oficinas de leitura 2014-1

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8/12/2019 Oficinas de Leitura 2014-1 http://slidepdf.com/reader/full/oficinas-de-leitura-2014-1 1/36 GRADUAÇÃO  2014.1 2ª edição OFICINAS DE LEITURA AUTORES: ANA MARIA CORRÊA, BEATRIZ CASTILHO, CAMILA ALVES, CARLOS VICTOR NASCIMENTO, FABRÍCIO DIAS, KATARINA PITASSE, LEONARDO SATO, PAULO MENDES

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GRADUACcedilAtildeO 20141

2ordf ediccedilatildeo

OFICINAS

DE LEITURAAUTORES ANA MARIA CORREcircA BEATRIZ CASTILHO CAMILA ALVESCARLOS VICTOR NASCIMENTO FABRIacuteCIO DIAS

KATARINA PITASSE LEONARDO SATO PAULO MENDES

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Sumaacuterio

O1047297cinas de Leitura

APRESENTACcedilAtildeO 3

I O QUE Eacute LEITURA 6

II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UM LEITOR ESTRATEacuteGICO 7

III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA 1331 Leitura Estrutural Captando a estrutura do texto 1332 Leitura Interpretativa Percebendo ou inferindo o tom a intenccedilatildeo e a atitude do autor 2133 Leitura criacutetica ou avaliativa 26

CONCLUSAtildeO 33

REFEREcircNCIAS 34

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FGV DIREITO RIO 3

APRESENTACcedilAtildeO

A Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas reco-nhecida nacionalmente por sua excelecircncia no ensino comprovadas pela notamaacutexima atribuiacuteda pelo MEC em todos os quesitos avaliados aleacutem de ser afaculdade que mais tem aprovados nos uacuteltimos exames da Ordem dos Advo-gados do Brasil passa atualmente por reestruturaccedilatildeo do seu curso A novagrade curricular e disposiccedilatildeo das disciplinas prezam num primeiro momen-to por uma formaccedilatildeo baacutesica permitindo ao estudante de Direito o estiacutemuloao desenvolvimento de habilidades necessaacuterias a uma concepccedilatildeo universalistado ensino Isto eacute o estudante de Direito precisa ter acesso natildeo apenas a umapreparaccedilatildeo soacutelida capaz de lhe permitir adentrar no mercado da advocaciaou ingressar na carreira acadecircmica mas ter o conhecimento e estiacutemulo aodesenvolvimento das habilidades necessaacuterias para ingressar em qualquer umdos campos em que queira se especializar

No ciclo baacutesico mencionado acima os alunos da FGV Direito Rio teratildeoacesso a uma formaccedilatildeo que lhes permitam conhecer diversos campos dossaberes desde a formaccedilatildeo humaniacutestica (com disciplinas relacionadas agrave socio-logia 1047297loso1047297a etc) ateacute uma preparaccedilatildeo baacutesica ao ingresso de sua formaccedilatildeoteacutecnica que seraacute aprofundada no ciclo de pro1047297ssionalizaccedilatildeo Para dar iniacutecioa este processo os alunos tecircm acesso desde o primeiro dia de aula a uma

imersatildeo no conhecimento juriacutedico capaz de incentivar o desenvolvimentode habilidades que lhes permitam raciocinar juridicamente dialogando comoutros campos do saber Para ajudar neste processo a FGV Direito Rio temcomo grande projeto e diferencial inclusive atestado pelo MEC o Programade Tutoria que se divide em Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico Tu-toria de Material Didaacutetico Tutoria de Pesquisa e Tutoria de Ensino

A Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico consta na possibilidade deum pro1047297ssional assistir aulas dos periacuteodos iniciais da graduaccedilatildeo em Direitose colocando na condiccedilatildeo de observador tanto de alunos quanto dos profes-sores responsaacutevel por emitir relatoacuterios que apresentem breve anaacutelise das di-nacircmicas ocorridas em sala de aula Seu objetivo eacute tambeacutem aproximar alunose professores a partir da identi1047297caccedilatildeo de algumas melhorias a serem feitas deambos os atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem Diferen-temente na Tutoria de Material Didaacutetico o pro1047297ssional responsaacutevel teraacute odever de atualizar o material utilizado pelos professores em sala de aula deforma a colaborar a uma maior interaccedilatildeo entre alunos e professores O referi-do processo ocorreraacute principalmente a partir da utilizaccedilatildeo de casos de granderepercussatildeo social que envolva diretamente os alunos nas discussotildees em salade aula incentivando-os ao desenvolvimento de um raciociacutenio juriacutedico a

partir do meacutetodo participativo tendo por base a anaacutelise de casos concretos

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O presente material tem por objetivo expor a conduccedilatildeo das O1047297cinas deLeitura e guiar os alunos que dela participarem Como grande parte dos alu-

nos que satildeo aprovados no vestibular da FGV Direito Rio satildeo oriundos doEnsino Meacutedio e tem uma meacutedia de idade muito baixa as O1047297cinas de Leiturapermitem que os alunos diminuam os viacutecios que possuem na conduccedilatildeo dosestudos adquiridos ao longo de sua formaccedilatildeo escolar E mais aprendam pormeio das discussotildees e teacutecnicas proacuteprias de leituras a identi1047297car comparar ediferenciar os problemas apontados pelos autores nos textos as teses por elesdefendidas (quando as houver) os argumentos sustentados para defender oucriticar determinada tese e os exemplos utilizados para esclarecer elucidardeterminado ponto de vista

Sabendo da di1047297culdade natural do estudante de Direito ao ingressar nestenovo universo do saber essas o1047297cinas levantaratildeo discussotildees preacutevias sobre tex-tos a serem trabalhados em sala de aula a partir da apresentaccedilatildeo de algumasteacutecnicas de leitura Este processo permitiraacute aos alunos o ingresso de formamais proveitosa no meacutetodo participativo proposto pela FGV Direito Riode modo a compreenderem que as habilidades adquiridas nas o1047297cinas seratildeofundamentais agrave construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico que se espera dos alunos

Aleacutem disso as o1047297cinas de leitura principalmente por serem realizadas noprimeiro periacuteodo de graduaccedilatildeo prezam por uma nova concepccedilatildeo de estudoapresentando aos alunos uma maior re1047298exatildeo sobre as suas proacuteprias teacutecnicas

na conduccedilatildeo de seus estudos Espera-se que ao 1047297nal das o1047297cinas de leitura osalunos possam (i) compreender a importacircncia da leitura preacutevia (ii) entenderos elementos centrais a serem abordados no texto e (iii) possam perceber quesatildeo os principais sujeitos na construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico a partir da suainserccedilatildeo no meacutetodo participativo Os alunos da FGV Direito Rio adquiriratildeoassim uma maior autonomia ao estudar por meio da sua praacutetica constanteestimulada pelas O1047297cinas que seratildeo oferecidas no Programa de Tutoria deforma a diminuir as di1047297culdades encontradas pelos alunos quando iniciameste processo que geralmente ocorre de forma isolada e desorientada Ou naspalavras de Paulo Freire ldquoEstudar eacute realmente um trabalho difiacutecil Exige de

quem o faz uma postura criacutetica sistemaacutetica Exige disciplina intelectual que natildeose ganha a natildeo ser praticando-a rdquo

METODOLOGIA DAS OFICINAS

Seratildeo formados pequenos grupos que seratildeo acompanhados por tutoresCada grupo teraacute dois encontros semanais nos quais faratildeo a leitura de textosque seratildeo trabalhados em sala de aula pelos professores das disciplinas de pri-

meiro periacuteodo Os encontros seratildeo participativos e os alunos deveratildeo reportar

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o texto eou elaborar pequenos escritos em que possam condensar a leituraque 1047297zeram

AVALIACcedilAtildeO

Os alunos receberatildeo nota pela atividade desenvolvida na o1047297cina de leitura A nota seraacute aferida de acordo com o cumprimento dos objetivos traccediladospara cada tipo de leitura pela participaccedilatildeo nos encontros e desenvolvimentodas habilidades ensinadas

O desenvolvimento das habilidades seratildeo avaliadas por meio de textosorais e escritos segundo cada tipo de leitura estrutural interpretativa e ava-liativa Na participaccedilatildeo seratildeo considerados a pontualidade a presenccedila fiacutesicado texto a elaboraccedilatildeo de perguntas e comentaacuterios sobre o texto a entrega dastarefas postura dialoacutegica e a autoria dos trabalhos

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

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MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

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SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Sumaacuterio

O1047297cinas de Leitura

APRESENTACcedilAtildeO 3

I O QUE Eacute LEITURA 6

II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UM LEITOR ESTRATEacuteGICO 7

III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA 1331 Leitura Estrutural Captando a estrutura do texto 1332 Leitura Interpretativa Percebendo ou inferindo o tom a intenccedilatildeo e a atitude do autor 2133 Leitura criacutetica ou avaliativa 26

CONCLUSAtildeO 33

REFEREcircNCIAS 34

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APRESENTACcedilAtildeO

A Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas reco-nhecida nacionalmente por sua excelecircncia no ensino comprovadas pela notamaacutexima atribuiacuteda pelo MEC em todos os quesitos avaliados aleacutem de ser afaculdade que mais tem aprovados nos uacuteltimos exames da Ordem dos Advo-gados do Brasil passa atualmente por reestruturaccedilatildeo do seu curso A novagrade curricular e disposiccedilatildeo das disciplinas prezam num primeiro momen-to por uma formaccedilatildeo baacutesica permitindo ao estudante de Direito o estiacutemuloao desenvolvimento de habilidades necessaacuterias a uma concepccedilatildeo universalistado ensino Isto eacute o estudante de Direito precisa ter acesso natildeo apenas a umapreparaccedilatildeo soacutelida capaz de lhe permitir adentrar no mercado da advocaciaou ingressar na carreira acadecircmica mas ter o conhecimento e estiacutemulo aodesenvolvimento das habilidades necessaacuterias para ingressar em qualquer umdos campos em que queira se especializar

No ciclo baacutesico mencionado acima os alunos da FGV Direito Rio teratildeoacesso a uma formaccedilatildeo que lhes permitam conhecer diversos campos dossaberes desde a formaccedilatildeo humaniacutestica (com disciplinas relacionadas agrave socio-logia 1047297loso1047297a etc) ateacute uma preparaccedilatildeo baacutesica ao ingresso de sua formaccedilatildeoteacutecnica que seraacute aprofundada no ciclo de pro1047297ssionalizaccedilatildeo Para dar iniacutecioa este processo os alunos tecircm acesso desde o primeiro dia de aula a uma

imersatildeo no conhecimento juriacutedico capaz de incentivar o desenvolvimentode habilidades que lhes permitam raciocinar juridicamente dialogando comoutros campos do saber Para ajudar neste processo a FGV Direito Rio temcomo grande projeto e diferencial inclusive atestado pelo MEC o Programade Tutoria que se divide em Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico Tu-toria de Material Didaacutetico Tutoria de Pesquisa e Tutoria de Ensino

A Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico consta na possibilidade deum pro1047297ssional assistir aulas dos periacuteodos iniciais da graduaccedilatildeo em Direitose colocando na condiccedilatildeo de observador tanto de alunos quanto dos profes-sores responsaacutevel por emitir relatoacuterios que apresentem breve anaacutelise das di-nacircmicas ocorridas em sala de aula Seu objetivo eacute tambeacutem aproximar alunose professores a partir da identi1047297caccedilatildeo de algumas melhorias a serem feitas deambos os atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem Diferen-temente na Tutoria de Material Didaacutetico o pro1047297ssional responsaacutevel teraacute odever de atualizar o material utilizado pelos professores em sala de aula deforma a colaborar a uma maior interaccedilatildeo entre alunos e professores O referi-do processo ocorreraacute principalmente a partir da utilizaccedilatildeo de casos de granderepercussatildeo social que envolva diretamente os alunos nas discussotildees em salade aula incentivando-os ao desenvolvimento de um raciociacutenio juriacutedico a

partir do meacutetodo participativo tendo por base a anaacutelise de casos concretos

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O presente material tem por objetivo expor a conduccedilatildeo das O1047297cinas deLeitura e guiar os alunos que dela participarem Como grande parte dos alu-

nos que satildeo aprovados no vestibular da FGV Direito Rio satildeo oriundos doEnsino Meacutedio e tem uma meacutedia de idade muito baixa as O1047297cinas de Leiturapermitem que os alunos diminuam os viacutecios que possuem na conduccedilatildeo dosestudos adquiridos ao longo de sua formaccedilatildeo escolar E mais aprendam pormeio das discussotildees e teacutecnicas proacuteprias de leituras a identi1047297car comparar ediferenciar os problemas apontados pelos autores nos textos as teses por elesdefendidas (quando as houver) os argumentos sustentados para defender oucriticar determinada tese e os exemplos utilizados para esclarecer elucidardeterminado ponto de vista

Sabendo da di1047297culdade natural do estudante de Direito ao ingressar nestenovo universo do saber essas o1047297cinas levantaratildeo discussotildees preacutevias sobre tex-tos a serem trabalhados em sala de aula a partir da apresentaccedilatildeo de algumasteacutecnicas de leitura Este processo permitiraacute aos alunos o ingresso de formamais proveitosa no meacutetodo participativo proposto pela FGV Direito Riode modo a compreenderem que as habilidades adquiridas nas o1047297cinas seratildeofundamentais agrave construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico que se espera dos alunos

Aleacutem disso as o1047297cinas de leitura principalmente por serem realizadas noprimeiro periacuteodo de graduaccedilatildeo prezam por uma nova concepccedilatildeo de estudoapresentando aos alunos uma maior re1047298exatildeo sobre as suas proacuteprias teacutecnicas

na conduccedilatildeo de seus estudos Espera-se que ao 1047297nal das o1047297cinas de leitura osalunos possam (i) compreender a importacircncia da leitura preacutevia (ii) entenderos elementos centrais a serem abordados no texto e (iii) possam perceber quesatildeo os principais sujeitos na construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico a partir da suainserccedilatildeo no meacutetodo participativo Os alunos da FGV Direito Rio adquiriratildeoassim uma maior autonomia ao estudar por meio da sua praacutetica constanteestimulada pelas O1047297cinas que seratildeo oferecidas no Programa de Tutoria deforma a diminuir as di1047297culdades encontradas pelos alunos quando iniciameste processo que geralmente ocorre de forma isolada e desorientada Ou naspalavras de Paulo Freire ldquoEstudar eacute realmente um trabalho difiacutecil Exige de

quem o faz uma postura criacutetica sistemaacutetica Exige disciplina intelectual que natildeose ganha a natildeo ser praticando-a rdquo

METODOLOGIA DAS OFICINAS

Seratildeo formados pequenos grupos que seratildeo acompanhados por tutoresCada grupo teraacute dois encontros semanais nos quais faratildeo a leitura de textosque seratildeo trabalhados em sala de aula pelos professores das disciplinas de pri-

meiro periacuteodo Os encontros seratildeo participativos e os alunos deveratildeo reportar

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o texto eou elaborar pequenos escritos em que possam condensar a leituraque 1047297zeram

AVALIACcedilAtildeO

Os alunos receberatildeo nota pela atividade desenvolvida na o1047297cina de leitura A nota seraacute aferida de acordo com o cumprimento dos objetivos traccediladospara cada tipo de leitura pela participaccedilatildeo nos encontros e desenvolvimentodas habilidades ensinadas

O desenvolvimento das habilidades seratildeo avaliadas por meio de textosorais e escritos segundo cada tipo de leitura estrutural interpretativa e ava-liativa Na participaccedilatildeo seratildeo considerados a pontualidade a presenccedila fiacutesicado texto a elaboraccedilatildeo de perguntas e comentaacuterios sobre o texto a entrega dastarefas postura dialoacutegica e a autoria dos trabalhos

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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APRESENTACcedilAtildeO

A Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas reco-nhecida nacionalmente por sua excelecircncia no ensino comprovadas pela notamaacutexima atribuiacuteda pelo MEC em todos os quesitos avaliados aleacutem de ser afaculdade que mais tem aprovados nos uacuteltimos exames da Ordem dos Advo-gados do Brasil passa atualmente por reestruturaccedilatildeo do seu curso A novagrade curricular e disposiccedilatildeo das disciplinas prezam num primeiro momen-to por uma formaccedilatildeo baacutesica permitindo ao estudante de Direito o estiacutemuloao desenvolvimento de habilidades necessaacuterias a uma concepccedilatildeo universalistado ensino Isto eacute o estudante de Direito precisa ter acesso natildeo apenas a umapreparaccedilatildeo soacutelida capaz de lhe permitir adentrar no mercado da advocaciaou ingressar na carreira acadecircmica mas ter o conhecimento e estiacutemulo aodesenvolvimento das habilidades necessaacuterias para ingressar em qualquer umdos campos em que queira se especializar

No ciclo baacutesico mencionado acima os alunos da FGV Direito Rio teratildeoacesso a uma formaccedilatildeo que lhes permitam conhecer diversos campos dossaberes desde a formaccedilatildeo humaniacutestica (com disciplinas relacionadas agrave socio-logia 1047297loso1047297a etc) ateacute uma preparaccedilatildeo baacutesica ao ingresso de sua formaccedilatildeoteacutecnica que seraacute aprofundada no ciclo de pro1047297ssionalizaccedilatildeo Para dar iniacutecioa este processo os alunos tecircm acesso desde o primeiro dia de aula a uma

imersatildeo no conhecimento juriacutedico capaz de incentivar o desenvolvimentode habilidades que lhes permitam raciocinar juridicamente dialogando comoutros campos do saber Para ajudar neste processo a FGV Direito Rio temcomo grande projeto e diferencial inclusive atestado pelo MEC o Programade Tutoria que se divide em Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico Tu-toria de Material Didaacutetico Tutoria de Pesquisa e Tutoria de Ensino

A Tutoria de Acompanhamento Pedagoacutegico consta na possibilidade deum pro1047297ssional assistir aulas dos periacuteodos iniciais da graduaccedilatildeo em Direitose colocando na condiccedilatildeo de observador tanto de alunos quanto dos profes-sores responsaacutevel por emitir relatoacuterios que apresentem breve anaacutelise das di-nacircmicas ocorridas em sala de aula Seu objetivo eacute tambeacutem aproximar alunose professores a partir da identi1047297caccedilatildeo de algumas melhorias a serem feitas deambos os atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem Diferen-temente na Tutoria de Material Didaacutetico o pro1047297ssional responsaacutevel teraacute odever de atualizar o material utilizado pelos professores em sala de aula deforma a colaborar a uma maior interaccedilatildeo entre alunos e professores O referi-do processo ocorreraacute principalmente a partir da utilizaccedilatildeo de casos de granderepercussatildeo social que envolva diretamente os alunos nas discussotildees em salade aula incentivando-os ao desenvolvimento de um raciociacutenio juriacutedico a

partir do meacutetodo participativo tendo por base a anaacutelise de casos concretos

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O presente material tem por objetivo expor a conduccedilatildeo das O1047297cinas deLeitura e guiar os alunos que dela participarem Como grande parte dos alu-

nos que satildeo aprovados no vestibular da FGV Direito Rio satildeo oriundos doEnsino Meacutedio e tem uma meacutedia de idade muito baixa as O1047297cinas de Leiturapermitem que os alunos diminuam os viacutecios que possuem na conduccedilatildeo dosestudos adquiridos ao longo de sua formaccedilatildeo escolar E mais aprendam pormeio das discussotildees e teacutecnicas proacuteprias de leituras a identi1047297car comparar ediferenciar os problemas apontados pelos autores nos textos as teses por elesdefendidas (quando as houver) os argumentos sustentados para defender oucriticar determinada tese e os exemplos utilizados para esclarecer elucidardeterminado ponto de vista

Sabendo da di1047297culdade natural do estudante de Direito ao ingressar nestenovo universo do saber essas o1047297cinas levantaratildeo discussotildees preacutevias sobre tex-tos a serem trabalhados em sala de aula a partir da apresentaccedilatildeo de algumasteacutecnicas de leitura Este processo permitiraacute aos alunos o ingresso de formamais proveitosa no meacutetodo participativo proposto pela FGV Direito Riode modo a compreenderem que as habilidades adquiridas nas o1047297cinas seratildeofundamentais agrave construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico que se espera dos alunos

Aleacutem disso as o1047297cinas de leitura principalmente por serem realizadas noprimeiro periacuteodo de graduaccedilatildeo prezam por uma nova concepccedilatildeo de estudoapresentando aos alunos uma maior re1047298exatildeo sobre as suas proacuteprias teacutecnicas

na conduccedilatildeo de seus estudos Espera-se que ao 1047297nal das o1047297cinas de leitura osalunos possam (i) compreender a importacircncia da leitura preacutevia (ii) entenderos elementos centrais a serem abordados no texto e (iii) possam perceber quesatildeo os principais sujeitos na construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico a partir da suainserccedilatildeo no meacutetodo participativo Os alunos da FGV Direito Rio adquiriratildeoassim uma maior autonomia ao estudar por meio da sua praacutetica constanteestimulada pelas O1047297cinas que seratildeo oferecidas no Programa de Tutoria deforma a diminuir as di1047297culdades encontradas pelos alunos quando iniciameste processo que geralmente ocorre de forma isolada e desorientada Ou naspalavras de Paulo Freire ldquoEstudar eacute realmente um trabalho difiacutecil Exige de

quem o faz uma postura criacutetica sistemaacutetica Exige disciplina intelectual que natildeose ganha a natildeo ser praticando-a rdquo

METODOLOGIA DAS OFICINAS

Seratildeo formados pequenos grupos que seratildeo acompanhados por tutoresCada grupo teraacute dois encontros semanais nos quais faratildeo a leitura de textosque seratildeo trabalhados em sala de aula pelos professores das disciplinas de pri-

meiro periacuteodo Os encontros seratildeo participativos e os alunos deveratildeo reportar

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o texto eou elaborar pequenos escritos em que possam condensar a leituraque 1047297zeram

AVALIACcedilAtildeO

Os alunos receberatildeo nota pela atividade desenvolvida na o1047297cina de leitura A nota seraacute aferida de acordo com o cumprimento dos objetivos traccediladospara cada tipo de leitura pela participaccedilatildeo nos encontros e desenvolvimentodas habilidades ensinadas

O desenvolvimento das habilidades seratildeo avaliadas por meio de textosorais e escritos segundo cada tipo de leitura estrutural interpretativa e ava-liativa Na participaccedilatildeo seratildeo considerados a pontualidade a presenccedila fiacutesicado texto a elaboraccedilatildeo de perguntas e comentaacuterios sobre o texto a entrega dastarefas postura dialoacutegica e a autoria dos trabalhos

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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O presente material tem por objetivo expor a conduccedilatildeo das O1047297cinas deLeitura e guiar os alunos que dela participarem Como grande parte dos alu-

nos que satildeo aprovados no vestibular da FGV Direito Rio satildeo oriundos doEnsino Meacutedio e tem uma meacutedia de idade muito baixa as O1047297cinas de Leiturapermitem que os alunos diminuam os viacutecios que possuem na conduccedilatildeo dosestudos adquiridos ao longo de sua formaccedilatildeo escolar E mais aprendam pormeio das discussotildees e teacutecnicas proacuteprias de leituras a identi1047297car comparar ediferenciar os problemas apontados pelos autores nos textos as teses por elesdefendidas (quando as houver) os argumentos sustentados para defender oucriticar determinada tese e os exemplos utilizados para esclarecer elucidardeterminado ponto de vista

Sabendo da di1047297culdade natural do estudante de Direito ao ingressar nestenovo universo do saber essas o1047297cinas levantaratildeo discussotildees preacutevias sobre tex-tos a serem trabalhados em sala de aula a partir da apresentaccedilatildeo de algumasteacutecnicas de leitura Este processo permitiraacute aos alunos o ingresso de formamais proveitosa no meacutetodo participativo proposto pela FGV Direito Riode modo a compreenderem que as habilidades adquiridas nas o1047297cinas seratildeofundamentais agrave construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico que se espera dos alunos

Aleacutem disso as o1047297cinas de leitura principalmente por serem realizadas noprimeiro periacuteodo de graduaccedilatildeo prezam por uma nova concepccedilatildeo de estudoapresentando aos alunos uma maior re1047298exatildeo sobre as suas proacuteprias teacutecnicas

na conduccedilatildeo de seus estudos Espera-se que ao 1047297nal das o1047297cinas de leitura osalunos possam (i) compreender a importacircncia da leitura preacutevia (ii) entenderos elementos centrais a serem abordados no texto e (iii) possam perceber quesatildeo os principais sujeitos na construccedilatildeo do raciociacutenio juriacutedico a partir da suainserccedilatildeo no meacutetodo participativo Os alunos da FGV Direito Rio adquiriratildeoassim uma maior autonomia ao estudar por meio da sua praacutetica constanteestimulada pelas O1047297cinas que seratildeo oferecidas no Programa de Tutoria deforma a diminuir as di1047297culdades encontradas pelos alunos quando iniciameste processo que geralmente ocorre de forma isolada e desorientada Ou naspalavras de Paulo Freire ldquoEstudar eacute realmente um trabalho difiacutecil Exige de

quem o faz uma postura criacutetica sistemaacutetica Exige disciplina intelectual que natildeose ganha a natildeo ser praticando-a rdquo

METODOLOGIA DAS OFICINAS

Seratildeo formados pequenos grupos que seratildeo acompanhados por tutoresCada grupo teraacute dois encontros semanais nos quais faratildeo a leitura de textosque seratildeo trabalhados em sala de aula pelos professores das disciplinas de pri-

meiro periacuteodo Os encontros seratildeo participativos e os alunos deveratildeo reportar

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o texto eou elaborar pequenos escritos em que possam condensar a leituraque 1047297zeram

AVALIACcedilAtildeO

Os alunos receberatildeo nota pela atividade desenvolvida na o1047297cina de leitura A nota seraacute aferida de acordo com o cumprimento dos objetivos traccediladospara cada tipo de leitura pela participaccedilatildeo nos encontros e desenvolvimentodas habilidades ensinadas

O desenvolvimento das habilidades seratildeo avaliadas por meio de textosorais e escritos segundo cada tipo de leitura estrutural interpretativa e ava-liativa Na participaccedilatildeo seratildeo considerados a pontualidade a presenccedila fiacutesicado texto a elaboraccedilatildeo de perguntas e comentaacuterios sobre o texto a entrega dastarefas postura dialoacutegica e a autoria dos trabalhos

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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o texto eou elaborar pequenos escritos em que possam condensar a leituraque 1047297zeram

AVALIACcedilAtildeO

Os alunos receberatildeo nota pela atividade desenvolvida na o1047297cina de leitura A nota seraacute aferida de acordo com o cumprimento dos objetivos traccediladospara cada tipo de leitura pela participaccedilatildeo nos encontros e desenvolvimentodas habilidades ensinadas

O desenvolvimento das habilidades seratildeo avaliadas por meio de textosorais e escritos segundo cada tipo de leitura estrutural interpretativa e ava-liativa Na participaccedilatildeo seratildeo considerados a pontualidade a presenccedila fiacutesicado texto a elaboraccedilatildeo de perguntas e comentaacuterios sobre o texto a entrega dastarefas postura dialoacutegica e a autoria dos trabalhos

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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I O QUE Eacute LEITURA

Antes de iniciarmos nosso estudo eacute preciso de1047297nir nosso objeto Haacute se-gundo Orlandi (1996) ao menos quatro sentidos para o termo leitura Emuma acepccedilatildeo ampla pode ser entendida como atribuiccedilatildeo de sentidos istoeacute diante de qualquer ato de linguagem (escrito ou oral) eacute possiacutevel atribuir--lhe sentido Isso signi1047297ca ler esse ato de linguagem De outro lado podesigni1047297car tambeacutem concepccedilatildeo ou seja uma ideia que se tem a respeito dealgo Eacute neste sentido que dizemos leitura do mundo Empregada em termosacadecircmicos entende-se por leitura a construccedilatildeo de um aparato teoacuterico emetodoloacutegico que permite compreender algum assunto Assim diz-se quesatildeo vaacuterias as leituras de Kelsen por exemplo Por 1047297m emprega-se o termoleitura vinculando-o agrave atividade aprendida durante a alfabetizaccedilatildeo

Percebemos que embora sejam vaacuterias as acepccedilotildees da palavra leitura todasestatildeo ligadas agrave ideia de interpretaccedilatildeo e compreensatildeo Satildeo inclusive esses ostermos-chave usados por Adler (1954) em seu famoso A arte de ler Neleo autor conceitua leitura como o processo de interpretaccedilatildeo e compreensatildeodo que se apresenta aos sentidos sob a forma de palavras ou outras marcasinteligiacuteveis Acreditamos que esse seja um conceito de leitura razoaacutevel paradelimitar nossa discussatildeo

No entanto de um ponto de vista discursivo algumas consideraccedilotildees de-

vem ser feitas Primeiramente a leitura eacute produzida pelo leitor assim elafaz parte de um processo de atribuiccedilatildeo de sentidos No entanto esse sujeito--leitor tem suas especi1047297cidades de modo que o processo de atribuiccedilatildeo desentidos feito por esse leitor relaciona-se com ideologias e histoacuterias portantoFinalmente haacute variados modos de leitura de modo que a vida intelectualestaacute ligada aos modos e efeitos de leitura de cada eacutepoca e segmento social

Para sermos bons leitores eacute preciso aceitar uma posiccedilatildeo ativa em relaccedilatildeoao que se lecirc valorizando conhecimentos preacutevios e ousando em relaccedilatildeo aosditos e aos natildeo ditos Seguindo esse caminho poderemos ultrapassar umaleitura razoaacutevel e nos aproximar de uma leitura que ultrapasse os sentidosencontrados

No proacuteximo toacutepico encontraremos algumas dicas sobre como podemosmonitorar nossa leitura Seguindo apresentaremos algumas teacutecnicas que per-mitiratildeo ir de uma leitura super1047297cial agrave avaliaccedilatildeo do texto

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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II ORGANIZACcedilAtildeO E MONITORAMENTO DA LEITURA SENDO UMLEITOR ESTRATEacuteGICO

Os estudantes dedicam boa parte de seu tempo agrave leitura Por meio deladesenvolvem habilidades de re1047298exatildeo e de trabalho No entanto ler um textode forma super1047297cial eacute bastante diferente de compreendecirc-lo Por isso muitosestudantes encontram di1047297culdades quando enfrentam perguntas em provasescritas e orais sobre determinado conteuacutedo

De todo modo natildeo basta ler o texto para dominar seu conteuacutedo Existemestrateacutegias que nos auxiliam na construccedilatildeo de uma estrutura que se pode uti-lizar posteriormente para exposiccedilotildees escritas e orais seja em provas ou emtrabalhos acadecircmicos Aprender implica em saber ler

Destacam-se entatildeo algumas dessas estrateacutegias1) Leia a ementa da disciplina2) Faccedila uma preacute-leitura do texto como preparaccedilatildeo3) Sublinhe e destaque o texto4) Faccedila anotaccedilotildees e comentaacuterios5) Procure orientaccedilatildeo com o professor

1 LENDO A EMENTA DA DISCIPLINA

Antes de ler o texto indicado pelo professor procure pela ementa da dis-ciplina Nela vocecirc poderaacute veri1047297car os temas tratados no curso e examinar osobjetivos propostos pelo professor

ExemploTeoria do Estado Democraacutetico mdash Objetivos 1) Relacionar Poliacutetica e Di-

reito 2) apresentar conceitos fundamentais da anaacutelise poliacutetica contempo-racircnea 3) identi1047297car as ideias centrais das teorias do estado democraacutetico 4)examinar os principais problemas da construccedilatildeo democraacutetica no Brasil doseacuteculo XX 5) enfatizar a dimensatildeo poliacutetica do direito investigar poliacutetica

e democracia como um processo em aperfeiccediloamento e como dinacircmica departicipaccedilatildeo social

2 FAZENDO UMA PREacute983085LEITURA DO TEXTO

Antes de iniciar a leitura do texto pergunte-se o que vocecirc sabe sobre o as-sunto em questatildeo Procure ler os tiacutetulos dos capiacutetulos e subcapiacutetulos e re1047298itaa respeito do que vocecirc espera do texto Ao longo da leitura veri1047297que se suas

previsotildees se con1047297rmam

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Exemplo

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

SUMAacuteRIO

1) Socialismo e depois A morte do socialismo Social-democracia do velho estilo A perspectiva neoliberal As doutrinas comparadas Os debates recentes Estruturas de apoio poliacutetico O destino da social-democracia 2) Cinco dilemas Globalizaccedilatildeo Individualismo Esquerda e direita

Accedilatildeo poliacutetica Questotildees ecoloacutegicas Poliacutetica da terceira via

3) Estado e Sociedade Civil A democratizaccedilatildeo da democracia A questatildeo da sociedade civil Crime e comunidade A famiacutelia democraacutetica

4) O Estado do investimento social O signi1047297cado de igualdade Inclusatildeo e exclusatildeo Uma sociedade de welfare positivo Estrateacutegias de investimento pessoal5) Rumo agrave era global A naccedilatildeo cosmopolita Pluralismo cultural

Democracia cosmopolita A Uniatildeo Europeia Governo global Fundamentalismo de mercado em

escala global

3 SUBLINHANDO

Natildeo eacute raro que estudantes queixem-se da di1047297culdade de de1047297nir o quedestacar num texto Muitos sublinham tudo outros nada Diante desses pro-blemas percebe-se que se trata de uma teacutecnica mais complexa do que parece

A) Quando sublinhar

O trabalho de sublinhar um texto eacute simultacircneo agrave leitura De todo modovocecirc pode preferir sublinhar o texto apoacutes uma leitura inicial

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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B) Quanto sublinhar

Aquilo que eacute sublinhado soacute se torna uacutetil quando o estudante selecionauma quantidade reduzida de informaccedilotildees do texto

C) O que sublinhar

Procure sublinhar as ideias-chave e as de1047297niccedilotildees utilizadas ao longo dotexto Cada disciplina possui uma linguagem proacutepria geralmente relacionadaaos objetivos estabelecidos pelo professor nas ementas dos cursos

D) Como sublinhar

Eacute importante diferenciar o que vocecirc estaacute sublinhando Uma estrateacutegiainteressante pode ser usar cores ou formas de sublinhados diversos diferen-ciando por exemplo os argumentos da conclusatildeo

4 FAZENDO ANOTACcedilOtildeES E COMENTAacuteRIOS

Tipos Palavras-chave pequenas frases resumos curtos tabelas e diagra-mas

Eacute importante que as anotaccedilotildees sejam compreensiacuteveis numa releitura dotexto ainda que tenha se passado um bom tempo Quando as anotaccedilotildees fo-rem feitas em palavras-chave deixe claras as relaccedilotildees entre elas

Vocecirc deve preferir utilizar palavras suas a natildeo ser quando for importantefazer uma citaccedilatildeo As anotaccedilotildees devem ser curtas e objetivas simpli1047297candosempre que possiacutevel o texto original

Assim que terminar de tomar as notas procure ler todas elas e veri1047297car se

estaacute tudo compreensiacutevel

Exemplo

Individualismo A solidariedade vem sendo haacute longo tempo um tema da social-

-democracia O legado original de Marx foi ambivalente no tema doindividualismo versus coletivismo Marx falou do desaparecimento do

Estado com o advento de uma sociedade socialista plenamente ama-durecida em que ldquoo livre desenvolvimento de cada um determinaraacute o

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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livre desenvolvimento de todosrdquo Na praacutetica tanto o socialismo quan-to o comunismo punham forte ecircnfase no papel do Estado na geraccedilatildeo

tanto da solidariedade quanto da igualdade O coletivismo tornou-seum dos traccedilos mais destacados a distinguir a social-democracia do con-servadorismo que ideologicamente enfatizava muito mais ldquoo individu-alrdquo Uma atitude coletivista foi tambeacutem parte da ideologia democraacuteticacristatilde em paiacuteses da Europa continental

Isso em grande parte vem se invertendo desde o 1047297nal da deacutecada de1970 Os social-democratas tiveram de responder ao desa1047297o do ne-oliberalismo mas mais importantes foram as mudanccedilas em processonos paiacuteses ocidentais que ajudaram a dar ao thatcherismo sua alavancaideoloacutegica Com alguma supersimpli1047297caccedilatildeo poder-se-ia dizer que a so-cial-democracia claacutessica foi mais bem sucedida e mais bem desenvolvi-da em paiacuteses menores ou em paiacuteses com culturas nacionais homogecircne-as Todos os paiacuteses ocidentais no entanto tornaram-se culturalmentemais pluralistas com uma proliferaccedilatildeo de estilos de vida mdash uma con-sequecircncia em parte da proacutepria a1047298uecircncia que a ldquosociedade do welfarerdquoajudou a produzir

Como sua nova posiccedilatildeo eacute mais baseada num afastamento relutantedos velhos pontos de vista do que positivamente motivada natildeo eacute desurpreender que os social-democratas tenham tido de lutar para se aco-

modar agrave crescente importacircncia do individualismo e agrave diversidade dosestilos de vida Eles foram incapazes de decidir ateacute que ponto o novoindividualismo eacute o mesmo do indiviacuteduo interesseiro retratado na teoriaeconocircmica liberal e portanto a ser cerceado por coibiccedilotildees A1047297nal decontas foi para contestar precisamente essa ideia do ldquoindiviacuteduo autocirc-nomordquo que o socialismo se desenvolveu

Vaacuterios problemas baacutesicos tecircm de ser enfrentados Que eacute exatamenteo novo individualismo Como ele se relaciona com o papel amplia-do agora desempenhado pelos mercados Estamos testemunhando aascensatildeo de uma geraccedilatildeo do ldquoeurdquo que resultaraacute numa sociedade do

ldquoprimeiro eurdquo que inevitavelmente destruiraacute valores comuns e preocu-paccedilotildees puacuteblicas Se a liberdade pessoal deve receber maior ecircnfase dossocial-democratas que no passado como deveria o antigo problema darelaccedilatildeo entre liberdade e igualdade ser atacado

Esquerda e direita tecircm se sentido igualmente atemorizadas diantedo surgimento da sociedade do primeiro-eu e de suas consequecircnciasdestrutivas para a solidariedade social mas elas a atribuem a diferen-tes causas Os autores social-democratas veem suas origens em forccedilasde mercado juntamente com o impacto ideoloacutegico do thatcherismo

com sua ecircnfase na ideia de que os indiviacuteduos deveriam se defender porsi mesmos em vez de depender do Estado Jaacute os neoliberais e outros

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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conservadores se voltam para a permissividade da deacutecada de 1960 quedesencadeou um processo de decadecircncia moral

ExemploNenhuma das hipoacuteteses resiste a um exame atento Pesquisas reali-

zadas em diferentes paiacuteses sugerem que todo o debate precisa ser refor-mulado A geraccedilatildeo do ldquoeurdquo e uma descriccedilatildeo enganosa do novo indivi-dualismo que natildeo assinala um processo de decadecircncia moral Muitoao contraacuterio os levantamentos mostram que as geraccedilotildees mais jovenshoje estatildeo sensibilizadas para uma gama mais ampla de inquietaccedilotildeesmorais do que as geraccedilotildees anteriores No entanto elas natildeo relacionamesses valores com a tradiccedilatildeo nem aceitam a legislaccedilatildeo sobre questotildees deestilo de vida por formas tradicionais de autoridade Alguns desses va-lores morais satildeo claramente poacutes-materialistas no sentido de Inglehartdizendo respeito por exemplo a questotildees ecoloacutegicas direitos humanosou liberdade sexual

Como o socioacutelogo Ulrich Beck observa o novo individualismo

rdquonatildeo eacute thatcherismo nem individualismo de mercado nem atomi-zaccedilatildeo Ao contraacuterio ele signi1047297ca ldquoindividualismo institucionalizadordquo

A maior parte dos direitos e garantias do welfare state por exemplo eacuteatribuiacuteda a indiviacuteduos e natildeo a famiacutelias Em muitos casos eles pressu-

potildeem o emprego O emprego por sua vez implica educaccedilatildeo e ambospressupotildeem mobilidade Por meio de todas essas exigecircncias as pessoassatildeo convidadas a se constituir como indiviacuteduos planejar-se compreen-der-se projetar-se a si mesmas como indiviacuteduosrdquo

O novo individualismo em suma estaacute associado ao afastamentoda tradiccedilatildeo e do costume de nossas vidas um fenocircmeno relacionadomais com o impacto da globalizaccedilatildeo num sentido amplo do que com amera in1047298uecircncia de mercados O welfare state desempenhou seu apeloErigidas sob a eacutegide do coletivismo instituiccedilotildees do welfare ajudaram

a libertar os indiviacuteduos de algumas das 1047297xidades do passado Em vezde ver nossa eacutepoca como marcada pela decadecircncia moral portanto fazsentido vecirc-la como uma eacutepoca de transiccedilatildeo moral Se o individualismoinstitucional natildeo eacute sinocircnimo de interesse pessoal ele representa umaameaccedila menor para a solidariedade social mas implica que devemosbuscar novos meios para produzir essa solidariedade A coesatildeo socialnatildeo pode ser assegurada pela accedilatildeo de cima para baixo do Estado oupelo apelo agrave tradiccedilatildeo Temos de moldar nossas vidas de uma maneiramais ativa do que o 1047297zeram geraccedilotildees anteriores e precisamos aceitar

mais ativamente responsabilidades pelas consequecircncias do que fazemose dos haacutebitos de estilos de vida que adotamos O tema da responsabili-

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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dade ou da obrigaccedilatildeo muacutetua estava laacute na social-democracia do velhoestilo mas permanecia em grande parte latente jaacute que era submergido

no conceito de provisatildeo coletiva Temos de encontrar um novo equiliacute-brio entre indiviacuteduo e responsabilidades coletivas hoje

Muitos criacuteticos esquerdistas mantecircm uma atitude reservada em re-laccedilatildeo ao novo individualismo Auto-realizaccedilatildeo a realizaccedilatildeo de um po-tencial natildeo satildeo essas coisas meras formas de terapia pela palavra ou aauto-indulgecircncia dos a1047298uentes Obviamente podem ser mas encaraacute-lascomo nada mais que isso eacute deixar de perceber uma colossal mudanccedilanas atitudes e aspiraccedilotildees das pessoas O novo individualismo segue dematildeos dadas com pressotildees por maior democratizaccedilatildeo Todos noacutes temosde viver de uma maneira mais aberta e re1047298exiva que geraccedilotildees anterioresEssa mudanccedila natildeo eacute em absoluto apenas beneacute1047297ca novos temores e an-siedades passam a ocupar o primeiro plano Mas muitas possibilidadespositivas adicionais emergem tambeacutem

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999p 44-47

5 PROCURANDO AJUDA DO PROFESSOR

Se vocecirc tem alguma di1047297culdade com a leitura do texto natildeo hesite emperguntar ao professor Eacute importante no entanto que vocecirc esclareccedila qualeacute sua duacutevida Reclamaccedilotildees do tipo ldquoEu natildeo entendi nadardquo natildeo oferecem aoprofessor condiccedilotildees para responder agraves suas perguntas Tente entatildeo anotaacute-lasantes de levaacute-las ao professor (seja por e-mail ou pessoalmente)

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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III ESTRATEacuteGIAS DE LEITURA

ldquoAcreditar em soluccedilotildees pedagoacutegicas desvinculando-as do seu caraacutetersoacutecio-histoacuterico mais amplo para se resolver a questatildeo da leitura ge-ralmente se propotildeem teacutecnicas para que se decirc conta em algumas horassemanais dessa propalada incapacidaderdquo (Orlandi 199636)

Para natildeo cairmos no que a autora chama de pedagogismo eacute preciso seter em mente que apenas o aprendizado de estrateacutegias de leitura natildeo seraacutesu1047297ciente para nos tornarmos leitores bons e criacuteticos Se a leitura eacute uma accedilatildeoque nos eacute ensinada quando somos iniciados no mundo letrado devemos noslembrar de que ela estaacute situada na nossa histoacuteria e faz parte de tudo que co-nhecemos Para sermos leitores melhores devemos cuidar de ampliar nossasreferecircncias de olhar para o mundo e de conectaacute-lo ao ato de ler

AS HABILIDADES DE LEITURA

De acordo com Kleiman (2004) a habilidade de leitura pode ser repartidaem trecircs outras habilidades (i ) capacidade para perceber a estrutura do texto(ii ) capacidade para perceber ou inferir o tom intenccedilatildeo e atitude do autor e

(iii ) capacidade de fazer paraacutefrases do texto Veremos agora como podemosmelhorar (ou mesmo alcanccedilar) as duas primeiras capacidades a uacuteltima seraacutevista mais tarde quando tratarmos de escrita

O claacutessico livro de Mortimer J Adler (1954) compreende a leitura comouma arte de ensinamento possiacutevel No intento de tornar seu leitor algueacutem quepossa realmente ler Adler apresenta trecircs modos de leitura a saber (1) leituraestrutural ou analiacutetica (2) leitura interpretativa e (3) leitura avaliativa ou criacutetica

Percebemos a complementaridade das ideias de ambos os autores Paradesenvolvermos as capacidades expostas por Kleiman observaremos as regraspropostas por Adler Assim relacionaremos a capacidade de apreender a es-trutura do texto agraves regras da leitura analiacutetica Da mesma maneira usaremosos passos de Adler referentes agrave leitura interpretativa para atingirmos a capa-cidade de inferecircncia da atitude do autor Finalmente estudaremos as normasquanto agrave leitura avaliativa entendendo ser tal leitura etapa necessaacuteria para aconstruccedilatildeo de paraacutefrases do texto

31 LEITURA ESTRUTURAL CAPTANDO A ESTRUTURA DO TEXTO

No presente estudo sobre leitura analiacutetica buscaremos desenvolver a ha-bilidade de leitura Para tanto nos apropriaremos do modelo de linguiacutestica

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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ltgt Considerando a diversidade dosgecircneros discursivos MAINGUENEAU(2006 150-151) os classi1047297ca em grausAssim haveria gecircneros de primeiro aquinto grau sendo o gecircnero de pri-meiro grau aquele que natildeo se submetea variaccedilotildees e que mantecircm foacutermulas eesquemas rigorosos como certidotildeesde nascimento listas telefocircnicas e osgecircneros de quinto grau aqueles ldquoparaos quais a noccedilatildeo de gecircnero em si jaacute potildeeum problema Eles natildeo possuem umformato preacute-estabelecido mas zonasgeneacutericas subdeterminadas nas quais

uma uacutenica pessoa um autor com expe-riecircncia individual autocategoriza suaproacutepria produccedilatildeo verbalrdquo

textual criado por Teun Van Djik Segundo o autor o texto eacute formado pormicro e macroestruturas advindas de uma superestrutura Mas o que seriam

estas partes necessariamente conectadas que confeririam vida e signi1047297cado aotexto e que em verdade seriam a proacutepria essecircncia daquele

Neste sentido aponta Teun Van Djik que as microestruturas seriam aspalavras os periacuteodos e a sequecircncia que garantiria a coerecircncia e a coesatildeo dotexto Seriam portanto as microestruturas o modo como se diz o que sequer dizer os instrumentos gramaticais que noacutes utilizamos para evidenciarnosso ponto de vista passar nossa mensagem traduzir em palavras nossaspretensotildees literais periacuteodos e paraacutegrafos longos ou curtos escolha de voca-bulaacuterio pontuaccedilotildees 1047297guras de linguagem etc

Necessariamente conectada agrave microestrutura temos num segundo mo-mento a macroestrutura Ora se temos as palavras frases paraacutegrafos quebuscam traduzir de forma inteligiacutevel algo que se pretende comunicar ao in-terlocutor a macroestrutura seria exatamente a mensagem a ser passada osigni1047297cado que procuram indicar aquelas palavras aglutinadas em frases e pa-raacutegrafos Em outras palavras a macroestrutura aponta para o sentido globaldo texto Seria a macroestrutura o que de fato estaacute sendo dito ou se pretendedizer Natildeo eacute mais o modo como se diz e sim o que se diz o que se pretendepassar para o hipoteacutetico leitor

Temos ainda a parte mais externa que engloba as outras duas jaacute apresenta-

das a superestrutura Segundo a linguista Acircngela Kleiman a superestruturado texto se relaciona diretamente agrave noccedilatildeo de gecircnero Marcuschi (2005) trazde1047297niccedilatildeo de maneira bastante didaacutetica dizendo

[Gecircnero eacute a] ldquonoccedilatildeo propositalmente vaga para referir os textos ma-terializados que encontramos em nossa vida diaacuteria e que apresentam ca-racteriacutesticas soacutecio-comunicativas de1047297nidas por conteuacutedos propriedadesfuncionais estilo e composiccedilatildeo caracteriacutestica () Alguns exemplos degecircneros textuais seriam telefonema sermatildeo carta comercial carta pesso-al romance bilhete reportagem jornaliacutestica horoacutescopo receita culinaacuteria

bula de remeacutedio lista de compras cardaacutepio de restaurante instruccedilotildees deuso outdoor inqueacuterito policial resenha edital de concurso piada conver-saccedilatildeo e espontacircnea conferecircncia carta eletrocircnica bate-papo por computa-dor aulas virtuais e assim por dianterdquo

Os gecircneros satildeo textos que em razatildeo de sua funccedilatildeo social e comunicativamantecircm formatos certos1 ou seja variam de acordo com o que devem trans-mitir desde um documento como a escritura de um imoacutevel ateacute uma poesia

Este formato certo implica em relaccedilotildees microestruturais que seratildeo tam-

beacutem repetidas ou seja as microestruturas de um texto (e seu formato) satildeo de-terminadas pelo gecircnero (documento texto acadecircmico poesia) a que pertence

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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tal texto O modo de construccedilatildeo textual de uma carta endereccedilada a um ami-go distante se difere em muitos pontos de uma peccedila processual manuseada

diariamente por um advogado no que toca agrave microestrutura a ser utilizadaDesta maneira temos que a superestrutura eacute o que de1047297ne de que forma amicroestrutura seraacute utilizada se adequando agrave necessidade do caso concretoa utilizaccedilatildeo de certas palavras determinadas construccedilotildees frasais termos colo-quiais formais teacutecnicos jargotildees giacuterias entre outros

Disso decorre que natildeo podemos deixar de lado o entendimento sobre ogecircnero (e nesse sentido as perguntas que se fazem satildeo qual eacute a funccedilatildeo socio-comunicativa desse gecircnero Trata-se de um gecircnero mais ou menos estaacutevel)para compreendermos as microestruturas textuais ou seja seu formato demodo que possamos revelar a macroestrutura o signi1047297cado de dado textoUma leitura competente deve necessariamente passar pela apreensatildeo do sen-tido global do texto

Na leitura estrutural ou analiacutetica o leitor vai do todo agraves partes da seguintemaneira primeiramente e por mais oacutebvio que pareccedila o leitor deve se enga-

jar em descobrir o tipo de livro que estaacute lendo e o assunto de que trata Emoutras palavras eacute necessaacuterio classi1047297car o livro de acordo com um gecircnero Emacircmbito universitaacuterio eacute bastante comum a leitura de textos do gecircnero aca-decircmico resenhas artigos tratados Neste aspecto eacute indispensaacutevel a leituraatenta de tiacutetulo subtiacutetulo iacutendice e prefaacutecio Deve-se responder agrave pergunta

que tipo de texto eacute esteEm segundo lugar deve-se buscar compreender o que o livro como umtodo procura dizer Haacute que se tentar mostrar a unidade do livro em umafrase uacutenica ou quando muito em poucas frases (paraacutegrafo curto) isto eacutedescobrir seu tema sua questatildeo principal O que o livro como um todoprocura dizer

Em seguida deve-se pensar em quantas partes esse todo se divide Eacute pre-ciso destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizamem um todo relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se agrave unidadedo todo (em quantas partes esse todo se divide) e tratar as partes como se

fossem todos secundaacuterios cada uma com sua unidade e complexidade proacute-pria Por 1047297m deve buscar pelos principais problemas anunciados pelo autore quais deles pretende resolver Para tanto a seguinte pergunta deve ser res-pondida Dos problemas principais quais satildeo aqueles que o autor estaacute pro-curando resolver

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Resumidamente teriacuteamos o seguinte o caminho

Objetivo Perguntas O que fazer

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este

Leia atentamente o tiacutetulo o sub-

tiacutetulo o prefaacutecio a apresentaccedilatildeo

e o iacutendice do livro

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

Tente mostrar a unidade do livro

em uma frase uacutenica ou quando

muito em poucas frases (paraacute-

grafo curto) isto eacute tente apontar

seu tema sua questatildeo principal

Entender a divisatildeo do textoEm quantas partes esse todo se

divide

Destaque as principais partes

do texto e mostre como elas se

organizam em um todo relacio-

nando-se mutuamente entre si e

referindo-se agrave unidade do todo

Trate as partes como se fossem

todos secundaacuterios cada uma

com sua unidade e complexida-

de proacutepria

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

Relacione a segunda e a terceira

regras e tente formular uma per-

gunta

A realizaccedilatildeo da leitura estrutural ou analiacutetica nos permite ter uma com-preensatildeo global do texto organizando as ideias referentes agravequele em quatroeixos A partir dessa leitura pode-se determinar em linhas gerais os argumen-tos centrais do capiacutetulo livro artigo etc Por isso a leitura estrutural podeser um bom instrumento para a primeira abordagem sobre um tema desco-nhecido revelando seu conteuacutedo de forma sistematizada Vale frisar que aleitura estrutural pode ser feita nos diversos tipos de textos lidos pelos alunosde uma faculdade de direito livros artigos teses e ateacute uma decisatildeo judicialsimples ou complexa

Vejamos como isso funciona

Passo 1 Determinaccedilatildeo do gecircnero Que tipo de texto eacute este

Ao analisarmos o livro O conceito de Direito podemos concluir que se tratade um escrito acadecircmico que traz no primeiro capiacutetulo o iniacutecio da discussatildeoque permearaacute toda a obra Dizer que eacute um escrito acadecircmico eacute de grande va-

lia para alcanccedilarmos a estrutura do texto o escrito acadecircmico como membrode determinado gecircnero discursivo comporta algumas caracteriacutesticas que jaacute

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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satildeo por noacutes esperadas De acordo com Maingueneau (2006) o gecircnero aca-decircmico eacute de segundo grau isto eacute trata-se de gecircnero no qual o falante precisa

produzir um enunciado singular ao mesmo tempo em que obedece a umroteiro bastante riacutegido

Uma de suas caracteriacutesticas geneacutericas eacute a exposiccedilatildeo de teses que admitea possibilidade de apresentaccedilatildeo de antiacuteteses para diversos 1047297ns Tal uso podefortalecer o argumento ao demonstrar incongruecircncias na exposiccedilatildeo ou paraagregar parte dela criando uma siacutentese que se mostra inovadora dentre ou-tras tantas possibilidades

Ao analisar o gecircnero discursivo eacute preciso que se detenha algum tempore1047298etindo sobre o destinataacuterio No caso do gecircnero acadecircmico o puacuteblico--alvo neste caso leitores constitui-se de diferentes personagens da academia

Assim temos como leitores virtuais dois grandes grupos O primeiro poderiaser formado por estudantes daquela disciplina e professores isto eacute pessoasque buscam agregar conhecimento a partir da leitura daquela obra No se-gundo grupo estariam pesquisadores e tambeacutem autores daquele campo Fa-lamos portanto de pessoas que veratildeo o livro natildeo como fonte de saber mascomo objeto de estudo

Ter esse puacuteblico-alvo faz com que primeiramente o autor pressuponhauma seacuterie de discussotildees e conhecimentos preacutevios Em segundo lugar a fala doautor seraacute dirigida ora agravequeles que buscam compreensatildeo e ora agravequeles que o

examinaratildeo e travaratildeo com ele debates especiacute1047297cos que disputaratildeo suas ideiase o entendimento sobre aquele campo Eacute de se esperar portanto uma falaque se organizaraacute de tempos em tempos como uma argumentaccedilatildeo e comouma exposiccedilatildeo

Temos ainda algumas informaccedilotildees contidas no tiacutetulo e no prefaacutecio sobre otipo de texto O conceito de direito nos antecipa que estaremos diante de umadiscussatildeo absolutamente teoacuterica O prefaacutecio especi1047297ca o campo ldquoEmboraseja primariamente destinado aos estudantes de direito espero que possatambeacutem servir agravequeles cujos principais interesses recaem na 1047297loso1047297a moralou poliacutetica ou na sociologia mais do que no direitordquo (HART 2001 1)

Sabemos entatildeo que se trata de um texto teoacuterico do campo da teoria dodireito mas destinado tambeacutem aos estudiosos de ciecircncias a1047297ns e que teraacute oformato de discussatildeo proacuteprio dos escritos acadecircmicos

Eacute possiacutevel fazer esse tipo de anaacutelise estrutural de um texto judicial sejameles uma sentenccedila ou um acoacuterdatildeo Sim nesse caso deve-se proceder da mes-ma maneira indagando-se sobre as particularidades do texto de maneira ainseri-lo em algum gecircnero

Vejamos o exemplo da ADI 4277DF Provavelmente para a maioria dosleigos ou estudantes de direito do primeiro ano a terminologia ADI natildeo faccedila

sentido algum A leitura estrutural se pronti1047297ca a revelar o signi1047297cado dessetexto ainda desconhecido Seguindo o primeiro passo da leitura estrutural o

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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leitor deve se perguntar que texto eacute esse De imediato pode-se constatar quenatildeo se trata de um texto padratildeo ou de um livro visto que natildeo haacute indiacutecios de

prefaacutecio iacutendice ou mesmo da organizaccedilatildeo usual de introduccedilatildeo desenvolvi-mento e conclusatildeo Uma leitura raacutepida revelaraacute que o cabeccedilalho de todas aspaacuteginas conteacutem ldquoSupremo Tribunal Federalrdquo e que ADI signi1047297ca Accedilatildeo Dire-ta de Inconstitucionalidade Veremos ainda que o texto encontra-se divididoem relatoacuterio e votos entre outras seccedilotildees Os votos prolatados por diferentesministros decidem algumas questotildees expostas no relatoacuterio Podemos nessemomento reelaborar a questatildeo inicial mdash Que tipo de texto apresenta essa es-trutura Uma decisatildeo judicial colegiada isto eacute feita por mais de um ministro

Como no exemplo sobre o livro O Conceito de Direito aqueles que re-digiram a ADI 4277DF tiveram em algum momento preocupaccedilatildeo com opuacuteblico alvo de maneira que o texto se apresentasse compreensiacutevel Quem eacuteo puacuteblico alvo de uma decisatildeo judicial De um lado os advogados e juiacutezesPor essa razatildeo o texto de uma decisatildeo judicial conteacutem um vocabulaacuterio teacutecnicoextenso Por outro lado as pessoas em geral com interesse na causa tambeacutempodem ser leitoras desse texto e muitas vezes em razatildeo desse vocabulaacuterioespeciacute1047297co o texto pode se apresentar incognosciacutevel

PASSO 2 O QUE O TEXTO COMO UM TODO PROCURA DIZER

O texto de Hart eacute bastante claro No prefaacutecio o autor indica seu objetivoldquoFoi meu desiacutegnio neste livro aprofundar a compreensatildeo do direito da co-erccedilatildeo e da moral como fenocircmenos sociais diferentes mas relacionadosrdquo Umexerciacutecio importante eacute tentar escrever a partir do que acabou de ser lido umtexto proacuteprio nos moldes propostos por Adler isto eacute um periacuteodo curto sobrea tese do autor Podemos entatildeo dizer sustenta-se nesta obra a ideia que direi-to moral e coerccedilatildeo satildeo fenocircmenos distintos Busca-se neste sentido a construccedilatildeode uma de1047297niccedilatildeo de direito que se afaste das noccedilotildees de moral e coerccedilatildeo

De maneira semelhante podemos determinar em linhas gerais o propoacutesito

ou o que estaacute sendo decidido na ADI 4722DF No relatoacuterio encontramos

ldquoPor outra volta o acionante postula a aplicaccedilatildeo do meacutetodo analoacutegicode integraccedilatildeo do direito para equipara as uniotildees estaacuteveis homoafetivas agravesuniotildees igualmente estaacuteveis que se datildeo entre pessoas de sexo diferente Desdeque tanto numa quanto noutra tipologia de uniatildeo sexual tome corpo umaconvivecircncia tatildeo contiacutenua quanto puacuteblica e nitidamente direcionada para a

formaccedilatildeo de uma autocircnoma unidade domeacutestica ()rdquo ldquo() o aguente pedeque se declare em sede liminar a validade das decisotildees administrativas que

equiparam as uniotildees homoafetivas agraves uniotildees estaacuteveis ()rdquo

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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O assunto principal tratado em toda a decisatildeo ou texto seraacute a equipara-ccedilatildeo da uniatildeo homoafetiva agrave uniatildeo estaacutevel heterossexual

PASSO 3 EM QUANTAS PARTES ESSE TODO SE DIVIDE

O livro O conceito de Direito como um todo eacute dividido em dez capiacutetulosPara o nosso exerciacutecio selecionamos o primeiro capiacutetulo Vamos consideraacute-loum todo embora tenhamos a consciecircncia de se tratar de um todo secundaacuterio

Temos assim que retomar o passo 2 e entender o que este capiacutetulo comoum todo procura dizer a teoria do direito tem tentado insistentemente res-ponder agrave pergunta o que eacute direito A recorrecircncia dessa questatildeo tem como panode fundo trecircs noacutes ainda natildeo desatados quais sejam a relaccedilatildeo entre direito ecoerccedilatildeo a relaccedilatildeo entre direito e moral e em que diferem os haacutebitos das regras

juriacutedicas Por natildeo terem conseguido exaurir essas questotildees as de1047297niccedilotildees dedireito ateacute entatildeo apresentadas satildeo insu1047297cientes para o avanccedilo da teoria Hartse propotildee a esclarecer tais questionamentos contribuindo para o caminharda disciplina

Voltando-se agraves partes o capiacutetulo divide-se em trecircs (i ) Perplexidades dateoria do direito (ii ) recircs questotildees recorrentes e (iii ) De1047297niccedilatildeo

Na primeira parte o autor trata de um fato curioso e que merece a atenccedilatildeo

dos estudiosos do direito embora haja uma in1047297ndaacutevel discussatildeo por partedos teoacutericos do campo sobre o que vem a ser o direito a maioria das pessoasalheias a esse debate (e que utilizam o direito como destinataacuterio de algumade suas normas) pode de1047297ni-lo sem grandes di1047297culdades Alerta no entantoque a discussatildeo permanece porque haacute aspectos do direito que suscitam in-compreensotildees em todos os tempos Natildeo se trata portanto da ignoracircncia dosteoacutericos do campo quanto agraves caracteriacutesticas do direito que fazem com quequalquer cidadatildeo de1047297na direito

Na segunda parte Hart elucida os trecircs pontos do direito que geram as ditasincompreensotildees contiacutenuas O primeiro deles refere-se agrave relaccedilatildeo entre direito e

coerccedilatildeo dizemos que algumas condutas satildeo natildeo facultativas quando haacute umaameaccedila se natildeo cumpridas Embora essa seja uma caracteriacutestica do direito soacute oeacute em certos casos pois nem todas as obrigaccedilotildees em que haacute ameaccedila de sanccedilatildeopodem ser chamadas de direito A primeira pergunta recorrente eacute portantoldquoem que diferem o direito e as ordens baseadas em ameaccedilas e como eles se relacio-nam rdquo O segundo ponto diz respeito agrave relaccedilatildeo entre direito e moral Direitoe moral partilham um vocabulaacuterio comum mas guardam suas diferenccedilas Odireito eacute um segmento da moral Se natildeo em que diferem e como se relacionam Oterceiro ponto eacute mais abrangente Trata de uma a1047297rmaccedilatildeo comum segundo a

qual o direito eacute um conjunto de regras Todavia pergunta-se frequentemen-

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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te o que satildeo regras O que quer dizer que uma regra existe Qual eacute a diferenccedilaentre o comportamento habitual de um grupo social e a existecircncia de uma regra

Na terceira parte Hart relaciona essas trecircs questotildees recorrentes agrave questatildeoda insu1047297ciecircncia das de1047297niccedilotildees de direito que tecircm sido apresentadas e trataainda das di1047297culdades proacuteprias de se de1047297nir algo Por 1047297m o autor volta adestacar o objetivo de sua obra

Ao efetuarmos a leitura estrutural da ADI 4277DF podemos dividi-laigualmente em partes O texto eacute constituiacutedo de quatro partes (i) relatoacuterio(ii) votos (iii) acoacuterdatildeo e (iv) ementa Diferentemente de um livro o texto deuma decisatildeo judicial eacute fragmentando em partes que apresentam objetivosdiferentes

No relatoacuterio o Ministro Ayres de Britto expotildee de forma sinteacutetica os as-suntos que foram discutidos e pleiteados na accedilatildeo Da leitura do relatoacuterio jaacutepodemos inferir que a accedilatildeo tem por objetivo equiparar as relaccedilotildees homoafe-tivas estaacuteveis agraves uniotildees estaacuteveis heterossexuais como foi ressaltado no pontoanterior Os votos revelam os fundamentos e as razotildees de decidir de cadaministro Cada voto pode ser analisado isoladamente visto que os ministrosdecidiram com razotildees distintas Os votos tambeacutem podem ser estruturadosem partes Vejamos o exemplo do voto do Min Ayres Britto Seu voto podeser dividido em trecircs seccedilotildees (i) trata de razotildees processuais (ii) argumenta se aconstituiccedilatildeo nega a possibilidade da uniatildeo estaacutevel homoafetiva e desenvolve o

conceito de famiacutelia e por 1047297m (iii) expotildee quais satildeo as famiacutelias elencadas pelaconstituiccedilatildeo e se nelas se encaixa o conceito de uniatildeo estaacutevel homoafetiva

A ementa apresenta de maneira sucinta qual foi a decisatildeo 1047297nal que prepon-derou no caso em questatildeo Resta claro que os ministros conferiram isonomiaaos casais heteroafetivos e os pares homoafetivos Acoacuterdatildeo eacute a terminologiaque designa o resultado do julgamento dado pelos tribunais As decisotildees dostribunais superiores satildeo coletivas de maneira que os ministros ou desembar-gadores acordam sobre a decisatildeo 1047297nal

PASSO 4 DOS PROBLEMAS PRINCIPAIS QUAIS SAtildeO AQUELES QUE O AUTOR ESTAacute PROCURANDO RESOLVER

Dissemos que no uacuteltimo paraacutegrafo o autor volta a enfatizar seu alvo nestaobra Podemos dizer que suas perguntas satildeo as seguintes partindo da com-preensatildeo de que satildeo fenocircmenos sociais distintos mas que estatildeo relacionadoso autor buscaraacute saber quais satildeo as semelhanccedilas e diferenccedilas entre o direito acoerccedilatildeo e a moral Respondendo a essa pergunta poderaacute talvez propor umade1047297niccedilatildeo de direito que considera tais distinccedilotildees e que sirva para o avanccedilo da

teoria do direito

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Na ADI 4277DF os ministros estabelecem justi1047297cativas racionais e legaispara a resoluccedilatildeo do caso concreto Essa seraacute a mensagem principal do texto

A compreensatildeo do problema que eles buscam resolver poderia ser formuladada seguinte maneira O que ocorreu O que estaacute sendo decidido Como osministros decidiram Quais as justi1047297cativas utilizadas para a decisatildeo

Os ministros decidem fundamentados em razotildees distintas Assim as duasprimeiras perguntas podem ser respondidas em bloco pois o fato ocorridoeacute uacutenico e a decisatildeo 1047297nal tambeacutem Somente as justi1047297cativas que satildeo diacutesparesEm linhas gerais pede-se que os direitos decorrentes da uniatildeo estaacutevel entrehomem e mulher estendam-se aos pares homoafetivos A decisatildeo 1047297nal conce-de o que foi pedido ou seja a equiparaccedilatildeo das duas relaccedilotildees

Quadro de exemplo sobre a leitura estrutura da ADI 4277DF

Objetivo Perguntas Respostas

Determinar o gecircnero do texto Que tipo de texto eacute este Decisatildeo do STF

Determinar o assunto do textoO que o livro como um todo pro-

cura dizer

ldquoDiscussatildeo sobre a possibilidade

de equiparaccedilatildeo da relaccedilatildeo ho-

moafetiva agrave relaccedilatildeo estaacutevel hete-

rossexualrdquo

Entender a divisatildeo do texto

Em quantas partes esse todo se

divide

Relatoacuterio votos acoacuterdatildeo e emen-

ta Ressalta-se que cada voto po-

deraacute ser dividido em eixos temaacute-ticos

Entender o problema que o tex-

to apresenta

Dos problemas principais quais

satildeo aqueles que o autor estaacute pro-

curando resolver

O que ocorreu O que estaacute sen-

do decidido Como os ministros

decidiram Quais as justi1047297cativas

utilizadas para a decisatildeo

32 LEITURA INTERPRETATIVA PERCEBENDO OU INFERINDO O TOM AINTENCcedilAtildeO E A ATITUDE DO AUTOR

Conforme percebido do exposto anteriormente a leitura interpretativasucede a leitura estrutural e precede agrave analiacutetica Nesse momento jaacute se tem aideia de como se organiza o texto o objetivo nesta etapa eacute compreender amensagem do autor seu conteuacutedo para que em seguida na leitura avaliati-va vocecirc seja capaz de avaliar o texto positiva ou negativamente

Leitura interpretativa natildeo signi1047297ca depreender a ideia do leitor a respeitodo texto O objetivo desta leitura eacute (i) entender o que o autor quer dizer (ii)qual eacute o signi1047297cado das palavras que utiliza agrave luz do proacuteprio autor (iii) quais

satildeo seus argumentos (iv) e em que medida estes auxiliam a resposta dos

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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problemas que o autor desejou resolver Soacute depois de concluir este modo deleitura seria possiacutevel avaliar o texto (leitura analiacutetica)

Portanto o objetivo central da leitura interpretativa eacute possibilitar ao leitorum entendimento pleno sobre o texto que estaacute sendo estudado para quenum determinado momento aquele esteja apto a criticaacute-lo (positiva ou ne-gativamente) Como seraacute visto adiante quando do estudo da leitura analiacuteticaa compreensatildeo do texto necessariamente precede agrave criacutetica daquele

Neste momento deve-se inverter o caminho que se traccedilou anteriormenteVamos entatildeo das partes para o todo da seguinte maneira primeiramen-te devemos encontrar as palavras importantes Dando seguimento agrave leituraprecisamos selecionar as sentenccedilas importantes Seriam elas aquelas que abri-gam proposiccedilotildees ou seja declaraccedilotildees de conhecimento ou opiniatildeo do autorEm seguida eacute necessaacuterio encontrar os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Em relaccedilatildeo agraves palavras eacute importante compreender a relevacircncia da escolhavocabular Natildeo devemos olhar para as palavras de maneira ingecircnua Todapalavra empregada em um enunciado estaacute ali por uma razatildeo e exprime certosentido Soacute eacute possiacutevel alcanccedilaacute-lo todavia pela interpretaccedilatildeo no contexto emque estaacute inserida Requer-se entatildeo que se re1047298ita sobre a concretizaccedilatildeo desentidos as condiccedilotildees de produccedilatildeo do texto e a intertextualidade

O conjunto textual composto pelas palavras que exprimem conceitos eideias e as expressotildees que datildeo sentido e vida ao conteuacutedo que o autor pre-

tende transmitir atraveacutes de seu texto satildeo conduzidos e apresentados atraveacutesde linhas argumentativas que buscam convencer o leitor da hipoacutetese que estaacutesendo exposta no texto A argumentaccedilatildeo eacute a chave principal para o conven-cimento das ideias esposadas pelo autor Sem a argumentaccedilatildeo soacute existiriamproposiccedilotildees baseadas em ldquoachismosrdquo e opiniotildees pessoais preenchidas de par-cialidade

Argumentaccedilatildeo

Para haver argumentaccedilatildeo eacute necessaacuterio que exista (i) uma proposta so-bre o mundo que provoque questionamento quanto agrave sua legitimidade (ii)um sujeito que se engaje em relaccedilatildeo a esse questionamento e desenvolva umraciociacutenio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa proposta (iii)e outro sujeito que seja o alvo da argumentaccedilatildeo A argumentaccedilatildeo eacute a relaccedilatildeotriangular entre um sujeito argumentante (autor) uma proposta sobre o mundoe um sujeito-alvo (leitor)

Esquematicamente

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Figura 1 Argumentaccedilatildeo

Estabelecimento de uma

verdade

QuestionamentoQuestionamento

Persuasatildeo

A favorcontra

Fonte Charaudeau 2010

O argumento estaacute contido em um dos elementos de base da relaccedilatildeo ar-gumentativa Toda relaccedilatildeo argumentativa se compotildee de ao menos trecircs ele-mentos uma asserccedilatildeo de partida (dado premissa) uma asserccedilatildeo de chegada (conclusatildeo resultado) e uma ou mais asserccedilotildees de passagem (inferecircncia provaargumento)

Figura 2 Relaccedilatildeo Argumentativa

Fonte Charaudeau 2010

Por meio da leitura interpretativa busca-se compreender o que o autordiz precisa-se portanto entender seus argumentos Os argumentos estatildeosituados em meio agraves asserccedilotildees de partida e de chegada satildeo a prova de validadeapresentada pelo autor para convencerpersuadir seu interlocutor

Na produccedilatildeo de um determinado texto o autor tentar con1047297rmar suasassertivas atraveacutes da exposiccedilatildeo de dados e fatos trazidos por questionaacuteriosestatiacutesticas o1047297ciais etc que possam con1047297rmar o que estaacute sendo propostono texto

Concorrentemente na tentativa de comprovar seus pontos de vista o au-tor se utiliza de textos cujo objeto de anaacutelise contenha determinadas seme-lhanccedilas conceituais com o seu objeto de estudo Tais textos conferem ldquoauto-

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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ridaderdquo agrave sua argumentaccedilatildeo mesmo que tais textos sejam utilizados comocontraponto ao ponto de vista defendido pelo autor

Leitura interpretativa (Etapas)

A leitura interpretativa deveraacute ser feita em quatro etapas compreendendoa identi1047297caccedilatildeo (i) das palavras-chave do texto (ii) das sentenccedilas importantesdo texto (iii) dos paraacutegrafos que exprimem argumentos (iv) dos problemasenfrentados pelo autor (solucionados ou natildeo) Para melhor esclarecimentosegue a tabela abaixo em seguida haveraacute um passo a passo exempli1047297cativo

Objetivo Perguntas O que fazer

Encontrar as pala-

vras-chave

Quais satildeo as palavras im-

portantes do texto

sect Atentar para as palavras que receberam realce do

autor

sect Atentar para as palavras que satildeo proacuteprias daquela

ciecircncia em outras palavras para os termos teacutecnicos

sect Atentar para as palavras que o autor explica e dispu-

ta com outros autores

Obs As palavras importantes para o autor satildeo ne-

cessariamente importantes para o leitor Haacute palavras

no entanto que satildeo importantes somente para o

leitor quais sejam as que ele desconhece

Encontrar as sen-

tenccedilas-chave

Quais satildeo as sentenccedilas

importantes

Marcar as sentenccedilas mais importantes e descobrir as

proposiccedilotildees que contecircm

Localizar argu-

mentos

Quais satildeo os paraacutegrafos

que exprimem argu-

mentos

sect Veri1047297car asserccedilotildees de partida e de chegada

sect Observar as relaccedilotildees de causalidade

sect Veri1047297car o que as possibilitam encontrar as asser-

ccedilotildees de passagem

Avaliar se o autor

resolveu os pro-

blemas propostos

Quais problemas o autor

resolveunatildeo resolveu

Observar se as asserccedilotildees de conclusatildeo respondem agraves

perguntas feitas pelo autor

Passo 1 Quais satildeo as palavras importantes do texto

O texto eacute dividido em trecircs partes Em cada uma delas haacute palavras que sedestacam Na primeira parte merece atenccedilatildeo uma expressatildeopergunta quenatildeo eacute empregada enquanto tal jaacute que forma antes uma unidade ldquoO que eacuteo direitordquo Esta eacute sem duacutevida a expressatildeo principal no entanto uma leituracuidadosa revelaria ainda que haacute alguns termos que se originam de complexas

discussotildees anteriores direito internacional direito primitivo casos-padratildeoe casos limiacutetrofes Na segunda parte estatildeo as palavras coerccedilatildeo moral regras

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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e haacutebitos como as mais importantes mas tambeacutem mereceriam serem desta-cadas as palavras obrigaccedilatildeo lsquoter dersquo lsquodever rsquo direito natura l e positivismo Na

uacuteltima seccedilatildeo selecionariacuteamos a palavra de1047297niccedilatildeo

Passo 2 Quais satildeo as sentenccedilas importantes

Citaremos aqui apenas alguns exemplos Deixamos como exerciacutecio para oleitor que destaque outras importantes frases Concentremo-nos na primeiraseccedilatildeo Temos entatildeo os seguintes trechos a serem apontados

ldquoPoucas indagaccedilotildees sobre a sociedade humana tecircm sido formuladascom tanta persistecircncia e respondidas por pensadores seacuterios de maneirastatildeo diversas estranhas e ateacute paradoxais quanto a pergunta lsquoO que eacutedireitorsquo Mesmo circunscrevendo nossa atenccedilatildeo agrave teoria do direito dosuacuteltimos 150 anos e deixando de lado as especulaccedilotildees claacutessicas e medie-vais sobre a ldquonaturezardquo do direito depararemos com uma situaccedilatildeo quenatildeo tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamentecomo disciplina acadecircmica independenterdquo (p 5)

ldquoHaacute um estranho contraste entre este debate teoacuterico in1047297ndaacutevel e aaptidatildeo com que a maior parte dos homens cita com facilidade e con-

1047297anccedila exemplos de direito se tal lhes for pedidordquo (p 6)ldquoSe tudo isto eacute do conhecimento comum como eacute que a questatildeo lsquooque eacute o direitorsquo tem persistido e lhe tem sido dadas tantas respostas tatildeovariadas e extraordinaacuteriasrdquo (p 7)

ldquoA perplexidade profunda que tem mantido viva a pergunta natildeo eacuteignoracircncia esquecimento ou incapacidade de reconhecimento dos fe-nocircmenos a que a palavra lsquodireitorsquo normalmente se refererdquo (p 10)

Passo 3 Quais satildeo os paraacutegrafos que exprimem argumentos

Destacamos na primeira seccedilatildeo deste capiacutetulo o seguinte argumento atiacutetulo de exemplo

A especulaccedilatildeo sobre a natureza do direito tem uma histoacuteria longae complicada todavia vista em retrospectiva eacute niacutetido que se centrouquase continuamente sobre alguns pontos principais Estes natildeo foramgratuitamente escolhidos ou inventados pelo prazer da discussatildeo aca-decircmica dizem respeito a aspectos do direito que parecem dar origens

a incompreensotildees em todos os tempos de tal forma que a confusatildeoe uma necessidade consequumlente de maior clareza acerca deles podem

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

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Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

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coexistir mesmo nos espiacuteritos de homens avisados dotados de 1047297rmemestria e conhecimento do direito (p 10)

Eacute importante que se perceba que o argumento estaacute claro mas natildeo eviden-te O argumento eacute o seguinte geram o ldquoin1047297ndaacutevel debaterdquo pontos acerca dodireito que ainda natildeo foram devidamente compreendidos

Passo 4 Quais problemas o autor resolveu Quais deixou sem soluccedilatildeo

Este passo eacute de difiacutecil aplicaccedilatildeo em nosso exemplo uma vez que se tratade um capiacutetulo introdutoacuterio Haacute neste sentido apenas a apresentaccedilatildeo deproblemas Podemos no entanto notar que o texto eacute bem estruturado e sefala na primeira seccedilatildeo de certa perplexidade da persistecircncia do debate sobreo que eacute o direito aponta como razatildeo a permanecircncia de pontos de incompre-ensatildeo Tais pontos satildeo mais tarde explicitados e haacute clara ligaccedilatildeo entre eles e aquestatildeo da de1047297niccedilatildeo de direito Queremos dizer que o autor natildeo deixa nestesegmento de seu livro de relacionar suas seccedilotildees ou se isenta de responder aosquestionamentos que levanta Alcanccedila portanto os 1047297ns a que se propotildee

33 LEITURA CRIacuteTICA OU AVALIATIVA

A leitura criacutetica ou avaliativa se volta agrave compreensatildeo do conteuacutedo do tex-to Nesse sentido caberaacute ao leitor fazer a leitura do texto para em seguidaanalisaacute-lo ou seja tecer posicionamentos a respeito dos argumentos apre-sentados Estes podem ser positivos ou negativos Assim para que a leituracriacutetica ou avaliativa seja desenvolvida eacute necessaacuterio que o texto seja estudadocom rigor e cuidado Agora natildeo soacute por sua estrutura ou por seu signi1047297cadomas sobretudo por sua intenccedilatildeo Lembre-se que os autores possuem objeti-vos para serem atingidos com o texto

Esta eacute a chave inicial para a leitura criacutetica ou avaliativa Como identi1047297caacute--los Primeiramente faccedila a leitura estrutural e interpretativa Ao longo daleitura para que as ideias textuais natildeo escapem tome notas sobre as informa-ccedilotildees do texto seja na margem em folhas separadas ou no computador Esteexerciacutecio lhe ajudaraacute a acessar os argumentos do autor Apoacutes a compreensatildeodo texto para facilitar a sua avaliaccedilatildeo observe as seguintes consideraccedilotildees

I mdash Geraisbull Lembrar que a compreensatildeo deve preceder agrave criacutetica

bull Natildeo discordar como se estivesse disputando com o autorbull Apresentar argumentos para a discordacircncia

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

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Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

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Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

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II mdash Especiacute1047297cas (importante notar que cada texto iraacute se referir a pergun-

tas diferentes Por exemplo em um texto mais abstrato de 1047297loso1047297a muitasvezes natildeo haacute fatos que comprovem a veracidade do texto O autor parte depremissas que considera vaacutelidas e desenvolve seu argumento pela loacutegica natildeopela investigaccedilatildeo factual Portanto lembre-se que nem todas estas perguntasse aplicam integralmente a todos os textos)

bull O que o autor estaacute tentando demonstrarbull O autor construiu o seu argumento adequadamente Vocecirc concorda

com elebull O argumento do autor pauta-se em fatos ou trata-se de mera opiniatildeobull Os fatos satildeo verdadeirosbull O autor trabalha com fatos e tambeacutem emite opiniatildeobull O autor deduz corretamente a opiniatildeo dos fatosbull Vocecirc concorda com a opiniatildeo do autor Por quecircbull Haacute pontos de vistas contraacuterios ao argumento principalbull Demonstrar em que o autor natildeo estaacute informadobull Demonstrar em que o autor estaacute mal ou bem informadobull Demonstrar em que o autor eacute loacutegico ou iloacutegicobull Demonstrar em que medida sua anaacutelise eacute completa ou incompleta

Aleacutem desses conselhos eacute necessaacuterio para criticar um texto certo acuacutemu-lo de informaccedilotildees ou conhecimento Assim caso deseje escrever uma criacuteti-ca deve-se seguir os mesmos elementos analisados no momento da leitura

Atentemdash se para o fato de que sua criacutetica precisa ser muito bem fundamenta-da por isso exige-se uma postura de humildade jaacute que muitas vezes nossostextos criacuteticos podem cometer os mesmos erros que o autor analisado

Conclui-se portanto que a leitura criacutetica permite ao leitor avaliar a con-1047297abilidade do texto bem como do autor Caso o leitor considere determi-nado texto insu1047297ciente ou tendencioso seraacute preciso pesquisar outras fontesrelativas ao tema

Para colocar em praacutetica os ensinamentos acima vejamos o exemplo abai-xo

A derrota do feminismo no Facebookpor Katie Roiphe

Se do aleacutem-tuacutemulo Betty Friedan fosse analisar como as mulheres acimados 30 se comportam no Facebook temo que 1047297caria muito decepcionada co-nosco Eu me re1047297ro especi1047297camente agrave tendecircncia de as mulheres usarem fotosde seus 1047297lhos em vez de suas proacuteprias nos per1047297s do Facebook Vocecirc clica no

nome de uma amiga e o que aparece na tela natildeo eacute o rosto dela mas a foto deuma lourinha de quatro anos dormindo ou de um garoto de boneacute correndo

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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na praia Inofensivamente embutido em um dos nossos meacutetodos preferidosde procrastinaccedilatildeo estaacute um poderoso siacutembolo do novo seacuteculo Onde foram

parar todas essas mulheres Um historiador perspicaz pode muito bem per-guntar no futuro o que todas essas crianccedilas em nossas paacuteginas do Facebookdizem sobre ldquoa construccedilatildeo da identidade de mulherrdquo nesse momento especiacute-1047297co

Muitas dessas mulheres trabalham Muitas fazem parte de clubes de lei-tura Muitas satildeo militantes de determinada causa ou tecircm interesses que vatildeoaleacutem de suas casas Mas eacute assim que elas preferem se representar Essa opccedilatildeopode parecer trivial mas a ideia do Facebook eacute criar uma persona social umaimagem de quem vocecirc eacute projetada em centenas de quartos cafeacutes e escritoacuteriosem todo o paiacutes Por que entatildeo essa imagem seria a de qualquer outra pessoanatildeo importa o quatildeo ligada ela seja a vocecirc geneticamente ou por qualquer ou-tro laccedilo Essa escolha parece um retrocesso a uma velha forma de identidadea uma eacutepoca em que mulheres eram chamadas de ldquoSenhora John Smithrdquo emque meninas saudaacuteveis saiacutedas de Vassar enlouqueciam entre aspiradores de poacutee caixas de areia Natildeo que eu natildeo entenda a tentaccedilatildeo de botar no Facebookfotos de seus lindos 1047297lhos Eu entendo A1047297nal assim 1047297camos livres do pesode nos arrumar para aparecer minimamente decentes numa foto e sobretudonos livramos de todo o trabalho excruciante que envolve sermos noacutes mesmasE seu 1047297lho de trecircs anos gosta de posar para a cacircmera Mas mesmo assim

Essas fotos do Facebook sinalizam um autoapagamento mais amplo eameaccedilador um estreitamento de horizonte Lembre de um jantar ao qualvocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveu um tra-balho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anos bebia ateacuteas cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembre de comodurante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacute falou dos1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou esperando queela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuterio Eacute verdadeque ela fala sobre os 1047297lhos com riqueza de detalhes e impressiona pelo rigorprofundidade analiacutetica e graccedila com que trata o tema ela poderia mesmo

eacute inevitaacutevel pensar escrever toda uma dissertaccedilatildeo sobre o efeito preciso doestilo pedagoacutegico de um determinado professor sobre seu 1047297lho de quatroanos Mas mesmo assim Vocecirc percebe que do outro lado da mesa um ladomais animado estatildeo os homens falando sobre algo que natildeo satildeo modelos decarrinhos de bebecirc Esta cena poderia estar num romance de Jane Austen ou

Anthony Trollope em que os homens se retiram para uma outra sala parabeber brandy e falar sobre poliacutetica ou os acontecimentos recentes E vocecircvolta a prestar atenccedilatildeo na conversa e a mulher estaacute contando como preparaa merenda do 1047297lho Todas noacutes em algum momento somos esta mulher Eacute

claro que natildeo haacute nada de errado com um pouco desse papo de criancinhaMas natildeo chega uma hora em que nos interessamos tambeacutem por outra coisa

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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O misteacuterio eacute que a mulher que botou a crianccedila em seu lugar no Facebookcertamente foi leitora de A miacutestica feminina O segundo sexo e O mito da be-

leza e dos blogs Double X ou Jezebel Estaacute em dia com o papo-cabeccedila sobreem qual onda do feminismo nos encontramos E ainda assim assimila comnaturalidade esse tipo de apagamento essa voluntaacuteria perda de identidadeParece dizer aqui estaacute minha famiacutelia feliz nada mais me importa

A 1047297lha de uma amiga usou durante muito tempo aqueles tecircnis que api-tam Para um adulto era inacreditavelmente insuportaacutevel o barulho que fa-ziam a cada passo da menina Uma vez perguntei agrave minha amiga por que elanatildeo proibia os tais tecircnis e ela respondeu ldquoPorque ela gosta delesrdquo Imaginefazer parte dessa nova geraccedilatildeo descobrindo a cada alegre apitada de seus tecircnisque Galileu estava errado eacute vocecirc e natildeo o sol o centro do universo

Natildeo posso deixar de pensar que nossos pais jamais teriam suportado tecircnisque apitam ou conversas que giram inteiramente em torno de crianccedilas Elesnos amavam tanto quanto amamos nossos 1047297lhos mas ateacute onde me lembrotinham suas proacuteprias vidas e noacutes brincaacutevamos em torno delas Eles natildeo pla-nejavam 1047297ns de semana inteiramente em torno de teatro infantil aulas dearte para crianccedilas aulas de piano e festinhas de aniversaacuterio Por que muitosde noacutes nos perguntamos nossos 1047297lhos natildeo brincam sozinhos Por que elesnatildeo tecircm a vida interior que ainda vagamente lembramos ter em nossas proacute-prias infacircncias A resposta parece oacutebvia porque cheios de boas intenccedilotildees

nos devotamos excessivamente agrave educaccedilatildeo ao entretenimento e agrave formaccedilatildeoem geral de nossos 1047297lhos Porque deixamos de lado a ideia de uma vida adultaindependente por natildeo permitirmos que nossos 1047297lhos imaginem um lugarpara si em seus quartos no tapete ou no jardim em suma por natildeo permitir-mos que tenham uma vida proacutepria

Eacute claro que o Facebook passa pelo exibicionismo eacute uma forma de trans-formar em espetaacuteculo a sua vida ou pelo menos a parte dela que vocecirc escolhepara mostrar ao mundo laacute fora Os 1047297lhos satildeo uma importante realizaccedilatildeo navida de algueacutem e indiscutivelmente a mais importante realizaccedilatildeo mdash o quenatildeo signi1047297ca que eles sejam quem vocecirc eacute Pode-se argumentar eacute claro que a

vaidade das novas geraccedilotildees representa um tipo de narcisismo ainda pior emais sinistro com as postagens sobre o tipo de chaacute que estatildeo bebendo Masessa forma especiacute1047297ca de narcisismo a exposiccedilatildeo destes querubins para criaruma imagem do eu eacute para mim mais perturbadora pela verdade que revela

A mensagem subliminar eacute clara Eu sou os meus 1047297lhos O Facebook sem duacutevida facilitou a vida dos mais jovens pois favorece

naturalmente a aproximaccedilatildeo de quem natildeo se conhece em festas ou a paque-ra nos bares Eacute tambeacutem perturbadora na troca das fotos dos per1047297s a clarae deliberada subversatildeo dessa 1047297nalidade essa geraccedilatildeo abre matildeo da proacutepria

sexualidade ao substituir o rosto de uma matildee atraente pelo de uma crianccedilainocente Essa atitude sinaliza um incocircmodo em ter um miacutenimo de vaidade

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

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Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Assim como soacute usar tecircnis ou esquecer de cortar o cabelo essa eacute uma forma dese tornar desajeitada e invisiacutevel re1047298etindo uma espeacutecie de mommy culture em

que eacute ponto de honra mostrar quatildeo pouco resta em vocecirc de uma mulhersaudaacutevel articulada engajada e bem-vestida

E se as paacuteginas do Facebook forem apenas o comeccedilo E se depois vieremos passaportes e as carteiras de motorista E se subitamente as caras de umageraccedilatildeo desaparecerem e bebecircs radiantes tomarem seus lugares Quem 1047297caraacutede luto por essas mulheres desaparecidas Quando Betty Friedan descansaraacuteem paz

KATIE ROIPHE (1968) eacute escritora jornalista e professora da New YorkUniversity Publicou quatro livros de natildeo 1047297cccedilatildeo dentre eles Te morning aftersex fear and feminism on campus e o romance Still she haunts me inspirado narelaccedilatildeo entre Lewis Carroll e Alice Lidell Este artigo faz parte da antologia In

praise of messy lives ( 2012) e foi cedido pela autora para publicaccedilatildeo no blogda serrote

Traduccedilatildeo de Paulo Roberto PiresDisponiacutevel em httpwwwrevistaserrotecombr201304a-derrota-do-

-feminismo-no-facebook-por-katie-roiphe Acessado em 10012014

Lembre-se que para comeccedilar a anaacutelise criacutetica do texto torna-se necessaacuterio

que o leitor jaacute tenha terminado as outras etapas de leitura estrutural e inter-pretativa Assim observe a avaliaccedilatildeo do texto abaixo

1) O que a autora estaacute tentando demonstrar

A autora do texto busca demonstrar que hoje a construccedilatildeo da identidadefeminina pode estar reduzida ao status de matildee e de sua prole Esta seria a su-posta realizaccedilatildeo de uma parte das mulheres contemporacircneas

2) A autora construiu seu argumento adequadamente

Sim O argumento da autora eacute construiacutedo de maneira e1047297ciente porqueeacute coerente De acordo com ela mesmo depois de termos experimentado asconquistas do feminismo as mulheres promovem a perda de sua identidadeatraveacutes do uso de fotogra1047297as dos 1047297lhos no per1047297l do facebook Satildeo duas pre-missas que ela busca demonstrar (1) que a foto eacute relacionada agrave identidade e(2) que a troca eacute um apagamento da sua identidade

No que concerne agrave premissa (1) a autora expotildee que o espaccedilo da fotodo per1047297l eacute aquele em que a princiacutepio a mulher deveria mostrar sua face

identi1047297car-se de maneira personaliacutessima Assim haacute uma questatildeo com a iden-tidade com o mostrar-se a partir de si mesma Jaacute em relaccedilatildeo agrave premissa (2)

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

derrota ou uma vitoacuteria

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

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HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

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ela a1047297rma que a mulher ao trocar sua foto pela foto do 1047297lho torna-se agentede sua proacutepria desconsideraccedilatildeo basta relembrar os apagamentos de identi-

dade da mulher no momento preacute-feminismo quando a mulher natildeo tinha apossibilidade de se identi1047297car pelo seu proacuteprio nome

Por 1047297m a autora faz uma seacuterie de criacuteticas que satildeo desdobramentos doargumento central

3) Haacute loacutegica no encadeamento das ideias

Sim o texto eacute logicamente encadeado Primeiro foi exposto o caso asmatildees se representam pela foto de seus 1047297lhos natildeo pelas suas Em seguida aautora construiu e problematizou este dado mostrando que seria um indiacutecioda derrota do feminismo quando a mulher se anula em prol do 1047297lho

4) Quais satildeo os pontos positivos do texto

O ponto positivo do texto eacute relembrar que a mulher natildeo precisa aceitarcomo a sua realizaccedilatildeo maacutexima o papel de ser matildee ou dona de casa Esta foiuma das lutas de muitas feministas A autora ao escrever o texto de certamaneira retoma estas como projeto poliacutetico e reinterpreta as praacuteticas atuais

5) Vocecirc concorda com a opiniatildeo da autora Por quecirc

Em parte acredito que o olhar da autora foi embrutecido por uma simplespolarizaccedilatildeo mulheres que falam de 1047297lhos versus mulheres que vivem suas vi-das de maneira independente Observe-se este trecho ldquoLembre de um jantarao qual vocecirc foi haacute pouco tempo e de sua amiga que na faculdade escreveuum trabalho de conclusatildeo de curso sobre Proust a mesma que aos 20 anosbebia ateacute as cinco da manhatilde uma mulher brilhante e bem-sucedida Lembrede como durante todo o jantar das azeitonas agrave musse de chocolate ela soacutefalou dos 1047297lhos Vocecirc foi paciente e porque vocecirc ama essa mulher 1047297cou espe-

rando que ela conversasse sobrehellip o quecirc Um livro Um 1047297lme O noticiaacuteriordquoTem-se do exposto a re1047298exatildeo de que nem sempre a mulher que natildeo tem 1047297-

lhofamiacutelia endossa as lutas feministas nem sempre a matildeedona de casa acei-ta tratamentos desiguais e com distinccedilotildees de gecircneros Portanto uma parte doargumento apresentado estaacute adequada ou seja o momento em que a autoraa1047297rma que para o feminismo a realizaccedilatildeo maacutexima da mulher natildeo pode estarcentrada em seu papel de dona de casa ou de matildee Por outro lado a autoradesconsiderou poreacutem a complexidade das relaccedilotildees humanas Por exemplo ocaso da mulher que tem famiacutelia e 1047297lho mas defende o feminismo seria uma

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Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

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HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

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Acrescenta-se ainda o fato da autora natildeo propor algo que seja inovadorquanto agrave postura das matildees que satildeo intelectuais mas soacute falam dos seus 1047297lhos

Por 1047297m a uacutenica proposta parece antiquada fazer como os nossos pais eacute omelhor que ela nos oferece Seraacute que a geraccedilatildeo de nossos pais eacute o melhorexemplo de emancipaccedilatildeo da mulher Embora segundo a autora as matildees dageraccedilatildeo passada atribuiacutessem maior autonomia aos seus 1047297lhos muitas delas mdashem maior proporccedilatildeo estatiacutestica do que atualmente mdash natildeo trabalhavam Emo ldquoSegundo Sexordquo Simone de Beauvoir determina duas condiccedilotildees essenciaispara a liberdade da mulher em relaccedilatildeo ao homem consciecircncia autocircnoma eliberdade econocircmica de modo que elas pudessem ter domiacutenio pleno sobrea vida

O casamento e os 1047297lhos sempre foram problemas recorrentemente trata-dos pelas feministas Vale lembrar que o movimento feminista natildeo apresentaposiccedilatildeo homogecircnea sobre ambos variando de posiccedilatildeo ao longo do tempoO feminismo de Beauvoir por exemplo considera o casamento e os 1047297lhoscomo uma restriccedilatildeo agrave liberdade da mulher Ele seria um contrato decorrenteda construccedilatildeo histoacuterica de subordinaccedilatildeo da mulher ao homem Os 1047297lhospor seu turno representam uma restriccedilatildeo natural agrave liberdade do corpo con-siderando-se que a mulher ao menos durante a gestaccedilatildeo eacute integralmenteresponsaacutevel pela subsistecircncia e bem-estar do feto Ressalta-se que o livro daSimone de Beauvoir foi escrito na deacutecada de 1940 e que a funccedilatildeo social da

mulher tornou-se mais complexa com a sua inserccedilatildeo no mercado de trabalho A autora do artigo Katie Roiphe aborda apenas o problema da autono-mia da identidade da mulher e de seus 1047297lhos mas natildeo de1047297ne a sua posiccedilatildeoquanto agrave possibilidade de se ter uma vida plenamente emancipada quando setem 1047297lhos A construccedilatildeo da identidade mulher-matildee eacute contraacuteria agrave liberdadeda mulher Esse questionamento natildeo foi abordado no texto e poderia ser ocomeccedilo da re1047298exatildeo sobre a maternidade e o feminismo nas sociedades emque as mulheres desempenham inuacutemeros papeacuteis

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CONCLUSAtildeO

Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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REFEREcircNCIAS

ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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FICHA TEacuteCNICA

Fundaccedilatildeo Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcatildeoDIRETOR

Seacutergio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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Buscamos estudar o processo de leitura sob enfoque discursivo Apresen-tamos a partir de premissas teoacutericas de base discursivo-enunciativa algumasmaneiras de tornar a leitura mais e1047297ciente e aprofundada

Gostariacuteamos de elucidar algumas questotildees que possam porventura ema-nar da leitura deste material Primeiramente devemos dizer que temos cons-ciecircncia da aparente di1047297culdade de se engajar em uma leitura em tantas etapas

Alertamos o leitor contudo de que a praacutetica faraacute que todos esses passos sejamfeitos durante seus primeiros contatos com o texto Aleacutem disso nos faltoua oportunidade de dizer que cada tipo de leitura poderaacute ensejar um tipo deescrita A leitura estrutural poderaacute ser a base de 1047297chamentos ao passo quea leitura interpretativa poderaacute ser a fonte de um resumo A leitura avaliati-va por seu turno poderaacute dar origem a resenhas Cada um desses gecircnerosdiscursivos tem suas especi1047297cidades Elas seratildeo estudadas adiante mas natildeopoderiacuteamos deixar de ressaltar de pronto como essas leituras podem e devemser registradas

Esperamos que a leitura tenha sido proveitosa e torcemos para que seusfrutos natildeo demorem a surgir

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ADLER Mortimer J VAN DOREN Charles A arte de ler como adquiriruma educaccedilatildeo liberal Traduccedilatildeo de Inecircs Fortes de Oliveira Rio de JaneiroLivraria Agir Editora 1954

BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

BRANDAtildeO Helena H Nagamine Introduccedilatildeo agrave anaacutelise do discurso 2ordf edrev Campinas Editora da Unicamp 2004

CHARAUDEAU Patrick Linguagem e Discurso modos de organizaccedilatildeo Co-ordenaccedilatildeo da equipe de traduccedilatildeo Angela M S Correcirca amp Ida Luacutecia Macha-do 2ordf ed Satildeo Paulo Contexto 2010

GIDDENS Anthony A Terceira Via Rio de Janeiro Record 1999

HART H L A O conceito de direito Traduccedilatildeo de Antonio de Oliveira Sette--Cacircmara Satildeo Paulo Editora WMF Martins Fontes 2009

KLEIMAN Acircngela O1047297cina de leitura teoria e praacutetica 10ordf ed Satildeo PauloPontes 2004

MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

ORLANDI Eni Discurso e leitura 3ordf ed Campinas Cortez 1996

SERAFINI Maria Teresa Como se estudia La organizacioacuten del trabajo inte-

lectual Buenos Aires Paidoacutes 2005

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THEREZO Graciema Pires Redaccedilatildeo e leitura para universitaacuterios 2 ed Cam-pinas Editora Aliacutenea 2008

TORQUATO Gaudecircncio Instituto MiIllenium Disponiacutevel em httpwwwimilorgbrartigosmais-ao-menos-discurso-parlamentares

UNIVERSITY OF CALIFORNIA BERKELEY Student Learning CenterBe a Strategic Reader and Scholar Berkeley 2011 Disponiacutevel em httpslcberkeleyedugeneralindexhtm Acesso em 20 jan 2013

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Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUACcedilAtildeO

Andreacute Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NUacuteCLEO DE PRAacuteTICA JURIacuteDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Mariacutelia ArauacutejoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUACcedilAtildeO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELACcedilOtildeES INSTITUCIONAIS

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BAKHTIN Mikhail Questotildees de literatura e esteacutetica a teoria do romanceTraduccedilatildeo do russo por Aurora Fornoni Bernadini et alii Satildeo Paulo Editorada UNESP e Hucitec 1988

_____________ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina GalvatildeoG Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

_____________ Marxismo e 1047297loso1047297a da linguagem problemas fundamen-tais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem Traduccedilatildeo de Michel Lahud YaraFrateschi Vieira Colaboraccedilatildeo de Luacutecia Teixeira Wisnik Carlos Henrique DChagas Cruz14 ed Satildeo Paulo Hucitec 2010

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MAINGUENEAU Dominique Anaacutelise de um gecircnero acadecircmico In POS-SENTI Siacuterio SOUZA-E-SILVA Maria Ceciacutelia (Orgs) Cenas da Enuncia-ccedilatildeo Traduccedilatildeo de Marcela Franco Fossey Curitiba Criar Ediccedilotildees 2006

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