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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.

    Direitos quilombolas e aces so as politicas publlcas (sociais): reflexos sobre aeonflguraeao da paisagem de uma comunidade no brejo paraibana'

    Rosa Lima Peralta2Maristela Oliveira de Andrade3UFPB

    ResumoNum contexto de consenso crescente acerca da insustentabilidade do modelo de producao econsumo da sociedade contemporanea, as comunidades tradicionais tern se destacado por suasformas diferenciadas de organizacao social e apropriacao dos recursos naturais. Apesar dasmuitas conquistas no marco legal, a efetivacao de seus direitos ainda esbarra em diversosfatores e atores contraries. 0 caso das comunidades quilombolas revela-se emblematico nessesentido. Embora a Constituicao Federal de 1988 reconheca 0 direito a propriedade de seusterrit6rios, isso nao se traduziu em garantia da permanencia dessas comunidades. Esse cenariocomplexo de conflito constitui objeto de pesquisa interdisciplinar sob as perspectivashist6rica, social, cultural e politica que marcam esses territ6rios, principal elemento dedisputa. Neste artigo, enfocamos de que forma as politicas publicas de corte social ternrepercutido sobre esse cenario a partir da analise da paisagem da comunidade quilombolaSenhor do Bonfim, situada no municipio de Areia, no brejo paraibano.Palavras-chave: comunidades quilombolas - politicas public as e SOCIalS- analise dapaisagemAbstractIn a context of growing consensus on the unsustainability of the model of production andconsumption of contemporary society, traditional communities have been distinguished bytheir different forms of social organization and natural resources appropriation. Despite manyachievements in the legal framework, enforcement of their rights still faces a number offactors and opposing actors. The case of the quilombo communities appears to be emblematicin this regard. Although the Constitution of 1988 recognizes the right to ownership of theirland, this has not ensured the permanence of these communities. This complex scenario ofconflict is the subject of a interdisciplinary research, addressing historical, social, cultural andpolitical issues that mark these territories, the main element of dispute. In this article, wefocus on how public and social policies have affected this scenario by performing an analysisof the landscape of the quilombo Senhor do Bonfim, located in Areia, municipality of thestate of Paraiba.Keywords: quilombo communities - public and social policies - landscape analysis

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.Introducao

    A preocupacao com a sustentabilidade do planeta tern sido crescente, permeando todasas esferas da sociedade contemporanea, desde a comunidade cientifica ate as escolasprimarias, do grande exportador aos pequenos agricultores, das grandes empresas aostrabalhadores. Temos assistido tambem Ii incorporacao da problematic a ambiental na agendade rmiltiplas redes e movimentos sociais ligados nao so Ii preservacao da natureza, mastambem Iireforma agraria, Iiagroecologia e Iidefesa dos povos tradicionais.

    Nesse contexto, emerge urn consenso crescente acerca da insustentabilidade do atualmodelo de producao e consurno, ao mesmo tempo em que espacos sao abertos para discutirnovos modelos de desenvolvimento, socialmente mais justos e ambientalmente sustentaveis,favorecendo urn processo de identificacao, visibilizacao e valorizacao de formas altemativasde relacao homem-natureza.

    Sob essa perspectiva, as comunidades tradicionais, em suas diversas manifestacoes,tern tornado consciencia e despertado crescente interesse por suas formas diferenciadas deorganizacao social e apropriacao dos recursos naturais", Seus modos de vida em geral estaoassentados em relacoes de pertencimento, simbolicas e espirituais com 0 territorio,respeitando os limites e potenciais ecologicos dos espacos geograficos em que se encontram(Diegues, 1999). No caso do Brasil, as comunidades tradicionais recentemente conseguiram,embora nao sem luta, 0 reconhecimento oficial de seus direitos. Citamos, a titulo de exemplo,a Convencao 169 da Organizacao Intemacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indigenas eTribais, ratificada pelo Brasil em 2004; e a Politica Nacional de Desenvolvimento Sustentaveldos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituida em 2007 pelo DecretoPresidencial6.040.

    No entanto, verifica-se uma longa distancia entre 0 arcabouco legal e a efetivacaodesses direitos (Caldeira, 2001), que continua sendo desproporcional Ii sua importancia erepresentatividade da sociodiversidade'' e, nao raro, da biodiversidade brasileira. 0 caso dascomunidades quilombolas revela-se emblematico nesse sentido. Afinal, apesar de aConstituicao Federal de 1988, por meio da introducao do artigo 68 no Ato das DisposicoesConstitucionais Transitorias (ADCT), reconhecer 0 direito Iipropriedade de seus territories, 0marco legal nao se traduziu em garantia da permanencia dessas comunidades. Chegou mesmoa acirrar e incitar conflitos que, embora encontrem pouca repercussao, tern sido cada vez maisfrequentes. 0tema ganha relevancia em funcao do mimero expressivo desses grupos.

    Segundo levantamento apresentado em 2005 pelo Centro de Geografia e CartografiaAplicada (Ciga) da Universidade de Brasilia (UnB) , sob coordenacao do professor RafaelSanzio, 0Brasil contaria com 2.228 comunidades quilombolas. Recentemente, Sanzio (2009)lancou urn novo livro em que atualiza essa contagem, assinalando mais de tres milcomunidades espalhadas por praticamente todos os estados brasileiros, mas com grandeconcentracao nas regioes Norte e Nordeste. 0 movimento quilombola, por sua vez, apontapara a existencia de cerca de cinco mil comunidades 7 Entretanto, ainda que na pagina doMinisterio do Desenvolvimento Agrario (MDA) conste que 0 Govemo Federal ja mapeoumais de 3.500 comunidades, apenas 1.482 delas foram certificadas pela Fundac;ao CulturalCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 273

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.Palmares (FCP), orgao do Govemo Federal cuja atribuicao e fazer 0 cadastro dascomunidades. Destas, apenas 173 foram tituladas, segundo dados do Instituto Nacional deColonizacao e Reforma Agraria (Incra), autarquia responsavel pela regularizacao fundiariados territories quilombolas.

    Mas a que se deve essa discrepancia entre 0 mimero expressivo de comunidadesquilombolas e a sua pouca visibilidade? E certo que a mera mencao do termo qui/ombocontinua causando estranheza entre a sociedade brasileira mais ampla, como tambem no seiodas proprias comunidades, 0 que acaba se refletindo na efetivacao de seus direitos. Mas 0reduzido mimero de titulacoes tambem pode indicar que, alem dos processos historicos deopressao e exclusao que fizeram com que esses grupos permanecessem ocultos (as vezesvoluntariamente, como forma de protecao), a invisibilidade acerca da importancia da fixacaodessas comunidades em seus territories tradicionais tern sido estrategica e eficaz parasegmentos opositores. Ruralistas, grupos empresariais e setores do proprio govemoencontraram respaldo nos principais meios de comunicacao para influenciar a opiniao publicae deflagrar urna campanha de desqualificacao dessas comunidades.

    Entre os principais discursos contraries a efetivacao dos direitos quilombolas,encontramos a ideia de "entrave ao desenvolvimento", devido a nocao de que formas arcaicasimpediriam 0progresso e 0 crescimento economico do pais; "risco a soberania e a segurancanacional", ja que a existencia de outros territories dentro de urn Estado-nacao ameacaria aintegracao nacional (Little, 2002) e tomaria 0pais vulneravel a interesses estrangeiros; "muitaterra para poucos", mesmo argumento contra demarcacao de terras indigenas; "ameaca aodireito de propriedade", sugerindo que 0 criterio de autoidentificacao permitiria que qualquerurn se autoproc1amasse quilombola para obter terras ocupadas por terceiros; "incitacao aoconflito racial", pois provocaria distincao onde nunca houve; e "risco de degradacaoambiental", em funcao de urn processo de favelizacao supostamente inerente a populacoesnegras e pobres (Pacheco; Herculano, 2006).

    Uma analise mais detida desses argumentos revela 0 que esta verdadeiramente emconflito: a apropriacao de recursos naturais e a concepcao de desenvolvimento (Alimonda,2002). Portanto, embora, como aponta Little (2002), seja interessante detectar semelhancasentre os diversos grupos tradicionais e suas reivindicacoes, de forma a descobrir possfveiseixos de articulacao social e politica, e importante tambem lancar urn olhar diferenciado sobreas particularidades da origem e lutas desses territories negros (Arruti, 2006).

    Diante dis so, cabe nos perguntar de que maneira as reivindicacoes territoriaisquilombolas incidem sobre 0 cenario politico nacional de disputa pelo acesso e apropriacaodos recursos naturais? Em que medida as praticas quilombolas de apropriacao dos recursosnaturais estao em conflito com as de outros atores? Qual a relevancia das comunidadesquilombolas para a atual discussao sobre desenvolvimento e sustentabilidade do Pais?

    E preciso, portanto, considerar nao so a resistencia historica, mas a luta em defesa deseus modos de vida e organizacao social no presente, reivindicando a participacao naelaboracao e na implementacao de planos de desenvolvimento local e regional, tendo como

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.principal ponto de reivindicacao a permanencia e manutencao de seus territ6rios, maiorlegado para as geracoes futuras.

    A busca pelo reconhecimento oficial do territ6rio esta relacionada Ii garantianecessaria para que as comunidades tracem planos end6genos e sustentaveis de gestae ereproducao de seus territ6rios. Hoje esta em pauta a discussao sobre 0direito de certos gruposa terem modos de vida e de desenvolvimento pr6prios, que nao sao regidos pela racionalidadeeconomica que orienta 0 mundo capitalista (Leff, 2008). Sao formas de organizacao socialque, embora consideradas primitivas e arcaicas, configuram urn tecido social complexo epodem representar urn novo modelo de sociedade almejado, onde a expansao, a competicao ea dominacao dao lugar a valores mais integrativos, como a conservacao, a cooperacao e asparcerias. E e nesse senti do que, tendo garantido seu territ6rio para viabilizar sua reproducaofisica e social, as comunidades quilombolas poderao se desenvolver visando asustentabilidade ambiental e a manutencao da sociodiversidade.

    Esse cenario complexo de disputa, caracteristico dos chamados conflitossocioambientais, constitui objeto de urna pesquisa interdisciplinar sob as perspectivashist6rica, social, cultural e politica que marc am os territ6rios quilombolas, principal elementode disputa. 0 objetivo e delinear a dinamica desses conflitos envolvendo urna comunidadequilombola no estado da Parafba e identificar os rmiltiplos fatores e atores envolvidos, suascotas de poder, suas articulacoes politicas, os conflitos de interesses. Neste artigo, porem,optamos por enfocar de que forma as politicas publicas e sociais8 tern repercutido sobre essecenario a partir do estudo da comunidade quilombola Senhor do Bonfim, situada nomunicipio de Areia, no brejo paraibano. A ideia e avaliar como a presenca ou ausencia doEstado tern contribuido para a configuracao da "paisagem" quilombola (Little), tendo comoreferencial conceitos e metodologias da Ecologia Politica (Little; Alimonda; Martinez Alier),da Justica Ambiental (Acselrad) e da Racionalidade Ambiental (Leff).Caraeterizaeao da area de estudo e metodologiaA comunidade Senhor do Bonfim

    A comunidade quilombola Senhor do Bonfim e formada por 22 familias e esta situadano distrito de Cepilho, municipio de Areia, brejo paraibano. Seu reconhecimento oficialenquanto comunidade remanescente de quilombo pode ser considerado relativamente recente(25/5/2005) se levado em conta que foi em 1988, com a promulgacao da Constituicao Federaldo Brasil, que 0 artigo 68 determinou: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombosque estejam ocupando suas terras e reconhecida a propriedade definitiva, devendo 0 Estadoemitir-lhes titulos respectivos."

    Sabe-se, no entanto, que a reivindicacao pelos movimentos SOCIalSque levou Iiaplicacao pelo poder publico do artigo constitucional se concretizou pela primeira vezsomente em 1995, com a titulacao da comunidade de Boa Vista, em Oriximina (PA). E, de lapara ca, 0 mimero de titulos de propriedade expedidos foi bastante timido. Das 1.523comunidades certificadas pela Fundacao Cultural Palmares (FCP), entidade publica vinculadaao Ministerio da Cultura (MinC)9, apenas 183 comunidades em todo 0Brasil receberam seusCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 275

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.titulos de propriedade e, mesmo assim, segundo dados do Incra, autarquia responsavel desde2003 pela regularizacao fundiaria dos territories quilombolas, muitas nao podem gozarplenamente dessa conquista, seja porque nao houve a retirada ou indenizacao dos ocupantesnao quilombolas (proprietaries e/ou posseiros) de seus territories ou porque seus tituloscontem clausulas suspensivas (Incra, 2010).

    No caso da Paraiba, a FCP expediu 31 certidoes de autorreconhecimento, entre 2004 e2010, sendo 0 primeiro passo formal necessario para a instauracao do processo deregularizacao fundiaria pelo Incra, segundo determinacao da Instrucao Normativa 49/200810 ,atual dispositivo de regulamentacao do Decreto n. 4.887/03 e do artigo constitucional 68.Senhor do Bonfim foi certificada em 2005, mas, em funcao do acirramento do conflitoenvolvendo a comunidade e proprietaries incidentes (as ameacas foram inclusive estendidas arepresentantes da equipe do Incra), seu processo de regularizacao fundiaria ganhou prioridadeem relacao aos demais. Portanto, em 2009, foi a primeira comunidade remanescente dequilombo do estado da Paraiba a receber do Presidente Lula 0 Decreto Presidencial deDesapropriacao por Interesse Social, que preve a indenizacao e posterior retirada departiculares que nao pertencem Ii comunidade. A area reivindicada pelas 20 familiasquilombolas corresponde a pouco mais de 120 hectares.

    Apesar de 0 mencionado Decreto Presidencial nao ser a ultima etapa para aregularizacao definitiva do territorio quilombola (falta ainda que 0 Incra seja imitido na possedo im6vel11 e a desintrusao dos ocupantes nao quilombolas antes do registro em cartorio), eleao menos serviu para apaziguar 0 conflito. Hoje, os quilombolas nao mais sofrem com asameacas de outrora, e os proprietaries ja concordaram em negociar urn valor para indenizacaoe saida da area. Essa situacao trouxe urn clima de seguranca para a comunidade, sobretudo emtermos de as familias poderem ocupar boa parte das terras (aproximadamente 60% dos 120ha) e desfrutar de seus recursos com autonomia, embora ainda haja uma area que abrange acasa dos proprietaries, chamada de Casa Grande, que e vedada aos quilombolas e onde sesituam a casa de farinha, a lavanderia, 0 engenho (hoje desativados) e urn grande acude.Etnografia dos conjlitos socioambientais

    Para levantamento e analise dos dados, utilizaremos a categoria de "paisagem" comounidade privilegiada. Essa categoria esta inserida na metodologia desenvolvida por Little(2006) e denominada de "etnografia dos conflitos socioambientais". Embora 0 foco dela tenhacarater "local", a analise nao recai apenas sobre a comunidade em si, uma vez que sediferencia da etnografia convencional, usada para caracterizar 0modo de vida de urn grupoparticular. A metodologia proposta tern como foco central 0 conflito socioambiental, quedeve ser inventariado a partir de todos os atores envolvidos, seus interesses, estrategias,aliancas e cotas de poder, bern como caracterizando os recursos naturais em disputa. Assim, 0escopo geografico da pesquisa extrapola 0 ambito local, pois incorpora diversos niveis dearticulacao social.

    Consideram-se tambem as caracteristicas biofisicas do territorio ou 0 papel da"agencia natural", representando as forcas da natureza que, embora nao tenham"intencionalidade", atuam sobre urna realidade determinada.CAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 276

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    Dessa forma, a analise da paisagem permite avaliar nao so a interferencia do grupoquilombola sobre 0 local, mas tambem a de outros atores, muitas vezes invisiveis numaprimeira leitura da realidade. Por exemplo, as atividades economicas, a poluicao (atribuidaaos moradores, a empresas ou ao governo), a ocorrencia de lixo (atribuida a inexistencia desistema publico de coleta), 0 desmatamento, 0 estado de conservacao dos recursos naturais, a"agencia natural", entre outros aspectos.

    Neste artigo, entretanto, lancaremos um olhar mais detido sobre 0 papel dos agentespublicos atraves das politicas publicas e sociais, seu grau de interferencia e alcance sobre 0conflito, assim como sua relacao com as estrategias de organizacao da comunidade. Nessecaso, 0 conceito de paisagem sera utilizado de modo a tornar possivel visualizar como a a~aoou inacao do Estado e a recepcao dos atores sociais da comunidade se refletem sobre apaisagem local. (Little, 2006).

    Para a pesquisa documental, utilizamos como fonte principal 0 RelatorioAntropologico produzido pelo Incra em 200712, assim como os textos da legislacao pertinente,tais como 0Artigo 68 do ADCT, 0Decreto 4.887/03, a C169 OIT e 0Decreto 6.040107, queinstituiu a PNPCT, analisados quanto a sua concepcao e implementacao efetiva.

    Para pesquisa empirica, utilizamos dados obtidos por meio de participacao em algunseventos que contaram com a presenca de liderancas quilombolas da Paraiba, entre elas,membros da Associacao Quilombola da comunidade Senhor do Bonfim e da CoordenacaoEstadual Quilombola (Cecneqj' '; visitas ao Incra e conversas informais com as antropologasdo orgao e com representantes de organizacoes de apoio da sociedade civil, tais como:Associacao de Apoio as Comunidades Quilombolas da Paraiba (Aacade), Comissao Pastoralda Terra (CPT) e Dignitatis; e quatro visitas exploratorias a comunidade (uma em outubro eduas em novembro de 2010 e uma em janeiro de 2011).

    Alem de pesquisa bibliografica, em que recorremos a conteudos qualificados eatualizados sobre 0 campo quilombola em meios de comunicacao governamentais, sobretudoIncra, Ministerio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) e FCP; e alternativos,entre eles os sites Observatorio Quilombola, da ONG Koinonia (www.koinonia.org.br/oq). daComissao Pro-indio de Sao Paulo (www.cpisp.org.br). da Comissao Nacional Quilombola(www.conaq.org.br), do Instituto de Estudos Socioeconomicos (www.inesc.org.br).

    No caso da Paraiba, encontramos tambem alguns registros entre 0 conteudo do Centrode Cultura Luiz Freire (CCLF), de Pernambuco. Em sua pagina na internet (www.cc1f.org.br).ha uma se~ao dedicada ao Projeto Brasil Quilombola, 0 qual produziu uma publicacaointitulada Revista Qui/ambos Hoje (2007), com dados sobre comunidades do Ceara,Pernambuco e Paraiba, que em geral tern como base as informacoes disponibilizadas pelaAssociacao de Apoio as Comunidades Quilombolas da Paraiba (Aacade) e pela CoordenacaoEstadual Quilombola (Cecneq).

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.o cenarlo nacional moldando a paisagem local: conflitos entre setor publico e 0movimento quilombola

    Elencamos a seguir alguns dados aos quais se pode atribuir forte influencia de fatorespoliticos nacionais sobre paisagens locais:Mudancas constantes nos procedimentos de regularizaciio fundidria

    Nao se pode negar que 0 marco legal introduzido pelo governo Lula representougrande avanco em relacao ao governo antecessor no que se refere a aplicacao do artigo 68. 0Decreto 3.912/01, do entao presidente Fernando Henrique Cardoso, exigia, por exemplo, acomprovacao documental de que a comunidade ocupa 0 territorio desde 1888 ate 1988 - 0que significava condicionar a propriedade da terra a urn usucapiao de 100 anos!". Com aeleicao de Lula, algumas mudancas despontaram. 0 governo criou em 2003 a SecretariaEspecial de Politicas de Promocao da Igualdade Racial (Seppir), concedendo-lhe status deministerio, e um Grupo de Trabalho Interministerial com 0 objetivo de rever e reverter asdisposicoes contidas no Decreto 3.912 e propor nova regulamentacao para 0 processo deregularizacao fundiaria de territories quilombolas. No dia 20 de novembro daquele ano, noDia da Consciencia Negra, foi assinado 0 Decreto 4.887, revogando 0 anterior, 0 que aprincipio soou como 0 amincio de tempos melhores para 0 movimento quilombola. Emprimeiro lugar, porque aboliu a obrigatoriedade de comprovacao de uma posse de cern anos econcedeu 0 direito a auto-atribuicao dessas populacoes, tendo como fundamentacao aConvencao 169 da Organizacao Internacional do Trabalho (OIT). Alem disso, 0novo decretotransferiu da FCP para 0 Incra, orgao com maior experiencia em questoes agrarias, asatribuicoes relativas aos procedimentos de regularizacao das terras ocupadas pelosquilombolas e estabeleceu a previsao de atos necessaries a desapropriacao de imoveis comtitulo de dominio particular, quando couber.

    Entretanto, apos dois mandatos, 0mimero de titulacoes continua pifio e 0 investimentodo governo Lula se tornou inversamente proporcional as pressoes de setores conservadores dasociedade, como podemos ver nas analises sobre a execucao orcamentaria do Programa BrasilQuilombola (PBQ), conforme veremos mais adiante.

    Desde que 0 Incra assumiu a responsabilidade pela regularizacao fundiaria, osempecilhos burocraticos nos procedimentos so aumentaram. Entre 2004 e 2010, a autarquiaalterou a Instrucao Normativa - instrumento que define os passos do processo de titulacao -quatro vezes, sendo que a ultima delas, a de mimero 56, em 2009, foi revogada voltando avaler a de mimero 49, vigente atualmente. Segundo 0Balance 2009 da Comissao Pro-indio deSao Paulo (CPI-SP), a revogacao teve motivacoes essencialmente politicas:

    Em outubro de 2009, 0 episodic envolvendo a publicaciio e revogaciio de maisuma instruciio normativa do Incra ilustrou de forma clara como 0 governofederal esta suscetivel as forcas contrdrias aos direitos qui/ombolas e como talpressiio repercute diretamente na definiciio de tais normas. No dia 7 outubro,o presidente do Incra publicou uma nova instrucdo normativa - a IN Incra n5612009 - que removia diversos dos entraves da IN 4912008. 0movimento de

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    avanco incentivado por funciondrios do "setor quilombola" do Incra foirapidamente contido segundo eles mesmos "devido a pressiio de setores quesaofavordveis a manutencdo dos entraves na politica de regularizaciio". Assim13 dias depois, a IN Incra n 56 foi revogada e a norma de 2008 (a IN Incra49) foi republicada como Instruciio Normativa Incra n 57 de 20 de outubro de2009.

    Ocorre que essa alteracao de normas fere a C169 da OIT, cujo Artigo 6 determina queos povos interessados deverao ser consultados cada vez que sejam previstas medidas legisla-tivas ou administrativas suscetiveis de afeta-los diretamente. Urn ano antes, outro episodicesdnixulo foi promovido pelo govemo. Em abril de 2008, a Advocacia Geral da Uniao (AGU)assume 0 papel de interlocucao do govemo com 0 movimento quilombola. 0 govemo haviaproduzido uma nova Instrucao Normativa (IN) que pretendia resolver de uma vez por todas osentraves a regularizacao de terras quilombolas. Segundo 0 govemo, as titulacoes nao seconcretizavam em funcao da inseguranca juridica da IN, que vinha sendo alvo de muitosquestionamentos e ac;:oesque impediam a conclusao dos processos. 0 govemo colocava queera preciso mudar a IN para conseguir manter 0 Decreto 4.887/03, sem 0 qual as titulacoesseriam inviabilizadas. De fato, na epoca havia a iminencia da votacao pelo Supremo TribunalFederal (STF) da Ac;:ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3239, impetrada pelo partidoDemocratas (DEM), e da tramitacao do Projeto de Decreto Legislativo n. 44, do DeputadoFederal Valdir Collato (PMDB/SC), que propoe a sustacao do Decreto 4.887/03 e de todos osprocessos administrativos vinculados a ele. Cumpre destacar que 0 Deputado Collato e antigodesafeto de movimentos sociais do campo e indigena e chegou a lancar, em junho de 2007,em plenario na Camara dos Deputados de Santa Catarina, 0 Movimento dos Com Terra(MCT).

    Representantes quilombolas e assessorias analisaram a minuta e identificaram muitospontos que significavam retrocesso na garantia do direito quilombola. Diante da pressao, 0govemo concordou em promover uma Consulta Nacional Quilombola, realizada em Brasiliaentre os dias 15 e 17 de abril de 2008. Entretanto, quem presenciou 0 que ocorreu durante ostres dias pode afirmar que aquele evento era mais uma exposicao da IN do que propriamenteuma consulta. Afinal, eram raros os quilombolas que estavam informados sobre 0 queocorreria ali. Ja 0 govemo levou uma equipe relativamente grande, com membros dosprincipais orgaos, como AGU, Casa Civil, Seppir, FCP, Incra, MDA, Ibama e GabineteInstitucional de Seguranca (GSI) - demonstrando a importancia dada pelo govemo ao tema deregularizacao fundiaria de territories quilombolas, ainda que, infelizmente, nao no sentido deagilizar os processos. (Peralta, 2008).

    Apesar das manifestacoes contrarias a diversos pontos da IN 49,0 govemo a publicouno Diario Oficial da Uniao,As exigencias introduzidas a cada nova norma tornaram 0 processo maismoroso e custoso e, consequentemente, mais dificil de ser concluido (...). Edificil aceitar que a motivaciio de tais mudancas seja realmente aquelaanunciada pelo governo: a necessidade de aperfeicoar as normas ajim de darseguranca juridica ao processo e evitar futuros conjlitos no judiciario. Em

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    setembro de 2009, a Instruciio Normativa Incra 4912008 completou um ana deexistencia e, ao contrdrio do anunciado pelo governo, niio se percebeuqualquer avan90 na conduciio dos processos ou na resoluciio dos conflitos emfunciio das novas regras. As sucessivas normas parecem ser muito mais umaconcessiio aos setores que manifestaram forte oposicdo aos direitosquilombolas do que um aperfeicoamento. (CPI-SP, 2010)

    Um dos pontos mais rebatidos foi a extrema complexificacao dos relatoriosantropologicos, que constituem apenas urna das pecas do Relatorio Tecnico de Identificacao eDelimitacao (RTID) do processo de titulacao. 0 que deveria ser uma especie de "transcricao"da demanda territorial da comunidade, feita por urn profissional habilitado para tal funcao,tomou-se urn estudo extremamente minucioso, que deve responder a urna extensa check-list,como se fosse possivel estabelecer itens objetivos e precisos para atestar ou nao a identidadequilombola. No dia 29 de abril, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, entao presidente daAssociacao Brasileira de Antropologia (ABA), com longa tradicao na assessoraria ao govemoem contextos envolvendo indigenas e quilombolas, divulgou nota publica em que a ABA teciaduras criticas sobre a producao dos relatorios antropologicos que, segundo 0texto:

    (...) estiio subordinados a criterios estranhos a disciplina, como no artigo 9 dapro posta do GT Governamental, segundo a qual 0 relatorio tecnico deidentificaciio e delimitaciio deve estar devidamente fondamentado emelementos ditos objetivos, que apontam uma maneira especifica de imaginar arealidade aos olhos do Direito e da Administracdo Publica, pois as possiveiscaracteristicas "objetivistas ", na prdtica, funcionam como sinais, emblemasou estigmas ( ..) As interconexbes entre normas e acontecimentos em algumtipo de manual, estranhas ao fazer antropologico, pode ser uma forma niio degerenciar as diferencas, mas de elimind-las por uma uniformidade juridica quese sobrepbe a outros saberes e tradicbes ".

    A ABA refutava assim a afirmacao do govemo de que a nova formulacao da IN teve 0aval dos profissionais a ela associados 15 (ABA, 2008).A CPI-SP tambem relacionou as instituicoes que requisitaram a entrada no processo

    como amicus curiae ao lado do propositor da ac;:ao,0 que demonstra quais interesses cstaoenvolvidos na oposicao aos direitos quilombolas: Confederacao da Agricultura e Pecuaria doBrasil, Confederacao Nacional da Industria, Associacao Brasileira de Celulose e Papel, aSociedade Rural Brasileira e 0Estado de Santa Catarina.

    Diante desse quadro de violacoes, 0 Ministerio Publico Federal (MPF) decidiu, emnovembro de 2009, instaurar inquerito civil publico para apurar a situacao geral das politicaspublicas destinadas a garantia do direito a terra das comunidades quilombolas no Brasil. Nele,o Grupo de Trabalho de Quilombos e Populacoes Tradicionais da 6a Camara de Coordenacaoe Revisao solicita ao Incra dados sobre a estrutura administrativa da autarquia relacionada aregularizacao fundiaria de terras quilombolas, bem como sobre a capacidade para atingir ameta fixada na Agenda Social do Plano Plurianual de 2007/2011. Para 0 GT, "0 quadro geralrelativo as politicas publicas voltadas ao atendimento da populac;:ao quilombola, em especialCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 280

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.da sua garantia do direito it terra, e alarmante e denota grave e sistematica violacao a direitosfundamentais positivados na Constituicao Federal e em tratados internacionais de que 0Brasile parte".Hist6rico do conflito envolvendo a comunidade Senhor do Bonfim

    Desde 0 primeiro contato em setembro de 2009, numa reuniao entre liderancasquilombolas e a Secretaria do Estado de Desenvolvimento Hurnano (SEDH), era bastanteevidente que 0 entusiasmo predominava sobre a apreensao de Geraldo de Maria, atualpresidente da associacao da comunidade de Senhor do Bonfim. Apreensao porque tambemestavam presentes na reuniao representantes do Incra, que poderiam esclarecer quando seraexpedido 0 titulo de propriedade definitiva em favor da comunidade. Mas, quanto aoentusiasmo, este sempre transparece, principalmente quando se faz perguntas de como vai acomunidade. Com urn sorriso no rosto, Geraldo niio disfarca a satisfacao de que vai tudo berne, mesmo sem que seja necessario perguntar, ele fala de que cstao plantando de tudo por la,que inclusive estao podendo vender bern 0 excedente de sua producao,

    Esse ar de satisfacao nao e sem razao, Quando se conhece a hist6ria dessacomunidade, e possivel perceber a dimensao das mudancas ocorridas nos ultimos sete anos. Eimportante ressaltar que, durante cerca de 90 anos, ate pouco tempo antes do reconhecimentoenquanto quilombolas, as familias de Senhor do Bonfim viveram tempos arduos desubordinacao it familia Amazille, proprietaria da Fazenda Born Fim, trabalhando no plantio dacana, na lida com 0 agave e na producao de rapadura e aguardente no engenho na condicao detrabalhadores-moradores, relacao muito comurn na regiao, Ate bern pouco tempo atras, oshomens das familias do Bonfim recebiam salario irris6rio, a ponto de algumas mulheresafirmarem que niio recebiam nada. Outros, como Dona Severina, Dona Pirriu e Fernando (urndos 14 filhos de Dona Severina), embora niio saibam precisar 0 valor, dizem que "era umamiseria, niio dava nem para cobrir 0 que a gente comprava na bodega", especie de vendinha,tambem propriedade dos Amazille. Independente do valor pago, os homens eram obrigados atrabalhar entre quatro a seis dias da semana (0 que recebia 0 curio so nome de "sujeicao") noengenho em troca do local de "morada" e urn pequeno espaco de terra para fazer rocas(Fortes, 2007). Entretanto, os administradores da fazenda sempre se mantinham vigilantespara impedir que 0 tamanho da area plantada niio aurnentasse e, dessa forma, as familias seviam obrigadas a comprar praticamente todos os generos alimenticios na "bodega".

    Durante a elaboracao do relat6rio antropo16gico e das minhas visitas preliminares itcomunidade, foram registradas tambem muitas recordacoes e relatos de periodos de fome,maus-tratos, inclusive fisicos, por parte do proprietario ou de seus gerentes ouadministradores (urna forma atualizada do feitor de escravos).

    Historias de puniciies, de expulsiio das casas sem quaisquer direitos, deprepotencia no trato com os trabalhadores, de proibiciies e de excesso detrabalho estiio presentes nos muitos relatos destes trabalhadores. A violenciacom que esse poder era imposto transparece na historia antiga de umasuspeita: urn trabalhador havia desaparecido sem deixar qualquer sinal e osmoradores comentavam entre si que este homem teria sido morto pelo entao

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    gerente do engenho. Se este assassinato aconteceu de fato ou ndo, eles niiopodem ajirmar com certeza - tudo 0 que se tinha era um comentdrio - mas apossibilidade que ele possa de fa to ter ocorrido reflete 0grau de violencia sobo qual a relaciio trabalhador-patriio estava fundada. (...) A fome e umaconstante tambem nos relatos de D. Indcia, mulher de Luiz Pedro, nos relatosde D. Severina e seu esposo Miguel Pedro. 0feijdo 'guandu' (Cajanus cajanL.) e um dos simbolos desta condiciio, ja que ele e considerado pelosmoradores um alimento muito 'fraco' e por isso so e utilizado como ultimorecurso. A polpa da semente da palmeira Macaiba (Acrocomia intumescensD.) era outro recurso utilizado pelos moradores para driblar a fome. (Fortes,2007)

    Pode-se perceber, ainda, que os periodos melhores ou piores para as familias demoradores oscilavam segundo a ascendencia ou declinio da cana ou outros produtos (algodao,agave, rapadura e alcool),

    Com a morte da proprietaria Maria Amazille, em 2002, seus herdeiros decidiramvender as terras. Antes, porem, como forma de indenizar as familias do Bonfim, ofereceram acada urna urn hectare de terra - oferta terminantemente recusada pela comunidade. Em 2004,os novos proprietarios assurnem 0 engenho e exigem a saida de todos os moradores, 0 querepresenta 0 ponto crucial para a deflagracao do conflito pela terra, com processo dereintegracao de posse contra os quilombolas que, por sua vez, acionam a justica em funcaodas constantes ameacas por parte dos novos proprietaries, muitas delas de cunho racista:

    Nestas ameacas era constante a alusiio a negritude destes moradores e,segundo Josefa Mariano, tinham mais ou menos este tom: 'Seus negros sem-vergonha, querem tomar 0 que e da gente!! Voces nunca tiveram terras!!!'.(Fortes, 2007)

    Da mesma forma que as familias de Bonfim se recusaram a receber urn hectare cadacomo indenizacao dos herdeiros de Amazille, elas nao aceitaram ficarem restritas aos 5,5hectares que 0 juiz determinou como de direito dos posseiros. Concordar com isso significavaabrir mao do acesso aos demais recursos do territorio, tais como a agua dos barreiros, olhosd'agua, riachos, acudes, a mata, de onde retiravam madeira seca para lenha e plantasmedicinais, e os pastos para seus animais (Fortes, 2007).

    Essa situacao tensa levou membros da comunidade, como os Miguel Pedro, JosePedro, Luiz Pedro e Jose Faustino dos Santos, a buscar apoio. Ao procurar 0 entao deputadoestadual Frei Anastacio, este aconselha a procurarem a Comissao Pastoral da Terra (CPT).Inicialmente, a CPT solicita ao Incra urna "vistoria para fins de desapropriacao" do imovelFazenda Born Fim, pertencente ao Espolio de Maria Amazille Barbosa, tendo comojustificativa a iminencia da expulsao das familias moradoras (Fortes, 2007).

    Com 0 acirramento do conflito, e a partir do apoio da CPT e da Pastoral dos Negros, acomunidade do Bonfim aos poucos foi tomando maior consciencia de sua condicao de negrose dos direitos que a sua relaryao com 0 territorio lhes confere (Fortes, 2007). Ja em dezembroCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 282

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.de 2004, portanto, redirecionam sua demanda e entram com urn pedido de certificacao comocomunidade remanescente de quilombo junto a Fundacao Cultural Palmares, que emite acertidao de autorreconhecimento em 18 de abril de 2005.

    A medida que as a~oes e visitas do Incra vao acontecendo (a partir do inicio doprocesso em 2004), os animos se acalmaram e, hoje, ap6s a assinatura do Decreto deDesapropriacao por Interesse Social, a comunidade consegue com autonomia tracar melhorseus planos e estabelecer contatos e parcerias conforme seus interesses e disposicao,

    Nesse sentido, gostaria de relatar como foi minha primeira visita a comunidade, para aqual eu levava a preocupacao de ter algo a oferecer, algum retorno como pesquisadora de urnainstituicao publica de ensino, ainda mais depois de varies anos conhecendo diversas paisagensquilombolas. Fui convidada a participar como ouvinte da reuniao mensal (todo segundosabado do mes) da associacao. Eles estavam curiosos para saber se eu estava ali para levaralguma informacao ou 0 que. Urn tanto constrangida, disse que tinha interesse em conhecer ahist6ria e a forma como a comunidade vivia, mas que na verdade isso serviria para urntrabalho academico que permitiria que mais pessoas conhecessem a realidade dascomunidades da Paraiba, daria maior visibilidade a causa, e nada mais. A reacao do presidenteda associacao Geraldo ao que coloquei foi imediata: "Ah! Esse neg6cio de visibilidade emuito born pra gente. A gente tern conseguido muita coisa com essa visibilidade". A formasegura com que ele utilizou a palavra visibilidade me surpreendeu a principio, mas depois, aover 0grau e desenvoltura com que ele transita em varies eventos, percebi que nada poderia sermais 6bvio e fiquei mais tranquila em relacao ao papel que posso desempenhar nesse cenariomais amplo de disputa que e a luta quilombola no Brasil. Afinal, visibilidade tern se traduzidoem reconhecimento social e politico da comunidade.Acesso a direitos transforma paisagem do Senhor do Bonfim

    A partir da reconstrucao do hist6rico do territ6rio, e possivel registrar que asoscilacoes do mercado (ora voltado mais para 0 agave, a producao de aguardente ou rapadura)ocasionavam urna aglomeracao maior ou menor de familias envolvidas na producao, Segundoconsta no Relat6rio Antropol6gico, produzido pela antrop6loga do Incra Maria Ester Fortes:Na memoria dos atuais moradores do Bonfim e na de seus vizinhos maisantigos, permanece a lembranca de dezenas de familias moradoras e damovimentadio intensa desta unidade produtiva, como aparece nesta fala do Sr.Rivaldo Gomes da Silva (65 anos) morador antigo desta regiiio e vizinho doBonfim: '(...) E aqui tinha muito trabalhador, era cinquenta, sessentatrabalhador por semana, cinquenta, sessenta, comecava na segunda-feira .Era um mundo de gente. Era muita gente que morava ai. Povo tao bonito .trabalhando, ne? (Fortes, 2007)

    Independentemente dessas oscilacoes, urn micleo familiar, formado pelos Faustino eos de Maria (primeiro registro em Bonfim data dos anos 1920 e 1950, respectivamente),durante pelo menos cinquenta anos permaneceu no territorio, resistindo as intemperies ereproduzindo urn modo peculiar de vida em grupo, estabelecendo fortes la~os de parentesco eCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 283

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.afinidade (Fortes, 2007). E sao essas familias que compartilham uma hist6ria comum ecompoem 0 grupo etnico da comunidade Senhor do Bonfim que hoje reivindica seu direito aoterrit6rio que garantira a sua reproducao fisica, social e cultural, conforme previsto nalegislacao pertinente (Decreto 4.887/03).

    Quanto a paisagem, pode-se dizer que ate a insurgencia das familias do Bonfim, era acana - juntamente com os agrot6xicos e as queimadas - que predominava. Aos poucos, osquilombolas foram substituindo a cana por diversos cultivos. Hoje, niio se ve cana em partealguma, a niio ser nas terras vizinhas, de dominio de particulares, e na area a qual, emborareivindicada pelos quilombolas, as familias ainda tern seu acesso interditado. Algunsquilombolas chegam a dizer que niio querem cana "nem pra chupar", tamanha a aversiio quedesenvolveram em relacao ao cultivo. Trata-se de uma mem6ria negativa do passado em queestiveram subjugados ao domfnio da cana. Nesse sentido, evidencia-se que a "qualidadeambiental" da paisagem melhora juntamente com a "qualidade de vida" da comunidade.

    Toma-se evidente, portanto, que ao quebrar 0 quadro de alta vulnerabilidade social, acomunidade conseguiu reverter tambem 0 quadro de vulnerabilidade ambiental do territ6rio.Entretanto, qual seria 0 papel do Estado nesse contexto de mudancas na paisagem? Quepolitic as publicas e sociais incidem nesse territ6rio? Como elas se ajustam ao carater peculiardessa comunidade?

    No caso de Bonfim, assim como ocorre com grande parte das comunidadesquilombolas do pais, pode-se dizer que a primeira politica a que as familias tiveram acesso foia do pr6prio reconhecimento enquanto comunidade quilombola. Ora, dificilmente poderia serdiferente, uma vez que antes do conflito essas familias viviam em regime de semi -escravidaoe, portanto, alijadas de qualquer direito ou dignidade.

    Essa, digamos, "iniciacao tardia" no acesso a politicas publicas e sociais pode sercomprovada pelos dados da I Chamada Nutricional de Criancas Quilombolas'", divulgadosem 2007 pelo Ministerio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), 0Ministerioda Sande, a Secretaria Especial de Politicas de Promocao da Igualdade Racial (Seppir) e 0Unicef. 0 estudo aponta para 0 elevado grau de precariedade e abandono dessas comunidades,sobretudo as do Nordeste. Segundo 0 levantamento, 11,6% das criancas quilombolasapresentam deficit de altura para a idade, principal indice de afericao da desnutricao. 0 estudoconstatou, ainda, que essas criancas estao em situacao semelhante as do Nordeste urbano de1996 e que as comunidades em geral apresentam condicoes piores do que os sertanejos ou oscamponeses pobres da regiao: apenas 30% das familias quilombolas dispoem deabastecimento de agua pela rede publica. 0 restante consegue agua por meio de nascentes,pecos, acudes, entre outros recursos. A situacao do esgotamento sanitario e pior: somente3,2% das familias avaliadas possuem ligacao com a rede de tratamento de esgoto. Percebe-se,portanto, que grande parte das comunidades quilombolas retem apenas 0 reconhecimentooficial de sua identidade etnica, embora, como discutiremos a seguir, isso nao tenha setraduzido em garantia definitiva de permanencia em seus territ6rios ancestrais, condicaoindispensavel para sua reproducao,

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    Existem, entretanto, diversos caminhos para atingir esse reconhecimento. Para Bonfim- e para tantas outras -, 0 reconhecimento se deu quando as familias se sentiram ameacadasem ter que abandonar 0 territ6rio. Ainda que desconhecessem a Iegislacao pertinente edurante decadas tivessem se sujeitado ao poder dos proprietaries, elas estavam tao certas deque tinham algum direito sobre aquelas terras que, mesmo diante de ameacas, resistiram. E nominimo notavel que familias por tanto tempo completamente submissas tenham se sublevado,buscado ajuda e finalmente encontrado respaldo legal para suas reivindicacoes - 0 que mostraem que medida as politicas de reconhecimento de direitos de minorias constituem instrumentofundamental para atingir a dignidade e a cidadania (Taylor, 1998).

    Ja em outros casos, como Paratibe, comunidade situada em area urbana na periferia deJoao Pessoa (PB), nao havia urn conflito dec1arado entre as familias quilombolas comproprietaries de terra. Ravia, no entanto, urn descontentamento com 0 "avanco" daurbanizacao da cidade. Assim, quando a ONG Associacao de Apoio as ComunidadesQuilombolas da Paraiba (Aacade) chega a comunidade em 2005, comecam as entrevistas eapresenta a possibilidade da aplicacao do Artigo 68, as familias de Paratibe se mobilizam edemandam a Fundacao Palmares a certificacao como comunidade quilombola, obtida em2006. Segundo Francimar Fernandes, coordenadora da Aacade, com a abertura da estrada PB008 - que literalmente corta a comunidade -, ela logo percebeu diferencas na paisagem local,como a disposicao das casas e a ausencia de muros (embora hoje, por questoes de segurancaem relacao a pessoas vindas de fora, muros comecam a ser erigidos). No caso de Paratibe,portanto, a mediacao da ONG foi fundamental para 0 acesso a tal politica.

    Independente da maneira de acesso ao direito de reconhecimento como "formaespecial de ocupacao" (Almeida, 1989), e possivel verificar que assumir a identidadequilombola significa adotar urna postura politica de defesa de direitos coletivos e, no caso,etnicos, Para Cunha, a constituicao de identidades etnicas seria urna resposta estrategica aurna dada conjuntura, podendo a etnicidade ser vista como "lugar de enfrentamentos" (Cunhaapud Fortes, 2007).

    Voltando ao caso de Bonfim, essa organizacao politica da comunidade permitiu nao s6o reconhecimento enquanto quilombola, mas tambem 0 acesso a outras politicas, mesmo antesda titulacao definitiva do territ6rio. Esse dado ganha relevancia porque muitas vezes osgestores publicos alegam ser impossivel a prestacao de services basicos, como fornecimentode energia eletrica ou ate a instalacao de equipamentos culturais pela ausencia do titulo daterra'", Segundo Fortes, "a tradicao ja consolidada de partilha dos recursos naturaisdisponiveis no territ6rio e de ajuda mutua" facilitou bastante a que a comunidade do Bonfimassumisse, enquanto coletividade, a responsabilidade pelo destino do grupo.

    Ate 2007, data da publicacao do Relat6rio Antropol6gico do Incra produzido porFortes, algumas familias comecaram a se beneficiar do Programa Bolsa Familia. Em 2006,todas as residencias da comunidade foram contempladas com a energia eletrica por meio doPrograma Luz para Todos. Sob esse aspecto, Fortes comenta que as familias do Bonfim sequeixaram da finada proprietaria, Maria Amazille, pois, quando a energia eletrica chegou aoengenho anos antes, ela nao permitiu que fosse instalada nas casas dos quilombolas. Alemdisso, ela se recusou algumas vezes, sobretudo no caso das mulheres, a assmar urnaCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 285

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.declaracao de que determinado trabalhador havia sido seu empregado, impedindo assim que 0mesmo tivesse direito a aposentadoria como trabalhador rural (Fortes, 2007). Hoje, tanto emrelacao ao Bolsa Familia, a aposentadoria ou outros direitos, a comunidade parece estar maistranquil a e confiante para reivindica-los.

    Em 2005, oito cisternas que garantem agua para consumo humano foram entreguespelo Programa Urn Milhao de Cisternas (PIMC) por intermedio da Paroquia de Guarabira eda CPT, ja que, segundo os quilombolas, a Paroquia de Areia tern pouco contato com acomunidade. A associacao quilombola hoje promove urna especie de fundo rotativo, no qualas familias ja contempladas com cisternas contribuem com uma quantia mensal maior (cercade R$ 10,00, ate completar R$ 800,00, valor de urna nova cisterna) para, dessa forma,financiar a construcao das cisternas que faltam, em torno de oito, segundo Geraldo, presidenteda associacao. Ja a construcao dos banheiros, os quilombolas atribuem a Funasa, mas muitasvezes parecem urn tanto confusos sobre a origem do beneficio: se vern do Governo Federal,da Fundacao Palmares ou do Governo do Estado - 0 que reforca a ideia de que as politicascostumam chegar de forma quase aleatoria e sem maiores explicacoes para a comunidade.Quanto as casas, Geraldo, Dona Severina (sua mae) e Fernando (seu irmao) afirmam queforam construidas com recursos da propria comunidade.

    Foto 1. Casa com cisterna.

    Ainda durante a fase de elaboracao do RTID (entre 2004 e 2008), 0MDA prestouassistencia tecnica para a implantacao de uma horta organica que, nurn primeiro momento, foiassurnida de forma coletiva. Segundo os irmaos Fernando, Ze e Geraldo, essa horta foiestrategica no inicio do conflito. A comunidade achou por bern comecar derrubando urna areareduzida de cana, temendo represalias por parte dos proprietaries. Eles tambem optaram porlocaliza-la perto da casa da mae, dona Severina, considerada matriarca da comunidade, maede 14 filhos. AMm disso, 0 regime coletivo garantia ainda mais a seguranca dela. No inicio,12 pessoas eram responsaveis pela horta e repartiam igualmente 0 trabalho e a renda. Mas,hoje, embora ainda seja motivo de grande orgulho e gere urn retorno financeiro consideravel,CAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 286

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.apenas Ze continua a cultiva-Ia, Afinal, com 0 conflito apaziguado, os demais membros dacomunidade puderam ocupar novas areas e se dedicar a outros plantios, tais como laranjas,bananas, romas, mandioca, milho e feijao. Ze cultiva coentro, alface, tomate, couve,pimentao, cebolinha, jerimum, chuchu, entre outros.

    Ja em outras areas, embora haja certa divisao de terra para plantio, a solidariedade e 0trabalho em mutirao sao bastante comuns. Com 0 tempo, desde que 0 conflito foi deflagradoem 2003 e mesmo antes do reconhecimento como quilombolas em 2004, as familias doBonfim foram substituindo definitivamente a cana e estabelecendo uma diversidadeconsideravel de culturas: diversos tipos de feijao (carioquinha, macassar, mulatinho, guandu),geralmente intercalados com 0 milho e as manivas de mandioca, jerimum, quiabo, batata-doce, banana, laranja, caju, mamao, manga, jabuticaba, pitomba, goiaba, acerola, graviola,coco, limao, pinha, jaca mole e jaca dura, roma, etc. Ao redor das casas encontramos alho,coentro, fava e plantas omamentais e medicinais. Ha quem erie alguns animais, como ovelha,vaca, porco e galinhas, seja para consumo proprio ou comercializacao.

    Foto 2. A esquerda, paisagem antes dechegar ao Bonfim (vizinhos continuamplantando cana).

    Foto 3. Cana e pasto em area reivindicadapela comunidade, as Ii qual ainda ela aindanao tern acesso (cerca de 30 hectares).

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    Foto 4. Horta organica na parte inferioresquerda e laranjais, bananeiras e outrasfrutiferas ao redor.

    Foto 5. Rocas de feijao e milho a esquerda eurna diversidade de arvores ao fundo.

    Diante desse vigor produtivo, explorando todo 0 potencial da regiao do brejo,conhecida por ser a mais fertil e com maior abundancia de agua no estado, nos ultimos tresanos as familias do Bonfim comecaram a acessar mais urna politica social, desta vez decomercializacao: 0 Programa de Aquisicao de Alimentos (PAA)18, que destina recursos doGoverno Federal para aquisicao da producao da agricultura familiar. Os produtos adquiridossao gerenciados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e destinados ainstituicoes que atendam populacoes em situacao de inseguranca alimentar e nutricional.Segundo alguns membros da comunidade (Ze e Geraldo, sobretudo) e da ONG Aacade, 2011sera 0 terceiro ano que as familias quilombolas acessarao 0 PAA. No primeiro ano (2009), 0projeto foi de R$ 60 mil, 0 segundo, R$ 98 mil, e agora, R$ 122,5 mil, valor maximo que sepode atingir, ja que cada Declaracao de Aptidao ao Pronaf (DAP), instrumento deidentificacao do agricultor familiar para acessar politicas publicas, pode receber ate R$ 4,5mil por ano. Bonfim conta com 25 DAPs, inc1uindo de homens e mulheres.

    Para efeitos de comparacao, vejamos os dados de outras duas comunidades rurais naoquilombolas vizinhas a Bonfim. Segundo Amalia Marques, assessora tecnica da ONGArribaca que atua na regiao, Sitio Caiana e Sitio Camara, que nao tern historico de conflitoacirrado e ainda contam com assessoria, conseguiram mobilizar, respectivamente, apenas 8 e15 familias, atingindo 0valor de aproximadamente R$ 24 mil e R$ 46 mil (cerca de R$ 3 milpor familia). Ela destacou tambem que e preciso grande organizacao da comunidade paraacessar tal politica e considera surpreendente que, em tao pouco tempo e praticamente semassessoria, os quilombolas de Bonfim ja consigam elaborar seus proprios projetos e atingir talrenda anual. Segundo Fatima Fernandes (Aacade), de fato, apos urn periodo de capacitacao, acomunidade praticamente faz seus proprios projetos, encontrando maior dificuldade na partede emissao de notas, 0 que requer urna assessoria pontual, mas constante da instituicao paraevitar prejuizos.

    Essa politica estimula a comercializacao local, os quilombolas nao precisam pagaralguem para transportar seus produtos para feiras ou outros pontos de venda e, 0melhor deCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 288

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.tudo: os alimentos produzidos em Bonfim nao contem agrotoxicos, 0 que amplia 0 beneficioda politica as populacoes carentes que os recebem. Segundo a Aacade, hoje 0 Bonfimdistribui seus produtos para 200 criancas do Programa de Erradicacao do Trabalho Infantil(Peti), 60 alunos da Associacao de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e 700 pessoasatendidas pela instituicao Bombeiros Voluntaries, chegando a cerca de mil beneficiaries.Segundo Fatima (Aacade), essa situacao e bastante vantajosa para a Prefeitura, que abasteceinstituicoes sociais com produtos de qualidade e a urn valor inferior ao do mercado. Cumpreressaltar que essa forma altemativa de producao, ao ser "financiada" pelo govemo, alem debeneficiar familias socialmente vulneraveis, concede maior qualidade a paisagem.

    o Professor Jacinto Luna, da VFPB - Campus Areia, especialista em controlebiologico de pragas, tambem visitou Bonfim e confirmou 0 fato de a comunidade ter optadopor urna agricultura altemativa, biodiversa e livre de agrotoxicos, Segundo 0 professor, desdeo inicio de 2010, a agricultura familiar da regiao sofreu muito com urn surto da mosca negrados citros. 0 govemo do estado, temendo maiores prejuizos, definiu como principal estrategiade comb ate 0 uso do agrotoxico Provado, da Bayer. Agricultores e entidades ligados aomovimento agroecologico e ambientalista reagiram, rejeitando essa solucao que e1esconsideraram perigosa (veja . Afinal, esse agrotoxico ja foi abolido em diversos paises, comoAlemanha e EVA, pelos riscos ambientais que ele representa, inclusive eliminando insetospolinizadores benefices. Embora tenha identificado alguns focos da mosca negra no Bonfim,o professor afirma que se 0 inseto ainda nao proliferou, dificilmente 0 fara e, portanto, naosera preciso aplicar agrotoxico.

    Entretanto, ele ve urn desafio em potencial para Bonfim: como as rocas dacomunidade nao sao bern marcadas e separadas, ele acredita que, com a entrada de dinheiropor meio do PAA, conflitos intemos poderao emergir. Essa colocacao pode traduzir algobastante comum nesse novo cenario de ressurgencia de grupos etnicos no Brasil: a dificuldadede observadores extemos compreenderem a dinamica dessas comunidades, que seguem outrasracionalidades. Pode-se dizer que, da mesma forma, muitas politicas publicas e sociais tendema nao reconhecer a especificidade e violar os costumes desses grupos.

    Por exemplo, embora 0 PAA seja em nome da comunidade, a contabilidade eindividual, feita por Declaracao de Aptidao ao Pronaf (DAP), 0 que nao corresponde a logic acoletiva da comunidade. Cada DAP pode acessar ate 4,5 mil por ano. Segundo Ze, diferentede outras comunidades, no Bonfim eles colocam 0 valor maximo e incluem todas as DAPs dacomunidade. Caso alguem enfrente alguma dificuldade e nao possa entregar a mercadoriacom a qual se comprometeu, os demais membros da comunidade suprem a lacuna. Esse tipode "cobertura", segundo ele, nao e comurn. Outra demonstracao do descompasso entre 0poder publico e a comunidade resultou da ar;:aoda Empresa de Assistencia Tecnica e ExtensaoRural (Emater) que foi a comunidade, realizou urn diagnostico, mas a primeira oficina queofereceu foi a de como aplicar agrotoxicos com seguranca. Ora, mas se a comunidade naoutiliza agrotoxicos, pode-se entender que essa ar;:aopoderia ser vista como incentivo ao uso.

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.Dlscussao sobre a efetlvaeao e adequaeao das politicas publlcas e sociais incidentes

    Apesar dos grandes avances observados na paisagem da comunidade Senhor doBonfim, nao se deve perder de vista que 0 acesso aos direitos ainda e restrito. Em termos deatendimento a saude e educacao, por exemplo, nada mudou para as familias do Bonfim. Aindaque as melhores condicoes tenham proporcionado uma vida mais saudavel - segundo asmulheres, antes os periodos de fome eram comuns e agora que estabeleceram suas lavouras eque as familias consomem verduras - e tenha permitido as criancas e aos jovens se dedicaremaos estudos sem tern que trabalhar nas rocas (embora muitas criancas e jovens comecem aajudar os pais nas lavouras, mas sem carater de obrigacao), 0 cenario ainda esta longe doideal. Os partos, por exemplo, ainda tern que ser realizados em Campina Grande, urna viagemque leva cerca de urna hora e 0 transporte em que ser providenciado pela propria comunidade.As criancas quilombolas estudam na escola do distrito de Cepilho, a cerca de 4 km da sede daassociacao e, sendo assim, nao muito distante. Entretanto, nao contam com transporte escolar- vao a pe ou de mota de algum familiar, enfrentando, portanto, riscos para chegar a escola.

    Em relacao a educacao, existe todo urn repertorio legal direcionado ao publicoquilombola. A Lei n 11.494/2007, que instituiu 0 Fundo de Manutencao e Desenvolvimentoda Educacao Basica e de Valorizacao dos Profissionais da Educacao (Fundeb), estabeleceuvalor diferenciado para as matriculas em escolas situadas em comunidades quilombolas,enquanto 0 Programa Nacional de Alimentacao Escolar (PNAE) fixou para 2010 0 valor deR$0,60 para alunos de comunidades quilombolas, isto e, 0 dobro do valor regular. Entretanto,por nao contar com urna escola dentro da comunidade, as criancas da comunidade Senhor doBonfim nao se beneficiam desse marco legal. Segundo consta no Relatorio de Gestae doPrograma Brasil Quilombola de 2009,0 censo escolar de 2008 apontou que existem 196.812alunos matriculados em 1.684 escolas localizadas em comunidades remanescentes dequilombos, sendo que 74,96% destas matriculas estao no Nordeste. Esses dados revelam 0alcance restrito de tal legislacao, urna vez que 0 mimero de escolas nas comunidadesquilombolas - assim como nas areas rurais como urn todo - nao atende satisfatoriamente essapopulacao, Restaria ainda levantar se a Lei n 10.639/2003, que toma obrigatoria a inclusaoda historia e cultura afro-brasileira nos curriculos escolares, esta sendo aplicada na escola deCepilho.

    Em 2004, foi criado 0 Programa Brasil Quilombola (PBQ) que, sob coordenacao daSecretaria Especial de Promocao e Politica da Igualdade Racial (Seppir), articula todas asac;oes de 23 orgaos federais que tragam melhorias para as comunidades remanescentes dequilombos. 0 orcamento para 0 trienio de 2008/2011 e de aproximadamente R$ 2 bilhoes, quedevem ser destinados aos seguintes eixos: acesso a terra, infraestrutura e qualidade de vida,desenvolvimento local e inclusao produtiva e direitos de cidadania. A ideia da criacao do PBQera justamente concentrar as ac;oes para que fossem implementadas de forma integrada.Entretanto, nao e 0 que ocorre. As informacoes sao dispersas e as ac;oes vao sendo realizadasaparentemente sem planejamento, ja que em muitos casos nao se sabe por que certas politicase services chegam antes de outros, muitas vezes nao atendendo prioridades da comunidade.Assim, 0 fato de que cada comunidade tern acesso de modo diferenciado - quase aleatoric -reforca a impressao de que nao ha urna ac;ao coordenada por parte do Estado. Poder-se-ia

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.pensar tambem que as comunidades mais organizadas seriam mais bern atendidas, mas nemsempre e assim. De fato, muitas vezes depende da ausencia de conflitos maiores.

    Em materia do Correio Braziliense, em 26/0112010, 0 Subsecretario de Politicas paraComunidades Tradicionais (SubCom) da Seppir, Alexandro Reis, afirmou que, em parceriacom 0 Programa Luz para Todos, 0 PBQ levou energia eletrica a 20 mil domiciliosquilombolas no periodo entre 2003 e 2009. Sabemos que as familias do Bonfim foramcontempladas com 0 beneficio, mas nao ha urna fonte de dados de facil acesso para que sepossa consultar 0 quanto isso representou do orcamento do PBQ. Alem disso, em se tratandode urn service basico, poderia se tratar de qualquer comunidade rural, nao necessariamentequilombola.

    o Art. 20. do Decreto 4.887/03 determina que "Para os fins de politica agricola eagraria, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberao dos orgaos competentestratamento preferencial, assistencia tecnica e linhas especiais de financiamento, destinados arealizacao de suas atividades produtivas e de infraestrutura." Entretanto, embora Bonfimtenha recebido assistencia tecnica do MDA para a implantacao da horta e venha acessando 0PAA, nada indica que os recursos vieram do PBQ, assim como restam mais duvidas do quecertezas em relacao aos recursos que deveriam chegar para a merenda escolar.

    AMm disso, como demonstram os dados da I Chamada Nutricional, urn problema queaflige grande parte das comunidades quilombolas, infraestrutura de saneamento basico eabastecimento de agua, continua nao tendo a resposta imediata e adequada. Essa realidade foireforcada durante 0ultimo Encontro de Comunidades Quilombolas da Paraiba, em novembrode 2010, quando representantes quilombolas apresentaram suas principais reivindicacoes aoDeputado Luiz Couto e ao futuro govemador Ricardo Coutinho.

    A moradia tambem e uma demanda frequente das comunidades. Em julho de 2010,representantes da Cecneq e da Aacade se reuniram com representantes do govemo do estado eda Seppir. Segundo materia public ada no jomal PB Agora, comunidades quilombolas de 33cidades na Paraiba terao acesso a 3 mil casas que serao construidas pelo Projeto BrasilQuilombola em parceria com 0 Programa Minha Casa Minha Vida, Govemo do Estado emunicipios. Segundo a materia, a Companhia Estadual de Habitacao Popular (Cehap)construira as casas e prefeituras e 0 Estado farao a contrapartida oferecendo acesso a agua, luze infraestrutura. Ja a mao de obra deve ser fomecida pelas comunidades. Entretanto, paraquilombolas e assessorias, 0 tamanho das casas, 35 m

    2, nao atende as demandas das familias.Em Paratibe, por exemplo, onde 80 casas de taipa foram substituidas por alvenaria, 0 tamanhoreduzido fez com que tivessem que construidos "anexos", muitas vezes de taipa, para alojartoda a familia.

    o antropologo Alfredo Wagner de Almeida, ja em 2005, no Boletim Orcamento &Politica Sociambiental do Inesc (v. 4, n. 13, 2005), analisava a adequacao das politicasimplementadas nas comunidades, que muitas vezes desconsideram sua especificidade e seucarater etnico, Ele alerta para 0 fato de 0 eixo da a9ao govemamental ter se deslocado do focoprincipal, a titulacao, para se concentrar na prestacao de services basicos as comunidadesquilombolas, 0 que seria urna medida compensatoria. AMm disso, ao inc1uir as comunidadesCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 291

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.quilombolas em programas de politicas sociais ja existentes para atender outros publicos,como Fome Zero, Pronaf, entre outros, 0 govemo federal acaba por atribuir a essaspopulacoes a categoria generica de "pobres", "populacao carente", "de baixa renda", 0 quelevaria ao risco da despolitizacao e diluicao do fator etnico,

    Na pagina da Seppir, consta 0 ultimo Relat6rio de Gestae do PBQ 2009, descrevendoas principais ac;oes e alocacoes de recursos. As informacoes, no entanto, sao bastantesuperficiais, citando mimero de comunidades atendidas, mas em geral sem lista-las, 0 quedificulta tracar 0 caminho dos recursos. Alem disso, 0 relat6rio de gestae preve muitos gastospara 2010 e, portanto, ainda nao se pode saber 0 quanto realmente foi realizado. 0 Instituto deEstudos Socioeconomicos (www.inesc.org.br). por meio de estudos conduzidos por RicardoVerdum, vern, desde 2007, analisando 0 desempenho da aplicacao dos recursos destinados aoOrcamento Quilombola. Em termos gerais, esse levantamento tern apontado que 0 govemonao gasta 0 quanto orca, Em sua Nota Tecnica n. 126, divulgada em 2007,0 Inesc comparouos valores orcamentarios destinados a populacao quilombola pelo govemo brasileiro entre osanos 2004 e 2006. 0 estudo demonstrou que, embora a destinacao orcamentaria tenhaprogredido ana a ano, 0 investimento do govemo federal na implementacao de politicas paraos povos dos quilombos foi insatisfat6rio. No periodo entre 2004 e 2006, 0 govemo federaldestinou e deixou de investir R$ 100,62 milhoes de reais junto as comunidades quilombolas,sendo que apenas no ano de 2007 havia investido 6,39% do orcamento total. A nota tecnicatambem aponta para a falta de estudos aprofundados e densos que identifiquem as causasdeste baixo investimento uma vez que a destinacao orcamentaria existe. Em entrevista ao siteContas Abertas (novembro 2009), Verdum afirma que:

    Ha uma dificuldade estrutural que e a falta de capilaridade da Seppir la naponta, como se diz. As politicas publicas para as comunidades quilombolasdependem e muito do desempenho de terceiros: secretarias estaduais;secretarias municipais; ONG; ou mesmo associacbes locais, criadas pelasproprias comunidades locais. Quando niio ha 0 compromisso politico e faltainteresse, so procedimento burocrdtico movendo as pessoas, tudo fica muitomais dificil. Em vdrios casos dar prioridade para essas comunidades e entrarem choque com interesses outros, que veem no reconhecimento dos direitosdas comunidades qui/ombolas um obstdculo para suas intencbes deapropriaciio de terras e recursos e de utilizaciio dessas pessoas comomiio-de-obra barata, vivendo em condicoes degradantes e sob violencias dediferentes formas. Ha tambem muito que ser feito nos campos da saude,saneamento bdsico e da educaciio escolar. Ha dados e avaliacbes suficientesque demonstram estarem entre as populaciies negras rurais os indices maisbaixos em termos de escolaridade, nutriciio e saneamento.

    Entretanto, ao analisarmos os dados referentes ao andamento dos processos deregularizacao fundiaria, percebemos que 0problema vai mais alem do que uma questao de rnagestae, Apresentamos primeiramente os mimeros, No ana de 2010, a Nota Tecnica do Inesc,n. 168, foi intitulada Orcamento Quilombola 2008-2010 e a maquiagem na titulacdo,demonstrando que 0 desempenho financeiro das ac;oes destinadas ao reconhecimento,CAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 292

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.demarcacao, titulacao e desintrusao dos territ6rios quilombolas tambem foram baixas em2008 e 2009. Em 2009, por exemplo, R$ 6,8 milhoes deixaram de ser aplicados noreconhecimento, demarcacao e titulacao de "areas remanescentes de quilombo"; e dos R$28,3 milhoes autorizados para indenizacao aos ocupantes das terras demarcadas e tituladas,foram utilizados somente 6,52%. Para se ter urna ideia, em 2009,0 Incra titulou apenas duascomunidades. Entre 2003 e 2009, enquanto 0 govemo federal titulou oito comunidades, 0govemo do Para emitiu 26 titulos, 0 do Maranhao, 19,0 do Piaui, cinco, e 0 de Sao Paulo, tres(CPI-SP, 2010).

    Segundo Verdurn, a expressao maquiagem se deve a constatacao de que 0 govemofederal s6 tern titu1ado - e ainda assim em mimero bastante reduzido - terras devolutas, terraspublicas pertencentes a estados ou aquelas onde nao ha "maiores dificuldades de aquisicao", 0que deixa de fora grande parte das areas quilombolas (Verdurn, 2010).

    Quanto a Politica Nacional de Desenvolvimento Sustentavel dos Povos eComunidades Tradicionais (PNPCT), sua instituicao, em 2007, foi bastante celebrada porrepresentar 0 reconhecimento formal da multiculturalidade brasileira - opondo-se a nocao dehomogeneidade do "povo brasileiro" (Almeida, 2005), embora isso muitas se preste mais avelar desigualdades do que garantir a isonomia de direitos. Em sua estrutura, observam-sealgumas semelhancas com 0 Programa Brasil Quilombola (PBQ), principalmente quanto aosquatro eixos que a norteiam: I) garantia de acesso a territ6rios tradicionais e aos recursosnaturais; II) infraestrutura; III) inclusao social e educacao diferenciada; e N) fomento aproducao sustentavel,

    Apesar das semelhancas, encontrar dados sobre a~oes concretas vinculadas a politicase mostrou ainda mais dificil do que em relacao ao PBQ. De fato, 0 que crescem saodemincias sobre a violacao dos direitos que a politica reconhece, como nos casos daconstrucao da hidreletrica de Belo Monte, no Rio Xingu, do projeto de transposicao do RioSao Francisco, da hidreletrica Tijuco Alto (entre Sao Paulo e Parana) e da area de lancamentode foguetes em Alcantara no Maranhao, que atinge mais de 160 comunidades quilombolas.Portanto, se de urn lado a PNPCT representa urn grande avanco no que se refere a reconhecera rica sociodiversidade brasileira, por outro reforca a no~ao de "democracia disjuntiva",utilizada por Caldeira (2001) para dar conta de processos contradit6rios de simultaneaexpansao e desrespeito aos direitos da cidadania. Prova disso foi a declaracao feita pelo entaoPresidente Lula no dia 21 de novembro de 2006 - ironicamente urn dia depois do Dia daConsciencia Negra - durante discurso de inauguracao de urna usina de biodiesel no MatoGrosso. Ao falar da necessidade de crescimento e desenvolvimento do pais, Lula mencionouque seria preciso resolver os "entraves que tenho com 0 meio ambiente, todos os entraves como Ministerio Publico, todos os entraves com a questao dos quilombolas, com a questao dosindios brasileiros, todos os entraves que a gente tern no Tribunal de Contas, para tentarpreparar urn pacote, chamar 0 Congresso Nacional e falar: 'Olha, gente, isso aqui nao e urnproblema do presidente da Republica, nao, Isso aqui e urn problema do Pais"'.

    Voltando ao caso da comunidade Senhor do Bonfim, 0 fato e que, depois da assinaturado Decreto de Desapropriacao em novembro de 2009, 0 processo de titulacao foi paralisado.Ora, decorrido urn ano, das 30 comunidades que, juntamente com Bonfim, foramCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 293

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.contempladas com 0mesmo decreto desapropriatorio, nenhuma obteve 0 titulo definitivo deseus territories. 0 Incra alegava que, em funcao do carater novedio da legislacao quilombola,nao havia definicao de quais procedimentos adotar nesses casos. Foi somente em 21 de junhode 2010 que 0 Incra publicou a Norma de Execucao Conjunto n" 3, estabelecendoprocedimentos administrativos e tecnicos para a edic;ao de decreto dec1arat6rio de interessesocial das terras quilombolas e para a desintrusao de ocupantes nao quilombolas inseridos nosperimetros objeto do decreto. Entretanto, embora algumas vezes essas questoes tecnicas eadministrativas possam explicar a morosidade dos processos de titulacao, uma serie de fatos eargumentos apontam que sao aspectos politicos que realmente estao por tras desse fracodesempenho. E e aqui que a metodologia adotada, a etnografia dos conflitos, que abrangediversos niveis e nao circunscrita a uma comunidade particular, mostra-se mais apropriada.

    Ora, Bonfim ainda nao foi titulada nao porque esta envolvida em conflito com algumafamilia ou grupo politico ou economico poderoso. No plano local, a situacao e ate favoravel,ja que os poucos proprietaries "intrusos" concordam em receber a indenizacao e deixar a areae, sendo assim, nao pretendem entrar na justica para questionar 0 processo. Alem disso, nocaso de Bonfim, nao se pode alegar nem 0 custo alto da desapropriacao, uma vez que se tratade urna terra relativamente pequena e os dados apontarem que ha recursos disponiveis, masque nao foram utilizados (Verdurn, 2010).

    Portanto, Bonfim, da mesma maneira que tantas outras comunidades, nao teve seutitulo emitido em funcao de urn cenario nacional complexo, em que 0 govemo Lula mais urnavez demonstrou sua ambiguidade em relacao as demandas dos movimentos sociais, sobretudoos do campo. No que se refere a questao quilombola, basta imaginar 0 pavor que incute aosgrandes latifundiarios pensar que mais de tres mil comunidades em praticamente todas asunidades da federacao estao aguardando ter suas terras regularizadas e que essas terrasautomatic a e definitivamente sairao do mercado'". Portanto, assim como na questao dostransgenicos, das mudancas no C6digo Florestal e da Reforma Agraria, pode-se dizer que 0govemo sucurnbiu as pressoes da bancada ruralista buscando manter 0 c1ima de conciliacao,infelizmente a custa da manutencao e reproducao da vulnerabilidade social e ambiental tantoem nivel nacional quanto local.Conslderaeoes finais

    As mudancas radicais ocorridas nurn curto espaco de tempo (aproximadamente seteanos) na "paisagem" quilombola da comunidade Senhor do Bonfim apontam para 0potencialimpacto que 0 acesso a politicas public as e sociais pode exercer para trazer melhorias acomunidades antes tao invisibilizadas e marginalizadas.

    Entretanto, a principal delas, a concessao do titulo de propriedade, continua sendo umaincerteza para a grande maioria. Embora 0 poder publico alegue os mais diversos motivospara essa, digamos, morosidade - para nao dizer quase paralisacao - dos processos deregularizacao fundiaria dos territories quilombola, a discus sao aqui planteada aponta que asrazoes tern fundo eminentemente politico e refletem urn quadro de exclusao socioambientalhistorica (Acselrad, 2009). Sendo assim, por mais melhorias que as politicas publicas e sociaistragam para as comunidades quilombolas, elas s6 poderao trac;ar pIanos verdadeiramenteCAOS - Revista Eletronica de Ciencias Sociais, n. 16, marco 2011www.eehla.ufpb.br/eaos 294

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    Ate agora, a comunidade Engenho do Bonfim continua comemorando as recentesconquistas e, por sua propria conta, busca estabelecer parcerias com agentes publicos ouprivados para buscar ainda mais melhorias. Recentemente, urna ONG italiana, gracas itmediacao com a Aacade, financiou a construcao de uma casa de farinha, 0 que fez ressurgiressa pratica tao apreciada pelos quilombolas, mas que nos ultimos anos vinha se perdendo emfun

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.atraves dessas ameacas, Nesse dia, ao passar pelo acude cercado, algumas mulheres cogitarampular a cerca para que as criancas pudessem se banhar, 0 que demonstra 0 grau deinconformismo com essa situacao de depredacao de urn territ6rio que eles conhecem cadapalmo e que e seu por direito.

    Nao se pode, portanto, menosprezar as alteracoes que a organizacao social dacomunidade e as politicas publicas e sociais imprimiram sobre a paisagem quilombola deBonfim nos ultimos anos. 0 reconhecimento enquanto comunidade remanescente dequilombo sem duvida foi 0 "marco zero" dessas mudancas drasticas de urna condicao desemiescravidao em pleno seculo XXI para urna comunidade que planeja e implementa, deforma coesa e exemplar, projetos junto a diversos atores. Assim, ao se apropriar tal identidadecoletiva, as 22 familias do Bonfim conseguiram assurnir urn papel mais definido e pr6-ativopara poder dialogar com a sociedade envolvente.

    Infelizmente, a situacao vivida pela comunidade do brejo paraibano e quase umaexcecao do que vern ocorrendo com milhares de comunidades quilombolas e tradicionaisBrasil afora. Embora com amplo respaldo legal, seus direitos esbarram no modelodesenvolvimentista hegemonico, voltado para atender as demandas de crescimentoeconomico, sendo as obras do Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC) emblematicasnesse sentido. Dessa forma, ainda que a comunidade Senhor do Bonfim nao esteja sendodiretamente alvo disso, a titulacao de seu territ6rio e, consequentemente, a sua autonomiaplena nao se efetuarao ate que 0govemo equacione seus conflitos e contradicoes intemos.

    Para tanto, e preciso que outros segmentos sociais se mobilizem de forma a equilibraras forcas de resistencia e em defesa de urn outro modelo de desenvolvimento assentado emurna nova visao de sustentabilidade. A sociedade mais ampla deve compreender que a defesados direitos etnicos e territoriais desses povos nao diz respeito apenas a e1es, mas ao paiscomo urn todo. Afinal, essas populacoes configuram 0 grande patrimonio cultural e, seapoiadas e respeitadas em sua diversidade pelas politicas implementadas pelo Estado, terngrande potencial para exercerem 0 papel de guardias do patrimonio ambiental nacional(Martinez Alier, 2007). Para tanto, e preciso urna mudanca de paradigmas, na qual cada ator,seja 0 Estado, a academia, os movimentos sociais do campo ou ambientalistas e a sociedadecivil mais ampla, deve assumir urn papel.Notas1Este artigo se insere em uma pesquisa mais ampla que faz parte de minha dissertacao de mestrado para 0 Prograrna de P6s-Graduacao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da Universidade Federal da Parafba (UFPB), sob orientacaoda Professora Maristela Oliveira de Andrade.2 Mestranda do Programa de Pos-Graduacao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da Universidade Federal daParaiba (UFPB). Graduada em Comunicaeao Social pela UFRJ, trabalhou entre 2005 e 2008 na ONG Koinonia comoassistente do Prograrna Egbe Territories Negros, atuando diretamente junto a comunidades quilombolas no Rio de Janeiro ecomo editora assistente do site Observat6rio Quilombola (www.koinonia.org.br/oq). por meio do qual estabeleceu contatocom diversas comunidades e organizacoes da sociedade civil de varies estados.3 Orientadora e professora do Departamento de Ciencias Sociais IUFPB.4 Segundo definicao constante na Politica Nacional de Desenvolvimento Sustentavel dos Povos e Comunidades Tradicionais(PNPCT), povos e comunidades tradicionais sao "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, quepossuem formas pr6prias de organizacao social, que ocupam e usam territ6rios e recursos naturals como condicso para suareproducao cultural, social, religiosa, ancestral e economica, utilizando conhecimentos, inovacoes e praticas gerados etransmitidos pela tradicao".

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    ISSN 1517 - 6916CADS - Revista Eletronica de Ciencias Socia isNurnero 16 - Marco de 2011Pag. 272 - 300.

    5 Durante solenidade em que foi instalada a Comissao Nacional de Desenvolvimento Sustentavel dos Povos e ComunidadesTradicionais, Marina Silva, entiio Ministra do Meio Ambiente, teria afirmado que as comunidades tradicionais ocupam 25%do territorio nacional. (Agencia Brasil, 3 de agosto de 2006). Esse dado aparece em diversos outros documentos oficiais,como do Ministerio do Desenvolvimento Social e Comb ate a Fome (MDS), atribuido ao antropologo Alfredo Wagner deAlmeida, professor da Universidade Federal do Amazonas.6 A pesquisa realizada pelo Ciga durante cinco anos reuniu dados do govemo federal, dos estados e municipios, dos micleosde estudos afro-brasile iros das universidades do pais e de organizacoes representantes da populacao negra no Brasi l.7 Segundo docurnento de junho de 2009 da Coordenacao Nacional de Articulacao das Comunidades Negras RuraisQuilombolas (Conaq).8 Embora todas sejam promovidas pelo Estado, toma-se oportuno fazer uma distincao entre politicas publicas, politicassociais e politicas afirmativas. Enquanto a poHtica publica esta ligada ao funbito do planejamento do pais e das a90es dedesenvolvimento nacional - como grandes obras de infraestrutura -, a politica social se fundamenta em a90escompensatorias , que buscam fazer ajustes no sistema gerador e reprodutor de desigualdades sociais - notadamente programasde transferencia de renda e de estimulo a agricultura familiar, por exemplo. J a as politicas afirmativas tern como fundamentoa alteridade, s inais diacrit icos que, no caso em questiio, seria a etnicidade dos grupos quilombolas.9 Na pagina eletronica da Fundacao Cultural Palmares, encontramos que cabe a ela formular e implantar "politicas publicasque tern 0 objetivo de potencializar a participaeao da populacao negra brasileira no processo de desenvolvimento, a partir desua historia e cultura" (www.palmares.gov.br).10 Regulamenta 0 procedimento para identificacao, reconhecimento, delimitacao, demarcacao, desintrusiio, titulacao eregistro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam 0 Art. 68 do Ato dasDisposicoes Constitucionais Transitorias da Constituicao Federal de 1988 eo Decreto n 4.887, de 20 de novembro de 2003.11 Segundo informacoes do Setor Quilombola do Incra-PB, colhidas na vespera da publicacao deste artigo, em 30 de marcode 2011, a decisiio judicial que oficializara a imissiio de posse e iminente, estando prevista ainda para esta semana.120 Relatorio Antropologico e uma das pecas que compoem 0 Relatorio Tecnico de Identificacac e Delimitacao (RTID) quedeve ser produzido pelo Incra para embasar a titulacao dos territories quilombolas. Para saber mais sobre os procedimentos~ue devem ser seguidos nos processos de regularizacao fundiaria de terri tor ies quilombolas, acesse www.incra.gov.br.1 Duas reunioes com orgiios do govemo do estado (setembro/2009 e junho/201 0), tais como Secretaria de DesenvolvimentoSocial (SEDH), Companhia Estadual de Habitacao Popular (Cehap), INSS, Incra; seminario promovido pelo Incra e pelaONG Dignitatis (19 a 21 de agosto 2010); Encontro Estadual Quilombola (25 a 27 de novembro de 2010).14 Cabe fr isar que 0 usucapiao em geral exige apenas cerca de quinze anos de posse pacifica e ininterrupta para que qualquercidadiio possa obter 0 t itulo de propriedade do lugar que ocupa.15 Segundo depoimentos de representantes do govemo e da propria ABA, em 2007 urn GT misto (de tecnicos do Incra eantropologos da ABA) produziu urn docurnento para servir de orientacao para a elaboracao dos relatorios antropologicosprevistos nos processos de regularizaeao de territories quilombolas. Contudo, ha controversias acerca do objetivo finaldaquele docurnento. Segundo antropologos associados a ABA, a intencao era apenas criar urn guia, urn termo de referenciaintemo ao Incra, e niio urn manual rigido que constasse de urn instrumento legal com a IN. J a 0 govemo alega que 0documento visava estabelecer normas concretas e objetivas que deveriam ser seguidas pelos pesquisadores responsaveis pelaproducao dos relatorios,16 Para fazer esse levantamento, foram avaliadas 2,7 mil familias de 60 comunidades, distribuidas por 22 estados.17 Essa negacao de direitos muitas vezes esta ligada a questoes politicas, como no caso comunidade da Ilha da Marambaia(RJ) que, em virtude da falta de posicionamento do govemo acerca do conflito com a Marinha do Brasil, ate hoje vive asescuras, sem poder acessar 0 Programa Luz para Todos. Enquanto isso, na mesma area, a Escola de Fuzileiros Navais usufruide toda a infraestrutura do continente (ver Dossie Marambaia, no site Observatorio Quilombola. Disponivel em: ).18Uma das ~oes do Fome Zero e tern como objetivo garantir 0 aces so a alimentos em quantidade e regularidade necessariasa s populacoes em situacao de inseguranca alimentar e nutricional. Visa tambem contribuir para formacao de estoquesestrategicos e perrnitir aos agricultores familiares qu