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#130 EDIÇÃO CHEGAMOS AO ANTROPOCENO A IDADE RECENTE DO HOMEM NOSSO CÉU TEM MUITAS LUAS 170 satélites já foram descobertos no Sistema Solar FUMAR, UM PRAZER QUE MATA História de um vício mortal que virou droga de Estado QUADRICÓPTEROS O assombroso poder atlético dos robôs voadores OÁSIS

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#130

Edição

Chegamos ao aNTRoPoCeNo

A idAdE rEcEntE do homEm

NOSSO CÉU TEM MUITAS LUAS170 satélites já foram descobertos no Sistema Solar

FUMAR, UM PRAZER QUE MATAhistória de um vício mortal que virou droga de Estado

QUADRICÓPTEROSo assombroso poder atlético dos robôs voadores

Oásis

2/49OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

“Os cientistas que defendem O cOnceitO de antrOpOcenO cOnsideram que a influência humana nO funciOnamentO e na própria

transfOrmaçãO da aparência física dO planeta é tãO significativa a pOntO de justificar uma nOva

era geOlógica”

U ma das discussões científicas mais interessantes e importantes do momento que estamos vivendo tem como tema o surgimento de uma nova era: o antro-

poceno. não se trata de uma nova era no sentido místico ou esotérico, mas sim uma nova era que se encaixa dentro do mais claro pragmatismo da ciência. Para resumir: o antropoce-no é um novo tempo geológico, no qual a humanidade estaria exercendo uma força de modificação no planeta que seria equivalente ao que foram as forças geológicas na história da terra.

o conceito de um antropoceno significa também uma tomada de consciência de que estamos alterando as condições de vida do planeta em uma velocidade absurdamente rápida, caso le-vemos em consideração que a presença do homem enquanto espécie é relativamente recente.a expressão antropoceno significa o período mais recente na

OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

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história do planeta terra (antropo, em grego, significa homem e ceno significa novo). o termo foi criado pelo Premio nobel de química Paul Crutzen. Esse cientista, como tantos outros, considera que a influência humana no funcionamento e na pró-pria transformação da aparência física do planeta é tão signifi-cativa a ponto de justificar uma nova era geológica.

o importante a ser assinalado no conceito do antropoce-no é que ele traz uma nova era de responsabilidades, o que certamente é um marco divisor na história da humanidade. Se outras sociedades humanas provocaram impactos a ponto de comprometer a sua própria sobrevivência, como demonstram estudos antropológicos recentes, hoje o que está em jogo é a própria condição de sobrevivência da humanidade e a sua ca-pacidade de formular respostas para esse novo momento.o antropoceno e suas implicações é o tema de nossa matéria de capa, assinada pelo jornalista Eduardo araia.

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CIê

NC

IA

Chegamos ao ANTROPOCENO

A idade recente do homem

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e a história geológica da Terra fosse condensada nas 24 horas de um dia, o homem moderno só surgiria quando faltas-sem três segundos para

a meia-noite. À primeira vista seria um obscuro coadjuvante numa movimenta-da trama de mais de 4,5 bilhões de anos. Mas esse modesto personagem revolu-cionou o seu roteiro: sobreviveu a glacia-ções, espalhou-se da África para outros continentes, tomou conta do mundo e interferiu em praticamente todos os ecos-sistemas.

Sua influência hoje é tamanha que já se

discute se o Homo sapiens merece uma época geológica só para si, o Antropo-ceno - a “idade recente do homem”. Se confirmada, a era dos impactos huma-nos poria o antropoide de 200 mil anos numa dimensão geofísica comparável à dos asteroides que dizimaram a vida terrestre ou à dos supervulcões cujas erupções cobriram de nuvens os céus do planeta.

Este é um debate que promete render. De um lado há cientistas mais conser-vadores, para quem o homem, por mais impactantes que sejam os seus feitos, não passa de uma poeira cósmica que ainda não deixou marca registrada no solo terrestre, aquela que, daqui a mi-lhares ou milhões de anos, permitiria a um geólogo alienígena concluir, sem sombra de dúvida, que nossa raça habi-tou este planeta.

Do outro lado, há um contingente apre-ciável de acadêmicos preocupados com o futuro e com a rapidez das transfor-mações do planeta, que não se importam em rever conceitos. Muitos estratígrafos - geólogos especializados no estudo da formação e disposição dos terrenos es-tratificados (aqueles que se apresentam em camadas sucessivas) - têm demons

SO ser humano deixa marcas cada vez maiores na terra. mas será que isso o torna um agente geológico como os asteroides que colidiram com o planeta ou os vulcões que recobriram os céus de nuvens?

Por Eduardo araia

a minEração intEnsiva, como nEsta foto do garimPo dE sErra PElada, Produz cicatrizEs

Profundas na “EPidErmE” do PlanEta.

trado abertura para o tema. Um dos mais destaca-dos é o inglês Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester, para quem, se o termo já é usado por ge-ólogos e ecologistas, merece ter uma definição acei-ta.

Fração de Segundo

A história geológica da Terra se estende por 4,5 bi-lhões de anos e quatro grandes divisões, ou éons: Hadeano, Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico (o atual). Cada éon subdivide-se em eras. O éon Fane-rozoico (com 543 milhões de anos) tem três: Pale-ozoico (A), Mesozoico (B) e Cenozoico (C). As eras são divididas em períodos. A atual era Cenozoica (65 milhões de anos), tem dois: o Paleogeno (D) e o Neogeno (E). Os períodos, por sua vez, dividem-se em épocas. O nosso período Neogeno (de 23 mi-lhões de anos) possui quatro épocas, por enquanto: o Mioceno, o Plioceno, o Pleistoceno e o Holoceno (iniciado há 12 mil anos). O Antropoceno - a idade recente do homem - seria uma quinta época. Ape-nas um ponto na linha do tempo.

“O Antropoceno é significativo em muitos níveis”, afirma Zalasiewicz. “Em termos geológicos, ele re-presenta a propagação global de fenômenos que não haviam sido vistos antes na história de 4,5 bi-lhões de anos do planeta, e cujos efeitos, em muitos casos, vão durar milhões de anos. O conceito reflete a interação de nossa própria espécie com o planeta e nos permite considerar as consequências de nos-sas ações coletivas no contexto do ‘tempo profundo’

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os métodos modErnos dE agricultura intEnsiva dEstroEm as florEstas E matas nativas E altEram totalmEntE a PaisagEm.

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Em comParação às Eras gEológicas antEriorEs, o antroPocEno é rEcEntíssimo

da história da Terra. Por isso, pode tornar-se um fator importante das tentativas socioeconômicas, legais, políticas e filosóficas para controlar coletiva-mente o nosso impacto no planeta.”

“O conceito do Antropoceno reflete a interação de nossa própria espécie com o planeta e nos permite considerar as consequências de nossas ações coleti-vas no contexto do ‘tempo profundo’ da história da Terra”, diz ainda Jan Zalasiewicz.

Zalasiewicz começou a ser atraído para o assunto ao perceber a disseminação que a palavra Antropoceno

ganha, rapidamente, no meio acadêmico. Em 2007, quando presidia a Comissão de Estratigrafia da So-ciedade Geológica de Londres, ele perguntou a 22 colegas presentes num encontro sua opinião sobre o termo. O resultado não deixou dúvidas: 21 consi-deraram o conceito válido.

Evidências colhidas

Cientistas reunidos em um encontro na Sociedade Geológica de Londres, em maio passado, compi-laram indicadores que tornam plausível a ideia de uma “idade do homem”:

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o tráfEgo aérEo mundial é rEPrEsEntado PElas linhas luminosas no maPa mundi. à dirEita, ilustração do dodô, avE gigantE quE habitava a ocEania E quE foi Extinta PEla mão do homEm

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a intErvEnção maciça do homEm na naturEza PodErá PrEciPitar o surgimEnto dE uma nova Era glacial

Paisagem alterada. De acordo com o geógrafo Erle Ellis, da Universidade de Maryland (EUA), a huma-nidade já remodelou mais de 75% da superfície do planeta. As áreas de natureza intocada correspon-dem a apenas 23%. O restante engloba terras culti-váveis, lugares povoados e áreas industriais.

Mudança climática. A interferência humana no cli-ma vai alterar a terra, os mares e a atmosfera por milhares de anos, segundo o climatologista austra-liano Will Steffens. Isso vai acarretar uma acidifi-cação de longo prazo dos oceanos por conta do dió-xido de carbono, a qual terá impacto duradouro na formação de rochas no leito marinho.Solos transformados. Represas, mineração, erosão e urbanização já alteraram os solos de forma substan-cial, diz o geólogo norte-americano James Syvitski, da Universidade do Colorado em Boulder. A retenção de vastas quantidades de sedimentos em represas, por exemplo, diminui a sedimentação em regiões litorâneas.

Mudanças biológicas. O homem está abrindo cami-nho para uma ampla extinção de espécies ao des-truir florestas e contribuir para o aquecimento glo-bal. Também está criando novas formas de vida, na agricultura e na biotecnologia. A agricultura e os meios de transporte levam organismos antes res-tritos a determinadas regiões para outros cantos do mundo. Tudo isso será perceptível para os geólogos do futuro a partir dos fósseis de nossa época.Zalasiewicz comanda hoje o Grupo de Trabalho do Antropoceno na Comissão Internacional de Estrati

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incêndios E quEimadas Provocados PElo homEm dEstroEm EdEsfiguram a PaisagEm

grafia (ICS, na sigla em inglês), cuja missão é ava-liar se a época proposta possui de fato méritos para fazer parte da cronologia geológica. O grupo reú-ne “uma ampla diversidade de cientistas e pessoas que atuam em humanidades”, diz o geólogo, e está reunindo evidências para apresentar à comissão. A decisão final sairá das conclusões dos membros da ICS e do organismo que o abriga, a União Interna-cional de Ciências Geológicas.“Antes eu pensava no começo da Revolução Indus-trial como o marco inicial do Antropoceno. Mas es-tou começando a inclinar-me para o estabelecimen-to desse marco na Segunda Guerra Mundial”, opina o químico Paul Crutzen.

Embora alguns jornais e revistas importantes te-nham indicado o 34º Congresso Internacional de Geologia (ICG, na sigla em inglês), em agosto de 2012, em Brisbane, na Austrália, como um marco decisivo no debate, os cientistas advertem para não se esperar novidades importantes sobre o tema na ocasião. Os geólogos são uma comunidade cautelo-sa de cientistas, compreensivelmente recalcitrante para reconhecer como mudança consolidada algo que, em termos geológicos, ainda está na incubado-ra.

Para alguns cientistas, o Antropoceno ainda nem começou. Em termos estratigráficos, ele só ficaria mais patente nas próximas décadas, com o aumento considerável no nível do mar, por exemplo. “Bris-bane é prematuro para nós”, avalia Zalasiewicz.

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minEração intEnsiva dE carvão nos Estados unidos

“Temos o objetivo de montar uma proposta para a ICG seguinte, no prazo de cinco anos. Fazer altera-ções na Escala de Tempo Geológico é um processo lento e cuidadoso, devido ao papel fundamental da Escala de Tempo para a geologia. O Antropoceno é, em muitos aspectos, uma questão mais complexa do que a consideração de intervalos anteriores do tem-po geológico.”Seja qual for o resultado do processo, é inegável que o termo já entrou para o glossário científico. Cunhado na década de 1980 pelo biólogo norte-

-americano Eugene Stoermer, o conceito começou a ser popularizado em 2000 pelo químico holandês Paul Crutzen. Vencedor do prêmio Nobel de 1995, pela descoberta dos efeitos danosos de compostos na camada de ozônio, Crutzen assistia a um sim-pósio no México no qual seu presidente referia-se várias vezes à presente época geológica, o Holoce-no, iniciada há cerca de 12 mil anos, com o fim da última glaciação. Incomodado com a recorrência no uso do termo, o químico não resistiu e pediu a pa-lavra: “Precisamos parar com essa história. O Holo-ceno já ficou para trás. Agora estamos no Antropo-ceno!”

No intervalo para o café sua intervenção já era o assunto mais comentado, sinal de que a ideia res-soava no meio científico. Em 2002, o holandês de-senvolveu o conceito em um artigo publicado na revista científica Nature e com isso pesquisadores de diversas disciplinas passaram a utilizá-lo. Não demorou muito para a palavra se tornar comum em órgãos de divulgação científica.

Uma vez que se aceite o Antropoceno como época geológica, é necessário definir quando o período começou. Ao divulgar o termo, Crutzen pensava inicialmente no início da Revolução Industrial, em meados do século 18, quando os níveis de gás car-bônico começaram a se acumular na atmosfera, uma alteração confirmada por amostras de núcleos de gelo. A maioria das pessoas que usa a palavra adota esse ponto de vista, mas o próprio Crutzen está revendo a ideia. “Estou começando a inclinar

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todos os continEntEs Estão hojE sulcados PElas Estradas construídas PEla mão do homEm

-me para o estabelecimento do marco na Segunda Guerra Mundial”, o início da era nuclear”.

Para o paleoclimatologista norte-americano William Ruddiman, da Universidade da Virgínia, o começo do período deveria ser estabelecido bem antes: no início do Holoceno. Ele lembra que a agricultura se disseminou há cerca de 8 mil anos, desflorestando várias regiões do planeta, gerando um incremento de gás carbônico na atmosfera capaz de evitar uma nova idade do gelo. Outros cientistas consideram que o Antropoceno deveria ser datado em meados do século 20, quando se iniciou uma acelerada expansão do crescimento demográfico e do consumo dos recursos naturais.As indefinições não impedem que a expressão se espalhe. Alguns cientistas e pensadores veem nela uma es-pécie de sinal de arrogância da raça, reveladora do fato de que “possuímos” a Terra e a estamos exau-rindo - um exemplo da hybris (soberba) da mitolo-gia grega, cuja punição divina era fazer o pecador voltar aos limites que havia transgredido. No geral, a palavra Antropoceno é usada como um imenso si-nal amarelo no que se refere aos impactos humanos sobre nossa morada planetária. Crutzen já declarou que esperava que a disseminação do termo fosse “um alerta para o mundo”.

“Inauguramos uma guerra total contra Gaia”, diz o teólogo Leonardo Boff. “Ela precisa de um ano e meio para repor o que o ser humano lhe rouba num ano. Se não contivermos esse movimento, ele pode

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rá nos levar a um caminho sem retorno, numa Terra devastada, coberta de cadáveres e com parca vitali-dade. Nessa guerra, não temos chance de ganhar. A Terra não precisa de nós; nós, sim, precisamos da Terra. Ela pode continuar sem nós até que surja um ser complexo capaz de suportar a consciência, o es-pírito e a inteligência.”

Recentemente, a revista Nature defendeu em edi-torial a adoção do termo Antropoceno como uma oportunidade para fazer os seres humanos reformu-larem seu papel na Terra: “O conceito encorajaria uma atitude mental que será importante não apenas para entender por completo a transformação que está ocorrendo agora, mas para agir a fim de con-trolá-la.”

Zalasiewicz e Crutzen salientam que a validação formal dos geólogos teria o poder de ajudar a in-tegrar as discussões sobre o papel da humanidade nas várias disciplinas científicas. Essa nova pos-tura, permeada por uma consciência ética sobre o convívio com o planeta, pode resultar na reformu-lação necessária. Trata-se, no entanto, de uma ta-refa indigesta, politicamente complicada, que exige mudanças nos modos de produção e consumo cujas dificuldades aumentam ainda mais em tempos de crise econômica como a atual.

“Os princípios de responsabilidade e de cuidado são axiais para um novo rumo civilizatório global”, observa Boff. “Mas essa consciência ainda não che-gou aos tomadores de consciência. Talvez só chegue

quando se realizar o que Hegel prognosticou: ‘O ser humano aprende da história que não aprende nada da história; mas aprende tudo do sofrimento.’ Quando a crise global atingir a pele de todos, todos darão o máximo de si para salvar-se, porque esse é o instinto de vida, mais forte do que o instinto de morte.“Gaia precisa de um ano e meio para repor o que o homem lhe rouba num ano. Se não contivermos esse movimento, ela poderá nos levar a um cami-nho sem volta. Nessa guerra, não temos chance de ganhar”, completa Leonardo Boff.

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AS

TR

ONOSSO CÉU TEM MUITAS LUAS170 satélites já foram descobertos no Sistema Solar

no alto dE io, satélitE dE júPitEr, aParEcE o PEnacho dE um vulcão Em EruPção

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ituado no alto do vulcão Mauna Kea, no Havaí, o observatório espacial Keck conseguiu uma fa-çanha raríssima: fotografar uma erupção vulcânica... extraterres-tre! Com efeito, a 15 de agosto último, as câmeras fotográficas

do Keck conseguiram registrar a imagem de um imponente lançamento de lava na superfície de Io, um dos satélites de Jú-piter e que é, sem dúvida, a lua mais irre-quieta de todo o Sistema Solar.Por causa das forças gravitacionais pro-duzidas pelas interações de Io com Jú-piter, Europa e Ganimedes (outros dois

grandes satélites do planeta gigante), essa lua é geologicamente muito instá-vel. Em sua superfície existem muitos vulcões que eruptam continuamente.

A recente erupção de agosto último aconteceu numa região chamada Rarog Patera (uma formação geológica similar a uma cratera), e lançou rocha fundida a uma altura de centenas de quilôme-tros, interessando uma área de 31 quilô-metros quadrados. Trata-se de um dos eventos vulcânicos mais impressionan-tes jamais observados em um corpo ce-leste.

Até agora, a erupção mais imponente de Io fora documentada em 2001, quando o mesmo observatório Keck fotografou um rio de lava que – acredita-se – se espalhou por centenas de quilômetros quadrados na superfície do satélite. Em 2007, a sonda New Horizons, que se di-rige a Plutão, captou imagens de gran-des penachos de lava e fumaça prove-nientes de um vulcão chamado Tvashtar.A Terra já foi como IoComo Io possui uma atmosfera muito rarefeita e uma aceleração gravitacional muito baixa, suas erupções vulcânicas se elevam a alturas muito maiores do que as erupções dos vulcões terrestres. São,

Sio, ganimedes, europa, jepeto são apenas algumas das luas existentes no nosso sistema estelar. elas começam a ser estudadas em profundidade, revelando detalhes surpreendentes

Por: EquiPE oásis

também, muito mais potentes: uma única dessas erupções pode liberar 5 terawatt de energia (um relâmpago terrestre gera em média 1 terawatt, mas dura apenas 30 mi-crossegundos.

Segundo especialistas, Io nos restitui, apesar de todas as diferenças, uma ima-gem bastante clara de como era o vulca-nismo terrestre nas fases iniciais do pla-neta: por isso é tão importante estudá-lo. O Sistema Solar possui muitas luasAs 170 luas até hoje descobertas em nosso Sistema Solar constituem alguns dos luga-res mais inóspitos da inteira galáxia. Pos-suem temperaturas próximas a 200 graus centígrados negativos, são muitas vezes recobertas de gelo ou por imensos oceanos de hidrocarbonetos, e algumas, como Io, são sacudidas por contínuos terremotos e erupções vulcânicas. Apesar disso, pelo menos na teoria, em alguns desses corpos celestes poderiam existir condições ade-quadas para o surgimento da vida.

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os satélitEs dE júPitEr: da EsquErda, ganimEdEs, callisto, io E EuroPa

ao fundo, nEtuno aParEcE com sua tíPica cor azulada. Em PrimEiro Plano, sEusatélitE tritão

1 Io, satélite de Jupiter

Gêiseres de enxofre, níveis altíssimos de radiações e erupções vulcânicas contínu-as: é o que acontece a cada dia na super-fície de Io, um dos principais satélites de Júpiter. A superfície de Io é pontilhada de enormes lagos de lava incandescente que podem chegar a 200 quilômetros de comprimento. É sem dúvida um dos cor-pos celestes com maior atividade eruptiva: os jatos de gás e poeira produzidos pelos seus vulcões podem criar colunas de 500 quilômetros de altura. Todos esses fenô-menos são causados pela enorme força gravitacional de Júpiter, em torno do qual Io gravita numa órbita elíptica. Isso signi-fica que a atração entre o planeta e o seu satélite aumenta e diminui constantemen-te, com as mudanças na distância que os separa. As rochas de Io são, dessa forma, submetidas a uma contínua dilatação e compressão que provoca nelas um supera-quecimento. São essas altas temperaturas que dão vida à intensa atividade eruptiva do satélite.

© foto: NASA/JPL

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2 Io e seu vulcão

A foto mostra um dos famosos fenômenos vulcânicos de Io. Foi tirada em 1979 pela sonda Voyager 1, de passagem nas pro-ximidades do satélite. Quando tirou essa foto, a sonda se encontrava praticamente na sua mínima distância da lua de Júpi-ter: cerca de 490 mil quilômetros.

Um enorme penacho de material incan-descente (alto cerca 160 quilômetros) é lançado contra o céu negro do espaço. Na Terra, explosões do gênero são ali-mentadas por gases que se desprendem do magma e se expandem atirando a lava para o alto: entre esses gases encontra-se também vapor de água. Já que Io, ao con-trário da Terra, é muito árida e não apre-senta traços de água, os cientistas estão tentando compreender quais gases ali-mentam as suas enormes erupções.

NASA Planetary Photojournal

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3 Io, um contínuo dar e sugar gases

Essa lua de Júpiter possui uma atmosfera sutil continuamente depredada por ga-ses (sobretudo dióxido de enxofre) pro-duzidos pelas radiações da magnetosfera de Júpiter. As atividades vulcânicas que acontecem na sua superfície contribuem, ao contrário, para a reconstituição dessa atmosfera (na foto, outro retrato de Io re-alizado pela sonda Voyager 1).

NASA/JPL

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4 Io e Júpiter

Ao girar sobre seu eixo, Júpiter arranca, com a força do seu campo magnético, qua-se uma tonelada de material gasoso da at-mosfera de Io por segundo: esse material, ionizado pelo campo magnético do plane-ta, forma ao redor de Júpiter uma nuvem de radiações muito intensas, chamada “to-róide de plasma”. Alguns íons desse “anel” são empurrados na atmosfera jupiteriana ao longo das linhas de força do seu campo magnético, dando origem a espetaculares auroras nas imediações dos polos do pla-neta. Na foto, Io nas proximidades do he-misfério sul de Júpiter.

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5 Jepeto, a lua bicolor de Saturno

Metade negro, metade branco, com uma estranha forma “amassada” tanto na re-gião dos polos quanto na região do equa-dor: trata-se de Jepeto, uma das luas de Saturno. O material escuro forma um es-trato com a espessura de cerca um metro e se encontra depositado no hemisfério do satélite voltado para o espaço sideral: trata-se, provavelmente, de detritos re-colhidos por Jepeto no seu movimento ao redor de Saturno. Não existem atualmen-te explicações convincentes a respeito da estranha forma desse satélite, composto de gelo (80%) e de apenas 20% de mate-rial rochoso. Segundo as hipóteses mais prováveis, quando era muito jovem, Jepe-to começou a derreter e a rodar sobre si mesmo em alta velocidade. Essa teoria no entanto conflita com a forma de “crista de galo” da linha equatorial, alta até 20 qui-lômetros, que permanece um mistério.

© foto: NASA/JPL/Space Science Institu-te

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6 Europa, lua de Júpiter

Apesar da espessa camada de gelo que a recobre, Europa, uma das luas de Júpiter é, junto a Io, Enceladus e Tritão um dos corpos celestes vulcanicamente mais ati-vos de todo o Sistema Solar. O coração de Europa é constantemente solicitado pelas imensas forças gravitacionais de Júpiter que agem sobre as suas rochas, aquecen-do-as até o ponto de fusão. Segundo al-gumas teorias ainda não completamente verificadas, o calor gerado por essa ativi-dade vulcânica seria intenso a ponto de manter em estado líquido todo um ocea-no de água localizado abaixo da crosta de gelo que recobre o satélite. Poderiam exis-tir em Europa condições adequadas para o surgimento da vida? Alguns cientistas chegaram a lançar a hipótese da existên-cia de ventos que poderiam trazer, da face escura dessa lua, substâncias nutritivas capazes de alimentar microrganismos pri-mordiais. Para encontrarmos traços da sua existência, no entanto, teríamos de desembarcar em Europa, perfurar a espes-sa camada de gelo e recolher amostras de água.

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7 Enceladus, lua de Saturno

Viver na superfície de Enceladus, uma das luas de Saturno, não deve ser nada fácil. No polo Sul desse satélite uma imensa série de gêiseres expele constantemen-te vapores e cristais de gelo que caem em seguida na forma de flocos de neve. Tam-bém em Enceladus a atividade vulcânica é de tipo gravitacional e os cientistas con-cordam em que, no transcorrer do tempo (centenas de milhões de anos) a órbita de Enceladus tenha mudado muitas vezes sua forma e trajetória, expondo esse corpo ce-leste a profundas mutações climáticas.

© foto: NASA

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8 Pan e Atlas, luas atípicas

No imaginário coletivo as luas são todas redondas e lisas. Mas Pan e Atlas, dois pe-quenos satélites de Saturno, constituem a exceção que confirma a regra. Ambos têm apenas algumas dezenas de quilômetros e uma estranha forma oblonga, irregular, cuja origem ainda é um mistério. Segundo uma das teorias mais prováveis, sua órbi-ta é tão próxima aos anéis de Saturno que eles conseguem recolher parte do material gelado proveniente desses aneis. Na foto, uma imagem de Pan, visível no interior do anel A de Saturno.

© foto: NASA/JPL/Space Science Institu-te

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9 Nossa amada Lua

Segundo algumas teorias, devemos nossa existência à Lua: parece, com efeito, que 4,5 bilhões de anos atrás, ocorreu a vio-lenta colisão de um pequeno protoplaneta com a Terra. Esse choque produziu uma nuvem de detritos e rochas vaporizadas que pouco a pouco foram se juntando e se condensando até formar a Lua como hoje nós a conhecemos. Esse antigo cataclis-ma teve o mérito de estabilizar a inversão dos eixos terrestres e os desastres climáti-cos que eles geravam, criando na Terra as condições para a vida.Em 1986, o astrônomo J. Duncan Waldron descobriu um corpo celeste que foi consi-derado uma segunda lua da terra. Trata-se de Cruithne, um asteroide com diâmetro de cerca 5 quilômetros que circula ao re-dor do Sol em perfeita ressonância com a Terra: ele possui um período de revolução exatamente igual ao terrestre, e isso faz com que suas passagens nas imediações do nosso planeta sejam perfeitamente previsíveis.

© foto: NASA/JPL/Space Science Institu-te

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10 Ganimedes, lua gigante de Júpiter

Com seus 5270 quilômetros de diâmetro, Ganimedes é o maior satélite do nosso Sistema Solar. Observado pela primeira vez por Galileu em 1610 com o uso de uma luneta, esse corpo celeste confirmou de modo definitivo as teorias heliocêntricas do astrônomo florentino. Maior que Mer-cúrio e três vezes maior que a nossa Lua, Ganimedes possui um campo magnético tão intenso a ponto de fazer pensar que, no seu núcleo, ele possua um coração de metal líquido. Segundo as mais recentes observações, ele poderia ter um oceano de água líquida encerrado sob uma crosta de gelo de cerca 200 quilômetros de espessu-ra.

foto © NASA

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11 Titão parece uma pequena Terra

Titão é uma das luas de Saturno e, num exame superficial, é incrivelmente se-melhante à Terra: possui lagos (mas de hidrocarbonetos), possui colinas e mon-tanhas (mas de gelo), possui extensões desérticas (de nitratos) e inclusive névoa e chuva (ácida). É uma pena que sua distân-cia do Sol nunca permite que sua tempe-ratura seja superior a 180 graus negativos. Segundo as últimas pesquisas, seus lagos e chuvas são constituídos em 80% de me-tano, propano e acetileno. No entanto, na superfície desse satélite aparentemente inóspito, a vida poderia prosperar.

© foto: NASA

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12 Caronte, a lua do planeta-anão

Caronte, um dos satélites de Plutão, pode-rá ser promovido. Ele responde a todos os requisitos propostos em 2006 pela União Astronômica Internacional para ser classi-ficado como planeta. Com efeito, Caronte possui uma massa suficiente para que a força de gravidade lhe confira uma forma quase esférica, e ele circula ao redor do Sol. Caronte e Plutão na verdade circulam ambos ao redor de um mesmo centro que, por sua vez, circula ao redor do Sol. Se essa definição fosse aceita, Caronte, que é maior que seu planeta-mãe, seria pro-movido a planeta e os dois corpos celestes formariam um sistema binário. Nesta ima-gem, tirada em 2005 pelo telescópio espa-cial Hubble, Plutão é visível ao centro, e Caronte logo depois à direita; em segundo plano estão Nix e Hidra, os outros dois sa-télites de Plutão.

© foto NASA, ESA, H. Weaver (JHU/APL), A. Stern (SwRI), and the HST Pluto Companion Search Team

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13 Nereida, satélite de Netuno

Nereida é um dos satélites de Netuno. Di-ferente das outras luas presentes no nosso Sistema Solar, que circulam suavemente ao redor do próprio planeta, Nereida gira vertiginosamente ao longo de uma das órbitas mais irregulares observáveis com os nossos instrumentos. Segundo uma te-oria hoje aceita pela maioria dos astrôno-mos, em épocas passadas Nereida poderia ter sido um cometa ou um asteroide que ficou prisioneiro do campo gravitacional de Plutão. A sua composição, no entanto, é totalmente diferente daquela dos outros corpos celestes provenientes do Cinturão de Kuiper: uma zona externa ao Sistema Solar da qual provêm quase todos os co-metas e os asteroides conhecidos. Nerei-da, portanto, poderia vir de muito, muito mais longe... Talvez até de outro sistema estelar.

© foto: NASA

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33/49OáSIS . drogaS

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Og

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FUMAR, UM PRAZER QUE MATAHistória de um vício mortal que virou droga de Estado

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fumo, no início das civiliza-ções humanas, não era um objeto de consumo de massa, e sim um produto sagrado cujo uso era exclusivo dos sacerdotes. Os xamãs dos

maias e dos astecas, ao redor do ano mil, sopravam a fumaça do tabaco em dire-ção ao Sol e aos quatro pontos cardeais para se comunicarem com as divindades. A pequena nuvem de fumaça, “imaterial” como poderia ser um espírito, era um im-portante instrumento religioso. Até hoje,

pajés indígenas e médiuns da umbanda e do candomblé lançam mão da fumaça do tabaco para rituais de cura e de puri-ficação espiritual.O fumo do tabaco foi descrito pela pri-meira vez já na época da descoberta da América por cronistas como Bartolomeu de las Casas. Participante da segunda viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, ele narra que o uso do tabaco era costumeiro entre os indígenas Taino (população pré-colombiana que habi-tava o atual Santo Domingo): “Os indí-genas misturam o próprio sopro com o fumo de uma erva chamada pentum (ou tobago) e sopram como danados”. Anos depois, o governador espanhol de Santo Domingo, Dom Fernando Oviedo, acres-centa: “Entre as muitas artes satânicas que praticam, os indígenas possuem uma altamente nefasta, a aspiração do fumo de folhas que eles chamam tabaco e que produz neles um profundo estado de inconsciência”. A função do fumo do tabaco entre os na-tivos americanos era, portanto, e clara-mente, a de provocar um estado alterado de consciência, o que ocorria quando a fumaça era aspirada com força e em grande quantidade. O tabaco na época era também cheirado na forma de

OOnde teve início o hábito de fumar, uma “mania letal” segundo as advertências da Organização mundial da saúde e dos médicos de todo o planeta? a história do cigarro tem a ver sobretudo com religião e dinheiro: O tabaco sempre foi um instrumento religioso, até virar fonte de lucros milionáriosPor: EquiPE oásis

pó, para os usos mais variados, sobretu-do para a cura de moléstias (acreditava-se que ele tinha poderes curativos) ou então misturado com cinzas e usado como goma de mascar. Até hoje é usado dessa forma pelos índios ianomâmis no Brasil, com efeitos aparentemente positivos no equi-líbrio do ph no interior da boca e também para a saúde dos dentes (como revela um estudo feito por pesquisadores da univer-sidade de Turim, Itália). Já os indígenas das planícies da América do Norte fuma-vam o cachimbo, mas apenas por ocasião de importantes cerimônias espirituais ou durante as reuniões dos conselhos de an-ciãos.

Recreação para marinheiros e soldadosProveniente das Américas, o tabaco fez sua entrada triunfal na Europa levado pe-los marinheiros de Cristovão Colombo. Em 1560, um embaixador português na França, Jean Nicot, promoveu o tabaco como planta medicinal (vem dele o nome do princípio ativo dessa planta, a nico-tina) Rapidamente, no entanto, o tabaco tornou-se matéria prima para consumo recreativo primeiro entre os marinheiros e soldados europeus. Isso não significa que na Europa e na Ásia ninguém tinha nunca fumado nada antes da descoberta do taba-co americano. Simplesmente, fumavam-se outras coisas.

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Os persas, a antiga população ariana do atual Irã, bem como os citas, antigo povo da Mesopotâmia, utilizavam sementes de maconha (Cannabis sativa), chamada ma-rijuana na Europa. Como conta o historia-dor grego Heródoto: “Eles se metiam sob uma espécie de tenda bem fechada, feita de várias camadas de cobertas, e atiravam as sementes sobre pedras incandescentes; as sementes queimavam produzindo um fumo que nenhum vapor grego poderia superar. Os citas gritavam de alegria...” O motivo, é fácil de imaginar: inalando fu-maça da cannabis, iam às alturas... Os sumérios, muito antes deles, utiliza-vam o ópio em cerimônias particulares, sob a forma de tintura e pequenas bolas para serem ingeridas; muito provavel-mente também o fumavam. O uso do ópio no Extremo Oriente, e do hashish (um parente asiático da maconha) no Médio Oriente tornaram-se muito difundidos já nos séculos da Idade Média. O primeiro se transformou depois numa praga social na China colonial onde, na primeira metade do século 19, estourou a terrível Guerra do Ópio.

A invenção do cigarro

Mas como aconteceu o processo de trans

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formação do tabaco de substância sacra e curativa da antiguidade a droga veneno-sa dos nossos dias? Foi tudo questão de lucro comercial. Já no século 17, os ingle-ses começaram a comercializar o fumo do tabaco e com ele a obter grandes lucros. No início, seus consumidores eram os sol-dados e marinheiros. Mas rapidamente a droga caiu no agrado dos intelectuais de todos os tipos, que o consumiam sobretu-do na forma de charutos ou de fumo para cachimbo. Escritores, poetas e pintores, ao fumar ostensivamente, queriam contes-tar os rígidos costumes comportamentais da época. Entraram em cena inclusive al-gumas mulheres tabagistas, que fundaram na Inglaterra a Ordem da Tabacaria.Pintores como Adriaen Brower difundi-ram a imagem do fumante de cachimbo e Sebastian Bach compôs uma obra em ho-menagem ao fumante. Na sociedade bur-guesa abastada da Europa os convidados se retiravam após o jantar para uma sala e usavam uma veste fornecida pelo dono da casa. O nome dessa roupa era smoking; quando voltavam para a sala de jantar, os convidados voltavam a vestir suas pró-prias vestes, que não cheiravam a taba-co. Assim fazendo, não incomodavam os demais hóspedes. Mas ainda se fumava apenas charutos e cachimbos. A “peste do fumo”, que se espalhou sem limite pelo mundo todo, começou num dia de 1832,

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quando soldados muçulmanos turcos que assediavam a cidade de São João do Acre, na Palestina, experimentaram enfiar taba-co nos cilindros de papel nos quais se con-servava a pólvora, e os acenderam para fumar. Estava assim inventado o cigarro, e lançado o vírus da pandemia do fumo. Da Turquia à Grã Bretanha, da França à Alemanha, as máquinas da Revolução In-dustrial puseram-se a confeccionar mi-lhões e milhões de cigarros. Nessa época conturbada, cheia de conflitos bélicos, o terreno era o mais adequado para uma evolução: um pouco pelos efeitos tônicos da nicotina e um pouco pela antiga mís-tica relacionada aos dotes mágico-espi-rituais do tabaco, o cigarro passou a ser considerado uma espécie de doping para os soldados que combatiam nos frontes de batalha. Curiosamente, o tabaco também passou a ser preconizado aos sacerdotes cristãos como antídoto às tentações de tipo sexual.

Poder para criar dependência

Durante a guerra civil norte-americana, o uso surgiu primeiro entre os soldados confederados, depois também entre os combatentes da União. Apareceu na época um tipo de cigarro confeccionado com ta-baco mais claro, selecionado para a indús

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tria dos cigarros que, no final da Guerra de Secessão, espalhou-se em toda a par-te. O sabor dessa nova variedade era mais suave e seu cheiro mais agradável. Seu poder para criar dependência, no entan-to, era muitas vezes superior ao do tabaco praticamente selvagem até então cultiva-do.

Em 1880, finalmente, foi inventada uma tecnologia de fabricação capaz de garantir preços baixos para a produção em grande quantidade de cigarros. A publicidade fez o resto ao aconselhar, por exemplo, o uso de cigarros “para se manter a linha”, em vez de consumir doces e caramelos. Nos filmes, quase sempre, os atores apareciam segurando com elegância cigarros acesos entre os dedos, ou dando longas bafora-das, com expressão sonhadora no olhar.

Tudo pensado e feito para dar exemplo e arregimentar novos consumidores. No fi-nal da Segunda Guerra Mundial, os paco-tes de cigarro que os soldados americanos recebiam grátis substituíam o dinheiro nas transações no mercado negro. O ci-garro tornou-se a seguir um dos produtos mais amados (e protegidos) dos governos pela gigantesca renda que passaram a re-presentar graças aos impostos de consu-mo embutidos no seu preço. Nos anos cin-quenta e sessenta do século passado,

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com a desculpa do estilo realista, atores, cantores e escritores apareciam em toda a parte, cinemas, teatros, restaurantes, com o cigarro entre os dedos. Os cigarros ti-nham definitivamente transformado o uso sagrado e extemporâneo do tabaco em um vício quotidiano de massa. E numa droga de Estado.

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O assombroso poder atlético dos QUADRICÓPTEROS

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uma série de demonstrações re-alizadas durante a conferência que proferiu em junho último no TEDGlobal, Raffaello D’Andrea, um visionário de sistemas autôno-mos, exibiu drones que podem agarrar, equilibrar e tomar de-cisões juntos. Observe, no vídeo, a apresentação “quero isto agora” de quads controlados com o Ki-

nect.

O especialista suíço em robótica Raffaello D’Andrea explora as possibilidades da tec-nologia autônoma colaborando com artistas, arquitetos e engenheiros. D’Andrea combina conhecimentos acadêmicos, artísticos para transformar sistemas autônomos em produtos

Nem um laboratório de robôs no tedglobal, raffaello d’andrea demonstra seus quadricópteros voadores: robôs que podem pensar como atletas, resolvendo problemas de física com algoritmos que os auxiliam a aprender

vídEo: tEdglobal

de mercado. Ele é professor do Swiss Federal Institute of Technology, na área de dinâmica e controle de sistemas. Com sua equipe, já criou trabalhos como o robô auto-destruidor, a cadeira robótica que constrói a si mesma, e já conseguiu que drones quadricópteros construíssem, tijolo a tijolo, uma torre de 6 metros de altura.

Tradução integral da palestra de Raffaello D’Andrea sobre quadricópteros

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“Bem, o que significa para uma máquina ser atlética? De-monstraremos o conceito de atletismo da máquina e a pesquisa para alcançá-lo com o auxílio destas máquinas voadoras, chamadas quadricópteros, ou, na abreviação, ‘quads’.Os ‘quads’ têm estado por aí durante um longo tempo. A razão por que eles são tão populares hoje é que são meca-nicamente simples. Controlando as velocidades destes qua-tro propulsores, estas máquinas podem rolar, arfar, guinar e acelerar junto com uma orientação comum. A bordo, há também uma bateria, um computador, vários sensores e rádios sem fio.Os ‘quads’ são extremamente ágeis, mas essa agilidade tem um custo. Eles são inerentemente instáveis e precisam de alguma forma de controle automático de retroalimentação para que sejam capazes de voar.Então, como ele fez isso? Câmeras no teto e um laptop atu-am como um sistema interno de posicionamento global. É usado para localizar, no espaço, objetos que têm estes marcadores refletivos neles. Esses dados são enviados para outro laptop que está calculando estimativas e algoritmos de controle, e, por sua vez, envia comandos para o ‘quad’, que também está calculando estimativas e algoritmos de controle. O foco de nossa pesquisa são os algoritmos. É a mágica que dá vida para estas máquinas.Então, como alguém projeta os algoritmos que criam a má-quina atleta? Usamos algo amplamente chamado de pro-jeto baseado no modelo. Primeiro capturamos a física com um modelo matemático de como as máquinas se compor-tam. A seguir, usamos um ramo da matemática chamado teoria do controle para analisar esses modelos e também para sintetizar algoritmos para controlá-las. Por exemplo, é assim que podemos fazer o ‘quad’ pairar. Primeiro cap-

turamos a dinâmica com um conjunto de equações diferenciais. Então, trabalhamos essas equações com o auxílio da teoria do controle para criar algoritmos que estabilizam o ‘quad’.Permitam-me demonstrar o poder desta abordagem. Suponha que queiramos que este ‘quad’ não só pai-re mas também equilibre esta haste. Com um pouco de prática, é bem simples para um ser humano fazer isso, mesmo porque temos a vantagem de ter dois pés no chão e usar nossas mãos muito versáteis. Fica um pouquinho mais difícil quando eu tenho só um pé no chão e quando não uso minhas mãos. Note que esta haste tem um marcador refletivo no topo, o que signi-fica que ela pode ser localizada no espaço.Vocês podem observar que este ‘quad’ está fazen-do ajustes mínimos para manter a haste equilibra-da. Como projetamos os algoritmos para fazer isso? Acrescentamos o modelo matemático da haste ao do

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‘quad’. Quando temos um modelo do sistema combinado da haste e do ‘quad’, podemos usar a teoria do controle para criar algoritmos para controlá-lo.Aqui, você vê que ele está estável, e, mesmo que haja pequenos deslocamentos, ele volta para a posição de equilíbrio.Podemos também aumentar o modelo para incluir onde queremos que o ‘quad’ esteja no espaço. Usando este pon-teiro, feito de marcadores refletivos, posso apontar para onde quero que o ‘quad’ esteja no espaço, a uma distância fixa de mim. A chave para estas manobras acrobáticas são os algoritmos, projetados com a ajuda de modelos matemá-ticos e teoria do controle. Vamos dizer ao ‘quad’ que volte aqui e deixe a haste cair, e, a seguir, demonstrarei a im-portância de entender modelos físicos e o funcionamento do mundo físico. Observem como o ‘quad’ perdeu altitude

quando coloquei este copo de água nele.Diferente da haste equilibrada, não incluí o modelo matemático do copo no sistema. De fato, o sistema nem mesmo sabe que o copo de água está lá. Como antes, eu posso usar o ponteiro para dizer ao ‘quad’ onde quero que ele esteja no espaço.Ok, vocês devem estar se perguntando: por que a água não cai do copo? Dois fatores: o primeiro é que a gravidade age em todos os objetos da mesma manei-ra. O segundo é que os propulsores estão todos apon-tando para a mesma direção que o copo, apontando para cima. Você coloca essas duas coisas juntas, o resultado líquido é que todas as forças laterais no copo são pequenas e estão dominadas principalmente pelos efeitos aerodinâmicos, que nestas velocidades são insignificantes. E é por isso que você não precisa modelar o copo. Ele naturalmente não derrama, não importa o que o ‘quad’ faça.A lição aqui é que algumas tarefas de alto desempe-nho são mais fáceis que outras, e entender a física do problema mostra quais são fáceis e quais são difí-ceis. Neste exemplo, carregar um copo de água é fácil. Equilibrar uma haste é difícil.Todos nós ouvimos histórias de atletas executan-do proezas quando estão fisicamente machucados. Uma máquina também pode manter o desempenho com dano físico extremo?A sabedoria convencional diz que você precisa de, no mínimo, quatro motores propulsores para voar, porque há quatro graus de liberdade para controlar: rolagem, arfagem, guinada e aceleração. Hexacópteros e octocópteros, com seis e oito propulsores, podem oferecer redundância, mas quadricópteros são muito mais populares porque têm

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o número mínimo de motores propulsores fixos: quatro. Têm mesmo? Se analisarmos o modelo matemático desta máquina com apenas dois propulsores funcionando, des-cobriremos que há uma forma não convencional de fazê-la voar. Abandonamos o controle da guinada, mas rolagem, arfagem e aceleração ainda podem ser controladas com algoritmos que exploram essa nova configuração. Os mode-los matemáticos nos dizem exatamente quando e por que isso é possível. Neste exemplo, este conhecimento nos per-mite projetar novas arquiteturas da máquina ou projetar algoritmos espertos que sutilmente lidam com o dano, exa-tamente como os atletas humanos fazem, em vez de cons-truir máquinas com redundância.Não conseguimos deixar de prender a respiração quando vemos um mergulhador dar saltos mortais rumo à água, ou quando o saltador está girando no ar, o chão se aproximan-do rápido. O nadador conseguirá fazer uma boa entrada na água? O saltador cairá em pé? Suponha que queiramos que este ‘quad’ aqui dê três voltas e termine no exato local em que estava. Esta manobra vai acontecer tão rapidamente que não dá para usar ‘feedback’ para corrigir o movimento durante a execução. Simplesmente não há tempo bastante. Assim, o que o ‘quad’ pode fazer é realizar a manobra ce-gamente, observe como ele finaliza a manobra, e então usa essa informação para modificar seu comportamento para que a próxima volta seja melhor. Parecido com o nadador e o saltador, é apenas através da prática repetida que a ma-nobra pode ser aprendida e executada no mais alto padrão.Bater numa bola em movimento é uma habilidade necessá-ria em muitos esportes. Como fazemos uma máquina de-sempenhar o que um atleta faz aparentemente sem esfor-ço?Este ‘quad’ tem uma raquete presa em seu topo com um

ponto ideal do tamanho de uma maçã, portanto não muito grande. Os cálculos a seguir são feitos a cada 20 milissegundos,ou 50 vezes por segundo. Primeiro descobrimos aonde a bola está indo. Então, a seguir, calculamos como o ‘quad’ deve atingir a bola para que ela volte para onde ela foi atirada.Terceiro, é calcula-da uma trajetória que leve o ‘quad’ de seu ponto atual até o ponto de impacto com a bola. Quatro, executa-mos somente 20 milissegundos dessa estratégia. 20 milissegundos mais tarde, todo o processo é repetido até que o ‘quad’ atinja a bola.As máquinas podem realizar manobras dinâmicas não apenas sozinhas mas também coletivamente. Estes três ‘quads’ estão carregando em conjunto uma rede.Eles realizam uma manobra extremamente dinâmica e em conjunto para lançar a bola de volta para mim. Observem que, com a rede completamente estendida,

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estes ‘quads’ estão na vertical. De fato, quando completa-mente estendida, isso é cerca de cinco vezes maior do que a sensação de um ‘bungee jump’ no final do salto.Os algoritmos para fazer isto são muito semelhantes ao que um único ‘quad’ usaria para mandar a bola de volta para mim. Modelos matemáticos são usados para replanejar continuamente uma estratégia conjunta 50 vezes por se-gundo.Tudo que vimos até agora foi sobre as máquinas e suas ca-pacidades. O que acontece quando emparelhamos o atletis-mo desta máquina com aquele do ser humano? O que te-nho diante de mim é um sensor de movimentos comercial, usado principalmente em jogos. Ele pode reconhecer o que várias partes do meu corpo estão fazendo em tempo real. Parecido com o ponteiro que usei antes, podemos usar isso para enviar informações ao sistema.Agora temos uma for-ma natural de interagir com o atletismo destes ‘quads’ com meus movimentos.A interação não tem que ser virtual. Ela pode ser física. Veja este ‘quad’, por exemplo. Está tentando permanecer em um ponto fixo no espaço. Se tento tirá-lo do caminho, ele compete comigo, e se move de volta para onde quer es-tar. Entretanto, podemos modificar esse comportamento. Podemos usar modelos matemáticos para estimar a força que estou aplicando no ‘quad’. Quando conhecemos essa força, podemos também mudar as leis da física, no que toca ao ‘quad’, claro. Aqui o ‘quad’ está se comportando como se estivessem num fluido viscoso.Agora temos uma maneira familiar de interagir com uma máquina. Vou usar essa nova capacidade para posicionar este ‘quad’, que carrega uma câmera, no local adequado para filmar o restante desta demonstração.Assim podemos interagir fisicamente com estes ‘quads’ e

podemos alterar as leis da física.Vamos nos divertir um pouquinho com isto. Para o que verão a seguir, estes ‘quads’ inicialmente vão se comportar como se estivessem em Plutão. À medida que o tempo passa, a gravidade será aumentada até que estejamos de volta ao planeta Terra, mas asseguro que não chegaremos lá. Ok, lá vai. Ufa! Agora estão todos pensando: esses caras estão se divertindo demais, e também, provavelmente, es-tão se perguntando: exatamente por que estão cons-truindo máquinas atletas? Alguns presumem que o papel dos jogos no mundo animal é aprimorar habili-dades e desenvolver capacidades. Outros acham que tem mais a ver com o papel social, que são usados para unir o grupo. De forma similar, usamos a analo-gia dos esportes e do atletismo para criar novos algo-ritmos para máquinas a fim de levá-las ao limite. Que impacto terá a velocidade das máquinas em nosso modo de vida? Como todas nossas criações e inova-ções passadas, elas podem ser usadas para melhorar a condição humana ou podem ser mal usadas ou se tor-nar abusos. Esta não é uma escolha técnica que en-frentamos; é uma escolha social. Façamos a escolha certa, a escolha que traga o melhor no futuro das má-quinas, exatamente como, nos esportes, o atletismo pode revelar o melhor em nós.Permitam-me apresentar os magos atrás da cortina verde. Eles são os membros atuais da equipe de pes-quisa Flying Machine Arena. (Aplausos) Federico Au-gugliaro, Dario Brescianini, Markus Hehn, Sergei Lu-pashin, Mark Muller e Robin Ritz. Olho neles. Estão destinados a grandes coisas. Obrigado.”

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