ofício das paneleiras de goiabeiras

72
dossiê iphan 3 Ofício das Paneleiras de Goiabeiras { }

Upload: vuongtruc

Post on 08-Jan-2017

224 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

d o s s i ê i p h a n 3 Ofício das Paneleiras de Goiabeiras{ }

Page 2: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras
Page 3: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

d o s s i ê i p h a n 3 Ofício das Paneleiras de Goiabeiras{ }

Page 4: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras
Page 5: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

“Todo capixaba tem Um pouco de beija flor no bicoUma panela de barro no peitoUma orquídea no gestoUm cafezinho no jeitoUm trocadilho na brincadeiraUm congo no andarUm jogo de cintura Um chá de cidreiraUma moqueca perfeita E uma rede no olhar.”

Elisa Lucinda

Page 6: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

presidente da repúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

ministro da culturaGilberto Gil Moreira

presidente do iphanLuiz Fernando de Almeida

chefe de gabineteAloysio Guapindaia

procuradora-chefe federalTereza Beatriz da Rosa Miguel

diretora de patrimônio imaterialMarcia Sant’Anna

diretor de patrimônio materiale fiscalizaçãoDalmo Vieira Filho

diretor de museus e centros culturaisJosé do Nascimento Junior

diretora de planejamentoe administraçãoMaria Emília Nascimento Santos

coordenadora-geral de pesquisa,documentação e referênciaLia Motta

coordenadora-geral de promoçãodo patrimônio culturalThays Pessotto Zugliani

superintendente regional do espírito santoCarol Abreu

gerente de registroAna Claudia Lima e Alves

instituto do patrimônio históricoe artístico nacionalSBN Quadra 2 Bloco F Edifício Central BrasíliaCep: 70040-904 Brasília – DFTelefones: (61) 3414.6176, 3414.6186, 3414.6199Faxes: (61) 3414.6126 e 3414.6198http://www.iphan.gov.br [email protected]

Edição do Dossiê

edição de textoAna Claudia Lima e AlvesCarol Abreu

revisão de textoClaudia Marina Macedo VasquesGraça Mendes

projeto gráficoVictor Burton

diagramaçãoAna Paula Brandão e Fernanda Garcia

fotografiasÁlvaro AbreuCacá LimaChristiane Lopes MachadoHumberto CapaiJosé Alberto JuniorMárcio ViannaTadeu Veiga

parceria institucionalInstituto Brasileiro de Educação e Cultura – Educarte

agradecimentos especiaisAlceli Maria RodriguesCentro de Tecnologia MineralPrefeitura Municipal de VitóriaRosemary Loureiro AmorimUniversidade de Vitória - Univix

equipe técnica da gerência de registroAna Lúcia de Abreu GomesFabíola Nogueira Gama CardosoMariana Mello BrandãoRafaella TammSilvia Guimarães

equipe técnica da 21a sr/iphanAgnes Lang Scolforo Caroline Maciel LauarLetícia von Krüger PimentelLorenza Cosme Gomes

impressãoImprinta

Ficha Técnica Ofício das Paneleirasde Goiabeiras

registro do ofício das paneleiras degoiabeiras, na cidade de vitória/esProcesso nº 01450.000672/2002-50proponente:Associação das Paneleiras de Goiabeiras e Secretaria Municipal de Cultura – Vitória/ESdata de abertura do processo:26/03/2001Pedido de Registro aprovado na 37ª reunião do Conselho Consultivo, em 21/11/2002Inscrição no Livro de Registro dos Saberesem 20/12/2002

Inventário Nacional de ReferênciasCulturais do Ofício das Paneleirasde Goiabeiras

coordenação geralCarol Abreu

supervisãoAna Claudia Lima e Alves

pesquisadoresAugusto Drumond de MoraesCarol AbreuGerson Dalfior VidalLuciano Santos NascimentoSheila GomesSuely Pereira dos Santos

revisão de fichasAlexandre FiorottiAna Claudia Lima e Alves Carol Abreu Felipe Berocan VeigaMarina VerneSuely Pereira dos Santos

fotografiasMárcio Vianna

Page 7: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

página 4detalhe da queimada panela de barro.foto: josé albertojunior.

página 8aspecto domanguezal juntoao galpão daassociação daspaneleiras.foto: josé albertojunior.

Instrução técnica do processo de Registro do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

equipe técnica iphan

departamento dopatrimônio imaterialSupervisão Ana Cláudia Lima e Alves

apoioAlessandra D’Aqui VellosoCícero RamosEdinaldo AraújoLinda MacedoMarina VerneMônica SouzaRodrigo CastanheiraSheila Lemos

21a superintendência regionalCoordenação-geralCarol Abreu

apoioElienne de Oliveira MachadoGerson Dalfior Vidal

elaboração do textoCarol Abreu

fotografias Márcio Vianna

fontes de pesquisaIphan:Arquivo e BibliotecaAloísio Magalhães - BrasíliaArquivo Noronha Santos - RJArquivo 21ª SR - VitóriaCentro Nacional de Folclore eCultura Popular - BibliotecaAmadeo Amaral - RJVitória - ES:Arquivo Público EstadualBiblioteca Central UFESBiblioteca Estadual

Instituto Histórico e Geográficodo Espírito SantoSecretaria de Desenvolvimento da Cidade - PMV

agradecimentos especiaisAssociação das Paneleiras de GoiabeirasAssociação Espírito-santense de FolcloreBerenícia Corrêa NascimentoCarla da Costa DiasCélia Maria CorsinoCelso PerotaElizabeth SalgadoFederação das Bandas de Congodo Espírito SantoGuacira WaldeckLuiz Guilherme Santos NevesRenato Pacheco in memoriamSecretaria de Cultura de VitóriaSecretaria de Estado da Cultura

apoioCentro Nacional de Folcloree Cultura Popular6ª Superintendência Regional - RJEMA VídeoSTV Rede SescSenac de Televisão

Page 8: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

SUMÁRIO

Page 9: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

SEM TORNO NEM FORNO31 As matérias-primas32 Os instrumentos de trabalho33 Os trabalhadores do ofício35 As etapas de produção37 As panelas

NA PANELA39 Moquecas e torta capixaba

42 O OFÍCIO COMO OBJETODE REGISTRO

46 O PLANO DE SALVAGUARDA

52 NOTAS

54 BIBLIOGRAFIA

59 ANEXO 1 Referênciasdocumentais anexadas aoprocesso de registro

60 ANEXO 2 Artesãoscadastrados na Associação dasPaneleiras de Goiabeiras

62 ANEXO 3 Processo de registrode Patrimônio Imaterial

10 APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO13 Ofício de paneleira

HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA15 A herança das paneleiras

O TERRITÓRIO DO OFÍCIO19 A ocupação urbana da área21 Goiabeiras, o lugardas paneleiras23 O manguezal24 O barreiro25 O galpão, vitrine do ofício

26 PANELEIRAS DE GOIABEIRAS

Page 10: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

apresentação

Page 11: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 1

Este Dossiê 3 trata do primeiroRegistro de um bem cultural

concretizado pelo Iphan: o Ofíciodas Paneleiras de Goiabeiras.Com ele se inaugurou o Livrode Registro dos Saberes e tambémo instrumento legal dereconhecimento e preservação dosbens culturais de naturezaimaterial, criado em agostode 2000.

Se as tradicionais panelas debarro do Espírito Santo já eram,em larga medida, conhecidas emvários pontos do país, o mesmonão se podia dizer das paneleirasque as fabricam em GoiabeirasVelha, bairro de Vitória.

Para melhor conhecer e dar aconhecer o saber e o fazer dessascidadãs brasileiras foi aplicada,pela primeira vez, a metodologiado Inventário Nacional deReferências Culturais.

O conhecimento assimsistematizado e produzidoconstituiu a instrução técnicado processo de Registrodesse ofício, concluído emdezembro de 2002.

Desde então, o trabalho e asquestões relativas à continuidadedo Ofício das Paneleiras deGoiabeiras vêm sendoacompanhados pelo Iphan,através da elaboração eimplantação do Plano deSalvaguarda, que prevê o apoioe o fomento a ações quefavoreçam a valorização daspaneleiras e a manutençãodas condições objetivas paraa prática de sua atividade.

Ao tornar públicos processose resultados do trabalhoinstitucional, onde o modode fazer as tradicionais panelas debarro capixabas e as paneleiras

e seu universo estão apresentados,acreditamos contribuir para oreconhecimento desse patrimôniopela sociedade brasileira epara viabilizar as condições desua permanência.

Luiz Fernando de Almeida

página ao lado“puxando” a panela.foto: josé albertojúnior.

abaixocaldeirão, panelae frigideira.foto: márcio vianna.

Page 12: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

introdução

Page 13: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Afabricação artesanal de panelasde barro é o ofício das

paneleiras de Goiabeiras, bairrode Vitória, capital do EspíritoSanto. A atividade, eminentementefeminina, constitui um saberrepassado de mãe para filha porgerações sucessivas, no âmbitofamiliar e comunitário. A técnicacerâmica utilizada é de origemindígena, caracterizada pormodelagem manual, queimaa céu aberto e aplicação detintura de tanino.

Apesar da urbanização e doadensamento populacional queenvolveu o bairro de Goiabeiras,fazer panelas de barro continuasendo um ofício familiar,doméstico e profundamenteenraizado no cotidiano e nomodo de ser da comunidade deGoiabeiras Velha. É o meiode vida de mais de 120 famílias

nucleares, muitas das quaisaparentadas entre si. Envolveum número crescente deexecutantes, atraídos pela demandado produto, promovido pelaindústria turística1 comoelemento essencial do “pratotípico capixaba”.

De fato, no Espírito Santo aspanelas de barro são o recipienteindissociável de moquecas de peixee outros frutos do mar, comotambém da torta capixaba, sagradaiguaria tradicionalmenteconsumida na Semana Santa.Ícones da identidade culturalcapixaba, a torta, as moquecas eas panelas de barro ganharamo mundo e configuram, naliteratura gastronômica,“a mais brasileira das cozinhas”,por reunirem e mesclaremelementos das culturas indígena,portuguesa e africana.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 3

ofício depaneleira

página ao ladocolocando a“orelha” na panela.foto: márcio vianna.

abaixoeonetes fernandesdos santosmodelando a bordada panela. foto:márcio vianna.

Page 14: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

História e pré-história

Page 15: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Oprocesso de produção daspanelas de Goiabeiras conserva

todas as características essenciaisque a identificam com a prática dosgrupos nativos das Américas, antesda chegada de europeus e africanos.As panelas continuam sendomodeladas manualmente, comargila sempre da mesmaprocedência e com o auxílio deferramentas rudimentares.Depois de secas ao sol, são polidas,queimadas a céu aberto eimpermeabilizadas com tintura detanino, quando ainda quentes. Suasimetria, a qualidade de seuacabamento e sua eficiência comoartefato devem-se às peculiaridadesdo barro utilizado e aoconhecimento técnico e habilidadedas paneleiras, praticantes dessesaber há várias gerações.

A técnica cerâmica utilizada éreconhecida por estudos

arqueológicos como legado culturalTupi-guarani e Una2, com maiornúmero de elementos identificadoscom os desse último. O saber foiapropriado dos índios por colonose descendentes de escravosafricanos que vieram a ocupar amargem do manguezal, territóriohistoricamente identificado comoum local onde se produziampanelas de barro. O naturalistaSaint-Hilaire visitou a região em

1815 e fez a primeira referência aessas panelas, descritas como“caldeira de terracota, de orlamuito baixa e fundo muito raso”,utilizadas para torrar farinha efabricadas “num lugar chamadoGoiabeiras, próximo da capital doEspírito Santo”.3

Goiabeiras é, portanto, olugar onde esse ofício de fabricarpanelas ocorre por tradição.Ali, foram encontrados sítios

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 5

a herança daspaneleiras

página ao ladoamassando o barro.foto: josé albertojúnior.

abaixocecília de jesussantos açoitandoa panela. foto:márcio vianna.

Page 16: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 6

modelando a panelacom a cuia. foto:josé alberto júnior.

Page 17: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

arqueológicos cerâmicos,remanescentes da ocupaçãoindígena, no alto da pequenaelevação conhecida como MorroBoa Vista e nas proximidades doaeroporto de Goiabeiras. Aindaque Saint-Hilaire não tenhamencionado as frigideiras demoqueca, provavelmente naépoca de sua passagem já se faziampanelas para cozinhar frutos domar, pois este é o alimentoprimordial e preponderantedos nativos da região desdetempos pré-históricos. Segundoinformam os estudiosos daculinária e da identidade local,“Os sambaquis, que o proto-capixaba deixou, em diversospontos do litoral do EspíritoSanto, (...) são, em sua essência,um amontoado de conchaspartidas e de cascas de moluscos...Esses processos milenares de

coleta de frutos do marpersistem entre nós comforça imorredoura. Constituem,ainda hoje, cenas diárias naspraias, manguezais e pedras dolitoral [do Estado]”.4 Vestígiosdesses sambaquis, compostosde grande quantidade de lascasde quartzo e de conchas de ostras,foram identificados em 2005,durante a construção da novapista do aeroporto.

O consumo permanente ereiterado das moquecas e da tortada Semana Santa, valorizadopelos capixabas como umareferência na formação de suaidentidade cultural, éprovavelmente uma das principaisrazões da continuidade históricada fabricação artesanal daspanelas de barro, apesar dasnotáveis transformações urbanasocorridas. A cidade cresceu ealcançou Goiabeiras, que setransformou em um bairrourbanizado de Vitória. Mas alicontinuam sendo feitas, comosempre, as panelas pretas.Enquanto a cidade crescia,as paneleiras iam progressivamentese profissionalizando e fazendodo seu ofício a mais visívelatividade cultural e econômicado lugar.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 7

material de sítioarqueológico naárea do aeroporto.foto: christianelopes machado.

Page 18: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

o território do ofício

Page 19: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Oofício das paneleiras é umaatividade econômica

culturalmente enraizada nalocalidade conhecida comoGoiabeiras Velha, situada na partecontinental norte do Municípiode Vitória, à beira do canal quebanha o manguezal e circundaa Ilha. O grande projeto demodernização urbana da capital,promovido nos anos 1970,confinou Goiabeiras Velhaentre a via expressa de acessoao Aeroporto e o mangue,resguardando-a como reduto deocupação antiga, de configuraçãofamiliar, onde reside a maioriadas famílias de paneleiras.Os quintais de pais e avós sãohoje repartidos com as novasfamílias de filhos e netos,e em grande parte tambémocupados com a fabricaçãodas panelas de barro.

O antigo distrito de Goiabeirasesteve relativamente fora doprocesso de urbanização da capitalaté o final da década de 1960,quando foram implantados ocampus da Universidade Federal doEspírito Santo, o primeiroconjunto habitacional do entãoBanco Nacional de Habitação –BNH e as correspondentes vias deacesso. Foi também dessa época aampliação do Aeroporto de

Goiabeiras, seguida da instalaçãodos grandes empreendimentos daindústria siderúrgica na Ponta doTubarão. Alcançado e seccionadopor novas avenidas, o distrito sesubdividiu em bairros que foramsendo ocupados rapidamente,conquistando terreno através deaterros e desmatamentos, o queproduziu alterações significativasnas relações dos antigos ocupantescom o seu meio ambiente.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 1 9

a ocupaçãourbana da área

vista do manguezalcom bairros devitória ao fundo.foto tomada doalto de goiabeirasvelha. foto:márcio vianna.

Page 20: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Até então, o manguezal nativoera a principal fonte dealimentação – pescado e coleta deostras e caranguejos – e o caminhode acesso dos moradores deGoiabeiras ao trabalho e aomercado. Para as paneleiras,também significava o provimentoda casca de mangue-vermelhoe o caminho até o barreiro –como elas chamam a jazida debarro situada no Vale do Mulembá–, onde se chegava de canoapelos braços de mar que margeiam

o manguezal, depois devencido um pequeno trecho apé. Apesar das transformações,a relação da comunidade deGoiabeiras com o manguezalse preservou, em algumamedida, especialmente quantoao provimento do tanino.O acesso ao barreiro, fonte daprincipal matéria-prima daspanelas de Goiabeiras, passoua ser feito pela Ponte daPassagem e pela rodoviaperimetral da Ilha.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 0

goiabeiras velha

manguezal

canal do mangue

galpão da associação das paneleiras

prefeitura municipal de vitória

Page 21: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Assentadas em GoiabeirasVelha, nas relações familiares

e de vizinhança, as paneleirasexecutam seu ofício nos quintaise no galpão da associação.Os espaços/tempos de morar etrabalhar se confundem: cadacasa é uma oficina, onde o fazerpanelas de barro convive comos afazeres domésticos cotidianose com a criação dos filhos enetos, nos momentos de festa,de perdas, de fé. Em casa comono Galpão, é usual a presençade crianças participando dasatividades, tanto modelandoa argila em pequenos formatos,como trabalhando noalisamento das panelas.Assim, de brincadeira, vai-separtilhando a vida eaprendendo o ofício, atividadeprimeira de muitos dos quemoram ali.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 1

goiabeiras,o lugardas paneleiras

à direitasinalização doacesso ao galpãodas paneleiras degoiabeiras. foto:márcio vianna.

abaixo, à direita folia de reis degoiabeiras velha.foto: álvaro abreu.

Page 22: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

A maioria das paneleirascontinua trabalhando em casa,levando suas panelas para seremqueimadas na área externa doGalpão, onde trabalham cercade 30 paneleiras e mais umnúmero equivalente de auxiliares.Mas nem só de fazer e venderpanelas vivem as paneleiras e acomunidade de Goiabeiras Velha.Lugar de brincadeira, reza ebenzeção, o bairro também éconhecido pela Banda de Congo5

Panela de Barro, pela Folia deReis Goiabeiras Velha e peloBoi Estrela – que enchem as ruasde música e alegria com seusensaios e apresentações.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 2

melquíades alvescorrêa da vitóriarodrigues e suanetinha assucenavitória santanada rosa fazendopanelas. foto:cacá lima.

presença das bandasde congo na festaem defesa dobarreiro. foto:márcio vianna.

Congo de GoiabeirasCongo de devoçãoCongo da União, ê, aValha-me São BeneditoE a virgem da ConceiçãoSamba crioloDeixa sambáPanela de BarroAcabou de chegar

Page 23: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

ARua e o Galpão das Paneleirasdão acesso ao manguezal,

que continua sendo fonte depescado, de caranguejo e mariscospara os moradores da localidade,além de lazer para as crianças,que costumam nadar nas águasdo canal. Na beira do Galpão,os casqueiros encostam suas canoaspara entregar às paneleiras acasca do mangue-vermelho,que esses trabalhadores se

especializaram em extrair domanguezal. Cada casqueiroextrai em média 15 latas decasca por dia, vendida socadaou inteira.

Em favor da preservação doecossistema e da sustentabilidadeeconômica da atividade,atualmente a coleta tem selimitado a uma parcela do anelda casca, de modo a permitira recomposição da espécie,

conforme orientação de manejoda Secretaria do Meio Ambientee da Universidade Federaldo Espírito Santo.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 3

ao lado e abaixofotos: márcio vianna.

o manguezal

Page 24: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Aargila utilizada na fabricaçãodas panelas de Goiabeiras

é extraída da jazida existente noVale do Mulembá, próximo aoatual bairro Joana D’Arc. A áreada jazida pertence ao Estadodo Espírito Santo, que adesapropriou para ali instalaruma Estação de Tratamento deEsgoto – ETE. O funcionamentoda Estação não impediu aexploração do barro, que

continua sendo franqueado àspaneleiras pela CompanhiaEspírito-Santense de Saneamento– Cesan. As paneleiraspodem extraí-lo diretamenteou comprá-lo de tiradoresque o trazem de caminhão atéGoiabeiras. No entanto,para garantir a continuidadede acesso à matéria-prima,nesses últimos anos, as paneleirastiveram que regularizar aexploração do barreiro,submetendo-se às legislaçõesambiental e mineral para obtera correspondente licença deextração da argila.

O aumento da demanda pelaspanelas e o reconhecimento desua atividade como PatrimônioCultural do Brasil têm provocadouma mudança de atitudedas paneleiras com relação àsustentabilidade do seu ofício e

do conseqüente comprometimentocom a preservação do barreiro.Nesse contexto, vem se trabalhandocom as paneleiras a idéia de queo barro é um recurso naturalnão renovável. Elas partilham acrença de que “o barro não acaba”,explicando: “se a argila dobarreiro vem sendo usada desdemuito antes das nossas bisavós enunca se acabou, nossas filhas,netas e bisnetas vão tirar o barrodali pra sempre”. Confrontadasa dados técnicos sobre oesgotamento do barreiro nospróximos 18 anos, as paneleirasestão se conscientizando danecessidade de racionalizar aexploração da jazida e debuscar fontes alternativas dessamatéria-prima.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 4

o barreiro

ronaldo corrêaextraindo obarro no vale domulembá. foto:márcio vianna.

página ao lado vista internado galpão daassociação daspaneleiras degoiabeiras. foto:márcio vianna.

Page 25: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Implantado pela Prefeitura em1987, na beira do manguezal, o

Galpão da Associação foi umaconquista importante para avalorização do ofício e organizaçãoda categoria. Muito mais que umponto de produção e venda daspanelas por um pequeno grupo deartesãs, visto que o espaço sóacomoda cerca de 30 paneleiras deum universo de quase 120, o Galpãopassou a representar o lugar doofício, dando visibilidade à categoriaprofissional de seus executantes.

Situado à Rua das Paneleirasn° 55, na margem do manguezal,o atual Galpão da Associação dasPaneleiras foi inaugurado em 1991.Foi construído pela Prefeitura,para substituir o primeiro que eraconstantemente alagado com asubida da maré. Tem uma áreacoberta de 432m2, projetadapara guardar e preparar as

matérias-primas e abrigar asmesas de trabalho para amodelagem, secagem e polimentodas panelas, e os depósitos ebancadas para os produtos prontos.No terreiro ao lado do Galpão,na margem do manguezal, é feitaa queima das panelas.

Atualmente trabalham ali cercade 60 pessoas entre paneleiras eajudantes, em condições precárias,no espaço que se tornouinsuficiente para o número detrabalhadores em atividade, para aquantidade de panelas prontas emexposição e para os visitantes querecebe. O Galpão é muitoprocurado por consumidores eturistas, cujo fluxo vem aumentandosignificativamente com a valorizaçãodo ofício e com o estímulo àvisitação do lugar.

As panelas de Goiabeiras sãogeralmente vendidas diretamente

pelas paneleiras, nos próprios locaisde produção. Podem ser adquiridaspor atacado ou no varejo, porencomenda ou para pronta entrega,no Galpão ou em suas casas.Há alguns poucos intermediáriosem pontos de comercialização forade Goiabeiras Velha. Os principaisestão no mercado da Vila Rubim,no Centro de Vitória; numa rederegional de supermercados; na lojade um artesão, onde tambémtrabalham quatro paneleiras, naavenida de acesso ao Aeroporto deGoiabeiras; e no próprio aeroporto.O mercado consumidor consiste derestaurantes, hotéis, lojas, feiras,supermercados, turistas e moradoresda Grande Vitória. Engradados depanelas de barro saem do Galpão deGoiabeiras direto para os mercadoslocais, regionais e de outros Estadosbrasileiros, notadamente do Sul edo Centro-Oeste.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 5

o galpão,vitrine doofício

Page 26: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

paneleiras de goiabeiras

Page 27: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Habilidosas, trabalhadeiras,orgulhosas de seu saber,

vaidosas de seu fazer, essas são asPaneleiras de Goiabeiras. Mulheresentre 15 e 88 anos de idade, muitasdelas pertencem às famílias maisantigas envolvidas com o ofício,seja por laços de parentesco, sejapelo casamento. Seus sobrenomessão: Lucidato, Corrêa, da Victória,Alves, Ribeiro, Gomes, Fernandes,Barbosa e Rodrigues. A estas sejuntam as de sobrenome Salles, dosSantos, de Moura, da Silva,Ferreira, Siqueira, Alvarenga,Nascimento, Dias, Rosa, entreoutras. São filhas, netas, bisnetas,mães, avós, sobrinhas, cunhadas ouvizinhas de paneleiras.

Como grupo de ofício, umadas principais bandeiras de lutadas Paneleiras de Goiabeirastem sido o direito de acesso àfonte de matéria-prima, condição

básica para a continuidade dasua produção artesanal esobrevivência econômica das suasfamílias. Progressivamente aspaneleiras têm se apropriado dosignificado cultural, econômico epolítico do seu produto para acidade, para o estado e para o país,buscando sua organização eatraindo a atuação de entidadespúblicas e privadas em favorde sua atividade.

Para enfrentar a ameaçaimplícita no projeto de construçãode uma estação de tratamento deesgoto na área do barreiro, aspaneleiras criaram uma associação.Em 25 de março de 1987, poriniciativa de liderança política locale com o apoio da PrefeituraMunicipal, cinco paneleirasfundaram a Associação dasPaneleiras de Goiabeiras – APG,entidade constituída para proteger

a categoria na defesa de seusinteresses e das condições objetivasde permanência do ofício. À épocaforam priorizadas a preservação dobarreiro e a construção do galpão,destinado a abrigar as atividades deprodução e venda das paneleirasque já não dispunham de espaçoem seus quintais.

A Associação tem sido oprincipal canal de negociaçãodas paneleiras junto ao poderpúblico e à iniciativa privada, nabusca de apoio para a fabricação epromoção de seus produtos.Por meio de sua Associação,as paneleiras têm conseguidoconquistar patrocinadores,material promocional e novosespaços de apresentação e vendapara seus produtos, como asfeiras de artesanato no EspíritoSanto, em outros estadosbrasileiros e no exterior.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 7

grupo de paneleirasque trabalhamno galpão daassociação. foto:josé alberto júnior.

Page 28: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Entre março e maio de 2001,durante a realização das pesquisasdo Inventário de ReferênciasCulturais em Goiabeiras6, havia55 paneleiras inscritas no cadastroda APG, sendo que levantamentosdocumentais indicavam aexistência de 102 paneleirasassociadas em 19997. O cadastrorealizado em abril de 2006registra 118 paneleiras associadas,demonstrando a retomada emsua mobilização.

Constatou-se também, napesquisa, a participação crescentede homens na modelagem oupuxada da panela: das 55 paneleirascadastradas em 2001, 48 erammulheres e sete eram homens.Apesar da presença masculina,fazer panelas de barro édefinitivamente uma atividadeassociada ao gênero feminino,inscrita nas representações sociais

como ofício de paneleira, comotambém escrita nas placas da Rua eda Associação das Paneleiras. Dissonão há contestação nem mesmopelos homens que executam oofício de paneleira no Galpão, osquais se autodenominam artesãos.

Como evento promocional deseu ofício e de seus produtos,destaca-se a Feira Anual dasPaneleiras de Goiabeiras, realizadadesde 1987 pela Associação dasPaneleiras, com o incentivo daAssociação Espírito-Santense deFolclore e o apoio financeirodo governo estadual e daPrefeitura Municipal de Vitória.Durante os quatro dias da feira,elas vendem as panelas, cozinhame servem moquecas, em meioa apresentações de cantorespopulares e bandas de congo.

Cada vez mais, as paneleirasparticipam e vendem suas panelas

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 8

abaixofoto: joséalberto júnior.

Page 29: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

em eventos e feiras de artesanatoem diversos pontos do país.A procura crescente pelo produtovem estimulando sua imitaçãopor técnicas que incluem oemprego do torno e do forno,o que aumenta o ritmo daprodução e barateia o preço finaldo produto concorrente.Embora se assemelhe na cor ena forma às panelas deGoiabeiras, essas outras nãooferecem a mesma resistênciadaquelas ao impacto e àtemperatura, nem carregama identidade e o selo da tradição.

Fotografadas, filmadas,gravadas, entrevistadas, convidadaspara expor suas habilidades emfeiras, escolas, shoppings e museus,as paneleiras de Goiabeirassão as legítimas porta-vozesdesse patrimônio culturalbrasileiro.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 2 9

rejane corrêaloureiro “puxando”a panela e tirandoas impurezascom a cuiae a faca. foto:márcio vianna.

Page 30: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

sem torno nem forno

Page 31: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

As matérias-primastradicionalmente empregadas

no processo de produção daspanelas são provenientes do meionatural. A argila é tirada debarreiro situado no Vale doMulembá, na Ilha de Vitória,e a casca de mangue-vermelho8,da qual é feita a tintura detanino, é coletada diretamentedo manguezal, à beira do qual alocalidade de Goiabeirasse desenvolveu. Da mesmaforma, dois dos principaisinstrumentos do ofício – a cuia ea vassourinha de muxinga – sãofeitos a partir de espécies vegetaisencontradas na região.

Comparativamente a outras,a argila do Vale do Mulembá ébastante arenosa. Análises dagranulometria do barro indicarama seguinte composição média:40% de argila, 26% de silte,

13% de areia fina, 13% de areiamédia e 8% de areia grossa.É essa composição que condicionao modo de fazer9 – sem torno,nem forno – e dota o produto deuma série de atributos, como amenor ocorrência de rachadurase a maior rapidez no processode secagem, o aquecimento emtempo relativamente mais curtoe a boa resistência ao fogo de600°C, o que não deixa que as

panelas estourem na fogueira.De fato, a composição do barrocondiciona não só o modo defazer e o aspecto das panelas,como também a propriedade deconservar o calor dos alimentosmesmo depois do seu cozimento.As moquecas são servidasborbulhando e assim se mantêmpor vários minutos depois deretiradas do fogo.

Para obter o tanino que tingeas panelas, o casqueiro, semprena maré baixa, entra no manguezalcom sua canoa, escolhe umaárvore e bate na casca até soltá-lado tronco. Depois de socadas,as cascas do mangue-vermelhosão maceradas e postasde molho na água por algunsdias, transformando-se natintura de tanino que éaplicada nas panelas após asua queima.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 1

as matérias-primas

ao ladosecagem das cascasde mangue-vermelho.foto: josé albertojúnior.

abaixobolas de barro nobarreiro. foto: joséalberto júnior.

página ao ladofoto: josé albertojúnior.

Page 32: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Dois dos principaisinstrumentos do ofício –

a cuia e a vassourinha de muxinga –são feitos a partir de espéciesvegetais encontradas na região.A cuia é feita de um pedaçode cuité recortado e lixado. Trata-se de fruto semelhante àcabaça, comprado em feiras ouproveniente de árvores dosquintais da região. É usadopara dar a forma curva à panela,abrindo e puxando a massa deargila e definindo a sua espessura.

O arco é parte de aro ou chapametálica, desgastado em curva,usado para tirar o excesso debarro da superfície e dar oacabamento na panela. A faca demetal é usada para a retiradade impurezas (pedrinhas, folhase raízes). A pedra – seixo rolado –é usada para alisar e polir assuperfícies internas e externas

das peças depois de secas. A pinçaou vara com ganchos, instrumentofeito de galho comprido com doisganchos (garras) em uma dasextremidades, é usada pararetirar a panela ainda quenteda queima e colocá-la para seraçoitada. A vassourinha feitacom galhos de muxinga, plantarasteira nativa, resistente aocalor e ao impacto, é usada parabater a tintura.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 2

osinstrumentosde trabalho

ao ladotirando a panela dafogueira com a pinça.foto: josé albertojúnior.

abaixomodelando a panelacom a cuia. foto:márcio vianna.

embaixomuxinga para vassourinhade açoitar. foto:márcio vianna.

Page 33: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Aprodução das panelas de barrode Goiabeiras compreende

inúmeras atividades, praticadas emvárias etapas. Todas elas são depleno domínio das mestras doofício, que até pouco tempo asrealizavam diretamente. Hoje sãodesempenhadas por diferentesexecutantes, ficando o trabalhode coleta e transporte das matérias-primas mais freqüentemente acargo dos homens. Sobre essesdiferentes trabalhadores, constamdo Inventário de ReferênciasCulturais do Ofício dasPaneleiras as seguintes descrições,pela ordem das etapas queexecutam no processo:

Tirador de barro Na jazida no Vale do Mulembá, otirador experimenta o barro com osdedos para ver se está bom, entãoescava e retira o barro com a enxada

até aproximadamente 1 metro deprofundidade. O barro é entãomolhado, pisado e dividido embolas, com cerca de 15 kg cada. Asbolas são transportadas emcaminhões até o local de trabalho,galpão ou quintal, onde sãovendidas. A extração é uma atividadepredominantemente masculina,quase sempre remunerada, quandonão é executada por familiares oupela própria paneleira. Um tirador

de barro costuma fazer de 140 a 150bolas de barro por dia.

Casqueiro Casqueiro é o coletor da cascado mangue-vermelho, espécienativa do manguezal que, portanto,só é alcançada de canoa.O casqueiro vai batendo na árvorecom um porrete até que a cascase solte. Leva saco e lata paracarregá-la; traz a casca de canoa

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 3

ostrabalhadoresdo ofício

abaixoextração dobarro no vale domulembá. foto:márcio vianna.

Page 34: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

até Goiabeiras, onde vende para aspaneleiras, a preços que variam dequatro a cinco reais a lata.Atualmente, quatro trabalhadoresexecutam essa atividade.

Escolhedor de barro No galpão das paneleiras, oescolhedor faz a limpeza do barro,pisando as bolas, molhando eretirando as impurezas.Geralmente parentes homensou auxiliares pagos realizam essatarefa para as paneleiras.

Paneleira Mestra do oficio, a paneleiradomina todas as etapas do processode produção. Apesar de ser umaatividade tradicionalmentefeminina, há uma crescenteparticipação de artesãos ceramistasque, associados ao grupo depaneleiras, integram a categoria de

mestres do ofício. As paneleiras eos artesãos da Associação conhecemas respectivas matérias-primas eprocedimentos técnicos e executam,particularmente, a modelagem dapanela com as mãos e depois com acuia. Alguns deles têm auxiliarespara realizar as primeiras e últimasetapas – a retirada e escolha dobarro, o alisamento, a queima e oaçoite da panela. As paneleiras sãoas responsáveis pela transmissão do

oficio às gerações descendentes, aosvizinhos interessados e, desde osanos 1990, a alunos das escolasmunicipais, convidadas pelaPrefeitura de Vitória.

Alisadora A alisadora realiza o polimento dapanela depois de seca e antes daqueima, utilizando uma pedra derio – seixo rolado – para alisar asuperfície interna e externa daspeças. A tarefa é geralmenteexecutada por parentas ou vizinhasdas paneleiras, mediante pagamento.

Tirador de panela Após a queima, este auxiliar retiraa panela em brasa da fogueiracom a pinça – vara comprida comdois ganchos (garras) na ponta –e a deposita junto à paneleirapara que seja açoitada com atintura de tanino.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 4

palmira rosa desiqueira alisandoa panela. foto:márcio vianna.

abaixocarlos barbosa dossantos tirando apanela da fogueira.foto: márciovianna.

Page 35: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Amodelagem manual, oalisamento, a secagem,

a queima e a aplicação de tinturade tanino marcam as etapas deprodução das panelas de barrode Goiabeiras, explicitadasadiante, no processo do fazer.

Processando o barroO preparo do barro para afabricação das panelas é feitoem duas etapas principais: a daextração e a da escolha. A primeiraimplica, além dos trâmites delicenciamento para a lavra daargila, o reconhecimento do barrobom a ser extraído, sua retiradacom a enxada e a confecção dasbolas, formato em que o materialé transportado e vendido àspaneleiras. A escolha do barroimplica uma primeira limpeza,sua mistura com água e pisoteio,de modo a transformá-lo

em massa com boa plasticidadepara a modelagem.

A modelagemO barro escolhido é colocado sobreuma tábua. As paneleiras executama puxada do barro com as mãos edepois com a cuia. A forma é dadacom as mãos, puxando e levantandoo bojo, definindo a concavidade ea espessura com a cuia e modelandoa borda com as mãos. Com a faca

são retiradas as impurezas e com oarco, os excessos de argila.

As alças das tampas e as orelhasdas panelas - pequenas pegas presasà borda - são feitas com roletes debarro e fixadas com os dedos. Aspaneleiras utilizam água para colaras orelhas e dar acabamento àspanelas. Isto feito, as panelas sãopostas novamente para secar até odia seguinte, quando serátrabalhado o fundo. Na modelagemdo fundo, a panela é retirada datábua e virada; o fundo chato éarredondado pela remoção dosexcessos com o arco; a superfícieexterna é alisada com a faca, utilizadana limpeza e acabamento da peça.

O alisamentoAs panelas e as tampas, depois desecas e antes da queima, são polidaspelo atrito de seixos rolados (pedrade rio) interna e externamente.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 5

as etapasde produção

“puxando” a panela.foto: josé albertojúnior.

Page 36: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Esta etapa pode ser realizada porauxiliares especializadas,geralmente mulheres,remuneradas ou não, parentasou vizinhas. São as alisadoras.

A secagemEtapa em que as tampas e as panelasjá polidas são dispostas para secarno interior do Galpão, oueventualmente ao sol, enquantoaguardam para serem queimadas.

A queimaAs panelas secas são dispostasa céu aberto, emborcadas eapoiadas umas nas outras,embaixo as maiores, em uma“cama” de ripas e tábuas demadeira (sobras de construção)e cobertas com lenha seca.A fogueira atinge em tornode 600ºC, sendo mantida poraproximadamente 30 minutos,variando conforme o tamanho

das panelas. Após a queima,as panelas são retiradas do fogocom uma vara com dois ganchosna ponta. A atividade exigeforça, destreza e precisão demovimentos, para evitar queas panelas se quebrem ouque as paneleiras se queimem.

O açoiteEsta é a fase da impermeabilizaçãoe pigmentação da panelacom tintura de tanino, tiradada casca do mangue-vermelho,aplicada com a vassourinhade muxinga sobre as peças embrasa, assim que retiradasdo fogo. Confere às panelasde Goiabeiras sua característicacoloração preta e age como selante.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 6

“cama” de lenhapara a queima. foto:josé alberto júnior.

abaixoaçoitando a panelacom a vassourinhaembebida na tinturade tanino. foto:josé alberto júnior.

Page 37: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

As panelas de barro deGoiabeiras tornaram-se

conhecidas no país como as panelasde barro do Espírito Santo,constituindo um souvenir dos maisprocurados. O principal produtoé a tradicional frigideira circularcom tampa de alça, onde sãopreparadas e servidas a moqueca ea torta capixaba, pratos típicos daculinária regional. Todas são feitascom o mesmo material e a mesma

técnica, pouco variando nodiâmetro, altura e formato.No universo pesquisado em 2001,a produção média era de 14 panelascom tampa por dia, por cadapaneleira, e a média de panelasproduzidas por semana, peloconjunto das 49 paneleirasentrevistadas chegava a 3.400peças. Dados de abril de 2006mostram que, com a intensivaparticipação dos auxiliares, chegou-se a uma média de 30panelas por paneleira, indo a 600o número de panelas produzidaspor dia no Galpão.

O formato frigideira é o maisvendido para os restaurantes, nostamanhos para duas e quatropessoas, com diâmetros entre 22 e28 cm respectivamente. A panelamais alta é o caldeirão, utilizadopara sopa ou feijão. A de alturamédia é usada para o pirão, o arroz

de marisco, galinhada e outrospratos com caldo. Como porta-vozes da cultura capixaba, eformadoras de opinião, aspaneleiras dizem que se “podecozinhar qualquer coisa na panelade barro, mas peixe e marisco sópodem ser na panela de barro”.

As panelas são feitas de diferentestamanhos e alturas, com e semtampa. São feitas também assadeiras,travessas e outros formatos sobencomenda. As paneleiras gostamde vender a panela casada, isto é,duas panelas conjugadas, sendoa menor dentro da maior – mãee filha. Constata-se o emprego datécnica em crescente variedade depanelas com outras formas –miniaturas, ovais, com elementosdecorativos – além de outrosobjetos utilitários e ornamentaiscomo jarros, fruteiras, formasde pizza, cinzeiros e cofres.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 7

as panelas

abaixopanelas tradicionais. foto: josé alberto júnior.

embaixooutros formatos. foto: márcio vianna.

Page 38: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

na panela

Page 39: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Capixaba que se preza só cozinhapeixe em panela de barro.

Feita por paneleira de Goiabeiras. A moqueca capixaba é prato

cozido à base de peixe ou frutos domar, caracterizado pelos seguintestemperos: tomate, cebola, alho,coentro, azeite, limão e tinturade urucum, que lhe dá a corcaracterística. Come-seacompanhada de pirão e arroz.Receita da cozinha doméstica,trivialmente consumida emfamília, é servida às visitas ecomo especialidade de inúmerosrestaurantes, em todo oEspírito Santo.

A panela vai ao fogo com azeite,um cisco de alho socado, cebolabem picadinha. Mexe de cá e de lá,e vai se fazendo uma cama detomate e cebolinha, mais cebola,uns ramos de coentro – pouco,que não é moqueca de coentro

que se está cozinhando, aocontrário do que ensinam aspaneleiras – e aí se deitam as postasde peixe e, sobre elas, umpouquinho de sal, um pouco decaldo de limão, um fio de azeitedoce colorido com a tinta que assementes de urucum soltaram noazeite quente. E aí tem segredo emagia, das grandes. Se não souberfazer, a cor evapora, explodindonuma nuvem vermelha quedesaparece no ar.

Na panela vão se repetindo ascamadas, duas ou três no máximo:tomate, cebola, o peixe, ostemperos, o azeite de urucum.Nada de água, que não se põe águaem moqueca. Depois de tudo,coloca-se a tampa e leva-se acozinhar no fogo baixo, cuidandopara não deixar agarrar no fundo.Esse é outro segredo que ninguémensina: de vez em quando é preciso

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 3 9

moquecas etorta capixaba

árvore de urucum.foto: tadeu veiga.

página ao ladomoqueca, arroz e pirão.foto: humberto capai /www.usinadeimagem.com.br

Page 40: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 0

torta capixaba comseus ingredientes.foto: humberto capai /www.usinadeimagem.com.br

Page 41: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

segurar a panela pelas bordas,levantá-la do fogo e dar umamexidinha, para soltar do fundo.

Esse modo de fazer aplica-sea qualquer moqueca de frutos domar – mexilhão (que para oscapixabas é sururu), carne de siri,camarão, lagosta, ostra e por aí vai.Sem esquecer a moqueca de bananada terra – que no Espírito Santo éum produto de altíssima qualidade,sempre muito doce. É invenção dasúltimas décadas, que funcionamuito bem como acompanhamentodas outras moquecas.

Para o capixaba, moqueca depeixe tem que ser acompanhadapor pirão de farinha de mandioca.Prefere-se fazer pirão de cabeça depeixe com todos os temperos damoqueca, antes mencionados,porém um pouco reforçados,porque o pirão leva água. A cabeçacozinha até desmanchar. Depois se

côa o caldo e leva-se ao fogo paraengrossar, com farinha demandioca, mexendo sempre queé para não embolar.

A torta capixaba ou torta daSemana Santa é prato de forno,feito a partir de várias moquecasreunidas ou do refogado de mariscosvariados, geralmente sururu,camarão, polvo, lula, siri,caranguejo, mais peixe fresco ebacalhau cozidos e desfiados,palmito e azeitonas. Essa torta nãotem massa, é puro recheio. Naverdade, é uma grande fritada: osovos batidos são jogados por cimada mistura de moquecas, enfeitadoscom rodelas de cebola e azeitonasno meio. E assim vai ao forno, paraassar. Receita apropriada pelacozinha doméstica, é preparadaespecialmente na Semana Santa,quando é servida em reuniões defamília e da vizinhança. O palmito

tradicionalmente usado na receitaera o da palmeira jussara, planta emextinção, nativa da Mata Atlântica,cujo corte está proibido pelosórgãos de proteção ambiental. Vemsendo gradativamente substituídopelo das espécies cultivadas açaí,coco, pupunha e pelo palmitoindaiá, também nativo e de cortecontrolado. Nessa época do anoé trazido em enorme quantidadepara a cidade, transformando asáreas livres em grandes feiras doproduto. Em virtude do apeloturístico, a torta capixaba tem sidooferecida em cardápio diário derestaurantes de todos os tipose faixas de preço.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 1

frigideira comtampa. foto: joséalberto júnior.

Page 42: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

o ofício como objeto de registro

Page 43: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Em março de 2001, a Associaçãodas Paneleiras de Goiabeiras

apresentou ao Presidente do Iphano pedido de Registro do Oficiodas Paneleiras. A demanda peloreconhecimento das panelas deGoiabeiras e do seu modo de fazer,já consagrado como ícone daidentidade cultural do EspíritoSanto, se expressava agora comoreivindicação de um bem culturala ser inscrito no repertório dopatrimônio cultural brasileiro.Desde 1999 esta demanda vinhasendo apresentada ao Iphan,em forma de consultas, peloConselho Estadual de Cultura epela Secretaria de Cultura doMunicípio de Vitória, quepretendiam a proteção legal daspanelas e das paneleiras.

Assim que foram instituídosos novos instrumentos depreservação, o Inventário Nacional

de Referências Culturais – INRCe o Registro de Bens Culturais deNatureza Imaterial, pelo Decretonº 3.551, em agosto de 2000, aentão 6ª Sub-regional10 do Iphandeu início ao projeto delevantamento e sistematização deconhecimentos sobre a produçãodas panelas de barro de Goiabeiras,tendo em vista a abertura einstrução técnica do processo deRegistro do Ofício das Paneleiras.

Na mesma época, o ConselhoConsultivo do PatrimônioCultural, do Iphan, ao qualcompete deliberar sobre os bensculturais a serem registrados,considerando ser este uminstrumento novo, de aplicaçãopioneira, recomendou a realizaçãode experiências-piloto, visando atestar os procedimentosadministrativos de tramitação dosprocessos e os procedimentostécnicos para identificação edocumentação dos bens culturais,nas quatro categorias –Celebrações, Formas de Expressão,Saberes e Lugares. Após aapresentação do pedido de Registrodo Ofício pela Associação dasPaneleiras de Goiabeiras e aSecretaria Municipal de Cultura deVitória, este passou a ser um dosprojetos-piloto que o Iphanexecutou diretamente. O processo,

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 3

panelas à venda.foto: márciovianna.

página ao ladoraspando earredondando ofundo da panelacom a faca. foto:márcio vianna.

Page 44: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 4

luci barbosa sallesalisando a panelacom a pedra. foto:márcio vianna.

Page 45: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

aberto em 26/03/2001, recebeuo nº 01450.000672/2002-50.

A reunião e a sistematizaçãodas informações sobre o ofício dasPaneleiras de Goiabeiras, quecompõem o processo e a descriçãoaqui apresentada, foram realizadaspor meio do INRC, aplicadosob a supervisão do antigoDepartamento de Identificaçãoe Documentação, atualDepartamento do PatrimônioImaterial -DPI. A metodologiadesse Inventário permitiulevantar, atualizar, sistematizare documentar as informaçõespertinentes à descriçãopormenorizada do ofício a serregistrado: sua origem e evoluçãohistórica; seu contexto sócio-cultural de produção e consumo;matérias-primas empregadas;modo e etapas de produção;bens culturais associados;

referências documentais,bibliográficas e audiovisuais;significados atribuídos aoofício por seus produtores epela sociedade em geral.

Subsidiado com todas essasinformações, e mais os pareceresfavoráveis dos técnicos do Iphane do Conselheiro Relator11,o Conselho Consultivo doPatrimônio Cultural aprecioue aprovou o pedido de Registro

do Ofício das Paneleiras deGoiabeiras na sua 37º reunião,em 21/11/2002. A inscrição noLivro de Registro dos Saberesfoi feita em 20/12/2002,inaugurando mais que o Livro,o próprio instrumento doRegistro. Em conseqüência,o Ofício das Paneleiras foideclarado Patrimônio Culturaldo Brasil.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 5

ateando fogoà lenha sobrea “cama”.foto: márciovianna.

Page 46: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

o plano de salvaguarda

Page 47: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Oreconhecimento das panelas debarro de Goiabeiras ultrapassa

as fronteiras do Espírito Santo,sobretudo quando associadas àmoqueca e à torta capixaba, pratostípicos da região. De utensíliosdomésticos, as panelas passaram àcategoria de ícone da identidadecultural do estado.

Diferentemente de outrosgrupos produtores de bensculturais que, a despeito de suarelevância para a formaçãonacional, se encontrammarginalizados da dinâmicasocial e econômica hegemônica,as paneleiras de Goiabeirasconquistaram, a partir dos anos1980, a consciência de suaimportância no processo deconstrução da identidade culturalregional. Essa consciência vem semanifestando na interlocuçãodireta da Associação das Paneleiras

de Goiabeiras – APG com ospoderes públicos, as empresas ea imprensa, em busca doatendimento às suas demandas.

A atividade das paneleiras tem sido muitoapoiada e valorizada pelas instâncias políticaslocais, numa promoção crescente de suaimagem e de seus produtos como ícones daidentidade cultural capixaba. A construção dogalpão da Associação e a disponibilizaçãopara o transporte do barro são exemplos doapoio da Prefeitura Municipal de Vitória.Programas de desenvolvimento do turismo,reforçados pelos meios de comunicação, têmincrementado a visitação ao galpão daAssociação e a participação das paneleiras emeventos fora do Estado, representando oEspírito Santo em diversas partes do País 12.

Desde então, os insumos e asatividades do ofício das paneleirastêm sido objeto de estudos,projetos e registros documentais

que vêm contribuindo para acontinuidade, o aprimoramento e adivulgação de sua prática. Entreessas inúmeras e conseqüentesiniciativas, cujos resultados aindapodem ser observados, está oprograma de educação ambientalPanela de Barro, uma tradição a ser mantida:estratégias para coleta sustentável da cascado mangue-vermelho, proposto erealizado pela UniversidadeFederal do Espírito Santo emparceria com o Ibama, entre 1998e 2000, orientando casqueiros epaneleiras a evitar a coletapredatória da matéria-prima datintura de tanino.

O trabalho institucional doIphan em favor da salvaguardado ofício das paneleiras deGoiabeiras está voltado para oacompanhamento dos processos edas atividades tradicionais, bemcomo das ocorrências de

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 7

página ao ladopanelas esperandoa queima. foto:josé alberto júnior.

Page 48: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

intervenções nas condições deprodução, comercialização epromoção das panelas de barro.Exemplos de iniciativas desse tipotêm sido as do Sebrae, nodesenvolvimento de embalagenspara as panelas, e as festas anuaisdas paneleiras, com o apoio dasinstituições governamentais. Oacompanhamento do Iphan tembalizado o apoio e o fomento aações relacionadas àinstrumentalização das paneleiras,assim como à implementação dascondições necessárias àsustentabilidade de sua produção.

Desde o processo de inventárioforam identificados diversoselementos essenciais do ofício daspaneleiras, relativos a três grandesconjuntos de questões, igualmentefundamentais para a suacontinuidade. O primeiro deles dizrespeito ao acesso e à preservação

das fontes de matérias-primas,privilegiando o manguezal, fontedo tanino, e o barreiro, no Vale doMulembá. O segundo refere-se àscondições de infra-estrutura e deorganização das atividades deprodução e comercializaçãorealizadas diretamente pelosceramistas, na própria localidadede Goiabeiras Velha. O terceiro,por sua vez, está relacionado aoreconhecimento da participaçãodos artesãos e seus auxiliares tantona economia regional como naconstrução da identidade culturalbrasileira, na busca doscorrespondentes direitosprevidenciários.

Distribuídos entre essas grandesordens de questões, estãopresentes, ainda, aspectosrelacionados às alterações nascondições tradicionais da práticado ofício, seja pela pressão da

crescente urbanização da área eda valorização cultural e turísticado produto, seja pelas exigênciasrelacionadas à lavra e coleta dasmatérias-primas. Nesse âmbitoda salvaguarda, vêm sendoobservados e tratados, pelasinstituições públicas das instânciasmunicipal, estadual e federal,os seguintes pontos:

• o processo de trabalho, com aparticipação de um maior númerode auxiliares e a crescenteespecialização de tarefas;

• as condições de acesso à jazidae de permissão para a extração dobarro, com as implicações derivadasdo cumprimento da legislaçãoambiental e mineral;

• o impacto da instalação e doprojeto de ampliação da Estação deTratamento de Esgoto Sanitário nomeio ambiente e sua associação àimagem do produto panela de barro;

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 8

“cama” de panelasa ser cobertacom lenha paraa queima. foto:márcio vianna.

Page 49: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

• a previsão do impacto dapossível mudança do local deextração do barro, dada a perspectivado esgotamento da jazida, uma vezque o Vale do Mulembá é a únicafonte historicamente conhecidada matéria-prima;

• o processo de urbanizaçãode Goiabeiras Velha e apermanência das famílias depaneleiras no bairro;

• a ampliação do galpão e amanutenção da área de queima;

• o acesso às políticas públicas desaúde e aposentadoria, uma vez queas paneleiras precisam se manter ematividade até idade muito avançada;

• a capacitação e o fortalecimentoda organização da categoria e asquestões relativas às relaçõesinterpessoais, à liderança e àrepresentatividade política,no âmbito da comunidade eda Associação das Paneleiras –

considera-se que a convivênciaentre as paneleiras, antes estabelecidanos territórios da família e davizinhança, passou a ser tambémmediada pela hierarquia formalizadano estatuto da Associação;

• o valor cultural agregado peloRegistro e a afirmação daidentidade do produto;

• o valor cultural agregado peloRegistro e a formação de preçosdos produtos;

• a importância da certificaçãode origem do produto visandoà sua proteção contra imitaçõesda concorrência;

• problemas relativos àembalagem e transporte daspanelas de barro.

Cada um desses aspectos apresentarelevantes desdobramentos,requerendo ações específicaspara o seu encaminhamentoe equacionamento.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 4 9

panelas à vendano galpão daassociação. foto:márcio vianna.

Page 50: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Embora identificadas, as questõespertinentes à salvaguarda do ofícioprecisam ser avaliadas,dimensionadas e re-elaboradas apartir dos interesses do grupo. Épreciso considerar as limitaçõessociais e legais, suas expectativas eformas de percepção dos problemas,bem como sua instrumentalizaçãopara a participação na construção dealternativas que superem possíveisentraves à atividade, e aoreconhecimento e comercializaçãode seu produto.

Com esse entendimento, oIphan buscou a parceria doArtesanato Solidário – Programasde Apoio ao Artesanato e à Geraçãode Renda – Central ArteSol,organização de interesse públicoque vem realizando oficinas sobreas características do associativismo,processos de formação de preços ecertificação de produtos, a partir

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 0

carlos alberto davitória trabalhandono galpão. foto:josé alberto júnior.

Page 51: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

do diagnóstico das condições atuaisde produção. Nessa mesma linha,o Centro Nacional de Folcloree Cultura Popular – CNFCP,do Iphan, que desenvolve umtrabalho permanente pelavalorização dos artesãos e de seusprodutos, vem contemplandooportunidades de promoçãodas paneleiras e de comercializaçãodas panelas de barro.

Em favor da proteção das fontesde matérias-primas, foi efetivadopelo Iphan, a partir de 2004,o apoio à obtenção das licençaspara extração da argila junto aoórgão ambiental estadual. Nessemesmo sentido, em 2005,a Secretaria Municipal de MeioAmbiente implementou programade educação ambiental para apreservação da margem domanguezal, área onde é depositadaa lenha e feita a queima das panelas.

Ainda com relação à jazida debarro no Vale do Mulembá, está emprocesso uma parceria com oCentro de Tecnologia Mineral –Cetem, órgão direcionado aodesenvolvimento, adaptação edifusão de tecnologias minero-metalúrgicas, de materiais e demeio-ambiente, ligado aoMinistério da Ciência eTecnologia. Por meio dessaparceria, o Iphan pretendeaprofundar e difundir junto àspaneleiras, aos trabalhadores daatividade e aos demais interessados,o conhecimento sobre a matéria-prima e suas condições deexploração e estocagem, naperspectiva da continuidade de seufornecimento, ou mesmo, daidentificação de materialalternativo com característicassimilares, de maneira a assegurar asalvaguarda do ofício.

Como estamos diante de umprocesso social dinâmico, o saber eo fazer das paneleiras de Goiabeirasnecessariamente continuará a sofrerre-interpretações e re-significaçõesao longo de sua permanência.

A política de preservação dosbens culturais de natureza imaterialvai além, portanto, do Registrodos bens e do seu reconhecimentocomo Patrimônio CulturalBrasileiro. Trata, igualmente,do compromisso do poder públicoem apoiar a produção e acontinuidade dos bens registrados;o que está sendo feito por meioda construção e implementaçãode Planos de Salvaguarda,estabelecidos de forma conjuntae articulada com os produtoresdesses bens e demais parceirosempenhados na preservaçãocultural e na valorização socialde todos os envolvidos.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 1

preços em ™ºº¡.foto: márciovianna.

Page 52: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

1 Segundo Manaíra Abreu,no decorrer dos anos 1980, aindústria turística consagrou apanela de barro por meio decampanhas publicitárias,associando sua imagem à damoqueca e da torta capixabas, numprocesso que acabou portransformá-la em ícone da culturaregional. abreu, Manaíra.Isto não é uma panela. Vitória:ufes, 2001. Monografia

2 perota, Celso et al.As paneleiras de Goiabeiras. Vitória:Secretaria Municipal de Culturade Vitória, 1997. P. 14.

3 saint-hilaire, Auguste.Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce.Belo Horizonte: Itatiaia/usp, 1974. P.55.

4 neves, Luis GuilhermeSantos & pacheco, Renato.Torta Capixaba. Vitória: EldoradoComunicacties, 2002.

5 Congo é um auto popularbrasileiro de temas africanos, comvariações regionais. No EspíritoSanto, as bandas de Congo sãogeralmente constituídas por ummestre e diversos tocadores.Apresentam-se com roupas eadereços típicos; têm ritmo,estrutura melódica e instrumentosmusicais característicos, entre osquais se destacam o tamborde congo e a casaca, espécie dereco-reco com cabeçaantropomorfa. Manifestaçãopopular presente na festa“profana” das celebrações religiosascatólicas, notadamente de NossaSenhora do Rosário e SãoBenedito; objeto de estudo defolcloristas e de pesquisadoresdas expressões regionais;recentemente revitalizado porcampanhas de valorização daidentidade capixaba, tem sido

apropriado como fonte deinspiração por compositores einstrumentistas contemporâneos.Constata-se um crescimentosignificativo no número dasbandas de Congo na regiãometropolitana de Vitória.

6 O Inventário de ReferênciasCulturais de Goiabeiras(inrc/iphan) foi ametodologia aplicada, em 2002,para produzir e sistematizar oconhecimento e a documentaçãonecessários à instrução técnicado processo de Registro doOfício das Paneleiras.

7 dias, Carla Costa.A tradição nossa é essa, é fazer panelapreta: produção material,identidade e transformações sociaisentre as artesãs de Goiabeiras,Vitória do Espírito Santo.Rio de Janeiro, 1999. 223 p.Dissertação de Mestrado.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 2

notas

Page 53: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

8 Mangue-vermelho, Rhizophoramangle, planta com que é feita atintura de tanino.

9 A ceramista Cristina Oliveira,de Vitória, relatou que éimpossível trabalhar com aquelebarro no torno. Ela tentou e suasmãos sangraram, cortadas pelospedriscos que a argila contém.

10 Esta sub-unidade erasubordinada à 6ªSuperintendência Regional,sediada no Rio de Janeiro.Em 2004, foi criada a 21ªSuperintendência Regional, comsede em Vitória e jurisdição noEstado do Espírito Santo.O mesmo decreto extinguiuo antigo Departamento deIdentificação e Documentação –did, e criou o Departamentodo Patrimônio Imaterial – dpi,ao qual compete gerir aaplicação do Registro, do inrc

e a implantação dos Planos deSalvaguarda dos Bens CulturaisRegistrados.

11 O parecer do relator LuisFernando Duarte, antropólogo doMuseu Nacional, está disponívelnos Anexos desta publicação.

12 Inventário do Ofício dasPaneleiras de Goiabeiras; Fichade Identificação: Ofícios e Modosde Fazer – F60; item 16.3.2;iphan, 2001.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 3

panelas e tampassecando ao sol,antes da queima.foto: márciovianna.

Page 54: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

a tradição das paneleirasde Goiabeiras está morrendo.A Gazeta. Vitória, 16 abr.1985. Cad. Dois.

abreu, Manaíra Frota de.Isto não é uma panela. Vitória,2001. Monografia deConclusão de curso,apresentada ao Departamentode Comunicação daUniversidade Federal doEspírito Santo do Curso deComunicação Social.

abreu, Tereza Carolina Frotade Abreu. Panela, caldeirão efrigideira: o ofício daspaneleiras de goiabeiras.Revista Tempo Brasileiro.Rio de Janeiro, n. 147,2001. P. 123-8.

aguiar, Sandra. Panelas debarro no mapa: pesquisadoresda Funarte descobrem aspaneleiras e preparamcatálogo e exposição. A Gazeta.11 mar. 1996. Cad. Dois.

albuquerque, Marcos (1934).Reflexões em torno dautilização do anti-plásticocomo elemento classificatórioda cerâmica pré-história.clio – Série Arqueológica 6.Recife, ufpe. P. 109-112.

almeida, Paulete de Oliveira.Do manguezal à panela de barro.Vitória, 1997. Monografia

apresentada ao Departamentode Arquitetura e Urbanismoda Universidade Federal doEspírito Santo do Cursode Arquiteturae Urbanismo, cópia.

alves, Claudia; luna, Suely;nascimento, Ana (1991).A Cerâmica préhistóricabrasileira: novas perspectivasanalíticas. clio –Serie Arqueológica, 7 v. i.Recife, ufpe.

alves, Marcia Angelina. (1991).Culturas ceramistas deSão Paulo e Minas Gerais:estudo tecnotipológico.Revista do Museu de Arqueologia eEtnologia. São Paulo, 1:71-96.

artesanato: as panelas de barronão serão feitas. A Gazeta.Vitória, 18 abr. 1976.

artesanato capixaba. Vitória,Prefeitura de Vitória. Secretariade Turismo, [s.d.].

artesanato e panela de barro.A Gazeta. Vitória, 25 maio 1983.

associação das paneleirasde goiabeiras. [Carta]23 dez. 1992. Vitória [para]Sr. Angelo Segatto, SecretárioMunicipal de Administraçãoda Prefeitura Municipal deVitória. 1f. Desistência dequiosque na Praça dos Desejos,assinado pela Presidente

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 4

bibliografia

Page 55: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

da Associação, MarineteCorreia Loureiro.

associação das paneleirasde goiabeiras. [Ofícion.° 06/91] 18 mar. 1991,Vitória [para] Exmo. Sr.Dr. Albuino Cunha deAzeredo, Governadordo Estado do Espírito Santo,Vitória. 1p. Solicitaaudiência para tratar sobreo Barreiro. Cópia.

associação das paneleirasde goiabeiras. Relaçãodas pessoas autorizadas aretirar o barro em áreade propriedade da Cesanlocalizada em Joana d’Arc.[Vitória, s.d.]. 1 f. Cópia.

baptista, Jussara. Estação deesgoto assusta paneleiras: elasparticipam de reunião com aCesan para negociar aconstrução. A Gazeta. Vitória,4 mar. 2001. P.15.

_______. Paneleiras recolhemassinaturas em feira. A Gazeta.Vitória, 18 mar. 2001. GrandeVitória. P.18.

bicalho, Leonardo. Hojetem forró na festa daspaneleiras. A Tribuna.Vitória, 27 jul. 2000. Cad.Cidades, p. 10.

bravin, Adriana. Paneleiras deViana querem divulgação.

A Gazeta. Vitória, 11 ago.2002. Grande Vitória. P. 19.

_______. Paneleiras de Vianaquerem divulgação. A Gazeta.Vitória, 11 ago. 2002.Grande Vitória. P. 19.

_______. Patrimônio Imaterial.A Gazeta. Vitória, 3 ago. 2002.Opinião. P. 4.

câmara municipal devitória. comissãode direitos humanos.Requerimento n° gpc –045/93 de 20 dez. 1993.Vitória [para] Presidenteda Comissão de MeioAmbiente, Vitória. 3f.Discutir sobre a instalação deEstação de Tratamento deEsgoto no Vale do Mulembácom estudos de impactoambiental, ou seja, nãocontaminação do solo.

câmara municipal devitória. Parecer ao Projetode Lei n.° 70/91. Vitória,1 mar. 1993. A Comissãode Justiça emitiu parecerfavorável ao Projeto, quefoi encaminhado àPresidência da Câmara.

câmara municipal devitória. Projeto de Lei n°70/91, de 10 de abril de 1991.Institui no município deVitória, o Dia das Paneleiras, a ser

comemorado anualmente em07 de julho. Vitória, 10 abr.1991. Projeto do vereadorMarcio Calmon.

capixaba workmanship. Vitória,Secretaria do Estado do BemEstar Social/Casa do ArtesãoCapixaba, [s.d.].

castilho, Marcia. Prodesan éembargado no Vale doMulembá. A Gazeta, Vitória,23 out. 2001.

cavaliere, Ronald. MoquecaCapixaba. A Gula, n° 10 [s.d.].

cesan procura jazida de barropara paneleiras. A Gazeta.Vitória, 10 mar. 1994.

cesan, es. Termo de Acordo n°001/94, Proc. 01-92-01058,de 28 fev. 1994. Termo deAcordo que entre si fazem aCompanhia Espírito Santensede Saneamento – Cesan,o Governo do Estado doEspírito Santo, através daSecretaria de Estado paraAssuntos do Meio Ambiente –Seama, de um lado e,de outro, a Associação dePaneleiras de Goiabeiras.

cesan, es. Termo deCompromisso n° 001/94,Proc. n° 01-93-02103, de21 fev. 1994. Termo deCompromisso que entre sifazem o Governo do Estado do

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 5

Page 56: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Espírito Santo, a companhiaEspírito Santense deSaneamento – Cesan e oMovimento Comunitário doBairro Joana D’Arc.

chaves, Guta. Sabores. A Gula,n° 80, jun. 1999.

cristina, Gloria. 0 conscienteofício de quem mantém viva aarte regional. A Tribuna.Vitória, 21 set. 1980.

_______. Panela de barro:reminiscência de um passadoque a indústria ainda nãoapagou. A Tribuna. Vitória,28 ago. 1983.

daher, Marlusse Pestana.Paneleiras. A Gazeta. Vitória,25 jun. 2001. 1. cad.,p. 5.

decreto nº 3.551 de 4 de agostode 2000 Art. 1° ao Art. 9° –Institui o Registro de BensCulturais de Natureza Imaterialque constituem patrimôniocultural brasileiro. Cria oPrograma Nacional doPatrimônio Imaterial e dáoutras providências.

dias, Carla Costa. A tradiçãonossa é essa, é fazer panela preta:produção material, identidadee transformações sociais entre asartesãs de Goiabeiras, Vitória doEspírito Santo. Rio de Janeiro,1999. 223 p., Dissertaçãode Mestrado.

doria, Helio. Panela de barro.A Gazeta. Vitória, 15 fev. 2002.Cad. Dois, p. 5.

_______. E do barro se fez a panela...A Tribuna. Vitória, 11 abr. 1996

espírito Santo: mais bonitodo que você imagina.Vitória, encatur, [s.d.](Cozinha capixaba, 1).

estatuto da associação daspaneleiras de goiabeiras.Cartório de Registro Civil,Pessoas Físicas e Jurídicas.Comarca da Capital – Vitória –es, 07 de julho de 1987.

feira Nacional do Artesanato deBarro: febarro. Vitória,seic. Secretaria de Estado daIndústria e do Comercio, 1985.

festa com forró e 2 mil panelasde barro. A Tribuna. Vitória,8 ago. 2002. Cidades, p. 10.

frank Aguiar na festa daspaneleiras. A Tribuna. Vitória,7 ago. 2002. Cidades, p. 7.

frias, Lena. Paneleiras, a arteque nasce da lama. Jornal do Brasil.Rio de Janeiro, 3 dez. 1976.

frizzera, Rose. Panela de barrovira patrimônio histórico:A Tribuna. Vitória, 10 jan. 2002.

galveas, Kleber. Panelascapixabas. A Tribuna. Vitória,19 jul. 2000.

gomes, Sheila Machado.Análise individual da

Associação das Paneleiras deGoiabeiras, Vitória,ufes/Centro de CiênciasJurídicas e Econômicas.Departamento deComunicação Social, 2000.6 p. Monografia.

governo do estado doespírito santo. Decreton° 3690-E, de 25 de janeirode 1988. Declara de utilidadepública para fins dedesapropriação área de terradestinada à implantação deEstação de Tratamentode Esgoto Sanitário.Diário Oficial do Estado doEspírito Santo, Vitória,26 jan. 1988. p.3. Cópia.

governo ignora prefeitura emanda iniciar obras doProdesan em Vitória.A Tribuna. Vitória, 3 out.2001. Cidades, p. 8.

joana d’Arc ganha estação deesgoto. A Gazeta. Vitória,6 mar. 1994.

lambert, Letícia, baitella,Luciano, gomes, SheilaMachado. Comunicação comunitária:análise da Associação das Paneleirasde Goiabeiras. Vitória, ufes/Centro de Ciências Jurídicase Econômicas. Departamentode Comunicação Social, 2000.8p. Monografia.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 6

Page 57: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

levi-strauss, Claude. A Oleiraciumenta. Lisboa: Edições 70,1987. (Coleção: Perspectivado Homem – As Culturasdas Sociedades).

malta, Luiz Alberto. Artesanatodas paneleiras vai estarem exposição. A Tribuna.Vitória, 29 jul. 1993.

maranca, Silvia. (1977)Considerações gerais sobrea distribuição da indústrialítica e cerâmica do sítioda Aldeia da QueimadaNova, Estado do Piauí.Revista do Museu Paulista, v. xxiv.São Paulo, p. 119-211.

mauro, Max. Salvamos oMulembá. A Gazeta.Vitória, 17 mar. 2001.Cad. Opinião. P. 4.

meggers, Betty J. & maranca,Silvia (1980). UmaReconstituição Experimentalde Organização Social,Baseada na Distribuição deTipos de Cerâmica num SitioHabitação da Tradição TupiGuarani. Pesquisas. SérieAntropologia, n. 31. SãoLeopoldo, p. 186-227.

mendes filho, Alvarito.Um símbolo da cultura popular:a panela de barro é suporte parao preparo da moqueca. A Gazeta.Vitória, 31 jul. 1997. Cad. Dois.

moradores saem em defesadas paneleiras. A Tribuna.Vitória, 13 mar. 2001.Cad. Cidades.

neves, Guilherme dos Santos &pacheco, Renato José daCosta. Índice do folclore capixaba.[s.1.], [s.ed.], 1994.

_______. Dos comes e bebes do EspíritoSanto a culinária capixaba no Hotelda Ilha do Boi. Rio de Janeiro,senac, c. 1997.

neves, Luis Guilherme Santos.Folclore brasileiro: Espírito Santo. [s.1],mec; funarte, 1978.

_______. Folclore capixaba. [s.n.t.].neves, Luis Guilherme Santos

& pacheco, Renato.Torta Capixaba. Vitória: EldoradoComunicacties, 2002.

ordem dos advogados dobrasil, es. [Carta] 26 fev.1994. Vitória [para]Associação das Paneleiras deGoiabeiras, Vitória. 2p.Resposta à solicitação dasPaneleiras feita a oab paraparticipar e opinar sobrea assinatura do Termo deAcordo com a Cesan.

pacheco, Renato José. Cerâmicapopular em Vitória. Folclore.Vitória, set-out 1953.

panela de barro: o prato típicocapixaba. Associação dasPaneleiras de Goiabeiras. [s.d.].

panela de barro: uma tradiçãoa ser mantida. Vitória,ufes/ibama.

panela de barro, uma tradição aser mantida: estratégias paracoleta sustentável da casca domangue vermelho. Vitória,ufes/ibama, 2000.

panelas com rock na noite deGoiabeiras. A Tribuna. Vitória,30 jun. 1998. Cad. Cidades.

panelas de barro: iv séculosde tradição. Vitória,Associação das Paneleiras deGoiabeiras; Minc; FundaçãoCultural Palmares.

panelas de barro são atração emBrasília. A Gazeta. Vitória,2 jul. 1992. Cad. 1, p. 16.

panelas de Goiabeiras. Rio deJaneiro, Minc/Funarte, 1998.

paneleiras: a difícil artedo barro capixaba. Vitória,dec, [s.d.]. Painel dePromoção Cultural.

paneleiras: está morrendoo maior artesanato capixaba.A Gazeta. Vitória, 12 out., 1980.

paneleiras de Goiabeiras:estudos ambientais, origem daargila, prospecção técnica,pesquisa de campo,comercialização e importânciasócio-cultural. Vitória, apr –Assessoria, Projetos eRepresentações Ltda., [1993].

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 7

Page 58: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

paneleiras esperam vender25% a mais. A Notícia. Agora.Vitória, 26 nov. 2000.

paneleiras podem ir para oGuiness Book. A Gazeta. Vitória,1 ago. 1997.

paneleiras querem atuar emárea de Joana d’Arc. A Gazeta.Vitória, 22 jun. 1993.

paneleiras vão à Justiça.A Gazeta. Vitória, 9 mar.2001. Grande Vitória, p.12.

paneleiras vencem briga peloVale do Mulembá. A Tribuna.Vitória, 28 mar. 2001.Cad. Cidades, p.9.

patrimônio Imaterial.Folha da Memória. Natal, v.5, n.26, jul./ago. 2000.

paysan, Tatiana. Panelas de barroganham selo oficial. A Gazeta.Vitória, 10 ago. 2001.Grande Vitória. P. 13.

perota, Celso et al. As paneleirasde Goiabeiras. Vitória, SecretariaMunicipal de Cultura, 1997.40 p., il. (Memória viva; 5).

pessoa, Claudney. Festa dasPaneleiras atrai 25 mil. A Gazeta. Vitória, 3 ago. 1998.

saint-hilaire, Auguste.Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce.Belo Horizonte:Itatiaia/usp, 1974.

tardin, Neyla. Panela de barrovira patrimônio nacional.

A Gazeta. Vitória, 8 ago.2002. cad. Dois, p. 4.

trabalho das paneleiras estáameaçado. A Gazeta. Vitória,17 mar. 1991.

vilaça, Adilson. A vingança dosenfezados: a nossa moquecacorre o risco de perder o cristalde seu cálice. A Gazeta.Vitória, 18 mar. 2001.

waldeck, Guacira (org.).Dar de comer: panelas debarro de Goiabeiras.Rio de Janeiro, funarte/cnfcp, 1996. 28p., ii. (Sala do artista popular; 62)

xii Feira das Paneleiras. Vitória,Associação das Paneleiras deGoiabeiras; Cesan; Secretariade Estado do Turismo eRepresentação Institucional;Secretaria de Estado doTransporte e Obras Públicas,2001.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 8

Page 59: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Monografiasabreu, Manaira Frota de. Isto

não é uma panela. Vitória,abr 2001. Monografiade conclusão de curso,apresentada ao Departamentode Comunicação daUniversidade Federal doEspírito Santo do Curso deComunicação Social.

dias, Carla Costa. A tradiçãonossa é essa, é fazer panelapreta: Produção material,identidade e transformaçõessociais entre as artesãsde Goiabeiras – Vitória doEspírito Santo, Vitóriado Espírito Santo. Rio deJaneiro, 1999. 223 p.,Dissertação de Mestrado.

Relatório Técnicopanela de barro, uma tradição a

ser mantida: estratégias paracoleta sustentável da casca domangue vermelho. Vitória,ufes/ibama, 2000.

Publicação não seriadatorta capixaba. Fotos Alex

Krusemark; texto LuizGuilherme Santos Nevese Renato Pacheco.Vitória, EldoradoComunicacties, 2002.

Folhetosacarte— Associação Capixaba de

Artesãos. sebrae, [s.d.].panela de Barro: o prato típico

capixaba. Associação dasPaneleiras de Goiabeiras. [s.d.].

panela de barro: uma tradição aser mantida. Vitória,ufes/ibama, [s.d.].

panelas de Barro, capixaba háséculos. Associação dasPaneleiras de Goiabeiras. [s.d].

panelas de Barro: iv séculos detradição. Associação dasPaneleiras de Goiabeiras. [s.d.].

panelas de Barro: iv séculos detradição. Vitória, Associação dasPaneleiras de Goiabeiras;MinC; Fundação CulturalPalmares, [s.d].

paneleiras de Goiabeiras:“Panela de barro, raiz dacultura capixaba”.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 5 9

referênciasdocumentaisanexadasao processode registro

Page 60: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

1 Adelaide Lucidato dos Santos2 Ademilson Rodrigues3 Adriana Machado Soares4 Alceli Maria Rodrigues*5 Aldir Corrêa Campos*6 Alexandro Moura da Silva7 Amélia Pereira Freitas8 Arcelene Rodrigues9 Belmo Luiz Lucidato10 Berenícia Corrêa Nascimento*11 Bernadete da Victória12 Bernanci Gomes Ferreira*13 Carlos Alberto da Vitória*14 Carlos Barbosa dos Santos*15 Cecília de Jesus Santos*16 Cícero Moura da Silva17 Cíntia Barbosa Salles18 Débora Keila Barbosa Corrêa19 Delci Salles da Silva20 Dionara Alvarenga Siqueira21 Domingas Corrêa da VictóriaFernandes*22 Domingas Corrêa Santana23 Dulcinea Jesus da Silva*

24 Egídia Nascimento25 Elizete Salles dos Santos*26 Eloiza Helena Ferreira Lucidato27 Eonete Alves Corrêa28 Eonetes Fernandes dos Santos*29 Eronildes Corrêa Fernandes*30 Evandro Rosa Rodrigues dosSantos31 Evanilda Fernandes Corrêa32 Flávio Fernandes33 Florina Maria Moura da Silva34 Gecy Alves Corrêa35 Genilda Ferreira Lucidato*36 Gilda Gomes Campos*37 Graziele Dias Corrêa38 Hilda do Nascimento*39 Ilza dos Santos Barbosa*40 Inete Gomes Pereira41 Ione Costa Monteiro da Silva42 Irene Chepa Fernandes43 Irene Honório Rangel44 Irineu Florentino Meneses45 Ivone Ribeiro*46 Ivonei Barbosa*

47 Izabel Corrêa Campos48 Jakeline Gomes49 Jamilda Alves Rodrigues Bento50 Janete Alves Rodrigues*51 Janete Gomes Inocêncio52 Jecilene Alves Corrêa53 João Farias54 Joelita Dias Rosa55 Jorge Gomes Luiz56 José Cícero Honório de Moura57 José Honório58 José Moura da Silva59 Josélia Dias Corrêa*60 Josimere Lima Lucidato 61 Joyce Alves Corrêa62 Juarez Moura da Silva63 Jucileida Barbosa*64 Laílson Gomes Ferreira65 Laureci Lucidato da Victória*66 Lauriete da Vitória Pinto*67 Leoni Ribeiro*68 Letícia Pereira Cunha69 Lídia Alvarenga de Siqueira70 Liceia Alvarenga de Siqueira*

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 0

Artesãoscadastradosna Associaçãodas paneleirasde goiabeiras –2006

Page 61: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

71 Luci Barbosa Salles*72 Lúcia Nascimento Corrêa*73 Luciete Lucidato da Vitória*74 Lucila Nascimento Corrêa75 Lucilina Lucidato de Carvalho*76 Lúcio Alves Rodrigues77 Magnólia da Penha78 Márcia Ferreira de Jesus79 Marcos Roberto Florentinode Meneses80 Margarida José de Souza81 Margarida Lucidato Ribeiro*82 Maria Conceição GomesBarbosa*83 Maria da Glória Ferreira84 Maria da Penha da Silva Pereira85 Maria da Penha Santana Rosa86 Maria Dalva Carlos Salles87 Maria de Jesus de Moura88 Maria do Nascimento Jesusde Moura89 Maria Honório de Meneses90 Maria Romeu91 Maria Serino dos Santos*

92 Marinete Corrêa Loureiro*93 Marlene Corrêa Alves94 Marly Barbosa*95 Melquíades Alves Corrêa daVitória Rodrigues*96 Nilceia Alvarenga Ambrózio*97 Palmira Rosa de Siqueira98 Pedro Assioli Pereira99 Poliana Paula da Silva100 Priscila Barbosa Salles*101 Rejane Corrêa Loureiro*102 Rogério Gomes103 Ronildo Alves Corrêa*104 Rosemary Loureiro Amorim*105 Samarone Ribeiro*106 Sandra Ribeiro107 Sheila Dias Corrêa*108 Silvana Rosa*109 Sônia dos Santos Conceição*110 Sônia Ribeiro111 Tânia Maria Lucidato Medina112 Valda da Victória Lucidato*113 Valdelicia Salles de Souza*114 Valdete Maria Mahen*

115 Valdinéia da Victória Lucidato116 Valéria Teodoro Barbosa117 Waldemar Assiole da Silva118 Wanessa Alves Lucidato

* Todos os nomes assinaladossão de ceramistas (paneleiras)entrevistados pelo Inventáriode Referências Culturais doOfício das Paneleiras, em 2001.Além desses, foram entrevistadosos tiradores de barro Jose CarlosAmbrosio (também ceramistapaneleiro) e Genivaldo AlvesCorrea; as alisadoras LidianeSilva Santos, Dulcineia Jesus daSilva, Priscila Barbosa Sales eSimone Theodoro; o comerciantee ceramista ocasional ArnaldoGomes Ribeiro Filho; o escolhedorde barro Douglas Correa Campos;o casqueiro Eraldo CorreaFernandes e o tirador de panelaWagner Gomes Ricardo.

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 1

Page 62: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

processo deregistrode patrimônioimaterial“ofício daspaneleiras degoiabeiras”

ParecerEste é o primeiro processo relativoao Registro de Patrimônio Imateriala vir à decisão deste ConselhoConsultivo. Trata-se, portanto, deocasião eminente, revestida decaráter ritual, como soem ser asprimeiras ocorrências dos atoshumanos socialmente relevantes.Essa eminência é certamente devidaao aspecto mais geral de ampliaçãodo conceito de patrimônio culturalde nosso País – e tudo o que toca adimensão crucial da identidadenacional deve merecer particularreverência de todos e cada um doscidadãos. É também, maiscircunstancialmente, eminente nocontexto político-administrativo,uma vez que coroa esforçospersistentes da atual gestão doMinistério da Cultura e do Iphande levar a bom termo a aplicaçãodos preceitos constitucionais de

1988 relativos ao patrimôniocultural nacional. É eminente, porfim, em função das circunstânciasinternacionais que têm levado aUnesco a se dedicar sempre maisdenodadamente à promoção doconceito de patrimônio imaterial ea proclamar, inclusive, este anode 2002 como o Ano para oPatrimônio Cultural.

A ocasião é propícia, assim,para que se evoque – aindaque sumariamente – algumasdas circunstâncias e parâmetrosque balizam as nossaspossibilidades de decisão no casoespecífico em questão.

A legislação nacional a respeitodo patrimônio imaterial foi ensejadapelo texto da atual ConstituiçãoFederal e se cristalizou na legislaçãoordinária por meio do Decreto nº3.551, de 4 de agosto de 2000. Essediploma legal representava a

culminação de numerosas iniciativasdesencadeadas no âmbito doMinistério da Cultura visando adefinir uma nova instituiçãocomponente da política depatrimônio cultural nacional.

Essa nova instituição pode ter suahistória contemporânea retraçada auma grossa meada de atospremonitórios, precedentes oupreparatórios. Nos diversosdocumentos oficiais que hojeconstituem a memória da criaçãodesse mecanismo, evoca-se eventosnacionais e internacionais (cf.sobretudo, MinC, 2000 e Londres,2002). Na primeira série, registra-se o anteprojeto elaborado porMario de Andrade para a criação doIphan, em 1936, que previa oacolhimento das expressõespopulares na atenção ao processo deformação da identidade culturalnacional. E, a partir daí, a criação

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 2

Conselho Consultivodo Patrimônio Cultural / IPHANProcesso 01450.000672/2002-50

Page 63: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

da Comissão Nacional do Folcloreem 1947, de onde se originaria, nosanos 1960, o Centro Nacional deFolclore e Cultura Popular, hoje naFunarte; a própria ConstituiçãoFederal de 1988 (que trata damatéria em seus artigos 215 e 216);o Seminário promovido peloInstituto do Patrimônio Artístico eCultural da Bahia em 1989 sobreum registro especial de patrimônio; oSeminário Internacional sobre oPatrimônio Imaterial realizado porconvocação do Iphan em 1997, e –finalmente – a constituição de umaComissão no âmbito do Iphan paraapresentar proposta deregulamentação da matéria, em1998, acompanhada da criação deum Grupo de Trabalho de apoiotécnico ao trabalho deregulamentação (o GTPI/ Iphan).

Na série internacional, trata-sede evocar, sobretudo, as iniciativas

oriundas da Unesco, tais como aConvenção sobre Salvaguarda doPatrimônio Mundial, Cultural eNatural, de 1972; a Recomendaçãosobre a Salvaguarda da CulturaTradicional e Popular, de 1989;a Proclamação das 19 Obras-Primasdo Patrimônio Oral e Imaterialda Humanidade, 2001; e aDeclaração Universal sobre aDiversidade Cultural, de 2001.Também a Carta de Veneza, de1964, pode ser inserida nessecontexto internacional favorecedorde uma maior atenção formalaos componentes vivos,processuais, da identidade e dopatrimônio culturais.

Não se pode deixar de evocar queas duas séries se encontraram,inclusive, ritualmente, no Rio deJaneiro, em janeiro deste ano, com arealização da Reunião Internacional sobre opatrimônio cultural imaterial: o papel da

Unesco e os domínios de ação prioritários, emque teve particular preeminência adiscussão da experiência brasileira arespeito (cf. Matsuura, 2002).

Diversos desafios se apresentaramno processo de institucionalização damatéria. Vários deles foram denatureza conceitual. O primeiro seexpressava na própria hesitaçãoterminológica envolvida: patrimôniointangível, tradicional, popular,oral, imaterial etc. Tratava-sepropriamente da dificuldade de umadefinição mais precisa para asfronteiras e características distintivasdo novo instituto, mesmo quando setinha uma quase absolutaconcordância quanto à necessidadede incluir no conceito de patrimônioalgo mais além do tradicionalmonumento de pedra e cal.

O segundo embaraço seapresentava quanto à forma desalvaguarda a instituir no caso de

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 3

Page 64: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

processos sócio-culturais vivos,ativos, dinamicamente distintosdos monumentos nacionais.

O terceiro embaraço eraconstituído pela definição daautoridade legítima para aproposição do processo de registro.Discutiu-se amplamente aconveniência de acolher propostasprovenientes de pessoas físicas, tantoquanto de pessoas jurídicas.

O quarto embaraço seconfigurava no tocante às formasde articulação de uma eventualsalvaguarda de práticas sociais oumonumentos vivos com a lógica domercado capitalista hegemôniconas sociedades modernas,particularmente sob a forma dedireitos de propriedade intelectualdotados de valor de troca.

Dos quatro, apenas o segundo eo terceiro puderam ser até agoradefinidos plenamente no formato

jurídico e administrativo adotadopelo Estado brasileiro para aregulação da matéria. Decidiu-se,em primeiro lugar, adotar umalinha de salvaguarda de cunhodiverso do que se aplica aopatrimônio material, enfatizando-seo registro (no lugar do tradicionaltombamento), com concomitantesdimensões de inventário, documentação,apoio financeiro, difusão do conhecimento eproteção à propriedade intelectual(MinC, 2000:13).

Em segundo lugar, decidiu-sereservar a iniciativa de apresentaçãode propostas às pessoas jurídicas(governamentais ou civis), nointuito de sublinhar a dimensãoimediatamente coletiva dosinteresses sociais investidos naspráticas a registrar.

No tocante ao primeiroembaraço, decidiu-se privilegiar nalegislação, sobre todas as demais,

certamente por boas razões, aexpressão imaterial e cometer àexperiência mesma de sua aplicaçãoao fluxo da vida social a melhor epaulatina definição das fronteirasconceituais. Isso não se fez semconsiderável esforço de aproximaçãode definições sistemáticas, refletido,sobretudo, na categorização dequatro Livros para esses registros:Saberes, Celebrações, Formas deExpressão e Lugares. Como oDecreto instituinte prevê, porém, apossibilidade de abertura de outroslivros, percebe-se o quanto a matériadependerá do contínuo engenho earte dos técnicos do Iphan e dosintegrantes do Conselho Consultivoao tomarem suas decisões.

O terceiro embaraço tambémteve sua definição – declaradamente– adiada para o período e ascondições de atualização do institutona vida real, dadas as dificuldades

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 4

Page 65: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

decorrentes da imbricação damatéria no horizonte jurídico-político contemporâneo maisamplo: o da regulação das novasfrentes de direitos coletivosemergentes. A matéria é lindeirados novos direitos ao patrimôniogenético e importa em decisõesnacionais inextricáveis das condiçõesinternacionais em que vêm seestabelecendo – com grandestensões – essas novas relações, não-convencionais, entre mercadoe propriedade.

Dada a novidade e complexidadedo assunto, discutido em diversasreuniões do Conselho Consultivo,decidiu-se trabalhar com grandeprudência, sobre algumaspoucas propostas iniciais, cujosprocessos seriam instruídosexaustivamente, de acordo como manual em vigor, em carátermais claramente experimental do

que é habitual em procedimentosadministrativos desse tipo.Os interessados nas nuances damatéria poderão sempre sebeneficiar da leitura das atasdeste Conselho, mormente as dassessões de 16 de agosto de 2001 e de23 de novembro de 2001.

É nessas condições que seapresenta à discussão a presenteproposta, inicialmente subscrita pelaAssociação das Paneleiras deGoiabeiras, de Vitória/ES, em 8 demarço de 2001. O processocirculou inicialmente como oDossiê de Estudos R. 01/01, tendoem 16 de outubro deste ano tomadoo número em epígrafe.

Trata-se, do ponto de vistaformal, de um processoextremamente bem documentado,cobrindo numerosos aspectos dofenômeno social em exame, o quemostra – já em si – o acerto da

imbricação do Inventário Nacionalde Referências Culturais (INRC)com o Programa Nacional doPatrimônio Imaterial. História,fotografia, vídeos, bibliografia,plantas, cd-roms, todos osrecursos técnicos de documentaçãoestão aí combinados com ostradicionais pareceres técnicosda equipe do Iphan, sempreprecisos e instrutivos.

Do ponto de vista substantivo,pouco poderia acrescentar àexcelente argumentaçãodesenvolvida no processo. Como dizo aviso oficial do Iphan: “Trata-se deprática artesanal enraizada nalocalidade denominada GoiabeirasVelha, área do bairro de Goiabeiras,situada na parte continental nortedo município de Vitória, à beira docanal que banha o manguezal ecircunda a Ilha de Vitória/ES, queutiliza apenas matérias-primas

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 5

Page 66: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

existentes nas proximidades.A produção das panelas deGoiabeiras é parte de uma realidadeeco-sócio-cultural construídahistoricamente pelos sucessivosgrupos sociais que vêm ocupandoaquela localidade, em suas relaçõesde troca com o meio natural e com asociedade envolvente. A panela debarro de Goiabeiras é modeladamanualmente, queimada a baixatemperatura em fogueira a céuaberto e tingida com tintura detanino. Em sua confecção éutilizado o barro de uma únicajazida existente no Vale doMulembá, localizado no noroeste daIlha de Vitória. A tintura é extraídada casca da Rhysophora mangle, espécienativa do manguezal que margeia alocalidade. Originalmentecompondo o cotidiano de aldeiaindígena, posteriormenteapropriada por descendentes dos

colonos e escravos que se fixaram nalocalidade, recentemente assumidacomo um ofício e meio de vida porfamílias de Goiabeiras e finalmentereconhecida pela população capixabacomo traço da identidade de suacultura, a produção das panelas debarro guarda suas característicasoriginais praticamente inalteradasao longo desse processo de sucessivasapropriações: o emprego dematérias primas sempre das mesmasprocedências, a adoção dos mesmosprocedimentos de trabalho e o usode instrumentos rudimentares,obtidos ou confeccionados pelaspróprias artesãs.”

Temos aí, como se vê, asprincipais características que sepoderia esperar de um sistema desaberes práticos tradicionais comqualidades de um patrimônionacional. Por um lado, os traçosbásicos da tradição: longo

enraizamento nas práticas daspopulações locais (é interessantecitar, entre tantos outros sinais, areferência de Saint-Hilaire, em1815), dependência e interação comos ecossistemas locais, forma dereprodução não-letrada ou não-erudita, reconhecimento coletivocomo tradição. Por outro, os traçosda representatividade culturalnacional: emblema explícito de umacomunidade cultural componenteda formação nacional, como é aidentidade capixaba, ou do Estadodo Espírito Santo; símbolo – pelassuas características técnicas – dainter-relação entre as culturasnativas do atual território brasileiroe as culturas do Estado nacionalcriado pela colonização portuguesacom os aportes de migrantesafricanos, asiáticos e de outrospaíses europeus. Acresce-se àconveniência do registro desse ofício o

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 6

Page 67: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

fato de estar no cerne de uma sériebastante complexa de fenômenosculturais e identitários importantespara o segmento capixaba daformação nacional: culinária,ecologia, música, dança, e –por quê não incluir aqui?–movimento social.

Prática social viva, ativa,produtiva; integrada erepresentativa, sim, como tantasoutras. Mas também enraizada nomundo popular e na memória dopassado coletivo e – como tal –instrumental para o permanente ecomplexo trabalho da identidadenacional. Muito consciente comosou – por dever de ofício – dascondições em que se formulam asideologias identitárias em nossacultura ocidental moderna, nãoposso deixar de observar que – paraalém de todas essas características –o que torna esse bem tão

tipicamente digno do registro comopatrimônio cultural imaterial é o fato deestar animado de um espírito opostoao das formas hegemônicas dopoder, político, econômico ouideológico. Como bons herdeirosdo Romantismo, atribuímos umaparticular força de vida aosfenômenos sociais que parecem sereproduzir independentemente dasnecessidades canônicas dareprodução do Estado, da produçãomercantil-industrial-fabril e daprodução intelectual erudita.O ofício das paneleiras deGoiabeiras pode suscitar opatrocínio dos poderes locais(o que já ocorreu) ou pode suscitara produção de uma notável massade textos acadêmicos (inclusive tesesuniversitárias, constantes doprocesso). Ele também não sedesenvolve fora do mercado: todoum sistema de circulação já está a

vinculá-lo com uma cada vez maisvasta clientela consumidora.Ele retira, no entanto, de suamarginalidade em relação a essessistemas dominantes ou oficiaisjustamente o atrativo para nelesencontrar o seu nicho. É legítimoe interessante por ser privado; élegítimo e interessante por serartesanal; é legítimo e interessantepor ser popular. E é bom que sejaassim. Esse é o nosso melhormecanismo de avivamento dosvalores: o que contempla eeventualmente premia contrapesosdinâmicos às forças centrais,massificadoras e desvitalizantes,de nosso processo civilizatório.Não será bom se este Conselho nãoestiver, porém, sempre muitoconsciente – ao julgar tais processos– de que estará ao serviço de umaideologia como qualquer outra –essa, hoje oportuna, do valor das

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 7

Page 68: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

coisas privadas, artesanais epopulares – e desmerecer daconsideração e guarda dopatrimônio hegemônico material, quefornece e mantém o corpo que oespírito do patrimônio imaterial vivifica.

É, portanto, por todos osmotivos arrolados que proponhoo registro do Ofício das Paneleirasde Goiabeiras, Vitória, EspíritoSanto, como bem cultural denatureza imaterial, a ser inscritono Livro dos Saberes instituídono Iphan, com o conseqüentedireito ao título de PatrimônioCultural do Brasil.

É minha obrigação registrar aocorrência de um pequenoproblema administrativo nesteprocesso; felizmente, a meu ver,reparável. Decorre dos termosestritos do Decreto instituinte doPrograma de que ora nos ocupamos.O parecer técnico final foi

publicado no Diário Oficial de 23de outubro último, não tendo assimtranscorrido, portanto (hoje, ainda)os 30 dias para “eventuaismanifestações sobre o registro”,previstos no parágrafo 5º do mesmoartigo 3º. Sugiro que o Conselhotome sua decisão sobre a matérianesta mesma reunião, apesar defaltarem três dias para ocumprimento pleno do prazo,comprometendo-se a revê-laoportunamente caso ainda dêentrada no Iphan alguma dasmanifestações previstas no Decreto –o que parece na verdadepouco provável.

Em função ainda do caráterinauguratório deste parecer,considero-me obrigado,finalmente, a aproveitar aoportunidade para evocar algumasdas condições mais gerais que esteConselho Consultivo tem discutido

e gostaria de ver – acredito –acompanhar a eventual aprovaçãodeste parecer e o desencadeamentopleno do Programa Nacional doPatrimônio Imaterial.

Em primeiro lugar, seránecessário que se dê efetivamente amáxima publicidade a todo oprocesso (inclusive nos meioseletrônicos), de modo a permitir adesejada divulgação dos entesculturais registrados e – ao mesmotempo – o compartilhamento daexperiência político-administrativacontida nos atos decisórios oradesencadeados.

Será necessário organizar epermitir a observação continuadado funcionamento dos processossociais afetados pelo Registro nãoapenas para o reexame decenalprevisto pela legislação, mas parauma avaliação mais fina e periódicadas implicações das decisões deste

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 8

Page 69: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Conselho, em função dessanecessidade de uma “definiçãogradativa dos critérios” – como sereferiu, no trato do assunto, CéliaCorsino – ou dessa “jurisprudênciaconsensual” a que se referiu noplenário do Conselho o ProfessorJoaquim Falcão. Para atingir tal fim,não se poderia esperar poravaliações decenais. Proponho queo Iphan se habilite a apresentar aoConselho Consultivo relatóriosbienais que permitam ao Conselhoavaliar os rumos de seu trabalho.

Deveriam fazer parte da pautadessas avaliações bienais de carátermeramente informativo, por umlado, a atenção aos possíveis eeventuais efeitos negativos doRegistro, do ponto de vista deapropriações mercantis descabidasda conotação de autenticidade, porexemplo. As implicações do uso(ou não) da propriedade intelectual

coletiva ou individual eventualmenteenvolvida nas práticas cobertaspelo Registro deveriam mereceruma particular atenção, dadaa imprecisão que ainda cerca amatéria – crítica por excelência.

É claro que deveriam fazer parteda pauta também as informaçõessobre o funcionamento do próprioPrograma Nacional doPatrimônio Imaterial, em tudo oque ele promete de referenciamento evalorização dos entes beneficiados.

Os efeitos benéficos dessePrograma jamais poderão se fazersentir evidentemente se o Iphannão estiver aparelhado financeira eprofissionalmente para colocá-loem funcionamento. O ConselhoConsultivo deveria estarpermanentemente ao correntedessas condições para poder julgarcom pleno conhecimento de causado caráter estrutural ou conjuntural

dos eventuais maus resultadosdaquela ação. No que toca ascondições profissionais, deve-sepensar certamente no apoio ereforço dos quadros próprios doInstituto, mas não se pode descartara conveniência de uma parceriamais sistemática com as instituiçõesprofissionais e acadêmicascompetentes para esses assuntos.Emergem do processo em pautareferências a trabalho conjuntofeito com o Centro e aCoordenação de Folclore e CulturaPopular da Funarte, o que é muitobem-vindo. Lembroparticularmente a minha área detrabalho, a antropologia, dada acontigüidade de seus interesses comos do Programa (o que é certamenteprovado pelo grande número decontribuições de profissionais dessadisciplina ouvidos no processo deestabelecimento da política do

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 6 9

Page 70: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

patrimônio imaterial). É mesmopossível augurar uma aproximaçãoformal, nesse sentido, com aAssociação Brasileira deAntropologia (ABA), instituiçãode absoluta legitimidade nessecampo. Mas é claro quemuita competência de outrasáreas, como a da história ou daarquivologia, será necessária parao melhor desempenho das funçõesagregadas ao registro.

Entre as condições materiaisnecessárias à plena consecução detantas boas intenções a que hojedamos uma chancela ritualencontra-se um pontorepetidamente discutido noConselho Consultivo (sobretudopor instigação de Thomas Farkas):a eficiência da política depreservação aplicada àdocumentação recolhida ouproduzida no inventário e na

identificação. Seria profundamentedesconcertante que essa nova epromissora iniciativa seguisse orumo da grande maioria dosarquivos e acervos públicosbrasileiros, atormentados pelaincúria administrativa ou pelacontinuada escassez de recursos –o que os vota a uma certa eirreparável destruição. Algumentrosamento com o ArquivoNacional, que acaba de inaugurarauspiciosamente sua nova sederestaurada, no Campo de Santana,seria talvez instrumental paraum planejamento profissionalde longo alcance.

Creio ser necessário, por fim,insistir em dois pontos que já foramlevantados nas reuniões desteConselho anteriormente e quepoderiam vir a merecer a acolhidada Presidência. O primeiro consisteem colocar o Conselho Consultivo

permanentemente a par dascaracterísticas do fluxo de demandaa este novo Programa, de modo queele possa perceber os contornosmaiores do processo para o qual selhe pede seus abalizados juízospontuais. O segundo consiste emorganizar o ritmo das reuniões e adensidade de suas pautas de talforma que o Conselho Consultivodisponha do tempo necessário paradiscutir em profundidade asimplicações de sua ação na políticado patrimônio cultural nacional(agora enriquecido do patrimônioimaterial) e não apenas – comotem quase sempre feito – ater-sea aprovar os pareceres relativos aprocessos específicos.

Rio de Janeiro, 15 de novembrode 2002

Luiz Fernando Dias Duarte

{ Ofício das Paneleiras de Goiabeiras } 7 0

Page 71: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

Referências bibliográficas:

londres, Cecília (org.) –Patrimônio Imaterial, TempoBrasileiro, no. 147 (númerotemático), Rio de Janeiro, 2002

maatsura, Koïchiro – Discours àl´occasion de la réunioninternationale sur “le patrimoineculturel immatériel: le rôle del’unesco et les domainesd’action prioritaires” (mimeo),Rio de Janeiro, 2002

minc/iphan – O Registro do PatrimônioImaterial. Dossiê final das atividades daComissão e do Grupo de TrabalhoPatrimônio Imaterial. Brasília:iphan, 2000.

Este livro foi produzido no inverno de 2006 para o Instituto do Patrimônio Históricoe Artístico Nacional.

Page 72: Ofício das Paneleiras de Goiabeiras

ficha catalográfica elaborada pela

biblioteca aloísio magalhães

Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. – Brasília, DF:

Iphan, 2006.

70 p.: il. color, 25cm. – (Dossiê Iphan; 3)

isbn 85-7334-031-2

Bibliografia: p. 54-58.

1. Patrimônio Cultural. 2. Patrimônio Imaterial.

3. Paneleiras-ofício. I. Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional. II. Série.

Iphan/Brasília-DF cdd–745.5