o voo das Águias

Download O Voo Das Águias

If you can't read please download the document

Upload: david-rodrigues

Post on 28-Aug-2015

233 views

Category:

Documents


8 download

DESCRIPTION

livro

TRANSCRIPT

O VOO DAS GUIAS JACK HIGGINSO alemo Max von Halder e o americano Harry Kelso so irmos gmeos que as circunstncias da vida separaram na infncia. Quando, durante a 11 Guerra Mundial, um deles se alista na Luftwaffe e o outro entra ao servio da RAF, o seu destino enfrentarem-se como inimigos. Para complicar as coisas, vem-se envolvidos num plano que pode alterar o curso da guerra, e as decises que tm de tomar afectam a sua famlia, as suas lealdades e, em ltima anlise, as suas prprias vidas.Uma guerra pode travar-se em campos de batalha muito diversos. Nos cus negros sobre o canal da Mancha, dois extraordinrios pilotos- irmos gmeos ao servio de potncias inimigas - conseguem evitar-se um ao outro durante algum tempo. Mas o seu destino encontrarem-se. E o conflito final e mais importante ' o que se trava no mais Intimo dos seus coraes.CANAL DA MANCHA19971QUANDO FICMOS sem motor de estibordo, percebi que estvamos com problemas, mas tambm a viagem fora azarada desde o comeo.A minha mulher, Denise, e eu estvamos na nossa casa em Jersey, nas ilhas do Canal, quando recebemos uma mensagem por telefone informando-nos de que um grande produtor de Hollywood estava bastante interessado em adaptar um dos meus livros ao cinema. Por isso, tnhamos de ir a Inglaterra, passando rapidamente pela nossa casa, em Chichester, a caminho de Londres. Telefonei para a firma de txis areos que costumava utilizar, mas s me conseguiram arranjar um Cessna 310 da Bretanha e um piloto j entradote chamado Dupont. J que no tinha escolha, marquei o voo, pois o boletim meteorolgico no era bom e ns tnhamos pressa. Sentei-me atrs, mas o 310 tinha comandos duplos, e a minha mulher, piloto experiente, decidiu ocupar o lugar da direita frente. Graas a Deus que o fez.O canal da Mancha caracterizado por nevoeiros incrivelmente repentinos, que encobrem tudo num instante, e foi exactamente isso que aconteceu naquela manh. Descolar de Jersey foi fcil, mas passados dez minutos a ilha desapareceu no nevoeiro. Rummos costa sul de Inglaterra, a Southampton. Dupont tinha perto de sessenta anos pelo aspecto, cabelo grisalho e algum peso a mais. Ao observ-lo a manobrar o avio, reparei que tinha a cara coberta de suor.Denise colocara os auscultadores, e, a certa altura, Dupont comeou a conversar com o controlador de trfego areo.- Nevoeiro cerrado l em baixo informou a minha mulher, virando-se para mim. - Southampton est fora de questo. Vamos tentar Bournemouth, mas as probabilidades so poucas.Tendo evitado a morte no Exrcito, aprendi a viver a vida como ela se me oferece. Sorri, confiante nas capacidades da minha mulher, procurei a meia garrafa de champanhe que atenciosamente haviam colocado no compartimento do bar e deitei um pouco num copo de plstico.Foi exactamente nesse instante que o motor de estibordo parou. Por uma ansiosa fraco de segundo, viu-se uma coluna de fumo preto, que depois desapareceu.Dupont enervou-se, debatendo-se com os comandos, fazendo ajustes freneticamente, mas em vo. Comemos a descer. Em pnico, ele gritou em francs para o controlador areo, mas a minha mulher fez-lhe sinal e assumiu o comando com uma calma e doce sensatez.- Temos combustvel para talvez uma hora - informou. - Tem alguma sugesto?A voz do controlador areo foi igualmente calma:- A Cornualha a melhor hiptese. O nevoeiro l no est to cerrado como aqui. Cold Harbour, um pequeno porto piscatrio. H l uma velha pista de aterragem da RAF da Segunda Guerra Mundial. Abandonada, mas utilizvel. Vou transmitir os vossos dados a todos os servios de socorro. Boa sorte.Vomos a trs mil ps durante os vinte minutos que se seguiram. O nevoeiro rodopiava nossa volta e depois comeou a chover a potes. Dupont ficou mais agitado que nunca e suava as estopinhas. Falava de vez em quando, mas novamente em francs. O avio comeou a abanar com a trovoada que rebentou por cima de ns.Denise falou pelo rdio, muito controlada, dando pormenores.- Possvel Mayday. Tentativa de aterragem em Cold Harbour. Havia muita esttica, que depois desapareceu, ecoando uma voz forte e precisa:- Instituto de Socorros a Nufragos de Cold Harbour. Daqui, Zec Acland. No h hiptese de aterrar aqui, rapariga. No se v um palmo frente do nariz.Para Dupont foi a ltima gota. Gemeu subitamente, teve uma convulso e a cabea tombou-lhe para o lado. O avio comeou a descer, descontrolado, mas Denise tornou os comandos e acabou por nivel-lo.Inclinei-me para a frente para verificar a pulsao no pescoo do piloto.Tem pulso, mas fraco. Parece um ataque cardaco. Tira o colete salva-vidas de baixo do banco dele e pe-lho -disse ela, ainda calma. - Depois, faz tu o mesmo. - Ligou o piloto automtico enquanto vestia o seu prprio colete.Eu tratei de Dupont e enfiei-me no meu.- Vamos ao banho?- No temos muita escolha. - Denise retomou o controle manual. Tentei fazer-me engraado, uma fraqueza pessoal.- Mas estamos em Maro. A gua est demasiado fria para mim.- Cala-te, sim? Isto a srio - disse ela enquanto descamos. -Cold Harbour, vou ter de amarar. Parece que o piloto teve um ataque cardaco.A voz forte novamente:- Sabe o que est a fazer, rapariga?- Pode crer. H mais um passageiro.- O salva-vidas de Cold Harbour j est no mar, e eu estou a bordo. D-me a posio com a maior exactido possvel.Felizmente, o avio estava equipado com o sistema de posicionamento global por satlite, que ela leu.- Vou descer imediatamente - acrescentou.- Caramba, voc corajosa, rapariga! Ns vamos busc-la, no se aflija.Denise reduziu a velocidade e descemos. Observei o altmetro. Mil ps, depois quinhentos. No se via nada, e subitamente, aos duzentos ps, abriu-se o nevoeiro. Via-se o mar l em baixo, e ela poisou contra ovento. Naqueles breves instantes, acho que Denise se comportou verdadeiramente como um piloto de excepo. Embatemos e ricochetemos sobre as ondas at pararmos. O choque foi considervel, mas ela nem esperou para abrir a porta da cabina.- Tr-lo contigo - gritou, saindo para a asa. Soltei o cinto de Dupont, depois empurrei-o de cabea pela porta. Ela agarrou-o, deslizou pela asa para a gua e puxou-o atrs de si. Com o avio a afundar-se, deixei-me tambm escorregar para a asa, mas Denise gritou:- Oh, no! Tarquin est l dentro! Isto requer uma pequena explicao. Tarquin era um urso, mas um urso especial. Quando o encontrmos numa prateleira numa loja de antiguidades em Brighton, usava um capacete de piloto de cabedal, botas de piloto e um macaco azul de piloto do Royal Flying Corps, da 1 Guerra Mundial, assim como o emblema da Royal Air Force, da11 Guerra Mundial. Tinha uni ar enigmtico, o que, segundo o vendedor, no era para admirar, pois havia participado na Batalha de Inglaterra com um piloto de caas. Era uma histria romntica, mas parecia verdadeira, pois ele tinha o aspecto de um urso viajado e aventureiro. Seja como for, acabou por se tornar na mascote de Denise. De modo algum poderamos abandon-lo.Alcancei o puxador da porta traseira, abri-a e tirei Tarquin.- Anda l, meu velho, vamos ao banho. Ah, mas estava fria, como cido a corroer os ossos, e o frio, eu sabia-o, que era o assassino. No se sobrevive muito tempo no canal da Mancha. Agarrei-me a Dupont e a Tarquin, e Denise agarrou-se a mim.- Grande amaragem - disse. - Muito impressionante.- Vamos morrer? - interrogou Denise, engasgando-se com a gua do mar.- Acho que no - disse. - Olha para trs. E foi o que ela fez, vendo um salva-vidas a emergir do nevoeiro como um fantasma. A tripulao encontrava-se na amurada com oleados amarelos. Um homem velho, de cabelo grisalho e barba, destacou-se, e quando falou, tinha a mesma voz forte que ouvramos no rdio: Zec Acland.- Caramba, conseguiu mesmo, rapariga.- o que parece - exclamou Denise. Iaram-nos para dentro do barco, e a aconteceu uma coisa estranhssima: Acland olhou para o urso ensopado nos meus braos com cara de espanto.- Deus do cu, Tarquin. Onde o encontrou?DENISE E Eu estvamos sentados num banco da cabina, enrolados em cobertores e a beber ch de um termo, enquanto dois membros da tripulao ajoelhados tratavam de Dupont no cho, colocando-lhe umamscara de oxignio. Zec Acland encontrava-se sentado no banco nossa frente.Entrou um homem, uma verso mais jovem de Acland.- Este o meu filho, Simeon - disse Zec. - Mestre deste barco, o Lady Carter.- Est um helicptero da Marinha a aterrar neste momento em Cold Harbour. Leva-vos civilizao em menos de nada - disse Simeon.Olhei de relance para Denise, que fez uma careta, por isso eu disse:- Para ser sincero, foi um dia e tanto. H alguma hiptese de passarmos c a noite?Simeon riu-se.72O VOO DAS GUIAS- Bem, aqui o meu pai o estalajadeiro do Enforcado. Normalmente, tem um ou dois quartos disponveis. - Voltou-se e viu o urso ensopado ao lado do pai. - O que isso?- Tarquin - disse Zec Acland. Simeon fez uma expresso estranha.- Quer dizer que ... ento no estava a mentir. Durante todos estes anos, pensei que o pai tinha inventado tudo. - Agarrou em Tarquin, que pingava. - Est encharcado.- No te preocupes - disse Zec Acland. - J se molhou outras vezes.Era tudo muito intrigante, e eu estava prestes a pedir esclarecimentos quando rondmos o promontrio e vimos um molhe na baa mais adiante. O Lady Carter desacelerou na aproximao ao molhe e os motores pararam. Logo de seguida, ouviu-se um sbito fragor, e Simeon disse:- Deve ser o helicptero. melhor lev-lo para cima. Levaram Dupont numa maca, e ns fomos atrs deles.O PUB O Enforcado tinha janelas de vidrinhos e estrutura de madeira vista. Zec entrou nossa frente, e atrs do balco do bar encontrava-se uma mulher de aspecto maternal que respondeu ao nome de Betsy e imediatamente levou Denise escada acima para tomar um banho quente. Eu fiquei-me pelo velho bar com tecto de traves de madeira, saboreando com Zec um rpido whisky perto da lareira de lenha crepitante.Zec sentou Tarquin num nicho perto do lume.- Deixemo-lo secar naturalmente.- O urso importante para si? - indaguei. Ele assentiu com a cabea.- E para@outra pessoa. Mais do que alguma vez poder supor. Virou-se. - E altura de voc tambm tomar um banho quente. Qual oseu trabalho?- Sou romancista - respondi.- Ser que o conheo? Eu disse-lhe quem era, e ele riu-se e comentou:- Bem, parece que sim. J me ajudou a passar um par de noites ms.JANTMOS NO CANTO do bar - robalo, batatas novas e salada - epartilhmos uma garrafa gelada de Chablis com Zec e Simeon. Denise e eu envergvamos calas de ganga e camisolas providenciadas pela gerncia. Estavam uns oito marinheiros ao balco. O lume na lareira cintilava, e Tarquin fumegava suavemente.- O meu pai costumava falar-me de Tarquin, o urso voador, quando eu era mido - disse Simeon. - Sempre pensei que fosse uma inveno.- Ento, agora ficaste finalmente a saber a verdade - disse Zec; depois, virou-se para Denise. - Onde que o encontraram?- Numa loja de antiguidades em Brigliton. Fiquei intrigada pelo facto de ter insgnias de piloto tanto da Segunda como da Primeira Guerra Mundial.- Sim, bem - disse Zec -, primeiro foi para a guerra com o pai dos midos. - Fez-se silncio.- O pai dos midos? - perguntou Denise cautelosamente.- H muito tempo, em 1917, em Frana, mas eu vi Tarquin pela ltima vez em 1944, ia ele a caminho da Frana ocupada. Agora, passados todos estes anos, aparece numa loja de antiguidades em Brigliton.- Zec parecia meditar.A minha mulher recostou-se na cadeira.- Tarquin um velho amigo, ento?- Pode crer. J o pesquei do canal da Mancha uma outra vez, em1943. Caiu com um Hurricane. Grandes caas, esses. Destruram mais Luftwaffes do que os Spitfires. - As lgrimas vieram-lhe aos olhos. -Com Harry, ou seria Max? Eram impossveis de distinguir.- Sente-se bem, pai ? - perguntou Simeon, servindo mais vinho.- V l, pai, beba. No se aborrea.- No meu quarto. A caixa vermelha na terceira gaveta. Vai busc-Ia, filho.Quando Simeon regressou com a caixa, Zec colocou-a na mesa e abriu-a, revelando papis e fotografias. Passou as fotografias uma aps outra a Denise: o molhe em Cold Harbour, um barco salva-vidas atracado - um modelo muito mais antigo. O pub tinha o mesmo aspecto. Havia uma fotografia de um oficial do Exrcito, feio mas com ar simptico, aparentando uns sessenta e cinco anos, com culos de aros metlicos e cabelo branco.- O brigadeiro Munro - disse Zec. - Dougal Muriro, professor de Egiptologia em Oxford antes da guerra. Depois, foi para os servios secretos, na altura Servio de Operaes Especiais (SOE). Foi Churchill quem inventou essa. Deitem fogo Europa, disse, e eles deitaram. Introduziram agentes secretos em Frana e esse tipo de coisas. Transferiram a populao de Cold Harbour para outro local e transformaram isto numa base secreta.- Nunca me contou isso, pai - disse Simeon.- Porque toda a gente aqui teve de assinar o Decreto de Sigilo Oficial. - Acenou com mais uma fotografia. - Esta era Julie Legrande. Dona do pub.Havia uma fotografia de outro oficial, um capito, de bengala na mo.- Jack Carter, ajudante-de-campo de Muriro. Perdeu uma perna em Dunquerque. - A seguir, surgiu um envelope grande castanho. Ele hesitou, mas acabou por abri-lo. - Que se dane o Decreto de Sigilo Oficial. Tenho oitenta e oito anos.Se as fotos anteriores tinham sido interessantes, aquelas eram espantosas. Uma delas era de uma pista com um caa nocturno alemo Junkers 88S, de sustica na cauda. O mecnico envergava um macaco preto da Luftwaffe. Havia dois hangares mais atrs.- Que raio isto? - perguntei.- A pista ali ao cimo da rua. Voos nocturnos para Frana, esse tipo de coisas. Enganava-se o inimigo, mascarando-se de inimigo.- No devia ser l muito saudvel para quem fosse apanhado -observou Denise.- Dava direito a peloto de fuzilamento se descobrissem. claro que tambm trabalhavam com material da RAF como este. - Passou-lhe uma fotografia. - Um Lysander. Muito feio, mas capaz de aterrar e descolar em terreno lavrado.Uma outra fotografia mostrava o Lysander, um oficial e uma mulher jovem. Ele estava de uniforme americano com divisas de tenente-coronel e uma srie de medalhas. Mas o mais fascinante era que do lado direito da farda de batalha ostentava as asas da RAE- Quem era? - perguntei. Ele examinou a fotografia.- Harry, acho eu, ou talvez Max. Era difcil distingui-los. L estava outra vez o mesmo comentrio. Simeon parecia to espantado como eu.- E a rapariga? - perguntou Denise.- Ah, essa Molly, Molly Sobel, sobrinha de Munro. Era umamida esperta, mdica. Voava de Londres para c sempre que era preciso um mdico. - Zec parecia ter partido para um qualquer lugar privado muito seu. No dissemos nada. A lareira crepitava; a chuva batia na janela.Denise inclinou-se para a frente, colocou a mo na de Zec e perguntou:O piloto, Harry ou Max, foi o que disse?- Exacto.- Isso no faz sentido.- Faz todo o sentido do Mundo, minha filha. - Inclinou-se para afrente a rir, depois abriu outro envelope que estava na caixa. - Estas so muito especiais.Eram fotografias grandes. A primeira era de um tenente aviador da =#10-11M4N18 fleMIN1,1 que v- Um ianque na RAF - disse Zec. - Esteve ao servio dos Finlandeses na guerra com a Rssia, e quando isso deu para o torto, Harry veio para Inglaterra e alistou-se na RAF.- Harry? - disse Denise baixinho.- Harry Kelso. Era de Boston. - Pegou noutra fotografia: Kelso de uniforme americano outra vez. - de 1944, essa.As medalhas eram impressionantes. Uma Dstinguished Service Order com um galo, uma Distinguished Flying Cross com dois gales, a Cruz de Guerra e a Legio de Honra francesas, a Cruz de Ouro de Bravura finlandesa.- Isto incrvel. Interesso-me especialmente pela Segunda Guerra Mundial e nunca ouvi falar dele - comentei.- Claro que no. Como eu disse, o Decreto de Sigilo Oficial.- Mas porqu? - quis saber Denise. Zec Acland tirou outra fotografia do envelope e p-la em cima da mesa: o s do baralho.- Por causa disto - disse. A fotografia era a cores e mostrava Kelso novamente de uniforme, s que desta vez da Luftwaffe: calas azul - acinzentadas largas, com enormes bolsos para cartas, e camisa de aviador com gales dourados. Usava um crach prateado de piloto, uma Cruz de Ferro de Primeira Classe e uma Cruz de Cavaleiro com folhas de carvalho.- 1@o percebo - disse Denise.- E muito simples. - Zec Acland explicou: - O ianque da RAF? Esse era Harry. Este o ianque da Luftwaffe, o irmo gmeo, Max. Pai americano e me alem, uma baronesa. Por isso, Max, sendo o mais velho por dez minutos, era o baro Max von Halder. O Baro Negro, comolhe chamava a Luftwaff. - Guardou as fotografias e sorriu. - Vou contar-vos o que sei. uma boa histria. Embora ningum v acreditar.Quando ele terminou, Simeon pareceu-me to espantado como Denise,e eu. Uma vez mais, foi Denise quem falou:- E tudo?- Claro que no, rapariga. - Zec sorriu. - Faltam muitas peas no puzzle. Por exemplo, a parte final das coisas na Alemanha. Ultra-secreto l tambm. - Virou-se para mim. - De qualquer modo, um tipo esperto, como voc saber onde puxar uns cordelinhos.- E uma possibilidade - assenti. Elaborado a partir do que um primo meu alemo descobriu, aquilo que Zec me contou e mais alguma pesquisa da minha parte, este relato o que conseguimos saber acerca da verdadeira e extraordinria histria dos irmos Kelso.AGOSTo de 1917. Voando dez mil ps acima das linhas em Frana, Jack Kelso sentia-se to feliz como qualquer ser humano consegue ser. Aos vinte e dois anos, era o herdeiro de uma das melhores famlias de Boston; podia estar a terminar o curso em Harvard, mas, em vez disso, cumpria o seu segundo ano no Royal Flying Corps britnico.A aeronave que pilotava era um caa Bristol de dois lugares, com um artilheiro-observador atrs. O sargento de Kelso, atingido por estilhaos num combate areo no dia anterior, fora hospitalizado, e Kelso, um piloto brilhante com quinze avies alemes abatidos no currculo, descolara sozinho sem autorizao. Bem, no completamente sozinho, pois no fundo do cockpit encontrava-se um urso chamado Tarquin, de capacete de cabedal e bluso de aviador.Kelso deu-lhe uma palmadinha na cabea.- Lindo menino. No me deixes ficar mal. Naquela altura, o Gabinete Britnico para os Assuntos da Guerra ainda bania o uso de pra-quedas, com o argumento de que eles tornavam os pilotos cobardes. Jack Kelso, um jovem realista e de posses, ia sentado sobre o ltimo modelo de pra-quedas, sua propriedade particular.Estava mau tempo, com vento e chuva, e no meio do barulho e da confuso, Kelso nem se apercebeu de que tipo de avio acabou com asua sorte. Houve um estrondo, uma sombra a bombordo, tiros de metralhadora a rasgarem o Bristol, uma bala a furar-lhe a perna esquerda, e logo a seguir ele mergulhou para a segurana das nuvens carregadas.Voltou para trs, na direco das linhas britnicas, apercebendo-se de um cheiro a queimado. Conseguiu descer para cinco mil ps, depois trs mil, com as labaredas a lamberem o motor. Avistou por uma fraco de segundo as trincheiras l em baixo, os campos de batalha da Flandres. Altura de saltar. Soltou o cinto de segurana, enfiou Tarquin77JACK HIGGINSdentro do seu forte bluso de cabedal, virou o Bristol de pernas para o ar e deixou-se cair. Puxou o fio e flutuou para o solo. Uma patrulha da infantaria britnica, de uniforme de caqui manchado de lama, alcanou-o numa questo de minutos.O hospital de campo era num velho castelo francs que se erguia num vale esplendoroso. Jack Kelso ficara inconsciente graas morfina que a patrulha de infantaria lhe havia administrado. Acordou num mundo de fantasia: um quarto pequeno, lenis brancos, janelas de sacada abertas para um terrao. Tentou sentar-se e gemeu com a dor na perna. A porta abriu-se e entrou uma jovem enfermeira de uniforme da Cruz Vermelha. Tinha cabelo louro, cara sria, parecia ter vinte e poucos anos e era a coisa mais bonita que ele vira na vida. Jack Kelso apaixonou-se instantaneamente.- No, deite-se - disse ela, empurrando-o para as almofadas. Um coronel do Exrcito entrou no quarto.- Problemas, baronesa?- No propriamente. Ele s est confuso.- Isso no bom - disse o coronel. - Tirei-lhe uma bala enorme da perna. Um pouco mais de morfina, diria. - Saiu.Ela preparou uma seringa e agarrou-lhe no brao direito.- A sua pronncia - disse Jack. - Voc alem. Ele chamou-lhe baronesa. muito til quando lido com pilotos da Luftwaffe. No me interessa o que voc desde que prometa que casa comigo, baronesa - disse, entorpecido, comeando a perder a fora. -Onde est Tarquin?- Refere-se por acaso ao urso? - perguntou a enfermeira.- No um urso qualquer, a minha mascote.- Bom, aqui o tem, na mesa. E l estava ele. Jack Kelso olhou-o bem.- Ol, velho amigo - saudou, adormecendo logo de seguida.A BARONESA ELSA von Halder ficara retida em Paris no incio da guerra. O pai, general, morrera no Somme. Tinha vinte e dois anos, era de excelente linhagem prussa, com um palcio decadente e falida. Com o passar dos dias, Kelso encheu-a com histrias da sua vida privilegiada nos Estados Unidos e descobriram que tinham algo em comum: ambos haviam perdido as mes com cancro.Trs semanas depois de dar entrada no hospital, sentado numa espreguiadeira no terrao a apanhar sol junto de muitos oficiais feridos, Kelso viu-a chegar com um embrulho, que lhe entregou.- No te importas de o abrir? - perguntou Jack, e ela assim fez. No interior, havia uma caixa de cabedal e uma carta.- Olha, Jack, do quartel-general. Atriburam-te uma condecorao de mrito. - Tirou-a para fora e exibiu-a. - No ests contente?- Claro. Mas eu j tenho uma medalha - disse. - Eu no te tenho a ti. - Pegou-lhe na mo. - A Alemanha vai perder a guerra. S te espera uma casa velha e falta de dinheiro. Casa comigo, Elsa. Confia em mim, eu tomo conta de ti. Sabes que vou continuar a pedir at cederes.Ela aceitou, e casaram-se dois dias depois. Afinal, ele at tinha razo. Nada a esperava na Alemanha.A lua-de-mel em Paris correu bem. No foi o maior romance do Mundo, mas afinal ele sempre soube que ela no casara por amor. Ela engravidou rapidamente, e Kelso insistiu para que fosse para osEstados Unidos. Portanto, l foi ela para a Amrica, onde Abe Kelso, o pai de Jack, a recebeu com entusiasmo. Foi um xito a nvel social, enada era bom demais para ela, principalmente quando entrou em trabalho de parto e deu luz dois meninos gmeos. Ao mais velho chamou Max, em honra de seu pai; ao outro, Harry, em honra de Abe.Na frente ocidental, Jack Kelso recebeu a notcia por telgrafo. Por essa altura, j era tenente -coronel, um dos veteranos que ainda por l andavam, pois as baixas naquele ltimo ano haviam sido pavorosas. E, de repente, tudo acabou.CADAVRICO, DESGASTADO, precocemente envelhecido, Jack Kelso, ainda de uniforme, estava no quarto dos rapazes a v-los dormir. porta, um pouco apreensiva, Elsa olhava para aquele desconhecido.- ptimos - disse ele. - Esto ptimos. Vamos l para baixo. Abe Kelso encontrava-se lareira na sala de estar. Era mais alto do que Jack, tinha cabelo mais escuro, mas os mesmos traos faciais.- Sinceramente, Jack. - Pegou em duas taas de champanhe e entregou uma a cada um deles. - Nunca vi tantas medalhas.- Um monte de lata. - O filho bebeu o champanhe de um s gole.- Foi mau este ltimo ano? - indagou Abe enquanto voltava a encher-lhe a taa.- Bastante mau, embora eu nunca tenha conseguido morrer. Todos, menos eu. - Jack Kelso fez um esgar terrvel.- Isso horrvel de se dizer - comentou a mulher.- Porm, a verdade. - Ele acendeu um cigarro. - Vejo que osmeninos tm cabelo louro, quase branco. - Exalou o fumo.- Eles so meio alemes.- No culpa deles - disse ele. - A propsito, sabes a minha pontuao final? Abati quarenta e oito.Foi ento que ela percebeu como ele estava afectado, mas foi Abe quem falou com uma boa disposio forada.- E ento, Jack, o que que vais fazer agora tua vida? Voltas para Harvard para terminar o curso de Direito?- Deve estar a brincar. Tenho vinte e trs anos e matei centenas de homens. Com a herana que a minha me me deixou, vou divertir-me.- Esvaziou o copo e saiu a coxear.Abe Kelso deitou um pouco mais de champanhe na taa de Elsa.- Olha, querida, ele passou por muito. Temos de compreender.- No se desculpe por ele. Aquele no o homem com quem casei. Ele ainda est naquela maldita guerra. Nunca de l saiu.O que no estava longe da verdade, pois nos anos que se seguiram Jack Kelso agiu como se lhe fosse indiferente estar vivo ou morto. As suas proezas nos circuitos de corridas de automveis eram notveis. Ainda voava e despenhou-se trs vezes. Tinha uma enorme capacidade para beber. Por seu lado, Elsa fazia o papel de boa esposa, distinta anfitri e me carinhosa. Era sempre Mutti para Max e Harry, ensinava-lhes alemo e eles adoravam-na. Porm, o seu afecto pelo pai bbado e heri de guerra era ainda maior.Ele conseguira adquirir um caa Bristol que tinha num pequeno clube de aviao nos arredores de Boston pertencente a outro antigo s do RFC chamado Rocky Farson. Os midos tinham dez anos no dia em que Jack os prendeu no fundo do cockpit e os levou para um voo. Era a prenda de aniversrio, como ele lhe chamou. Elsa ameaou deix-lo se voltasse a fazer aquilo. Abe, como habitualmente, foi o intermedirio, tentando manter a paz, do lado da nora porque Jack estava bbado.Desiludida com o casamento, Elsa tinha apenas o apoio da amizade sincera de Abe e do amor dos filhos. Eram completamente idnticos: o cabelo louro-palha, os olhos verdes, as mas do rosto salientes, a voz, os modos. No tinham qualquer marca de nascena que os distinguisse. Na maior parte das vezes, nem ela prpria conseguia distingui-los. Era uma brincadeira constante para eles trocarem de papel e enganarem toda a gente. Eram muito ligados, e a nica coisa que discutiam era a quem pertencia Tarquin. O facto de Max, o mais velho por dez minutos, ser legalmente o baro Von Halder nunca os incomodou.Foi no Vero de 1.930 que se deu a tragdia. Jack morreu quando o seu Bentley se despistou depois de um pio numa estrada de montanha no Colorado e explodiu. O que restou dele foi trazido para Boston, onde Abe, agora congressista, presidiu ao funeral. Os gmeos, de fatopreto, um de cada lado da me, pareciam estranhamente silenciosos, quase paralisados e mais velhos do que os seus doze anos.Mais tarde, na grande casa, depois de todos se terem ido embora, na sala de estar, elegantemente vestida de preto, Elsa bebia um brandy. Abe encontrava-se de p junto lareira e perguntou:- E agora? O futuro no parece risonho.- Eu no tenho dvidas - respondeu Elsa. - J fiz o meu dever. Fui uma boa esposa, Abe, e aturei muita coisa. Quero regressar Alemanha.- E viver de qu? Ele estoirou a maior parte da fortuna que a me lhe deixou, Elsa, como bem sabes.- Sim, eu sei - assentiu ela. - Mas o Abe tem milhes. Nem sabe o que fazer com eles. Podia ajudar-me. Deixe-me ir para casa. Eu recupero a propriedade. Recupero o nome da famlia.- E levavas os meus netos? Eu no suportaria isso.- Mas eles tambm so meus filhos. Devem ficar junto da me. E Max, Max o baro Von Halder. No pode obrig-lo a abdicar disso, Abe. No estaria certo. Por favor, imploro-lhe.Abe Kelso ficou imvel durante algum tempo naquela atmosfera impregnada de sofrimento e perda. Por fim, falou:- Tenho pensado muitas vezes nisso, sabes, no que iria acontecer quando Max tivesse idade para dar valor ao ttulo. Ser que ele partiria para o reclamar, deixando-nos a todos aqui? Mas sem Jack, e querendo tu ires-te embora, o "nos" fica muito reduzido, no ? - Sorriu com tristeza. - Tens razo, Elsa. Max merece essa oportunidade. Tal como tu, por teres aturado Jack todos estes anos. Por isso, vou dar-te o que precisas. Mas com uma condio: Harry fica comigo. Estamos de acordo?Ela nem contestou.- De acordo, Abe. Mais tarde, antes do jantar, quando ela desceu para a sala de estar, Max e Harry estavam surpreendentemente calmos, mas afinal eles haviam sido sempre assim: ss, frios, desligados, a observarem do lado de fora.Ela beijou-os.- O av j vos contou?- Claro - disse Abe. - Parece que o nico problema foi decidir quem ficaria com Tarquin, mas ele fica c. Esse urso foi sentado no fundo do cockpit em todos os voos de Jack. - Por um momento, pareceu perdido nos seus pensamentos, depois endireitou-se. - Champanhe disse. - Meio copo cada. Vocs j tm idade. Vamos brindar uns aos outros. Estaremos sempre juntos de uma maneira ou de outra.Os rapazes no disseram nada, beberam simplesmente o champanhe, parecendo mais velhos que a idade que tinham, como sempre to enigmticos como Tarquin, o urso.A ALEMANHA para a qual Elsa von Halder regressou estava muito diferente daquilo de que ela se lembrava: desemprego, distrbios nas ruas, o Partido Nazi, que comeava a erguer a cabea. Mas ela tinha o dinheiro de Abe, por isso ps Max na escola e comeou a regenerar o patrimnio Von Halder. Um dos amigos mais antigos do pai dela, Hermann Gring, o s aviador de guerra, era um homem proeminente no Partido Nazi, amigo de Hitlen Todas as portas estavam abertas para ele. E Elsa, bela e rica, era um bem para o partido e uma estrela da sociedade berlinense.Hitler assumiu o poder em 1933, e em 1934 Elsa permitiu que Max fosse Amrica passar seis meses. Abe, que j era senador nessa altura, ficou radiante de o ver, e quanto aos irmos, foi como se nunca se tivessem separado. No aniversrio deles, Abe deu-lhes um presente especial: levou-os ao aerdromo de onde o pai costumava descolar, e l estava Rocky Farson, o velho s da aviao.- Rocky vai dar-vos umas lies - disse Abe. - Eu sei que vocs s tm dezasseis anos. Prometam-me que no dizem vossa me.Rocky ensinou-os num velho biplano Gresham. Descobriu que eles eram pilotos natos, tal como o pai. E tal como o pai, qualquer deles que voasse levava sempre Tarquin no cockpit.Rocky mostrou-lhes manobras muito para alm de uma pilotagem normal. Deu-lhes lies sobre duelos areos. Procurem sempre o inimigo no sol. Nunca voem abaixo dos dez mil ps sozinhos. Nunca voem a direito e mesma altitude durante mais de trinta *segundos. Ensinou-lhes a famosa curva de Immelmann: picar sobre o adversrio, nivelar num meio looping, rodar no topo e cair sobre ele a cinquenta ps. Quando Rocky acabou de lhes dar lies, os rapazes j eram peritos.- So espantosos, verdadeiramente espantosos - disse Abe a Rocky na cantina do aerdromo.- Isto como os grandes desportistas - respondeu Rocky. - Ou se tem jeito ou no se tem, aquele toque de gnio, e os gmeos tm-no.- Acho que tens razo, mas para qu? Eu sei que h desentendimentos, mas no vai haver outra guerra. Ns no o permitiremos.- Espero bem que no, senador - disse Rocky, mas isso acabou por no vir a afect-lo. Rocky restaurou um velho Brstol, levantou para um voo de teste e perdeu o motor aos quinhentos ps.No funeral, Abe olhou para os rapazes e recordou-se, com um arrepio, de que era assim que haviam estado no funeral do pai: enigmticos, remotos, de pensamentos rigidamente controlados. Sentiu-se invadido por um estranho pressentimento. Mas no havia nada a fazer, e na semana seguinte levou Max para Nova Iorque e despediu-se dele, que regressava ao Terceiro Reich.MAX ESTAVA sentado no terrao da casa de campo com a me e contou-lhe tudo: os voos, tudo.- Eu vou voar, Mutti. o que sei fazer bem. Observando-lhe a cara, ela viu o marido, porm, de corao desfeito, fez a nica coisa que podia.- Dezasseis anos, Max. s muito novo.- Podia inscrever-me no Clube de Aviao Berlinense. Gring podia puxar uns cordelinhos.O que at era verdade. Max apareceu hora marcada, acompanhado de Gring e da baronesa, e arranjaram-lhe um biplano Heinkel. Estava l um jovem tenente da Luftwaff que viria a ser um dia general. Chamava-se Adolf Galland.- Sabes manejar isto, rapaz?- Acho que sou capaz. Galland deu uma gargalhada e meteu um cigarro entre os dentes.- Vou atrs de ti. Vamos l ver. A exibio que se seguiu deixou at Gring sem flego. Galland no foi capaz de escapar a Max nem por um s momento, e foi a curva de Inimelmann que acabou com ele. Regressou a terra, com Max atrs de si.Esperando junto ao Mercedes, Gring acenou a um criado, que lhes serviu caviar e champanhe.- Isto recordou-me a minha juventude, baronesa. O mido um gnio.Galland e Max aproximaram-se. Via-se que Galland estava tremendamente entusiasmado.- Fantstico. Onde aprendeste tudo isso, meu rapaz? Max contou-lhe, e Galland no parava de abanar a cabea.- Ento, o que fazemos com este aqui? - perguntou Gring a Galland.- Inscreva-o numa escola de cadetes de infantaria aqui em Berlim, s para tornar a coisa oficial - disse Galland. - Para o ano, aos dezassete, d-lhe um posto de tenente na Luftwaffe.- Isso agrada-me - assentiu Goring.- Que pena o meu irmo gmeo no estar aqui, tenente Galland. Fazamos-lhe a vida negra - disse Max.- No - disse Galland. - Informao experincia. O senhor especial, baro, acredite. E, por favor, chame-me Dolfo.Seria o princpio de urna amizade muito especial.NA AmRICA, Harry foi para a Escola Preparatria Groton e teve problemas de disciplina, pois estava obcecado com a aviao e recusava-se a sacrificar os seus fins-de-semana no ar. A influncia de Abe Kelso ajudava, claro, e Harry sobreviveu e seguiu para Harvard na altura em que o irmo se tornou tenente da Luftwaffe. Harry arrastava-se pela universidade; a Europa arrastava-se para o fascismo; o Terceiro Reich continuava a sua ascenso inexorvel, enquanto o Mundo aguardava.Durante a Guerra Civil Espanhola, Galland e Max pilotaram biplanos HE51 na frente, tendo Max cumprido duzentas e oitenta misses de combate. Regressou a casa em 1938 com a Cruz de Ferro de Segunda Classe e foi promovido a Oberstleutnant.Durante algum tempo, trabalhou nos servios em Berlim e era muito procurado no crculo social, onde era frequentemente visto a acompanhar a me e como preferido de Gring, que se tornara entretanto todo-poderoso. E depois veio a Polnia.Durante os vinte e sete dias da Blitzkrieg que destruiu esse pas Max consolidou a sua lenda, abatendo vinte avies e recebendo a Cruz de Ferro de Primeira Classe; foi promovido a capito.Nesses dias eufricos, Max manteve a sua imagem: nada de bluses brancos, nada de extravagante. Aparecia sempre em uniforme de combate: calas largas, bluso de aviador, boina e aquelas medalhas todas. Chegou a assistir a altas funes com Gring e at com Hitler, e sempre acompanhando a sua charmosa me. Apelidaram-no de Baro Negro. Havia mulheres ocasionais na sua vida, nada mais que isso. Parecia estar parte, com aquela cara saturnina e o cabelo louro-claro, no tomava partidos, no era nazi. Era um piloto de caas, e nada mais.Para Harry, acabado de se licenciar em Harvard, a vida era um aborrecimento. A guerra comeara em Setembro de 1939. Certo dia, em Novembro, Harry entrou na sala de estar, onde encontrou Abe sentado lareira a ler uma revista.- Serve-te de uma bebida - disse Abe. - Vais precisar. Harry encheu um copo com whisky e gua.- Qual o problema? Abe passou-lhe a revista; uma fotografia em grande plano de uma cara taciturna sob uma boina da Luftwaffe. Depois, passou-lhe uma cpia da Signal, a revista das foras armadas alems.24O VOO DAS GUIAS- O Baro Negro - disse. Max encontrava-se de p ao lado de um ME109 com equipamento de piloto.- J tem medalhas - disse Harry. - No fantstico? como o pai.- Agradeo s minhas estrelas por lhe chamarem baro Von Halder, em vez de Max Kelso. J viste bem? O meu neto um nazi?- Ele no nazi - disse Harry. - piloto. Est l e ns estamos c. - Passou-lhe a revista.- Harry, j tempo de conversarmos a srio - disse Abe. -Acabaste o curso na Primavera passada, e desde ento a nica coisa que fazes voar e andar em corridas de automveis, tal como o teu pai. O que que pensas fazer? Que tal a Faculdade de Direito?Harry sorriu e abanou a cabea.- Faculdade de Direito? No soube que a Rssia invadiu a Finlndia esta manh? - Bebeu um longo gole. - Os Finlandeses precisam desesperadamente de pilotos. J marquei um voo para a Sucia.Abe ficou horrorizado.- Diabos, Harry, essa guerra no tua.- Agora, - respondeu Harry Kelso, terminando o whisky.A GUERRA ENTRE Finlandeses e Russos no fez sentido desde o incio. O clima era cruel, a terra coberta de neve. De ambos os lados, os caas estavam ultrapassados, mas Harry rapidamente alcanou fama a pilotar um Gloucester Gladiator, ingls, e, como sempre, Tarquin ia sentado no fundo do cockpit num saco impermevel que Harry comprara em Estocolmo.Por fim, a Fora Area Finlandesa conseguiu adquirir meia dzia de caas Hurricane Gr-Bretanha. J um s, Harry pilotou as novas aeronaves no meio de tempestades de neve e ventos ciclnicos, foi promovido a capito e condecorado, aumentando velozmente a sua pontuao de alvos abatidos.Apareceu um reprter fotogrfico da revista Life, que ficou espantado ao descobrir o neto do senador Abe Kelso e ouvir falar das suas proezas. Abe tornara-se um homem proeminente, membro do gabinete que assessorava o governo de FrankIin D. Roosevelt. Por isso, uma vez mais, Abe deparou com um neto na capa de uma revista: Harry, de uniforme de aviador acolchoado, junto de um dos avies, com Tarquin nos braos.A Finlndia rendeu-se em Maro de 1940, e Harry levantou ilegalmente voo para Estocolmo num Hurricane. J ia num avio a caminho de Inglaterra quando as autoridades descobriram o seu paradeiro.Quando se apresentou ao Ministrio da Aviao em Londres, umvelho comandante de esquadrilha examinou as suas credenciais.- Notvel, meu jovem. S h um problema: voc americano, o que significa que ter de ir para o Canad e alistar-se na RCAE- Abati vinte e oito russos, doze deles aos comandos de umHurricane. Eu percebo do ofcio. Vocs precisam de gente como eu.- Um Hurricane? - Ele reexaminou as credenciais de Harry. -Vejo que os Finlandeses lhe deram a Cruz de Ouro de Bravura. Belo pedao de lata.- Como todas, no verdade? - retorquiu Harry.O homem puxou de um impresso.- Muito bem, preencha isto. Pas de origem: Amrica. Suponho que regressou Finlndia para defender a terra dos seus antepassados?- Pode ser.- Ah, bom, isso faz de si finlands, e isso que vamos pr na sua ficha. Malditos empregados de escritrio, sempre a cometerem erros.A UNIDADE OPERACIoNAL de Treino era um lugar hmido e srdido beira de um pntano no Essex. O comandante da unidade era um oficial da Fora Area chamado Teddy West, que examinou os documentos do piloto-aviador Kelso e ergueu os olhos.- Muito bem, vamos ver de que capaz. Os curiosos que se reuniram nunca haviam de esquecer aquilo: a cinco mil ps, West perseguia Harry Kelso, cada um num Hurricane. Subiram to perto um do outro que alguns ficaram boquiabertos de susto, mas Harry escapou a West, fez um looping e posicionou-se na sua retaguarda. West inclinou o avio para bombordo e rolou. Harry, de novo com West na retaguarda, baixou os flaps e abrandou com uma fora arrepiante. West puxou o manche e evitou-o por muito pouco. Assim, Harry ficou de novo na sua cauda.As tripulaes em terra at aplaudiram quando os dois regressaram a p. O oficial de dia da estao pegou no pra-quedas de West e, apontando na direco de Kelso, perguntou:- Mas quem este, meu comandante?- Uma amlgama de muitos dos homens que conheci no Flying Corps - replicou West. - Vou destac-lo imediatamente para a Esquadrilha 607 em Frana.Em FRANA, a 607 ia apenas a meio caminho do seu programa de converso para Hurricanes quando a Blitzkrieg rebentou na frente ocidental a 10 de Maio de 1940. A violenta guerra area que se seguiu provocou muitas baixas.Aos comandos de um Hurricane, Harry abateu dois ME109 sobre Abbeville, em Frana, e embora nenhum dos dois tivesse tido conhecimento do outro, o seu irmo abateu um Hurricane e um Spitfire nomesmo dia.A 607, ou o que dela restava, foi recambiada para Inglaterra. Seguiu-se Dunquerque, com as tropas inglesas em retirada na Blgica a sofrerem pesadas baixas. A Frana caiu, e Harry, a quem foi atribuda uma distino e a promoo a oficial aviador, foi destacado para uma esquadrilha especial de perseguio no West Sussex com o nome de cdigo Falco; s que no havia nada para perseguir. O sol brilhava, o cu estava incrivelmente azul e todos se sentiam aborrecidos. Do outro lado do canal da Mancha, Max e os seus camaradas estavam igualmente enfadados.E ento, no incio de Julho, comearam os ataques a comboios britnicos no Canal: bombardeamentos em profundidade efectuados por Stukas e Junkers, protegidos pelos melhores caas da Luftwaff. O objectivo era fechar o canal da Mancha, e a RAF enfrentou o desafio.Por isso, Harry Kelso e o seu irmo, o Baro Negro, foram para aguerra. As batalhas areas duraram todo o ms de Julho e depois surgiu a verdadeira Batalha de Inglaterra, que comeou no Dia da guia, 13 de Agosto.A Esquadrilha Falco tinha a sua base num clube de aviao de antes da guerra chamado Farley Field; estava calor, muito calor, e os pilotos encontravam-se em espreguiadeiras no terrao na conversa ou a ler revistas quando ouviram um grande estrondo ali perto. S Harry se levantou de imediato, com a mochila de Tarquin na mo, e precipitou-se para o avio quando os Stukas alemes, muito alto l no cu, se inclinavam e mergulhavam quase a pique. Harry descolou, guinando para bombordo, ao mesmo tempo que as primeiras bombas atingiam a pista. Guinando de novo, avistou um Stuka e abateu-o. Havia mais quatro que ele perseguiu, metralhando-os at carem no mar. Quando regressou, deparou com um cenrio de devastao e seis pilotos mortos. Fora o nico a conseguir descolar.No mesmo dia, Max e a sua esquadrilha, aos comandos de um ME109, protegeram os Stukas que atacavam uma estao de radar perto de Bognor Regis, no West Sussex. Atacado por Spitfires, abateu um, mas quase todos os Stukas foram abatidos, assim como trs 109s. Muito a custo, Max atravessou a Mancha para se reabastecer, e estava de volta uma hora e meia mais tarde.O padro repetia-se dia aps dia; era uma guerra de desgaste. Max eMax e os seus camaradas voavam para dar cobertura aos bombardeiros Dornier, enquanto Harry e os seus amigos subiam ao encontro deles. De ambos os lados, morriam homens novos, mas a Luftwaffe tinha mais pilotos.A 30 de Agosto, Biggin HilI, o orgulho do Comando de Caas Britnico, foi atacada por uma grande esquadrilha de Dorniers. Sobre o mar, perto de Folkestone, Harry abateu dois, mas uma rajada de um dos artilheiros da retaguarda acertou-lhe no motor. Ele transmitiu um SOS e baixou os flaps. A costa inglesa estava a dez milhas de distncia. Alcanou Tarquin na mochila, prendeu-a ao cinto com um clipe especial e de seguida saltou de pra-quedas, caindo num mar razoavelmente calmo. Ouviu uma buzina e, ao virar-se, viu um salva-vidas da RAF a aproximar-se rapidamente.Quando levaram Harry a Farley Field, um piloto-aviador disse-lhe que tinha um capito sua espera. Harry abriu a porta do seu gabinete e encontrou Teddy West secretria.- Que surpresa, meu capito - disse Harry. - Parabns pela promoo.- Tem feito um ptimo trabalho, Kelso. Ficmos um bocado aflitos quando soubemos onde estava, mas est tudo bem quando acaba bem. Parabns para si tambm. Foi promovido a tenente aviador.- Estamos a ganhar, meu capito? - perguntou Harry.- De momento, no, mas havemos de acabar por ganhar. - West levantou-se. - Preciso de si por um dia ou dois. Temos um ME109 alemo em Downfield, a norte de Londres. O piloto teve uma grave fuga de leo e foi obrigado a aterrar. Tentou incendiar o aparelho, mas uma unidade local encontrava-se por perto.- um grande achado, meu capito.- Pois . Seja bom rapaz, tome um duche rpido, mude de roupa e vamo-nos embora.Downfield estava cercado por arame farpado e tinha guardas ao porto. O 109 encontrava-se no parqueamento em frente a um dos hangares. Trs oficiais da RAF e dois do Exrcito examinavam o avio. Um tenente da Luftwaffe, no mximo com vinte anos, encontrava-se por perto, de uniforme amarrotado. Dois guardas da RAF com espingardas vigiavam-no.Harry dirigiu-se ao tenente e apertou-lhe a mo.- Pssima sorte - disse em alemo. - Fico contente que tenha aterrado inteiro.- Mein Gott, voc alemo?- A minha me . - Harry deu-lhe um cigarro e lume.O oficial do Exrcito mais velho era brigadeiro. Devia ter uns sessenta e cinco anos, tinha uma cara inesquecivelmente feia, cabelo branco e culos de aros metlicos.- Dougal Munro - disse, apresentando-se a Harry. - O seu alemo excelente, tenente aviador.- Bem, espero que sim - respondeu-lhe Harry. - Foi a minha me quem mo ensinou.- O meu ajudante-de -campo, Jack Carter. - Muriro apresentou ohomem a seu lado.Carter era capito nos Green Howards. Apoiava-se numa bengala, pois, tal como Harry veio a saber mais tarde, deixara uma perna em Dunquerque.O oficial superior da RAF, um capito de esquadrilha, perguntou a West:- Ento, Teddy, porqu tanta demora? West virou-se para Harry:- Mostra-lhes. Cinco minutos apenas, no queremos que sejas abatido.Kelso subiu a trs mil ps, guinou, fez um looping, disparou a metralhadora aos trezentos ps, virou-se contra o vento e aterrou. Rolou at eles e desembarcou.- Avio impecvel - disse. - Quase to bom como um Hurricane e certamente to bom como um Spitfire.O capito da RAF virou-se e disse a West:- Muito interessante, Teddy. Gostava de uma avaliao escrita des-1 te oficial.- Considere-a feita.O capito e os seus dois oficiais dirigiram-se para o carro de servio e arrancaram. Muriro estendeu a mo a Harry.- Voc um jovem muito interessante. - Acenou na direco de West. - Muito obrigado. - Foi para o carro, com Carter a coxear atrs. Depois de se instalarem no banco de trs, disse: - Quero tudo o que conseguires descobrir acerca dele, Jack.- Deixe por minha conta, brigadeiro.O carro de servio arrancou. Harry acendeu um cigarro e virou-se para West.- Perguntei-lhe se estvamos a ganhar, e o meu capito disse que de momento no. De que que precisamos?- De um milagre.- So difceis de achar hoje em dia.Mas ento aconteceu. Londres foi acidentalmente bombardeada por um nico Dornier, a RAF retaliou em Berlim, e, a partir de 7 de Setembro de 1940, Hitler ordenou que a Luftwaffe visasse Londres. Foi o incio da Blitz, que deu tempo RAF para reparar as bases de caas destrudas no Sul de Inglaterra.Num CAF Em FRANA, Dolfo Galland tocava Jazz num piano e fumava um charuto quando Max entrou e se sentou ao balco.- Acabou-se tudo, Dolfo. Tnhamos derrotado os Inglesinhos e o nosso glorioso Fhrer deitou tudo a perder. E agora o que que vai acontecer?- Embebedamo-nos - respondeu-lhe Galland. - E depois voltamos ao trabalho e jogamos at ao fim.A BLi7-z SOBRE LONDRES, a carnificina que causou, foi to terrvel que o brilho vermelho era visto noite pelos avies da Luftwaffe que descolavam de Frana e de dia o cu parecia estar repleto de bombardeiros.A Cruz de Cavaleiro era atribuda queles que abatiam mais de vinte avies, e Galland j a tinha. Max conquistou uma a 10 de Setembro, embora por essa altura j tivesse abatido pelo menos trinta avies.Harry e a Esquadrilha Falco tomaram parte em todas as batalhas, seis ou sete sadas dirias, sofrendo pesadas baixas, at sobrar apenas Harry de entre os membros da esquadrilha original. E depois vieram os grandes duelos finais de 15 de Setembro: quatrocentos caas da Luftwaff sobre a Inglaterra contra trezentos Spitfires e Hurricanes.Estranhamente, de certo modo ningum ganhou. A Mancha ainda era territrio disputado, e a Blitz continuou. A Operao Leo-Marinho, o plano megalmano de Hitler para a invaso da Inglaterra, teve de ser cancelado, mas a Gr-Bretanha continuava isolada, e o Fhrer j podia desviar a sua ateno para a Rssia.Em BERLIm, no incio de Novembro, chovia torrencialmente quando Heirrich Himinler, de uniforme preto dos Servios Secretos do Reichsfhrer, saiu do carro e entrou no quartel-general da Gestapo, na Prinz Albrechtstrasse. Um movimento agitado de guardas e funcionrios seguiu-o a caminho do gabinete palaciano. Por detrs do pince-nezprateado, a sua expresso era enigmtica, como sempre. Deu uma ordem secretria, entrou no gabinete, pousou a pasta em cima da mesa, sentou-se e retirou uns papis.Bateram porta, que logo se abriu.- Ali, Sturmbannfhrer Hartmann.- Reichsfhrer. Em que posso servi-lo? Hartmann usava um uniforme pouco comum, que consistia numacamisola da aviao ao estilo da Luftwaffe e calas largas cinzentas. As divisas nos ombros eram de major das SS. Embora usasse o distintivo de piloto da Luftwaffe, na manga ostentava o do SD, Sicherheitsdienst: Servio de Informao das SS. Tinha trinta anos, quase um metro e oitenta, uma atraente cara comprida e cabelo castanho-arruivado espesso. Piloto de caas da Luftwaffe, ficara gravemente ferido num despenhamento. Depois, fora destacado para o ser-vio de correio areo. Transportava Himmler quando o seu Fieseler fora violentamente atacado por um Spitfire. Hartmann resolvera a situao, e o resultado fora a sua transferncia para as SS como piloto pessoal de Hinirrler e tambm seu adjunto pessoal nos Servios de Informao das SS.- A Blitz em Londres continua - declarou Himmler. - J estive com o Fhrer. Acabaremos por vencer, claro. Ainda ho-de avanar Panzers sobre o Palcio de Buckingliam.Com algumas reservas, Hartmann assentiu:- Sem dvida, Reichsfhrer.- No entanto - acrescentou Himmler -, j falei com o almirante Canaris sobre o estado da espionagem militar em Inglaterra e, francamente, no l muito bom. Todos os agentes dele l foram detidos.- Nem bem assim, Reichsfhrer. O nosso Departamento Treze, do qual assumi o comando, recrutou alguns agentes ultra-secretos antes da guerra.- A srio? Quem so essas pessoas?- Principalmente irlandeses insatisfeitos com o regime britnico. E alguns neutrais: diplomatas portugueses e espanhis.Himmler levantou-se.- Est a dizer-me que temos agentes infiltrados de que os Servios de Informao Militar no tm conhecimento?- Exactamente. Himmler acenou a cabea.- ertifique-se de que continuam em posio.- As ordens, Reichsfhrer. Hartmann regressou ao seu prprio gabinete, onde a secretria, Trudi Braun, quarenta anos, viva de guerra, o observou da sua mesa. Era uma fervorosa admiradora de Hartmann - to herico e simultaneamente uma figura trgica, cuja mulher morrera no primeiro ataque sbito da RAF a Berlim.- Problemas, major? - perguntou.- Bem pode diz-lo, Trudi. Entre e traga um caf. Deixou-se ficar sentado secretria, e ela veio ter com ele momentos depois com uma chvena para cada um. Sentou-se na cadeira disponvel.- Trudi, o nosso estimado Reichsfhrer ainda acredita que a Operao Leo-Marinho vai acontecer. Voc trabalhou no Departamento Treze, por isso d-me uma descrio completa daquela lista de que me falou, principalmente dos espanhis e dos portugueses que constavam da folha de pagamentos.- H um portugus chamado Fernando Rodrigues que at j nos passou informao de baixo nvel de tempos a tempos. Trabalha na embaixada em Londres.- Ai sim? - comentou Hartmann. - E quem mais?- Uma mulher chamada Dixon, Sarah Dixon. empregada de escritrio no Gabinete para os Assuntos de Guerra em Londres.Hartmann endireitou-se na cadeira.- No me diga! Traga-me as fichas deles. Fernando Rodrigues era adido comercial na Embaixada Portuguesa em Londres. O irmo, Joel, era adido comercial na embaixada em Berlim. Hartmann leu as fichas e percebeu o que ambos eram: homens gananciosos, sempre prontos a aceitar mais. Sarah Dixon era diferente. Tinha quarenta e cinco anos e era viva de um empregado bancrio que morrera de ferimentos em combate na guerra em 1917. Nascida em Londres, de pai ingls e me irlandesa, o seu av era activista do IRA, que na chamada Revolta da Pscoa contra os Britnicos em Dublin fora morto a tiro. Sarah Dixon vivia sozinha e j trabalhava no Gabinete para os Assuntos da Guerra desde 1938. Fora originalmente angariada por outro agente que acabara por morrer num tiroteio com polcias do Corpo de Interveno Britnico.Hartmann ergueu a cabea.- Ento, ela continua espera?- o que parece, meu major.- ptimo. Chame c esse tal Joel Rodrigues. Diga-lhe que contacte o irmo em Londres atravs da mala diplomtica. Ele deve contactar Mrs. Dixon e confirmar se ela ainda continua disponvel, caso precisemos dela.- Muito bem, meu major.NESSA NOITE, Hartinann acompanhou Himinler a uma recepo no salo de baile do Hotel AdIon. O Fhrer era o centro das atenes. O seu squito andava de um lado para o outro. Estavam l Goebbels, o almirante Canaris, Von Ribbentrop.- O nico que falta aquele tonto do Gring - disse Himmler acidamente, fazendo sinal a um criado com taas de champanhe numtabuleiro para que se fosse embora, para grande desgosto de Hartinann.- Devia ter vergonha de mostrar a cara depois do falhano dos caas dele na Gr-Bretanha.Verdadeiramente furioso, Hartinann conteve-se acendendo um cigarro, pois sabia que Himmler no suportava tabaco. Antes de Himmler poder dizer o que quer que fosse, Gring entrou.- A mulher que vem de brao dado com ele no a baronesa Von Halder? - perguntou Himinler.- Creio que sim - disse Hartinann.- Ser amante dele?- Segundo as minhas informaes, no , Reichsfhrer.- Ela foi casada com um americano, no foi?- Morreu h anos.- Que interessante. E os diamantes dela no so menos interessantes. Como que ela sobrevive?- O pai do falecido marido um senador americano milionrio que lhe instituiu um fundo na Sucia. Temos a ficha dela.- E quem so os dois oficiais da Luftwaffe?- O de casaco branco o major Adolf Galland, o piloto de maior sucesso na Batalha de Inglaterra. O capito o baro Von Halder, filho da baronesa. Chamam-lhe o Baro Negro.- Muito teatral.- Um piloto brilhante. Vomos juntos durante algum tempo. Tem um irmo gmeo que da RAEHimmler franziu o sobrolho.- A srio? - Olhou para o fundo da sala. - No arquive a ficha dos Von Halder. Cheira-me a esturro aqui.Nesse instante, Gring pediu silncio e virou-se para Hitler.- Meu Fhrer, o nmero de avies inimigos abatidos pelo baro Von Halder j atinge os sessenta, e por isso foram-lhe atribudas as folhas de carvalho para a sua Cruz de Cavaleiro. - Estendeu-lhe uma caixa de cabedal vermelha. - Peo-lhe, meu Fhrer, que honre este destemido oficial pessoalmente.Hitler olhou, espantado, para Max, com aquele olhar estranho e penetrante, depois acenou a cabea gravemente.- Est enganado, Reichsmarschall. A honra minha. Gring entregou-lhe a medalha, e Hitler, por sua vez, apresentou-a a Max.- O Reich orgulha-se de si, baro. - E virando-se para Elsa: - E a senhora, baronesa, como todas as mes, honra o Reich.A multido inteira explodiu num aplauso. O Fhrer acenou com a cabea e depois, vendo Himmler, fez-lhe sinal, e o Reichsfhrer foi ter com ele.- BEm, CORREU TUDO muito bem - comentou Elsa von Halder.- Sim, deve estar muito orgulhosa do seu filho - disse-lhe Gring. Deu uma palmadinha no ombro de Max e depois viu Hitler fazer-lhe sinal tambm. - O dever chama-me.Hartmann apareceu.- Dolfo ... Max - disse.- Meu Deus, Bubi. - Galland deu uma gargalhada. Max apertou a mo a Hartmann.- Velho matreiro. Pensmos que tivesses ficado acabado depois da queda.- Himmler nomeou-me piloto particular, s que fez questo que eu fosse transferido para as SS.- Bem, no se pode ter tudo. - Max virou-se para a me e apresentou: - Mutti, um velho camarada, Bubi Hartmann.- Sturmbannfhrer - cumprimentou ela. - Que belo uniforme.- Eu no passo de um simples peo, baronesa. - Beijou-lhe a mo. - Posso acrescentar algo ao seu orgulho neste seu filho? Ouvi dizer que o seu outro filho tambm foi condecorado na semana passada.- Cus! - exclamou Elsa.- Como v, as nossas fontes so muito boas. - Virou-se para Max. - O ataque Biggin Hill a 30 de Agosto! Ele foi abatido e teve que saltar de pra-quedas perto de Folkestone.Elsa olhou para Max.- to mau como tu, to mau como o vosso pai. Tm todos os mesmos instintos suicidas.- Deixe l, Mutti. - Max fez sinal ao criado. - Champanhe para todos e vamos beber sade de Harry.TINHA CHOVIDO Em Londres. Harry e o capito Teddy West estavam sentados ao canto do balco no Garrick Club a saborear um whisky quando o brigadeiro Dougal Muriro entrou.- Dougal - chamou West -, junte-se a ns. - Muriro aproximou-se, e West acrescentou: - Harry, lembra-se do brigadeiro Muriro?- Sorriu. - Esteve em Downfield quando o 109 foi testado.Munro sentou-se e ofereceu um cigarro a Harry.- Na verdade, podia fazer-me um favor, meu caro.- E o que , meu brigadeiro?- Ob, no me trate por brigadeiro. Eu era um simples professor de Arqueologia antes da guerra - disse. - o mesmo favor da outra vez, s que agora um avio Fieseler Storch. Amanh de manh? Em Downfield novamente?9 prazer meu.ptimo. Tenho uma surpresa para si. A minha sobrinha vem ter connosco. Molly, Molly Sobel. Meio americana. O pai um major-general do Departamento de Guerra Americano. Uma rapariga brilhante, cirurgi no Hospital Guy presentemente. pena que a me tenha morrido nos bombardeamentos h dois meses.- Lamento - disse Harry Kelso.- No lamentamos todos? - disse Dougal Munro, e foi ento que Molly Sobel entrou no bar, hesitante, pois este era, tradicionalmente, reservado a homens.- Molly, minha querida, vamos para a sala de jantar. Tinha vinte e trs anos, uns meses mais velha que Harry: no eraalta, cerca de um metro e sessenta ou menos, cabelo louro, olhos azuis e uma cara decidida e at mesmo obstinada. Foram feitas as apresentaes e comeram todos empado pastor e beberam uma garrafa de vinho branco.- Um vinho alemo. Que ironia - comentou Molly.- No h nada de mal num bom vinho alemo - disse Harry.- Pensava que Harry era um ianque ao servio da RAF - replicou Molly.- Sem dvida. Mas tambm tenho um irmo gmeo que capito da Luftwaffe. - Sorriu abertamente quando viu que a deixara sem palavras.- E a sair-se muito bem - disse Muriro. - J abateu sessenta.- Como que sabe isso? - perguntou Harry.- Ah, o meu departamento tem esse tipo de informaes. Levantou-se. - Tenho que ir. Tem onde ficar esta noite?Harry abanou a cabea.- Tenho um apartamento na Haston Place, perto do meu gabinete no quartel-general do SOE. Molly fica l, mas tem muito espao. -Muriro deu-lhe uma palmadinha no ombro. - Toma conta dele, minha querida.Saiu, e West acendeu um cigarro.- Oua. Como h cada vez mais ianques a chegar, j possvel formar a Esquadrilha guia: os ianques todos. Vai querer pedir a transferncia, imagino.- Nem por isso. - Harry levantou-se e disse a Molly: - Deve ter muito que fazer. Se me der a morada, apareo l logo noite.- No paro h quarenta e oito horas, por isso tenho folga o resto do dia. O que quer fazer?- Gostava apenas de ir passear - disse-lhe. Virou-se para West. -Vemo-nos de manh, meu capito - e saiu com Molly.Passearam pela cidade, com o ar impregnado de fumo dos bombardeamentos.- Deve ter sido duro para si tudo isto - disse Harry. - Milhares de vtimas, morte, destruio. O seu hospital deve estar a abarrotar.- A maior parte das noites so muito duras, mas vamo-nos aguentando.- Munro disse-me que o seu pai major-general.- verdade. Piloto-aviador, como voc. De bombardeiros.- E a sua me morreu na Blitz. Isso foi duro.- Nem tive tempo para me recompor. Demasiado trabalho nas urgncias.Chegaram ao Embankment e olharam para o rio. Passavam barcos para cima e para baixo.- Que histria essa de o seu irmo estar na Luftwaffe? - perguntou ela.- O meu irmo Max. O nosso pai era americano. Tenho a certeza de que Munro j lhe contou todos os pormenores terrveis acerca da minha me, a baronesa.- E do seu irmo, o baro.- O Baro Negro. Max um verdadeiro s.- Tal como voc. Isso no o incomoda?- Max l e eu aqui? No faz diferena. Se eu tivesse nascido dez minutos mais cedo, estaria eu l e ele c.- No, no o mesmo. O seu irmo estava na Alemanha. No pde escolher de que lado lutar, mas voc pde. Voc escolheu estar aqui.- No evoque motivos nobres. Eu voo. apenas isso. Voei para os Finlandeses, agora voo para os Britnicos. Aviadores so aviadores. Virou-se. - Vamos.Ela deu-lhe o brao.- Parece cansado.- Cansado? - Deu uma gargalhada. - Estou exausto. Estamostodos. Pelo menos, os que sobraram. Est a passear com um fantasma, doutora.Ainda era cedo quando chegaram Haston Place, um agradvel largo antigo com um jardim no centro. O edifcio era de estilo georgiano, o apartamento, espaoso e simptico. A lareira estava acesa na sala. Havia muitas antiguidades em exposio, a maioria egpcias.- Deixe-me oferecer-lhe uma bebida. - Ela serviu whisky para dois copos e fizeram um brinde. - Gostaria de dizer uma coisa. Disse-me que o seu irmo era um s. Bem, voc tambm , e de um meio ianque para outro meio ianque, estou muito orgulhosa de si. - Deu um gole no whisky, de lgrimas nos olhos, e Harry ps-lhe as mos nos ombros.- Molly, minha querida, no deixe que se quebre essa carapaa que a tem mantido inteira. A morte, noite aps noite, depois a sua querida me. Voc j esteve no inferno e voltou.- Ainda l estou.- No. filha de um soldado e uma verdadeira combatente. H-de sobreviver. Agora, ser que posso ver o meu quarto? Adorava tomar um duche.MOLLY ESTAVA SENTADA lareira a ler o Times quando Munro apareceu com o seu ajudante-de-campo, Jack Carter, a coxear atrs.- Ah, ests a, minha querida. Tiveste uma tarde interessante?- Pode dizer-se que sim. - Dobrou o jornal. - Como est, Jack?- Beijou-lhe a face ternamente. - Algum problema com a perna?- Bem, di-me que se farta de vez em quando, mas o que que se h-de fazer?- Voc um homem encantador, Jack Carter.- Chega desse jogo de erotismo vagamente disfarado. Descobriste alguma coisa que no soubssemos, Molly? - perguntou Muriro.- Pouca coisa, e preferia que no me arranjasse estes esquemas tortuosos, tio Dougal. Conversmos sobre o passado, o irmo. Se quer a minha opinio mdica, ele adora o irmo, admira-o; um verdadeiro s, como ele lhe chamou.Harry, que ouvira nas escadas parte da conversa, entrou a sorrir.- Ora aqui estamos. Que delcias nos reservou para esta noite, brigadeiro?- Jantar no River Roorn do Savoy.O jantar estava soberbo: salmo fumado, linguado de Dover, salada, champanhe. Havia uma banda a tocar: Carrol Gibbons e os Orfeus.- Ento, ningum me convida para danar? - perguntou Molly-- Eu estou velho demais, e o Jack j no est para isso. a sua vez, tenente aviador - disse Muriro.Portanto, Harry conduziu-a pista e danaram ao som de "Um Dia de Nevoeiro na Cidade de Londres".- Muito adequado, se substituirmos o nevoeiro por fumo - disse Harry.- Ah, mas isto agradvel - disse Molly. - Sinto-me viva pela primeira vez desde h vrias semanas. Sente-se vivo, Kelso?Antes de ele ter tempo de responder, o chefe de mesa dirigiu-se a Molly por entre os danarinos.- Desculpe, Dra. Sobel. Telefonaram do Guy. Querem-na de volta o mais rapidamente possvel.Voltaram para a mesa.- O hospital? - perguntou Muriro.- Receio bem que sim. Muriro fez sinal a Carter.- Mande-a no meu carro de servio. Ela pegou na carteira, e Carter ajudou-a a vestir o casaco. Molly sorriu e disse:- Tome cuidado consigo, Kelso. Ele no respondeu, e ela saiu, com Carter a coxear atrs.FOI DOIS DIAS depois que Sarah Dixon saiu do Gabinete para os Assuntos da Guerra e caminhou pressa sob o granizo de Inverno. No faltava muito para o Natal, embora isso no tivesse muito significado nos dias que corriam. Apanhou o metro na estao mais prxima. Estava superlotado, todos pareciam cansados e molhados, e ela no se apercebeu de que estava a ser seguida.Fernando Rodrigues era misteriosamente atraente, tinha trinta e cinco anos, estatura mediana e usava chapu de feltro e gabardina. Os detalhes que o seu irmo enviara pela mala diplomtica incluam uma fotografia. Verificou a morada dela: um apartamento em Westboume Grove.Sarah no se apercebera da presena dele quando tirou a chave da porta da rua. Ele apareceu-lhe por trs, e ela virou-se, surpreendida.- Mrs. Dixon? - perguntou ele.- Sim. O que deseja?- Tenho uma mensagem para si. O dia do juzo final chegou. Era o cdigo que lhe haviam dado em 1938, e a resposta dela foi de surpresa:- Meu Deus! Levou tempo a chegar. Entre. Ele seguiu-a para dentro de casa. O apartamento era muito pequeno. Tinha apenas casa de banho, cozinha, sala e um quarto. Ela despiu o casaco.- Quem voc?- Antes de responder, diga-me uma coisa. Continua antibritnica?- claro. Mataram o meu av como um co, e eu hei-de vingar-me. Rodrigues ficou espantado com o controle dela e tambm estranhamente excitado. To classe mdia, to aprumadinha no seu fato de l.- Ento, de que que se trata?- Olhe, deve haver restaurantes aqui perto. Deixe-me convid-la para jantar.Encontraram um italiano tipo familiar em Westbourne Grove e sentaram-se num recanto. Ele pediu uma garrafa de vinho tinto e lasanha para dois. Era incrvel como ele se entusiasmou com ela, acabando por lhe contar tudo.- Chamo-me Fernando Rodrigues. Sou adido comercial naEmbaixada Portuguesa. Comunico atravs de mala diplomtica, o que, claro, inviolvel, com o meu irmo Joel, que tem uma posio semelhante na nossa embaixada em Berlim. tudo muito conveniente e perfeitamente seguro.- E lucrativo. Belo fato esse que traz vestido.- Deve-se gozar a vida, minha senhora. - Sorriu.- Acho que voc um malandro, Mr. Rodrigues, mas gosto de si.- Fernando, por favor. Diga-me, voc alinha ou no?- E claro que alinho. Sou funcionria administrativa na contabilidade do Gabinete para os Assuntos da Guerra. No tenho acesso a nada de interessante.- Quem sabe? As coisas mudam. - Tirou um carto da carteira.- Aqui tem a minha morada e nmero de telefone.No NORTE DE FRICA, os Italianos tinham-se sado mal no seu ataque ao Egipto, e por isso, em Fevereiro de 1941, Hitler colocou o general Romiriel no comando do recentemente criado Afrika Corps, que em breve levou tudo sua frente. Depois, os Britnicos enviaram o general Montgomery para comandar as foras britnicas no deserto, e Harry foi destacado para uma das duas esquadrilhas de Hurricanes britnicos no Egipto.A linha de batalha avanava e recuava continuamente, Mas Montgomery comeou a virar os resultados. Em Setembro de 1942, Harry recebeu a sua terceira Distinguished Flying Cross. Poucos dias depois, seguiu-se El Alamein, o ponto de viragem da guerra no Norte de Africa. Harry foi transferido para os bombardeiros Halifax, ocupados em voos sobre o Mediterrneo at Itlia. Em Janeiro de 1943, ele deveria ter atacado instalaes em Tarento, mas o mau tempo dispersara a esquadrilha. Descendo em dificuldades atravs de nevoeiro, avistara o cruzador italiano Orsini e atacara-o, acertando-lhe em cheio por duas vezes. O navio partiu-se ao meio e afundou-se. Com o avio gravemente atingido, um dos motores parado e dois tripulantes mortos, Harry conseguiu fazer uma aterragem de emergncia na costa egpcia. Recebeu a Distinguished Service Order e foi promovido a comandante de esquadrilha.Quanto a Max, fora promovido a maior e transferido para a frente russa depois de a Alemanha invadir a Rssia em Junho de 1941. A princpio, as vitrias sucederam-se na Rssia. Depois, veio o Inverno e comearam as derrotas. Embora os exrcitos alemes tivessem ficado penosamente retidos na neve, no geral os pilotos russos no estavam altura dos seus adversrios da Luftwaffe. A pontuao de Max subiu rapidamente, at chegar aos sessenta abates na frente oriental, tendo-lhe sido atribudas as espadas para a Cruz de Cavalaria pelo seu trabalho em Estalinegrado, de onde saiu por fim uma semana antes da rendio da Alemanha, em Fevereiro de 1943.DE VOLTA A Berlim, Gring achou que Max j fizera o suficiente e tirou-o da Rssia. Elsa esperava-o na sua suite no AdIon. Ela estava muito bem, nem um dia mais velha, mas ficou chocada com o aspecto dele.- Max, que horror!- No para admirar, Mutti. A Rssia um lugar terrvel, o pior de tudo. Nunca hei-de perceber para que quer Hitler aquilo.Bateram porta, e entrou a criada particular de Elsa, Rosa Stein.- Um recado, baronesa. O general Galland vem encontrar-se com a senhora s sete horas. - Galland fora promovido a major-general em Novembro de 1942 e comandava agora toda a frota area.- Vamos encontrar-nos com Dolfo? - perguntou Max. - Isso ptimo.- Precisas de um bom jantar - disse Elsa. - Por isso, vamos divertir-nos e esquecer o nosso amado Fhrer e o seu maldito Partido Nazi.- A me mudou mesmo - observou Max. - Houve uma altura em que achava que estavam a rejuvenescer a Alemanha.40O VOO DAS GUIAS- Esse tempo j passou h muito, Max. Conheces aquela velha anedota de quem que dirige o asilo de lunticos? Eu acho que sei.- No diga isso muito alto, Mutti. V l, vamos ter com Dolfo. -Enquanto desciam as escadas, acrescentou: - Rosa estava com ar de preocupada.- Tem razes para isso. O marido, Heini, judeu. Ainda no omandaram para um desses campos porque um gnio em electrnica. Mas ultimamente as SS tm andado irrequietas.- Ser que isto nunca vai acabar? - disse Max com ar exausto. Entraram no bar e sentaram-se num sof ao canto.- Notcias de Harry? - perguntou Max.- Nada de especial. Afundou aquele cruzador italiano em Janeiro. Gring contou-me, claro, mas tu tambm j sabes.- Como estar ele? Adorava v-lo - comentou Max. Um momento depois, entrou Galland. Max levantou-se de um salto e deu-lhe um abrao.- Portaste-te bem, Dolfo. - Tocou na Cruz de Cavaleiro.- Eu portei-me bem? - Galland manteve-o distncia de um brao. - Ests com pssimo aspecto. Uns tempos atrs de uma secretria, coronel, s o que precisas.- Coronel? - interrogou Elsa.- Para comear, basta tenente-coronel. Ofereceram-lhe a nomeao na Rssia, e ele rasgou o documento.- A minha vida voar, Dolfo - disse Max. - No posso pilotar uma secretria.- Est bem. Uns tempos nos servios administrativos e depois logo te deixo voar. Frana, se quiseres, a Mancha, como nos velhos tempos.- ptimo - disse Elsa. - Agora que isso est resolvido, vamos jantar?Em LONDREs, nessa noite, Sarah Dixon entrou no pequeno restaurante italiano em Westbourne Grove onde ela e Rodrigues haviam jantado pela primeira vez. Sentado a uma mesa, ele levantou-se para ir aoencontro dela.- Como est?- Tenho uma novidade surpreendente: vou ser transferida para oExecutivo de Operaes Especiais, na Baker Street - disse ela ao sentar-se.- Isso material escaldante - comentou Rodrigues. - O EOE lida com todo o tipo de servio secreto na Europa, introduzindo agentes de pra-quedas, e por a adiante.- o que parece. Mas, oua, no fui destacada para nada de especial. a mesma rotina chata de escritrio, mas pagam-me mais.- As possibilidades so ilimitadas.- Bom, seria agradvel descobrir alguma coisa importante depois de todas as insignificncias dos ltimos dois anos. - Apertou-lhe o brao. - Estou to entusiasmada, Fernando.- No para menos. - Ele inclinou-se e beijou-a.Em AGoSTo de 1943, a Siclia estava ocupada e, em Setembro, tropas aliadas aterraram na Itlia continental. No Cairo, Harry apresentou-se a um oficial de transportes baseado no Hotel Shepherd.- Inglaterra para si, tenente - disse o oficial. - Um Dakota at Malta para reabastecer e depois Gibraltar. O que se passa que um dos pilotos est doente. Importa-se de fazer de co-piloto?- Com muito gosto - respondeu-lhe Harry. No aeroporto, encontrou-se na sala das tripulaes com o piloto, um oficial aviador chamado Johnson, que ficou entusiasmado.- Ora, foi voc que afundou o Orsini. Isso foi obra! Harry ignorou o cumprimento.- Prev alguns problemas?- Agora, a Luftwaff estabeleceu-se no lado alemo da Itlia continental. Vai ser canja. Meia dzia de passageiros.- Algum em especial?- Ah, um brigadeiro qualquer. Esto todos no trio. Harry foi ao trio e encontrou Dougal Munro.- Haver alguma coisa de obscuro por detrs deste nosso encontro, brigadeiro? - indagou Harry.- Ento, eu pareo-lhe esse tipo de pessoa? - replicou Muriro.- Sinceramente, parece.- Bem, est enganado. Voc tem-se coberto de glria desde a ltima vez que nos encontrmos, tal como o seu irmo.- Max? No me diga.- Abateu sabe-se l quantos avies russos. Est nos servios administrativos em Berlim. Subiu um degrau: tenente-coronel.- Que bom para Max.- Sabia que Teddy West agora vice-marechal da Aviao?- No. - Harry ficou genuinamente satisfeito. - Como est a sua sobrinha, a bela doutora?- Molly? Farta de trabalhar. Ela gostou de si, Harry.- No sirvo para ela, brigadeiro. Eu no sirvo para ningum. um milagre ainda estar vivo, e isso no vai durar para sempre.- Est bem, Harry, deixe l isso agora - disse Muriro entusiasticamente. - Acabei de me encontrar com Eisenhower. O seu nome veio baila.- Ai sim? - fez Harry, hesitante.- Ele est admirado de voc ainda no se ter passado para o lado da sua gente.- E qual o lado da minha gente?- H trs Esquadrilhas guia na RAF, Harry. Em Setembro de 42, foram transferidas para a Oitava Fora Area Americana.- Eu sei disso - disse Harry. - E os que se transferiram foram para a Amrica como instrutores. Quem precisa disso?- A Fora Area Americana est cheia de novatos, Harry. No sabem nada.- E que que eu tenho a ver com isso? - respondeu Harry. -Onde estavam eles quando travmos a Batalha de Inglaterra? A brincarem enquanto a Gr-Bretanha resistia?- Eisenhower parece ser da opinio de que voc est a deixar ficar mal o seu pas.- Azar - disse Harry. - Comecei na RAF e vou acabar na RAR Foi o que o meu pai fez n@ Primeira Guerra.- Em Setembro ltimo, todos os americanos tiveram de ser transferidos, Harry.- Veremos o que Teddy West tem a dizer - disse Harry, pensativo.Em INGLATERRA, Harry teve dois dias de licena e foi para uma casinha de campo que comprara perto de Farley Field. A, passeou pela praia de cascalho recordando as batalhas areas sobre a Mancha. Quando tinha fome, ia at Estalagem dos Contrabandistas, no longe de casa, nunca fardado, sempre de camisola e calas.Num dia de chuva fria no final de Setembro, estava ele a atirar pedrinhas ao mar quando ouviu o barulho de um veculo a parar no cimo da praia. Virou-se e viu um carro de servio da RAF, de onde saiu umsargento que puxou de um guarda-chuva e abriu a porta de trs.Teddy West surgiu, resplandecente com o uniforme de vice-marechal.- Harry! - acenou-lhe. - Que bom ver-te. Harry correu na direco dele e apertou-lhe a mo.- Prazer em v-lo, vice-marechal.- Muriro disse-me que ests um bocado em baixo. Pareces-me ptimo.- Ar do mar, comidinha do pub, muito descanso.- ptimo. Entra e vamos at tua casa. Temos muito que conversar.Harry sentou-se ao lado dele no banco de trs.- Trabalho, vice-marechal?- Digamos que sim. Os Americanos continuam a querer agarrar-te, Harry. J tentei fazer desaparecer a tua ficha. Ainda s oficialmente finlands, claro, mas no isso pode durar para sempre. No entanto, tenho uma sugesto.- E que sugesto essa, vice-marechal?- Munro tem uma base secreta num lugar chamado Cold Harbour, na Cornualha. Infiltram agentes em Frana, vo l buscar pessoas e por a fora.- Gostaria que me juntasse a eles?- Podias ser til.- E quais seriam as minhas funes?- Umas idas nocturnas a Frana. Mais testes em avies capturados. Inmeras tarefas. Uma espcie de meu ajudante-de-campo, e isso significa o posto apropriado para quando precisares de mais poderes. -Abriu uma mala que trouxera e retirou um uniforme novo. - Desculpa, Harry, mas fui ao teu alfaiate de Savile Row. Ele ps o novo uniforme na tua conta. A partir de agora, s comandante de aviao. Isso torna-te no equivalente do teu irmo: tenente-coronel, segundo ouvi dizer.- Meu Deus! - exclamou Harry. - No sei o que dizer.DURANTE O MS DE Outubro, Harry trabalhou para West, visitando esquadrilhas e avaliando a preparao para aquilo que se sabia viria a acontecer durante 1944: a invaso da Europa. Era um trabalho aborrecido, mas necessrio. Por estranho que pudesse parecer, Max andava a fazer coisas semelhantes para Galland em Frana, embora passasse algum tempo em Berlim. Tal como Harry, aborrecia-se com a tarefa, mas Galland pedia-lhe que fosse paciente.Uma pessoa que no era paciente era a baronesa Von Halder. No incio do ano, a Gestapo prendera judeus casados com alems. Soldados das SS e agentes da Gestapo fizeram rusgas em laboratrios, escritrios e fbricas e prenderam judeus no local. Mais de trezentas mulheres alems juntaram-se em protesto defronte das instalaes da Gestapo, e, mesmo frente, encontrava-se Elsa, ao lado da sua criada, Rosa Stein, cujo marido, Heini, tinha sido preso. Himmler, olhando pela janela com Bubi Hartmann, no ficou satisfeito.- Mulheres alems decentes em manifestaes destas e apoiadas por uma baronesa de uma das nossas mais antigas famlias. Que vergonha! Uma vergonha ainda maior do que terem casado com judeus.Bubi Hartmann no tinha absolutamente nada contra os Judeus. Defacto, o seu maior segredo era que a sua bisav materna era judia. Felizmente, era um parentesco to afastado que nunca fora divulgado.- claro que os industriais protestaram todos contra as prises -disse Bubi. - Eram todos altamente especializados, constituam umvalor para o Reich. Lembro-me de o senhor ter recentemente salientado a utilidade deles ao Fhrer.Himmler acenou gravemente.- uma grande pena - continuou Bubi - que o ministro da Propaganda no o tenha escutado. Isto foi o resultado da ordem dele.- Aquele imbecil do Goebbels! Sempre foi burro.- O Fhrer no vai ficar satisfeito. Se me permite a sugesto, Reichsfhrer, uma palavra sua. Bom senso, como habitualmente? Deixaria GoebbeIs com cara de parvo.- Tem razo, Hartmann, e uma desculpa para me encontrar com o Fhrer. Tenho outros assuntos para tratar.Quando Hartinann se virou para sair, Himmler acrescentou:- Mais uma coisa. A baronesa Von Halder anda em ms companhias.NESSA MESMA NOITE, na Casa Branca, a Sala Oval estava meio s escuras, apenas com um candeeiro aceso na secretria. Havia papis por todo o lado e o ar estava carregado de fumo. Roosevelt estava sentado secretria na sua cadeira de rodas, segurando um cigarro na habitual boquilha.- Sr. Presidente, mandou chamar-me? - perguntou Abe Kelso.- Sim, senhor, Abe. Como acha que vai a guerra?- Com altos e baixos. Pior na Itlia.- Bem, Abe, isto ultra-secreto, mas os Aliados vo aterrar em Anzio, a sul de Roma, em Janeiro.- O destacamento alemo em Itlia um dos melhores que eles tm. Pode ser difcil.- Conto com isso. Eisenhower e Montgomery mudam-se para Londres em Janeiro para se prepararem para a invaso da Frana. Quero que v para l, Abe, como meu relator pessoal dos factos.- As suas ordens, como sempre, Sr. Presidente.- ptimo. E em relao aos seus netos? Como esto eles?- Bem, aquele de que no falamos agora tenente-coronel na Luftwaffe. Tem medalhas at ao pescoo.- E o outro? Harry, no ?- Comandante aviador. Tambm com medalhas at ao pescoo. Roosevelt franziu a testa.- Quer dizer que ainda pertence RAF? Abe, no acha que ele devia estar nas nossas fileiras?- Ele no v as coisas assim.- Ento, penso que vai ter de faz-lo mudar de ideias, Abe. Fale com ele quando l estiver. Diga-lhe que o desejo do presidente.- s suas ordens, Sr. Presidente.- Excelente. Agora, leve-me at sala de estar que eu preparo-lhe um dos meus clebres martinis antes de se ir embora.SARAH DIXON achou a vida consideravelmente mais interessante no EOE, na Baker Street, do que no Gabinete para os Assuntos da Guerra. Para j, porque, apesar de os seus servios serem administrativos, tinha oportunidade de saber quem era quem: Munro, por exemplo, Jack Carter e outros. Um dia, apareceu West com Harry Kelso.- Ouvi falar aquele comandante aviador - comentou ela com uma mulher chamada Madge Smith na cantina - e pareceu-me americano, mas os distintivos no uniforme so finlandeses.- Ah, Harry l@elso. Um verdadeiro s. Afundou o Orsini. E tens razo, ele ianque. E ajudante do vice-marechal West e faz de intermedirio para Munro.- Intermedirio?- Voos de servios especiais sados de Cold Harbour, na Cornualha.- Que interessante - comentou Sarah. Ainda mais interessante foram os acontecimentos do dia seguinte. Madge pediu-lhe:- S um amor e leva-me este dossier a NeIly, reprografia. Tira cinco cpias. O mais rpido possvel.Pelo caminho, ao descer as escadas, Sarah deu uma espreitadela rpida. Havia uma carta dirigida ao Gabinete para os Assuntos da Guerra, um mapa de Cold Harbour, pormenores sobre os avies geralmente l estacionados, largadas em Frana, voos do Aeroporto de Croydon, em Londres, para Cold Harbour com uma lista de pilotos. Incluindo Harry Kelso.Nem podia acreditar. Entrou na reprografia e encontrou NeIly, uma mulher de meia-idade e cabelo grisalho, a empilhar folhas.- Eles querem isto depressa, NeIly. Cinco cpias.- Que manh esta! Tm-me dado cabo dos ps. Ainda nem tive tempo para ir casinha.- Ento, vai agora. Eu comeo este monte por ti.- s um amor! Saiu pressa, e Sarah copiou rapidamente as folhas, dobrou-as e p-las no bolso. Depois, comeou a tirar as cinco cpias. J tinha quase acabado quando apareceu Nelly.- Abenoada. Aproveitei para fumar um cigarrinho enquanto pude. - NeIly ps clipes nas cpias. - J est, querida, e beijinhos Madge.Foi quatro dias depois que Joel Rodrigues entregou o relatrio secretria de Bubi Hartmann, Trudi, que o levou logo ao seu chefe.- Encontrmos ouro - disse Bubi. - Leia isso.- Reparou no nome de um desses pilotos? - perguntou ela, depois de ler rapidamente.- Harry Kelso, o outro filho da baronesa Von Halder.- Vai contar ao baro?- claro que no, mas a Himmler, sim, nem que seja para lhe mostrar como trabalhamos bem. Diga a Rodrigues que informe Mrs. Dixon de que precisamos de toda a informao possvel. E aumente osirmos Rodrigues para o dobro.MAX PILOTAVA SOZINHO um Junkers MS de Berlim para uma base costeira chamada Fermanville, em Frana. s 2 horas da madrugada, atravessou a costa no meio de nuvens dispersas e com meia-lua. A visibilidade era razovel quando contactou Fermanville e deu a sua posio.- Quem o senhor? - perguntou a voz do controlador de terra.- Coronel Von Halder, venho entregar um novo pssaro negro.- Traz um artilheiro?- No.- pena, baro. Tenho um alvo.- D-me a posio que eu dou uma espreitadela.- Rume a zero seis sete. Distncia do alvo, cinco quilmetros.O Junkers saiu das nuvens, e Max avistou a presa, um bombardeiro Lancaster com fumo a sair do motor de bombordo.- Tenho contacto visual - comunicou, e depois aproximou-se.O outro apresentava grandes estragos: tantos que a torre da metralhadora de r havia desaparecido. Max desceu quinhentos ps atravs das nuvens e apareceu por baixo. O JU 88S tinha um par de canhes de vinte milmetros montados para apontar para cima. Se Max disparasse, rasgaria a barriga do bombardeiro.Olhou para cima e pensou na carnificina que causaria: o vento frio a soprar pelos furos da fuselagem, os mortos e os moribundos. E por umarazo qualquer que o surpreendeu a si prprio pensou: "No. Basta." Deu meia volta, consciente do outro piloto ali mesmo perto de si, naclaridade do luar, ergueu a mo em saudao e afastou-se.Aterrou em Fermanville, rolou at parar e desceu ao mesmo tempo que a tripulao de terra se aproximava. Afastou-se, deprimido, cansa-do e perturbado. Um alvo fcil e tinha-o deixado escapar. Porqu? Nunca fizera uma coisa daquelas. Entrara sempre a matar.- O que que est a passar-se contigo, meu velho? - murmurou para consigo.A PRIMEIRA VEz que Munro pediu a Harry para o levar, a ele e a Carter, at Cold Harbour num Lysander foi um mau voo. Comeara umnovo ano e caa granizo por toda a Cornualha. Comearam a aproximao a mil ps, e por baixo estava a baa de Cold Harbour e o cais com um navio de guerra atracado.- Aquilo no um barco-E alemo? - perguntou Harry.- Exactamente - respondeu Munro alegremente. - No tem nada que ver contigo. Isto um stio tipo mete-te na tua vida, Harry. Vais ver.- E os aldees? - perguntou Harry, iniciando a descida.- Foram todos evacuados, meu caro - respondeu-lhe Carter. -Ainda usamos O Enforcado, que o pub, para o pessoal da base. Uma mulher chamada Julie Legrande gere-o para ns. Ah, ali est a Abadia de Grancester.Pedras cinzentas, duas torres, tudo muito imponente, com um jardim murado at ao rio. Um lago.- Simptico - disse Harry.- Colocamos ali os agentes que levamos para Frana para passarem a noite.Harry planou sobre a abadia e pousou numa pista de erva. Havia dois hangares, vrias tendas e dois avies no ptio, ambos caas alemes. Harry desligou, abriu a porta e apearam-se todos.- Para saciar a sua curiosidade, meu caro, ocasionalmente til, na nossa actividade, usar aparelhos inimigos - disse Muriro.Surgiu um jipe conduzido por uma mulher de trinta e poucos anos.Vestia um casaco de pele de ovelha e tinha o cabelo louro apanhado atrs. Tinha uma cara calma e doce.- Ora c est o nosso brigadeiro - constatou ela a sorrir.- Julie Legrande ... Harry Kelso, ajudante-de-campo do vice-marechal West, da Aviao.- Ah, a sua reputao precede-o.- Basta. Ns levamos o jipe. - Muriro virou-se para Harry. -Voc regressa directamente a Londres. Arranje-lhe uma sanduche ou qualquer coisa na cantina, Julie, depois mande-o embora.48O VOO DAS GUIASA cantina era bastante simples: algumas mesas e cadeiras, um balco, uma cozinha. Estava vazia.- Caf? - perguntou ela.- No. Habituei-me ao ch - respondeu Harry. - Os Ingleses fazem o pior caf do Mundo.Sentou-se e esperou. Ela reapareceu com um bule de ch e um prato de sanduches. Enquanto ele comia, ela acendeu um cigarro e observou-o.- O grande Harry Kelso. Aquele cruzador italiano foi obra.- Sorte - disse Harry. - Uma das poucas vezes que pilotei um bombardeiro. Eu sou piloto de caas.- Mas o que que isso quer dizer? - perguntou Julie. - Pilotar avies de caa um trabalho temporrio. As guerras vo e vm, mas acabam sempre. O que que acontece depois?- Filosofia numa manh molhada na Cornualha? Acho que no me apetece. - Acabou a ltima sanduche. - Tenho de ir andando.- Eu acompanho-o. Ao caminharem para o Lysander, ele disse:- Conhece Molly, a sobrinha de Munro? mdica.- Conheo. Ela vem de Londres quando h uma emergncia. s vezes, as pessoas chegam do lado de l em mau estado.- Compreendo. - Estendeu-lhe a mo. - Prazer em conhec-la.- Espero que nos encontremos mais frequentemente no futuro -acrescentou Julie.Harry subiu para o Lysander, ligou-o e afastou-se. Quando subia atravs de nuvens carregadas, apercebeu-se de repente, chocado, que ela tinha razo: nunca tinha pensado que aquilo fosse mesmo acabar, pelo menos no no seu ntimo.EiSENHOWER E MONTGOMERY chegaram a Inglaterra em Janeiro de 1944. Nesse ms, a Luftwaffe recomeou a bombardear Londres. A Pequena Blitz, como lhe chamaram, no foi to m como da primeira vez, mas suficientemente m. Batedores JU88S, descolando de Chartres e Rennes, marcavam os alvos, e Max5pilotava um deles. Mas os bombardeamentos duraram pouco.Certo dia, Max apresentou-se a Galland no quartel-general da Luftwaff, em Berlim, e encontrou-o na cantina a comer sanduches e a beber cerveja.- Que bom ver-te, Max.- Achei que devamos conversar. - Max sentou-se. - Parece que a nossa ltima surtida sobre Londres j deu o que tinha a dar. Eu gostava de voltar para os 109s. Os Junkers no fazem o meu gnero.Galland franziu a testa e depois assentiu com a cabea.- Fao-te meu ajudante -de -campo na costa francesa. Ters o teu prprio MEI019. O que fazes com ele nas minhas costas no da minha conta. Que tal'?- Perfeito.- ptimo. Tenho de ir andando. A propsito, ouvi dizer que a Gestapo deitou a mo aos generais Prien e Krebs no outro dia, assim como a algum pessoal mais baixo. Corre o boato de que houve um atentado bomba falhado contra o Fhrer. Eram todos membros daquele clube de bridge do Hotel AdIon.- E ento? - perguntou Max.- A tua me no joga l? Max ficou atordoado.- No tenho a certeza.- Acho que era melhor ela ir a outro clube - disse Galland. - Os tempos esto complicados. - Virou-se e saiu.Max telefonou para o gabinete de Bubi Hartmann, mas ele tinha sado, segundo Trudi Braun. Max disse-lhe que queria encontrar-se com ele no bar do Adlon s 6. Ela desligou o telefone, e Bubi pousou a extenso.- Isto mau - disse. - Pode ser acerca do clube de bridge. A me joga com eles.- Mas Max teu amigo.- E que queres que faa? Que arrisque a minha cabea? Trudi abanou a cabea.- s um homem bom, Bubi, na funo completamente errada.- Muito bem. - Bubi alinhou o uniforme. - D-me aquele relatrio acerca da actividade da Resistncia Francesa. Ser uma desculpa para falar com Himmler.O REiCHSFHRER HiMMLER examinou o relatrio e acenou com a cabea.- Muito detalhado. Estes terroristas sero todos detidos e fuzilados.- Com certeza, Reichsfhrer.- E agora tenho de ir ter com o Fhrer ao Bunker.- Alguma coisa em especial? - perguntou Bubi Hartmann.- No tenho a certeza, embora ele no esteja nada satisfeito comaquele atentado no outro dia. Naturalmente, prendemos todos os envolvidos. Um clube de bridge, quem iria acreditar? Foram todos executados imediatamente: Prien, Krebs, uns oficiais subalternos e duas mulheres.Bubi empalideceu. - Fuzilados, Reichsfhrer?- Seria um fim honroso demais para tal escumalha. No. As ordens do Fhrer foram claras: execuo com arame de piano. E no, coronel, a me do seu amigo, a boa baronesa, no se encontrava entre eles. De momento, no h provas suficientes.- Compreendo, Reichsfhrer. Bubi dirigiu-se para a porta, e Himmler chamou-o:- Aconselho-o a reconsiderar a sua amizade com o baro, Hartmann. Voc tem valor para mim, mas ningum indispensvel.Sentado no bar do AdIon, Max tomava um conhaque para acalmar os nervos. Estava receoso, mas no por si, apenas pela me. Que estpida tinha sido, quo incrivelmente estpida. Hartmann entrou.- Bubi, graas a Deus que vieste - disse Max.- S desta vez, Max. No posso arriscar-me. Isto est muito mau.- Conta-me. E foi o que Bubi fez em pormenor.- Agora, j sabes.- Deus misericordioso! Como que eles podem fazer estas coisas?- Podem, acredita. A tua me tem que se acautelar. - Levantou-se. - No voltaremos a encontrar-nos, Max. O prprio Himmler as-sim mo aconselhou.ELSA EsTAvA na sua suite, sentada no sof junto lareira a saborear uma bebida, quando Max entrou.- Meu querido, que bom. Mesmo a tempo de um cocktail.- Esquea isso. Tenho novidades para si. Os seus amigos generais Prien e Krebs e os outros, incluindo duas mulheres, todos membros do seu clube de bridge? Isso diz-lhe alguma coisa?- Ouvi dizer que tinha havido um problema.- E uma maneira de falar. O problema foi um atentado falhado para atirar o Fhrer pelos ares. Os seus amigos foram todos mortos, Mutti, enforcados com arame de piano.Ela ficou visivelmente abalada.- Isso no pode ser verdade.- Hartmann arriscou o prprio pescoo para me avisar. A nica razo pela qual HimmIer ainda no mandou prend-la a si a falta de provas concretas.- Maldito! - exclamou Elsa, com lgrimas de raiva nos olhos. -No podem fazer-me isto.A porta do quarto escancarou-se, e apareceu Rosa, com os olhos inchados de tanto chorar.- Que aconteceu? - perguntou Max.- Mandaram Heini para Auschwitz - disse Elsa.- Como pde isso acontecer, Mutti? Acabou de dizer "Eles no podem fazer-me isto". No foram estas as suas palavras?- Bolas, Max. - Bateu-lhe no peito, e Max agarrou-lhe nos punhos.- Acha que ser baronesa Von Halder interessa alguma coisa? No Terceiro Reich? Acha que Gring vai ajud-la numa embrulhada destas? A me semp