oliveira, wjf - de gente de cor a quilombolas

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Esse artigo analisa as relações entre desigualdades étnico-raciais e dinâmicas políticas de constituiçãode comunidades de quilombos, mais especificamente, a situação de exclusão religiosae as respectivas estratégias de enfrentamento vivenciadas pelos negros na comunidade Manoeldo Rego (Canguçu, RS). O material utilizado como fonte de informação foi coletado e sistematizadopara a elaboração de um Laudo Antropológico sobre a referida comunidade. A metodologiaconsistiu no levantamento de registros e documentos sobre a história da comunidade, na realizaçãode entrevistas com as diferentes “gerações” que pertencem à mesma e na observaçãoparticipante dos principais eventos que mobilizam a comunidade e seus “vizinhos”. A investigaçãodemonstrou que as alterações ocorridas nas situações de desigualdade social resultaramde dinâmicas políticas de “atribuição categórica” que envolveram processos de mediação religiosa,familiar e associativa, confirmando a importância da dimensão política na análise dosprocessos de afirmação identitária de tais comunidades.

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CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013139Wilson Jos Ferreira OliveiraDE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS: desigualdades, religio eidentidadeWilson Jos Ferreira de Oliveira*Esse artigo analisa as relaes entre desigualdades tnico-raciais e dinmicas polticas de cons-tituio de comunidades de quilombos, mais especificamente, a situao de excluso religiosae as respectivas estratgias de enfrentamento vivenciadas pelos negros na comunidade Manoeldo Rego (Canguu, RS). O material utilizado como fonte de informao foi coletado e sistema-tizado para a elaborao de um Laudo Antropolgico sobre a referida comunidade. A metodologiaconsistiu no levantamento de registros e documentos sobre a histria da comunidade, na rea-lizao de entrevistas com as diferentes geraes que pertencem mesma e na observaoparticipante dos principais eventos que mobilizam a comunidade e seus vizinhos. A investi-gao demonstrou que as alteraes ocorridas nas situaes de desigualdade social resultaramde dinmicas polticas de atribuio categrica que envolveram processos de mediao reli-giosa, familiar e associativa, confirmando a importncia da dimenso poltica na anlise dosprocessos de afirmao identitria de tais comunidades.PALAVRAS-CHAVE: Antropologia da Poltica. Comunidades Quilombolas. Identidade. Mediao.INTRODUOA Comunidade de Manoel do Rego fica naregiodeSolidez,a20kmdeCanguu,cidadelocalizada a 274 Km de Porto Alegre, capital doestado do Rio Grande do Sul. O surgimento de talcomunidade tem como marco principal o inciodosculoXX,maisprecisamenteosanosentre1919-1923, e envolveu conflitos em torno do acesso esfera religiosa. Isso porque, at esse momento,os homens de cor, como eram comumente desig-nados os negros que trabalhavam e moravam nasvizinhanas da localidade, no tinham o direitodeparticipardoscultosdaIgrejaEvanglicaLuterana, os quais eram exclusivos dos brancos(sejam eles colonos alemes ou brasileiros) queresidiam no local. Frente situao de exclusodacomunidadereligiosaeaossucessivosenfrentamentosentrehomensdecorebrancosemcomemoraesesituaesfestivas,foiconstruda uma capela prpria para essas famli-as cuja distncia da outra capela de 5 km.Tal construo resultou da iniciativa e danegociao do pastor da localidade e das prpriasfamlias da gente de cor que fizeram doao emdinheiro, bem como trabalharam diretamente naedificaodacapela,criandoumestatutopr-prio para a comunidade religiosa, uma escola paraaalfabetizaodeseusfilhose,maistarde,umcoral. Com isso, surgiu o que se denominou inici-almenteacomunidadedosmorenos,emoposi-o comunidade dos brancos. Dessa forma, foiatravs da criao de uma comunidade religiosaprpriaqueoshomensdecorcomearamaseafirmar como um grupo especfico, com crenas,valores e prticas dignas de serem respeitadas pelosseus vizinhos, modificando, em parte, a situaode desigualdade inicialmente observada.No ano de 2003, em funo da visibilida-de adquirida pela comunidade, principalmenteatravs do coral, e com base nos vnculos esta-belecidos com a sociedade local, no incentivo eapoio conjunto das principais lideranas da co-munidade luterana, do atual pastor e de dirigen-* Doutor em Antropologia Social. Professor da Universida-de Federal de Sergipe UFS.Cidade Universitria Prof. Jos Alosio de Campos Av. Ma-rechal Rondon, s/n. Jardim Roza Elze. Cep: 49100000 So Cristovo, Sergipe Brasil. [email protected] CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013140DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...tes de organizaes e movimentos sociais vincu-lados luta dos remanescentes quilombolas, foicriadaaAssociaoComunitriaRemanescen-te de Quilombo Manoel do Rego.Esse artigo tem como objetivo reconstruira dinmica de emergncia de tal comunidade eas principais transformaes pelas quais ela pas-sounosltimosanos.Trata-sededemonstrarqueasdinmicassucessivasdedefinioederecomposio das categorias de identificao vin-culadas comunidade (morenos e quilombolas)resultaramdecondiesdedesigualdadeedeprocessos polticos que possibilitaram a articu-lao de dinmicas exgenas comunidade comsituaes internas vivenciadas pelos seus mem-bros.Ditodeoutromodo,asreivindicaeseaes desenvolvidas para o ingresso e o direitode participar da comunidade luterana constitu-ram formas prprias de luta poltica, que resul-taram na emergncia de uma comunidade negrana regio e na demarcao de suas fronteiras in-ternas e externas na regio de Solidez.Dessemodo,pretende-seenfatizaraim-portncia da dimenso poltica nas investigaesdos processos de emergncia e de manutenode comunidades e grupos sociais (Abls, Jeudi,1997; Elias, 2000). Essa nfase no trabalho pol-ticorealizadoparaaelaboraoeoreconheci-mentodesuascategoriasidentitriasnotemocupado um lugar to destacado como merece-rianosestudosdecomunidadesquilombolas(Boyer,2009,2010).Comosesabe,namedidaemquenofazsentidotomaranoodeetnicidade como decorrente de uma substnciaprimordial ou essncia definida por caractersti-cas naturais e biolgicas (Poutgnat; Streiff-Fenart,1998), a anlise dos processos polticos de constru-o das categorias identitrias, que definem o sig-nificadoeolugardosatributospossudospelosindivduos nas estruturas e hierarquias sociais e depoder, torna-se um ponto de partida fundamental compreenso da formao da comunidade.Nesse sentido, nossa tarefa consistiu, jus-tamente,emexaminar,empiricamente,ascon-dies sociais, polticas e culturais que respalda-ram a construo ou redefinio das atribuiescategoriaisquedefinemolugardorespectivogruponasestruturasdedominaoedepodercaractersticas daquela sociedade. Isso implicourelacionar a emergncia das categorias identitriass lutas de classificao, colocando no centroda anlise o trabalho poltico desenvolvido pe-los indivduos e grupos sociais para subverter asdivises e classificaes socialmente reconheci-dasdasquaiselessovtimas(Arnaud.et.al.,2009;Surdez.et.al.,2010).Pretende-se,por-tanto, destacar certos mecanismos associados luta pelo poder entre os respectivos grupos soci-ais que viviam na regio de Solidez, consideran-do as estruturas de dominao como dimensesinterligadasaosconflitosedisputasqueocor-rem no mbito de instituies especficas: sejamelas definidas socialmente como polticas, bemcomo aquelas que comumente so vistas comonopolticas,comoocaso,especificamente,dasorganizaesreligiosasecomunitrias(Memmi, 1985; Scott, 2002).Dessemodo,observa-sequeosvnculosestabelecidoscomacomunidadeevanglicaluterana e os princpios morais que os sustenta-vamconstituem,aindahoje,osfundamentosprincipais da criao e manuteno dos laos deparentesco entre as principais famlias da regio.Elesesto,tambm,nabasedasformasdein-sero e dos vnculos de suas principais lideran-as com outras esferas, organizaes e movimen-tossociais.Taisvnculoscontriburamparaaredefinio das percepes a respeito das condi-esdemanutenoedecontinuidadedaco-munidade e para a adeso ao termo quilombolacomoumanovapossibilidadededefiniodavida comunitria.O material utilizado como fonte de infor-maodecorredeumainvestigaoqueresul-tounaelaboraodeumlaudoantropolgicosobreaComunidadedeManoeldoRego(Oli-veira. et. al., 2008), e consistiu, primeiramente,no levantamento de registros, de documentos ede artigos de jornais sobre o seu surgimento e asua constituio, assim como de informaes se-CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013141Wilson Jos Ferreira Oliveiracundrias sobre a histria dos negros no muni-cpio em questo e as respectivas organizaes elideranas que, em diferentes momentos, parti-ciparam da construo e manuteno da comu-nidade. Em segundo lugar, foram realizadas en-trevistas com os membros da comunidade e comaqueles atores que fazem a mediao da comu-nidade com as ONGs, as organizaes religiosas,as agncias estatais, os partidos polticos, entreoutras.Emterceirolugar,foiaplicadoumca-dastro para a obteno de informaes sobre ascondies de vida do conjunto de famlias quefazem parte da Comunidade de Manoel do Rego(escolaridade,atividadeocupacional,rendafa-miliar, n de filhos e filhas e respectivos locaisde residncia, formas de aquisio e situao dapropriedade em que residem, maquinaria, equi-pamentoseferramentasdisponveisetc.).Porfim, foram realizadas, ainda, observaes parti-cipantes de reunies, festas religiosas e confra-ternizaes que mobilizam a grande maioria dosmembros da comunidade, bem como parte sig-nificativa de seus vizinhos.MEMRIA, ESQUECIMENTO E ESTIGMATIZAOUm dos aspectos que nos chamou bastan-te a ateno durante todo o processo de inseronoterrenodeinvestigaofoiadificuldadedeter acesso a relatos e lembranas dos atuais resi-dentes sobre o passado dos ex-escravos ou des-cendentes de escravos que permaneceram na re-gio.Issosemostrademaneiramaisclaranasentrevistas com alguns dos membros mais anti-gosdacomunidade.Pode-setomarcomoumasituao exemplar dessa dificuldade de falar so-bre o passado dos escravos e dos negros que aliviviam,bemcomodeascendentesqueforamescravos, a entrevista com dois moradores (umcasal) que nasceram e foram criados em Manoeldo Rego. No momento de realizao da pesqui-sa,elesestavamcom85anoseeramosmem-bros mais antigos da comunidade, com os quaisainda era possvel falar sobre a histria da regioedacomunidade.1SeuG.umadasprinci-pais lideranas da comunidade e tido pelos de-maiscomoumadaspessoasquesabedecoi-sas, que conhece muito mais do que os outrosmoradoressobreahistriadasfamliasedaspessoas que ali viveram, pois nasceu e se criouali. No entanto, durante a entrevista, o silnciosobreopassadoquesefazmaispresentenosrelatos de tal morador.Mesmo quando se refere seja localidadedenominada Congo, cuja designao est forte-mente ligada frica e aos negros e na qual oseuavnasceuesecriou,sejaaoseupaiquetambmlnasceu,provavelmentenoanode1880, a lembrana de fatos relacionados situa-o dos escravos algo que lhe escapa mem-ria. Ao se reportar situao de seu av, o qual,certamente, ainda viveu um bom tempo no pe-rodo da escravido, no com muita facilidadequeeleadmitequeeste,provavelmente,tenhavividonoperododaescravido,masnoafir-ma que tenha sido escravo.Em conversas com outros moradores, ficaclaroque,maisdoqueausnciadelembranasdo passado de excluso e das situaes a que esta-vam expostos os negros da regio, justamente arecordao de tal passado que cria certo descon-forto e a vontade de mudar de assunto. Um exem-plo disso a entrevista com uma moradora de 59anos, quando ela rememora o local onde nasceu ecomo era a vida dos negros em tal localidade. Taislembranassoacompanhadasdetentativasdeno falar mais do assunto, inclusive perguntan-do: Posso servir um docezinho? Porque a nossaentrevista j terminou, n?!.Desde muito tempo, sabemos que as difi-culdades decorrentes do processo de insero dopesquisadornoterrenodeanlise,dolevanta-mentodasinformaessobreoquepretendeinvestigar e das formas de disponibilidade e deacesso aos documentos, registros e prticas exis-1 Um dos membros da comunidade que mais antigo queeles est com 97 anos e por problemas da idade j noconsegue mais ouvir e nem conversar. As tentativas dedilogo com ele no tiveram nenhum sucesso, pois almdele no entender nossas questes tambm no consegui-mos compreender o que ele estava dizendo.CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013142DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...tentes,[...]soportadorasdeumainformaopositiva sobre as situaes que as produzem [...],podendo[...]seconverteremfontesdeinfor-mao capaz de enriquecer nossa anlise das for-masdarespectivaconstruosocial[...]eserconsideradas como uma [...] realidade social aseranalisadacomotal[...](Merlli,1996,p.156-157).Dessaforma,combasenoprincpioda reflexividade, um dos pilares de constituioda prtica etnogrfica, o qual exige do pesquisa-dor a constante vigilncia em relao s condi-es atravs das quais os dados etnogrficos soproduzidos(Beaud;Weber,1998),talsituaotornou-se uma via de acesso investigao dascondies sociais, polticas e culturais que tor-naram possveis a emergncia e a redefinio detal comunidade na regio.Assim sendo, atravs dessas orientaes,comeamos a perceber que a dificuldade de fa-lar do passado, essa falta de memria sobre aescravido,dosex-escravoseseusdescenden-tes, est relacionada, na verdade, s situaes dedesigualdadetnico-raciaisvivenciadaspelosnegros ascendentes dos moradores da regio, bemcomo por esses seus descendentes, e ao trabalhode mobilizao poltica que foi necessrio reali-zar para a redefinio identitria e a alterao daconotao pejorativa que ser negro tinha em tallocalidade. Essa relao comeou a ficar mais cla-ra quando visitamos alguns descendentes de imi-grantes alemes que tambm residem na regioh bastante tempo. Numa dessas conversas, umdos moradores nos conta que, at pouco tempo,seu G. ficava furioso quando o chamavam denegro,generalizandoqueessesentimentoeramuito comum tambm aos demais membros dacomunidade de Manoel do Rego, e afirmou: Elesnogostavamdeserchamadosdenegrosporcausa dessa coisa de escravido. Agora, depoisdos quilombolas que eles comearam a aceitarquechamemdenegros(DiriodeCampo,05de julho de 2008).De forma semelhante, quando indagamosnovamente Seu G sobre o porqu do seu pai eo seu av venderem a terra l, em Potreiro Gran-de, e virem residir em Manoel do Rego, ele, pron-tamente, respondeu: ningum aqui era derrota-do, eles vieram porque quiseram, pois l noquiseramcomprareaquieramaisbarato.Estafrase confirma a informao obtida pela investi-gaohistricasobrearegiodequeasterrasbarataseramumatrativooferecidopelalocali-dade aos que para l se dirigiam. No entanto, cha-mou-nosparticularmenteaatenoautilizaodotermoderrotadocomoformadeoposioaoque caracterizou o empreendimento de seu pai eav:ouseja,nocasodesses,nosetratavadepessoasquesedeslocaramparaaregioporsesentirem vencidos diante das dificuldades ou so-frimentos enfrentados na regio onde residiam.Como mostra Pollak (1989) a respeito dosgrupos excludos e marginalizados e das minori-as que foram expostos a situaes sociais de so-frimento e humilhao coletiva, as lembranas ea memria individual do passado esto vincula-das s estruturas e aos mecanismos de domina-ovigentesnosdiferentesmomentosdeexis-tncia daqueles que vivenciaram tais situaes ede seus descendentes. Isso porque os pontos dereferncia que estruturam a memria individualconstituem os indicadores empricos da mem-ria coletiva de um determinado grupo: de suashierarquias e classificaes, dos sentimentos depertencimento e das fronteiras scioculturais queos diferencia dos outros. Desse modo, o silncioe o esquecimento do passado esto ligados a ra-zes sociais e polticas: de um lado, eles respon-demnecessidadedeencontrarummodusvivendi com aqueles que presenciaram as situa-es de sofrimento e de humilhao vivenciadaspor tais indivduos; de outro lado, eles constitu-emumaformadepouparosfilhosdecresce-rem na lembrana das feridas dos pais.Em face dessa lembrana traumatizante, o siln-cio parece se impor a todos aqueles que queremevitar culpar as vtimas. E algumas vtimas, quecompartilham essa mesma lembrana compro-metedora, preferem, elas tambm, guardar siln-cio. Em lugar de se arriscar a um mal-entendidosobre uma questo to grave, ou at mesmo dereforar a conscincia tranqila e a propenso aoCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013143Wilson Jos Ferreira Oliveiraesquecimentodosantigoscarrascos,noseriamelhor se abster de falar? (Pollak, 1989, p. 4).Sendo assim, parece-nos oportuno consi-derar que essa falta de memria em relao aopassadodaescravido,porpartedosprpriosdescendentes de escravos e libertos que viveramnaregio,constituiindicadorespertinentesdasituao de estigmatizao e descriminao raci-alaqueestiveramsujeitososnegrosdaregiodurante os anos subsequentes abolio da es-cravido. Ao invs de consider-la um simplesresultado do envelhecimento biolgico e indivi-dual,parecemaisoportunoconsider-lacomoum sinal objetivo de como se constituiu e se con-solidou a memria coletiva do grupo de negrosque criaram a Comunidade de Manoel do Rego ede sua relao com o passado escravocrata e coma situao do negro no perodo ps-abolio.BADERNAS, BRIGAS E EXCLUSO SOCIALDOS HOMENS DE CORAs novas condies colocadas pelas mu-danas decorrentes do processo de abolio daescravatura, da forma como ocorreu no Brasil enoRioGrandedoSulemparticular,constituium dos ingredientes principais da configuraodoespaosocialnoqualosex-escravoseseusdescendentes buscavam oportunidades de vidae de trabalho em tal localidade (Oliveira. et. al.,2008). Primeiramente, porque tais condies di-ficultaram a constituio de comunidades de ex-escravos, na medida em que colocaram na con-diodelibertostodososnegrosmantidosatento como escravos, mas no lhes garantiu asformas de aquisio de terras e condies de tra-balhoquepropiciassemapreservao,cidada-nia e subsistncia dos mesmos. Isso fez com quea grande maioria continuasse vivendo sob a tu-tela de seus senhores, como prestadores de ser-vios, normalmente como meeiros, situao emque a diviso da produo no era feita de formaequitativa. Em segundo lugar, porque a substitui-o dos escravos pelo brao europeu e a impossi-bilidade legal de se tornarem proprietrios de ter-ras acirrou, em muitos casos, as formas de resis-tncia que, desde muito tempo, j vinham sendoutilizadas pelos escravos como a estratgia de con-testao da situao de desigualdade social a queestavam expostos e que, no perodo, foram defi-nidascomobanditismo:fugas,formaodequilombos, rebelies de escravos etc.O terceiro aspecto, que pode ser tomadocomo um dos ingredientes principais da confi-guraodetalcomunidade,estrelacionadoexistncia de guerras e de sucessivas revoluesocorridas na ento provncia do Rio Grande doSul,queseprolongaramatmeadosdosculoXX,umavezqueafetaram,profundamente,aregio de Canguu, sede de muitos desses emba-tes.Issoporqueoslaosdefidelidadeedeclientelismo com pessoas brancas de certa influ-nciasocialecomalgunsdoschefespolticosque lideraram grupos combatentes, bem como aefetiva participao dos escravos em tais revolu-es constituram formas concretas de aquisiode terras por parte de escravos que eram convo-cados para tais conflitos armados e que sobrevi-viamaosembatesesinmerasbarbriesco-metidasemtaisrevolues,como,tambm,adoaoporseremfilhosoufilhasdebrancos.Associado a isso, destaca-se a grande desvalori-zao das terras da regio, que contribuiu paraque as principais famlias de importncia da re-gio tenham deixado o municpio desde meadosdo sculo XVIII e vendido suas terras pela terametade do preo, contribuindo para o desloca-mentodemuitosmoradoresdaproximidadeparacomprarterrasnessaregio,pois,comamesma quantia de dinheiro, era possvel adqui-rir uma quantidade bem maior de terras.Esse padro bastante diversificado de aces-sopropriedadedeterrasporpartedosex-es-cravos e seus descendentes constitui um dos ele-mentos indispensveis compreenso da situa-oaqueseviraminicialmenteexpostos,namedida em que est na base de suas formas deorganizao social e comunitria. Isso porque taisCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013144DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...condiesdificultaramoestabelecimentodeumgrau de coeso familiar e geracional, de laos es-treitos e uniformes entre si e de nveis de organiza-o fundados em vnculos informais, que possibi-litassem a unio e o compartilhamento de um sen-timento de identidade grupal entre os ex-escravose seus descendentes que viviam em tal regio.Eles no possuam um estatuto social con-dizentecomacondioformaldehomensli-vres,sendo,normalmente,consideradoscomoinferioreseexcludosdodireitodeparticipardas principais instncias da sociedade. Tais fato-res reforavam, ainda mais, sua situao de de-pendnciaemrelaoaosbrancosdaregio.Umdosaspectosqueilustramuitobemissoesuainflunciaparaaformaodosprincipaisncleos de negros da regio o fato de que, in-dependente da forma como adquiriram suas ter-ras,osex-escravosouseusdescendentes,atmeados do sculo XX, no tinham o direito departicipar da comunidade religiosa como os de-mais brancos que habitavam a regio.Quanto a isso, cabe destacar que a ocupa-odaregioocorreu,inicialmente,atravsdeum fluxo muito intenso entre os diferentes n-cleos de negros que residiam nas localidades maisprximas, constituindo um dos principais fato-res que tornava difcil a formao de um senti-mento de pertencimento comunitrio dos negrosquehabitavamaregio.Poissetratavadeumcrculo bastante mutvel e extenso de indivdu-os,demodoqueeradifcilaformaodeumsentimento de pertencimento e a constituio deum tipo de organizao comunitria fundadas numcertograudecoesodasprincipaisfamliasougruposdenegrosquehabitavamaregio,bemcomonadelimitaodaslinhasdedemarcaodas fronteiras que definem as diferenas entre ns/eles, no caso em pauta, entre negros e brancos.Comojtemsidomuitobemdestacadopelos estudos sobre as situaes de desigualda-des entre grupos sociais que fazem parte de umamesma comunidade, o grau diferenciado de co-eso entre os respectivos grupos constitui umadasfontesprincipaisdacriaoemanutenodas desigualdades dos recursos de poder dispo-nveis em tais comunidades (Elias, 2000). De ma-neira semelhante, observa-se, na situao em pau-ta,que,enquantoosbrancos(descendentesdeimigrantesalemesebrasileiros),aindaquedeformadistinta,estabeleceramumestilodevidacomum e um conjunto de normas e instituiesvoltadasparaaperpetuaodacoletividade,osnegrosexistiam,apenas,comoumemaranhadodeindivduosdesprovidosdascondiesedosrecursos de poder assegurados pela comunidade.Nesseponto,asituaodosex-escravosda regio parece muito diferente do que ocorre-ra nos grupos de descendentes de imigrantes ale-mes que tambm habitavam a regio. Como sa-lienta Gonalves (2008), os alemes, desde cedo,tiveramdeseorganizaremgruposparafazerfrente s dificuldades colocadas pela imigrao.Alm disso, suas formas de aquisio da propri-edade ocorreram com base em princpios comu-nitrios, centrados na unidade familiar e na for-mao de colnias de descendentes. Isso facili-touodesenvolvimentodesentimentosdeper-tena a uma mesma comunidade tnica, atravsdoestreitamentodoslaosdeparentescoedaconstituio de formas de organizao e de ins-tituies (escolas, igrejas) que promovessem umamaiorintegraoeunioentreosmembrosdacomunidade (Gonalves, 2008, p. 108-9).Dessa forma, as barreiras formais e institucionaiscolocadas aos ex-escravos, em relao aquisiode terras e constituio de comunidades, con-triburam para a criao e manuteno dos dife-renciais de poder existentes entre brancos e ne-gros que habitavam a regio e serviu de base paraa imposio dos valores dos brancos sobre os ex-escravos e seus descendentes: de um lado, pelaapropriao e ocupao dos principais cargos nasorganizaes comunitrias; por outro, pela exclu-so e estigmatizao dos negros como um grupodiferente e inferior aos brancos. Uma vez que exis-tia apenas como uma comunidade desconexa, ca-racterizadaporumgrauintensodemobilidadelocal, pela inexistncia de laos estreitos e unifor-mes entre si e do sentimento depertencimentoCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013145Wilson Jos Ferreira Oliveiragrupal (Elias, 2000), aos negros sempre era atribu-da a culpa ou responsabilidade pelas badernas,brigas e conflitos que existiam naquele local, oque justificava sua excluso dos canais legtimosde participao da vida comunitria.Isso se manifestou de maneira particularatravs da proibio da entrada da gente de corna Igreja Evanglica Luterana de Manoel do Rego.Quanto a isso, cabe salientar que o uso pejorati-vo das designaes gente de cor, pessoas decor,homensdecoretc.,parasereferiraosex-escravos e/ou seus descendentes em oposioaos brancos no exclusivo da situao em pau-ta. Podemos encontrar designaes e oposiessemelhantesemoutrassituaesinvestigadas(Anjos; Ruckert, 2004), o que nos coloca, seguin-doumalinhaderaciocnioprximadeElias(2000),diantedeumproblemaigualmenteob-servado numa grande variedade de unidades so-ciais(EstadosNacionais,comunidadeslocaisetc.). Ou seja, na situao em pauta, o uso de taladjetivoerasintomticodeumatoideolgicodeevitaoqueresultavadosdiferenciaisdepoder que caracterizavam as relaes entre bran-cos e negros naquela localidade.A converso religiosa como uma luta moralA luta estabelecida em torno da redefiniodotermohomensdecor,emManoeldoRego,nos mostra como, nesse perodo, tal designaoestava alicerada em condies e dinmicas pr-prias de excluso dos negros da vida comunit-ria e, consequentemente, do acesso s condiesde existncia e de continuidade dos mesmos emtal localidade. As aes desenvolvidas pelos ne-gros para ingressar na comunidade configuravamsituaes exemplares tanto da forma como tal ter-moconstituaumatoideolgicodeevitaoquanto das alternativas encontradas por eles paramodificar sua condio, atravs da atribuio denovas categorias identitrias para definir o grupode negros que habitavam tal regio.A luta empreendida pelos negros para in-gressarnacomunidadesemanifestou,inicial-mente,atravsdeconstantesbrigaseconfron-tos com os brancos durante comemoraes e fes-tividades locais, demonstrando a existncia an-teriordecertastensesnaprpriacomunida-de.Oquepassouaserdefinidopelosbrancoscomo as badernas dos negros constitui, na ver-dade,umadasformasprpriasderesistnciaque as categorias sociais desprivilegiadas, ou emsituaes de excluso, encontram para manifes-tarem seu descontentamento frente s suas desi-guaiscondiesdeacessosociedade(Scott,2002).Posteriormente,issosemanifestouatra-vs de sucessivas tentativas de ingresso da gentedecornacomunidadeevanglicaluteranadeSolidezque,atento,eraexclusividadedosteuto-brasileiros.Paracompreenderisso,cabedestacar que a preservao da germanidade e daidentidade dos descendentes de imigrantes ale-mes residentes na regio foi fortemente associ-ada religio luterana.A religio luterana foi at um determinado mo-mentofundamentalparaamanutenodagermanidade e para manter um grupo que, na suaorigem era totalmente diversificado, mais coesoem valores e em tradies que foram reformuladasno Brasil. A igreja possibilitou as trocas e as re-des de solidariedade, pois os indivduos tinhamhistrias e dificuldades semelhantes para com-partilhar.Eissolhesdeuaidia[sic]dehomogeneidade, construindo assim uma identi-dade tnica (Gonalves, 2008, p. 70).Se a religio constituiu uma forma de afir-maodesuperioridadedosdescendentesdeimigrantes de alemes na localidade, pode-se di-zer, tambm, que ela foi uma das formas de im-posiodaposiodominantedosbrancosemrelao aos negros e que se manifestou, de for-maclara,naexclusoenanegaodoacessodestes aos cultos e s reunies na Igreja, assimcomo ao ingresso e participao na vida comu-nitria,atravsdaocupaodepostoseposi-es na comunidade luterana.Alm disso, nas verses dos membros maisantigos da comunidade de Manoel do Rego e dopastordeSolideznoperodo,AugustoDrews,CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013146DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...observa-se que a existncia de animosidades en-tre os membros da congregao e a gente de corqueviviamnalocalidadeimpossibilitavaoin-gresso e a participao dos negros na comunida-dereligiosa.Mesmoassim,eracadavezmaiscomum a presena da gente de cor observando,do lado de fora, os cultos realizados na capelinhada congregao de Solidez. Um relato do PastorAugusto Drews nos d uma ideia de como issoocorria em 1919.Uma pequena congregao de 8 membros votan-tes, uma pequena capela, erigida de tijolos noqueimados, com apenas uma porta, uma janela ealgumas classes. Ali, durante certo tempo, se re-alizavam os cultos dominicais e, durante a se-mana, as aulas da escola. Realmente tudo repre-sentava humildade. Os cultos se realizavam emlngua alem. [...] Por certo tempo, no tivemosvisitantes nos cultos, a no ser um velhinho dagente de cr, de nome Manoel Leal, e este mesmono entrava no recinto, mas ficava na porta, ob-servando dali o que ocorria dentro da capela. [...]Com o correr do tempo apareceram mais pesso-as da gente de cr nos cultos, que ainda eramrealizados em lngua alem (Drews, 1948, p. 71).Por iniciativa do prprio pastor, e contra-riando a opinio geral dos membros brancos dacomunidade, ele comeou a dar assistncia a taispessoasemcultosseparados.Issoerafontedefortetensoporpartedosteuto-brasileirosqueeram contrrios dedicao do pastor s pesso-as negras e ficavam contrariados com a necess-ria convivncia com elas (Rieth, 1999). Tal situa-o perdurou de 1919 a 1922, pois, at esse per-odo, os negros no tinham o direito de entrar naigreja para participar dos cultos e festividades. Esseclima de tenso crescente dos teuto-brasileiros, coma participao dos negros na igreja, alcanou seulimite no natal de 1922, quando o Pastor decidiufazerumacomemoraoconjunta.Nessacome-morao,houveumagrandebriga,nafrentedaIgreja, entre os membros da comunidade.O culto no vernculo, com um programa adequa-do, foi designado para o dia 25 ao anoitecer. Amisso, nesta altura, j contava com algumas fa-mlias da gente de cr, moradores nas vizinhan-as da localidade. No dia determinado, j duran-teatardeinteira,haviasereunidonumerosopovo,aguardandoahoradoinciodoculto,eentretendo-se perto de uma venda. Em vista dis-to resolvi ir, muito antes da hora marcada, comminha famlia capela. Ao chegarmos a uma en-cruzilhada,avisteiopovoquetalvezexcediaonmero de 100 pessoas, e pensei comigo: - Toma-ra que tudo corra bem! Mas qual! Ao deixar a es-trada e nos aproximarmos da capela, houve algumdesentendimento entre o povo que lentamente,qual uma procisso, ia se aproximando da capelae, em dado momento, estava engalfinhado numatremenda luta em que os argumentos eram fortesporretadas e golpes. Esta luta durou uns 20 mi-nutos ou mais. Felizmente no houve mortos. vista dste espetculo pavoroso desisti de reali-zar a festa de Natal, pois certos elementos de fora,provavelmente j alcoolizados quiseram trazer alimpo questes de outros tempos. E assim a nos-sa primeira festa de Natal na misso teve este tr-gico fim (Drews, 1948, p. 71-72).Tal briga foi o estopim para a redefiniodas fronteiras entre brancos e negros. Isso por-queosnegrosforamconsideradososculpadospeloquetinhaocorrido,sendoque,daliparafrente, seu acesso capela no era mais permiti-do.Segundorelatosdosprpriosmembrosdacomunidade de Manoel do Rego, isso teria sidoa gota dgua, para que os negros resolvessemcriarasuaprpriacomunidadeluterana(Gon-alves, 2008, p. 97).De acordo com os documentos, o grupo de ne-gros, mesmo no sendo responsvel pelo confli-to, acabou sofrendo as conseqncias e teve ve-dado o acesso capela, que lhes servia de localdecultos,instruoreligiosaeprdioescolar.Durante cinco anos a comunidade de luteranosnegros reuniu-se nas prprias casas. Em novem-brode1927foiinaugurada,nalocalidadedeManoel dos Regos, a 1,5 Km de Solidez, uma ca-pela, onde tambm funcionaria a escola. O terre-no foi doado por um teuto-brasileiro, Emil Wille,que posteriormente veio a substituir Drews comoprofessor da escola. O material de construo foidoado, sendo a feitura dos tijolos e a construo,assumidos por membros da prpria comunida-de luterana negra (Rieth, 1999, p. 192).Dessemodo,talbrigaexpressa,porumlado, o aumento das tenses e dos conflitos en-tre os dois grupos e, por outro, um dos momen-tos importantes na fundao da comunidade denegros,namedidaemqueelesreagiramtalproibio reunindo-se em suas prprias casas eCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013147Wilson Jos Ferreira Oliveiraformando uma comunidade distinta. Por isso, abriga ocorrida no natal de 1922 ainda est pre-sente na lembrana da maioria dos atuais mem-bros da comunidade, tanto daqueles que aindaeram crianas nesse perodo quanto de seus fi-lhos.Nessesentido,semprequefalamdosurgimento da Comunidade Luterana Evangli-cadosNegros,elesrelembramqueelasurgiuemfunodoproblemaquedeulembaixocom os negros, do tempo em que os colonos eos negros comearam a pelear etc.Ento quer dizer, os colonos no ficaram conten-tes com aquilo e a o meu tio Valrio, o meu pai,o pai desta [apontando para sua esposa]. Os ou-tros que brigaram. Aqueles que vinham de fora,no esses da comunidade no. [...] A turma, osbagualquevinhamdefora...Bichovelhoquedeitava pr trs, o faco comia, bom a...O tioValrio que era casado com a irm do meu paidisse olha, eu vou dar a minha casa pra dar con-tinuidadenocultivo...ReverendoAugustoDrews...Foi ele que iniciou aqui. Ento a que sereunia aquele grupinho ali. Botavam um, ou dois,ou trs pr ouvi a palavra de Deus... E a eles iamchamando os outros ali. Bom, a a casa era pe-quena do meu tio Valrio no . A eles se reuni-am... Vamos fazer uma Igrejinha pr ns, tudofeito a maderado, por que naquele tempo tudoera com sacrifcio pr trabalhar, fazia um estalei-ro, cortavam madeira... Pr baixo pr cima, serrote.Cortavam as linhas... Tonados... Tinha linha prafazer a Igreja, madeira tinha bastante, a chama-ramumpedreiro,oFernando...LdoSantoColleto. [...] Trabalhando e eles ali trabalhando,tudo unido aquela turminha, fizeram a Igreja prans, ta certo, pr ns depois serviu pr mim. Queaquela Igreja que t agora, essa a eu ajudei a fazer.Eu j era casado, eu tinha filho no , ento ficou aIgreja s dos morenos ali (Entrevista).De certa forma, a forte lembrana de taisacontecimentos ocorre porque tal evento consti-tui um dos marcos principal da fundao de umacomunidade distinta no distrito de Solidez. Di-ferente das situaes em que o conflito de terrateve um papel de catalisador (Vran, 2000), no casoem pauta, tal papel foi desempenhado pelo confli-to religioso, pois a partir de tal evento e da reaodos negros frente excluso que at ento vinhamsofrendo, que se procede delimitao das fron-teiras que passaram a definir os negros como umgrupo distinto. Isso implicou, por um lado, todoum trabalho poltico de definio interna dos limi-tes quanto aos prprios grupos de negros que cir-culavam na regio e s possveis trocas existentesentre eles. Ou seja, a fundao de sua prpria igre-ja possibilitava a delimitao de fronteiras inter-nas ao prprio grupo, entre os negros baderneirose os luteranos negros, e constitua uma forma decontrole da imagem depreciativa que era lanadasobre os negros que viviam na localidade quandotais conflitos vinham tona. Imagem essa que fun-damentava sua excluso do ingresso nas organiza-es comunitrias, como o caso especfico doacesso comunidade luterana: S o que daquificou, mas os de fora sempre viam... [...] Agorafestinhas - a festa depois que comeou a igreja -ali vinha essa turma, da caminhes de gente aquina igreja isso passava tudo decente, no tinha maisbriga (Entrevista).Por outro lado, essa delimitao in-ternadasfronteirasenteosgruposdenegrosquefrequentavamaregioimplicou,tambm,uma demarcao das fronteiras externas com omundo dos brancos, na medida em que resultounaprpriaredefiniodadesignaogentedecor,queeraotermocomumenteatribudoaosnegrosdacomunidadepelosbrancos.Comaconstituiodacomunidadeluterananegra,oprprio uso da designao gente de cor para sereferir aos negros da regio foi modificado, pas-sandoaserutilizadootermocomunidadedosmorenos. Doravante, seria com base na conver-so religiosa daqueles que no eram do local, queseriapossvelaadmissodosnovosmembrosnacomunidade,bemcomoastrocasmatrimo-niais entre tais grupos de negros. Isso permitiaaos negros luteranos diferenciarem-se dos outrosnegrosbagunceirose,assim,controlarasima-gens depreciativas que os teuto-brasileiros lan-avam constantemente contra eles enquanto umacategoriaindistinta.Dessaforma,elestambmpassaram a existir perante os brancos da regio,no mais como uma comunidade desconexa, mascomoumgrupodiferenciado,queexigiareco-nhecimento e respeito.Nesse sentido, pode-se dizer que a forma-CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013148DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...o da comunidade luterana negra alterou a confi-gurao das relaes de foras entre os distintosgrupos que habitavam a regio de Solidez. Segun-do Rieth (1999), a constituio de duas comuni-dades religiosas distintas, dos teuto-brasileiros emSolidez e dos negros em Manoel do Rego, resul-tou na diminuio dos confrontos diretos entreeles. Isso no quer dizer que os conflitos existen-tes entre os dois grupos tenham desaparecido,nem tampouco que foram suprimidas as diferen-as e desigualdades sociais que marcaram a rela-o entre brancos e negros na regio. Quanto aisso, so inmeros os relatos de eventos, festas ecomemoraes nos quais as fronteiras entre eleseram bem demarcadas com base em divises tni-cas e raciais.Eu fui criado no racismo. Aqui, patro, olha aquieu vou dizer pro senhor, o branco comia aqui eeu comia l na cozinha. No tinha dizer eu achoruim,seosenhoracharuimosenhorsaia,iaembora. [...] No foi s eu. Aqui nessa venda, aquitinha um colgio, eu no sei escrever e no seioler, eu s sei fazer conta, que conta eu sou bom.Sei que dom que Deus me deu. O racismo, eraigreja s de alemo, era colgio s de alemo, ens morvamos no meio dos alemes, o senhorno entrava na porta do colgio. At tinha umprofessor, ele vivo ainda, o Schmidt o pai daSnia essa aqui, ns no entrvamos na rea doptio do colgio pra brincar com os outros guris,porque ns ramos negros. (Entrevista)Documentossobreperodosbemrecen-testambmilustramcomoaseparaoentrenegros e brancos constitui um dos princpios deorganizaoquecaracterizouosmaisvariadoseventos e situaes sociais na regio de Solidez.Como salienta Gonalves (2008), at os anos de1980 ainda se podia escutar nas rdios da cidadeconvites para bailes quesugeriam a entrada somente de brancos. No con-vite o locutor dizia: bailes das rosas brancas. Es-tava implcito que no baile s poderiam entrarpessoas brancas. Mas quando o locutor dizia bailedasrosasvermelhas,sabia-sequeosnegrospoderiam entrar. No entanto, a lei brasileira jprevia o crime de racismo, por isso os donosdos sales de baile utilizavam desse artifciopara divulgar suas festas. [...] As primas Ilse eClarisse tambm confirmam que os brasileirospodiam danar nos bailes, mas os negros nementravam (Gonalves, 2008, p. 115; 116).Todavia, em meio persistncia de tais divi-ses tnico-raciais, um dos aspectos contrastantescom a situao vivenciada no perodo anterior que a formao da congregao luterana dos ne-grospossibilitouoreconhecimentomoraldosnegrosnaregio.Comoelesprpriosdizem,opertencimento Igreja constitui o que lhes per-mitiuascendernacomunidadeaofazerdeleshomensdebem,mantendo-osnocaminhodo bem e da honra (Gonalves, 2008, p. 130).Isso, como ser exposto a seguir, trouxe profun-dasimplicaesquantovinculaodogrupocom a memria da escravido. No entanto, evi-dente que, a partir disso, eles conseguiram im-por uma identidade prpria, que demarca umafronteiratnico-racialemrelaoaosbrancos.Nessesentido,interessanteobservarqueafiliao religiosa ao luteranismo no significou oingresso dos negros no mundo dos brancos e asupresso das divises tnico-raciais. Pelo con-trrio,elaconstituiuumadasformasqueelesencontraramdeafirmaodesuaidentidadegrupal,deteremodireitodeexistircomoumgrupodistinto.Tantoquefoicomoluteranosnegrosoucomunidadedosmorenosqueelespassaramaserreconhecidoscomoumgrupodigno de considerao e respeito.Se, como coloca Elias (2000), as institui-es religiosas constituem pontos focais nas re-desderelaescomunitrias,nalocalidadedeSolidez, no incio do sculo XX, isso se mostrade forma muito acentuada. As diferenas entreos principais grupos tnicos que habitavam tallocalidade encontram formas particulares de ex-pressoemfiliaesreligiosas.Nessesentido,observou-se que as diferenas entre brasileiros,teuto-brasileiros e negros foram to marcadas queresultounaconstituiodetrscomunidadesprotestantes distintas. Mas foi no confronto en-trebrancosenegrosqueasdiferenasmaismarcantessemanifestaram,poisosbrasileirostinham o ingresso permitido na comunidade dosCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013149Wilson Jos Ferreira Oliveiraalemes, enquanto que aos negros estava excludoo acesso a tais comunidades. Por isso, pode-se con-siderar o confronto entre negros e brancos (incluin-do os teuto-brasileiros e os brasileiros na categoriados brancos), como um dos aspectos principais naestruturao das relaes entre as principais etniasque habitavam a regio.Nesse sentido, a criao de uma comuni-dadedistintadeluteranosnegrosnaregiodeSolidez demonstra a existncia de desigualdadestnico-raciais quanto utilizao dos espaos deconvivnciacomunitria.Osconflitoseasfre-quenteshostilidadesocorridasentrenegrosebrancosemtallocalidade,bemcomoasima-gens depreciativas que eram vinculadas aos pri-meiros, evidenciam, tambm, que, por parte dosbrancos, no havia condies de acesso deles atais espaos. E, quando isso estava prestes a ocor-rer,devidoaotrabalhoinsistentedoPastor,oqual foi objeto de resistncias e incessantes crti-cas por parte dos teuto-brasileiros, os negros vi-ram tal acesso negado, sendo-lhes atribuda a culpapela baderna ocorrida no Natal de 1922. Diantedisso, pode-se concluir que foi somente pela cons-tituio de uma comunidade distinta, com regrase normas de condutas prprias, e no pela aber-tura de canais de participao por parte dos bran-cos que dominavam a vida comunitria at ento,que os negros obtiveram o reconhecimento comoum grupo tnico importante na regio.Essa converso de ex-escravos ou seus des-cendentesaoprotestantismonoconstituiumaparticularidade da situao investigada. H mui-to tempo Roger Bastide j tinha constatado que,desde o incio do sculo XX, tal converso consti-tui uma das possibilidades de ascenso social paraapopulaonegra(Monteiro,1999).Emconso-nncia com isso, tem sido comum considerar asdinmicas de converso e de pertencimento dosnegros religio protestante como uma forma depossibilitar sua ascenso social, no sentido de quepermite um maior progresso e mobilidade sociale econmica para os mesmos (Monteiro, 1999). tambm nesse sentido que se tem abordado a con-verso dos negros religio luterana na regio deSolidez (Gonalves, 2008; Rieth, 1999).Semdescartarapertinnciadetalabor-dagem,acreditamosque,nocasodeSolidez,muitomaisdoqueumabuscaorientada,ape-nas, pela necessidade de reduzir as desigualda-deseconmicasedemelhorarsuascondiesdetrabalho,opertencimentoreligiosodosex-escravos e seus descendentes constituiu, clara-mente,umadasformasdelutaporreconheci-mento,podendoserdefinida,tambm,comouma luta moral. Isso porque ela resultou no es-tabelecimento de um conjunto de regras de con-dutasprprias,quediferenciouosnegrosdosoutros grupos existentes em tal localidade e, as-sim, possibilitou sua ascenso e reconhecimentoperante os demais e sua afirmao moral comoum grupo social distinto.Tal interpretao tem como base algumasdiscussesvinculadasaostrabalhosdeAxelHonnetheNancyFraser(Mattos,2004;Men-dona, 2007; Mathieu, 2009). Um dos aspectosimportantes que tem sido salientado a respeitodos trabalhos de Honneth diz respeito relaoentre formas de desrespeito e autorrealizao dosindivduos.Segundoele,existemtrsformasprincipais de desrespeito que impedem a reali-zao do indivduo em sua integridade. So elas:1) aquelas que afetam a integridade corporal dossujeitos e, assim, sua autoconfiana bsica; 2) adenegao de direitos, que mina a possibilidadede auto-respeito, medida que inflige ao sujeitoo sentimento de no possuiro status de igual-dade; e 3) a referncia negativa ao valor de certosindivduos e grupos, que afeta a auto-estima dossujeitos (Mendona, 2007, p. 172).Nesse sentido, o rebaixamento e a humi-lhao vivenciados pelos indivduos, cotidiana-mente, que ameaam as identidades dos grupossociais e dos indivduos associados a tal coletivi-dade, constituem os fundamentos da emergn-cia de conflitos e de lutas por reconhecimento.Uma vez que em tais lutas esto em jogo disputasreferentes aos impedimentos e s possibilidadesderealizaodaquiloqueseentendeporbemviver, elas so um dos ingredientes fundamen-CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013150DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...tais do desenvolvimento moral da sociedade e dosindivduos (Mendona, 2007, p. 172-173).Os trabalhos de Fraser, por sua vez, criti-cam o que chama de paradigma identitrio doreconhecimento que, segundo ela, corre o riscode reduo das lutas por reconhecimento bus-ca de uma autenticidade identitria e a pres-so moral para que os indivduos se conformem cultura grupal (Mendona, 2007, p. 174). Emcontraponto a isso, ela argumenta que precisoconsiderar que tais lutas esto associadas a de-mandas por alteraes dos status individuais dosmembros de tais grupos e no apenas pela afir-mao de uma identidade especfica do grupo.Aindaqueessedebateestejapermeadopor definies normativas a respeito do papel edas estratgias que deveriam ser adotadas pelosgrupos sociais para alterao de suas condiesde desigualdades tnica e raciais, ele traz impor-tantes contribuies para pensar a converso aoluteranismo dos negros que viviam em Solidez,na medida em que possibilita consider-la comouma forma concreta de luta por direitos e peloreconhecimentodadignidadedesuacondiosocial e de sua conduta moral. De maneira geral,tal debate traz tona os limites das abordagensque consideram as desvantagens econmicas e odesrespeito cultural como dimenses opostas eexcludentes das lutas por reconhecimento e noscolocam no desafio de observar como elas estoempiricamente entrelaadas nas situaes con-cretas de formulao de justificativas, reivindi-caesedemandasporrespeitoerecognio(Mattos, 2004; Mathieu, 2009).umdesafiosemelhantequeencontra-mos no caso de Solidez, quando observamos quea converso religiosa est estreitamente interli-gada s demandas e lutas pelo acesso a padresde moralidade que possibilitem o ingresso na vidacomunitria. Todavia, como j foi salientado an-teriormente,deve-seacrescentar,ainda,quearedistribuiodosdiferenciaisdepoder(Elias,2000) entre negros e brancos, quanto s possibi-lidades de acesso vida comunitria em tal loca-lidade,eraumdosaspectosfundamentaisquetambm estavam em jogo em tais lutas. justa-mente na conexo das demandas por ascensomoral, por modificao dos atributos identitriose por redistribuio dos diferencias de poder quese pode considerar a converso religiosa dos des-cendentes de escravos como uma forma de afir-mao identitria. , tambm, nesse sentido quepodemosfalardafundaodaCongregaoEvanglicaLuteranadeManoeldoRegocomouma possibilidade de ascenso social dos negrosenquantoumgruposocialdistintoe,portanto,como uma forma de integrao dos mesmos nasociedade.Desse modo, pode-se dizer que o sentimen-to de comunidade dos descendentes de escravosresidentes na regio foi profundamente marcadopela afirmao de princpios morais fundados nopertencimentoreligioso.Suaconversoigrejaluteranasedeudeformabastanteconflituosa,decorrente do grau de distanciamento entre bran-cos e negros quanto ao acesso s formas legti-mas de participao na vida comunitria, e cujodesdobramento foi a criao de uma comunida-de distinta, uma vez que a ento existente, des-de muito tempo, se caracterizava pela exclusoe proibio de ingresso dos negros nos espaoscomunitrios. Por isso, a criao de uma congre-gao luterana de negros constituiu uma formade lutar tanto contra as desigualdades de condi-es sociais a que estavam submetidos os negrosquehabitavamtallocalidadequantocontraasformas de desrespeito moral e excluso polticaque sofriam por parte dos brancos. Assim, atra-vs de um trabalho de mobilizao poltica, queconduzaafirmaomoraldopertencimentoauma mesma comunidade de crentes, que os ne-gros de Solidez estabelecem formas legtimas deapropriao e posse do territrio.Issopareceumpontoimportanteparaacompreenso da relao que os negros da regioestabeleceram,posteriormente,comopassadoda escravido e que se mostrou para ns, inicial-mente, atravs do silncio e do esquecimen-todefatoseeventosvinculadosescravidoemsuafamliadeorigem.Decertaforma,talCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013151Wilson Jos Ferreira Oliveiraaspecto parece estar interligado a certas exign-cias para o ingresso em comunidades luteranas,principalmentequandosetratadepessoasne-gras.ComosalientaRieth(1999,p.185),trata-se de um caminho extremamente rduo e que[...] exige completa renncia da origem tnica ecultural da parte de pessoas negras e de ascen-dncia negra.Nesse sentido, um dos aspectos ainda pou-co aprofundados sobre a converso religiosa dosnegros ao luteranismo tem sido a investigao dasimplicaeseconsequnciasquetalconversotrouxe em termos de reformulao identitria. Nocaso em pauta, ela resultou de certas condiesobjetivas de desigualdade e excluso social e po-lticanaregio.Aomesmotempo,aconstitui-o de uma congregao de negros luteranos exi-giu uma profunda redefinio dos esquemas dereclassificao da identidade dos negros que pas-saram por tais situaes e suas vinculaes coma afirmao de condutas e prticas morais con-dizentes com a nova situao.Eu nunca me liguei nesse negcio de racismo.Eu esqueo que sou negra e me comunico com aspessoas. Quero que elas vejam o meu interior.Quando saio com as minhas colegas, procuro teruma aparncia que agrade a todos. Me arrumopara me sentir bem e saber que as pessoas tam-bm vo se sentir. Porque vejo as pessoas trata-rem os brancos diferente dos pobres. E muito!Tenho uma colega que fala para mim: D., o ni-co preto que gosto voc (Rieth, 1999, p. 185).Como se pode ver por esse relato, a nega-o de sua origem tnica constitui um mecanis-moimportantedeaceitaosocial.Emdecor-rnciadisso,asituaodedescriminaoidentificada associada a outros adjetivos comopobres, gente humilde etc. Na situao estu-dada, foi somente com a emergncia da catego-riaquilombolasquesurgiuapossibilidadedeque certas memrias subterrneas (Pollak, 1989)sobre a situao dos negros na regio fossem aci-onadas, na medida em que tal categoria consti-tui uma nova forma de vinculao da definioidentitria do grupo com o passado da escravi-do.Todavia,issonoocorresemconflitosin-ternos, uma vez que princpios de organizao,fundados no pertencimento religioso, entram emconflito com os que derivam das divises tni-co-raciais,assimcomocomosqueremetemfiliao poltica e associativa.De Morenos a QuilombolasNoanode2003,constituda,formal-mente, a Associao Comunitria Remanescen-tedeQuilomboManoeldoRego.Acriaodetalassociaocontoucomoincentivoeapoioconjuntodasprincipaislideranasdacomuni-dade luterana, do atual pastor e de dirigentes deorganizaes e movimentos sociais vinculados lutadosremanescentesquilombolas.Segundorelato do conjunto dos membros da comunida-de,ainiciativadecriaodaassociaopartiudo contato entre lideranas da comunidade e oentopresidentedaCooperativadosPequenosAgricultores Produtores de Leite da Regio Sul COOPAL. Tal contato resultou do fato de queosmembrosmaisantigosdacomunidade,du-rantemuitotempo,fizerampartedessacoope-rativa em funo da produo de leite que, antesda propagao atual da plantao de fumo, erauma atividade produtiva bastante desenvolvidana regio.Todavia, eles consideram o marco princi-pal da criao da associao uma apresentaodo coral da congregao durante a inauguraoda COOPAL no distrito de Iguatemi, por convitedo prprio presidente da cooperativa. Esse tam-bm era filiado ao Partido dos Trabalhadores e,posteriormente,foicandidato,pelopartido,aprefeito do municpio de Canguu, no pleito elei-toralde2004.Duranteainaugurao,tambmestava presente o ento vice-governador do esta-do do Rio Grande do Sul na gesto do PT, queficouadmiradocomoCoraldosluteranosne-gros. Tal evento foi sucedido por algumas inicia-tivastantoporpartedosmembrosdacomuni-dade quanto do prprio presidente da COOPAL.DentreestassedestacaoencaminhamentodeCADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013152DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...tcnicos da Fundao Cultural Palmares para darincio ao processo de reconhecimento da associ-ao, o que resultou em vrias visitas comuni-dade. O trabalho realizado pela Fundao foi su-cedido pelos investimentos de setores do movi-mentonegroqueaplicaramquestionrioparacaracterizao scio-econmica da comunidadee fizeram oficinas de capacitao e mobilizaovisandoconscientizaodosseusmembros.Tais iniciativas, de lideranas e organizaes ex-ternascomunidade,contaram,tambm,comointeresseeoinvestimentodosseusprpriosmembros.Dentreesses,destaca-seafiguradeseu A., que foi um dos principais defensoresdacriaodaassociaoequeestevefrentedela durante muito tempo. Ele se tornou o pri-meiro presidente da associao e, em funo dis-so,participoudeinmeroseventosregionaisenacionais com representantes de outras associa-esquilombolas.Comoilustraamaioriadosrelatosdosqueparticipam,desdeoincio,daassociao,asuacriaoconstitua,tambm,uma das esperanas de os negros permaneceremno local e no deixarem os alemes compraremsuasterras.Nessesentido,pode-sefalarqueacriao da associao se insere numa dinmicainterna de apropriao e preservao de um ter-ritrio que estava em progressiva reduo e sobuma forte ameaa de desintegrao.Aqui patro, disse ele assim [referindo-se a seuA], j no existiam negros mais aqui, porque oscolonos, os alemes, eles vinham tomando con-ta. A esse A., o senhor tem que conversar comele, ele dizia: vamos empacar, os que no tm,vamos ver se cada um fica no seu pedacinho, seplanta ali e no sai, pra no deixar eles tomaremconta, porque seno o negro vai andar na estradanovamentecomonocativeiro.Porquevendehoje, o senhor sabe, vende hoje, o dinheiro aque-le ditado: tem uma carreta de dinheiro e babaus,ento o dinheiro termina e o cara vai ficar sem asterras.Eeledizia:conservemasterrasaqui,cansoudeviraquiedizer:vamosconservar,vocs conservem, no saiam de cima do pedaci-nho de vocs, ns temos uma touceira de negroentouceirado! (Entrevista).Quanto a isso, vale salientar que a criaodaassociaoocorreunummomentoemque,objetivamente, a comunidade atravessava sriasdificuldades de permanncia e continuidade. Issoporque, nas novas geraes, tm sido muito re-correntes os casos dos que abandonam a comu-nidade para tentar a sorte nos municpios e cida-des vizinhas. Nesse sentido, vale salientar que,das dezessete famlias residindo no local, a gran-de maioria dos casais, (60%), tem filhos que nomorammaisemManoeldoRego.2Dentreosprincipaismotivosatestadospelospais,paraatransferncia dos seus filhos e filhas para outraslocalidades, est a falta de trabalho na localida-de (35,3%), demonstrando que a busca por me-lhores condies de trabalho fora da comunida-de de Manoel do Rego constitui um dos ingredi-entes importantes da vida comunitria. Associa-das a isso, as condies de acesso escolarizaoeformaoescolarsomuitoprecrias,demodo que 87,3% da populao total que residena localidade no est estudando no momento,mesmo que grande parte ainda esteja em pero-dodeformaoescolar.Talsituaoseagravaquando observamos que, em termos territoriais,acomunidadepraticamenteseestabilizounodecorrer do tempo, no sentido de que no hou-ve acrscimos de novas propriedades com a for-mao de novas unidades familiares. Antes dis-so,oqueseconstata,emcomparaocomomomentoinicialdecriaodacongregaodeluteranos negros, a forte reduo do seu terri-trio geogrfico. Nesse sentido, apenas 12,5% dasatuais unidades familiares, ou praticamente emdois casos, houve pequena alterao na rea uti-lizada,enquantopara76,5%amesmanoso-freu nenhuma alterao nos ltimos anos.Taisfatoresestonabasedosentimentocomumentecompartilhadopelosmembrosdacomunidade de que est difcil continuar a vidaemSolidez.Se,comobemsalientouopastorda comunidade a congregao foi muito impor-tanteparasegurareles(Entrevista),oqueseobserva, atualmente, que ela j no parece su-ficienteparasuamanutenoecontinuidade.2 Informaes e estatsticas obtidas com base no cadastroaplicado s famlias que residiam na comunidade.CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013153Wilson Jos Ferreira OliveiraNesse sentido, a redefinio em torno da categoriaquilombola se apresenta, para os prprios mem-bros da comunidade, como uma das formas de aces-so a servios e direitos que, at ento, no lhes eraconcedido (tratamento de gua e esgoto, energia el-trica, financiamentos etc.), o que poderia trazer be-nefcios tanto para a manuteno das novas gera-es na comunidade, quanto para sua expansoterritorial. Nesse sentido, ela possibilita o reforodo sentimento comunitrio num momento em quea adeso congregao religiosa j no se mostravamais to eficiente.No entanto, ao mesmo tempo que resultada conjuno entre condies exgenas e din-micas endgenas prpria comunidade, a utili-zaodotermoquilombolacomoprincpiodedefinio do grupo tem sido fonte de alguns con-flitosinternos.Emprimeirolugar,porqueeletrouxe tona a necessidade de reconhecimentodavinculaodogrupocomopassadoescravocrata atravs da utilizao do termo ne-gro.Noentanto,comovimosanteriormente,ouso de tal designao tinha uma conotao pejo-rativanalocalidadedeManoeldoRego,poisconstituaumadjetivosintomticodeumatoideolgico de evitao por parte dos brancos eque contribua para a manuteno dos diferen-ciais de poder que caracterizava a posio socialdos ex-escravos e seus descendentes em tal re-gio. Como bem salienta o primeiro presidenteda associao, uma das principais dificuldadesencontradasparaaformaodamesmafoiaspessoas se reconhecerem como negras, uma vezqueaideiadesernegroeramuitopejorativa(Entrevista).Porisso,mesmoqueostermosquilombo e negro estejam juridicamente vincu-ladosvalorizaodaculturaedastradiesafro-brasileiras (Boyer, 2009, 2010), para tal gruposerrespeitadosignificava,durantemuitotem-po, ser chamado de moreno e no de negro.Emsegundolugar,existemdificuldadesvinculadas existncia de princpios de organi-zao comunitrios relativamente diferenciados.Deumlado,oprincpioreligiosoqueenglobaum conjunto de famlias que participam, desdemuitotempo,dacongregaoluterana.Deou-tro,oprincpiodoparentesco,quereneumconjuntosignificativodeindivduos,masnemtodos com o mesmo grau de identificao e par-ticipaonacongregao.Porfim,oprincpiopoltico e associativo que rene outro conjuntodistinto de participantes.Emmeioaisso,acongregaoreligiosaconstituiaprincipalorganizaoqueforneceuos recursos humanos, materiais e simblicos ne-cessrios constituio da associao. Sendo as-sim,aquelesquefazempartedacongregao,masquenoveemnoprincpiopolticoeassociativo uma forma de resoluo dos proble-mas comunitrios, olham com certa desconfian-a as propostas levadas a cabo pelos dirigentesda associao. Em funo disso, muitos preferemo investimento em atividades relacionadas con-gregao, no dispondo de tempo para o trabalhoassociativo. Por outro lado, os que no fazem par-te da congregao deixam de acompanhar muitasdasreuniesporqueelasocorrememfestasoueventos relacionados congregao.Comointuitodedemarcarcertasdife-renas entre congregao religiosa e associaoquilombola, foi elaborado um projeto de criaoda sede da associao num outro espao, separa-do daquele onde funciona a congregao. De certaforma,asuperaodetaisdificuldadespareceremeter ao trabalho de mobilizao poltica ne-cessrio redefinio das fronteiras internas detal comunidade, bem como ao estabelecimentodosprincpiosdeorganizaoapropriadosreconfigurao do sentimento de comunidade e integrao desses diferentes princpios de or-ganizao em torno de uma identidade comum.CONCLUSESNos ltimos anos, ocorreu uma verdadeiraexploso da produo acadmica brasileira sobreos remanescentes quilombolas, atravs de inves-tigaes, publicaes em revistas especializadas eda presena de tal temtica em congressos e en-CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 139-156, Jan./Abr. 2013154DE GENTE DE COR A QUILOMBOLAS ...contros de antropologia (Boyer, 2009; 2010). Toda-via, a produo terica e conceitual referente a essatemtica ainda muito pequena, dificultando aconstruo de uma agenda prpria de pesquisassobre o assunto (Arruti, 1997; 2006; Boyer, 2009;2010). Isso porque tal produo tem sido ampla-mente marcada pela premncia de responder sdemandas sociais, polticas e institucionais, o queseexpressapelabuscaincessantedaprovadopertencimento do grupo categoria quilombolaedacertezadadiferenaedasingularidadequilombola, negligenciando na maioria dos casosos [...] termos mobilizados pelos prprios atorese os registros a que pertencem (Boyer, 2010, p.720).Em contraponto a isso, e em consonnciacom os estudos que se centram seja na investiga-o das condies de existncia e modos de for-maodosgrupossociais(Vran,2000;Boyer,2009;2010),sejanaanlisedasdinmicasdeconstituio das identidades (Arruti, 2006), esteartigo procurou demonstrar que os processos degneseedetransformaodascategoriasidentitrias da Comunidade de Manoel do Regonos colocam diante da importncia das lutas declassificaoedaslgicasdepoderedomina-o que lhe so inevitavelmente associadas, as-sim como aos conflitos que supem a estabiliza-o da definio de certas identidades coletivas(Surdez,et.al.2010,p.18-9).Nessesentido,vimos que os conflitos envolvendo o ingresso nacomunidadereligiosativeramumpapeldecatalisador na medida em que, tal como demons-tra Vran (1999, p. 317) a respeito dos conflitosdeterra,levaramas[...]famliasaexplicitar,pelo exerccio da memria, uma ligao entre opassado e a legitimidade da sua presena nessasterras. Desse modo, a memria e a identidadecoletivaapresentam-se,primeiramente,comoinseparveis das relaes sociais que constitu-em o grupo, de modo que sua compreenso re-queraconsideraodossucessivoscontextosprticos que constituem a histria social do res-pectivo grupo (Vran, 1999, p. 300).Tais contextos e os respectivos conflitos aelesassociadosconstituemmarcosparticular-mente importantes, na medida em que possibi-litam, concretamente, a articulao dos proces-sos de identificao externa aos indivduos e gru-pos sociais com as lgicas de identificao inter-na(Surdez,et.al.2010).Porisso,aoinvsdeconsiderarascategoriasdeidentificao,pre-sentes na Comunidade de Manoel do Rego, comoatributosmecnicosetransparentesdeumaancestralidade negra, procuramos dar conta desuas ligaes com as dinmicas de formao dogrupo e com as relaes sociais que o constitu-ram no decorrer de sua histria e na atualidade.Dessemodo,pode-seobservarqueacategoriaquilombola, longe de fundar uma mera imposi-oexternaouumsignificadototalmenteim-portado pelo grupo, est integrada a valores, in-teresses, condies e dinmicas locais.Recebido para publicao em 14 de outubro de 2011Aceito em 01 de fevereiro de 2013REFERNCIASABLS,Marcetal.Anthropologiedupolitique.Paris:Armand Colin, 1997, 283p.ANJOS, Jos Carlos G. dos; RUCKERT, Aldomar A. 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QuilombolaCommunities.Identity.Mediation.Wilson Jos Ferreira de Oliveira - Doutor em Antropologia Social. Professor do Ncleo de Ps-Graduao ePesquisa em Cincias Sociais (NPPCS) e no Ncleo de Ps-Graduao e Pesquisa em Antropologia (NPPA) daUniversidade Federal de Sergipe UFS. Tem formao e experincia profissional nas reas de Antropologia,Sociologia e Cincia Poltica, atuando na rea de Etnografia Poltica, investigando os seguintes temas: Reper-trios Organizacionais, Engajamento e Construo de Causas Pblicas; Gramticas Polticas, Processos deMediao e Aes Pblicas. Publicaes recentes: Desigualdades tnico-Raciais, formulaes identitrias elutas por reconhecimento. Espacio Abierto (Caracas. 1992), v. 21, p. 653-676, 2012; Posio de classe, redessociais e carreiras militantes no estudo dos movimentos sociais. Revista Brasileira de Cincia Poltica (Im-presso), v. 3, p. 49-77, 2010; Elites burocrticas, conhecimento tcnico e polticas pblicas de gesto ambiental.In: Joanildo A. Burity; Cibele Maria L. Rodrigues; Marcondes de A. Secundino. (Org.). Desigualdades e Jus-tia Social, v 1: A dinmica Estado-Sociedade. 1ed. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010, v. 1, p. 59-76.