado.

É o caso, por exemplo, do Estado que assume as funções de agente normativo e

agente regulador da economia.

Quando estiver na função normativa, o Poder Público será o responsável por criar as

regras de funcionamento do mercado. Dentre outras coisas, ele estabelecerá quais os regimes

de exploração de determinado bem de consumo, de que forma ocorrerá a sua

conservação/venda ou qual o limite para determinada substância em sua composição.

Daí decorre, também, a criação de um marco legal para determinado seguimento

econômico – no Brasil, temos como exemplo a exploração do petróleo. Esse conjunto

normativo possibilita um ambiente de maior segurança jurídica para o mercado e torna o

investimento externo mais previsível, o que dá mais confiança ao investidor.

Por sua vez, quando assumir o papel regulador, o Estado agirá como organizador do

sistema econômico, impedindo que as diversas falhas de mercado ocorram.

Para esse caso, André Ramos Tavares74

aponta que o modelo regulador é o novo

formato de intervenção contemporânea, pois, por mais que o Estado tenha se afastado da

prestação econômica efetiva, este passou a regular e acertar, de longe, a conduta privada.

Esse panorama coloca a interferência direta em segundo plano, visto que ela deixa

de ser uma regra e passa a ser uma excepcionalidade75

do Estado, que passa a priorizar uma

atuação normativa e regulatória.

Logo, considerando essas duas concepções, o Poder Constituinte optou por indicar,

no próprio texto constitucional, por quais modalidades o Estado cumprirá o seu papel

normativo e regulador, conforme pode ser visto na redação do Art. 174, caput, da CRFB/88,

in verbis transcrito:

74

TAVARES, 2003, p. 289-290 apud PAVANI, 2013, p. 4. 75

PAVANI, Daniela Elias. Regulação e Agências Reguladoras no Direito Brasileiro. Revista Virtual da

AGU, [s. l], v. 132, n. 13, p.1-16, fev. 2013.

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Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

[...] 76

Cada uma dessas modalidades merece um estudo mais aprofundado, o que será feito

no subtópico a seguir, pois elas guardam em si diversas particularidades e discussões.

4.3.1 O Estado indutor da economia

A atuação do Estado deverá ocorrer sempre que um determinado segmento da

economia não esteja funcionando como o esperado. Nesse caso, para tentar corrigir essa

distorção, o ente estatal poderá se utilizar de sua função indutora e criar implementos para

tornar uma atividade econômica mais atraente.

Logo, a despeito da atividade continuar sendo exercida pela iniciativa privada, “os

benefícios e vantagens concedidos pelo Estado incidem na autonomia dos particulares,

guiando-a ao interesse público” 77

. Esse incentivo, porém, não pode ocorrer de tal forma que

impossibilite ou desequilibre a livre concorrência, isto é, “o benefício de um não pode

significar a derrocada de outros”, conforme aponta André Ramos Tavares78

.

Em verdade, esse tipo de intervenção deve ocorrer por meio de regras instrumentais,

que, ao interferirem indiretamente na economia, poderão incentivar ou desincentivar uma

determinada prática79

. Trata-se de um estímulo que favoreça o desenvolvimento de um

segmento ou prática econômica, da qual proverá o seu melhor e mais adequado resultado80

.

O papel exercido por esse incentivo econômico já foi palco de discussão, inclusive,

no plenário do Supremo Tribunal Federal, quando o Ex.º Ministro Relator Eros Grau proferiu

o seu voto na ADI 3512, responsável por julgar a constitucionalidade da Lei Estadual

7.737/2004, do Espírito Santo:

Quando o faz, por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção em

consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.

76

Idem. 77

Ibid., p. 308. 78

Idem. 79

SILVA, Bruno Mattos e. Limites Constitucionais à Ação Estatal na Economia. In: SENADO

FEDERAL. Constituição de 1988: O Brasil 20 Anos Depois - Estado e Economia em Vinte Anos de Mudanças.

4. ed. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, 2008, p. 12. 80

NASCIMENTO, 1989, p. 34 apud TAVARES, 2011, p. 308.

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No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que,

embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que

afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não,

contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de

Modesto Carvalhosa (Considerações sobre Direito Econômico, tese, São Paulo,

1971, pág. 304) no de “leva-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social

que transcende os limites do querer individual”. Nelas, a sanção, tradicionalmente

manifestada como comando, é substituída pelo expediente do convite – ou, como

averba Washington Peluso Albino de Souza (Direito Econômico, Saraiva, São

Paulo, 1980, pág. 122) – de “incitações, dos estímulos, dos incentivos, de toda

ordem, oferecidos, pela lei, a quem participe de determinada atividade de interesse

geral e patrocinada, ou não, pelo Estado”. Ao destinatário da norma resta aberta a

alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição nela

veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto resultará juridicamente vinculado

por prescrições que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa

adesão. Penetramos, aí, o universo do direito premial81

.

Não se pode olvidar, sobretudo, que essa função de incentivo se relaciona

diretamente com o Art. 170, VII, da CRFB/88, segundo o qual a ordem econômica buscará a

redução de desigualdades regionais e sociais de nosso país.

Pois bem, é verdade que a evolução histórica do Brasil e o nosso desenvolvimento

socioeconômico resultaram na concentração de riquezas em alguns polos industriais,

notadamente as regiões Sul e Sudeste. Para driblar essa distorção, os Estados brasileiros

passaram a adotar uma política de incentivo fiscal, tornando o seu território mais atraente para

a fixação de fábricas e polos industriais.

Essa prática, contudo, vem gerando um ambiente de desconforto entre as unidades

federativas, que hoje não só competem entre si para sedear determinadas empresas, como

também vivem uma chamada guerra fiscal. A arma principal, claro, é o ICSM – imposto sobre

circulação de mercadorias e prestação de serviços – que é de competência estadual e a

principal moeda de barganha entre os Estados82

.

Merece lembrança, inclusive, que medida semelhante já foi tomada pela União

quando instituiu a Zona Franca de Manaus por meio do Decreto-Lei 288/1967, o qual

impulsiona o desenvolvimento econômico da Amazônia Ocidental. A título de informação,

81

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3512/ES. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.

Eros Grau. Brasília, 15 de fevereiro de 2006. Disponível em: < https://goo.gl/sR1tEz>. Acesso em 20 out. 2017. 82

VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem Ganha e Quem Perde. Brasília: IPEA, Julho/1997

(Texto para Discussão nº 500). Disponível em: <https://goo.gl/m3dVNQ>. Acesso em: 20 set. 2017.

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para as empresas que desejem se instalar na região, por exemplo, há uma redução de até 88%

do imposto de importação (II) sobre os insumos destinados à industrialização; isenção de

imposto sobre produtos industrializados (IPI); redução de 75% de imposto de renda para

pessoa jurídica e restituição parcial ou total do ICMS83

.

Outro exemplo de incentivo capitaneado pelo Poder Público são os subsídios dados a

determinado seguimento econômico. Nesse caso, o interesse da Administração não está

alicerçado no desenvolvimento econômico de determinada região, mas sim em melhorar a

competitividade de um determinado produto nacional, barrando, assim, as importações e

aumentando as exportações. É uma típica prática protecionista, a qual tem sido combatida

com bastante afinco pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em caso recente, essa Organização decidiu, inclusive, em favor do Brasil, ao

condenar as barreiras impostas pelos Estados Unidos ao suco de laranja aqui produzido. Isso

mostra que o estímulo dado pelo Estado a determinada área econômica poder ser até mesmo

exagerado, causando óbices ao livre mercado (interno e externo) e prejudicando diretamente o

consumidor.

Ao implementar essas medidas, então, o Estado precisa ser cauteloso e não

personalizar o incentivo, pois poderia estar favorecendo um único grupo industrial em

detrimento dos demais. Se assim for, a atuação estatal em nada estará contribuindo para

corrigir as distorções de mercado, mas sim as agravando, pois estará na contramão da livre

concorrência e do livre mercado.

No mais, ao tratar esse assunto, sabe-se, com muita clareza, que dentre os princípios

que regem a Administração Pública está o da impessoalidade. Esse princípio se traduz, nas

palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, na qualidade da Administração de “tratar a

todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas, [visto que] simpatias

ou animosidades pessoais [...] não podem interferir na [sua] atuação administrativa” 84

.

4.3.2 O Estado e o planejamento econômico

A ideia de planejamento deriva de um processo de racionalização da ciência

econômica. Esse momento coincide justamente com o advento das ideias liberais

desenvolvidas por Adam Smith, que sistematizou, pela primeira vez, a economia.

83

BRASIL. Modelo Zona Franca: Incentivos. 2017. Disponível em: < https://goo.gl/cdzCNe >. Acesso em: 02

nov. 2017. 84

MELLO, 2011 apud BARRETO, 2014.

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O planejamento em si, porém, surge apenas no início do século XX, “como forma de

imprimir ao mercado um direcionamento diverso daquele que o regeria se deixado às suas

‘leis naturais’” 85

.

É compreensível, inclusive, que essas ideias tenham surgido na primeira metade do

século passado, especialmente em razão dos efeitos adversos deixados pela Grande Depressão

de 192986

. Naquele momento, a falha de mercado provocada pelos excessos da década de

ouro causou um descompasso tão significativo na economia, que se fez necessário repensar a

política econômica vigente na época.

Nesse caso, não bastava corrigir as distorções deixadas pelo liberalismo exacerbado,

era necessário um planejamento econômico capaz de impedir que uma crise como a de 29

voltasse a se repetir. Nesse panorama, apesar de sabermos que uma sociedade livre é muito

capaz de gerar riqueza, é sabido também que todo o capital gerado virá de forma desordenada.

Para se organizar e se desenvolver, então, é necessário que o Estado planeje as suas ações.

Assim, esse planejamento econômico surge para ordenar a economia. Seu propósito

principal seria o de criar “um conjunto de medidas previstas para a adoção corretiva dos

desequilíbrios estruturais, bem como os desvios conjunturais para uma determinada

economia” 87

.

Para André Ramos Tavares 88

, esse processo de planejamento envolve três fases,

quais sejam: a decisão de planejar, o plano em si e a implementação do plano. Naquele

primeiro momento, quando se decide planejar, é comum que o Poder Público primeiro faça

uma análise diagnóstica sobre o quadro econômico e, em seguida, proponha objetivos que

solucionem as distorções. Quando falamos do plano em si, estamos nos retratando ao

enquadramento concentro da decisão, enquanto que a implementação é o momento em que

serão realizados os objetivos e, claro, os resultados começarão a ser percebidos.

Merece destaque, todavia, que o planejamento se dá de forma determinada apenas

para o setor público, sendo ele meramente indicativo para o setor privado. Essa previsão

normativa constante no Art. 174, caput, da CRFB/88, teve como objetivo principal garantir a

liberdade de atuação e decisão das empresas privadas. Embora os particulares ainda estejam

subordinados às regras de fiscalização e incentivo emitidas pelo Estado, certamente eles não

estão vinculados a todas as normas expedidas pelo Poder Público. Isso ocorre justamente para

85

Idem. 86

Conhecida crise econômica vivida pelos Estados Unidos da América após a quebra da Bolsa de Valores de

Nova York, em 1929. 87

Conceito formulado a partir dos ensinamentos do Professor Raimundo Bezerra Falcão, da Universidade

Federal do Ceará. 88

Ibid., p. 310.

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que o Estado não tenha em suas mãos o poderio necessário para engessar a economia e

planificá-la.

Adentrada essa discussão, é imperioso ressaltar que existe uma diferença substancial

entre o planejamento econômico e a planificação. Enquanto o primeiro tem por objetivo

adotar medidas corretivas no reajuste econômico, a planificação se assemelha mais aos casos

de planejamento compulsório, impositivo – modelo escolhido pela antiga União Soviética.

Nesse último caso, a produção é prévia e racionalmente planejada por especialistas, de modo

que não haja escassez ou excesso de determinado produto, mantendo-se um preço fixo para

cada produto.

Esse tipo de intervenção, contudo, deixa o seu caráter indireto para se aproximar

muito mais a uma intervenção direta, visto que o Estado passa a tomar conta de todos os

meios de produção.

De qualquer forma, ainda falando sobre o planejamento na ordem econômica

brasileira, não se pode olvidar que o Art. 182 da Constituição Federal de 1988 tem ampla

relação com o planejamento econômico. Em verdade, apesar de sua redação ser muita mais

voltada ao próprio indicativo de planejamento urbano, sabe-se que uma cidade bem

estruturada extrai de si o seu melhor rendimento. Basta que haja um bom funcionamento dos

meios de transporte, indústrias bem amparadas para o escoamento de sua produção e uma

infraestrutura bem delineada.

Assim, é fácil perceber que, quando bem planejada, a economia, ou qualquer outra

ciência próxima, terá melhores condições para seu desenvolvimento, estando ela muito mais

preparada para enfrentar determinadas distorções ou eventuais gargalos.

4.3.3 O Estado Fiscalizador

A modalidade fiscalizatória de intervenção estatal no domínio econômico é digna de

uma atenção especial para este trabalho. Isso ocorre porque esse meio de intervenção indireto

se relaciona diretamente com o objeto de estudo, isto é, a “Operação Carne Fraca”.

Eis que, em certa medida, a maioria das irregularidades verificadas durante a

supramencionada operação ocorreu em razão de um desvio de conduta de alguns fiscais

agropecuários, que certamente não cumpriram com excelência o trabalho a eles designado.

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Pois bem, no exercício de sua função fiscalizadora, cabe ao Estado controlar a

juridicidade dos atos realizados por agentes econômicos89

, manifestando-se como um agente

regulador90

. No caso, ele analisará se há correspondência entre o que é normalmente praticado

pelo empresariado e as normas do nosso ordenamento econômico. Essa atividade é

especialmente importante porque é o freio dado pelo Poder Público à atividade empresarial –

é o momento em que a vontade do particular passa a ser modulada pelos interesses coletivos,

ouse já, aqueles que estão impressos na norma legal.

No mais, a fiscalização estatal é o principal aliado na boa prestação de serviços e

produtos ao consumidor. Este, cuja hipossuficiência é latente, jamais poderia ter condições de

averiguar se a produção de determinado bem cumpre os padrões legais ou se aquela

determinada empresa tem cumprindo um plano de produção sustentável/ecológico.

Ora, não é difícil imaginar que um empresário tenha pleno interesse na maximização

dos seus lucros. Esse objetivo, contudo, não pode ser alcançando a troco de uma péssima

prestação de serviços. Não seria razoável aceitar que o empresariado tentasse aumentar tanto a

sua margem de lucro, que sequer se importasse com a vida útil dos bens produzidos ou com o

seu padrão de segurança. Sendo assim, a fiscalização pública ajuda a impor limites à própria

atuação de particulares, que, no afã de alargar seus interesses financeiros, poderiam colocar

no mercado produtos e serviços que fossem indesejáveis ao interesse e à saúde pública.

Muito provavelmente dessa lógica advém uma célebre anotação feita por Eros

Grau91

, segundo o qual “o direito moderno é o instrumento de que se vale o Estado para

defender o capitalismo dos capitalistas”. Com efeito, somente no exercício dessas normas que

o sistema econômico poderá perpetuar o seu caráter sustentável, pois, ao contrário, os agentes

econômicos serão os responsáveis por sua própria implosão.

Essa temática coloca em oposição dois dos principais pontos de convergência do

Direito Administrativo moderno: as liberdades individuais e a autoridade exercida pela

Administração Pública. Nesse passo, ao tempo que o particular pretende exercer com

plenitude os seus direitos individuais, a Administração Pública precisa condicionar tal

exercício ao bem-estar coletivo 92

.

89

Ibid., p. 304. 90

Anote-se que há distinção conceitual entre o que entendemos por regulação e regulamentação. Enquanto a

regulação está muito mais relacionada ao estudo do Direito econômico, visto que o Estado cumpre um papel de

ordenador da economia, a regulamentação é matéria estudada pelo Direito Administrativo e decorrente do Art.

84 da CRFB/88, segundo o qual o Poder Executivo detém o poder regulamentar para publicar Decretos que

esclareçam a Lei. 91

GRAU, Eros Roberto. Direito Posto e Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 132. 92

Ibid., p. 155. 155 2014

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Para Zanobini93

, essa oposição enfrentada entre a vontade do particular e o dever da

Administração não parece ser incompreensível, visto que “a ideia de limite surge do próprio

conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também

juridicamente limitado”.

Logo, percebe-se que o próprio poder fiscalizatório detido pelo Estado, por muitas

vezes, se materializa no exercício de poder de polícia ostentado pela Administração, cujo

significado, segundo desenha Di Pietro 94

, nada mais é do que a “atividade do Estado

consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

O exercício desse poder de polícia, contudo, pressupõe que o Estado anteriormente

tenha cumprido o seu papel de agente normativo, conforme aponta Santos Júnior95

. Tal

assertiva é verdadeira porque a normatização é justamente o instrumento capaz de estabelecer

os limites e parâmetros da atividade fiscalizatória. Sem ela, não haveria segurança jurídica e o

Estado poderia atuar a seu bel prazer, cometendo qualquer tipo de arbitragem que julgasse

necessária.

Assim, a norma deve ser pública e bem conhecida, pois é na publicidade que os atos

administrativos passam a ter alguma eficácia. Quando não conhecidos, inclusive, esses atos e

normas gerais perdem um pouco de sua efetividade, porque o seu descumprimento, embora

nem sempre desejado pelo particular, se torna automático.

Uma boa referência para entender o descumprimento de uma norma pelo seu

desconhecimento é o local proibido de se estacionar. Caso não haja uma placa indicando tal

proibição, não se pode exigir que o particular a cumpra, pois a ele não recai o dever de saber a

existência de um ato administrativo não publicizado.

Na vigência da norma, agirá a Administração, cuja atuação será chamada quando

imprescindível para garantia do interesse público. Se o administrador extrapolar essa medida,

estará cometendo abuso, mesmo porque há poder pelo simples poder.

Esse instrumento de controle demonstrado pela Administração possui duas formas de

exercício: a vinculada e discricionária. Quando o ato administrativo for vinculado, este

obedecerá objetivamente todos os elementos constantes na lei, sem dar ao administrador

qualquer margem de escolha96

. O mesmo não ocorre, porém, no exercício discricionário de

93

ZANOBINI, 1968, p. 191 apud DI PIETRO, 2014, p. 155. 94

Ibid., p. 158. 95

SANTOS JUNIOR, Althair Ferreira dos. Intervenção estatal sobre o domínio econômico: fiscalização,

incentivo e planejamento. Revista de Direito Público, Londrina, v. 3, n. 3, p.244-264, set. 2008. Quadrimestral.

p. 258. 96

CAVALCANTI, Rodrigo. Ato administrativo: discricionariedade x vinculação. In: Âmbito Jurídico, Rio

Grande, VI, n. 13, maio 2003. Disponível em: <https://goo.gl/aScgDQ>. Acesso em nov 2017.

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um ato administrativo. Diferente do primeiro caso, o administrador terá uma margem de

escolha, poderá definir com base nos seus critérios de oportunidade e conveniência97

. Não se

trata de uma escolha arbitrária, mas sim na margem da lei.

O poder de polícia, contudo, poderá, a um só tempo, assumir qualidades vinculadas

ou discricionárias, a depender do caso. É importante notar que, no exercício desse poder

administrativo, o Estado estará restringindo liberdades individuais, bem como o uso, gozo e

disposição da propriedade. Essas garantias são de tamanha importância, que devem ser

resguardadas que qualquer arbitrariedade. Sendo assim, é preferível dizer que a limitação

dessas liberdades ocorre sempre dentro dos ditames legais e constitucionais – o que

aproximaria o poder de polícia de um ato vinculado.

Ocorre, contudo, que o ato administrativo tomado pelo Estado, especialmente nos

casos em comento, de fiscalização, sempre levarão em consideração o caso concreto. Análise

da situação in loco, respeito às normas legais, observância de parâmetros internacionais etc.

Nesse caso, certamente a Administração terá uma margem de escolha, análise do caso, para só

então aplicar ou não determinada sanção administrativa.

Ora, ao se falar de sanção, não se poderia deixar de falar, também, dos reconhecidos

atributos pertencentes ao poder de polícia. Este, além de imperativo, poderá ser coercível e

autoexecutável. Será imperativo na medida em que a Administração pode impor determinada

obrigatoriedade aos seus atos. Será coercível porque ela poderá fazer uso de meios indiretos

de coerção, como a multa (que é um dos principais desincentivos ao descumprimento da

norma). E, também, poderá ser autoexecutável – motivado pela urgência ou por previsão legal

–, se a Administração for capaz de usar meios diretos para sanar a irregularidade.

O exercício do poder de polícia, entretanto, nem sempre estará concentrado apenas

nas mãos da Administração Pública Direta. Embora este seja o cenário mais comum, esse

poder administrativo também poderá ser exercido, em certos casos, pela Administração

Pública Indireta.

Normalmente, trata-se de uma prerrogativa dada aos modelos atuais de autarquias,

que representam, hoje, os principais sujeitos fiscalizatórios da Administração descentralizada.

Essa espécie de pessoa jurídica pode ser definida como uma entidade de serviço

autônomo, instituída por lei, a qual possui sua própria personalidade jurídica, patrimônio e

receita para a execução de atividades normalmente desenvolvidas pela Administração Pública,

conforme o Art. 5º, I, do Decreto-lei nº 200/67.

97

Idem.

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A autonomia da autarquia comum, todavia, está sujeita ao controle de sua função

finalística, o que normalmente a vincula a algum órgão da Administração direta. A princípio,

esta relação não resultaria em comprometimento de sua independência. Contudo, com o

passar do tempo, a intervenção feita pela administração foi cada vez mais direta, o que acabou

por criar óbices ao bom funcionamento dessas pessoas jurídicas.

Para escapar desse gargalo, então, foram criadas as autarquias sob regime especial,

“que se distinguem da autarquia comum apenas por lhe conferir a lei maiores privilégios, de

modo a ampliar a sua autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas

finalidades”98

. São bons exemplos desse tipo de autarquia: as agências reguladoras99

, o Banco

Central e os conselhos profissionais.

As agências reguladoras podem ser consideradas como novíssimos agentes de

controle estatal, cuja influência e autoridade estão delimitadas na sua própria esfera de

competência100

. Elas nada mais são do que entidades governamentais cujo propósito principal

é fiscalizar, controlar e regular os produtos e serviços de interesse público101

, atuando em

variados setores estratégicos, tais como: telecomunicações (ANATEL), serviço de saúde

suplementar (ANS), aviação civil (ANAC), energia elétrica (ANEEL) etc.

O papel fiscalizatório desenvolvido por essas agências reguladoras são, em verdade,

um grande benefício ao mercado, pois são elas as responsáveis por estabelecer as regras de

funcionamento para o setor – que, normalmente, são bastante adequadas, tendo em vista a alta

especialidade em que a agência reguladora se encontra. Nesse contexto, a gestão deixa de ser

política para se torna técnica, o que torna adequada e previsível a atuação fiscalizatória.

O Banco central exerce papel semelhante na ordem econômica brasileira102

. Embora

essa entidade não seja considerada como uma agência reguladora, seu caráter suis generis

acaba por aproximá-lo dessa espécie de autarquia, cujo serviço a ser fiscalizado e regulado é a

própria moeda do país.

Os conselhos profissionais, por sua vez, também são reconhecidos como autarquias

sob regime especial. Isso porque, embora não exerçam qualquer serviço público, os conselhos

98

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.

213, p. 141, jul./set. 1998. 99

PINHEIRO, Ivan Antônio; MOTTA, Paulo Cesar Delayti. A condição de autarquia especial das agências

reguladoras e das agências executivas e as expectativas sobre a qualidade da sua gestão. RAP, Rio de Janeiro, v.

3, n. 36, p.459-483, maio 202. Bimestral. 100

PHILIPPE, 1996, p. 93 apud BUENO, 2015, p. 5. 101

IDEC. Conheça o papel das agências reguladoras. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/XJ3U6K>. Acesso

em: 15 out. 2017. 102

VIOLIN, Tarso Cabral. Aspectos gerais das agências reguladoras no direito brasileiro. Revista Jus

Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 844, 25 out. 2005. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/7423>. Acesso em: 1 nov. 2017.

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detêm poder de polícia. Nesse caso, jamais poderiam ser considerados como pessoas jurídicas

de direito privado, pois a elas não pode ser delegado poder de polícia, visto que se trata de

uma atribuição tipicamente estatal, conforme foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos

autos da ADI 1.717/DF103

.

Outra importante autarquia sob regime especial em funcionamento no nosso país é o

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Este órgão surgiu em 1962104

com o

propósito de fiscalizar a gestão econômica e a contabilidade das empresas. Essa entidade,

todavia, se transformou com o tempo e hoje é o principal agente responsável na instrução e

apuração de infrações à ordem econômica, bem como fiscalizador dos atos de concentração e

conglomeração de empresas105

.

Essa atuação prometida pelo CADE é especialmente importante para garantir os

princípios do Direito Concorrencial. Sem ela, haverá a formação de monopólios ou

oligopólios que comprometam a livre concorrência, principal fator de melhora na eficiência

do mercado. Para isso, é necessário que o CADE participe no processo de formação de

estruturas de mercado, sob o pretexto de evitar fusões não benéficas para a sociedade.

No que concerne ao tema do trabalho, contudo, merece constar que a carne produzida

no Brasil é inspecionada no âmbito da própria Administração Direta, pelo chamado Serviço

de Inspeção Federal (SIF), vinculado ao Ministério da Agricultura. É justamente ele o

responsável pela averiguação da qualidade de todos os produtos de origem animal produzidos

em nosso país, seja ela comestível ou não, e destinados ao mercado interno ou externo106

. São

mais de cinco mil estabelecimentos de fiscalização por todo o país, todos sob supervisão do

Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal107

.

A relação entre a intervenção fiscalizatória do Estado e a Operação Carne Fraca será

desenhada com maior clareza em tópico próprio, visto que se trata de um tema central para o

presente trabalho.

103

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1717/DF. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.

Sydney Sanches. Brasília, 07 de novembro de 2002. Disponível em: < https://goo.gl/XJ3U6K>. Acesso em 01

nov. 2017 104

BRASIL. Lei nº 4137, de 10 de setembro de 1962. Regula e Repressão Ao Abuso do Poder Econômico.

Revogada. 105

BRASIL. Histórico do CADE. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/agwufZ>. Acesso em: 03 nov. 2017. 106

BRASIL. Inspeção de Produtos de Origem Animal - DIPOA. Disponível em: <https://goo.gl/EPudJT>.

Acesso em: 01 nov. 2017. 107

Idem.

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5 A CARNE FRACA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO

ECONÔMICO

Certamente, este é o maior ponto de convergência entre os temas até aqui

trabalhados. É o momento de se fazer um paralelo entre a Operação “Carne Fraca” e a

intervenção do Estado no domínio econômico, especialmente no que diz respeito à sua

modalidade fiscalizatória.

Pois bem, quando anteriormente relacionamos a interação entre os variados agentes

econômicos, estávamos propondo, sobretudo, uma relação também entre os temas centrais do

trabalho. Veja que cada um desses agentes (empresa, famílias, mercado externo e Estado)

cumpre um papel no caso concreto analisado.

De um lado, têm-se as empresas, responsáveis por todo abatimento e processamento

dos produtos cárneos, ao passo que do outro, tem-se o mercado externo e as famílias

consumidoras. O Estado, ao seu tempo, permanece em outro plano, intervindo nessa relação

somente ao cumprir a sua função fiscalizadora.

Nessa senda, perde um pouco da relevância a análise da atividade indutora e de

planejamento do Estado, visto que, para este tema, elas se localizam em segundo plano. Seria

mais urgente, então, analisar qual foi o papel desempenhado pelo Estado brasileiro na

fiscalização do processamento da carne e quais medidas poderiam ter evitado a sua

adulteração, de modo que não fosse necessário sequer deflagrar tamanha operação policial.

Conforme já foi mencionado na seção anterior, o processo de fiscalização de

produtos de origem animal é realizado pelo Serviço de Inspeção Federal, vinculado ao

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Esse serviço é responsável por

registrar e aprovar os produtos cárneos, visando garantir o cumprimento de certificados

sanitários e tecnológicos tanto ao consumidor brasileiro108

quanto ao mercado externo.

Esse rigor fiscalizatório acaba assumindo uma dupla função: além de servir um

produto de qualidade aos consumidores brasileiros, também eleva o padrão de qualidade de

nossos produtos no mercado externo, possibilitando a eles uma melhor competitividade. Isso é

tão verdade, que o Brasil hoje exporta seus produtos para mais de 180 países, não podendo,

assim, haver falhas no seu serviço fiscalizatório.

Esse trabalho envolve diversos processos em operação, sejam eles: o registro do

estabelecimento produtores, a análise dos rótulos de produtos de origem animal, a emissão de

108

BRASIL. Serviço de Inspeção Federal (SIF). 2017. Disponível em: <https://goo.gl/EYdJke>. Acesso em:

01 nov. 2017.

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certificados sanitários e os mapas estatísticos109

. É pelo SIF, também, que o Governo Federal

coordena e integra os serviços de fiscalização estaduais e municipais, conseguindo

harmonizar e unificar as ações e procedimentos de inspeção em todo o país110

.

Hodiernamente, inclusive, a norma responsável por disciplinar todo esse processo de

fiscalização é o Decreto 9.037/17, que regulamenta a Lei nº 1.283/50111

e a Lei nº 7.889/89112

– ambas relativas à inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal.

Essa norma cuida de alguns dos principais procedimentos realizados pelos

abatedouros, além de disciplinar a atuação do SIF durante todo o processo produtivo. Nela

consta que é necessária a presença de, pelo menos, um fiscal agropecuário (do quadro SIF)

para realizar os seguintes atos fiscalizatórios: i) inspecionar a chegada dos animais; ii)

inspecionar o procedimento post mortem (abate) e iii) realizar todo o controle de qualidade.

Se fizéssemos um recorte, os dispositivos a seguir seriam alguns dos mais

interessantes do Decreto 9.037/17113

:

Art. 85. O recebimento de animais para abate em qualquer dependência do

estabelecimento deve ser feita com prévio conhecimento do SIF.

[...]

Art. 102. Nenhum animal pode ser abatido sem autorização do SIF.

[...]

Art. 133. Durante os procedimentos de inspeção ante mortem e post mortem, o

julgamento dos casos não previstos neste Decreto fica a critério do SIF, que deve

direcionar suas ações principalmente para a preservação da inocuidade do produto,

da saúde pública e da saúde animal.

Parágrafo único. O SIF coletará material, sempre que necessário, e encaminhará

para análise laboratorial para confirmação diagnóstica.

Diante disso, e somando essa integração e eficiência, chega a ser até difícil acreditar

que o sistema tenha se esbarrado em tantos gargalos, possibilitando fraudes e adulterações tão

sérias nos frigoríficos que foram investigados na operação “Carne Fraca”.

109

BRASIL. Competências do SIF. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/3zdefD>. Acesso em: 02 nov. 2017. 110

Idem. 111

BRASIL. Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950. Dispõe Sobre A Inspeção Industrial e Sanitária dos

Produtos de Origem Animal. Rio de Janeiro/RJ. 112

BRASIL. Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989. Dispõe Sobre Inspeção Sanitária e Industrial dos

Produtos de Origem Animal, e Dá Outras Providências. Brasília/DF. 113

BRASIL. Decreto nº 9013, de 29 de março de 2017. Regulamenta A Lei Nº 1.283, de 18 de Dezembro de

1950, e A Lei Nº 7.889, de 23 de Novembro de 1989, Que Dispõem Sobre A Inspeção Industrial e Sanitária

de Produtos de Origem Animal. Brasília/DF.

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Ora, ao entrar nesse mérito, convém mencionar que talvez um dos principais

problemas enfrentados pela Administração Pública brasileira – especialmente quando

analisamos a sua ineficiência – é a falta de pessoal. A maioria dos órgãos e instituições

públicas enfrenta hoje um déficit razoável de funcionários, o que dificulta, sobremaneira, a

qualidade do serviço público prestado.

Da análise de números, percebe-se que o MAPA conta hoje com aproximadamente

11.000 fiscais e agentes sanitários, responsáveis pela fiscalização e controle dos 4.837

frigoríficos licenciados. Em rápida conta, pode-se aferir que, proporcionalmente, existe uma

média de 2,27 fiscais para cada frigorífico existente no país. Logo, se levarmos em

consideração que existem diferentes níveis de progressão para a carreira e que eventualmente

alguns desses funcionários estarão licenciados ou em período de férias, o número de fiscais

consegue ficar ainda menor – o que é motivo de alerta.

Em verdade, a contratação de novos funcionários para o quadro efetivo do MAPA já

era um pleito levantado na carreira fiscal agropecuária. Isso porque em agosto de 2016, sete

meses antes da operação “Carne Fraca”, o Sindicato Nacional dos Fiscais Federais

Agropecuários (ANFFA Sindical) já sinalizava a imperiosa necessidade de contratação de

novos funcionários. Para essa entidade sindical, o déficit existente não se limita apenas ao

número de pessoal, mas também à estrutura do Ministério, que é bastante falha114

.

Se tirarmos como exemplo o Estado do Rio Grande do Sul, este teve uma queda de

50% no número de seus fiscais entre 2008 a 2016115

, a qual foi motivada especialmente pela

aposentadoria de vários de seus servidores.

Esse, contudo, não é o único gargalo enfrentado pelo sistema fiscalizatório brasileiro.

Embora pareça um grande clichê, não há como desviar do fato de que o país ainda enfrenta

uma crise de corrupção nas mais diversas esferas do Poder Público. No caso da Carne Franca,

por exemplo, são 33 servidores investigados, que embora representem um número muito

baixo comparado ao número global de funcionários – menos de 0,3% –, são igualmente

responsáveis pelas adulterações ocorridas.

Ocorre que o combate à corrupção nem sempre é prática fácil. Não necessariamente

as vantagens oferecidas ao servidor público serão sempre financeiras. No caso em tela,

inclusive, muitos dos fiscais faziam vista grossa e recebiam como contraprestação apenas

produtos cárneos, e não necessariamente dinheiro.

114

ANFFA. Auditores fiscais federais agropecuários rebatem matéria divulgada pelo Mapa sobre

mudanças no serviço de inspeção. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/j71pZ2>. Acesso em: 15 out. 2017. 115

G1. Em nove anos, número de fiscais do Mapa cai 50% em abatedouros do RS. Disponível em:

<https://goo.gl/1BCLcx>. Acesso em: 12 out. 2017.

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60

A própria organização do Estado brasileiro toma precauções para que a corrupção

seja minimizada. Uma prática normalmente bem difundida é a valorização do auditor fiscal,

que ao receber um bom salário do Estado, fica menos propenso a ser corrompido. Só a título

de curiosidade, insta mencionar que o salário inicial de um Auditor Fiscal do MAPA, com

formação em medicina veterinária, possui remuneração inicial de R$ 14.584,71, conforme

edital publicado para a carreira em 21 de setembro de 2017116

.

Nesse caso, uma das medidas tomadas pelo Governo para tentar minimizar os casos

de corrupção entre fiscais do MAPA e empresas frigoríficas foi reformular o sistema de

sanções. Como já mencionado, o Decreto 9.037 foi publicado apenas alguns dias depois da

operação “Carne Fraca” e representou uma das principais medidas governamentais tomadas

depois do escândalo.

Assim, além de reformular algumas práticas fiscalizatórias, o Estado aumentou

também as punições previstas para aqueles que cometessem as infrações e crimes elencados

nos incisos do Art. 496, Decreto 9.037/17.

Na oportunidade, foi formulado um sistema semelhante ao que hoje é aplicado nas

infrações de trânsito, com uma progressão de infrações leves até gravíssimas.

Ademais, é importante mencionar que a mudança principal deve partir também nos

próprios meios de fiscalização adotados pelo SIF. Torna-se indispensável uma coleta mais

acentuada de amostras feitas no interior dos abatedouros, o que significa dizer que ao MAPA

precisa ser destinada uma boa estrutura, para que, assim, essas amostras sejam bem avaliadas

– com o máximo rigor e detalhamento.

Ora, se alguns frigoríficos adulteravam seus produtos, certamente, ou número de

amostras era insuficiente ou os números estavam sendo maquiados – problemas que exigem

diferentes soluções.

No caso da insuficiência de amostras, seria necessário um aumento do número de

fiscais e também um aumento no número de colheitas, que deveriam ocorrer com maior

frequência e em lotes aleatórios – tomando como exemplo a revista aleatória feita em

aeroportos.

A outro giro, no caso de as amostras estarem sendo maquiadas, algumas outras

soluções devem ser buscadas. Em primeiro lugar, é imperioso que haja uma troca frequente de

116

BRASIL. Instrução Normativa nº 35, de 11 de setembro de 2017. O Secretário de Defesa Agropecuária, no

Uso das Atribuições Que Lhe Conferem Os Artigos 18 e 53 do Anexo I do Decreto N.º 8.852, de 20 de

Setembro de 2016, Tendo em Vista O Disposto no Decreto N° 24.548, de 3 de Julho de 1934, no Decreto N°

5.741, de 30 de Março de 2006, e O Que Consta do Processo 21000.034234/2017-87, Resolve:. [s. l.]: Diário

Oficial da União, 21 set. 2017. n. 182, Seção 1, p. 16.

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fiscais, para que estes não criem vínculos com os funcionários e estabelecimentos

investigados. Além disso, poderia ser criado um sistema de visita surpresa de um segundo ou

terceiro fiscal, que poderia realizar uma coleta comparativa entre os resultados dados pelo

fiscal fixo e o fiscal volante.

Por óbvio que, para todas essas medidas, se faz necessário melhorar a estrutura e o

número de pessoal em função do MAPA. Contudo, merece dizer que o trabalho desenvolvido

por esses profissionais tem um retorno direto para a sociedade, pois a eles assiste o cuidado de

toda proteína nacional, um dos itens mais presentes nas mesas dos brasileiros. Sendo assim, o

gasto em pessoal e estrutura do MAPA deve ser encarado muito mais como um investimento,

e, não, como uma despesa – de onde não proveria retorno.

De qualquer modo, além do aspecto fiscalizatório, delineado até aqui na presente

seção, a operação “Carne Fraca” se relaciona com o tema da intervenção estatal no domínio

econômico a partir de outro enfoque. Sabe-se muito bem que a ciência econômica e o

ordenamento jurídico possuem, atualmente, íntima relação. “O Estado não mais intervém no

sistema econômico, integra-o”, conforme aponta Fábio Nusdeo117

.

Nessa senda, a Economia e o Direito fazem, hoje, parte de um único sistema, regido

de forma racional e lógica. Esta é uma abordagem que pode ser reconhecida como parte da

Análise econômica do Direito – teoria desenvolvida nos Estados Unidos na década de 70.

A ideia parte do pressuposto de que o Direito (seja na sua forma legislativa ou

jurisprudencial) pode ser um importante aliado da economia no processo racional de busca do

interesse público. Esse campo de conhecimento, aponta Gico Júnior, tem o propósito de

“empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para

expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e

a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências” 118

.

Ainda nesse tema, não se pode olvidar que essa matéria ajuda a compreender umas

das mais importantes questões para a ordem econômica: o equilíbrio entre os interesses

capitalistas e os interesses da coletividade – especialmente no que diz respeito aos lucros e a

inocuidade dos produtos de mercado. Um interessante exemplo desenhado pela doutrina e que

117

NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005. p. 189. 118

GICO JÚNIOR, Ivo T.. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic

Analysis Of Law Review, Brasília, v. 1, n. 1, p.7-33, jan. 2010. Semestral.

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62

possui íntima semelhança com a “Carne Fraca” está posto no livro “Law and Economics”, dos

autores Robert Cooper e Thomas Ulen119

, conforme se escreve abaixo:

Imagine que um fabricante saiba que seu produto poderá causar algum dano à saúde

de seu consumidor. O quão seguro ele fará o seu produto? A resposta dependerá de

duas variantes: primeiro, o real custo da segurança, que dependerá, por sua vez, dos

gastos com planejamento e fabricação do produto; e, depois, “o custo implícito” de

arcar com sua responsabilidade civil, quando o fabricante causar dano a seus

consumidores. Responsabilidade civil é a sanção aplicada a quem causa dano a

outrem. O produtor precisará da ajuda de seus advogados para estimar o valor desse

“custo implícito”. Após obter a informação desejada, o fabricante vai comparar o

preço da segurança com o preço implícito do fato. Para maximizar os lucros, o

fabricante vai ajustar o custo do seu produto até que os seus gastos adicionais seja

igual ao custo implícito com incidentes120

. (tradução nossa)

Esse exemplo se assemelha muito bem ao ocorrido na operação “Carne Fraca”, pois

faz uma relação a segurança do produto e à própria segurança pública. Em simples termos, o

empresário tenderá a minimizar ao máximo os seus gastos com o produto, até que ele consiga

estabelecer um equilíbrio entre o que ele gasta com a melhora do seu produto e eventuais

gastos que ele venha a ter por multas administrativas e condenações judiciais. No premente

caso, quando a fiscalização não é efetiva e as condenações judiciais não representam altos

custos para a receita global da empresa, muito mais vale a ele permanecer adulterando um

produto do que se preocupar com a saúde pública.

Essa lógica, apesar de perversa, parte de uma análise racional dos fatos. Se o

capitalista é um maximizador dos seus interesses, ele tenderá a buscar o seu lucro a todo

custo, devendo o Estado regular esse comportamento, em prol do interesse coletivo.

Por essa razão que a análise econômica do Direito ganhou importância para a seara

do Direito econômico, pois com ela, o Estado poderá prever de que forma os agentes

econômicos vão reagir a determinadas mudanças legislativas.

119

COOPER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Estados Unidos da América: Addison

Wesley Longman, Inc, 2000. p. 3. 120

“Suppose that a manufacturer knows that this product will sometimes injure consumers. How safe will he

make the product? The answer depends upon two costs: first, the actual cost of safety, which depends in tirn upn

facts about design and manufacture; and the “implicit price” of injuries to consumers imposed through the

manufacture’s legal liability. Liability is a sanction for injuring others. The producer will ween the help of layers

to estimate this implicit price. After obtaining the needed information, the producer will compare the cost of

safety and the implicit price of accidents. To maximize profits, the producer will adjust safety until the actual

cost of additional safety equals the implicit price of additional accidents”.

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Todavia, sabe-se que esse instrumento é muito complexo e que ele pode funcionar

como uma via de mão dupla. Da mesma forma que o Direito poderá se apresentar tanto como

um agente facilitador, ajudando o Estado a prever as reações de mercado, o Direito, quando

age inesperadamente, poderá ter um efeito desestabilizante na economia. Veja que, como já

foi retratado, com a deflagração da operação “Carne Fraca”, houve uma resposta quase

imediata da comunidade internacional, o que resultou em diversos prejuízos para o mercado

agropecuário brasileiro.

Por uma falha de comunicação e por uma falha de transparência, os agentes

econômicos não conseguiam prever qual era a medida da investigação feita pela Polícia

Federal e quais eram as empresas envolvidas no escândalo, o que acabou por penalizar todo o

sistema cárneo e causou sérios prejuízos à economia brasileira.

Diante desses fatos, fica evidenciado que a operação “Carne Fraca” revelou uma

evidente falha no sistema fiscalizatório agropecuário brasileiro e, também, se mostrou como

um complexo episódio jurídico da atualidade, cujas implicações econômicas alcançaram

cifras bilionárias – lição que, certamente, foi aprendida pelo Judiciário brasileiro e pelas

demais instituições fiscalizatórias.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista das conclusões tecidas ao longo deste trabalho, nota-se que a operação

policial em comento possui uma íntima relação com o Direito Econômico, podendo ela,

inclusive, ser estudada por múltiplas frentes.

Entender o vínculo entre esses dois temas facilita a compreensão dos fenômenos

econômicos e permite que o Estado relembre a sua irrenunciável missão de regular a

economia nacional.

Resta patente que o setor agropecuário representa, hoje, um dos principais pilares da

economia brasileira. Em proporção, esse setor representa 1/5 de todo o produto interno

nacional, valor que, dada a sua proporção, revela o cuidado e atenção que o Estado deve

dedicar a ele. Não é difícil imaginar, aliás, que os produtos agropecuários ganharam também

espaço e vez nas nossas exportações, fato facilmente vislumbrado a partir dos dados colhidos

neste trabalho junto ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior.

Neste giro, cumpre ressaltar que a atividade fiscalizatória desenvolvida pela

Administração Pública tem um papel decisivo no equilíbrio de mercado, pois a ela recai o

dever de garantir o interesse público e a competitividade dos produtos nacionais.

Vejamos, inclusive, que o tema em tela aponta alguns gargalos ainda existentes nessa

atividade fiscalizatória, como é o caso da falta de infraestrutura estatal – com destaque no

baixo número de servidores contratados – e a corrupção. Ambas se repetem nos mais diversos

setores econômicos fiscalizados pelo Estado e parecem existir de uma forma quase

institucionalizada. Isso inclui o Serviço de Inspeção Federal (SIF), atualmente responsável

pela averiguação dos produtos cárneos brasileiros, indicando que, mesmo nos setores que a

fiscalização é internacionalmente bem reconhecida, ainda é possível haver algumas falhas e

descompassos no controle de qualidade.

O caso em tela exige, portanto, uma remodelação do sistema fiscalizatório

desenvolvido pelo Governo Federal. Este, apesar de não ser em todo falho, merece alguns

pequenos ajustes, como demonstrado no presente trabalho. Inicialmente, não se pode olvidar

que a atividade fiscalizatória só poderá ser bem desenvolvida se houver uma boa estruturação

para esta atividade. É necessário que o fiscal tenha boas condições e bons materiais para fazer

a colheita de amostras e que, na mesma medida, os laboratórios de inspeção sejam bem

aparelhados, podendo, assim, responder com precisão e rapidez as demandas a eles

destinadas.

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O número de fiscais, como já mencionado, também não pode continuar sendo um

problema para o setor. A contratação de pessoal para a fiscalização da carne produzida no

Brasil deve ser encarada, antes de qualquer coisa, como um investimento e, não, um gasto,

como está sendo encarado pelo Ministério do Planejamento. Veja que um sistema

fiscalizatório bem estruturado serve, primeiramente, à garantia da saúde pública do nosso

povo. Se o produto posto em mercado tem melhor qualidade e foi submetido a um rígido

padrão de fiscalização, certamente ele estará apto ao consumo humano e não causará qualquer

enfermidade aos seus consumidores. As medidas paliativas e de prevenção adotadas pelo

Estado são sempre mais baratas se compararmos aos gastos desenvolvidos pelo Estado para o

tratamento de enfermidades já adquiridas pela população.

O Brasil também precisa enfrentar uma das principais espinhas em seu calo: a

corrupção. Não há como progredir num sistema democrático sem que a população respeite as

normas e haja eticamente. O Estado só é corrompido porque há particulares para corrompê-lo.

Não basta enrijecer o sistema punitivo estatal, é preciso se criar uma consciência coletiva que

nos leve a evoluir enquanto sociedade e coletividade. O prejuízo humano causado pela

corrupção já se mostrou nefasto e, também, incompatível com as nossas pretensões

republicanas, o que significa dizer que precisamos mudar esse quadro.

As saídas, contudo, não parecem ser fáceis. Seria necessário, sobretudo, focar na

educação básica, possibilitando que os futuros cidadãos brasileiros não tenham em si uma

formação meramente acadêmica, mas também moral. É nos primeiros anos de nossa vida que

formamos o nosso caráter e adquirimos nossos principais valores, razão pela qual, justamente

nesse momento escolar, é que devem ser destinados os maiores investimentos educacionais.

No dia que alcançarmos uma melhor politização e formação de nosso povo é que poderemos

crescer enquanto Nação.

Ademais, merece dizer que a atividade fiscalizatória desenvolvida pelo Estado não

poder estar concentrada num único ente federado. Não apenas a União pode arcar com os

ônus e deveres estatais. Os Estados e Municípios também devem assumir para si essas

responsabilidades, agindo de forma complementar ao trabalho desenvolvido pelo SIF. O que

se verifica, diante do trabalho, é que essa fiscalização sempre ocorreu de forma concentrada

nos órgãos federais, sendo muitas vezes esquecidas pelas demais esferas do Poder Público.

Essa divisão do trabalho é importante, inclusive, para combater a própria corrupção

mencionada acima. Em verdade, ao passo que fiscais de diferentes esferas estatais participam

no processo fiscalizatório, o particular terá menos oportunidade para corromper esses

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servidores, pois não mais estará submetido à inspeção de uma instituição, mas de,

minimamente, três.

É por todas essas razões que o Estado precisa estar em constante renovação,

atualizando o seu meio fiscalizatório e, se possível, buscando sempre estar à frente do

particular – ou seja, jamais deixando que ele vá de encontro com o interesse público.

Note que as normas que regem determinado setor econômico, não por acaso, são de

observância obrigatória. Foi visto ao longo do trabalho que a preservação da saúde pública é

importante para garantir o bem estar social e serve à manutenção da própria qualidade do

produto, o que determinará a sua competitividade no mercado. Dessa lógica, Grau121

ressalta

caber ao Estado o papel de salvar “o capitalismo dos próprios capitalistas”. Essa máxima se

justifica porque, sem a intervenção estatal adequada no domínio econômico, as próprias

empresas irão boicotar os seus produtos, tentando aumentar a sua margem de lucro em

detrimento à saúde e bem estar do consumidor.

Nessa senda, evoca-se apontamento levantado por Salomão Filho, segundo o qual “as

organizações empresariais devem respeitar a pluralidade de interesses envolvidos pelos bens

comuns” 122

. Essa ideia parte do pressuposto de que, quando as empresas tiverem para si

direitos que lhe garantam a posse ou propriedade de determinados bens, devem ter em mente

os efeitos que tal utilização empresarial pode ter sobre a comunidade em que atuam.

Nesse mesmo sentido, insta mencionar que os Poderes Judiciário e Legislativo

precisam estar mais prontos para lidar com o sistema econômico. Isso porque, como já

apresentado no trabalho, não só o Poder Executivo assumirá esse papel. Em verdade, as

decisões judiciais podem inferir diretamente na economia. O próprio caso da operação “Carne

Fraca” serve de prova a isso. O impacto da operação teve grave repercussão econômica, fato

que poderia ter sido previsto com antecedência e, certamente minimizado. No mesmo passo, o

Poder Legislativo também precisa estar ciente que as alterações normativas que propõe

podem mudar substancialmente algum setor econômico – isso vale, inclusive, para a

conversão ou não das medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, que em

certos casos, são medidas genuinamente econômicas.

Diante dessas considerações, lembre-se que o Estado jamais poderá se eximir de

cumprir a sua obrigação constitucional, cabendo a ele sempre intervir na economia na medida

do necessário.

121

Ibid., p. 132. 122

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulamentação da atividade empresarial para o desenvolvimento. Revista de

Estudios Brasileños, Madrid, v. 1, n. 1, p.45-54, jul. 2014. Semestral. p. 51.

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67

Ora, pode-se dizer que o atual momento econômico vivido por nosso país revela a

possibilidade de uma convivência saudável – e comprovadamente necessária – entre o livre

mercado e a intervenção estatal. Cada um deles, em certa medida, existe para ponderar os

excessos do outro e permitir que haja um equilíbrio na ordem econômica, sem que voltemos a

viver novamente o terror de uma inversão de mercado.

Atente-se que na oportunidade em que a livre concorrência e o livre mercado forem

respeitados, conforme proposto por nossa Constituição, estes farão com que o poder

econômico transmita à sociedade a sua máxima eficiência, ainda que involuntariamente, o que

potencialmente expandirá o desenvolvimento da nação brasileira123

.

A operação “Carne Fraca”, portanto, representa um desafio ao povo tupiniquim, pois

revela, em que medida, precisaremos amadurecer as nossas instituições. É um interessante

exercício de rememoração, que nos retira da zona de conforto e nos impulsiona ao trilho do

desenvolvimento.

123

SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A intervenção direta do Estado no domínio econômico - Limites

constitucionais à atuação no mercado das empresas públicas. Revista de Direito Público da Economia, Belo

Horizonte, n. 43, p.157-173, 2013. p. 173.

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