o uso da brincadeira na terapia cognitivo-comportamental

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    O Uso da Brincadeira na Terapia

    Cognitivo-Comportamental

    Alice HadlerGiovanni Kuckartz Pergher

    INTRODUO

    A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), uma abordageminicialmente desenvolvida para o tratamento de transtornos mentaisem adultos (Beck, 1976), vem ganhando um espao muito significati-vo dentre aqueles que buscam atendimento psicolgico para crianas.Sabemos que, a cada dia, h uma variedade de problemas de sademental apresentados nas crianas e que os pais e/ou a escola tm difi-culdade para administrar.

    A TCC parte da ideia fundamental de que aquilo que senti-mos e fazemos influenciado por aquilo que pensamos, de modoque emoes e comportamentos disfuncionais so decorrentes de ma-neiras desadaptativas de pensar. Como uma derivao lgica dessapremissa, a terapia vai orientar o paciente a pensar de maneiras mais

    saudveis, levando a um melhor enfrentamento de seus problemas.Trabalha com problemas que esto afetando o dia a dia da criana,isto , uma abordagem no aqui e agora.

    Quando falamos em TCC com crianas, possvel que pen-semos que igual a do adulto, uma vez que se baseia nos mesmospressupostos. Algumas modificaes, contudo, fazem-se necessriaspara que as crianas possam se beneficiar da TCC. Sabemos que, comcrianas, necessrio todo um envolvimento para elas se engajaremna terapia. A terapia se torna mais trabalhosa, abrangendo a famlia,e o terapeuta tem de usar sua criatividade, pois muitas tcnicas que

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    trabalhamos com os adultos so adaptadas para o entendimento dacriana (Shapiro, Friedberg& Bardenstein, 2006).

    Na terapia de crianas, utilizamos como mtodo para acessaressas formas de pensaro brinquedo , que no tem s o valor de diver-timento, mas uma forma de entrar no mundo da criana e trabalharcognies, emoes e comportamentos em relao ao seu problema.

    por meio do brinquedo que a criana ir expressar seus sen-timentos de tristeza, alegria, preocupao, etc. O brinquedo muitoimportante para o desenvolvimento, pois ajuda a criana a desenvol-ver e treinar habilidades. Assim, no seria sensato deixar de fora da

    terapia um recurso to importante no desenvolvimento infantil. A diferena da utilizao do brinquedo na Terapia Cognitivo-Comportamental se d por trabalharmos com cognies, emoes ecomportamentos que interferem no funcionamento das crianas noseu dia a dia. Para acessarmos esses elementos, precisamos de meiosque a criana conhea para se sentir tranqila; por isso, a utilizaodo brinquedo como meio da criana expressar os sentimentos, emo-es em relao ao problema.

    O brinquedo um instrumento concreto, e a resposta da crian-a para determinado brinquedo tambm concreta, proporcionandoalgo extremamente desejvel para uma terapia que tem por objetivotrabalhar com o problema atual da criana.

    CONCEITO DE BRINCAR

    A TCC focada na criana, embora mantenha o princpio fun-damental de que as cognies tm papel determinante na geraode sentimentos e comportamentos, difere em aspectos significativosem relao terapia com adultos. As crianas, na maioria dos casos,no vo buscar a terapia por vontade prpria; elas so trazidas pelosseus familiares que, por algum motivo, percebem uma mudana sig-nificativa no seu comportamento. S a ideia de ir psicoterapia falarcom um adulto que a criana sequer conhece j traz um sentimentode ansiedade, medos e resistncias. Por esses sentimentos que a crian-

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    a apresenta, envolvemos a brincadeira no processo de tratamento epara motivar a criana, para que a ida ao terapeuta no seja conturba-da e aversiva (Friedberg& McClure, 2004).

    Friedberg e McClure (2004) afirmam que a terapia com adul-tos sentar e conversar adequada para essa populao; mas, naterapia com crianas, a forma de se trabalhar muda, uma vez que esseformato tradicional deixa as crianas tensas, sem reaes e incmo-das. Para agravar essa situao, soma-se o fato de a conversa ser comuma pessoa estranha que, a partir de algum momento, ir fazer parteda vida da criana no sentido de trabalhar questes que, para ela, so

    delicadas. Assim, de suma importncia esclarecer o andamento dotratamento e suas expectativas. Esse esclarecimento e essa expectati-va com crianas so trabalhados de uma forma mais ativa, dinmicae criativa, sendo necessrio, nos primeiros contatos com a criana,estabelecer um bom vnculo, para que o terapeuta desenvolva umtratamento eficaz.

    Na terapia com crianas, utilizamos a brincadeira para entrarno mundo da criana e na linguagem da criana, assim formamosuma boa aliana teraputica. As crianas se expressam por meio dabrincadeira e por meio dela que conseguimos acessar e modificarcognies disfuncionais (Friedberg& McClure, 2004).

    Sabemos que jogos so familiares para as crianas e constituemuma maneira divertida e adequada em termos do desenvolvimento decomunicar os conceitos e as estratgias da TCC. Brinquedos como ma-rionetes ou fantoches so uma maneira de esclarecer comportamentos,

    avaliar cognies, modelar novas habilidades e praticar maneiras maisfuncionais de lidar com problemas (Friedberg& McClure, 2004).Os desenhos e as brincadeiras so uma forma de ajudar as crian-

    as a internalizar e saber do seu problema. comum crianas possu-rem poucoinsight sobre suas dificuldades e/ou resistncia em aceit-las. Assim, com o uso do brinquedo, a criana acaba reconhecendo seusproblemas de uma forma mais tranquila e divertida (Stallard, 2007).

    O ato de brincar marca a infncia, pois ele proporciona uma di-versidade de respostas como: locomoo; orientao; manipulao;explorao e interao social (Florey, 1971; McCall, 1974). A crian-

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    a, por meio da brincadeira, vivencia o ldico e descobre a si mesma,desenvolvendo seu lado criativo (Siaulys, 2005).

    A brincadeira consagrada como uma atividade essencial aodesenvolvimento infantil. Tanto a brincadeira como o ldico estopresentes na educao infantil, conquistando cada vez mais um es-pao no ambiente familiar e no ambiente escolar (Lucariello, 1995).

    Muitos adultos julgam que o brinquedo tem o propsito apenasde divertir as crianas, mas os jogos e as brincadeiras no so apenasuma forma de divertimento; so tambm um fator muito importanteno desenvolvimento infantil, pois constituem um meio de relaciona-

    mento com o ambiente fsico e social.Desde cedo, a principal ocupao da criana a brincadeira,por meio dela a criana desenvolve maneiras de divertimento. Es-sas maneiras fazem com que a criana comece a desenvolver noesde tempo, espao, limite, sendo a brincadeira uma das formas pelasquais a criana adquire essas.

    O brinquedo tambm possibilita a aprendizagem de vrias ha-bilidades, desenvolvendo aspectos emocionais, intelectuais e sociais,fazendo com que o ambiente proporcione um aprendizado enrique-cedor criana (Bomtempo, Hussein& Zamberlan, 1986).

    A brincadeira um meio pelo qual a criana desenvolve a co-municao de uma forma mais ampla entre as pessoas. A criana, pormeio da brincadeira, inicia uma representao de papis do adultoque mais tarde ir desempenhar. Com isso, desenvolve sua capacida-de fsica, verbal e intelectual (Raabe, 1980).

    Packer (1994) afirma que o ato de brincar proporciona crian-a moldar seu mundo de acordo com sua imaginao na construoda brincadeira. com a brincadeira que a criana gerencia e adapta obrincar realidade. Com ele, a criana desenvolve uma ampla varia-bilidade comportamental.

    A partir da brincadeira, surgem novas experincias de como serelacionar com o mundo. Uma importante experincia decorrente doenvolvimento em atividades ldicas ocorre quando a criana comeaa tomar decises se vai jogar ou no, quais sero as regras, determi-nar se algum infringiu alguma regra, e assim por diante. A repetio

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    desse processo de tomada de decises contribui para o desenvolvi-mento da autonomia, criatividade e responsabilidade (Queiroz, Ma-ciel& Branco, 2006).

    Crianas continuam a brincar como antigamente? No nossomundo moderno e tecnolgico, ocorre uma sobrecarga de informa-o e estmulos que at as formas de brincar mudaram muito. Muitosjogos e brincadeiras clssicos passaram a ser pouco praticados pelascrianas (Carvalho, Magalhes, Pontes& Bichara, 2003). Isso nosignifica, contudo, que jogos e brincadeiras mais tradicionais nopossam ser utilizados no setting teraputico.

    Os comportamentos das crianas dependem de um desenvolvi-mento de repertrio comportamental saudvel. Esses comportamen-tos saudveis esto relacionados com um ambiente adequado, estimu-lador, influenciador.

    Sabemos que a espontaneidade a essncia do brincar, por serum ato voluntrio e uma forma de conhecer. O brinquedo se tornauma questo de conhecimento, pois quando brincamos aprendemosa conhecer (Lordelo& Carvalho, no prelo).

    O ato de brincar construdo pela criana por meio de determina-dos objetos e participao em brincadeiras no se torna esttico. De umlado, existe a dependncia de valores e crenas do grupo (famlia) aoqual a criana pertence, sendo esses valores e crenas responsabilidadesdos adultos. De outro lado, existe o brincar construdo pela prpriacriana a partir dos referencias do grupo (famlia) em que a criana estinserida. Dessa outra forma a criana constri seu prprio brincar, ela

    recria um espao de brincadeiras com novos cenrios, inventa funespara os objetos, isso que representa a brincadeira infantil, uma renova-o a cada instante (Queiroz, Maciel& Branco, 2006).

    A brincadeira oferece uma estrutura bsica para as renovaesque ocorrem a cada instante com o ato do brincar, tais como: criaodas intenes voluntrias, formao de planos da vida real, motiva-es intrnsecas e oportunidade de interao. Todas essas renovaescontribuem para o desenvolvimento saudvel da criana (Queiroz,Maciel& Branco, 2006). Tendo em vista a importncia da brincadei-ra no desenvolvimento infantil, seria pouco inteligente deixar de lado

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    essa ferramenta to poderosa por ocasio do tratamento psicoterpi-co dessa populao.

    O QUE TCC FOCADA NA CRIANA?

    A Terapia Cognitivo-Comportamental focada na criana umapsicoterapia amplamente utilizada nos dias de hoje para uma varieda-de de problemas de sade mental apresentados por crianas. Salien-tamos que a TCC focada na criana envolve uma adaptao dos pro-

    cedimentos psicoteraputicos utilizados com adultos, a qual leva emconsiderao o nvel de desenvolvimento da criana (Stallard, 2007). A TCC se baseia na ideia de que aquilo que sentimos e fazemos in-fluenciado por aquilo que pensamos.

    A criana ser ajudada a descobrir a sua maneira prejudicial depensar. Essas maneiras prejudiciais de encarar a realidade tipicamenteprovocam sentimentos de ansiedade, preocupao, tristeza, raiva oudesconforto, fazendo com que as crianas apresentem comportamen-tos disfuncionais, como agressividade, impulsividade, introspeco,egocentrismo, possessividade e isolamento (Stallard, 2007).

    Esses sentimentos causam bastante desconforto, seja para crian-a, seja para as pessoas com as quais convive. Para conseguirmos mu-dar a forma de pensar, sentir e de se comportar, utilizamos mtodos(brincadeiras) que fazem parte do cotidiano da criana, como jogos,marionetes, histrias, brinquedos e quaisquer outros que faam parte

    da realidade da criana (Stallard, 2007). A TCC com crianas se baseia em uma abordagem empricado aqui e agora, ou seja, focamos nossas energias nos problemas porque a criana (ou os pais) est passando no momento. As crianas soorientadas ao, ou seja, elas aprendem fazendo e tendo seu com-portamento reforado (Friedberg& McClure, 2004).

    As crianas espelham o que acontece dentro da famlia e daescola (Ronen, 1998), por isso que o foco da TCC, quando se traba-lha com crianas, no interior do seu ambiente natural principal-mente a famlia e a escola. Para desenvolver um tratamento eficaz, o

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    terapeuta deve avaliar as questes de famlia que ajudam a manter oproblema e tambm direcionar suas intervenes s necessidades dacriana e de sua famlia.

    Sabemos que as crianas apresentam limitaes, preferncias einteresses distintos dos adultos. Sentar e falar de seus problemas paraoutra pessoa que no conhece torna-se perturbador para as crianas.Portanto, a terapia cognitiva com crianas regulada de modo a adap-tar-se s suas capacidades verbais e cognitivas. So os procedimentosteraputicos que devem se adequar criana, e no o contrrio.

    Temos de adaptar as intervenes utilizadas ao nvel de desen-

    volvimento da criana (Friedberg& McClure, 2004). Ento no po-demos deixar de ressaltar a importncia do brinquedo como umaferramenta til na adaptao das intervenes ao nvel de desenvol-vimento da criana.

    A criana ajudada a pensar de uma maneira mais saudvel,descobrir ligao entre pensamento e sentimento, checar as evidn-cias, aprender novas maneiras de lidar e superar problemas e, acimade tudo, fazer as coisas que ela realmente quer fazer sem que issorepresente uma perturbao ao ambiente que a circunda (Stallard,2007). Portanto, as tcnicas que utilizamos na terapia de crianas so,em grande parte, adaptadas e desenvolvidas pelos prprios terapeu-tas; por isso, eles devem utilizar, de forma adequada, a criatividade.

    Quando falamos em criatividade adequada, estamos nos refe-rindo criatividade que envolve utilizar uma variedade de tcnicas emtodos que ajude o engajamento da criana na terapia, auxiliando-a

    a alcanar os objetivos propostos. Essa criatividade envolver o usode vrios meios, como jogos, marionetes, histrias, questionrios,brinquedos; enfim, tudo que ajudar a manter o interesse da crianano processo teraputico.

    A criatividade uma maneira de se comunicar efetivamentecom a criana, para poder explicar de maneira clara e divertida osprincpios da TCC. Ela tem um papel principal e fundamental noprocesso teraputico, por isso os terapeutas devem se sentir vontadecom a ideia de ser criativo quando falamos em atendimento ao pbli-co infantil (Stallard, 2007). Nesse sentido, as intervenes propostas

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    neste captulo no devem ser entendidas como receitas de bolo; an-tes disso, so apenas exemplos de como a criatividade e a brincadeirapodem ser utilizados na TCC com crianas.

    de extrema importncia que o terapeuta use sua criativida-de na questo de adaptar as tcnicas necessrias para determinadacriana. Temos, porm, de levar em considerao que o uso dessastcnicas deve ter um objetivo para a aplicao, no apenas aplicar, eprincipalmente respeitar os princpios bsicos da Terapia Cognitivo-Comportamental (Friedberg& McClure, 2004).

    Em primeiro lugar, para que haja uma participao ativa da

    criana no processo da terapia, preciso conhecer o seu problema.Em segundo lugar, aps saber qual o seu problema, a criana precisasaber que existem meios para modific-lo. Para que ocorra a mudan-a teraputica, o terapeuta ajuda a criana a desenvolver habilidadespara chegar mudana desejada.

    Os mtodos (ferramentas) utilizados so especficos para aque-la problemtica, claro que cuidando o nvel de desenvolvimento quea criana apresenta. importante que consigamos fazer uma parceriacom a criana. Para tanto, preciso utilizar boas habilidades de es-cuta, transmitindo empatia e interesse. Uma excelente forma de de-monstrar empatia tornar a terapia algo divertido (o que no querdizer que a terapia seja uma brincadeira), pois, se nos colocarmosno lugar da criana, facilmente reconheceremos que nos sentiramosmais motivados para mudana se esta acontecesse dentro de uma at-mosfera ldica (Stallard, 2007).

    Shirk (2001) salienta que a terapia cognitiva para crianas ine-rentemente integrativa, com igual nfase e fatores cognitivos, compor-tamentais e interpessoais. O foco direto nas cognies que se supe es-tarem por trs de problemas infantis especficos em muitos programasde tratamento, todavia, em geral extremamente limitado.

    Quando falamos em atendimento infantil, temos de ter emmente que o terapeuta que deve se adaptar a criana e no a crianaao terapeuta; por isso, os terapeutas tm de se adaptar ao funcio-namento da criana. Essa adaptao proporciona um atendimentoadequado e que no fuja da limitao que a criana apresenta para,

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    ento, conseguir uma compreenso do que est sendo trabalhado.Com essa compreenso, possvel obter-se um resultado significativono tratamento (Friedberg& McClure, 2004).

    Quando falamos em terapia com crianas, podemos trabalharde duas formas: 1) dentro do consultrio, onde os pais levam seu filhoou 2) in loco , ou seja, em ambientes fora do consultrio, tais comopracinha, playground , shopping center e outros locais significativos (dispensvel dizer que, nesse segundo caso, precisamos da autorizaodos pais para atender a criana fora do consultrio). Essa troca deambiente permite ao terapeuta avaliar como o funcionamento fora

    da sesso, tendo uma viso mais abrangente e precisa sobre a criana.Frequentemente, informaes teis emergem ao compararmos nossasobservaesin loco com aquelas trazidas pelos pais, uma vez que es-tas ltimas podem estar distorcidas.

    RELAO TERAPUTICA CRIANA/TERAPEUTA

    Na literatura sobre TCC, a relao teraputica vem sendo cadavez mais reconhecida como um dos principais veculos pelo qual amudana teraputica obtida (Freeman& Dattilio, 1998). Na terapiacom crianas, temos de entrar no seu mundo por meio do brinquedo,mas sempre focando o objetivo que precisamos alcanar.

    Segundo Beitman ( apud Rang, 1998) a relao teraputicaproporciona uma troca entre as qualidades do terapeuta e as do pa-

    ciente e entre ambos. Na terapia cognitiva, essa interao terapeu-ta/paciente serve como uma porta de entrada para o andamento dotratamento e para a aplicao de tcnicas. Para que esse vnculo sejaconstrudo, inserimos o brinquedo, pois por ele o terapeuta conseguese aproximar do mundo da criana, saber seus gostos, ou seja, conhe-cer a criana com quem ir trabalhar.

    Com o brinquedo, o terapeuta procura mobilizar a confianada criana em relao a ele, bem como o desenvolvimento de umaconfiana em relao aos procedimentos propostos. Com o brin-quedo, o terapeuta consegue analisar seus problemas, suas dificul-

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    dades e suas limitaes para desenvolver, por meio dessa anlise, umtratamento to idiossincrtico quanto a prpria criana (Caminha& Caminha, 2007).

    O primeiro passo o contrato para o tratamento infantil, quecomea com o terapeuta e os pais da criana. bastante comum que ame seja colocada como a responsvel pelo tratamento. O terapeuta,contudo, no deve aceitar essa posio da me como nica respons-vel pela terapia.

    Quando os pais buscam atendimento para seu filho, funda-mental que faamos uma anamnese bem estruturada, ou seja, passo a

    passo de todo o desenvolvimento da criana. Os pais aprendem comseus pais, as crianas aprendem com seus pais e assim por diante,passando de gerao para gerao por meio de uma cultura. Vamosconstruindo uma bagagem com nossas experincias; por isso, temosde ver como se constituiu a cultura entre as famlias, pois a cultu-ra tem um peso muito importante no desenvolvimento do indivduo(Queiroz, Maciel& Branco, 2006).

    Deve-se sempre trabalhar com a noo de que todos os cuidado-res so igualmente corresponsveis pela evoluo do tratamento. Nesseprimeiro passo que se constitui uma boa relao teraputica que de-ver ocorrer entre o terapeuta e os pais e entre a criana e o terapeuta.

    No segundo passo est o recolhimento de informaes impor-tantes sobre a histria da criana e o principal motivo de os paisterem procurado um atendimento psicolgico, ou seja, a queixa (Ca-minha& Caminha, 2007).

    A relao teraputica, quando falarmos em atendimento infan-til, precisa de uma elasticidade maior, pois trabalhamos com a crian-a, mas tambm com a sua famlia e outros elementos significativosdo seu entorno. Por esse motivo, no podemos ter um contrato indi-vidual e restrito como ocorre com pacientes adultos. Tendo em vistaque grande parte dos motivos que levam os pais a procurarem atendi-mento est relacionada a problemas na escola, salientamos a impor-tncia de o professor, por passar a maioria do tempo com a criana,fazer parte do processo teraputico (Caminha& Caminha, 2007).

    Para que haja uma boa relao teraputica, Rang (1998) des-

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    taca alguns aspectos importantes: o terapeuta deve ter a confiana dacriana; deve passar confiana nos seus procedimentos; deve ser em-ptico e compreensivo; deve encorajar a participao ativa e, o maisimportante, aceitar e respeitar a resistncia mudana.

    de extrema importncia que os pais transmitam criana porque esto indo terapia, se ela sabe o que um terapeuta e o que elefaz e principalmente se a criana sabe o motivo de ir conversar com oterapeuta, ou seja, a queixa. Esclarecer para a criana que h algumascoisas que os pais no esto conseguindo resolver sozinhos e, porisso, esto pedindo ajuda.

    necessrio informar para a criana o que ela ir fazer l; acriana deve saber que o terapeuta ajuda vrias crianas a resolveremproblemas; que o problema no s da criana, mas de toda a famlia;se a criana concordar em ter ajuda; no prometer recompensar por irao terapeuta e d um limite temporal ida ao terapeuta, dizendo que o tempo de solucionar o problema (Caminha& Caminha, 2007).

    Para que a relao teraputica seja verdadeira, tem que ser umarelao profissional. importante salientar essa diferena, pois setrata de uma relao diferente daquelas que a criana costuma esta-belecer com outras pessoas. O terapeuta cumpre o papel de ajudar opaciente com uma postura profissional, isso ajuda a manter a relaoteraputica no sentido de deixar de forma clara o tipo de vnculo quehaver (Rang& Erthal, 1998).

    fundamental uma relao teraputica na qual o terapeutapasse segurana, confiana e acima de tudo que respeite o tempo da

    criana para o andamento do tratamento, para que com tudo issopossa surgir uma relao saudvel entre a criana e o terapeuta, favo-recendo um bom vnculo (Leahy, 2008).

    COMO INTRODUZIR O MODELODA TCC EM CRIANAS?

    A explicao do modelo da TCC s crianas um passofundamental para o tratamento. Tal qual ocorre com adultos, o

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    paciente infantil psicoeducado em relao conexo entre pen-samentos, emoes e comportamentos. Por outro lado, por se tra-tarem de pacientes ainda em desenvolvimento de suas capacidadesintelectuais, preciso descrever o modelo cognitivo e o funciona-mento do tratamento de maneira que permita uma fcil compre-enso (Friedberg& McClure, 2004).

    Para que consigamos trabalhar os problemas apresentados, aprimeira coisa que o terapeuta precisa fazer identificar e definir oproblema que ser tratado na terapia. Claro que essa definio tema participao do terapeuta, mas tambm da criana. Assim alcana-

    mos um objetivo em comum (problema) a ser trabalhado (Friedberg& McClure, 2004). Ao envolver a criana na identificao/formu-lao do problema, ela fica mais propensa a engajar-se no processode mudana, uma vez que no se sente coagida para fazer as coisasde maneira diferente. Todos ns temos a necessidade psicolgica deperceber que estamos fazendo aquilo que estamos fazendo por livre

    -dade psicolgica de liberdade chamada de princpio da reatncia(Reeve, 2006).

    Para que o incio do tratamento ocorra de maneira tima, de-senvolvemos algumas estratgias para minimizar o potencial proble-ma da no compreenso. Utilizamos tcnicas para introduzir o mo-delo, como histrias, jogos, desenhos de bonecos e bales (nuvem depensamento) para fazer com que a criana comece a entender a liga-o entre os eventos, pensamentos, sentimentos e comportamentos

    (Friedberg& McClure, 2004). Muitas crianas chegam terapia nosabendo expressar ou diferenciar seus sentimentos, pensamentos ecomportamentos, o que praticamente inviabiliza a terapia. O auxlio criana nesse sentido, portanto, uma das primeiras atribuies doterapeuta (Friedberg& McClure, 2004).

    Com crianas maiores, que j conseguem pensar em termosmais abstratos, conseguimos apresentar o modelo A-B-C de ma-neira semelhante quela utilizada com adultos. O primeiro passoa ser realizado na sesso o modelo A-B-C, com o objetivo deuma psicoeducao do modelo e tambm um monitoramento dos

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    pensamentos. O terapeuta primeiramente desenha as colunas desituao, sentimento e pensamento e oferece uma situao seguin-te: Suponha que voc esteja em casa e toque a campainha (Frie-dberg& McClure, 2004).

    Aps a situao registrada na sesso, o terapeuta pede para acriana que relate todos os sentimentos que teria como resposta dasituao proposta. Aps os sentimentos serem expressos, o terapeu-ta deve trabalhar ativamente com a criana para explorar todas aspossibilidades que essa situao pode trazer, como uma forma de psi-coeducar para as outras situaes que iram ser desenvolvidas com o

    modelo A-B-C (Friedberg& McClure, 2004). Quando as trs colunas esto completas, o terapeuta expli-ca que o pensamento acarreta um sentimento de forma nica, almde ressaltar o descobrimento de que h vrias explicaes para umamesma situao. Esse modelo faz com que a criana, antes de en-frentar uma determinada situao, reflita sobre a melhor forma paraexecutar a situao com o intuito de obter uma resposta satisfatria.(Friedberg& McClure, 2004).

    EXEMPLO A-B-C: Registro de Pensamento para a apresentao do mo-delo.

    Situao Sentimento Pensamento

    Toca a campainha

    em casaFeliz minha prima.

    Triste o mdico com

    notcias ruins sobremeu irmo.

    Irritado um mendigo pedindocomida.

    Preocupado

    a me de um colega

    com quem brigueina escola.

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    Com crianas um pouco mais jovens, uma abordagem mais l-dica para a psicoeducao do modelo cognitivo pode ser prefervel.Por exemplo, podemos confeccionar com a criana o jogo da me-mria, no qual os pares so o pensamento e a respectiva emoo.Para tanto, o terapeuta entrega para a criana pedaos recortados decartolina, mais ou menos do tamanho de uma carta de baralho. Emmetade desses cartes, a criana desenha fisionomias para cada umadas emoes que experimenta. Na outra metade dos cartes, escreve,em bales, os pensamentos associados a cada emoo.

    Confeccionado o jogo da memria, o terapeuta e a criana defi-

    nem as regras, lembrando que esse jogo diferente do jogo da mem-ria tradicional, no qual a criana acha as duas figuras idnticas do par.Nesse jogo psicoeducativo, a criana vai achar o pensamento (cartodo balo de pensamento) que originou o sentimento correspondente(carto da fisionomia). Assim, a criana, de maneira ldica, vai trei-nando a percepo das conexes entre pensamentos e sentimentos.

    Aqui, ressaltamos a necessidade do uso criativo no uso das tc-nicas. O modelo recm-descrito que utiliza o jogo de memria podesofrer modificaes. Podem ser includas, por exemplo, cartas queenvolvem situaes gatilhos, comportamentos da criana e bales depensamento com imagens. Dependendo das capacidades da criana,as regras podem envolver achar um trio (situao pensamento emoo), e no apenas um par. H um sem-nmero de possibilidadesque podem ser combinadas para adaptar-se necessidade especficade cada criana.

    Exemplo Jogo da Memria: introduzir o modelo.