observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

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Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro por Rerisson Cavalcante de Araújo Universidade Federal da Bahia Outubro/2014

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Apresentação sobre o comportamento aspectual de expressões idiomáticas do português brasileiro. Feita no I Colóquio de Semântica Referencial na UFSCar, em outubro de 2014.

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Page 1: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Observações sobre o aspecto lexical

em expressões idiomáticas do

português brasileiro por

Rerisson Cavalcante de Araújo Universidade Federal da Bahia

Outubro/2014

Page 2: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Objetivos

Analisar a influência da idiomaticidade sobre a acionalidade.

Descrever propriedades sintático-semânticas de expressões idiomáticas verbais

(EIVs) do português.

Verificar se o aspecto lexical nas EIVs é definido composicionalmente ou

idiomaticamente.

Mapear possibilidades e restrições à mudança da classe acional nas EIVs.

Corpus

- 47 EIVs do PB foram levantadas e analisadas de modo preliminar por bolsistas de iniciação

científica da UFBA (Almeida, 2014; Ramacciotti 2014);

- Dados retirados com base em um dicionário de EIs do PB (cf. Riva 2013), listas de

vocabulários e internet.

Page 3: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Classes acionais vendlerianas (Vendler 1967)

i) ESTATIVOS: expressam eventualidades que perduram no tempo, homogêneas, mas que

não constituem ações, não são dinâmicas, não possuem culminação.

Ex.: “saber a verdade”; “amar alguém”.

ii) ATIVIDADES: expressam eventos dinâmicos, homogêneos, que duram no tempo

indefinidamente, i.e., sem pontos naturais de culminação.

Ex.: “correr”, “nadar”.

iii) ACCOMPLISHMENTS: expressam eventos dinâmicos, não-homogêneos, que duram no

tempo, mas que possuem pontos naturais de culminação.

Ex.: “construir uma casa”, “montar um móvel”, “correr 2 km”.

iv) ACHIEVEMENTS: expressam eventos instantâneos; a culminação é o próprio evento.

Ex.: “acertar o alvo”, “piscar”, “bater o pé na mesa”.

Page 4: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Expressões idiomáticas: composicionalidade e acionalidade (I)

- Tradicionalmente, as expressões idiomáticas (EIs) consideradas não-composicionais, pois o

significado do todo não é consequência da soma do significado das partes:

Ex.: bater as botas (‘morrer’), chutar o balde (‘desistir’), kick the bucket (‘morrer’).

- Nunberg, Sag & Wallow (1994): distinguem composicionalidade (significado distribuído

pelas partes) e previsibilidade (significado da EI apenas pelo conhecimento das partes).

- NSW: EIs possuem imprevisibilidade, mas podem ser composicionais.

EIs não-composicionais: “bater as botas”. EIs composicionais: “quebrar o gelo”.

Pergunta: O aspecto lexical das sentenças com EIs não-composicionais é definido...

(i) composicionalmente, pelo verbo e modificadores contidos na expressão?

(ii) não-composicionalmente mas idiomaticamente, pelo seu significado idiomático

(independentemente dos componentes da EIV)?

(iii) não-composicionalmente, mas de movo imprevisível, não sendo definido nem por

seus componentes nem pelo significado idiomático?

Page 5: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Expressões idiomáticas: composicionalidade e acionalidade (I)

McGinnis (2002) e Ribeiro (2008): quanto à acionalidade, as EIVs não-composicionais se

comportam composicionalmente.

McGinnis (2002): “kick the bucket” (‘morrer’, lit.: ‘chutar o balde’) se comporta como

achievement; “die” (‘morrer’), como accomplishment.

Ribeiro (2008): no PB, “bater as botas” e “abotoar o paletó” como achievements; “morrer”,

como accomplishment.

Problemas:

-“Morrer” é considerado por muitos autores achievement e não accomplishment; comparação

de Ribeiro (2008) com EVIs como “bater as botas” e “abotoar o paletó” é inconclusiva.

- Ribeiro (2008) descreve apenas divergência aspectual dentro da super-classe dos VPs

télicos. E quanto às outras classes/propriedades?

- McGinnis (2002) apresenta alternância entre telicidade em “eat one’s words” (cf. “eat one’s

vitamins”) e atelicidade em “eat crows” (cf. “eat turkey”), mas com EIs composicionais.

Page 6: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Descrição dos dados (I)

Três graus de idiomaticidade com elementos verbais no corpus:

1) EIVs “completas”: tanto o elemento verbal quanto o não-verbal possuem significado

idiomático. O caso “normal”. Composicionais ou não-composicionais.

Ex.: “lavar roupa suja”, “alisar o couro”, “bater fofo”.

2) EIVs parciais: o verbo possui significado não-idiomático, mas o sentido idiomático da

parte parte não-verbal só aparece naquela combinação.

Ex.: “abandonar o barco” (abandonar é não-idiomático, mas barco só tem sentido

idiomático nessa combinação), “dar o grau”, “dar pitaco”.

3) EIVs “falsas”: o elemento verbal apenas parece constituir a EI, mas esta na verdade é

formada apenas pela parte não-verbal. Colocações idiomáticas.

Ex.: “estar com dor de cotovelo”; “fazer tempestade em copo d’água”.

Page 7: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Descrição dos dados (II): EIVs quanto ao verbo formador

EIVs com VERBOS estativos EIVs com VERBOS de atividade

(Estar com) a cabeça nas nuvens

(Estar com) a corda no pescoço

(Estar com) dor de cotovelo

Ficar à sombra da bananeira

Ficar globalizado

Pensar na morte da bezerra

Correr frouxo

Rebolar no mato

Olhar para o próprio umbigo

Roer a corda

EIVs com VERBOS de accomplishment EIVs com VERBOS de achievement

Abrir um parêntese

Alisar o couro

Amarrar um bode

Comer água

Cortar prego

Encher a cara

(Fazer) cantiga de grilo

Fazer escola

Fazer mal

(Fazer) tempestade em copo d'água

Lavar a roupa suja

Passar por cima

Vestir a camisa

(Voltar de) mãos abanando

Abandonar o barco

Abrir o gás

Acertar na lata

Acordar pra vida

Bater a caçuleta

Bater fofo

Cair a ficha

Cair de paraquedas

Cair do cavalo

Dar a gota serena

Dar o grau

Dar o prego

Dar pitaco

Dar sopa

Dormir no ponto

Pedir penico

Pegar o beco

Pular a cerca

Quebrar a cara

Quebrar a tigela

Sentar a mão

Tirar sarro

Virar a página

Page 8: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

CLASSE ESTATIVA: EIVs com verbos estativos

— Apenas 6 no corpus. Na maioria, o verbo não faz parte da EI: Estar com dor de cotovelo;

Estar com a cabeça nas nuvens; Estar com a corda no pescoço. Não há mudança aspectual. A

idiomaticidade (do argumento) não altera a acionalidade do verbo.

— 2 casos em que o verbo faz parte da EI: é o verbo FICAR (intrinsecamente ambíguo entre

leitura de estado e de mudança de estado): em ficar à sombra da bananeira, significado

estativo e comportamento estativo. Em ficar globalizado, combinado com particípio passado

com idéia de resultado: significado e comportamento de accomplishment.

EIVs estativas com verbos não-estativos

— correr frouxo e amarrar um bode poderiam ser EIVs estativas com verbos não-estativos.

Mas correr frouxo pode ter interpretação estativa de posse (“ter em abundância”) ou como

atividade (“circular livremente”). E amarrar um bode: ou permanência no tempo (ficou em

casa todo o feriado, amarrando um bode por isso), ou mudança de estado, accomplishment.

Page 9: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

CLASSE DE ATIVIDADE: EIVs com verbos de atividade

Apenas 4 dados.

— Em 2, há ganho de telicidade e perda de duração; passagem para achievement: rebolar no

mato (‘jogar fora’) e roer a corda (‘não cumprir o prometido’). Mudança aspectual.

— Em olhar para o próprio umbigo, a EIV tem significado estativo (‘pensar apenas em si’),

mas comportamento de atividade.

— E correr frouxo, como dito antes, é ambígua entre significado estativo/posse ou de

atividade. Mas comportamento é de atividade: evento em desenvolvimento.

EIVs de atividade com verbo de não-atividade

— Lavar (a) roupa suja e vestir a camisa: EIVs composicionais com verbos de

accomplishment, que perdem telicidade. Talvez devido ao traço [+genérico] do NP. No caso

de VESTIR, já há, no uso não-idiomático, alternância entre leitura télica (‘pôr uma roupa’) e

não-télica (‘estar vestido com’).

Page 10: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

CLASSE DOS ACCOMPLISHMENT: EIVs com verbos de accomplishment

—14 dados.

— 3 dados em que o verbo não compõe a EI: i) em (fazer) tempestade em copo d’água e

(fazer) cantiga de grilo, leitura/comportamento de atividade, com perda da telicidade;

compatível com o verbo FAZER, cujo valor télico vem do argumento; ii) em (voltar de) mãos

abanando, o tipo acional não é alterado; parte não-verbal é adjunto, não argumento.

— Perda da telicidade em: i) comer água e fazer escola, que passam a de atividade; ii) cortar

prego, a estativo. Perda de telicidade devido ao NP nu como complemento.

— Vestir a camisa também perde a telicidade e se comporta como atividade. Mas tal valor

acional está disponível já no sentido não-idiomático. (cf. pág. anterior).

—Em alisar o couro, permanece accomplishment.

— passar por cima parece perder duração e passar a achievement. Quando tem duração, é

com leitura iterativa, como semelfactivo, confirmando o comportamento de achievement.

— Permanecem accomplishments: encher a cara,

— Passam a atividade: lavar (a) roupa suja e vestir a camisa. Também amarrar um bode.

Page 11: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

CLASSES DOS ACHIEVEMENTS: EIVs com verbos de achievement

— A maior parte dos dados é de EIVs formadas por verbos de achievement.

— Na maioria dos dados, o valor acional permanece. No tempo progressivo, algumas:

i) passam a indicar a etapa preparatória anterior ao evento: abandonar o barco, abrir o gás,

pegar o beco, cair a ficha, acordar pra vida;

ii) em outros, surge a leitura interativa, semelfactiva: acertar na lata, dar pitaco (EIV parcial),

dormir no ponto, quebrar a cara;

iii) em outros, o progressivo é marginal ou ruim: bater a caçuleta, cair do cavalo, bater fofo.

— Permanecem télicos, mas passam a durativos, accomplishments: dar o grau, acordar pra

vida, sentar a mão.

— Perdem telicidade e passam a durativos, atividade: dar sopa, tirar sarro, pedir penico

(todos com NP nus), pular a cerca.

Page 12: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Considerações

— O julgamento sobre a acionalidade das EIVs é, às vezes, bastante difícil pela falta de

clareza nos julgamentos dos testes de aceitabilidade.

— Na maior parte dos dados, o aspecto do núcleo verbal é herdado pela EIV.

— Quando há mudança da acionalidade, na maior parte dos casos isso é desencadeado pelas

propriedades do argumento, como nas EIVs com nominais nus.

— Isso a priori favorece a hipótese de McGinnis (2002) e Ribeiro (2008) sobre a

composicionalidade aspectual, mas ainda é preciso investigar em mais detalhes tais EIVs

quanto à distribuição do sentido idiomático pelas partes.

— A possibilidade de comportamento estativo ou de atividade de EIVs como cortar um prego

e amarrar um bode (com verbos télicos) sugere que ainda assim a composicionalidade acional

pode ser alterada pela idiomaticidas.

Page 13: Observações sobre o aspecto lexical em expressões idiomáticas do português brasileiro

Referências

ALMEIDA, Gilmara Gomes Queiroz. (2014). Aspecto verbal em expressões idiomáticas do português e

do inglês – Relatório de projeto de pesquisa de iniciação científica. UFBA/PIBIC.

LEGROSKI, Marina. (2012). Reflexões acerca de expressões idiomáticas. Revista Virtual de Letras, v.

04, nº 01, jan./jul, 2012.

McGINNIS, Martha. (2002). On the Systematic Aspect of Idioms. Linguistic Inquiry, vol. 33, n.4,

outono 2002. p. 665-672.

NUNBERG, Geoffrey; SAG, Iva A; WASOW, Thomas. (1994). Idioms. Language, v. 70, n. 3, setembro

1994. p. 491-538.

RAMACCIOTTI, Diego Costa. (2014). Aspecto verbal em expressões idiomáticas do português

nordestino – Relatório de projeto de pesquisa de iniciação científica. UFBA/PIBIC.

RIBEIRO, Pablo Nunes. (2008). Composicionalidade semântica em expressões idiomáticas não-

composicionais. Anais do CELSUL 2008.

RIVA, Hueliton Cassiano. (2013). Dicionário de expressões idiomáticas mais usadas no Brasil:

organização onomasiológica. Curitiba: Appris.

VENDLER, Zeno. (1967).Verbs and Times. In: Linguistics in Philosophy, Cornell University Press.