obra inédita de jung - mente e cerebro

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  • 7/22/2019 Obra indita de Jung - mente e cerebro

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    Obra indita de Jung: Vozes lana O Livro vermelho

    12 de Agosto de 2010 s 14h 00m Ricardo Arquivado sobGeral

    Oculto por 70 anos, livro traz ilustraes e manuscritos do autor; os textos servem de

    base para os trabalhos do criador da psicologia analtica

    Mente e Crebro

    Acaba de ser lanado o to esperado O Livro vermelho, ou Liber novus, como ochamou Carl Gustav Jung. O criador da psicologia analtica terminou a obra por voltade 1930 e na poca optou por no divulg-la devido ao seu carter extremamente

    pessoal. Mesmo depois de sua morte, em 1961, a famlia de Jung preferiu manter o

    trabalho oculto. Mas agora, depois de mais de dez anos de negociaes e preparo, olivro apresentado ao pblico.

    Todas as grandes obras da tradio ocidental compem o universo cultural de Jung e oinfluenciaram de certa forma. possvel perceber grandes influncias na composio deO Livro vermelho: Zaratustra, de Nietzsche, A divina comdia, de Dante, Fausto, deGoethe. Mas o Lber novus novo e originalssimo tanto na forma e apresentaoquanto no contedo. Enquanto Nietzsche apregoou a morte de Deus, uma nova tica, atransformao de todos os valores, O Livro vermelho traz a novidade do renascimento

    da divindade interior, da experincia pessoal pela transcendncia das instituies.Enquanto Dante realiza uma viagem interior de aprofundamento, personificando em

    Virglio um guia para o mundo dos mortos, Jung tem mltiplos guias, sendo o magoPhilemonaquele que centraliza o conhecimento intuitivoo maior de todos.

    O livro comea em dezembro de 1913, quando Jung tem uma viso enquanto viajavapara visitar uma parente, em uma cidade prxima a Zurique: toda a Europa coberta porum mar de sangue, com milhares de cadveres boiando, do norte at o sul. umaimagem terrvel que se repetiu como se fosse um sonho aterrorizante. Ele relatou osdetalhes em seu livro de memrias, assinalando a necessidade premente que sentiu decompreender o sentido. De incio, chegou a pensar que estivesse sofrendo de uma gravecrise psquica e que a viso talvez dissesse respeito a uma doena mental iminente. Squando pouco tempo depois a Europa mergulhou na Primeira Guerra Mundial (1914-

    1918) com seus incontveis mortos e o profundo sofrimento para milhes, ele pdecompreender o sentido antecipatrio de sua viso. Ficou claro para ele que as poderosasimagens que se desenrolaram a partir da em fluxo caudaloso em fantasias e sonhosfalavam tambm de algo interno, uma profunda transformao interior. As mudanasinteriores aconteciam paralelamente s dolorosas alteraes da estrutura mundial.

    Obra indita de Jung: Vozes lana O Livro vermelho

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    Divulgao

    Orao a Brahmanaspati, o senhor do culto vdico

    [continuao]

    Em sua vida particular, Jung atravessava um perodo de mudanas ricais. Haviarompido com Freud e afastava-se do movimento psicanaltico que se afirmavagradualmente em toda a Europa. Estava quebrando os laos com a AssociaoInternacional de Psicanlise, instituio da qual fora o primeiro presidente. Aos 38 anos,atravessava ento uma tpica crise de metade de vida, como ele prprio viria a chamardepois.

    A intensa experincia presente em O Livro vermelhopode dar a falsa impresso de quea obra tenha carter revelatrio e seja escrita com base em significativas experinciassubjetivas, expressas de forma direta. Mas no o caso. O trabalho sofreu vriasrevises, foi escrito em diversas fases, revisto pelo autor ao longo dos anos, mostrado aum crculo ntimo de amigos, aperfeioado e bem-acabado em sua apresentao econtedo. O curioso que a obra completa de Jung em 19 volumes tem alguns textosque so realmente do tipo revelatrio, escritos aps inspirao sbita. Tal o caso, porexemplo, de Resposta a J. Segundo a seguidora de Jung, Marie-Louise von Franz, olivro foi escrito de uma s vez, de forma fortemente inspiracional. Durante a produo,

    o autor teria apresentado alterao de temperatura corporal.

    Em O Livro vermelho, entretanto, embora partindo de intensas experincias de sonho efantasia, os diversos captulos sofrem depois um processo de elaborao racional eaperfeioamento, uma tentativa de elaborao e integrao da experincia doinconsciente aos processos mentais conscientes. Poderamos dizer que o livro umconstante oscilar entre os dois tipos de pensamento: o onrico e o mitolgico (doinconsciente) e o racional (tpico da conscincia). A experincia intuitiva criativaaparece em forma de personagens e histrias. Esses processos intuitivos so, em umsegundo momento, elaborados pela mente racional consciente em busca de um sentidosimblico que sintetize ambas as formas de pensar.

    Tomemos, por exemplo, entre as inmeras cenas do livro o encontro de Jung com o

    heri mitolgico Izdubar. O psiquiatra suo caminha em uma de suas fantasias emdireo ao Oriente, por um longo trajeto que parece no ter fim. A paisagem temhorizontes que se perdem na distncia. Subitamente, aparece ao longe um vulto enorme,de propores gigantescas. Jung sente um profundo temor e respeito pela figura

    primitiva, semelhante a um heri antigo, com vestes tpicas das sociedades tribais.Indagado sobre quem , o heri diz ser Izdubar, o poderoso, e que se dirige ao Ocidente

    para conhecer os pases da terra longnqua e seus habitantes. Jung diz que vem doOcidente, fala das pessoas, suas cidades e sua capacidade de se deslocar em mquinasvoadoras para terras distantes. A partir da se desdobra um dilogo entre Izdubar, um sercheio de crenas, temente ao poder do mito e da magia, e Jung, possuidor do

    pensamento racional e cientfico.

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    zdubar tomado pelo medo do poder da razo, torna-se extremamente fraco e tememorrer, aniquilado pela racionalidade do ser de estatura diminuta. J Jung teme pelamorte iminente de Izdubar. O que se passa a seguir comovente: para salvar ointerlocutor, o psiquiatra entoa encantamentos vdicos da antiga ndia, palavras mgicasde restituio de vigor. O heri da mitologia se torna ento diminuto e,

    surpreendentemente, guardado por Jung em um ovo. Depois de certo tempo restaurado ao seu tamanho natural, a salvo e revigorado.

    Temos aqui no a morte de Deus anunciada por Nietzsche, mas a assimilao dosdeuses antigos e seu renascer sob nova forma simblica de experincia psicolgicasubjetiva. Jung anunciaria muito mais tarde, nos anos 30, que os deuses clssicos nomorreram, mas, recalcados, reapareceriam em forma de doena, causando os maiscuriosos fenmenos apresentados pelos pacientes.

    A quase morte do deus e sua restaurao em forma simblica, um processo deintegrao do pensamento mitolgico do inconsciente pela razo onisciente, de uma

    sutileza to grande e uma profundidade to difcil de expressar que Jung julga aspalavras insuficientes para transmitir o que ocorre. Por isso, recorre nessa parte do livroao recurso da linguagem no verbal de poderosas pinturas coloridas, imagens de grandedensidade de significado: mandalas, cores e os mais diversos smbolos. Um Jungsurpreendenteo artista plsticorevela-se aqui em pinturas de grande beleza estticae densidade de significado.

    Esse modelo de comunicao, o uso de metforas poderosas aliadas a ilustraesigualmente significativas, absolutamente pessoal e revolucionrio. Se desde Anna O.temos anunciado que a psicoterapia uma cura pela fala, temos aqui constatado, nosincios da elaborao da escola junguiana, que a psicoterapia tambm uma cura pela

    no fala, pelas tcnicas expressivas diversas, no verbais.

    Outro aspecto do maior interesse o nome do deus: Izdubar. Tratase do antigo nome,depois corrigido, do heri sumeriano Gilgamesh, personagem do antiqussimo mitoGilgamesh, rei de Uruk. Jung teve conhecimento, e no h dvida disso, de que o nomehistrico Izdubar havia sido corrigido para Gilgamesh em textos anteriores ao O Livrovermelho. Por que manteve a palavra Izdubar? Porque foi sob esse nome que a entidademitolgica se revelou a elee isso demonstra que as diversas figuras histricas, bblicase mitolgicas que povoam sua obra no so os personagens que conhecemos dos livrosclssicos e da Bblia, mas experincias internas de Jung personificadas.

    Ainda cedo para tentar prever todo o efeito que O Livro Vermelho ter sobre aavaliao e o conhecimento das ideias do criador da psicologia analtica. Masconhecendo-o agora, um sculo depois de ter sido iniciado, deve-se lamentar ele no tersido antes revelado aos estudiosos junguianos e ao pblico em geral. Toda a avaliaoda obra do autor ser feita de nova forma, de outra perspectiva para entender a extensarealizao daquele que foi, ao lado de Freud, um dos principais criadores da psicologiamoderna.