observatório da educação: metodologia de pesquisa e ... · com vistas a atender os princípios...
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Observatório da Educação: metodologia de pesquisa e protagonismo indígena
Helena Alpini Rosa
Ana Lúcia Vulfe Nötzold
O presente artigo visa relatar a metodologia utilizada no projeto 1585, do Observatório
da Educação/OBEDUC: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da
Terra Indígena Xapecó/SC”, proposto e desenvolvido pelo Laboratório de História Indígena da
Universidade Federal de Santa Catarina/LABHIN/UFSC, para levantamento de dados,
tabulação, análise e resultados, dos quais também resultam as principais ações de pesquisa e
extensão que são oriundas do mesmo. Outro objetivo que se propõe é analisar o envolvimento
e a função dos professores bolsistas Kaingang, na aplicação dos instrumentos e no
desenvolvimento de subprojetos e ações demandados a partir destes instrumentos e que são
advindos das escolas em que atuam.
O Projeto do OBEDUC 1585, foi proposto ao Edital 049/2012 e financiado pela
CAPES/DEB/INEP e os objetivos principais visam a melhoria da qualidade de ensino, à
revitalização e fortalecimento cultural, ao reconhecimento da tradição, valorização da língua
Kaingang, entre outros, com o intuito de produzir material didático pedagógico para auxiliar os
professores na prática da sala de aula possibilitando a inserção e a pesquisa de campo.1
O desenvolvimento do projeto nas escolas da TI Xapecó se deve ao fato de ser o locus
principal das pesquisas realizadas pelo LABHIN, desde 1999 e ainda decorrente dos resultados
atingidos nas pesquisas do Observatório da Educação Escolar Indígena - OEEI,2 onde se
levantou várias demandas da comunidade escolar e lideranças indígenas e assim, buscou-se
viabilizar, mesmo que parcialmente tais necessidades.
A TI Xapecó apresenta-se como um campo vasto de possibilidades de realização e
aplicação de políticas públicas relacionadas à educação, além de constituir um local oportuno
de pesquisas e estudos acerca das temáticas inerentes às questões indígenas, especialmente ao
povo Kaingang. Com vistas a atender os princípios de ensino, pesquisa e extensão, a UFSC,
por meio do LABHIN busca a efetivação e realização deste projeto, a partir de uma grande
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina – Bolsista de
doutorado do Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP – LABHIN/UFSC. E-mail: [email protected] Orientadora e Professora Doutora do PPGH/UFSC, Coordenadora do Laboratório de História Indígena – LABHIN/UFSC e
Coordenadora do Projeto Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP – LABHIN/UFSC. Email:
parceria envolvendo lideranças, professores, direções das escolas, acadêmicos e pesquisadores,
com o intuito de oportunizar e melhorar a qualidade da Educação Escolar Indígena.
A Terra Indígena Xapecó possui 15.623 hectares, com território ocupando os municípios
de Ipuaçu e Entre Rios, compreendendo também a bacia hidrográfica dos Rios Chapecó e
Chapecozinho.3 É composta por 16 aldeias, a saber: Aldeia Jacú (Sede), Olaria, Pinhalzinho,
Cerro Doce, Serrano, Baixo Saburá, Água Branca, Fazenda São José, Matão, Paiol de Barro,
Linha Limeira, João Veloso, Manduri, Guarani, Barro Preto e Campos Oliveira. A população é
majoritariamente Kaingang (5.105 pessoas) e possui um grupo Guarani (111 pessoas) que
habitam na Linha Limeira. (NÖTZOLD, 2015, p. 25).
O projeto abrange as escolas da Terra Indígena Xapecó e as relações de ensino e
aprendizagem no contexto da Educação Escolar Indígena visando o fortalecimento das
tradições e elementos de identidade étnica e cultural do povo Kaingang. O foco é direcionado
especialmente para a formação de professores indígenas, elaboração e produção de material
didático, com o intuito de contribuir para a elevação dos índices de aprendizagem dos alunos
da TI Xapecó, SC.
Na TI Xapecó há nove (09) escolas indígenas, as quais são os lugares essenciais para a
aplicação e desenvolvimento do Projeto. Três escolas da TI Xapecó oferecem o Ensino
Fundamental completo e, entre estas, duas oferecem o Ensino Médio. As demais 06 escolas são
multisseriadas, sendo que uma delas atende à população Guarani da Aldeia de Linha Limeira.
No gráfico abaixo demonstra o contingente de escolas Kaingang atendidas em Santa
Catarina e o número de escolas pertencentes e atendidas na TI Xapecó.
Figura 02 – Número de escolas indígenas Kaingang em Santa Catarina e na TI Xapecó
02468
101214
EscolasIndígenas
Kaingáng emSC: 14
EscolasIndígenas
Kaingáng naTI Xapecó: 9
Escolas IndígenasKaingáng em SC:14
Escolas IndígenasKaingáng na TIXapecó: 9
Fonte: Acervo LABHIN
A partir do gráfico se percebe que a maioria das escolas indígenas Kaingang estão
situadas dentro da TI Xapecó. As demais escolas Kaingang se dividem em outras áreas situadas
nos municípios de Abelardo Luz, Chapecó e Seara.
O contingente de alunos indígenas atendidos pelas nove escolas da TI Xapecó é de 1334
alunos, representando dois terços do total (2.400 aproximadamente), de estudantes indígenas
de educação básica do estado de Santa Catarina. As escolas da TI Xapecó possuem um quadro
de 89 professores. Os níveis de ensino ofertados aos alunos são: Ensino Fundamental e Ensino
Médio, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial com o Serviço de
Atendimento/SAEDE para alunos com deficiências. Destaca-se a EIEB Cacique Vanhkrê a
pioneira em atendimento da Educação Básica no estado, é a maior escola indígena de Santa
Catarina e referência para o povo Kaingang e para a sociedade nacional.4
Esses dados a respeito do número de escolas, número de alunos, professores e outros
que dizem respeito à dinâmica das escolas e famílias envolvidas, respectivamente, foi possível
através da aplicação de instrumentos de pesquisa, os quais possibilitaram acesso à aspectos da
realidade das escolas e da TI Xapecó de modo geral, considerando elementos relacionados à
cultura e tradição e a língua Kaingang. O levantamento também oportunizou à equipe a
organizar subprojetos que atendessem aos interesses das escolas e fossem desenvolvidos pelos
professores bolsistas participantes, junto às suas escolas de atuação, estimulando e dando
suporte técnico ao seu protagonismo.
Instrumentos, demandas e ações
A dinâmica de elaboração e aplicação dos instrumentos ocorre da seguinte forma: a
equipe de bolsistas de iniciação científica do LABHIN/OBEDUC/UFSC elabora os
instrumentos com a coordenação e bolsistas de pós-graduação do PPGH. São elaborados em
forma de perguntas que demandam respostas objetivas e subjetivas em forma escrita e impressa.
Após isso esses instrumentos são levados para as escolas da TI Xapecó nas saídas de campo,
onde são aplicados pelos professores bolsistas do projeto, os mesmos recolhem os instrumentos
respondidos e enviam para o LABHIN onde os dados são tabulados, registrados e tratados, com
a elaboração de tabelas e gráficos e textos de análise.
Figura 03: Modelo de instrumento
Fonte: Acervo LABHIN
Durante os três anos transcorridos do projeto foram aplicados 05 (cinco) instrumentos
de pesquisa organizados conforme segue: instrumento 01 – Dados das Escolas da T. I. Xapecó.
Este instrumento foi aplicado nas primeiras saídas de campo, do ano letivo de 2013, com
objetivo de realizar um levantamento do número de alunos atendidos nas escolas da TI Xapecó,
quadro de professores, alunos com deficiência. A cada início dos anos subsequentes, 2014,
2015, 2016. Os dados levantados neste instrumento são atualizados para que se tenha um
panorama do atendimento dos alunos e a oscilação de números, possibilitando perceber o nível
de atendimento das políticas públicas que contemple a todos.
Abaixo estão os gráficos de atendimento dos alunos e o percentual de alunos com
deficiência. Em ambos os casos são gráficos de dois anos: o primeiro de 2013, primeiro ano do
projeto e o segundo é de 2016, ano em curso de execução do projeto. Se percebe que há uma
pequena queda no número total de alunos da TI Xapecó, o mesmo ocorre com o número de
alunos com deficiência, como demonstras as figuras a seguir.
Figura 04 – Gráfico de atendimento dos alunos 2013
Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN
Figura 05 – Gráfico de atendimento dos alunos 2016
0200400600800
100012001400
Total de Alunos:1395
Feminino:635
Masculino: 760
Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN
Figura 06 – Alunos com deficiência 2013
Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN
Figura 07 – Alunos com deficiência 2016
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
Nº total de
alunos: 1334
Masculino:
725
0
500
1000
1500
Total de Alunos:1395
Deficiência: 26
0200400600800
100012001400
Nº total dealunos: 1334
Alunos comdeficiência: 20
Nº total dealunos: 1334
Alunos comdeficiência: 20
Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN
Os gráficos representam uma das últimas partes do processo de coleta e tratamento de
dados que são usados como referencial para as pesquisas e contribui para se ter um panorama
da realidade das escolas, recursos humanos, assim como condições estruturais e o trabalho
pedagógico desenvolvido nelas.
O instrumento 02 – sobre os dados dos profissionais das escolas, teve os objetivos
relacionados às problemáticas e demandas apontadas pela equipe de bolsistas professores e
lideranças a respeito do consumo e tratamento da água, ao conhecimento e prática da
alimentação tradicional e foi direcionado aos professores e funcionários das escolas da TI
Xapecó. Foram 71 Instrumentos preenchidos, 55 Professores, 11 Funcionários, 05 Gestores.
Constatou-se, por exemplo, que o consumo de água nas casas dos profissionais que trabalham
nas escolas pesquisadas, na sua maioria a água é proveniente de poço, sendo que 39 usam a
água proveniente de poço, 34 de caixa d’água e 4 de nascentes. A maioria tem a prática de
cozinhar pratos tradicionais ou comer alimentos da cultura tradicional Kaingang. Somente 24,
de um total de 71, dizem não realizar essa prática.
Entre os pratos e alimentos tradicionais mais consumidos são: bolo na cinza, pinhão,
milho, mandioca, canjica, batata-doce, radiche. Também foram mencionados o palmito, a
pamonha, peixe, tatu, caraguatá, urtigão, caruru, bolo de milho, kumi, fuá, emi, garinh ni kusig,
abóbora, feijão, carne de caça, pixé, serralha, plantas do mato.
A pesquisa realizada com os alunos, por meio do instrumento 03 objetivou a coleta de
dados a respeito da escolarização de seus pais, além da própria escolarização. Ainda realizou o
levantamento sobre o conhecimento de mitos e lendas da cultura e história Kaingang e o acesso
às mídias de comunicação considerando computador, internet e telefone. Foram distribuídos
para os alunos 121 instrumentos, dos quais 116 foram respondidos e observou-se que entre os
alunos do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos 55%
responderam que conhecem os Mitos e Lendas.
Os instrumentos 04 e 05 foram aplicados para realizar o levantamento linguístico da TI
Xapecó, sendo que o instrumento 04 foi direcionado às famílias e o 05 aos alunos. Na sequência
se realiza uma análise desses dois instrumentos em específico, pois representaram impulso para
várias ações do Projeto, especialmente em produção de material didático específico e
subprojetos: grupo de dança Ga tãn; Cesta Kaingang: o que cabe nesta cesta.
O Instrumento elaborado sobre a língua Kaingang sob o título de “Levantamento
linguístico: famílias Kaingang da T.I. Xapecó” foi aplicado nas nove escolas da TI Xapecó
entre os meses de fevereiro a abril de 2014, para 2097 pessoas, entre alunos, pais e familiares
de alunos. Este número corresponde a mais de 1/3 da população existente na TI Xapecó, pois
envolveu os alunos e suas famílias. Os resultados são considerados uma amostragem, no
entanto, estes números possibilitam uma representatividade segura para os resultados a seguir
apresentados.
Protagonismo e compromisso social
Os levantamentos de dados a respeito da língua Kaingang contaram com a participação
e trabalho dos bolsistas acadêmicos Kaingang de Iniciação Científica da Licenciatura
Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica – UFSC e bolsistas professores da educação
básica (Kaingang) integrantes da equipe do Projeto. Durante três meses foram aplicados,
recolhidos e tabulados os dados referentes aos alunos, pais e demais familiares, a respeito da
compreensão que cada um tem da língua Kaingang. No referido instrumento foi elaborada a
seguinte questão: sobre a língua Kaingang, responda sim ou não se: entende, fala, lê e escreve.
Os resultados deste levantamento possibilitaram alguns pontos de análise e que
demonstram a realidade sobre o uso da língua Kaingang na TI Xapecó. Evidencia de forma
eficaz e clara os usos, a importância e a função que a língua tem dentro da comunidade,
especialmente dentro das escolas e que justificam atividades e ações para seu fortalecimento e
revitalização.
Observa-se que para os povos indígenas de forma geral, e neste caso, para os Kaingang,
conforme demonstrado nas respostas do levantamento, a oralidade, a fala é a forma mais
importante da língua. A oralidade torna-se um elemento cultural imprescindível para “tecer com
as pessoas as representações de seu lugar, visando, inclusive, mudanças que produzam maior
qualidade de vida, partindo do conhecimento acumulado (...) as narrativas que apontam o que
faz sentido para aquele grupo, naquele momento histórico”. (PARK, 2004, p. 23).
No item sobre o uso da fala, da oralidade o instrumento apontou o percentual mais baixo
em relação aos demais aspectos questionados, mas que ainda é maior do que a expectativa
inicial das lideranças. Do total de pessoas pesquisadas somente 18,7% responderam que falam
a língua, portanto usam a oralidade e/ou são falantes e em contrapartida 81,3% não usam a
oralidade ou não são falantes. As pessoas não falantes são um número 4,3 maior que os falantes
da língua Kaingang. Pode-se observar por meio dos gráficos, conforme segue:
Figura 07: Gráfico do instrumento sobre a língua: Entende e Fala
Fonte: Acervo Laboratório de História Indígena – LABHIN.
Os pontos questionados no instrumento relacionados à leitura e à escrita Kaingang
demonstraram um relativo equilíbrio no número de respostas afirmativas (que leem e escrevem)
e de respostas negativas (que não leem e não escrevem). Esses resultados nos permitem pensar
que, sendo a leitura e a escrita práticas específicas da escola, da sala de aula, os alunos teriam
maior facilidade de compreensão da língua.
Figura 08: Gráfico do instrumento sobre a língua: Lê e Escreve.
Fonte: Acervo Laboratório de História Indígena – LABHIN.
O resultado da pesquisa nos permite perceber uma coincidência percentual entre o
número de pessoas que entendem e o número de pessoas que não escrevem a língua, cerca de
54%. Isso pode evidenciar a forma de utilização da língua pelas famílias, especialmente as
pessoas que não frequentam as escolas. Apesar de não frequentarem o ambiente escolar e não
obter o contato com a leitura e escrita, essas pessoas convivem com aquelas que falam a língua,
portanto entendem, mas não escrevem.
Por fim, na média geral, considerando todas as respostas como nível de entendimento
da língua Kaingang, os números que se apresentam é que 39,2% entendem alguns elementos
da língua Kaingang e 60,8% não entendem ou apresentam pouquíssimo conhecimento da
língua.
A análise a respeito da língua Kaingang, evidenciada pelo levantamento de dados
concretos com pesquisa, reforçou a percepção das lideranças e professores a respeito da
importância de revitalização e fortalecimento desse bem cultural e identitário do povo. A língua
Kaingang ganha assim, o espaço em diversas frentes, quer nos projetos desenvolvidos em
parcerias com a universidade especialmente em pesquisas, quer na prática docente em projetos
próprios nas escolas da TI Xapecó.
Destaca-se ainda, a participação efetiva dos professores Kaingang bolsistas no
subprojeto da “Cesta Kaingang: o que cabe nesta cesta?” São 04 cestas confeccionadas por uma
artesã Kaingang, que percorrem as salas de aula nas escolas da TI Xapecó, onde os professores
depositam ali os trabalhos exitosos realizados com os alunos, sobre leitura e escrita. Esse
material está sendo selecionado pela equipe do OBEDUC para publicação e retorno à
comunidade para que todos tenham contato e possam usufruir. Tem o intuito de contribuir para
o fortalecimento da Educação Escolar Indígena intercultural, bilíngue, comunitária e
diferenciada.
Figura 09 – Cestas Kaingang
Foto Acervo Labhin, 2013.
Outras demandas são advindas do processo de coleta de dados por meio dos
instrumentos. Entre os professores foi organizado, a partir da sugestão da comunidade a
oferecer aulas em formato de curso de língua Kaingang para todos aqueles que demonstrarem
interesse e vontade de aperfeiçoar e aprender. Mesmo com o histórico de violências contra as
línguas maternas indígenas, não se pode esquecer o fator da língua como criação de uma
identidade do indivíduo dentro de sua comunidade, despertando assim uma memória, um
sentimento de pertencimento onde a visão de mundo desses povos indígenas está estritamente
ligada à língua materna e a oralidade.
O “Grupo de dança Ga Tãn (Donos da Terra)” é uma iniciativa dos professores bilíngues
para motivar os estudantes através da música e dança.
Figura 10 : Grupo de Dança Ga Tãn
Fonte: Acervo LABHIN
O projeto do grupo de dança Ga Tãn (Donos da Terra) consta como um subprojeto
apoiado pelo projeto do OBEDUC e pertence à Escola Indígena de Educação Básica Cacique
Vanhkrê localizada na aldeia Jacú (ou Sede), localizada da Terra Indígena Xapecó municípios
de Ipuaçu e Entre Rios, estado de Santa Catarina.. Há ainda, em outras escolas da TI Xapecó,
grupos culturais de dança e cantos na língua Kaingang. O grupo foi criado para motivar os
alunos a fortalecer a língua Kaingang, assim como a luta pelos direitos indígenas e sua
autonomia, bem como o fortalecimento da identidade específica Kaingang.
Cabe assim, destacar um pouco do histórico da criação do grupo de dança Ga Tãn, texto
produzido pelos professores Kaingang que trabalham com o grupo.
O grupo de dança da E. I. E. B. Cacique Vanhkre foi fundado no ano de 1995, na escola
anterior à atual chamada de Escola Básica Vitorino Kondá. Inicialmente o grupo foi chamado
de “Grupo de Dança Kamẽ e Kairu” (fazendo uma referência às metades exogâmicas do povo
Kaingang). Este nome permaneceu até o ano de 2010. No ano de dois mil e onze surgiu uma
proposta do professor Daniel Alípio dos Santos, Kaingang da T. I. Xapecó, em mudar o nome
do grupo. Os professores aprovaram o nome de Ga Tãn que quer dizer “Donos da Terra”.5
Os professores realizaram pesquisas com os indígenas mais velhos. As pesquisas foram
realizadas com o Sr. Vicente Fokáj Fernandes e dona Divaldina Krugtẽ Luiz, ambos são
Kaingang da TI Xapecó que cantavam e dançavam demonstrando os movimentos feitos pelos
animais no passado. Nesse sentido, o grupo de dança tem uma relação forte com a natureza,
pois muitas das canções contam a história dos animais e suas relações com as pessoas e os
acontecimentos. Os Kaingang aprendiam com os animais as danças, as rezas e até mesmo a
comunicação, por isso, o grupo foi criado.
Os professores constataram que ao longo da história, os Kaingang foram perdendo o
contato com a natureza e assim deixando de lado os próprios conhecimentos e ficando no
esquecimento os saberes dos velhos, bem como, a História, a cultura, a língua, as danças, os
rituais, a crença, a festa do kikikoj. Por este motivo, o grupo de dança tem como objetivo motivar
os alunos a fortalecer a língua Kaingang para reviver e fazer a história do povo desta terra.6
O protagonismo com o compromisso social se percebe claramente na realização das
oficinas pedagógicas. As oficinas pedagógicas são ações demandadas pela coleta de dados e
consta dos objetivos da Projeto OBEDUC/LABHIN e têm como objetivos a troca de
experiências entre os professores das escolas da Terra Indígena e demais participantes do
projeto; planejar, elaborar e publicar material didático específico, diferenciado e bilíngue para
a utilização na prática docente.
As oficinas são consideradas momentos de ensino e aprendizagem, de formação
continuada, nas quais os professores sentem-se fortalecidos e fazem questão de participar, ainda
que encontrem dificuldades para equacionar o tempo de participação das oficinas com a
ausência das atividades em sala de aula.
Está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena que
a formação continuada dos professores indígenas deve ser garantida pelas instituições públicas:
O atendimento às necessidades de formação continuada de profissionais do magistério
indígena dar-se-á pela oferta de cursos e atividades formativas criadas e desenvolvidas
pelas instituições públicas de educação, cultura e pesquisa, em consonância com os
projetos das escolas indígenas e dos sistemas de ensino. Esta formação poderá ser
realizada por meio de cursos presenciais ou cursos à distância, por meio de atividades
formativas e cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização, bem como
programas de mestrado ou doutorado. (BRASIL, 2013, p. 397).
O documento das diretrizes ainda considera que as próprias organizações indígenas e
indigenistas podem ofertar formação inicial e continuada de professores indígenas, desde que
solicitadas pelas comunidades indígenas. Deste modo, as oficinas atendem a esta demanda dos
professores indígenas.
As palavras de NÖTZOLD (2015) demonstram a realidade que os professores
Kaingang enfrentam nas suas práticas docentes estão sintetizadas a seguir:
O nível de conscientização por parte da comunidade escolar sobre a precariedade de
material específico, sobretudo sobre a própria história de seu povo, bem como a
carência de produção na língua indígena levou os professores a serem os produtores
de seus próprios materiais. Para tanto criam suas próprias metodologias e estratégias
para suprir essas lacunas. (NÖTZOLD, 2015, p. 26).
As oficinas possuem uma metodologia baseada no protagonismo dos professores
indígenas, levando em conta as demandas mais primordiais para as ações na sala de aula.
Algumas partem de fundamentação teórica e motivação com slides ou pequenos vídeos
relacionados às temáticas desenvolvidas, mas o foco principal gira em torno da produção de
material didático específico, diferenciado e bilíngue.
Nas oficinas fica evidenciada as próprias metodologias e estratégias utilizadas pelos
professores no planejamento e na produção do material. Geralmente o material é sempre
resultado de experiências exitosas já vivenciadas em sala de aula e que generosamente
compartilham com os colegas, com as escolas, com a comunidade, pois sentem orgulho de que
o material seja publicado.
Inicialmente as oficinas eram realizadas durante um dia todo ou mais, compreendendo
de oito a 20 h/a presencial. Porém, atualmente, em vista às dificuldades para conciliar o período
letivo dos professores e alunos, as oficinas são realizadas no contra turno e as escolas se
organizam para garantir a participação do maior número de professores, na perspectiva da
melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem nas aulas com os alunos. As oficinas
demonstram bem os processos próprios de aprendizagem, pois são os próprios professores os
autores dos materiais específicos, diferenciados, bilíngues. Ainda, evidencia o protagonismo
em termos de geração de conhecimento.
Algumas considerações finais
Os instrumentos de levantamento se apresentou como uma metodologia eficaz para a
realização da pesquisa nas escolas, considerando a distância entre a TI Xapecó e a UFSC. As
ações emanadas a partir destes levantamentos são consideradas um estímulo e um recurso a
mais para os professores em suas práticas educativas. Os professores sentiram-se responsáveis
pelo planejamento, articulação, elaboração e prática de ações/ atividades que envolvam os
alunos de todos os níveis e segmentos, juntamente com suas famílias para atender aos objetivos
a que se propõem de fortalecimento da língua Kaingang, falada, escrita e praticada tanto na
escola, quanto em outros ambientes sociais e a melhoria da qualidade da educação como um
todo.
Tem-se consciência que o projeto OBEDUC e o LABHIN não os são únicos
responsáveis pela melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem vigente nas escolas da TI
Xapecó. Na realidade, a presença do projeto é apenas uma das inúmeras possibilidades diante
de um quadro de educação escolar indígena que se apresenta carente de vários itens importantes
para sua eficácia.
Neste sentido, é fundamental que se pense e se proponha ações que visem a melhoria
da qualidade da Educação Escolar Indígena e os professores indígenas são os principais agentes
desse processo. Fortalecer, divulgar e publicar as práticas exitosas propostas por eles nas
escolas significa parceria, mobilização e sensibilidade que une o pesquisador, o professor, a
comunidade indígena em prol de políticas públicas que envolvem beneficiam os povos
indígenas.
Referências Bibliográficas
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1 Projeto 1585 – Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP. Acervo LABHIN/UFSC (In mímeo). 2 O OEEI por meio do Edital 001/2009 CAPES/SECADI/INEP vigorou nos anos de 2010 a 2012. Foram ações
desenvolvidas em três escolas indígenas de Educação Básica do estado de Santa Catarina, sendo uma de cada povo
indígena. A saber: EIEB Wherá Tupã Poty Djá (povo Guarani, localizada na Terra Indígena Mbiguaçu); EIEB
Cacique Vanhkrê (povo Kaingang, localizada na Terra Indígena Xapecó), EIEB Laklãnõ, (povo Xokleng/Laklãnõ,
localizada na Terra Indígena Ibirama). 3 Foi homologada em 1991 e Declarada através da Portaria MJ 799/07. BRIGHENTI, Clovis A. Terras Indígenas em
Santa Catarina. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe, ROSA, Helena Alpini e BRINGMANN, Sandor Fernando (Org).
Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012. p. 255.
4 LABHIN/UFSC. Instrumento nº 01/2013: dados das escolas da Terra Indígena Xapecó, SC. In: Projeto OBEDUC 1585:
Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da TI XAPECÓ, SC. Florianópolis, SC, 2015. (in
mímeo). 5 Estas informações são do texto elaborado pelos professores Arnaldo Alves de Assis, Daniel dos Santos Alípio, Eloir
Gonçalves, Ercílio Gaspar, Pedro Alves de Assis Kresó no subprojeto: Grupo de Dança Ga Tãn, no âmbito do Projeto
OBEDUC/1585. Terra Indígena Xapecó, SC. 2014, sp. (in mímeo). 6 Idem.