observatório da educação: metodologia de pesquisa e ... · com vistas a atender os princípios...

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Observatório da Educação: metodologia de pesquisa e protagonismo indígena Helena Alpini Rosa Ana Lúcia Vulfe Nötzold O presente artigo visa relatar a metodologia utilizada no projeto 1585, do Observatório da Educação/OBEDUC: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”, proposto e desenvolvido pelo Laboratório de História Indígena da Universidade Federal de Santa Catarina/LABHIN/UFSC, para levantamento de dados, tabulação, análise e resultados, dos quais também resultam as principais ações de pesquisa e extensão que são oriundas do mesmo. Outro objetivo que se propõe é analisar o envolvimento e a função dos professores bolsistas Kaingang, na aplicação dos instrumentos e no desenvolvimento de subprojetos e ações demandados a partir destes instrumentos e que são advindos das escolas em que atuam. O Projeto do OBEDUC 1585, foi proposto ao Edital 049/2012 e financiado pela CAPES/DEB/INEP e os objetivos principais visam a melhoria da qualidade de ensino, à revitalização e fortalecimento cultural, ao reconhecimento da tradição, valorização da língua Kaingang, entre outros, com o intuito de produzir material didático pedagógico para auxiliar os professores na prática da sala de aula possibilitando a inserção e a pesquisa de campo. 1 O desenvolvimento do projeto nas escolas da TI Xapecó se deve ao fato de ser o locus principal das pesquisas realizadas pelo LABHIN, desde 1999 e ainda decorrente dos resultados atingidos nas pesquisas do Observatório da Educação Escolar Indígena - OEEI, 2 onde se levantou várias demandas da comunidade escolar e lideranças indígenas e assim, buscou-se viabilizar, mesmo que parcialmente tais necessidades. A TI Xapecó apresenta-se como um campo vasto de possibilidades de realização e aplicação de políticas públicas relacionadas à educação, além de constituir um local oportuno de pesquisas e estudos acerca das temáticas inerentes às questões indígenas, especialmente ao povo Kaingang. Com vistas a atender os princípios de ensino, pesquisa e extensão, a UFSC, por meio do LABHIN busca a efetivação e realização deste projeto, a partir de uma grande Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina Bolsista de doutorado do Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP LABHIN/UFSC. E-mail: [email protected] Orientadora e Professora Doutora do PPGH/UFSC, Coordenadora do Laboratório de História Indígena LABHIN/UFSC e Coordenadora do Projeto Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP LABHIN/UFSC. Email: [email protected]

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Observatório da Educação: metodologia de pesquisa e protagonismo indígena

Helena Alpini Rosa

Ana Lúcia Vulfe Nötzold

O presente artigo visa relatar a metodologia utilizada no projeto 1585, do Observatório

da Educação/OBEDUC: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da

Terra Indígena Xapecó/SC”, proposto e desenvolvido pelo Laboratório de História Indígena da

Universidade Federal de Santa Catarina/LABHIN/UFSC, para levantamento de dados,

tabulação, análise e resultados, dos quais também resultam as principais ações de pesquisa e

extensão que são oriundas do mesmo. Outro objetivo que se propõe é analisar o envolvimento

e a função dos professores bolsistas Kaingang, na aplicação dos instrumentos e no

desenvolvimento de subprojetos e ações demandados a partir destes instrumentos e que são

advindos das escolas em que atuam.

O Projeto do OBEDUC 1585, foi proposto ao Edital 049/2012 e financiado pela

CAPES/DEB/INEP e os objetivos principais visam a melhoria da qualidade de ensino, à

revitalização e fortalecimento cultural, ao reconhecimento da tradição, valorização da língua

Kaingang, entre outros, com o intuito de produzir material didático pedagógico para auxiliar os

professores na prática da sala de aula possibilitando a inserção e a pesquisa de campo.1

O desenvolvimento do projeto nas escolas da TI Xapecó se deve ao fato de ser o locus

principal das pesquisas realizadas pelo LABHIN, desde 1999 e ainda decorrente dos resultados

atingidos nas pesquisas do Observatório da Educação Escolar Indígena - OEEI,2 onde se

levantou várias demandas da comunidade escolar e lideranças indígenas e assim, buscou-se

viabilizar, mesmo que parcialmente tais necessidades.

A TI Xapecó apresenta-se como um campo vasto de possibilidades de realização e

aplicação de políticas públicas relacionadas à educação, além de constituir um local oportuno

de pesquisas e estudos acerca das temáticas inerentes às questões indígenas, especialmente ao

povo Kaingang. Com vistas a atender os princípios de ensino, pesquisa e extensão, a UFSC,

por meio do LABHIN busca a efetivação e realização deste projeto, a partir de uma grande

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina – Bolsista de

doutorado do Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP – LABHIN/UFSC. E-mail: [email protected] Orientadora e Professora Doutora do PPGH/UFSC, Coordenadora do Laboratório de História Indígena – LABHIN/UFSC e

Coordenadora do Projeto Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP – LABHIN/UFSC. Email:

[email protected]

parceria envolvendo lideranças, professores, direções das escolas, acadêmicos e pesquisadores,

com o intuito de oportunizar e melhorar a qualidade da Educação Escolar Indígena.

A Terra Indígena Xapecó possui 15.623 hectares, com território ocupando os municípios

de Ipuaçu e Entre Rios, compreendendo também a bacia hidrográfica dos Rios Chapecó e

Chapecozinho.3 É composta por 16 aldeias, a saber: Aldeia Jacú (Sede), Olaria, Pinhalzinho,

Cerro Doce, Serrano, Baixo Saburá, Água Branca, Fazenda São José, Matão, Paiol de Barro,

Linha Limeira, João Veloso, Manduri, Guarani, Barro Preto e Campos Oliveira. A população é

majoritariamente Kaingang (5.105 pessoas) e possui um grupo Guarani (111 pessoas) que

habitam na Linha Limeira. (NÖTZOLD, 2015, p. 25).

O projeto abrange as escolas da Terra Indígena Xapecó e as relações de ensino e

aprendizagem no contexto da Educação Escolar Indígena visando o fortalecimento das

tradições e elementos de identidade étnica e cultural do povo Kaingang. O foco é direcionado

especialmente para a formação de professores indígenas, elaboração e produção de material

didático, com o intuito de contribuir para a elevação dos índices de aprendizagem dos alunos

da TI Xapecó, SC.

Na TI Xapecó há nove (09) escolas indígenas, as quais são os lugares essenciais para a

aplicação e desenvolvimento do Projeto. Três escolas da TI Xapecó oferecem o Ensino

Fundamental completo e, entre estas, duas oferecem o Ensino Médio. As demais 06 escolas são

multisseriadas, sendo que uma delas atende à população Guarani da Aldeia de Linha Limeira.

No gráfico abaixo demonstra o contingente de escolas Kaingang atendidas em Santa

Catarina e o número de escolas pertencentes e atendidas na TI Xapecó.

Figura 02 – Número de escolas indígenas Kaingang em Santa Catarina e na TI Xapecó

02468

101214

EscolasIndígenas

Kaingáng emSC: 14

EscolasIndígenas

Kaingáng naTI Xapecó: 9

Escolas IndígenasKaingáng em SC:14

Escolas IndígenasKaingáng na TIXapecó: 9

Fonte: Acervo LABHIN

A partir do gráfico se percebe que a maioria das escolas indígenas Kaingang estão

situadas dentro da TI Xapecó. As demais escolas Kaingang se dividem em outras áreas situadas

nos municípios de Abelardo Luz, Chapecó e Seara.

O contingente de alunos indígenas atendidos pelas nove escolas da TI Xapecó é de 1334

alunos, representando dois terços do total (2.400 aproximadamente), de estudantes indígenas

de educação básica do estado de Santa Catarina. As escolas da TI Xapecó possuem um quadro

de 89 professores. Os níveis de ensino ofertados aos alunos são: Ensino Fundamental e Ensino

Médio, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial com o Serviço de

Atendimento/SAEDE para alunos com deficiências. Destaca-se a EIEB Cacique Vanhkrê a

pioneira em atendimento da Educação Básica no estado, é a maior escola indígena de Santa

Catarina e referência para o povo Kaingang e para a sociedade nacional.4

Esses dados a respeito do número de escolas, número de alunos, professores e outros

que dizem respeito à dinâmica das escolas e famílias envolvidas, respectivamente, foi possível

através da aplicação de instrumentos de pesquisa, os quais possibilitaram acesso à aspectos da

realidade das escolas e da TI Xapecó de modo geral, considerando elementos relacionados à

cultura e tradição e a língua Kaingang. O levantamento também oportunizou à equipe a

organizar subprojetos que atendessem aos interesses das escolas e fossem desenvolvidos pelos

professores bolsistas participantes, junto às suas escolas de atuação, estimulando e dando

suporte técnico ao seu protagonismo.

Instrumentos, demandas e ações

A dinâmica de elaboração e aplicação dos instrumentos ocorre da seguinte forma: a

equipe de bolsistas de iniciação científica do LABHIN/OBEDUC/UFSC elabora os

instrumentos com a coordenação e bolsistas de pós-graduação do PPGH. São elaborados em

forma de perguntas que demandam respostas objetivas e subjetivas em forma escrita e impressa.

Após isso esses instrumentos são levados para as escolas da TI Xapecó nas saídas de campo,

onde são aplicados pelos professores bolsistas do projeto, os mesmos recolhem os instrumentos

respondidos e enviam para o LABHIN onde os dados são tabulados, registrados e tratados, com

a elaboração de tabelas e gráficos e textos de análise.

Figura 03: Modelo de instrumento

Fonte: Acervo LABHIN

Durante os três anos transcorridos do projeto foram aplicados 05 (cinco) instrumentos

de pesquisa organizados conforme segue: instrumento 01 – Dados das Escolas da T. I. Xapecó.

Este instrumento foi aplicado nas primeiras saídas de campo, do ano letivo de 2013, com

objetivo de realizar um levantamento do número de alunos atendidos nas escolas da TI Xapecó,

quadro de professores, alunos com deficiência. A cada início dos anos subsequentes, 2014,

2015, 2016. Os dados levantados neste instrumento são atualizados para que se tenha um

panorama do atendimento dos alunos e a oscilação de números, possibilitando perceber o nível

de atendimento das políticas públicas que contemple a todos.

Abaixo estão os gráficos de atendimento dos alunos e o percentual de alunos com

deficiência. Em ambos os casos são gráficos de dois anos: o primeiro de 2013, primeiro ano do

projeto e o segundo é de 2016, ano em curso de execução do projeto. Se percebe que há uma

pequena queda no número total de alunos da TI Xapecó, o mesmo ocorre com o número de

alunos com deficiência, como demonstras as figuras a seguir.

Figura 04 – Gráfico de atendimento dos alunos 2013

Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN

Figura 05 – Gráfico de atendimento dos alunos 2016

0200400600800

100012001400

Total de Alunos:1395

Feminino:635

Masculino: 760

Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN

Figura 06 – Alunos com deficiência 2013

Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN

Figura 07 – Alunos com deficiência 2016

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

Nº total de

alunos: 1334

Masculino:

725

0

500

1000

1500

Total de Alunos:1395

Deficiência: 26

0200400600800

100012001400

Nº total dealunos: 1334

Alunos comdeficiência: 20

Nº total dealunos: 1334

Alunos comdeficiência: 20

Fonte: Dados Instrumento 01, acervo LABHIN

Os gráficos representam uma das últimas partes do processo de coleta e tratamento de

dados que são usados como referencial para as pesquisas e contribui para se ter um panorama

da realidade das escolas, recursos humanos, assim como condições estruturais e o trabalho

pedagógico desenvolvido nelas.

O instrumento 02 – sobre os dados dos profissionais das escolas, teve os objetivos

relacionados às problemáticas e demandas apontadas pela equipe de bolsistas professores e

lideranças a respeito do consumo e tratamento da água, ao conhecimento e prática da

alimentação tradicional e foi direcionado aos professores e funcionários das escolas da TI

Xapecó. Foram 71 Instrumentos preenchidos, 55 Professores, 11 Funcionários, 05 Gestores.

Constatou-se, por exemplo, que o consumo de água nas casas dos profissionais que trabalham

nas escolas pesquisadas, na sua maioria a água é proveniente de poço, sendo que 39 usam a

água proveniente de poço, 34 de caixa d’água e 4 de nascentes. A maioria tem a prática de

cozinhar pratos tradicionais ou comer alimentos da cultura tradicional Kaingang. Somente 24,

de um total de 71, dizem não realizar essa prática.

Entre os pratos e alimentos tradicionais mais consumidos são: bolo na cinza, pinhão,

milho, mandioca, canjica, batata-doce, radiche. Também foram mencionados o palmito, a

pamonha, peixe, tatu, caraguatá, urtigão, caruru, bolo de milho, kumi, fuá, emi, garinh ni kusig,

abóbora, feijão, carne de caça, pixé, serralha, plantas do mato.

A pesquisa realizada com os alunos, por meio do instrumento 03 objetivou a coleta de

dados a respeito da escolarização de seus pais, além da própria escolarização. Ainda realizou o

levantamento sobre o conhecimento de mitos e lendas da cultura e história Kaingang e o acesso

às mídias de comunicação considerando computador, internet e telefone. Foram distribuídos

para os alunos 121 instrumentos, dos quais 116 foram respondidos e observou-se que entre os

alunos do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos 55%

responderam que conhecem os Mitos e Lendas.

Os instrumentos 04 e 05 foram aplicados para realizar o levantamento linguístico da TI

Xapecó, sendo que o instrumento 04 foi direcionado às famílias e o 05 aos alunos. Na sequência

se realiza uma análise desses dois instrumentos em específico, pois representaram impulso para

várias ações do Projeto, especialmente em produção de material didático específico e

subprojetos: grupo de dança Ga tãn; Cesta Kaingang: o que cabe nesta cesta.

O Instrumento elaborado sobre a língua Kaingang sob o título de “Levantamento

linguístico: famílias Kaingang da T.I. Xapecó” foi aplicado nas nove escolas da TI Xapecó

entre os meses de fevereiro a abril de 2014, para 2097 pessoas, entre alunos, pais e familiares

de alunos. Este número corresponde a mais de 1/3 da população existente na TI Xapecó, pois

envolveu os alunos e suas famílias. Os resultados são considerados uma amostragem, no

entanto, estes números possibilitam uma representatividade segura para os resultados a seguir

apresentados.

Protagonismo e compromisso social

Os levantamentos de dados a respeito da língua Kaingang contaram com a participação

e trabalho dos bolsistas acadêmicos Kaingang de Iniciação Científica da Licenciatura

Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica – UFSC e bolsistas professores da educação

básica (Kaingang) integrantes da equipe do Projeto. Durante três meses foram aplicados,

recolhidos e tabulados os dados referentes aos alunos, pais e demais familiares, a respeito da

compreensão que cada um tem da língua Kaingang. No referido instrumento foi elaborada a

seguinte questão: sobre a língua Kaingang, responda sim ou não se: entende, fala, lê e escreve.

Os resultados deste levantamento possibilitaram alguns pontos de análise e que

demonstram a realidade sobre o uso da língua Kaingang na TI Xapecó. Evidencia de forma

eficaz e clara os usos, a importância e a função que a língua tem dentro da comunidade,

especialmente dentro das escolas e que justificam atividades e ações para seu fortalecimento e

revitalização.

Observa-se que para os povos indígenas de forma geral, e neste caso, para os Kaingang,

conforme demonstrado nas respostas do levantamento, a oralidade, a fala é a forma mais

importante da língua. A oralidade torna-se um elemento cultural imprescindível para “tecer com

as pessoas as representações de seu lugar, visando, inclusive, mudanças que produzam maior

qualidade de vida, partindo do conhecimento acumulado (...) as narrativas que apontam o que

faz sentido para aquele grupo, naquele momento histórico”. (PARK, 2004, p. 23).

No item sobre o uso da fala, da oralidade o instrumento apontou o percentual mais baixo

em relação aos demais aspectos questionados, mas que ainda é maior do que a expectativa

inicial das lideranças. Do total de pessoas pesquisadas somente 18,7% responderam que falam

a língua, portanto usam a oralidade e/ou são falantes e em contrapartida 81,3% não usam a

oralidade ou não são falantes. As pessoas não falantes são um número 4,3 maior que os falantes

da língua Kaingang. Pode-se observar por meio dos gráficos, conforme segue:

Figura 07: Gráfico do instrumento sobre a língua: Entende e Fala

Fonte: Acervo Laboratório de História Indígena – LABHIN.

Os pontos questionados no instrumento relacionados à leitura e à escrita Kaingang

demonstraram um relativo equilíbrio no número de respostas afirmativas (que leem e escrevem)

e de respostas negativas (que não leem e não escrevem). Esses resultados nos permitem pensar

que, sendo a leitura e a escrita práticas específicas da escola, da sala de aula, os alunos teriam

maior facilidade de compreensão da língua.

Figura 08: Gráfico do instrumento sobre a língua: Lê e Escreve.

Fonte: Acervo Laboratório de História Indígena – LABHIN.

O resultado da pesquisa nos permite perceber uma coincidência percentual entre o

número de pessoas que entendem e o número de pessoas que não escrevem a língua, cerca de

54%. Isso pode evidenciar a forma de utilização da língua pelas famílias, especialmente as

pessoas que não frequentam as escolas. Apesar de não frequentarem o ambiente escolar e não

obter o contato com a leitura e escrita, essas pessoas convivem com aquelas que falam a língua,

portanto entendem, mas não escrevem.

Por fim, na média geral, considerando todas as respostas como nível de entendimento

da língua Kaingang, os números que se apresentam é que 39,2% entendem alguns elementos

da língua Kaingang e 60,8% não entendem ou apresentam pouquíssimo conhecimento da

língua.

A análise a respeito da língua Kaingang, evidenciada pelo levantamento de dados

concretos com pesquisa, reforçou a percepção das lideranças e professores a respeito da

importância de revitalização e fortalecimento desse bem cultural e identitário do povo. A língua

Kaingang ganha assim, o espaço em diversas frentes, quer nos projetos desenvolvidos em

parcerias com a universidade especialmente em pesquisas, quer na prática docente em projetos

próprios nas escolas da TI Xapecó.

Destaca-se ainda, a participação efetiva dos professores Kaingang bolsistas no

subprojeto da “Cesta Kaingang: o que cabe nesta cesta?” São 04 cestas confeccionadas por uma

artesã Kaingang, que percorrem as salas de aula nas escolas da TI Xapecó, onde os professores

depositam ali os trabalhos exitosos realizados com os alunos, sobre leitura e escrita. Esse

material está sendo selecionado pela equipe do OBEDUC para publicação e retorno à

comunidade para que todos tenham contato e possam usufruir. Tem o intuito de contribuir para

o fortalecimento da Educação Escolar Indígena intercultural, bilíngue, comunitária e

diferenciada.

Figura 09 – Cestas Kaingang

Foto Acervo Labhin, 2013.

Outras demandas são advindas do processo de coleta de dados por meio dos

instrumentos. Entre os professores foi organizado, a partir da sugestão da comunidade a

oferecer aulas em formato de curso de língua Kaingang para todos aqueles que demonstrarem

interesse e vontade de aperfeiçoar e aprender. Mesmo com o histórico de violências contra as

línguas maternas indígenas, não se pode esquecer o fator da língua como criação de uma

identidade do indivíduo dentro de sua comunidade, despertando assim uma memória, um

sentimento de pertencimento onde a visão de mundo desses povos indígenas está estritamente

ligada à língua materna e a oralidade.

O “Grupo de dança Ga Tãn (Donos da Terra)” é uma iniciativa dos professores bilíngues

para motivar os estudantes através da música e dança.

Figura 10 : Grupo de Dança Ga Tãn

Fonte: Acervo LABHIN

O projeto do grupo de dança Ga Tãn (Donos da Terra) consta como um subprojeto

apoiado pelo projeto do OBEDUC e pertence à Escola Indígena de Educação Básica Cacique

Vanhkrê localizada na aldeia Jacú (ou Sede), localizada da Terra Indígena Xapecó municípios

de Ipuaçu e Entre Rios, estado de Santa Catarina.. Há ainda, em outras escolas da TI Xapecó,

grupos culturais de dança e cantos na língua Kaingang. O grupo foi criado para motivar os

alunos a fortalecer a língua Kaingang, assim como a luta pelos direitos indígenas e sua

autonomia, bem como o fortalecimento da identidade específica Kaingang.

Cabe assim, destacar um pouco do histórico da criação do grupo de dança Ga Tãn, texto

produzido pelos professores Kaingang que trabalham com o grupo.

O grupo de dança da E. I. E. B. Cacique Vanhkre foi fundado no ano de 1995, na escola

anterior à atual chamada de Escola Básica Vitorino Kondá. Inicialmente o grupo foi chamado

de “Grupo de Dança Kamẽ e Kairu” (fazendo uma referência às metades exogâmicas do povo

Kaingang). Este nome permaneceu até o ano de 2010. No ano de dois mil e onze surgiu uma

proposta do professor Daniel Alípio dos Santos, Kaingang da T. I. Xapecó, em mudar o nome

do grupo. Os professores aprovaram o nome de Ga Tãn que quer dizer “Donos da Terra”.5

Os professores realizaram pesquisas com os indígenas mais velhos. As pesquisas foram

realizadas com o Sr. Vicente Fokáj Fernandes e dona Divaldina Krugtẽ Luiz, ambos são

Kaingang da TI Xapecó que cantavam e dançavam demonstrando os movimentos feitos pelos

animais no passado. Nesse sentido, o grupo de dança tem uma relação forte com a natureza,

pois muitas das canções contam a história dos animais e suas relações com as pessoas e os

acontecimentos. Os Kaingang aprendiam com os animais as danças, as rezas e até mesmo a

comunicação, por isso, o grupo foi criado.

Os professores constataram que ao longo da história, os Kaingang foram perdendo o

contato com a natureza e assim deixando de lado os próprios conhecimentos e ficando no

esquecimento os saberes dos velhos, bem como, a História, a cultura, a língua, as danças, os

rituais, a crença, a festa do kikikoj. Por este motivo, o grupo de dança tem como objetivo motivar

os alunos a fortalecer a língua Kaingang para reviver e fazer a história do povo desta terra.6

O protagonismo com o compromisso social se percebe claramente na realização das

oficinas pedagógicas. As oficinas pedagógicas são ações demandadas pela coleta de dados e

consta dos objetivos da Projeto OBEDUC/LABHIN e têm como objetivos a troca de

experiências entre os professores das escolas da Terra Indígena e demais participantes do

projeto; planejar, elaborar e publicar material didático específico, diferenciado e bilíngue para

a utilização na prática docente.

As oficinas são consideradas momentos de ensino e aprendizagem, de formação

continuada, nas quais os professores sentem-se fortalecidos e fazem questão de participar, ainda

que encontrem dificuldades para equacionar o tempo de participação das oficinas com a

ausência das atividades em sala de aula.

Está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena que

a formação continuada dos professores indígenas deve ser garantida pelas instituições públicas:

O atendimento às necessidades de formação continuada de profissionais do magistério

indígena dar-se-á pela oferta de cursos e atividades formativas criadas e desenvolvidas

pelas instituições públicas de educação, cultura e pesquisa, em consonância com os

projetos das escolas indígenas e dos sistemas de ensino. Esta formação poderá ser

realizada por meio de cursos presenciais ou cursos à distância, por meio de atividades

formativas e cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização, bem como

programas de mestrado ou doutorado. (BRASIL, 2013, p. 397).

O documento das diretrizes ainda considera que as próprias organizações indígenas e

indigenistas podem ofertar formação inicial e continuada de professores indígenas, desde que

solicitadas pelas comunidades indígenas. Deste modo, as oficinas atendem a esta demanda dos

professores indígenas.

As palavras de NÖTZOLD (2015) demonstram a realidade que os professores

Kaingang enfrentam nas suas práticas docentes estão sintetizadas a seguir:

O nível de conscientização por parte da comunidade escolar sobre a precariedade de

material específico, sobretudo sobre a própria história de seu povo, bem como a

carência de produção na língua indígena levou os professores a serem os produtores

de seus próprios materiais. Para tanto criam suas próprias metodologias e estratégias

para suprir essas lacunas. (NÖTZOLD, 2015, p. 26).

As oficinas possuem uma metodologia baseada no protagonismo dos professores

indígenas, levando em conta as demandas mais primordiais para as ações na sala de aula.

Algumas partem de fundamentação teórica e motivação com slides ou pequenos vídeos

relacionados às temáticas desenvolvidas, mas o foco principal gira em torno da produção de

material didático específico, diferenciado e bilíngue.

Nas oficinas fica evidenciada as próprias metodologias e estratégias utilizadas pelos

professores no planejamento e na produção do material. Geralmente o material é sempre

resultado de experiências exitosas já vivenciadas em sala de aula e que generosamente

compartilham com os colegas, com as escolas, com a comunidade, pois sentem orgulho de que

o material seja publicado.

Inicialmente as oficinas eram realizadas durante um dia todo ou mais, compreendendo

de oito a 20 h/a presencial. Porém, atualmente, em vista às dificuldades para conciliar o período

letivo dos professores e alunos, as oficinas são realizadas no contra turno e as escolas se

organizam para garantir a participação do maior número de professores, na perspectiva da

melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem nas aulas com os alunos. As oficinas

demonstram bem os processos próprios de aprendizagem, pois são os próprios professores os

autores dos materiais específicos, diferenciados, bilíngues. Ainda, evidencia o protagonismo

em termos de geração de conhecimento.

Algumas considerações finais

Os instrumentos de levantamento se apresentou como uma metodologia eficaz para a

realização da pesquisa nas escolas, considerando a distância entre a TI Xapecó e a UFSC. As

ações emanadas a partir destes levantamentos são consideradas um estímulo e um recurso a

mais para os professores em suas práticas educativas. Os professores sentiram-se responsáveis

pelo planejamento, articulação, elaboração e prática de ações/ atividades que envolvam os

alunos de todos os níveis e segmentos, juntamente com suas famílias para atender aos objetivos

a que se propõem de fortalecimento da língua Kaingang, falada, escrita e praticada tanto na

escola, quanto em outros ambientes sociais e a melhoria da qualidade da educação como um

todo.

Tem-se consciência que o projeto OBEDUC e o LABHIN não os são únicos

responsáveis pela melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem vigente nas escolas da TI

Xapecó. Na realidade, a presença do projeto é apenas uma das inúmeras possibilidades diante

de um quadro de educação escolar indígena que se apresenta carente de vários itens importantes

para sua eficácia.

Neste sentido, é fundamental que se pense e se proponha ações que visem a melhoria

da qualidade da Educação Escolar Indígena e os professores indígenas são os principais agentes

desse processo. Fortalecer, divulgar e publicar as práticas exitosas propostas por eles nas

escolas significa parceria, mobilização e sensibilidade que une o pesquisador, o professor, a

comunidade indígena em prol de políticas públicas que envolvem beneficiam os povos

indígenas.

Referências Bibliográficas

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Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação

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NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Percepções dos usos de produções didáticas em uma escola

Kaingang. In: Revista Pedagógica, Chapecó, v.17, n.34, jan/abr. 2015.

1 Projeto 1585 – Observatório da Educação/OBEDUC/CAPES/DEB/INEP. Acervo LABHIN/UFSC (In mímeo). 2 O OEEI por meio do Edital 001/2009 CAPES/SECADI/INEP vigorou nos anos de 2010 a 2012. Foram ações

desenvolvidas em três escolas indígenas de Educação Básica do estado de Santa Catarina, sendo uma de cada povo

indígena. A saber: EIEB Wherá Tupã Poty Djá (povo Guarani, localizada na Terra Indígena Mbiguaçu); EIEB

Cacique Vanhkrê (povo Kaingang, localizada na Terra Indígena Xapecó), EIEB Laklãnõ, (povo Xokleng/Laklãnõ,

localizada na Terra Indígena Ibirama). 3 Foi homologada em 1991 e Declarada através da Portaria MJ 799/07. BRIGHENTI, Clovis A. Terras Indígenas em

Santa Catarina. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe, ROSA, Helena Alpini e BRINGMANN, Sandor Fernando (Org).

Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012. p. 255.

4 LABHIN/UFSC. Instrumento nº 01/2013: dados das escolas da Terra Indígena Xapecó, SC. In: Projeto OBEDUC 1585:

Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da TI XAPECÓ, SC. Florianópolis, SC, 2015. (in

mímeo). 5 Estas informações são do texto elaborado pelos professores Arnaldo Alves de Assis, Daniel dos Santos Alípio, Eloir

Gonçalves, Ercílio Gaspar, Pedro Alves de Assis Kresó no subprojeto: Grupo de Dança Ga Tãn, no âmbito do Projeto

OBEDUC/1585. Terra Indígena Xapecó, SC. 2014, sp. (in mímeo). 6 Idem.