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Olá, tudo bem?
Você está prestes a conhecer algumas das crônicas que
pertencem à obra “O divã no dia a dia: crônicas do cotidiano sob o
olhar da psicanálise”, escrita por mim.
A minha motivação para escrever este livro nasceu do
desejo de aproximar a psicanálise de um número maior de
pessoas, estimulando nelas o desejo de investir em uma análise.
Desde que foi criado, no final do século XIX por Sigmund
Freud, o método psicanalítico vem ajudando muitas pessoas no
mundo todo a conviver melhor com seus sentimentos e com seu
mundo mental.
Neste sentido, a psicanálise se apresenta como um valioso
instrumento para ajudar as pessoas a se tornarem mais felizes e a
acolherem, com compaixão e tolerância, as dificuldades naturais
do dia a dia.
Logo abaixo, há também o sumário da obra. A ideia é que
você descubra quais são os outros temas, tratados nos sete
capítulos do livro.
A obra completa poderá ser adquirida nas melhores
livrarias e também no site da editora IELD (www.ield.com.br).
Boa leitura e espero que vocês gostem!
Ana Laura Moraes Martinez
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Sumário do Livro
“O divã no dia a dia: crônicas do cotidiano sob o olhar da psicanálise”
Capítulo 1 - Apresentando a psicanálise
• O que é a psicanálise
• Dúvidas comuns sobre o atendimento psicanalítico
• A mente humana – uma obra sempre aberta
• Perspectivas para o desenvolvimento mental da humanidade
Capítulo 2 - Comunismo e Educação no Contemporâneo
• A verdadeira riqueza humana
• Angústias de Natal e de Ano-Novo e a necessidade de comprar presentes
• Para que serve mesmo a universidade?
• Reflexões sobre a escolha pelo curso de psicologia
Capítulo 3 - Reflexões sobre o Trabalho
• Impactos da arrogância nas aprendizagens humanas e no ambiente de trabalho
• O tempo está passando mais rápido?
• Desafios em tempos de aposentadoria
Capítulo 4 - Reflexões sobre Amizade
• Definindo campos de sentidos para a amizade
• É preciso ser infinito para ser só
• A hora do sim é o descuido do não
• Impactos da inveja nas relações de amizade
Capítulo 5 - Nas Tramas do Amor e da Sexualidade
• Tecendo as delicadas tramas entre amor e sexualidade
• Reflexões sobre o amor maduro
• O amor está em extinção?
• Um olhar psicanalítico sobre o ritual do casamento
Capítulo 6 - Conversando sobre Crianças e Famílias
• As famílias na sociedade contemporânea
• Diferenças entre casa e lar – a importância estruturante da família para a mente
humana
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• Impactos da separação conjugal na vida dos filhos
• A dor do crescimento
Capítulo 7 - A Morte como Companheira
• Envelhecimento e morte: estes nossos incômodos (des) conhecidos
• O que fazemos quando a vida vai chegando ao fim?
• Até quando devemos prolongar a vida humana?
• A mastectomia total de Angelina Jolie e a varinha de condão da medicina genética
Texto 1
Angústias de Natal e de Ano Novo e a necessidade de comprar presentes
Com a proximidade das datas de Natal e Ano Novo, o predomínio nas pessoas de um
funcionamento que chamamos na Psicanálise de estado maníaco. Explico-me. Segundo Melanie
Klein1, defesas maníacas têm como propósito a evitação do contato com angústias depressivas que
derivam do sentimento de perda de algo.
Experimente ir a um shopping-center no final do ano e notará o clima de excitação e
agitação no ar. Pessoas enlouquecidas correndo de um lado para o outro PRECISANDO comprar
presentes. Não importa o que e nem para quem será o presente. O ato de comprar importa mais do
que o presentar em si.
Do ponto de vista psicanalítico, precisar fazer algo de forma compulsiva corresponde a uma
necessidade premente de realizar uma ação para evitar que a mente seja invadida por sentimentos
desprazerosos. Trata-se, portanto, de uma ação de evitação, ou, para falar psicanaliticamente, de
uma evitação fóbica. Compra-se para evitar a eclosão da tristeza. É por isso que é tão comum
ouvirmos pessoas se queixarem de que no final do ano ficam mais tristes e deprimidas.
Mas, porque o FINAL de ano ativa em nós angústias depressivas?
Eu não disse anteriormente que a angústia depressiva está ligada ao sentimento subjetivo
de perda de algo? Mas o que é que sentimos estar perdendo nesta época do ano?
1 Klein, Melanie. (1996). Amor, culpa e reparação e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1975).
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Neste período, que envolve as festividades de Natal e de Ano Novo, somos impelidos a
entrarmos em contato com sentimentos ligados aos ciclos de vida e morte, que são expressos,
respectivamente, pelo nascimento do menino Jesus e pela morte do ano velho.
Não sei se já pararam para pensar nisso, mas tanto no nascimento quanto na morte há
perdas significativas que precisamos tolerar. No primeiro caso, há a perda do útero e o trauma do
nascimento e todo o esforço que nós tivemos que fazer para sobreviver, na condição frágil de um
bebê, em um mundo hostil e desconhecido. É por isso que nos sentimos tão identificados com o
bebê menino Jesus na manjedoura. Porque em nossos inconscientes, todos nós sabemos o que é
vivenciar a condição de um bebê frágil e perseguido (pelo seu mundo interno).
No segundo caso – o final de um ano – há a vivência ligada ao fim, ou seja, à morte que
representa, em termos inconscientes, algo extremamente temido e assustador para todos nós.
Trata-se da perda da vida em um processo que é irreversível, já que ninguém que morre volta a
viver. É por isso que muitas pessoas fazem listas de projetos para o próximo ano e promessas para
o futuro, movimentos que visam aplacar estas angústias ligadas ao fim através da esperança (de
que o ano que vem me reserva muitas coisas boas)
Ressalto que estas mesmas angústias – de perda pelo útero protegido e de aproximação
com o fim – são vividas também em nossos aniversários, o que justifica o sentimento depressivo
que muitas pessoas alegam sentir neste dia.
Então, acredito que nestes períodos de final de ano revivemos, de forma coletiva, angústias
primitivas deste tipo que ficaram inscritas em nosso inconsciente de maneira atávica.
Como medidas fóbicas, ou seja, de evitação da irrupção destas angústias de perda, temos
um rol de coisas que fazemos nesta época: 1)reunir-nos em grupo – em grupo o bicho papão fica
sempre um pouco dissipado, pois, podemos terceirizar em algum grau a nossa angústia. Quem
nunca ouviu uma tia te dizer na noite de Natal que você estava com uma carinha triste, quando na
verdade você estava ótima? 2)comprar presentes – que é o que estamos tratando aqui;
3)embebedar-se; 4) soltar fogos de artifício, pois, com aquele barulho todo quem é que vai
conseguir ouvir o que está dizendo a sua cabeça?
Como nosso tema é o ato compulsivo de comprar, é importante sabermos que esta não é a
única maneira que temos de lidar com nosso bicho-papão interno. Aliás, todas estas medidas que
eu elenquei são medidas, às vezes necessárias, é verdade, mas pobres, porque em nenhuma delas
eu posso de fato viver o que está se passando dentro de mim. São todas formas de me evadir do
que eu estou sentindo.
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Mas de que outra forma isso pode ser vivido?
Na medida em que a mente do indivíduo tem maiores condições de conter angústias
depressivas, esta época pode ser propícia para balanço e reflexões. Neste caso, a pessoa poderá se
deixar penetrar sim pela beleza dos enfeites e das luzes, sentindo com isso uma espécie de enlevo e
paz interior. E poderá, inclusive, rever qual o sentido de dar um presente para esta ou aquela
pessoa, fazendo isso por um ato consciente de vontade e não por um impulso que visa aplacar
angústias intoleráveis.
Tudo irá depender, portanto, da capacidade de contenção e acolhimento destas angústias
depressivas naquele momento.
Espero ter conseguido transmitir a ideia que pretendia: não sou contrária ao ato de
presentear alguém, algo que pode ser extremamente prazeroso. Mas, o que tentei discutir é que a
necessidade compulsiva por comprar presentes nesta época do ano pode, na verdade, estar ao
serviço do aplacamento de angústias profundas das quais o sujeito não se dá conta.
De minha parte, acho este período do ano uma delícia. Não para me meter em um
shopping, mas para olhar as luzes, rever escolhas, fazer projetos… Enfim, para renovar, como diria o
autor desconhecido deste poema2:
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para diante vai ser
2 Acreditava que este poema chamado “Cortar o tempo” era de Carlos Drummond de Andrade, mas fui informada pelo site oficial do autor www.carlosdrummonddeandrade.com.br que este texto não é de sua autoria. O texto que ele escreveu é “Receita de Ano Novo”. Entretanto, como o poema é bonito, embora de autoria desconhecida, resolvi deixá-lo no livro.
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Texto 2
Impactos da inveja nas relações de amizade
Como costumo sempre dizer, a alma humana, em seus recônditos mais profundos, não é cor
de rosa. Entretanto, nenhum ser humano se sente muito confortável diante desta constatação – a
de que nossa alma (mente, psiquismo) é habitada não somente por bons sentimentos, mas,
também por ódio, desejos destrutivos e violentos e, sobretudo, pela inveja e seus derivados.
Mas, comecemos por definir o que é inveja embasando-nos na compreensão da psicanalista
que mais contribuiu nesta questão – Melanie Klein3.
Para ela, a inveja é um sentimento complexo e diz respeito ao desejo que o invejoso possui
de destruir, espoliar e danificar a bondade e as qualidades da pessoa invejada. No prefácio da
introdução de sua principal obra sobre esta temática, “Inveja e gratidão”, o psicanalista David
Zimmermann cita uma interessante fábula que vai nos ajudar a clarificar do que se trata a inveja. A
fábula é a seguinte:
Uma fada aparece diante de um invejoso dizendo que ela poderá, magicamente, dar-lhe
tudo o que seus desejos imaginarem – bens materiais, qualidades pessoais e toda a sorte de
felicidade. Mas há uma única condição para que isso ocorra: que seus vizinhos, pessoa a quem ela
muito invejava, obtivesse em dobro seus desejos. Sabem o que o invejoso desejou? Que a fada lhe
arrancasse um olho!
Como vocês podem ver, o âmago do sentimento invejoso não é somente possuir aquilo que
provoca inveja (qualidades, bens materiais e recursos internos), mas impedir que a pessoa invejada
também possua as qualidades invejadas. Como fica evidente na fábula, o invejoso preferiu perder
os olhos (que é o órgão que permite que ele veja as qualidades do objeto) a ter as qualidades
invejadas, pois isso implicaria em ter que proporcionar o bem também ao vizinho.
É este caráter extremamente danoso e empobrecedor da inveja que faz com que Melanie
Klein tenha a considerado a “mãe” de todos os pecados capitais. Para ela, enquanto os outros
pecados capitais (ira, gula, avareza, preguiça, orgulho e luxúria) atacam somente uma virtude
humana, a inveja ataca toda e qualquer virtude, ou seja, ataca a própria bondade – mãe de todas as
virtudes.
Neste sentido, a qualidade que mais provoca inveja não são os bens materiais, a casa bonita
ou a viagem dos sonhos que uma pessoa realiza. Pela minha experiência, o que mais desperta
3 Klein, Melanie. (1974). Inveja e gratidão – um estudo das fontes inconscientes. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1957).
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inveja e impulsos destrutivos são as qualidades internas de uma pessoa, sua a bondade, equilíbrio e
a paz de espírito.
Como nosso propósito aqui é discutir os impactos funestos da inveja nas relações humanas
quotidianas, sobretudo nas amizades, já temos alguns elementos para pensar.
Eu não disse acima que as qualidades que mais despertam inveja são os bons sentimentos
que um ser humano é capaz de sentir?
Então, diante disso, uma pessoa fortemente motivada pela inveja pode buscar, de forma
inconsciente, ou seja, sem que se dê conta disso, artifícios para “estragar” o equilíbrio do ser
invejado.
Pode, por exemplo, tecer comentários maldosos sobre a conduta equilibrada do colega
dizendo que não entende como esta pessoa deixa-se fazer de boba diante de uma situação em que,
na verdade, a pessoa conseguiu manter seu equilíbrio interno.
Pode ainda, através de potentes mecanismos mentais, buscar estragar o equilíbrio tão
invejado, fazendo coisas para tirar o colega do sério, fazendo-o perder a cabeça.
Outro recurso muito comum utilizado pelo invejoso é o de provocar inveja no outro. Com
isso, ele sente poder fazer o outro sentir a mesma inveja terrível que o assola. E ele pode buscar
isso de várias maneiras. Por exemplo, diante de um comentário de um amigo sobre uma
importante conquista, o invejoso pode necessitar falar, ele próprio, de uma conquista sua, visando
provocar nele a mesma inveja que está sentindo.
Como vocês podem ver, os efeitos da inveja são nefastos e danificam profundamente a
mente daquele que a sente, bem como sua capacidade de usufruir da bondade e da beleza da vida.
Deriva-se daí a ideia expressa pelo dito popular de que para algumas pessoas a grama do
vizinho é sempre mais verde.
Do ponto de vista teórico, esta expressão popular denota o caráter de eterna insatisfação
que potentes sentimentos invejosos despertam na pessoa. Ela nunca pode ficar feliz com suas
próprias conquistas porque sua inveja estraga não somente as qualidades do outro, mas,
sobretudo, a sua capacidade de usufruir da vida.
Uma questão muito corriqueira sobre esta temática é se todos nós sentimos inveja ou se
esta “maldição” é reservada a apenas alguns pobres seres humanos.
E a resposta é: Sim! Todos nós sentimos inveja.
Não é possível passarmos pela vida sem sermos atormentados por este sentimento. Para
Klein, a inveja é constitucional, ou seja, já nascemos com o potencial para este sentimento. Todos
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nós! O que irá mudar de uma pessoa para outra é a quantidade de inveja que ela irá sentir e a
capacidade que terá para contrabalancear este sentimento com outros, mais amorosos e
benevolentes.
Com a ajuda de uma análise não deixamos de sentir inveja, pois este é um sentimento
humano e universal. Com este auxílio, o que muda é que passamos a tomar maior consciência dos
momentos em que somos assolados por ondas de inveja e desejo de destruição e podemos, com o
auxílio dos nossos sentimentos amorosos, conter esta onda, não a deixando destruir relações e o
nosso equilíbrio mental.
Para finalizar, há somente mais um elemento que gostaria de destacar.
Além da inveja que sentimos dos outros, há outro componente deste sentimento que
precisa ser destacado – a inveja que sentimos de nós mesmos.
Sim, nós também sentimos inveja das nossas próprias conquistas!
Quando nos vemos diante de uma importante conquista (profissional, pessoal, um sonho
realizado, uma nova qualidade de mente), ativamos mecanismos derivados das pulsões de morte
que atacam esta conquista e sentimos inveja da nossa parte que está se desenvolvendo. Isso se dá
tanto pela ação de sentimentos invejosos pelo próprio crescimento quanto pela culpa que o
crescimento mental naturalmente gera.
Este fenômeno, muito comum aos psicanalistas, explica, por exemplo, porque algumas
pessoas, diante do seu sucesso, sucumbem e são impelidas por uma necessidade imperiosa de
destruírem tudo o que conquistaram – fenômeno bem visível entre personalidades famosas,
cantores e estrelas de cinema.
Outros, por outro lado, diante do sucesso, pela sua forte capacidade de amar, seguem
cuidando de seu desenvolvimento e mantendo contato profundo com o que é realmente
importante e fundamental para si, tendo maiores condições de não se deixarem seduzir pelas
ficções ligadas à fama e ao sucesso que estimulam a arrogância, o orgulho e a vaidade.
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Texto 3
Um olhar psicanalítico sobre o ritual do casamento
Fadas, bruxas e príncipes
Desde pequeninas nós mulheres exercitamos nossa feminilidade brincando de bonecas,
vestindo roupas e sapatos de nossas mães e sendo princesas ou fadas a espera de um príncipe
encantado que pode vir personificado de diversas maneiras – de Menudos à Justin Bieber.
Em suma, nós nos transformamos de meninas em mulheres ativando as nossas mais
profundas experiências edípicas vivenciadas com nossos pais e mães (reais e fantasiados), cada um
deles tendo papel crucial nesta metamorfose.
A dor e a delícia de ser quem se é
A questão é que esta metamorfose que nos faz abandonar a posição infantil para assumir a
identidade de mulher adulta está longe de ser só agradável e fácil de ser vivida.
E é por isso que os rituais de passagem (festa de debutante e casamento, por exemplo)
continuam sendo tão importantes: porque, de alguma maneira, eles integram em nosso
inconsciente vivências intensas, individuais e familiares, que são evocadas ao longo do processo.
O que estou querendo dizer é que, junto da beleza e do encantamento desta metamorfose
de lagarta à borboleta, há muita dor e angústia evocada pelo próprio processo, embora, nem
sempre as pessoas tenham consciência de que a angústia que estão sentindo se deve a esta
transformação interna.
É por isso que é tão comum vermos uma noiva simplesmente surtar com o seu vestido ou
com o bem-casado. Outra forma de escape da angústia é o casamento transformar-se em uma
espécie de fetiche. Lembro a vocês que fetiche em Psicanálise significa que a coisa em si (nesse
caso, a festa em si) passa a substituir o significado emocional do ritual.
Mas, quais angústias uma mulher às vésperas de subir ao altar irá ativar em seu
inconsciente?
Para tentar responder a esta complexa questão irei recorrer à fábula “Cinderela” dos irmãos
Grimm, pois, acho que nela estão contidas algumas das angústias centrais que são mobilizadas
neste importante momento da vida da mulher.
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A fábula da Cinderela
A fábula conhecido como Cinderela ou Gata Borralheira possui várias versões. Uma delas foi
elaborada, em 1810, pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm – dois alemães que se dedicaram à
criação e registro de diversas fábulas infantis. Muitas de suas fábulas foram modificadas
posteriormente por serem consideradas violentas demais para as crianças.
Aí vai um breve resumo da fábula Cinderela...
A mulher de um homem muito rico estava muito doente. Ao perceber a proximidade da
morte, chamou sua única filha ao leito e disse a ela para ser boa e piedosa com Deus e que ela (a
mãe) estaria sempre olhando por ela. Dito isso, a mulher morreu. Durante todo o inverno rigoroso,
a jovem visitou e chorou sobre o túmulo de sua mãe. Chegada à primavera, seu pai encontrou outra
esposa com quem se casou. Esta esposa tinha duas filhas que eram bonitas por fora, mas feias e
más por dentro. Tanto a madrasta como suas filhas tratavam a jovem moça muito mal – forçavam-
na a limpar a casa, a vestir roupas velhas, a dormir no chão e a cozinhar, lavar e passar.
Derramavam, só por maldade, ervilhas e lentilhas pelo chão só para que ela as catasse, uma a uma.
Como a moça estava sempre suja e empoeirada as filhas da madrasta lhe deram o nome de
Cinderela – nome que remete a borralho, sujeira em inglês. Certo dia, o pai estava indo à feira e
perguntou às moças o que elas queriam. As filhas da madrasta disseram que queriam belas jóias e
vestidos. Cinderela pediu que o pai lhe trouxesse o primeiro galho de árvore que batesse em seu
chapéu. Assim foi feito. Cinderela plantou este galho no túmulo de sua mãe e, de tanto chorar sobre
ele, nasceu ali uma bela árvore. Todos os dias Cinderela chorava e rezava sob a árvore e passarinhos
brancos vinham realizar os seus desejos. Um belo dia foi anunciado que o filho do rei faria uma festa
para escolher sua noiva. As filhas da madrasta ficaram alvoroçadas. Cinderela também queria ir,
mas não tinha nem roupas nem sapatos. Além disso, tinha que catar as lentilhas e ervilhas que
foram derrubadas de forma maldosa pela madrasta e suas filhas. Pediu ajuda de suas amigas
pombinhas, que rapidamente lhe ajudaram. Triste por não ter roupas adequadas, foi ao túmulo da
mãe e pediu “Balance e se agite, árvore adorada. Me cubra toda de ouro e prata”. O passarinho lhe
deu um lindo vestido de festa e sapatos brilhantes. Assim, Cinderela foi ao baile e dançou a noite
toda com o príncipe, encantado com sua beleza. No momento de ir embora, o príncipe quis
acompanhá-la até em casa para saber quem era sua família, mas Cinderela fugiu dele e se escondeu
no pombal. O príncipe ficou em frente à sua casa até o pai da jovem aparecer e lhe questionou
quem era aquela moça com quem ele tinha dançado. E o pai pensou: “Deve ser Cinderela”. Na noite
seguinte, houve mais um baile e Cinderela surgiu com um vestido ainda mais belo. No final da noite,
novamente se escondeu do príncipe, mas agora no topo de uma árvore. Na terceira noite, tudo se
repetiu, mas desta vez o príncipe, já sabendo da fuga de sua amada, foi mais esperto e resolveu
passar piche na escadaria do palácio – assim, o sapatinho ficaria preso lá e ele saberia, finalmente,
quem era aquela jovem dama. Na manhã seguinte, dirigiu-se à casa do pai de Cinderela e disse que
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só se casaria com a dona daquele sapato. As filhas da madrasta experimentaram o sapato, que
ficou muito apertado. Desesperadas, uma delas cortou o calcanhar e outra o dedão do pé, mas o
príncipe notou o sangue e descobriu o engodo. Perguntou se havia mais alguma moça na casa e o
pai disse que sim, que havia a filha raquítica de sua ex-mulher. O príncipe pediu para vê-la e
experimentar o calçado nela. Ao vê-la, imediatamente a reconheceu. Além disso, o sapato serviu
perfeitamente. No dia do casamento do príncipe com a Cinderela, embora a madrasta e suas filhas
estivessem com muita raiva, queriam voltar a ser amigas da jovem. Mas, as pombinhas furaram os
olhos das duas irmãs, punindo-as por tanta maldade e inveja.
Interpretação da fábula
A fábula inicia com a morte da mãe da Cinderela e, em seguida, com o seu pai se casando
com uma madrasta. E aqui já fazemos uma pausa.
Se pensarmos que esta fábula expressa fantasias inconscientes da menina Cinderela,
podemos considerar que a morte de sua mãe representa a concretização, em fantasia, de desejos
assassinos com relação a ela. Além disso, está implícita aí a sua frustração por não ser ela, e sim a
má-drasta, a assumir o lugar da mãe junto ao pai.
Resumindo, uma das conflitivas que será fortemente ativada no inconsciente da menina-
moça é o de sua relação amorosa e odienta / invejosa com relação à figura materna. É a
predominância dos sentimentos amorosos sobre os hostis que definirá, em grande parte, o sucesso
ou fracasso desta metamorfose. Notem que estou falando não somente da mãe real, mas,
sobretudo da mãe internalizada pela menininha. É esta mãe da infância que precisará em certa
medida ser morta (como acontece no conto) para que a garotinha se torne, finalmente, uma
mulher.
Melanie Klein4, em termos teóricos, situa que para a menina finalmente se tornar mulher
precisa “fazer as pazes com o seio” devolvendo a ele o seu potencial criativo. Sem esta passagem à
posição depressiva, segundo ela, a menina-mulher tenderá a viver este processo inundada por
angústias persecutórias e paranóides.
E quem seria esta má-drasta má do conto?
Ela é a mãe má que se interpõe entre a menina e o pai e só por isso já tem motivo de sobra
para ser simplesmente odiada. Esboça, portanto, a mulher adulta que impede o acesso na
4 Klein, M. (1997). Os efeitos das situações de ansiedade arcaicas sobre o desenvolvimento sexual da menina. In: Klein, M. A Psicanálise de crianças. (pp. 213-257). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho originalmente produzido em 1975)
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triangulação edípica da menina ao pai. Em termos kleinianos, a má-drasta é a mãe má ou o seio
mau.
E as irmãs-más-invejosas, que no conto têm os olhos furados pelas pombinhas por terem
sido invejosas e más?
Podemos pensar que elas representam, ao mesmo tempo, aspectos invejosos da própria
Cinderela com relação ao seu desenvolvimento e à sua nova identidade mulher (sim, nós temos
inveja do nosso próprio desenvolvimento!), assim como aspectos invejosos reais que são
despertados em outras mulheres, sobretudo dentro do núcleo familiar, no “tão sonhado dia”.
Mas, retornando ao conto, é interessante notar que, depois que o príncipe se apaixona por
Cinderela e ela se esconde dele, é somente o pai da moça que intui que a mulher que o príncipe
procura é a sua filha. Não seria esta uma referência ao importante papel que o pai da noiva tem no
ato de autorizar “a entrega” de sua filha a outro homem?
A função paterna
Sabemos que o pai tem uma função crucial nesta resolução da identidade sexual da menina,
pois, é ele quem poderá auxilia-la a viver plenamente sua feminilidade sem tantas culpas,
autorizando-a a encontrar o seu homem (que, na verdade, é sempre um reencontro) e a gozar com
ele os prazeres de ser mulher.
Não é a toa que no ritual do casamento é o pai da noiva que a leva, orgulhoso, pelo braço e
“lhe concede a mão” ao noivo.
Enquanto isso, normalmente a mãe da noiva está chorando no altar, provavelmente
mobilizada por sentimentos ambivalentes de orgulho de sua filha “agora mulher”, mas também de
perda e pesar pela “filhinha que se vai”; de inveja pela beleza e juventude da filha, mas também de
admiração pela beleza e juventude dela.
Crescer ou não crescer? Eis a questão
Ainda na fábula, Cinderela esboça um jogo de mostra-se-e-esconder-se do príncipe durante
três dias, movimento que pode revelar sua ambivalência entre o casamento e a manutenção de sua
identidade infantil, ambivalência até certo ponto natural já que a identidade adulta exige muito
mais responsabilidades da personalidade em questão.
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Ressalto, nesse sentido, que toda mudança de identidade envolve um luto e, nesse caso,
penso que um dos lutos necessários é o da identidade infantil perdida, que no conto é expresso,
por exemplo, através das fantasias de onipotência (quando ela chora no túmulo da mãe,
imediatamente consegue o que quer) e de não responsabilização pelos seus atos (por não suportar
perceber que é ela própria que desejou a morte da mãe, personifica sua maldade na má-drasta).
O dia mais feliz de sua vida?
Diante disso tudo, deu pra perceber que o “dia mais feliz da sua vida” não deveria ser
encarado com tanta ingenuidade e idealização por nós mulheres porque “o dia mais feliz de sua
vida” vai trazer com ele milhões de exigências internas que, caso não tenham sido mobilizadas até
então, irão bater à sua porta e te tirar noites de sono.
Assim como no caso da maternidade, acredito que o casamento é investido em nossa
sociedade atual de ares de romantismo e idealização, sentimentos que não contemplam e
descrevem, de forma verdadeira, a complexidade emocional implicada nestes delicados processos.
Com isso, muitas noivas e noivos acabem ficando sós (e normalmente culpados) para
viverem esta crise natural e necessária, a única que fará com que a mulher possa nascer de seu
casulo de lagarta-borralheira. Ou então, angústias preciosas e riquíssimas se esvanecem em meio a
tules, plumas, cabelos e “rituais” cada vez mais mecanizados e parecidos uns com os outros,
exatamente como eu tenho visto cada vez mais serem os casamentos contemporâneos.