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  • OS OBAS DE XANGU

    VIVALDO DA COSTA LIMA, DO SETOR DE ESTUDOS SOCIOLGICOS E ANTRO- POL~GICOS DO CEAO.

    O texto dste artigo c m t i t u i u m verbte da pesquisa etno-linguzktica que o autor e sua equipe realizam no Centro de Estudos A@-Orientais da Universidade da Bahia s6bre a linguagem do candomblk. A pesquisa se orienta pcra u m Cevantamento da linguagem ritual e secular do chamado "fivo-de-santo" na Bahk, com"nfFe-Za significa&o atual dos trmos e expressas analisadas - todos de uso corrente nos candombls e nas cama- das sociais e m que os mesmos se inserem. O trabalho tem, assim, uma orientao sedn t i ca bem definida. Pretende ainda ser, a pesquisa, uma rewiso crtica, de u m ponto de vinta etnogrfico, nas definies e conceitos referentes as formas africanas assimiladas no wrpus da6 religies populares do Brasil, de que o candomblt da Bahia ser o modlo mais tpico.

    Uma cautelosa analise etimoldgica , sempre que passvel, formulada para os trmos de origem africana, especialmente aqules abonados em gru- pos de acentua& influncia iorub-nag. Os O b h de Xang, do terreiro do Op6 Afonj, como u m grupo inclusivo numa associao religiosa afro-bra- sileira, mereceram u m tratamento por acaso mais extenso; isto, contudo, se justifica pela necessidade de obter-se u m maior nzlmero de elementos para a andlise etnogrfica imdispensirel ci compreenso sociolgica das es- truturas dos grupos relig2osos populares no Brasil. A Etnografia, como a entendemos, u m mtodo j analtico, e no apenas descritivo, que l m r d s stnteses da Antropologia Social ou da Sociologia. As notas - talvez excmsivas - ao texto do artigo, so muitas delas outros verb&tm da pesquisa mencionadu, aqui bviamente citados numa forma resumida. As palavras de origem africana foram transcritas de conformidade com as imtrues do Acorda Ortogrfico de 1943. Algumas palavras, entretanto, como Oxssi, ossi e Assoib foram grafadas com dois ss, por tratarem-se de transn2es j consagradas pelo uso. Sempre que nec&irio para uma melhor com- preenso do texto, as palavras iorubs foram transcritas e m grifo, sem as marcas diacriticas e tonais que lhes so prprias, mas com u m aproxi- mada transcrio fontica grafcr&a entre parthteses; isto pela dificuldaclg de encontrar, e m nosso parque @fico, os t ipw espciais usados em iorub.

    Queremos agrdecer ao Professor Nflton Vasco da Gama, da Cadeira de Filologia Rombnica da Universidade da Bahia, a permisso para citar e m algumas notas trechos de u m artigo a ser publicado brevemente na revista de que d o Editor, Studia Philologica.

    I - INTRODUO No Centro Cruz Santa do Ax do Op Afonj, terreiro de candombl

    situado no Alto de So Gonalo, no bairro do Retiro, em Salvador da

  • Bahia, existe um grupo de "olois" (I) conhecido como "os Obs de Xan- g" ou "os Ministros de Xango".

    O grupo dos Obs foi institudo formalmente no candombl de So Gonalo, no ano de 1937, quando aqule terreiro estava 'sob a direo de sua primeira-me-de-santo (2) Eugnia Ana dos Santos, "Me Aninha", de quem dison Carneiro disse ter sido "a figura feminina mais ilustre dos candombls da Bahia" (3). "Me Aninha" pouco tempo sobreviveu con- firmao dos Obs (4), vindo a falecer no d,ia 3 de fevereiro de 1938 (5).

    Os Obs, originariamente em nmero de doze, dividem-se em duas fa- langes, seis do lado direito, -os chamados Obs-da-direita - e seis do lado esquerdo, - conhecidos como Obs-da-esquerda. Adiante se ver, quando tratarmos da funo dos Obs na estrutura do grupo, as implicaes rituais e simblicas dessa polaridade.

    Os Obs receberam na cerimnia de sua confirmao, nomes ou ois alusivos a personalidades ligadas histria da cultura iorub. Assim 6

    (i) Oloi, tambm ojoi e ijoij.. As trs formas abonadas nos candombls da Bahia, com a mesma significayo: o portador de um titulo honorfico, um "cargo", um "psto" num terreiro. R. C. Abraham no seu Dictionary of Madern Ywuba, Londres, (Umiver- sity o London Press, 1958) d para ijoye (ijoi) : "Titleholder". No mesmo verbte do Dicionrio - citado daqui por diante como "Ahraham" - vem um exemplo que encerra duas das formas conhecidas na Bahia como sinnimas: "Oloye taa fee so dt? ijoye niys'i" (oloi t f6 s6 di ijoi ni), "ste o candidato ao cargo a quem d e s e j a m wr insta- lado como titillar". Cf. Peter Lloyd: "Those towns which were capitals were, in the past, governed by kings (oba) and councils o chiefs (oloye or ijoye) who exercised sovereign powers throuhout the town and its territory". "Yoruba Lineae" Africa, XXV, 8, 1955, np. 235. Das palavras citadas participa o radical oye (oi) que significa "posi@o oficial", "car~ro", "p6sto2', "ttulo". Abraham para oye "Oficial position: Titular Office". Oi, na Bahia, usada com a mesma significao; comum ouvir-se: "Ele tem um oi na casa de Omolu" "Oxum deu um oi' a ela". O prefixo iorub olo (iol) - o mamo que a1 e oni - usado para as formas possessivas. Oloye, "o qile possui o oye", "o dono do oye", Abraham: "o10 - the form assumed by oni before noun beginning in o.. . Oni, possessor o".

    (2) MLe-de-Santo, ou ialorix. Ou ainda me-de-terreiro. A expresso corresponde forma iorub iyalorisa (ialorix), "a me que tem orix. Do iorub Iya, "me" e orisa (orix), "orix, santo". No Brasil, em terreiros de tradio banto ou cabocla costumsm dizer que "santo nfo tem pai nem me", isto porque entendem literalmente a expresso traduzida do iorub-nag. Abraham: "Injaolo~risa iyaloorisa priestess af an orisa". A transcrio, nestas notas, do S iorub repriesenta a fricativa escrita ch ou x em portugus.

    (3) dison Carneino, Candombls da Bahia, 3.a ed., Rio, Conquista, 1961, p. 63. (4)A confirma~o num iposto qualquer nas casas-de-santo uma cerimnia que

    ratifica o irtatus do membro do grupo na categoria a que ascendeu, Depuas de escm Ihido, o candidato confirmado, e, s6 ento que adquire todos os direitos atribudos sua posio.

    (5) Sbre a rnorte de Eugenia Ana dos Santos, ver: Deosdredes M. dos Santos, 7 0i autor Axe' Op Afonj. Rio, Instituto Brasileiro de Estudos Afro Asiticos. 1961, p. 21:

    filho nico da atual ialorix do terreiro de So Gonalo, onde desempenha vrias fun@es rituais, inclusive a de Assob da Casa, isto , o zelador da casa de Omolu-Oba- luai. Tambkm o artiqo de disnn Carneiro "Aninha", publicado no Esta~do da Bahia de Salvador em 25-1-38 e transcrito no livro Ladina e Crioulos, Rio, Civilizapo Bra- sileira, 1964.

  • pois formou-se um conselho de ministros encarregado de manter vivo o culto, que foi organi~ado com os doze ministros q u e o tinham acompa- nhado a terra, seis direita e seis esquerda". Conclui ento o BabalaFi: "Esses ministros - antigos reis, prncipes ou governantes de territrios conquistados pela bravura de Xang, no quizeram deixar se extinguir a lembrana do heri na memria das geraes. Eis porque, no Centro Cruz Santa do Ach do Op Afonj (lz), de So Gonalo do Retiro, cele- brou-se neste ano a festa da entronizao dos doze ministros de Xang6, escolhidos entre os ogs mais velhos e mais prestigiosos do candombl".

    A ialorix Aninha "entronizou" pois - no dizer de Martiniano do Bonfim - os 12 Obs de Xang para que os mesmos fossem o esteio da So- ciedade Cruz Santa do Ax do Op Afonja, o seu ncleo bsico de su- porte espiritual. Aos Obs caberia tambm zelar pelo culto de Xang como os antigos ministros de Xang nas terras iorubs cultuaram a me- mria de seu Alafim divinizado.

    indiscutvel a influncia de Martiniano do Bonfim na organizao do grupo dos Obs. Amigo ntimo de Aninha, conselheiro e babala dos maiores terreiros da Bahia no seu tempo, Martiniano era pessoa muito informada nas tradies religiosas jje-nags. Falava o iorub fluente- mente - lngua que aprendera com seus pais e aperieioara durante suas visitas Costa. Da cronologia de uma delas se tem noticia por informa- o do prprio Martiniano a E. Franklin Frazier em 1940: - Martiniano, com crca de 14 anos de idade (aproximadamente em 1875), "foi com seu pai para a Africa, onde permaneceu onLe anos aperfeioando seu conhe- cimento do iorub e do ingls numa escola missioniria inglesa. Quando voltou ao Brasil, j era h muito um babala.. . " (13). As leituras de Martiniano em Lagos sbre as tradies iorubs, alm do vasto corpo de tradio oral com que sem dvida se iamiliarizara, que Ihe permitiram

    Lagos, C.M.S. Bookshop, 1948, p. 103. Ainda sobre os Mmgbs diz Ulli Beier: "Wlie- never a house was destruycd by lightning, it was believed to be a sign of Sango's anger. The pi-operty which remained in the house was confiscated by the cult and a member o the stricken family was initiated into it. The descendants of these original fouiiders are still the official heads of tlie cult in each tawn. They hold the title of Magba. The office os iMagba is hereditary. It passes on to the senior child, be it man or woman. Because of the hereditary natui-e d the office, the Magba, in spite of his senior positioi: is not always the most intense personification of the god. Far more typical af the god's nuture are the adoshu, those whom the god has pasonally choseil to join tlie cult". A Year of Sacred Festivais in orne Ioruba Town, Lagos, Nigeria Magazine, 1952, p. 72.

    (12) Este era o nome da sociedade civil que representava o Terreiro, fundada etn 8 de novembro de 1936; a 14 de novembro d 1938, por proposta aprovada em sesso, seu nome passou a ser Sociedade Cruz Santa do Axi. do Op Afonj.

    (13) E. Franktin Frazier, "The Negro Family in Bahia, Brazil", trabalho apresentado a American Sociological Society eni 1941 e publicado na Anzericara Sociological Reziiew Vol. 7 , n.0 4, 1942. Refs. a Martiniano, pp. 474-5.

  • recriar com Aninha os ttulos dos Obs de So Gonalo, evocando os no- mes e os ois de "reis, prncipes e governantes" da nao iorub (14).

    Os Obs confirmados por Aninha em 1937 -seis dos quais ainda vivem - eram todos Ogs de candombl, suspensos ou confirmados, e pessoas intimamente associadas s seitas afro-brasileiras na Bahia; alguns eram parentes da ialorix ou de velhas ebmins (15) da casa; um dles era Og confirmado no candombl do Engenho Velho, de onde a ialo- rix Aninha era filha-de-santo. Todos eram pessoas de prestgio na co- munidade religiosa afro-baiana e alguns grandes conhecedores dos mist- rios rituais e das tradies religiosas africanas no Brasil ('6). Sua confir-

    (14) Cf. D. M. dos Santos, 1961, p. 21: "Foi ento que Me Aninha, com seus conhe- cimentos e autoridade designou e confirmou os 12 Obs do Ax, ou sejam os 12 minis- tros de Xang, tradio da seita s6 conservada na Bahia no Axb do Op Afonja". Esta referncia completa a de Roger Bastide, referindo-se aos Obs: "Tais ministros, escolhi- dos entre os ogan mais antigos e mais estimados do terreiro, constituem todavia criaqo bastante recente de Martiniano do Bonfim, depois de seu regresso da Africa onde fora se iniciar no cargo de babalae", O CamdomblP da Rahia (Rito Nag), So Paubl, Cia. Editora Nacional, 1961, p 63.

    (15) As ebmins - ou ebainins e ainda ebames - so as filhas do terreiro iniciadas h pelo menos sete anos e que tenham se submetido s obrigaes de costume aps um, trs e sete anos de iniciadas ou "feitas". Virias etimologias tem sido propostas para a palavra, que I? entretanto, um termo de parentesco iorub conservado na famlia religiosa dos candombls. Egbon, (egban) em iorub, o parente mais velho da mesma gerao. No caso de irmo, egbon mi quer dizer "meu irmo - ou minha irm - mais velho (a)". Ver sbre as etimologias sugeridas para ebmin o artigo de Roger Bastide "Conttribuio ato Estudo do Sincretismo Catlico Fetichista" em Sociologia do Folclore Brasileiro, So Paulo, Anhembi, 1959, pp. 132-3. O autor sugere uma relajo entre ebmiri que le grafa "ebamy" e a Sociedade dos Ogboni, de que trataremos adiante. Nos candomblks as ias, que so o primeiro gru na hierarquia inicitica do grupo, chamam de "ebmim" as filhas mais aatigas do terreiro. Precisamente como na fami- lia iorub. ". . . . Yoriiba do not discriminate ktween siblings and other cognates of the speaker's generation and social position who are called egbon (senior sibling) or aburo (junior sibling) depending on order o birth". William B. Schwab, "The 'Ter- minology of Kinship and Marriage among the Yoruba", Africa, XXVIII, 4, 1958, p. 306. Ainda sbre egbon: ". . . egbon, used for senior sibling male or female and any kinsman (bilateral) of one's generation senior in birth". Daryll Forde, The Ynruba-Speaking Peoples of South-Western Nigeria, Londres, International African Institute, reimp. 1962, p. 14. Sbre ia, a palavra em iorubi iymo ou yawo usada para a esposa mais nova do grupo familiar ou idile (idil). Forde: "lawo . . . . wife af a member of one's idile, herself junior to oneself". Ob. cit,, id.. A forma brasileira de ia corresponde a esta significao, de membros recentes no grupo, nos primeiros estgios da hierarquia. Poderia ser tambbm a forma abreviada da palavra iorub iyaworisa (iarix), no sentido da iniciada recenlte no grupo religiaso, da pessoa "nova no santo", como se diz na Ba,hia. Verger abona a forma ioruba: "I1 y a enfin les filhos et filhas de santo (iyawo- risa ou iyawo) dkdis aux divinitbs". Notes sur le Culte des Orisa et Bodun, Mmoirs de 1'Institiit Francais d'Afrique Noire Dakar, IFAN, 1957, p. 20.

    (16) Aninha escolheu os seus Obs entre ogs ie "amigos da Casa", pessoas cujo comportamento ela apreciava e cuja posio social e prestgio decoritente pudessem se refletir no Terreiro. Os primeiros Ohis foram, dessa maneira, escolhidos entre os Ogs mais esclarecidos, de mais alta posio no grupo, estveis e prsperos em seu8 negdcios e profisses, conceituados e bem relacionados na sociedade global de Salvador. Sua escolha acarretoii algumas teiises e descontentamento entre os candidatos potenciais a recbm criada categoria e diz-se at que "um portugus, amigo de Aninha e velho

    'k&equentador de seu terreiro. morreu de desgosto por no ter sido um dos Obs".

  • mao como Ob - obedeceu a um ritual que seguia o estilo da confir- mao dos Ogs - embora modificado em certos estgios e sensivelmente reduzido no tempo i~iicitico. Tendo quase todos se submetido antes aos ritos indispensveis para uma "confirmao de oi", s os que no ha- viam sido confirmados como Ogs que tiveram de submeter-se s es- tritas cerimnias de assentamento de santo e recluso ritual.

    11 - O QUADRO ATUAL DOS OBS 'Com a morte de Aninha em 1938 - como frequentemente sucede

    na & associaes religiosas afro-brasileiras quando desaparece uma figura marcante, de prestgio e grande influncia na comunidade como era o caso da ialorix de So Gonalo, estabeleceu-se no terreiro um perodo de tenses criado pelas disputas mais ou menos ostensivas no plano da sucesso sacerdotal do terreiro. O recm-criado grupo dos Obs, como um grupo inclusivo no candombl, no podia deixar de participar da ques- to sucessria; .por sua prpria condio de um grupo nvo, ainda sem um padro estabelecido de comportamento ritual nem suficiente base es- trutural na sua organizao, sofreu naturalmente, como grupo, as con- seqncias da participao individual de alguns de seus membros na disputa pela substituio da ialorix da Casa. Com o apoio, entretanto, dos mais prestigiosos Obs-da-direita e alguns antigos Ogs, a Sociedade continuou a funcionar durante sse perodo, garantindo as ltimas de- terminaes da falecida ialorix Aninha quanto direo da casa, de- terminaes posteriormente ratificadas pelas prticas rituais de rigor nos casos de substituio de uma ialorix (17). 6 O perodo de compreensvel luta de uma ialorix, considerada ento

    "muito moa" (18) para a responsabilidade de direo de uma casa como So Gonalo, que herdara a carga da j lendria reputao de sua me- de-santo, para afirmar sua posio, seus direitos e sua personalidade no terreiro e na comunidade religiosa afro-baiana, que levou Bastide a uma interpretao discutvel de um estgio dsse processo: "Mas da luta sem trguas que contra eles (os Obs) travou a ialorix atual, filha de Oxum, at conseguir finalmente impor, embora com dificuldade, suas ordens, pode-se induzir sem grande risco de rro que a finalidade princi- pal (a funo dos Obs no candombl) era, do ponto de vista espiritual, velar pela importncia do culto de Xang - o que justamente uma es-

    (17) Sbre a substituio de uma me-de-santo ver, para o esthgio divinat6rio do processa. D. M. dos Santos, 1962, pp. 85-9. Ali se descreve o "jgo", a consulta a If-Orunmil, orix da advinhao e do destino, e aos orixs da Casa - para se determinar o novo quadro dirigente do candombl.

    (18) O pri,ncipio de senioridade grandemente levado em considerao nsses casos. Geralmente a substituta de uma m%e-de-terreiro escolhida entre as ebmins mais antigas - suas prprias irms-de-santo ou suas filhas mais velhas - que possuem cargos importantes na hierarquia do terreiro. Senh,ora de Oxum, embora, naquele tempo

  • psa de Oxum (19) no podia suportar sem mgoa, Oxum sendo para ela mais importante do que Xango". A "luta sem trguas" de que fala Bas- tide pode ser entendida apenas como parte do processo de afirmao da autoridade de uma nova me-de-santo na direo de um terreiro onde os vrios postos hierrquicos e de prestgio estavam de h muito ocupa- dos por vrias ebmins, tericamente tdas igualmente candidatas su- cesso de Aninha. Da o fato de alguns Obs, antigos ogs da Casa e a ela ligados por laos de amizade ntima ou de parentesco, se terem afas- tado gradualmente ou de uma vez do Ax, precisamente para no acei- tarem a supremacia ritual e total de uma nova ialorix de forte persona- lidade como Senhora de Oxum.

    A interpretao de Bastide parece entretanto apoiar-se em teorias psicolgicas sem maior profundidade analtica e sem suficiente base etno- grfica. O h t o de os Obs serem confirmados para Xang, claro, re- sultou da inteno confessada de Aninha, de criar um corpo de olois, diverso dos ogs, para maior prestgio e segurana do cuIto de Xang, que era, como se sabe, o Santo de Aninha (20). Sua substituta na direo da Casa, quem quer que viesse a ser, teria, por fra mesmo de suas obri- gaes rituais e da fidelidade ao culto do santo de sua m%e-de-santo, de manter inalterado o calendrio ritual e de conservar - seno aumentar, o brilho das festas dc Xang. Foi isto precisamente o que fz, desde que assumiu a completa direo da Casa, Senhora de Oxum. Nenhum culto especfico de orix realizado em So Gonalo com mais rigor e pompa do que o de Xang, "o dono da Casa". notrio o zlo que a atual ialo- rix de So Gonalo dispensa a Xang e suas obrigaes, "o santo de sua mede-santo". As festas de Xang so as mais movimentadas do terreiro, e as obrigaes semanais cumpridas com regularidade invarivel (21).

    contasse menm de quarenta anos de idade, j era das mais antigas filhas da Casa, pois se iniciara com oito anos de idade alm de ter sido uma das auxiliares mais diretas da falecida ialorix, com quem possua outros importantes laos religiosos: sua av6 foi a me-de-santo de Aninha.

    (19) A atual me-de-santo de So Gonalo uma "filha de Oxum". Expresso corrente e usada em lugar de "espsa", empregada por Bastide, traduo literal do iorub iyawo. Oxum Miu o nome iniutico da ialorix Maria Bibiana do Espirito Santo, Senhora.

    (20) Sbre Aninha e seu orix, alm da nota 5: "Fez Xang rua dos Capites, em casa de Maria Jlia Figuerdo, (filha da primeira Iy Nas&) , juntamente com Marcelina da Silva, (Ob Toxi) e tio Rodolfo Martins de Andrade, (Bamhx) , conhe- cido tambem como Essa Obitik. O Xang de Aninha deu o nome de Ob Biyi". D. M. dos Santos, 1961, p. 17. O Xang6 de Aninha era Xang Aifonj, uma das 12 "qualida- des" de Xangb conhecidas na Bahia. A Xang Afonj consagrou Aninha o seu terreiro. Sbre a personalidade de Aninha, sua posio e prestgio na comunidade, ver: Donald Pierson, Brancos e Pretas na Bahia (Estudo de Contacto Racial), Rio, Cbmpanhia Editora Nacional, 1945, pp. 356-8.

    (21) "Em So Gonalo, as Eestas anuais para Xang tm inicio a 29 de junho e duram 12 dias - p o i ~ 12 so os Xangs conhecidos pela nao da Casa. Alem dsse ciclo anual, cada quarta-feira, que 6 o dia da semana dedicado a XangG, lhe sa feitas

  • A Ialorix de So Gonalo, embora filha de Oxum, se diz "uma es- crava de Xang" e nenhuma deciso se toma no terreiro sem que se con- sulte o "Xang Ab da Casa" (22). Por outro lado, no ciclo das festas de Oxum, no se percebe qualquer etnocentrismo ritual nas cerimnias anuais para Oxum, que se realizam em trs domingos sucessivos logo de- pois do ciclo das festas de Oxal. Dsses domingos, apenas o primeiro exclusivamente dedicado Oxum da Ialorix ( 9 3 ) .

    O afastamento de alguns Obs do terreiro durante os primeiros anos da direo de Senhora de Oxum e a morte de alguns outros, levaram a ialorix a decidir sobre a questo das substituies no quadro dos Obs. 'ri-atava-se tambm de dar aos Obs ubstitutos permanentes com um &tatus bem definido no grupo, que pudessem eventualmente ocupar a funo do Ob pouco frequente ou desaparecido, tomando a si os en- cargos religiosos e sociais do titular. Senhora foi quem indicou formal- mente os primeiros substituto, qu e Aninha no tivera oportunidade de fazer. Como foi dito acima, 05 Obs eram originriamente em nmero tle 12. Estava entretanto previsto por Aninha o processo de substituio eventual de algum Ob - por impedimento temporrio ou por morte. O primeiro caso a se configurar de substituio, por ausncia tempor- ria, foi o do Ob-da-direita, Cancanf, indicado para Ob muito jovem e que, logo em seguida i confirmao viajou para o Rio de Janeiro, alis- tado na Marinha de Guerra. O seu irmo Almir Santana passou ento a substitu-10 nas cerimnias a que deviam comparecer os ~ b s , "fazendo as vezes" do irmo ausente (24).

    \ ,

    Os Obs passaram a ter, tetricamente, dois substitutos funcionais, com OS nomes de Otum Ob e Ossi Ob. Isto , a "mo direita" e a "mo esquerda do Ob" (25).

    Passou a ialorix cle So Gonalo a indicar, com a indispensvel aprovao do Santo da Casa", isto , de Xang6, pessoas outras pai-a os cargos de Otum e de Ossi dos Ohrs falecidos ou pouco frequentes. A stes novos titulares caberia atuar, funcioriar, como os titulares de quem eram "a mo direita" ou a "mo esquerda". Os primeiros Otuns foram ainda "amigos da Casa", alguns Ogs do terreiro, todos ainda do "tem- po da finada Aninha", mas que eram tambm amigos da atual ialorix ou a ela favorveis durante a fase de estabilizao sucessria do terreiro. A justificativa ritual dessas indicaes se enquadra perfeitamente dentro

    oferendas e saudayes especiais", V. da Costa Lima, Uma festa de Xangd no 0 p Afonju, Salvador, Unesco-Universidade da Bahia, 1959, p. 13. Para uma descrico pormenorizada do ciclo das festas de Xang em So Goncalo: o captulo "Xang, o Dono do Terreiro", em D. M. dos Santos, 1962, pp. 45-52.

    (22) O Xang mais antigo da Casa. Do iorub agba, velho, antigo. (23) Para uma descri@o do ritual dsse domingo, ver o capitulo "O Domingo de

    Osuni Miwa ou a Festa de Me Senhora", D. RI. dos Santos, 1962, pp. 73-5. (24) Coiniinicaco pessoal do Obi Cancanf. (25) Esprrsv.%s de iiso correntc nos candombls iorubi-nagbs. C. coin a expresso

    "~neu brao direito" para caracteri~ar a pessoa indispensavel, o auxiliar preciosa.

  • da ideologia do candombl: a corrente, a sociedade dos Obs e sua fora espiritual devia manter-se ntegra, sem saluo de continuidade. Um substituto deveria estar sempre disponvel e pronto, ritualmente prepa- rado, para ocupar a funo do Ob ausente no ,grupo religioso.

    I11 - OS OTUNS E OS OSSIS: A POLARIDADE

    A inovaqo da ialorix de So Gonalo originou uma certa resistn- cia que, embora no ostensiva, se manikestava em comentrios restritivos da parte dos velhos dignitrios da Casa - Obs e Ogs - e antigas ebb- mins do terreiro. De um antigo Ob ouvimos, a sse respeito, "Ob no tem Otuni nem Ossi", resumindo clcssa maneira o seu clcsarado em face da indicao de um Otum para um Ob pouco assduo nas suas obriga- ces para com a Casa. As inovaes rituais ou estruturais provocam sem- pre, quando ocorrem no processo dinmico das associaes religiosas afro-' brasileiras, resistncias e tenses da parte dos elementos mais conserva- dores do grupo. Cornentirios e paralelos so ent2o feitos e C comum ou- virem-se nos setores descontentes expressjes saudosistas, evocadoras da or- todoxia dos "velhos tempos". As tenses provocadas pela criao de Otuns e Ossis no terreiro no [oram entretanto to agudas a ponto de abalarem a estrutura recm-instituda da Sociedade. E porisso mesmo, sendu a norma. de coniportamento imposta h i muito pouco tempo, as novas hierarquias foram aceitas, afinal, na estratificao do g-iupo, mais como uma comple- mentao lgica da nova associaqo do que como um elemento deforma- dor. Vale notar que a criao dos Otuns e dos Ossis obedecia a um estilo de complementao hierrquica conhccicla em muitos outros "cargos" ou "postos" de candombl. A prpria ialorix de So Gonalo, Senhora de Oxum, possua no terreiro, em vida de sua me-de-santo, o ttulo ou o cargo de Ossi Dag ( '6) , por que era chamada por todos os membros do terreiro inclusive por sua me-de-santo. Ainda recentemente encontramos na citada monografia de D . M. dos Santos, toda uma srie de cargos atri- budos s "[ilhas" e "filhos" de um terreiro na Rahia aps a morte da 11- tima ialorix, apresentando a caracterstica iorub que marca as substitui- es eventuais, funcionais, na estrutura ela Casa (27).

    (26) Isto , "a mo esquerda da Dag". A primeira relerncia ao posto que Senhora de Oxum usava em So Gonalo antes de se tornar a ialorix do terreiro: "A me do terreiro - "Senhora" - cujo nome de batismo i. Ossidagan.. .". Jos Lima, "A Festa de Egun", cm Folk-20rr baiano, Bahia, 1946, p. O . Jos Lima, o primeiro pcsqui- sador a escrever um ensaio etnogrfico sobre o culto dos Eguns h de ter comprrendido o titulo, o p6sL0, pelo nome de batisnio. Queremos deixar consignada, nesta nota, a homenagcm ao saudoso polgrafo que abriu Larlios camirilios para a valorizaqZo da cultura nacional.

    (27) Entre os vrios postos distribuidos as filhas mais antigas do tcrreiro do Engenho Vellio, quarido da substituio da falecida Tia Massi, em 1962, esto: Otum Ialorix: Ossi Ialorix, Iaquequere: 1)ag.: Otum e Ossi Dag; etc. Cf. M. dos Santos, 1962, pp. 82-3.

  • Vale lembrar qut. na organizaqo social - nas estruturas polticas e religiosas dos povos iorubs da Nigria e do Daom, as posies de man- do, os ttulos hierrquicos, hereditrios ou no, e religiosos, apresentam sempre os seus Otuns e seus Ossis, desempenhando sses titulares as fun- es que nas culturas occidentais so atribudas aos vice-titulares do cargo. O dicionrio de Abraham muito explcito nos verbtes otu?z e osi ("8). Para otun d "o lado da mo direita" e para osz "o lado da mo esquerda". Da em muitas casas-dc-santo da Bahia dizerem comumente "a mo direita da ialax", etc. Abraham esclarece ainda que osi "prefixado a certos car- gos oficiais denota o terceiro em comando daquele cargo". E entre os v- rios exemplos dados por aquele autor e ligados Li grande e complexa hie- rarquia da estrutura scio-poltica dos iorubs, encontramos o Osi Bale (Ossi Bale) e o Osi Kaka-m-fo (Ossi Cancanf) ste ltimo precisamente um dos ttulos ou um dos nomes dos Obs-da-direita de So Gonalo (29).

    Foram dessa forma institudos os Otuns e os Ossis para os Obs de

    i So Gonalo, estritamente dentro do padro que rege as hierarquias scio- polticas dos iorubs. As palavras otum e ossi, significando como vimos, respectivamente,

    a "mo direita", ou o lado da mo direita, e "mo esquerda" ou o lado da mo esquerda, tm apresentado alguma variedade no seu emprgo, com relao polaridade dos Obs e suas denominaes genricas. Quan- do por exemplo se diz Otum Ob, a expresso significa precisamente o Ob que ocupa a posio de segunda pessoa do titular, o vice-titular por assim dizer. E Ossi Ob, claro, a terceira pessoa do titular, o segundo vice- titular, se se quiser. Entretanto, D.M. dos Santos escreve Otum Ob, genri- camente, referindo a todos os Obs do lado direito, isto , a falange inteira da direita da sociedade dos Obs (30). Uma possibilidade terica de con- fuso se originaria - como est implcita na obra referida, quando se quiser chamar um Otum Ob, isto , a vice de um Ob - de um Ob que seja da direita. Teramos ento, tericamente, a forma Otum Otum Ob, que no corresponde aos padres lingisticos observados em casos seme-

    (28) Otum do iorub otun, o lado direito: ossi, do iorub osi, o I'ado esquerdo. Abraham: "u tun , the right hand side"; "osi, lefthand-side. Ainda Abraham: Otun prefi- xed to certain Official Titkes denotes the Skcond-in-command of such Office.. . Ossi denotes the Third in-command".

    (29) Um outro exemplo da polaridade, no artigo de Peter Morton-IYilliams sobre a organizaco do culto e a wsmologia das iorubs: "The Otun Efa (Eunuch of the Right) represented his religious person. Each cult group negotiated with the king and Ris high officials throug its official intermediary, who waxither a woman of the palace appointed iya kekere, "httle mother", of the cult, or a titled slave, the baba kekere, its "liltle father". "An Outline of the Cosmolog and Cult Organization of the Oyo loruba", Africa, XXXIV, 3, 1964, p. 253.

    ( 3 0 ) Cf. D. M. dos Santos, 1962, p. 21: "Os Obs, alta dignidade do Axe, dividem-se em 6 Obas da direita (Otun Ob) . . .".

  • Ihantes (31). Como quer que se apresentem essas variedades de denomina- o, elas no so habitualmente empregadas no mbito da Sociedade ou do terreiro. Os Obs so al conhecidos como Obs-da-direita e Obs-da- esquerda. Por sua vez cada Ob - da direita ou da esquerda - possui, ou pode possuir, um Otum Ob e um Ossi Ob. Os 12 Obs e mais os 24 Otuns e Ossis formam dessa maneira um corpo de 36 titulares que consti- tuem o grupo dos Obs de Xang em So Gonalo do Retiro.

    Os Obs-da-direita - Abiodum, Ar, Arolu, Tel, Odofim e Canfanf - , so os que possuem direito de "voz e voto" no grupo de que so o corpo f executivo. Os Obs-da-esquerda possuem uma posio claramente infe- rior aos da direita no que diz respeito estrutura do grupo e sua repre- sentao. Tm stes Obs direito apenas " voz", isto , possuem no grupo uma funo especificamente consultiva. A maneira com que essa polaridade se evidencia dentro do terreiro, no est ainda suficientemen- te definida. Da Me-de-Santo que se pode ouvir um que outro comen- trio de carter estritamente ritual, sbre as atribuies dos Obs-da-di- reita com relao aos da esquerda ou ao terreiro. Um dos elementos dis- tintivos da polaridade o privilgio que tm os Obs-da-direita de sau- dar Xang, o Santo da Casa, com o seu xer (32). Nas festas de Xang, em So Gonalo, o xer de Xang tocado ritualmente em saudao ao orix pelos Obs-da-direita apenas - e nem mesmo pelos seus Otuns e

    (31) Vimos que em iorub, o otun o primeiro substituto do psto, como o osi -

    o segundo. Os Otun e os Osi no possuem, entretanto, nem Otun nem Osi. Entre os iorubs a ordem dos titulares segue depois de otun e osi um sistema ordinal: eketa, ekerin, ekarun, ekefa, etc., isto , o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto, etc..

    (32) O xer um instrumento musical feito de cobre ou de uma "cabaqa de pesdo", com uma extremidade de forma esfrica contendo sementes vegetais. uma espcie de chocalho, tocado especialmente nos candombls, para Xang. Tratando dos objetos rituais dsse orix, escreve Verger: "Un hochet appel sere fait de cuivre ou d'une alabasse lui est spcialement reserve et est agit pour le saluer et accompagner ses chants et I'nono de ses oriki". 1957. p. 305. Abraham, no verbete igba, (cabaas) : "sere (%are> (I) a aalabash with a v q long, thin neck: when cut in half, it is used as a Iadle; (11) when uncut, i t is used as a rattle serving as a drum which announoes Songo and which is called seree Songo" (-r Xang). Abraham usa uma grafia pessoal, no universalmente aceita, para certos fonemas iorubis. A nasal E, le represen- ta por um "o" com um ponto em baixch Notao, como vimos, impossivel de reprodu- zir nestas notas. Tratando de um ontrol objeto ritual de Xang, tambm muito conhe- cido nos terreiros nags da Bahia, chamado laba (hb) uma espcie de sacola de couro de forma retangular e ornda de desenhos simb615cos, escrevem Joan W m t t e P e t a Morton-Williams: "when they are not carried, laba hang in the dmestic shrines (gbon- gon) of the Shango priests and are usad to contain only "thunderbolts" (edun ara) . i . e . neoli'thic celts, and the sacred gourd rattles (shere), which are shaken while prayers are addressed to Shango". "The Symbolism and Ritual Context of the loruba Laba Shango", JRAI, Vol. 92, Parte I, 1962, p. 25, O carter sagrado do xer6 n o t a d o 7 em So Gonalo quando o mesmo trazido do "quarto de Xan~'' para o salo ou O barraco das festas pblicas, sempre envolvido num oj, uma espcie de xale, conduzido com a maior reverncia. Antes de ser usado o xer tocado trs vezes no solo pela ialorix ou pelo Ob, que o seguram sempre com a mo direita.

  • Ossis (33). NO terreiro de S. Gonalo, no barraco (34), os Obs sentam-se ao lado da ialorix, de cada lado de sua cadeira. as podemos ver Obs-da-di- reita sentados esquerda da Me do terreiro e 0b;-da-esquerda sua direi- ta. Parece que a proximidade e a posio dos Obs com relao ialorix esto ligadas de certa maneira ao princpio de senioridade no tempo da confirmao. O Ob Abiodum, que ficou, na estruturao do grupo, com os ttulos e encargos do primeiro Ob e seu presidente perptuo, quando presente no barraco, senta-se habitualmente na cadeira que est imedia- tamente esquerda da Ialorix. Quando ausente, seu lugar ocupado pelo Otum Abiodum, que por sua vez, na presenca do Ob, se coloca sua esquerda. A direita da Ialorix senta-se habitualmente, o Ob Tel - le prprio um filho de Oxum. 13 possvel que ao tempo dos 12 Obs primitivos, estivesse prevista a harmonia da polaridade dos Obs, direi- ta e a esquerda, no plano espacial do barraco. O costume entretanto foi que determinou a definitiva posio dos Obs ao lado da Ialorix da Casa. Certamente, os Obs mais frequentes e assduos s festas da Casa, iam naturalmente se assentando ao lado dos dois Obs, Abiodum e Ar - aqule a esquerda e ste direita da Me-de-santo - de acordo com as duas nicas especificaqes da Me-de-Santo Aninha antes de sua morte, indicando os referidos Obs para auxiliarem sua substituta; na direo da Sociedade, o Abiodum, e ao p do santo, "less orix" (35), o Ob Ar. Portanto, a polaridade restritiva s6 o era nos direitos e deve- res dos Obs-da-direita e da esquerda, e no na posio em que les se colocam, seja direita, seja esquerda da me-de-santo da casa, no bar- raco do Terreiro.

    (33) O xer pode ser tocado, ocasionalmente, por outros olaiCs da Casa, discrio da ialorix. Em So Gonalo, o falecido Otum Odofim, embora no fsse o Ob titular, tinha o direito de tocar no xer de Xang, devido a sua condio de Og da Oxum da Ialorix Senhora. Tambkm o Oju Ob - ojoi da Casa de Xang - vem Ultimamente sendo distinguido com sse privilgio pela Me do terreiro. Uma foto de Pitrre Verger, mostra a ialorix do Op Afonj, "surrounded by dignitaries of the Afro-Brazilian temple where Yoruba Orisha are worshipped.. . ". P. Verger, "Nigeria, Brazil and Cuba", na edio especial Nigeria, 1960, de Nigeria Magazine, Lagos, 1960; p. 171. Nesta foto v-se muito bem o Otum Odofin que era um cidado suio, segurando o xere de Xang. A mesma foto foi reproduzida no livro de Michael Crawder, The Story of Nigeria, Lon- dres, Faber and Faber, 1962. Vale acrescentar que o pesquisador e etnlogo Pierre Verger 6 precisamente o Oju Ob - "Os Olhos de Xangb" - do terreiro de So Gonalo.

    (34) Barraco o nome que se d parte construda do terreiro em que se celebram as festas pblicas do candombl. Em So Gonalo, o barraco isolado das outras casas dos vrios orixs, construido ao lado esquerdo e acima da Casa de Oxal. Por extenso se chama tambm, s vezes, de barraco sala ou salo em que se realizam as festas ou cerimnias pblicas, mesmo quando sejam dependncias pequenas, ligadas ao c o ~ p o da casa. Nesta caso, entretanto, o nome mais empi~gado "salo".

    - -

    (35) "Less orix", ao pe do santo. isto , ajudando ialorix nos rituais prprios do culto de Xang e dos outros orixis. A expresso vem do iorubi lese (less) , "aos ps de". Ese (esse), em iarubi significa pC ou perna.

  • bolismo posicional das complexas hierarquias dos candombls. Os Obs conheciam, por assim dizer, os seus lugares, e conseqentemente os seus deveres e direitos, suas prerrogativas e suas limitaes rituais. A polari- dade dos Obs constitui assim uma clara hierarquia e s6 um estudo apro- fundado nas histbrias de vida dos primeiros Obs forneceria, com a an- lise das relaes dos membros no grupo, seus status na comunidade, uma explicao para a escolha, pela Ialorix Aninha, dos primeiros titulares do grupo inicial dos Obs. Certo no foi por acaso que os dois primeiros Obs ficaram expressamente encarregados pela falecida ialorix, Aninha, pouco depois de estabelecida a Sociedade, dos mais importante rles do grupo. Na verdade, os nicos ento especificamente definidos. O Ob Abiodum - parente da Ialorix e Og de seu santo, ao tempo da confir- mao, homem de recursos financeiros considerveis e grande prestgio na comunidade - ficou com a presidncia perptua da Sociedade Civil do terreiro e o Ob Ar - antigo Og confirmado do terreiro do Engenho Velho (9, alto dignitrio no culto dos Eguns, em Amoreiras (40) e ligado por parentesco tambkm a antigas figuras da seita - ficou como o auxi- liar da me do terreiro, "less orix", isto , "nos ps do santo", funo a que foi indicado por seu grande conhecimento nas questes de ritual, suas cantigas e sacrifcios.

    Aos Obs de Xang6 cabe a responsabilidade de ajudar financeira- mente Ialorix nas obrigaes religiosas do terreiro dedicadas a Xang

    seguinte interpretao : "The prominence they give to tlie left hand suggests that they perceive that thqr cannot reject one side of themselves, but must accept the unclean - that which is hildden and knowledge that is forbidden - and, further, it emphasizes the profound of this transation" pp. 272-3. No devemos esquecer que fra dessa excepcional circunstncia do simbolismo ritual dos Ogboni, a mo esquerda, o lado esquerdo, sempre considerado como impuro, pelos iorubs. Morton-Williams enf- tico: "The left hand is unclean". E em nota a mesma pgina - "Left-handness is cited along with albinism and such physical defects as lms of a limb as dlsqualifying a man from kcoming an oba", p. 272.

    (39) O Candombl do Engenho Velho 6 das mais antigas casas-de santo da Bahia de origem iorub-nag. O terreiro tem em Xang o seu patrono e em Oxssi O "dono da Casa". Do Engenho Velho 6 que sairam as fundadoras de outras importanws Casas, como o Gantois e o Oph Afonj. Estas trs casas esto pois ligadas por um complexo e antigo parentesco ritual. Sbre as ligaes do Engenho Velho com o Gantoiis e So Gonalo, ver Carneiro, 1961, pp. 61-5.

    (40) Culto praticado pelos membros da chamada Sociedade dos Eguns em Amorei- ras, na Ilha de Itaparica e que se dedica aos espiritos dos antepassados ou Eguns. O culto dos Eguns possui estreitas ligaks com o terreiro do O@ Afonji e a Ialorix Senhora tem ali o psto de I Eb, a Me do Eb. Seu filho o Assob - Ikoscredes M. dos Santos - o Corico Olucotum, isto , o "escrivo de Bab Oluctum", um dos Eguns mais cultuados em Amoreiras; o Otum Ob Abiodum tem o psto de Otum Mai; um filho-de-santo de So Gonalo, de nome Ogum Toxi, possui em Amoreiras o psto de Balogum. Senhora de Oxum que pe "a mo na cabea" da maioria das pessoas de Amoreiras, sendo, pois a nie-de-santo que se encarrega da inicaio, em So Gonalo, dos filiados do culto de Eguns que tenham de faam tamikm, "obrigaes de mix". Outros exemplos poderiam ser dados da associaco Amoreiras-So Gon~a~lo. Cf. Bastide, 1965, pp. 15-6.

  • e em quaisquer outras festas do Ax a que cada Ob esteja associado por suas ligaes rituais secundrias: a festa da Oxum da Me-de-Santo; a

    .

    festa do seu prprio orix ou de um orix em cuja casa (41) possua o Ob tambm, cum~tivamente , um outro ttulo ou uma outra obrigaqo. Assim 'm Ob deve contribuir financeiramente - com uma quota que as vezes determinada pela Me do terreiro quando, ento, igual para todos os Obs, para as festas do ciclo de Xang, de quem, como vimos, os Obs so "ministros". Nesta ocasio, um Ob poder fazer a Xang uma oferta especial, que geralmente constituda de um carneiro, um dos animais consagrados ritualmente ao orix. A contribuio para a fes- ta de Oxum da Me do terreiro espontnea e varivel. Conquanto es- pontnea, essa contribuio quase sempre feita por todos os Obs e va- ria de acordo com os recursos atuais de cada um. A Me do terreiro, por- tanto, no regula essa contribuio, aceitando-a, ainda dentro do esprito do "ritual de delicadeza" dos candombls, sempre com as frmulas ade- quadas de agradecimento. Cabe ao Ob ainda contribuir financeiramente para as festas dos seus prprios orixs, isto , um Ob, filho de Oxal, ou de Ogum, ou de qualquer outro Santo, deve ajudar materialmente nas festas dsses orixs, o Terreiro. Se o Ob possuir tambm no Ax um outro oi, isto 6, se for, por exemplo, Og de um orix outro que no Xang, deve colaborar nas obrigaes rituais dsse orix. Alguns Obs de So Gonalo so tambm Ogs da Casa, suspensos por um santo, e posteriormente confirmados para o "dono da Casa". Outros Obs p s - suem tambm um oi, um psto, conferido por outro orix. Para ilustrar a situao, consideremos o caso do Otum Ananxocum, (42). ste exemplo pode bem definir toda a tipologia das variveis de contribuio finan- ceira dos Obs ao Terreiro. Esse Ob dever contribuir financeiramente nas seguintes ocasies:

    a) No ciclo das festas de Xang b) No ciclo das festas da Oxum da Me do Terreiro c) Na festa de Oxssi, por ser o Ob filho de Oxssi (43).

    (41) NOS terreiros de tradio iorub-nag de Ketu no Daom - costume que cada orix tenha a "sua casa". "Casa" possui, a, uma dupla conotao - da morada do santo, do lugar onde esto os seus "assentos" e ~ c u s objetos sagrados, e a outra, simblica, de uma instituio abstrata, consagrada ao mixh e que congrega seus filhos e filhas e rn oloiks. Nste ultimo caso k quando se diz ter a pessoa um cargo, por exemplo, na casa de Oxum. Ver adiante a nota 45.

    (42) O exemplo foi escolhido ao acaso, entre os vrios Obs que apresentam muitas variveis com d a @ o aos seus deveres para com o Ax. O Otum Ob Anaxocum o conhecido artista Caryb,

    (43) Istio quer dizer que o Ob tem como seu orix pessoal ou seu "anjo-de-guarda", na expresso que j se difunde nas comunidades afro-brasileiras, a Oxssi, orixa da cag e dos caladores.

  • d) Na festa de Omolu, na segunda feira seguinte ao domingo das Aiabs ( 4 9 , festa chamada de "Olubaj de Omolu", por ter o Ob referido tambm o psto de Iji Apog, no eb(45) daquele orix.

    Alm dessas contribuies ritualmente obrigatrias da parte dos Obs, les devem assistir materialmente, em caso de necessidade e sempre por intermdio da ialorix, s filhas de santo do terreiro que lhes foram des- tinadas como "afilhadas" (46) na cerimnia da "compra da iao", no es- tgio final do ritual inicitico das filhas-de-santo. Esta contribuio pode ter a forma de uma roupa para o santo; ou as "ferramentas" (47); OU assis-. tncia mais especfica em determinados casos de doena e hospitalizao, se necessria; desemprgo de membros da famlia da filha-de-santo, etc. Aos Obs, finalmente, cabe, como o corpo de Ogs mais graduados do Ax, assistir a quaisquer outras necessidades do Terreiro, algumas de ca- rter prpriamente ritual, como as cerimnias fnebres pelos mortos da Casa; ajuda ocasional nos consertos das casas dos santos a que estejam ligados ritualmente; consertos ocasionais no Barraco ou na casi de Oxal; assistncia legal nos problemas da Casa. Estes os deveres dos Obs com relao ao Terreiro e s vrias categorias de seus membros: a Me do Terreiro, as filhas e os filhos-de-santo e suas famlias. As relaes dos Obs com os filhos da Casa, o vasto corpo das filhas e filhos-de-santo

    (44) O "domingo das aiabs" a festa consagrada nos terreiros a todos os orixs femininos; o termo aiab tem sido confundido, Irequentemente. por etnlogos e pesqui- quisadores outras, com a palavra iab. Carneiro, 1961. p. 183: "Iyab, orix feminino (qualquer)". Nos candornbl.s se diz entre o povo-de-santo, aiab. A palavra em iorub significa precisamente "ranha". S. Crowther, no primeiro dicionrio extenso da lngua iorub: "Ayabba (Aya-obba), a queen, a king's wife". Esta obra - A Vocabulary of the Ioruba Langwge, Londres, Seeleys, 1852, apresenta muitos termos e expresses arcai- cas idnticas na significao As formas conhecidas ainda hoje na linguagem conservadora dos camdombls nags da Bahia.

    (45) Eb, termo correspondente "casa" nos sentidos referidos h nota 41. A palavra em i m b B egbe (egb) significa "grupo, clube, sociedade". "EM de Omolu", o mesmo que a "casa de Omolu", isto , o grupo de filhos. filhas e olois dosse orix. O verbte r ~ b ~ cm A Dictionflry nf the Yoruba Language: "Company, party, rank, companic#n equal, comrade, society, association, guild, class, fraternity". Londres, Oxford University Press, 1939. Cf. Abraham, para iya egbe (i eb): "Senior woman of a bale society". Ref. Li nota 40.

    (46) Na cerimnia da "compra da ia" - em algumas casas de candombl conhe- cida pelo nome de quitanda das ias" ou "pan" - os Obs compram simbblicamente as ia6s recm-iniciadas. reintegrando-a~, por essa forma na vida secular de suas famlias, Sbre esta fase da iniciao escreve Melville Herskovits: "As such, it functions as a mechanism of social reintepation, assuring the inithtes that on their return to the daily round they will not be spiritually or physically beset by the dangers arising out of intercourse with the secular world frmn which they have been withdrawn, and which they to re-enter with new names, as new personalities". "The Panan, an Afrobahian Religious Rite d Transition," em Les Afro-Amdricains, Memoires, 27, Dakar, IFAN, 1952, p. 133.

    (47) As ferramentas so os vrios objetos rituais usados pelos filhos-de-santo, quando, passuidos por seus orixs e j vestidos com as roupas prprias de cada um, entram processionalmente no barraco. Cada mix8 possui sua ferramenta especfica, que varia na forma ou no material, mas sempre dentro do esteretipo dominante do orix.

  • Esses Obs mais assduos, naturalmente tm mais omrtunidade de co- nhecer outros membros da Sociedade em trmos porventura mais ntimos. Saber-lhes os nomes, os nomes civs e os "nomes-de-santo", os ttulos ou cargos na hierarquia da Casa, 2 pormenores outros no plano da vida se- cular dos membros do grupo. Resumindo temos que smente as ias ( 5 9 , que cumprimentam ritualmente os Obs que Ihes serviram de padri- nhos na cerimnia da compra e ocasionalmente - sempre a mando da ialorix - um que outro Ob presente festa. O Ob Abiodum e seu Otum, e o Ob Ar so sempre cumprimentados pelas ias e pelas eb- mins. As ias lhes pedem a bno simplesmente e so por les abenoa- dos. As velhas ebdmins tm tambm as suas mos beijadas por les. este gesto mtuo de respeito muito frequente entre pessoas do mesmo nvel hierrquico - ou de nveis equivalentes - nas associaes religiosas afro- baianas. Um Og, por exemplo, beija a mo de uma ebmin, que, por sua vez, beija a mo do Og. V - ADMISSO NO GRUPO. SUBUSTITUIO E RENOVAO

    DO QUADRO Vimos como os primeiros Obs foram recrutados em meio comuni-

    dade afro-baiana centrada no terreiro da Ialorix Aninha. Martiniano do Bonfim termina o seu relato sbre a criao da Sociedade dos Obs di- zendo: "Eis porque celebrou-se ste ano a festa de entronizao dos doze ministros de Xang, escolhidos entre os ogs mais velhos e mais pres- tigiosos do candombl" (52). Entende-se dai que todos os 12 primeiros

    se entende por amal uma espcie de caruru feito com quiabo e carne, que arrumado num prato ou num alguidar sbre um angu de inhame, de farinha de mandioca ou de acaq. A "arrumao" da comida ritual - o caruru cobrindo inteiramente o angu - que explica a mudana sernhtica que vem ocorrendo na Bahia com relaqo i palavra amal, que em iorub significa apenas o angu, a papa de inhame ou de outros ingre- dientes, e na Bahia adquiriu o sentido de caruru. Carneiro escreve "omal" (fama tambm encontrada na Bahia), e diz: "Caruru especial de Xang". 1961, p. 186. En- tretanto, no seu Iivro Religies Negras, descreve corretamente a comida ritual:". . . caru- ru com angu ou arroz para Xang nas quartas4eiras, tem o nome de omal". Rio, ivilizao Brasileira, 1936, p. 76. O amal tambm chamado pelos iorubs de oka (oca), termo bem conhecido nas Casas nagb da Bahia. Abraham: "o~ka=amala, type of food made from yam-flour". Entre as vrias comidas feitas com inhame na Nigeria, entre os iorubs, o amal C das mais elaboradas. William R. Bascom, no artigo "Yoruba Cooking", desneve o processo da feitura do amal, com farinha de inhame, a que chama tambm de &a isu ou amala isu. Isu (ixu) io o iorub para inhame, c termo correntemente empregado na linguagem de santo.- Em Africa, XXI, 1, 1951, p. 126.

    (5i)A rigor uma ia8 deve conservar ste nome de classe at fazer a "obriga$o" de sete anos; na prtica, entretanto, as filhas-de-santo que tenham feito as "obrigaes" de trs anos j comeam, por uma omcesso delicada das ebmins, a ser chamadas por seus nomes-de-santo dentro do terreiro.

    (52) A categoria dos ogs se divide em duas ntidas sub-catego,rias: os cgs confir- mados" e os ogs "suspensos" ou "tirados". Estes iLltimos no desfrutam de todos os direitos atribudos aos ogs confirmados e sua posio no grupo y6 se estabelece plena- mente depois da confirmao. Diz-se que o og "suspenso" porqu, na ocasio d'e sua escolha por um orixic da Casa, o nvo Og carregado, suspenso, pois, pelos demais olois da

  • Obs eram, ao tempo de sua entronizao, Ogs do candombl. Deve-se entender tambm, pelo texto de Martiniano, que eram Ogs do terreiro de So Gonalo. Mas, pelo menos um dles, o Ob Ar - Miguel San- tana - era Og do candombl do Engenho Velho, confirmado para o santo da falecida Lcia de Omolu. Um seu filho adolescente, Antnio Albrico Santana, tambm j Og, foi indicado como Ob Cancanf. Vemos que nem todos os Ogs eram necessriamente velhos. O princpio de senioridade alis no est de nenhuma maneira associado Lt idade cro- nolgica do Ob - ou dos filhos de Santo e dos Ogs, mas sim ao tempo de iniciao ou de confirmao, como no caso dos Olois. De todo modo o Ob Cancanf tinha pouco mais de 15 anos quando, j indicado Ob, teve de viajar para o Rio de Janeiro onde deveria servir Marinha de Guerra (53). J vimos como seu irmo Almir Santana, mais moo do que ele, passou a represent-lo nas cerimonias e obrigaes da Casa, sendo a rigor o primeiro substituto de um Ob a funcionar como tal em So Gon- alo. Almir Santana possui hoje o ttulo de Otum Cancanf. A mo di- reita do Ob Cancanf.

    Os atuais Obs, com seus Otuns e Ossis, tm sido escolhidos pela atual Ialorix de So Gonalo, a exemplo de sua Me-de-santo, dentro do quadro dos "amigos da Casa". Pessoas de prestgio na sociedade global da cidade de Salvador - ou seus visitantes eventuais - e que se tornaram amigos da Ialorix. Sendo a rigor a indicao dos Obs uma das prer- rogativas da Me do Tereriro - que sempre consulta o Santo da Casa para saber se tem o candidato sua aprovao indispensvel - compreende- se que nem sempre haja uma unnime aceitao dos novos membros por parte dos Obs mais antigos, pelo menos por alguns dles que ainda fre- quentam regularmente a Casa depois da morte de Aninha. Sistemtica- mente a escolha de novos Obs tem sido feita fra da classe social em que se inserem os grupos de candombl. Com duas excees recentes - uma das quais ainda analisvel em trmos de ser o Ob um negro em pleno processo de ascenso econmica e social - todos os outros Obs, Otuns e Ossis tm sido escolhidos nos estratos mais altos da sociedade. E vrios dos novos Obs no tm sequer residncia permanente em Sal- vador, vindo ocasionalmente a esta cidade, geralmente em ocasies como as festas de Xang ou de Oxum, quando, ento, cumprem suas obrigaes anuais para com a Casa. O corpo dos Obs ento, gradativamente se vem transformando, de um corpo auxiliar da Casa nos planos religioso-ritual e scio-econmico, num suporte apenas scio-econmico do Terreiro. As cerimnias de confirmao se tm, por outro lado, modificado to sensi-

    Casa, que, em procisso o conduzem em trs voltas no barraco apresentando-o dessa maneira comgregagio presente cerimonia. O Ogo ento cumprimentado pela Me-de-santo, pelos orixs presentes festa e pelos demais presentes, phr ardem de senioridade iniciltica.

    (53) Informao pessoal do Ob.

  • nhuma cerimnia de iniciao, ou de conlirmao, se faz em "gente de santo" sem que se faqam tambm oferendas rituais e votivas aos espritos dos seus mortos. Por outro lado o risco, para usar a expresso de um informante, que corre um Ob de ser "pegado pelo santo" - e que o deve obrigar a ter verificado de seu orix se o mesmo quer ser "assentado". Pois que o Ob - como o Og - no pode "receber santo na cabea" (59) . portanto desprezvel - por inexistente, talvez, no pensar da Ialorix - o risco de ter um de seus novos Obs tomado pelo santo, de vez que, como vimos acima, os novos Obs tm sido escolhidos nas classes sociais que possuem poucos compromissos culturais com os fenmenos de possesso religiosa verificados rios candombls.

    As substituies dos Obs falecidos tm sido feitas pelo arbtrio da Ialorix, que apresenta sempre a Xang o nome de seu candidato ao posto, para a indispensvel aprovao. A escolha ento comunicada aos outros Obs, de maneira informal. Oltimamente, os prprios Obs j confirmados apresentam seus amigos Ialorix que eventualmente os tem escolhido para os postos vagos da Roa. De t6da maneira a Iolorix quem decide sobre a oportunidade e o merecimento do candidato a Ob. As vzes o Otum Ob confirmado na presena do Ob - como foi o caso do Otum Ob Tel confirmado na ltima festa de Xang, que foi apresentado Casa, ao lado do titular. Outras vzes, e por motivos j referidos, a indicao do Otum ou do Ossi, se faz precisamente para suprir a ausncia ou omisso do titular primitivo do posto, afastado da roa por motivos pessoais, ou de sade. Nesses casos nem os Otuns nem os Ossis conhecem, sequer pessoalmente, o primitivo titular do cargo, que por sua vez pode ignorar a existncia do que consideram "uma inovao" ina- ceitvel da Ialorix.

    As relaes entre os Obs marcada por uma interao de carter secundrio. Encontram-se todos nas festas de Xang, e nessas ocasies tratam-se mais ou menos fraternalmente. Uma das regras da sociedade precisamente a solidariedade do grupo. Os Obs devem procurar se en- tender bem, deixando de lado, pelo menos no Terreiro, quaisquer tenses ou diferenas individuais por acaso existentes e causadas por atritos ou incompreenses pessoais. As queixas que um Ob possa ter de outro - originadas na vida secular dos Obs - devem ser "conliadas a Xango", que decidir e julgar conforme o mrito da questo. De um modo geral, os atuais Obs mantm uma atitude de interao mais ou menos ntima e podem mesmo se distinguir no atual quadro trs grupos bem diferen- ciados. Cada um dos quais mantem com o imediato uma faixa de inte- rao bem marcada, alternada com o grupo de que se distancia no pro- cesso. Assim podemos distinguir o g u p o dos Obs mais antigos, que ainda frequentam a casa ocasionalmente, "Obs do tempo de Aninlia" e

    (58) O Og, como o Ob, no pode "receber santo". Por isso tem o seu santo assenrndo, e no feito, quando a isto obrigados pela vontade do orix.

  • que mantm boas relaes pessoais com o segundo grupo constitudo de Obs mais recentes, porm integrados no terreiro, assduos e mais ou menos conhecedores do ritual e da estrutura da Casa a que pertencem. Este segundo grupo por sua vez se continua no grupo mais nvo e mais numeroso - dos Obs que tm sido indicados e confirmados nos ltimos 7 anos, e de que se origina, naturalmente, a maior rea de tenses na So- ciedade. A anlise da influncia que os mais recentes membros da Socie- dade tm trazido estrutura mesma do terreiro s poder ser realizada quando se ordenarem os padres surgidos nessa fase do processo. As po- sies hierrquicas dos Obs sendo vitalcias - o recurso da criao dos Otuns e dos Ossis propiciou, como vimos, o que a Ialorix chama de a "continuaqo da corrente", harmonia indispensvel perpetuao espi- ritual do Terreiro e Zi sua manuteno material. Tenses pessoais - fra do Terreiro - entre os novos membros do grupo tm sido at agora ma- nipulados com bem sucedida habilidade pela Ialorix, e os Obs que no tm razes especiais para se entenderem bem - por diferenas marcadas de temperamento e de intersses - so obrigados a manter uma atitude de cordial tolerncia mtua dentro da Sociedade.

    No grupo dos Obs - um grupo secundrio includo numa Associa- o reliqiosa - existem membros ligados por relaes de carter primrio. Pai e filhos. Irmos. Primos. E membros ligados por relaes de carter secundrio: membros de classe social. Escritores e artistas. Advogados. Industriais. O equilbrio dessas relaes na sociedade global que tem definido a orientago das relaes intra-grupais. No se deve esquecer a importante facta da contribuio linanceira Casa - na parte que voluntria, e que varia de acordo com as condies dos Obs, ltima- mente quase todos pertencentes s camadas mais altas da sociedade global. Nota-se, alm disso, um grande e progressivo distanciamento dos Obis - especialmente dos mais recentes, do terceiro grupo - das "camadas hori- zontais" da associao, de seu corpus de filhos e filhas-de-santo. Um m- nimo de relaes rituais com as zaos de quem so padrinhos, simbolisadas por saudaes rituais e doaties realizadas sempre por intermdio da Ialo- rix. Pouca ou nenhi~ma interao com as ebmins da Casa; com os anti- gos Ogs e mesmo com os Obs titulares de quem so Otuns e Ossis, os novos atuantes membros da Sociedade.

    VI - OS NOMES-TTULOS GOS ORAS

    Os Obs tm sido chamados diversamente de "Mobs", "Mangbs", "Mongbs", que so as vrias formas de transcrio da palavra iorub Mangb ( 5 9 ) . Em todo caso, na recriao brasileira do titulo - no caso

    (59) Airida aqu difcil transcrever todas as variaritis grficas da palavra em iorub. Abraham escreve: Mongba, com um piomto sob o o, na sua especialissima no- taco. A maioria dos autores usa contudo a forma Mangba, que muito se aproxima da transcrio fiointica, lata, que se poderia fazer do termo. Ver n. 32.

  • O primeiro Ob-da-direita, Abiodum. Este cargo ocupado ainda hoje pelo seu primeiro portador, o Presidente da Sociedade Cruz Santa do Ax do Op Afonj, Arquelau Manuel de Abreu. Abiodum evoca a figura de um dos mais notveis reis iorubs, o Alafim Abiodum, segundo Johnson, o 29.0 Alafim(63), e que ter reinado na segunda metade do sculo XVIII; dle se diz que teve 660 filhos. O seu nome era Adegolu, alis um de seus nomes, mas le ficou glorificado com o nome que trouxe ao nascer, isto seu nmirntorunwa ( 6 9 , que Abiodum, nome que as crian- as iorubs invarivelmente recebem quando nascem em um dia de festa. Abiodum foi o ltimo dos reis iorubs que exerceu pleno poder sbre sua terra e seu povo. Com sua morte comeou a decadncia do poderoso imprio nos fins do sculo XVIII. Jolinson conta pormenoriza- damente o que foi o longo reinado de Abiodum e como le conseguiu se desfazer da perniciosa influncia do todo poderoso Primeiro Ministro, o Baxorum Ga, e, afinal, reinar szinho sbre seu vasto imprio(65).

    O segundo Ob-da-direita o Ob Ar. este um ttulo oficial entre os iorubs e indica preeminncia, o primeiro em precedncia. Ar ante- posto a uma srie de outros ttulos iorubs, como a Ar-Onan-I

  • mado ojijiko (odjidjic), adornado com penas vermelhas de papagaio, chamadas de icddd, e tambm usava uma cauda de porco, smbolo de seu cargo. Cancanf L. o primeiro dos ttulos militares e na organizao dos iorubs corresponde ao Chefe do Exrcitu(66).

    Na Bahia, o titulo composto de Ar On Cancanf foi desdobrado em dois, em Ob Ar, e no bltimo Ob da direita, Ob Cancanf. Mas vimos que Ar um titulo de preeminncia e pode ser tambm usado isoladamente como acontece no Op Afonj.

    Ar e Cancanf eram pois altos dignitrios na crte de Alafim de Oi, onde ocupavam cargos especficos na organizao militar do imprio.

    O nome do terceiro Ob, Arolu, ser talvez derivado de um antigo titulo da sociedade dos Ogboni(67), Aro, mais i l i i , cidade.

    Verger d: "Arolu (aro, titulo honorfico, eleito, assemblia)." (68). Parece entretanto a primeira hiptese mais de acordo com o esprito ou O estilo da formao de ttulos em iorub.(")

    (66) Johnson, ob. cit., pp. 74-5. As palas de "Papagaio da Costa", chamadas na Bahia de "icodid" ou "codid", so usadas em certos momentos das cerimnias de iniciao, quando so geralmente prsas testa do ne6fito. Existem vrias hist6rias queas sociam o icodid. ao orix Oxal. U m a delas o tema do livro de Deoschredes M. dos Santos, Porque Oxal usa Ekodid6. Bahia., Edies Cavaleim da Lua, 1966. Abraham dZt: "ode=odide=odidere (od odid, odider), parrot": ikoode (cod) "red parroto-fea. tliers". O "Papagaio da Costa" - como conhecido na Bahia - 6 uma ave cr-de-cinza e cauda vermelha, encontrado na Ahica Ocidental, da famlia dos Psitacideos, Psitacuir erithacus. "Plumage a11 grey with paler grey rump, scarlet tail and under tal-coverts ...O. D. A. Bannerman, Larger Birds of West Africa, Londres, Penguim, Aicain Series, 1958, p. 121. O icodid , importado airida hoje da Africa e alcanp nos mercados especializados da Rahia altos p re l s ; da certos pais-de-santo menos ortodoxos na obser- r4ncia do ri:iial usarem penas de pombo tinturadas de vermelho em lugar das verda- deiras penas de "papagaio da Costa".

    (67) A sociedade semeta dos Ogboni uma associaqo inicitica de grande -pene- trao entre os iorubs. Os Ogboni centram sua idealogia no culto da Terra e exercem uma enorme influncia poltica entre os iorubs, de vez que seus membros so os conselheiros e dignatrios dos Obs. Na verdade, como diz S. O . Biobaku, " . . . The Ogboni constituted at once the civic murt, the town council, and the electoral college for the selection of the Oha from candidatm nominated by the ruling houses. By keepinp; their proceedings secret and binding their members by blood oaths, the Ogboni ensured solidarity for their decisions". The Egba and their Neighbours 1842-1872, Oxford Clarendon Press, 1957, pp. 5-6. Sbre a ideologia, simbolismo e ritual; interditos e sanes tlcs D ~ h o n i , ver P. Morton-Williams. (19N). que estuda a Sociedade partindo do inodklo de 0%. No Brasil, ao tempo das revoltas de escravos no sculo XIX, hi evidn- cia de remanescentes dos Ogboni h frente de organizaes libertarias entre os escravos nags. Sbre o assunto, ver Clovis Moura, Rebelies da Senzala, So Pau1.0, Edies Zumbi, 1959, pp. 145-51. A somedade dos Ogboni encerra uma complexa e bem estra- tificada hierarquia de olois. Arolu era precisamente um desses titulos.

    (68) Apud Bastide, 1961, p. 64. Verger menciona ai as variantes da lista de Marti- niano do Bonfim, nos nomes e na polaridade.

    comum a prefixa(.o no iorub para f m a o de nomes e ttulos; p. ex., "a me da cidade"; de iya, mXe e ilu, cidade = lyalu. Vale lembrar que ste psto conhecido na Bahia associado ao culto de If. A Ialorix Olga de Ians, Oi Funmi. tlo antigo Candomble do Alaqueto, no Matatu de Brotas em Salvador, possui tambm o titulo d,e Iali 1f. Durante o IV Colquio Luso-Brasileiro, os scus participantes

  • O sexto Ob Cancanf, que j vimos acima ser o ttulo do Chefe do Exrcito entre os iorubs. De Cancanf, Johnson ainda diz: "Kan- kanfos are generally very stubborn and obstinate. They have a11 been more or less troublesome, due it is supposed to the effect of the ingre- dients ~ h e y were inoculated t-ith. In war, they carry no weapon but a baton known as the "King's invincible staff7'(75). O Ob Cancanf re- monta sua ascendncia "a gente de Ibad", por sua linha paterna. Vale referir aos ttulos conhecidos eiti Ibad no como de sua histria como cidade no primeiro quartel do sculo XIX: "Are-Ona -Kakanfo, Osi Ka- fanfo, Asipa Kakanfo, Ekerin Kakanfo, Ekarun, Kakanfo, Ekefa Kakan- fo. . . " mencionados pelo Chefe J. B. AKINYELE (76).

    Anaxocum um dos Baba Oba, isto , um dos "pais do Rei", como se diz em iorub; Johnson escreve, tratando das cerimnias preparatrias para a coroao do Alafim: "The nominators are three titled membres of the Royal family, viz. the Ona-Isokun, the On-Aka, and the Omo- Ola, uncles or cousins of the King, but generally entitled the "King's fathers"(77). Adiante esclarece Johnson a funo dos "pais do Rei": "To them it appertains to advice, admonish, or instruct the King, especially when he comes to the throne at a very early age, and as such lacks the experience indispensable for the due performance of his all-important duty . The titles are hereditary"(78).

    na casa de Anoxocum, que, ainda segundo Johnson, parece o mais importante dos 3 Baba Obn, que o novo Alafim deve dormir sua primeira noite depois de sua eleio para o trono, e os sacrifcios, prticas divina- trias e propiciatriar, devem tambm ali ser realizados (79).

    O segundo Ob da esquerda Are. Are era o chefe de Iresa (Ire) e vassalo como os outros reis de iorub e prncipes reinantes da regio do Alafim; Ires o nome de duas cidades, uma a leste e outra a

    celebram ritos para o esprito do Ob desaparecido. Outra, uma semana depois da pri- meira, e que possui um valor simb6lico cuja anlise no cabe no esprito dessas notas: consta de um jantar a que todos os Obs presentes em Salvador devem comparecer. Nesse jantar, s OS Obs sentam-se a mesa, onde comem e bebem sob as vistas da lalorix da Casa, que preside. assim, refeio ritual. A comida e a bebida - quali- dade e quantidade - so determinadas pelo Santo da Casa. Findo o jantar, o Ob mais antigo presente, nessa ocasio o Obi Ar, ergue-se co.m os outros Obs e profere uma orao em lngua iorubi, com que evoca o Xang da Casa, suas bnos e proteqo para todos os filiados do Ax e sua Ialorix. Os Obas ento comeyam a se a b r a p r uns aos outros, da direita para a esquerda, a partir do Ob Ar, at que o ltimo Ob, esquerda, por sua vez o abrace, "fechando a correnhe".

    (75) Johnson, ob. cit., p. 74. (76) The Oullines of Ibadan Histoiy, Lagos, Alebiosu Printing, 1946, p. 6 . (77) Johnson, ob. cit., p. 42. (78) Johnson, ob. cit., p. 68. (79) Jollnson, ob. cit., p. 68: "The Ona Isokun seems to be the most responsible of

    the three. We have scop that the king elected is to sleep in his house the first night after his tlection, as the formal cal1 to the throne comes from him. Lustrations, devinations, and propitiations for the nav King are done in his hmse".

  • sudeste de Ogbomox. Abraham explica a formago do ttulo, tratando do prefixo A em iorub, numa de suas mltiplas funes gramaticais: (a) - (this prefix is used before the names ot certain towns to denote che Chief of such a town). X - (I) Ajer the Chief of Ijer. (11) Akir the Chief of Ikir. . . (VI) Aresa the Chief of Ires. . . ". Johnson coloca o .4resa entre os Chefes metropolitanos ou da provncia metropolitana de Oi6. (Ekun Osi). "The following are the kinglings in the Oyo provinces.

    I - In the Ekzln Osi or metropolitan province: - The Onikoyi of Ikoyi; Olugbon of Ighun: Aresa or Iresa; the Ompetu of Ijeru; Olofa of Ofa",(80).

    O terceiro Ob da esquerda, Elerim. Evoca a figura do Chefe de uma cidade iorub que fica ao sul de Of, de nome Erin. "The Chief is styled Eleerin", escreve Abraham.

    O quarto e o quinto Obs da esquerda, respectivamente Onico e Olugbom, evocam ambos, como vimos acima, os primeiros chefes das pro- vncias metropolitanas de Oi.

    Johnson, depois de se referir a todos os reis vassalos do Alafim de Oi, escreve: "01 these vassal kings the Onikoyi, Olugbon, the Aresa and the Timi are the most ancient". E comenta: "Since the wave oi Fulani invasion swept away the first three, those titles exist only in name. The Onikoyi has a quarter at Ibadan, tke bulk of the Ikoyi people being at Ogbomoso, the familv is still extant and title kept up". Em nota 5 p- gina, o editor do livro de Johnson, seu irmo 0 . Johnson diz: "The town has been rebuilt and the Onikoyi returned heme in 1906"(81).

    Os Chefes representantes das famlias citadas, entretanto, nessa fase de reintegrao ou de setrno s suas cidades ancestrais, ficam subordi- nados ao Chefe da cidade, seja le um Bal ou um Ob. Assim, completa ainda Johnson, "the Olugbon at Oqbomoso is subject to the Bale of Ogbo- raioso, the Aresa to the lting or Emir uf Ilorin . "(82).

    Por ltimo, na ordem dos Obs da esquerda, o Ob Xorum. O nome dsse Ob apresenta um interessante fato 1ingUstico.

    O ttulo iorub de Busorz~m (Eaxorum) correspondia em Oi ao cargo de Primeiro Ministro. Abraham: "In Oyo, ehe Basorun (Prime Minister) as leader oF the Council of State (Oyo Misi) could, at any time, send a tyrannical AIAfin a gilt of parrot's eggs signifying an order, nearly always obeyed, that a Ruler should destroy himself".

    Era o Baxorum assim um poderoso personagem na organizao ?o- ltica do Reino. Era le alm disso, por suas funes tambCm religiosas,

    (80) Johnson, ob. cit., p. 76. No livro mencionado, na nota 62, de Bakare Gbada- mosi entre os virios oriki de cidades iorubs, encontramos: "Ekun rere oriki ile Onikoyz" e "Oriki Iresn".

    (81) Johnson, ob. cit., p. 76. (82) Johnson, oh. cit., p. 76-7. Cf. Verger apud Bastide (1961, p. 6 3 ) . "Ar+ssa,

    rei de Irssa, vassalo de Onikoyi e portanto do Alafin.. . Olugbn, rei de Igbon, vassalo de Onikoyi, portanto do Alafin".

  • que, no festival anual de Orun partia o obi (89, para consultar as divin- dades se elas aceitaram os sacrifcios feitos pelo Alafim, no festival de Ber (Ber). O poder do Basorun era enorme e numa indicao do novo Alafim, era le quem decidia finalmente, se o candidato indicado pelos "pais do Rei" era ou no aceitvel. J vimos acima, quando tratamos do Rei Abiodum, como era poderoso um Basorun em Oi6 de nome G e de como Abiodum dle afinal se descartou.

    Abraham, d Basorun como vindo de Ob osorun = Iba Osorun = Osrun, Prime Minister to the Alfin.. .". O posto, por sua impor- tncia, teria que ser lembrado pelos descendentes dos iorubs no Brasil. A transcrio de Ob Xorum est perfeitamente dentro do estilo das trans- literaes do iorub nos candombls. E coincidentemente, a etimologia do Basorun dada por Abraham na Nigria, corresponde recriao do ttu- lo no Op Afonj. Seria, entretanto, o nome primitivo do Ob Oxorum? Isto daria sem dvida maior seguranqa interpretao lingstica, mas de nenhum modo a forma abreviada Ob Xorum est fra do estilo das abreviaes correntes no iorub. Abraham, partindo de oba (Rei, Chefe, em iorub) esclarece: " (The following words are derived from the word Oba): (a) -Ba'l (Oba + it). (b) - Ba'l (Oba + il). (c) - Iba (d) - Basrun (Oba + osrun). . . ." (A primeira palavra se deve ler Bal e a segunda Bal).

    Uma palavra ainda sbre a lista de Martiniano do Bonfim. L est, entre os Obs da esquerda, o nome de "Ek", a que Verger, citado por Bastide, ope uma interrogao nos seus comentrios: "Ek?"(a). O nome no conhecido em So Gonalo como pertencente categoria dos Obs. Seria entretanto alusivo ao Ob de Lagos, cidade que em iorub cha- m,ada precisamente de Eko (Eco). Resta saber porque Martiniano for- neceu essa lista na sua comunicao ao Congresso Afro-Brasileiro. Teria le modificado, posteriormente alguns dos nomes dos Obs, completando com outros que lhe pareceram mais importantes - o Ob Xorum, por exemplo, o Tel, o Odofim, na ordenao final dos Obs de So Gonalo?

    (83) Uma das prticas divinat6rias usuais entre os iorubs e diariamente usada nos candombls da Bahia. para a consulta catidiana ao Santo da Casa. O Obi a semente da rvore Cola acuminata, Schot & Endl., Esterculeacia. N& casdombls da Bahia, conhecem-se duas qualidades de obis: o banj (do iorubi gbanja), e o abat (do iorubi abata), este iiltimo tambm chamado de "Obi verdadeiro" ou "Obi da Costa", por oposio ao primeiro chamado de "obi nacional". O bani possui dois coti- idones, e usado em prticas religiosas restritas; o obi abat, de quatro cotildones. usado na prtica divinatbna e da posi%o em que caem suas quatro partes - para cima ou para baixo - que se manifesta a resposta do orix. Lydia Cabrera descreve longamente o processo divinat6no por m i o do obi, em Cuba, nas comunidades de o r i ~ e m iorub-nag no seu excflente livro E1 Monte, Havana. Ediciones C . R., 1954. Sobre os aspectos botnicos dessa impcrrtan~te semente - bem como do orob, tambm indispensivel ao culto de Xang. que 6 a Gutfera Gurcinia Kola, Heckel, ver: J . M. Dalziel, The Useful Plants of West Tropical Africa, Londres, The Crown Agenits for the Colonies, 1937.

    (a) Bastide, 1961, p. 63. Cf. Abraham: "Eko yi soro ye (Ec6 i xof i&), this Yoruba spoken in Lagos is hard to understand".

  • No esquecer que o Congresso a que o Babala Martiniano apresentou sua comunicao se realizou no mesmo ano em que os Obs foram entro- nizados, em 1937. possvel que, instado pelos organizadores para apre- sentar uma comunicayo, Martiniano tenha fornecido uma lista que veio a rever, mais tarde, na definitiva organizao das duas falanges dos Obs.

    Como quer que tenha sido, os Obs de So Gonalo evocam, com seus ttulos, os mitos e a histria de um povo que tanto contribuiu para a formaco tnica e cultural do Brasil.

    Acreditamos ter fornecido, com essas notas, os elementos etnogrficos bsicos para um ensaio de interpretao sociolgica das relaes intra- grupais numa associdc;o religiosa afro-brasileira. Em outro artigo a sair no prximo nmero dessa revista analisaremos as relaes de um grupo religioso em nossa sociedade de classes; sua estrutura scio-econmica; a mobilidade social e hierrquica de seus membros e seu mecanismo de liderana.

    T H E OBS OF SHANGO'S T h e study deals with an "inclusive group" within a relzgious Afro-

    Braxilian association in Bahia, the candombl of "Ax d o Op Afonj", in So Gonallo do Retiro. T h e Obs group was founded thirty yars ago by the former "priestess" of the House with the aim of serving as spi- ritual and material base to the strz~cture of the House. T h e Obs were at first 12, such a nurnber being allusive to the Shango's categorzes, the Tlzunder and Lightni,ag god known in the Yoruba-Nao "nation" of Bahia. T h e Writer introduces the group, its znstitution within a wider associa- tion; the recruitment procedure of the first 12 title-holders among the members of the Afro-Brazilian community i n Bahia. Nex t , it examines the polarity of the group, divided into tzuo phalanxes, six on the right side wi th an executive function and six on the left side with an oniy, advisory function designatzng the ritual and syrnbolic connotations of that polarity.

    T h e article still deals with the Ob's function over the major groz~p within which the Obd's is inserted, their spiritual, ritual and financia1 responsibilities towards the Terreiro. (Terreiro is the generic name for the Afro-Brazilian religious associations, otherwise known as candombls) T h e adrnission procedure or recruitment is also rnentioned as well as the substitution of the dead or rerniss Obs. Finally an ethnic-linguistic ana- lysis of the O b a ~ names is done in a cross-cultural study with the Yoruba native patterns which served as model to the honorific designations made u p i n Rahia.

    LES " O B A S V E SH.INGO

    L'article se rapporte u n "groupe inclusif" duns une association re- ligfeuse afro-brsilienne Bahia, le candombl de I'Ax do Op Afonj,

  • ic So Gonalo do Retzro. L e groupe des Obs a t cr i1 y a trente uns par l'amienne 'ialorlx" d u Terreiro - avec le but de semir de base spirituelle et matrieile lu structure de lu Maison. Les Obs taient primitivement 12, une chiffre allusive aux types de Shangos orisha d u tonnerre et de lu foudre - connus par la nation iorub-nago a Bahia. L'Auteur prsente le groupe; son institution dans une association plus vaste; Ee procs de recrutement des 12 premiers dignitaires parmi les membres de la communaut afro-brsilienne Bahia. I1 examine en- suite la polarit d u groupe, divis en deux phalanges, six a droite avec une fonction excutive et six gauche avec une fonction seulement con- sultative, en signalant les implications rituelles et qmbol iques de cette polarit. L'article se rupporte aussi lu fonction des Obs duns le groupe majeur auquel celzci des Obs est attach, leur responsabilits spiri- tuelles, rituelles et financikres envers le Terreiro. (Terreiro - est le n o m gnrique qui ont les associations religieuses afro-brsiliennes mieux con- nues par candombls). L e procs d'admssion ou de recrutement est aussi mentionn duns le groupe et celui de la substitution des Obs morts o u omis. Enfin, il prsente une analyse ethno-linguistique sur les noms des O b h dans une tude comparative avec les modles originaires iorubds qu i ont sewi Bexemple aux denominations honorifiques constitues ci Bahia.

    OBRAS CITADAS

    ABRAHAM, R . C. 1958. Dictionay of Modern Yoruba. Londres. University of Lond