objectivos de realização: estudos diferenciais em contexto...

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Psicologia e Educação 53 Vol. III, nº 1, Jun. 2004 Objectivos de realização: Estudos diferenciais em contexto escolar Luísa Faria* Dina Parracho** Resumo: Este trabalho, após um breve enquadramento conceptual, apresenta alguns estudos diferenciais sobre os objectivos de realização em contexto escolar, em função da idade/ano de escolaridade, do sexo e da etnia/nível sócio-económico (NSE). Assim, foi previamente construído e adaptado ao contexto escolar português o “Questionário de Objectivos de Realização”, com 30 itens (15 “centrados na tarefa” e 15 “centrados no ego”), que foi administrado colectivamente a 508 alunos do 5º e 10º anos de escolaridade. Este questionário evidenciou boas qualidades psicométricas e os resultados diferenciais apontam para: (i) os alunos do 10º ano prosseguem objectivos mais centrados no ego, contrariamente aos do 5º ano, que prosseguem objectivos mais centrados na tarefa; (ii) a ausência de diferenças de sexo; e (iii) diferenças de NSE, com o NSE alto a prosseguir objectivos mais centrados na tarefa e os NSE baixo e médio a pros- seguirem objectivos mais centrados no ego. Finalmente, considerando os resultados obtidos, são apontadas pistas de intervenção para a promoção de objectivos mais adaptativos em contexto escolar. Palavras-chave: Objectivos de realização, Ano de escolaridade, Sexo, Etnia e Nível sócio-económico. Achievement goals: Differential studies in the school context Abstract: This work, after a brief conceptual framework, presents several differential studies on achievement goals in the school context, as a function of age/school grade, sex, and ethnic group/socio-economic status (SES). Therefore, the “Achievement Goals Questionnaire”, with 30 items (15 “task-centered goals” items and 15 “ego-centered goals” items), was previously constructed and adapted to the Portuguese context and was collectively administered near 508 5 th and 10 th graders. This questionnaire evidenced good psychometric qualities and the differential results pointed to: (i) 10 th graders pursued more “ego-centered goals”, while 5 th graders pursued more “task-centered goals”; (ii) the absence of sex differences; and (iii) the existence of SES differences favoring the higher SES which pursued more “task-centered goals”, while the lower and middle SES pursued more “ego-centered goals”. Finally, considering the results of this study, some guidelines for intervention are pointed in order to promote more adapted achievement goals in the school context. Keywords: Achievement goals, School grade, Sex, Ethnic group and Socio-economic status. _______________ * Professora Associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Rua do Campo Alegre, 1055 4169-004 Porto. Tel.: 226 079 700; Fax: 226 079 725; e-mail: [email protected] ** Docente da Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis. Rua Padre Joaquim Ferreira Salgueiro 3720-227 Oliveira de Azeméis. Tel.: 256 661 430; Fax: 256 661439; e-mail: [email protected]. Mestre em Psicologia pela FPCEUP.

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  • Psicologia e Educação 53

    Vol. III, nº 1, Jun. 2004

    Objectivos de realização: Estudos diferenciais em contexto escolarLuísa Faria*Dina Parracho**

    Resumo: Este trabalho, após um breve enquadramento conceptual, apresenta algunsestudos diferenciais sobre os objectivos de realização em contexto escolar, em funçãoda idade/ano de escolaridade, do sexo e da etnia/nível sócio-económico (NSE).Assim, foi previamente construído e adaptado ao contexto escolar português o“Questionário de Objectivos de Realização”, com 30 itens (15 “centrados na tarefa”e 15 “centrados no ego”), que foi administrado colectivamente a 508 alunos do 5ºe 10º anos de escolaridade.Este questionário evidenciou boas qualidades psicométricas e os resultados diferenciaisapontam para: (i) os alunos do 10º ano prosseguem objectivos mais centrados no ego,contrariamente aos do 5º ano, que prosseguem objectivos mais centrados na tarefa;(ii) a ausência de diferenças de sexo; e (iii) diferenças de NSE, com o NSE altoa prosseguir objectivos mais centrados na tarefa e os NSE baixo e médio a pros-seguirem objectivos mais centrados no ego.Finalmente, considerando os resultados obtidos, são apontadas pistas de intervençãopara a promoção de objectivos mais adaptativos em contexto escolar.Palavras-chave: Objectivos de realização, Ano de escolaridade, Sexo, Etnia e Nívelsócio-económico.

    Achievement goals: Differential studies in the school context

    Abstract: This work, after a brief conceptual framework, presents several differentialstudies on achievement goals in the school context, as a function of age/school grade,sex, and ethnic group/socio-economic status (SES).Therefore, the “Achievement Goals Questionnaire”, with 30 items (15 “task-centeredgoals” items and 15 “ego-centered goals” items), was previously constructed and adaptedto the Portuguese context and was collectively administered near 508 5th and 10th graders.This questionnaire evidenced good psychometric qualities and the differential resultspointed to: (i) 10th graders pursued more “ego-centered goals”, while 5th graders pursuedmore “task-centered goals”; (ii) the absence of sex differences; and (iii) the existenceof SES differences favoring the higher SES which pursued more “task-centered goals”,while the lower and middle SES pursued more “ego-centered goals”.Finally, considering the results of this study, some guidelines for intervention are pointedin order to promote more adapted achievement goals in the school context.Keywords: Achievement goals, School grade, Sex, Ethnic group and Socio-economic status.

    _______________* Professora Associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

    (FPCEUP). Rua do Campo Alegre, 1055 4169-004 Porto. Tel.: 226 079 700; Fax: 226 079 725; e-mail:[email protected]

    ** Docente da Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis.Rua Padre Joaquim Ferreira Salgueiro 3720-227 Oliveira de Azeméis. Tel.: 256 661 430; Fax: 256 661439;

    e-mail: [email protected]. Mestre em Psicologia pela FPCEUP.

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    1. Introdução

    Os objectivos de realização apresentam-se como construtos integrados eintegradores no domínio da motivação,englobando cognições, afectos e compor-tamentos num mesmo sistema (Faria,1997a; 1998a). Deste modo, podem serconceptualizados como responsáveis pelamanifestação de padrões de comportamen-to diferenciados, afectando a acção dosindivíduos nos mais variados contextos devida, com particular destaque para ocontexto escolar, onde os objectivos derealização são primordiais (Bell &Kozlowski, 2002; Dweck, 1999).Na verdade, “para Dweck e Elliott (1983),qualquer tipo de motivação implica acti-vidade dirigida para objectivos e, emparticular, a motivação para a realizaçãoescolar envolve objectivos de competên-cia, que podem cobrir duas realidadesdistintas: os objectivos centrados na apren-dizagem [ou na tarefa], que implicam apreocupação em adquirir e dominar novosconhecimentos e competências, e os ob-jectivos centrados no resultado [ou noego], que implicam a preocupação em obterjuízos favoráveis da sua competência eevitar juízos desfavoráveis da mesma.”(Faria, 1997a, p. 212).No estudo a seguir apresentado pretende-sereflectir sobre a importância dos contextosdiferenciais de existência na definição e naprossecução de objectivos de realização,considerando a influência de factores dife-renciais como a idade/ano de escolaridade,o sexo e a etnia/nível sócio-económico (NSE)de alunos que frequentam quer o ensinobásico, quer o ensino secundário.Após uma revisão da investigação, con-siderando a influência das referidas vari-áveis na adopção de objectivos de reali-zação particulares, apresentam-se e discu-tem-se os resultados de um estudo empírico

    desenvolvido com 508 alunos, no contex-to português, delineando propostas deintervenção no sentido da promoção deobjectivos de realização mais adaptativosem contexto escolar.

    2. Diferenças nos objectivos de realização

    2.1. Em função da idade/ano de escola-ridadeAo longo dos primeiros anos de escola-ridade ocorrem várias mudanças ao nívelda motivação para a realização, nomeada-mente na altura em que as crianças seconfrontam, pela primeira vez, com ques-tões que envolvem a aprendizagem e odesempenho no domínio intelectual.Nos anos anteriores à entrada na escola,a maioria das crianças desenvolvem ob-jectivos centrados na aprendizagem ou natarefa e, mais especificamente,percepcionam a capacidade como algodinâmico, possuindo, ainda, um elevadoconceito de competência, elevadas expec-tativas de sucesso e um permanente op-timismo perante as dificuldades.Com a entrada na escola, dois factorespassam a interferir na forma depercepcionar a aprendizagem e vão favo-recer o aparecimento de objectivos derealização centrados no resultado ou noego. Um dos factores consiste no confron-to com um novo conceito de capacidade,de tipo normativo e fazendo apelo àcomparação social, o que leva as criançasa procurar juízos favoráveis de competên-cia e a evitar juízos de incompetência. Ooutro factor resulta do confronto com novastarefas, que possuem características muitodiferentes das anteriores, bem como dofacto da organização das actividades es-colares e dos grupos-turma ser maisnormativa e geradora de comparação comos pares, favorecendo a competição, o que

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    irá conduzir as crianças a centrarem-se nosjuízos que os adultos poderão emitir acercada sua competência (Dweck & Elliott,1983).Neste quadro, o conceito de capacidadeparece estar na base destas transformações,que se vão operando e concretizando aolongo dos vários níveis de escolaridade:de facto, antes dos 7 anos, as criançasinterpretam a capacidade através do de-sempenho numa determinada tarefa, logo,como a “capacidade” para resolver umproblema ou para produzir uma respostacorrecta (Miscione, Marvin, & O’Brien,1978), enquanto que, depois dos 7 anos,as crianças começam a percepcionar a“capacidade” como um traço psicológicomais global e estável (Heckhausen, 1981;Rholes & Ruble, 1981, in Dweck & Elliott,1983).Estas alterações surgem no âmago demudanças desenvolvimentais gerais, quepassam de uma ênfase nas acções e atri-butos físicos e concretos para uma ênfasenos atributos psicológicos e abstractos(Damon & Hart, 1982), contudo, existealguma controvérsia relativamente ao de-senvolvimento do conceito de capacidadecom a idade, nomeadamente em relação como de esforço. Ou seja, os indivíduos po-derão percepcionar esta relação de váriasformas: poderão conceber a capacidadecomo algo independente e não relacionadocom o esforço (a capacidade surge apenasem função do desempenho e do resultado),poderão concebê-la como inversamenterelacionada com o esforço (quanto maioro esforço, menor a capacidade) ou, ainda,interpretá-la como positivamente relaciona-da com o esforço (quanto maior o esforço,maior a capacidade).Neste âmbito, os resultados não têm sidoconsistentes, pois enquanto alguns estudos,com alunos desde o jardim de infância até

    à universidade (Kun, 1977), apoiaram atese de um desenvolvimento progressivo,que começaria com uma relação positivaentre os dois conceitos e terminaria coma percepção de uma relação inversa, outrosestudos encontraram uma predominânciada relação inversa nos primeiros anos deescolaridade. E Surber (1977, in Dweck& Elliott, 1983) também descreve umestudo, com estudantes universitários, noqual aproximadamente metade dos sujei-tos percepcionava um aumento da capa-cidade concomitante ao de esforço.Mesmo assim, as perspectivas maioritáriasdos especialistas vão no sentido de con-cluir que as mudanças desenvolvimentaisno conceito de competência, nos primei-ros anos de escolaridade, resultam de umatendência para percepcionar, de formaprogressiva, a competência intelectualcomo uma característica global e estável,sendo esta percepção que conduzirá pro-gressivamente à adopção de objectivoscentrados no resultado ou no ego. Na verdade, antes de começar a frequen-tar a escola, as experiências com a uti-lização do esforço e da concentração paraa aquisição de aptidões pelas crianças têmcomo objectivo principal as aptidões fí-sicas, que diferem em vários aspectos dasaptidões intelectuais. Ora, estas últimaspassarão a ser as mais exigidas com aentrada na escola, pelo que a mudança paratarefas com características substancialmen-te diferentes poderá apresentar-se como umfactor explicativo da adopção de objecti-vos distintos, que se modificam e estru-turam com o avanço da escolaridade (Faria,2002, 2003): como sabemos, as tarefasfísicas são mais facilmente monitorizadase avaliadas pelas crianças do que as in-telectuais, pelo que para julgar emonitorizar o progresso na realizaçãodestas tarefas intelectuais é necessária apresença de um adulto.

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    Deste modo, surge uma maior tendênciapara a criança se centrar nas avaliaçõesdos adultos, substituindo o anterior con-ceito dinâmico de competência por umoutro muito mais estático e centrado noresultado (Diener & Dweck, 1978, 1980;Erdley & Dweck, 1993; Nicholls, Nelson& Gleaves, 1995). Neste domínio, umestudo realizado por Harter (1981, inDweck & Elliott, 1983) demonstra aexistência de um declínio dramático, aolongo da escolaridade, no que respeita aointeresse pela aprendizagem, ou seja, noque respeita à adopção de objectivoscentrados na aprendizagem ou na tarefa,a favor do desejo de obter a aprovaçãodo professor e consequentes resultados,logo, a favor da adopção de objectivoscentrados no resultado ou no ego.

    2.2. Em função do sexoAo observarmos a realização académica derapazes e de raparigas, constatamos aexistência de diferenças substanciais. Asraparigas apresentam, geralmente, melho-res resultados do que os rapazes ao longodo ensino básico, especialmente nas dis-ciplinas que implicam a aplicação decompetências verbais, como por exemploa língua materna. As raparigas apresentam,ainda, níveis de desempenho em matemá-tica que igualam ou, até, ultrapassam osníveis apresentados pelos rapazes nosprimeiros anos de escolaridade. Porém, àmedida que as raparigas entram na faseda adolescência, os seus resultados come-çam a decrescer tanto na matemática comonas ciências (Henderson & Dweck, 1993).Portanto, será aqui que os factoresmotivacionais poderão desempenhar umpapel crucial, a par de outro tipo de factoresexplicativos.Num estudo realizado com alunos do 8ºano, Dweck e Leggett (1988) concluíramque grande parte das raparigas escolhiam

    tarefas académicas que se apresentavamsuficientemente fáceis para assegurar osucesso, demonstrando, desta forma, aadopção e a prossecução de objectivoscentrados no resultado ou no ego. Pelocontrário, poucos rapazes optavam portarefas fáceis, fazendo a escolha de tarefasmais complexas, escolha esta que reflectea adopção e a prossecução de objectivoscentrados na aprendizagem ou na tarefa(Henderson & Dweck, 1993).Assim, parece de salientar que, ao apre-sentarem bons resultados escolares, asraparigas aparentam grande confiança nassuas capacidades e, até mesmo os profes-sores, dificilmente se apercebem da suavulnerabilidade ao fracasso. Esta situaçãopode decorrer do facto de estarmos peran-te alunas que, ao longo da escolaridade,sempre dominaram com mestria aquilo quelhes era exigido. No entanto, as raparigasconstituem um grupo que, frequentes vezes,evita os desafios e os obstáculos (Licht& Shapiro, 1982, in Dweck, 1999), umavez que estes colocam em causa a segu-rança do resultado (objectivos centradosno resultado ou no ego). Na investigaçãorealizada por Licht e Shapiro (op. cit.), comalunos brilhantes do 5º ano, foi possívelobservar uma clara preferência das alunaspor tarefas menos arriscadas, que podiamresolver com facilidade, enquanto os ra-pazes, pelo contrário, procuravam tarefasmais complexas e arriscadas, nas quaistinham que aplicar bastante esforço pararesolver o que era pedido.Num estudo levado a cabo por Thorkildsene Nicholls (1998), foram observados alu-nos do 5º ano com o objectivo de inves-tigar as suas orientações motivacionais,bem como as suas crenças acerca dosucesso e as percepções relativas às ex-pectativas dos professores: os resultadosdemonstraram que os objectivos centradosna tarefa (ou na aprendizagem) estavam

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    associados a crenças de que o investimen-to e o esforço traziam sucesso, enquantoque os objectivos centrados no ego (ou noresultado) estavam associados a crenças deque a capacidade e a competitividade é quecausavam o sucesso.Este estudo revelou ainda que, para osrapazes, os “objectivos centrados na tare-fa”, o “evitamento da tarefa” e o “desin-teresse” se encontravam correlacionadosnegativamente, ao invés do “investimen-to” e do “esforço”, que se encontravamcorrelacionados positivamente com osobjectivos referidos. Para estes sujeitos, os“objectivos centrados no ego” estavamcorrelacionados com a “competição” e coma influência de “elementos extrínsecos”,tais como a sorte e a capacidade deimpressionar o professor.Por sua vez, os resultados obtidos pelasraparigas revelaram a existência do con-ceito de “ausência de motivação”, concei-to este que incluía o “evitamento da ta-refa” e a “competitividade”, portanto, os“objectivos centrados no ego” encontra-vam-se positivamente correlacionados coma “ausência de motivação”. Ora, a “ausên-cia de motivação” observada nas raparigasconfirma a tese inicial elaborada porNicholls (1989, in Thorkildsen & Nicholls,1998) de que, apesar da adopção de“objectivos centrados no ego” ter comosuporte o desejo de realizar tarefas combom resultado, representa, sobretudo, ummeio para atingir um fim, isto é, oevitamento de tarefas que exponham acapacidade do indivíduo e o possamconduzir ao fracasso.Globalmente, as raparigas apresentarammais comportamentos de evitamento dofracasso e a maior necessidade de agradarao professor do que os rapazes e, no quediz respeito às diferenças na percepção,pelos alunos, de expectativas por parte dosprofessores, os rapazes não diferiram muito

    das raparigas, particularmente entre osalunos com melhores resultados escolares,verificando-se que expectativas mais ele-vadas dos professores influenciavam posi-tivamente o envolvimento dos alunos natarefa (em vez do envolvimento no ego),sendo ainda de referir que não se obser-varam diferenças na competência percebidaentre rapazes e raparigas, mas estas últimasapresentaram-se mais satisfeitas com asaprendizagens escolares do que os rapazes.Em síntese, podemos afirmar que os váriosestudos apresentados identificaram avulnerabilidade das raparigas perante osfracassos e as tarefas não familiares, bemcomo a sua maior dependência de factoresextrínsecos, entre os quais é referida aavaliação do professor, o que pode explicara sua adopção mais frequente de objectivoscentrados no resultado ou no ego.

    2.3. Em função do NSE/etniaDada a associação, frequente na investiga-ção, entre etnia e NSE, quer porque osgrupos étnicos minoritários apresentamcaracterísticas motivacionais semelhantesaos indivíduos de classes desfavorecidas,quer porque em certas etnias predominamos NSE baixos (por exemplo, afro-ame-ricana e hispânica nos EUA), considera-mos pertinente a abordagem do factoretnia, pois a investigação no domínio doNSE é ainda reduzida, podendo a etniafornecer algumas pistas úteis ao estudo dasdiferenças de NSE.A influência da etnia na realizaçãoacadémica tem colocado várias questões,a saber: Serão as variáveis motivacionaissuficientes para explicar as diferenças nospadrões de realização entre grupos étni-cos, tais como as concepções pessoais deinteligência e os objectivos de realização?Será que os diversos aspectos sócio-cul-turais favorecem a adopção de diferentesobjectivos de realização, podendo ser mais

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    individualistas ou mais grupais? Será queestes factores motivacionais podem serresponsáveis pelas diferenças étnicas ob-servadas na realização académica?Ora, no que se refere à comunidade afro-americana dos Estados Unidos da Amé-rica, o seu baixo nível de realizaçãoacadémica não parece ser fácil de inter-pretar, podendo estar associado a aspectosmotivacionais ou à ausência de aptidõespara concluir determinados objectivos, ea investigação não permite concluir seserão factores de natureza étnica ou fac-tores de natureza cultural que favorecema adopção de um ou de outro tipo deobjectivo de realização.No entanto, a este propósito, Bowman eHoward (in Henderson & Dweck, 1993)apontam para a importância do papel desem-penhado pelos pais dos alunos desta etniaque, tendencialmente, reforçam o esforçocomo único meio de ultrapassar possíveisobstáculos. Por sua vez, Jencks e Mayer (inHenderson & Dweck, 1993) sugerem que,apesar de muitos alunos de etnia negraapresentarem elevadas aspirações, os que seencontram mais enraizados na cultura afri-cana carecem dos requisitos necessários paraconcretizarem essas mesmas aspirações.Quanto às investigações realizadas comadolescentes hispânicos, no mesmo país,as explicações para o seu reduzido desem-penho académico centram-se em torno dosconflitos de valores culturais, pois é co-nhecida a tendência da comunidade his-pânica para valorizar o grupo em detri-mento do indivíduo: assim, uma das hi-póteses explicativas residiria na existênciade antagonismo entre a orientação indivi-dualista dos objectivos da sociedadeamericana e a orientação grupal dos ob-jectivos da sociedade hispânica (Salili,1994), contudo, esta é uma hipótese que,de acordo com Henderson e Dweck (1993),necessitaria ainda de maior investigação

    e aprofundamento.Deste modo, apenas parece possível concluirque a etnia e o NSE constituem factoresimportantes na realização académica e nosobjectivos de realização, contudo, aindaexigem que se continue a investigação, nosentido de melhor se compreender e explicara sua influência na motivação e no sucessodos indivíduos.Contudo, ainda parece de salientar que, nodomínio sócio-cognitivo e no contextoportuguês, os resultados diferenciais dasconcepções pessoais de inteligência, emfunção do NSE, demonstram que as classesmais desfavorecidas adoptam com maiorprobabilidade concepções estáticas de inte-ligência, concepções estas que estão asso-ciadas a objectivos de realização centradosno resultado (Faria, 1998a), logo, apontampara a maior vulnerabilidade dos grupos deNSE baixo no domínio da realização.

    3. Objectivos e hipóteses

    Os objectivos deste estudo são analisar asdiferenças de ano de escolaridade, de sexoe de nível sócio-económico nos objectivosde realização, numa amostra de adolescen-tes do 5º e 10º anos de escolaridade.Após a revisão dos principais estudos sobreas diferenças nos objectivos de realização,em função das variáveis independentesconsideradas, formulamos as hipóteses quepassamos a apresentar.

    Ano de escolaridadeNos anos anteriores à entrada na escola,a maioria das crianças manifesta “objec-tivos centrados na aprendizagem”(“centrados na tarefa”). Com o início daescolaridade, o confronto com tarefasdiferentes, mais complexas e normativas,e com ambientes de aprendizagem maiscompetitivos, favorece o aparecimento de

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    “objectivos centrados no resultado”(“centrados no ego”), nomeadamente pelanecessidade de procurar juízos favoráveisde competência ou de evitar juízos desfa-voráveis da mesma (Dweck & Elliott, 1983).A este propósito, Harter (1981, in Dweck& Elliott, 1983) constata, também, aemergência de um visível declínio no in-teresse pela aprendizagem, em favor datentativa de obter a aprovação do professor.Assim, prevemos diferenças na prossecu-ção de objectivos de realização entrealunos do 5º ano e alunos do 10º ano deescolaridade, apresentando estes últimosobjectivos de realização mais centrados noresultado (ou no ego), enquanto que osalunos do 5º ano apresentarão objectivosmais centrados na aprendizagem (ou natarefa) - hipótese 1.

    SexoAs raparigas escolhem com maior proba-bilidade tarefas académicas que se apresen-tam fáceis ou familiares, de forma a as-segurar o sucesso e a evitar o fracasso,confirmando a prossecução preferencial de“objectivos centrados no resultado” ou no“ego”. Por sua vez, os rapazes optam portarefas mais complexas e desafiantes,mesmo que sejam ambíguas, o que reflectea predominância de “objectivos centradosna aprendizagem” ou na “tarefa” (Dweck,1999; Faria, 1998b).Deste modo, prevemos diferenças de sexona prossecução de objectivos de realização,verificando-se a tendência para os sujeitosdo sexo feminino prosseguirem objectivosmais centrados no resultado (ou no ego)e para os sujeitos do sexo masculinoadoptarem objectivos mais centrados naaprendizagem (ou na tarefa) - hipótese 2.

    Nível sócio-económicoA investigação existente no domínio dasdiferenças nos objectivos de realização em

    função do NSE é ainda reduzida, pelo quea abordagem da etnia se mostrou um factorgerador de pistas para a análise de pos-síveis diferenças de NSE, dada a associ-ação frequente entre estas duas variáveis,pois têm sido observadas manifestaçõessemelhantes entre grupos étnicosminoritários e grupos de indivíduos declasses desfavorecidas.Assim, formulamos a hipótese 3: espera-mos encontrar diferenças na prossecuçãode objectivos de realização distintos emfunção do NSE, a favor dos sujeitos deNSE alto, que apresentarão objectivos derealização mais centrados na aprendiza-gem (ou na tarefa), enquanto que ossujeitos de NSE baixo apresentarão ob-jectivos de realização mais centrados noresultado (ou no ego).

    4. Método

    4.1. Caracterização da amostraA amostra deste estudo é constituída poralunos do ensino básico e secundário,respectivamente do quinto e do décimoanos de escolaridade. O motivo da escolhadestes dois níveis de escolaridade ficou adever-se ao facto de constituírem momen-tos importantes de mudança entre os váriosciclos de ensino existentes em Portugal.De facto, o quinto ano insere-se nomomento de viragem do primeiro ciclo doensino básico para o segundo ciclo e, odécimo ano, constitui um momento detransição da escolaridade obrigatória parao ensino secundário, obrigando os alunosa efectuarem escolhas e a formularemobjectivos para o seu percurso escolar.O grupo do ensino básico é constituídopor 276 alunos e o grupo do ensinosecundário compreende 232 alunos (Qua-dro 1). O primeiro conjunto é compostopor alunos com idades compreendidas entre

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    os dez e os quinze anos (M=10,7;D.P.=0,92) e o segundo por alunos comidades compreendidas entre os catorze eos dezanove anos (M=15,9; D.P.=0,87).A selecção dos estabelecimentos de ensinoincidiu sobre os Concelhos de Oliveira deAzeméis e de São João da Madeira, porrazões de ordem prática. Optou-se peloensino público oficial, uma vez que amaioria dos adolescentes portugueses fre-quenta a escolaridade obrigatória em es-tabelecimentos de ensino público.No entanto, devido à dificuldade emseleccionar sujeitos de nível sócio-econó-mico alto, foi contactado um estabeleci-mento de ensino privado em São João daMadeira. Tanto nos estabelecimentos deensino público, como no de ensino priva-do, as turmas foram seleccionadas alea-toriamente.O nível sócio-económico de pertença dosalunos da amostra foi obtido a partir deinformações recolhidas através de umquestionário sócio-demográfico. Nestequestionário, os alunos forneceram infor-mações acerca das profissões e dos níveisde escolaridade do pai e da mãe. Destaforma, o nível sócio-económico foi defi-nido a partir dos níveis de escolaridadee dos níveis profissionais do pai ou da mãe,tendo-se optado pelo nível mais elevadoentre os dois. Assim, foi possível cons-tituir uma amostra contrastada em termosde nível sócio-económico.

    4.2. Instrumento: “Questionário de Ob-jectivos de Realização” (Parracho &Faria, 1999, in Parracho, 2000)A inexistência de instrumentos de avali-ação dos “objectivos de realização”, adap-tados ao contexto escolar português, levou-nos à construção de um questionário, o queimplicou duas etapas fundamentais.Numa primeira etapa, procedeu-se à ela-boração de um conjunto de itens, tendopor base quer os estudos de Dweck ecolaboradores, acerca dos objectivos derealização e suas relações com os padrõesde realização e concepções pessoais deinteligência, quer os estudos de Duda eNicholls (1992), acerca da escolha deobjectivos de realização “centrados no ego”ou “centrados na tarefa”, no contextoescolar e desportivo.Numa segunda etapa, realizou-se um es-tudo de reflexão falada junto de um grupode 10 adolescentes, do 5º e 10º anos deescolaridade, de duas escolas de Vale deCambra, com o objectivo de identificareventuais dúvidas na compreensão dositens e de analisar o interesse dos alunospelo tema do questionário. Este estudo dereflexão falada revelou curiosidade, inte-resse e vontade de cooperar por parte dosalunos, demonstrando, simultaneamente, anecessidade de introduzir pequenas alte-rações em determinadas palavras e expres-sões de alguns itens do questionário, o quepermitiu clarificar, simplificar e adequara linguagem utilizada.

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    Deste modo, o “Questionário de Objecti-vos de Realização” ficou constituído por30 itens (15 avaliam os “objectivoscentrados na tarefa” e os restantes 15avaliam os “objectivos centrados no ego”,tendo sido misturados), avaliados numaescala de Likert de 6 pontos (de “concordototalmente” a “discordo totalmente”), detal modo que a concordância com os itensreferentes aos objectivos centrados natarefa, bem como a concordância com ositens centrados no ego, corresponde àcotação superior em cada subescala (acotação mínima de cada subescala corres-ponde a 15 pontos e a máxima a 90 pontos).O estudo das qualidades psicométricasdeste questionário revelou valores de alphasatisfatórios - 0,82 para a subescala “Ego”e 0,78 para a subescala “Tarefa” -, bemcomo uma análise factorial que evidencioudois factores, sendo o factor 1 saturadopredominantemente por itens centrados natarefa e o factor 2 por itens centrados noego (Parracho, 2000).

    4.3. Resultados diferenciaisRelativamente aos objectivos de realiza-ção centrados no ego, verificam-se dife-renças significativas em função do ano deescolaridade e do NSE (Quadro 2). Assim,para o ano de escolaridade, as diferençassão a favor do 10º ano, enquanto que parao NSE, o teste de Scheffé constata dife-renças significativas a favor dos NSE baixoe médio (Quadro 3).Portanto, no que se refere ao estudo di-ferencial quanto aos objectivos de reali-

    zação centrados no ego: verificam-sediferenças em função do ano de escola-ridade, confirmando-se a hipótese 1; nãose verificam diferenças em função do sexo,não se confirmando a hipótese 2; e, final-mente, verificam-se diferenças em funçãodo NSE, confirmando-se a hipótese 3.Quanto aos objectivos de realizaçãocentrados na tarefa, encontramos diferen-ças significativas em função do ano deescolaridade, a favor do 5º ano, e do NSE,a favor do NSE alto, bem como efeitosde interacção significativos entre o sexoe o ano (Quadros 4, 5 e 6).Resumindo: os alunos do 5º ano apresen-tam-se mais centrados na tarefa do que osalunos do 10º ano, confirmando-se ahipótese 1; para as diferenças em funçãodo NSE, o teste de Scheffé constata di-ferenças a favor do NSE alto, relativamen-te aos NSE médio e baixo, confirmando-se a hipótese 3; e, por fim, verifica-se,ainda, um efeito de interacção significa-tivo entre o sexo e o ano, a favor dossujeitos do sexo masculino e do 5º anode escolaridade, quando comparados comos do 10º ano.

    5. Discussão dos resultados e propostasde intervenção

    Neste estudo, a propósito da prossecuçãode objectivos centrados no Ego e na Tarefa,verificamos que os alunos do 10º ano seencontram mais centrados no Ego do queos alunos do 5º ano, que se encontram mais

    onsodartneCoãçazilaeRedsovitcejbOsoarapaicnâiravedesilánA-2ordauQartsomaadoãçaicnerefidedserotcafsodoãçnufmeogE

    edserotcaFoãçaicnerefiD

    lg F psadoditneS

    /saçnerefiD éffehcS éffehcS éffehcS éffehcS éffehcS

    onA 1 0483,76 0000,0< º5>º01

    oxeS 1 1988,0 2643,0< —

    ESN 2 2936,4 1010,0< oidéM,oxiaB

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    ogEonsodartneCoãçazilaeRedsovitcejbOsoarapoãrdaP-oivseDeaidéM-3ordauQsavitacifingissaçnerefidmocsetnednepednisieváiravsadoãçnufme

    sieváiraVsetnednepednI

    N M PD

    edadiralocseedonA

    º5 662 1,14 41,11

    º01 322 9,84 21,01

    latoT 984 7,44 93,11

    ESN

    otlA 95 3,04 72,31

    oidéM 071 2,54 72,11

    oxiaB 352 9,44 57,01

    latoT 284 5,44 53,11

    sodartneCoãçazilaeRedsovitcejbOsoarapaicnâiravedesilánA–4ordauQartsomaadoãçaicnerefidedserotcafsodoãçnufmeaferaTan

    edserotcaFoãçaicnerefiD

    lg F psadoditneS

    /saçnerefiD éffehcS éffehcS éffehcS éffehcS éffehcS

    onA 1 1934,23 0000,0< º01>º5

    oxeS 1 7430,0 3258,0< —

    ESN 2 6792,7 8000,0< oidéM,oxiaB>otlA

    onAxoxeS 1 0158,8 0300,0< .csaMº01>.csaMº5

    aferaTansodartneCoãçazilaeRedsovitcejbOsoarapoãrdaP-oivseDeaidéM-5ordauQsavitacifingissaçnerefidmocsetnednepednisieváiravsadoãçnufme

    sieváiraVsetnednepednI

    N M PD

    edadiralocseedonA

    º5 662 1,47 47,7

    º01 522 2,07 63,7

    latoT 194 3,27 18,7

    ESN

    otlA 16 8,57 44,8

    oidéM 071 7,17 47,7

    oxiaB 352 8,17 75,7

    latoT 484 3,27 48,7

    oãçazilaeRedsovitcejbOsoarapoãrdaP-oivseDeaidéM–6ordauQedadiralocseedonaodeoxesodoãçnufmeaferaTansodartneC

    oxeS oninimeF onilucsaM

    edonAedadiralocsE

    N M PD N M PD

    º5 931 1,37 43,7 521 2,57 50,8

    º01 011 0,17 06,6 011 1,96 89,7

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    centrados na Tarefa. Assim, salienta-se que,na nossa perspectiva, a prossecução deobjectivos centrados no Ego por parte dosalunos do 10º ano, com a consequentepreocupação com o resultado e com ademonstração de capacidade, não seráalheia ao desejo de obter as melhores notase assim aumentar as possibilidades deingressar no ensino superior, o que nãoacontece ainda para os alunos do 5º ano.Dito de outro modo, salienta-se o facto dea pressão competitiva ser maior no ensinosecundário, conduzindo os alunos a adop-tar estratégias de aprendizagem maisvoltadas para o resultado e para a compara-ção com os outros, em detrimento da ênfaseno processo e no desenvolvimento damestria. Aliás, a progressão ao longo dosistema escolar evidencia a tendência paraque este se torne mais normativo, maisestruturado e mais competitivo, valorizan-do mais a comparação com os outros eo produto final, em detrimento do proces-so e da comparação das realizações actu-ais do aluno com as anteriores, para melhoranalisar os avanços por si conseguidos.Refira-se, ainda, que nos resultados destainvestigação e para os objectivos centradosno Ego, foram encontradas diferençassignificativas a favor dos NSE baixo emédio, o mesmo não acontecendo para osobjectivos centrados na Tarefa, cujas di-ferenças são a favor do NSE alto. Portan-to, as diferenças verificadas beneficiamclaramente as classes mais favorecidas que,deste modo, parecem encontrar mecanis-mos mais adaptativos, que conduzem aosucesso. Este facto pode estar associadoà constatação de que a capacidade épercebida de forma mais estável pelos NSEaltos (Faria & Fontaine, 1995), deixandomaior espaço para a valorização do esfor-ço em contexto escolar e promovendo aprossecução de objectivos centrados natarefa. Refira-se, também, que a capaci-

    dade nas classes altas parece ser menosquestionada do que noutras classes sociaiscomo causa fundamental para os resulta-dos, logo, é facilitada a descentração nesta.Por sua vez, a ausência de diferenças desexo em ambos os tipos de objectivosaponta para especificidades do contextosócio-cultural português, as quais já foramobservadas noutras variáveis motivacionais,como as concepções pessoais de inteligên-cia (Faria, 1998a e 1998b) e o auto-con-ceito (Fontaine, 1991).Finalmente, tendo em conta os resultadosobtidos, parece-nos relevante apresentaralgumas propostas de intervenção, nosentido da promoção da motivação e dosucesso na realização escolar (Faria, 1997b;Fontaine, 1990). Assim, começando desdelogo pelos primeiros níveis de escolarida-de, seria importante:(i) promover a análise de atribuições

    diversificadas para os resultadosacadémicos, diminuindo o pesoda atribuição à capacidade e promo-vendo o uso de atribuições maisvariadas;

    (ii) incentivar e reforçar o reconhecimen-to do papel do esforço enquanto factorpotenciador da capacidade e da apren-dizagem;

    (iii) desenvolver ambientes de aprendiza-gem com objectivos centrados natarefa, implantando estratégias deensino orientadas para a mestria;

    (iv) promover estruturas mais cooperati-vas de aprendizagem, estabelecendoum sistema no qual todos os alunostenham acesso a reforços, indepen-dentemente do seu nível de capaci-dade;

    (v) estabelecer objectivos a curto prazo,reforçando, assim, a motivação paraalcançar uma determinada meta;

    (vi) dosear o uso do reforço, tornando-o adequado para obter o resultado

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    pretendido, de tal modo que a mu-dança no comportamento seja atribu-ída a factores internos;

    (vii) reforçar a autonomia do aluno nacondução do seu processo de apren-dizagem para, assim, este poderdesenvolver a sua percepção decontrolo sobre os resultados.

    Em síntese, parece que, a partir destepequeno conjunto de medidas, será pos-sível estabelecer um ambiente de apren-dizagem promotor de objectivoscentrados na aprendizagem ou na tarefa,objectivos estes mais consentâneos como desenvolvimento da mestria e deconcepções mais dinâmicas de compe-tência, logo, promotores do sucesso narealização escolar e, consequentemente,facilitadores do bem-estar psicológicoglobal dos alunos.

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