o tribunal de justiça das comunidades europeias

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Prim@ Facie – ano 2, n. 2, jan./jun. 2003 75 O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias e o princípio da aplicabilidade direta Luciara Lima Simeão da Silva RESUMO. Este artigo estuda o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias e sua atuação na aplicação do princípio da aplicabilidade direta do direito comunitário. Tal princípio, também conhecido como efeito direto, conforme é tratado pela doutrina européia, é considerado característica essencial do processo de integração política, econômica e jurídica que ocorre na Europa desde o início da reconstrução pós-Segunda Guerra. Palavras-chave: Direito Comunitário; Tribunal de Justiça das Comunidades Européias; Princípio da Aplicabilidade Direta. Introdução A União Européia constitui, nos nossos dias, indubitavelmente, a experiência mais avançada em termos de direito da integração. Os Estados europeus, ao começarem sua empreitada rumo à integração econômica, optaram por um caminho mais longínquo e difícil. É esse caminho, a integração jurídica, elemento inovador em relação às tentativas precedentes de unificação do continente europeu, que pode ser considerado a explicação para as razões de seu sucesso e longevidade. Ordem jurídica submetida a um direito comum, a União Européia dispõe de um sistema judiciário à altura desta ambição, isto é, garantindo não apenas o respeito, mas a aplicação do direito comunitário. O sistema jurídico comunitário é notadamente valorizado pelo fato de que o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (CECA, EURATOM e CEE) não é apenas um simples órgão judiciário, como a Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, mas se apresenta como um verdadeiro poder judiciário comunitário (Isaac & Blanquet, 2001:253). Diferentemente do que ocorre com a justiça clássica internacional que, no estado atual das relações internacionais, é essencialmente voluntarista, o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias dispõe de uma jurisdição obrigatória, segundo a qual ele pode ser provocado unilateralmente mesmo contra os Estados membros, e, mais ainda que, dentro do domínio que lhe é assegurado, sua competência é exclusiva e afasta qualquer outro modo de composição dos litígios. Instituído em 1951 pelo Tratado de Paris, o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, sediado em Luxemburgo, vela pelo respeito ao direito comunitário, sua aplicabilidade imediata e direta no ordenamento jurídico dos Estados membros e seu primado sobre os direitos nacionais envolvidos. Composto por quinze juizes e por oito advogados gerais nomeados de comum acordo pelos Estados, o Tribunal de Justiça tem sido assistido desde 1989 por um Tribunal de Primeira Instância. Composto também por quinze juizes, este possui competência

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O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e o princípio da aplicabilidade direta

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  • Prim@ Facie ano 2, n. 2, jan./jun. 2003 75

    O Tribunal de Justia das Comunidades Europiase o princpio da aplicabilidade direta

    Luciara Lima Simeo da Silva

    RESUMO. Este artigo estuda o Tribunal de Justia dasComunidades Europias e sua atuao na aplicao doprincpio da aplicabilidade direta do direito comunitrio. Talprincpio, tambm conhecido como efeito direto, conforme tratado pela doutrina europia, considerado caractersticaessencial do processo de integrao poltica, econmica ejurdica que ocorre na Europa desde o incio da reconstruops-Segunda Guerra. Palavras-chave: Direito Comunitrio;Tribunal de Justia das Comunidades Europias; Princpioda Aplicabilidade Direta.

    IntroduoA Unio Europia constitui, nos nossos dias, indubitavelmente, a

    experincia mais avanada em termos de direito da integrao. Os Estadoseuropeus, ao comearem sua empreitada rumo integrao econmica, optarampor um caminho mais longnquo e difcil. esse caminho, a integrao jurdica,elemento inovador em relao s tentativas precedentes de unificao docontinente europeu, que pode ser considerado a explicao para as razes de seusucesso e longevidade.

    Ordem jurdica submetida a um direito comum, a Unio Europia dispe deum sistema judicirio altura desta ambio, isto , garantindo no apenas orespeito, mas a aplicao do direito comunitrio. O sistema jurdico comunitrio notadamente valorizado pelo fato de que o Tribunal de Justia das ComunidadesEuropias (CECA, EURATOM e CEE) no apenas um simples rgo judicirio,como a Corte Internacional de Justia da Organizao das Naes Unidas, mas seapresenta como um verdadeiro poder judicirio comunitrio (Isaac & Blanquet,2001:253). Diferentemente do que ocorre com a justia clssica internacional que,no estado atual das relaes internacionais, essencialmente voluntarista, oTribunal de Justia das Comunidades Europias dispe de uma jurisdioobrigatria, segundo a qual ele pode ser provocado unilateralmente mesmo contraos Estados membros, e, mais ainda que, dentro do domnio que lhe assegurado,sua competncia exclusiva e afasta qualquer outro modo de composio doslitgios.

    Institudo em 1951 pelo Tratado de Paris, o Tribunal de Justia dasComunidades Europias, sediado em Luxemburgo, vela pelo respeito ao direitocomunitrio, sua aplicabilidade imediata e direta no ordenamento jurdico dosEstados membros e seu primado sobre os direitos nacionais envolvidos. Compostopor quinze juizes e por oito advogados gerais nomeados de comum acordo pelosEstados, o Tribunal de Justia tem sido assistido desde 1989 por um Tribunal dePrimeira Instncia. Composto tambm por quinze juizes, este possui competncia

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    assaz ampla para conhecer de litgios comunitrios, restando competnciaexclusiva do Tribunal de Justia somente questes prejudiciais que tratam dainterpretao do direito comunitrio ou da validade de algum ato comunitrio.

    Desde sua criao, mais de dez mil casos foram apresentados perante oTribunal, que pronunciou perto de cinco mil julgados abrangendo todos os camposde competncia da Unio Europia. Suas decises mais clebres relacionam-se amplitude dos princpios da aplicabilidade imediata e direta do direitocomunitrio e o primado deste em relao aos direitos nacionais internos existentesnos territrios de cada um dos pases membros.

    A questo central desta monografia reside na atuao deste rgojurisdicional frente problemtica da aplicabilidade direta das disposiescomunitrias, sejam elas originrias dos tratados constitutivos ou derivadas dosatos legislativos das instituies europias, em especial os regulamentos e asdiretivas. O direito comunitrio composto de normas dotadas de eficciaimediata, que independem de procedimentos de recepo nos ordenamentosjurdicos nacionais. O efeito direto, por seu turno, refere-se possibilidade de osistema jurdico comunitrio impor imediatamente por si mesmo direitos eobrigaes aos cidados dos pases membros, e, deveras importante, dapossibilidade de qualquer cidado reclamar perante um juiz a aplicao dasnormas comunitrias (Franca Filho, 2002:71), independentemente do queeventualmente possam estatuir as leis ordinrias ou mesmo as Constituies dosatuais quinze Estados membros.

    Desta forma, perquirir-se- a efetiva importncia do Tribunal de Justia paraaceitao, aplicao e consolidao do princpio da aplicabilidade direta dentro doespao jurdico comum da Unio Europia.

    PRIMEIRA PARTE

    Introduo ao sistema jurdico comunitrio

    1 Unio EuropiaNo mundo globalizado em que vivemos, a to propalada formao de

    blocos econmicos deixou de ser apenas uma mera tendncia para transformar-seem realidade. No velho continente, a experincia iniciada h meio sculo,impulsionada pelas lembranas de uma guerra sangrenta que deixara a Europaarrasada, consolidou-se atravs dos anos com as sucessivas adeses de novospases (a Europa dos Seis agora a Europa dos Quinze) e com a institucionalizaodos rgos mximos da Comunidade. O objetivo inicial de integrao econmicaem setores estratgicos como o do carvo e o do ao alargou-se de tal maneira aabarcar no apenas integrao econmica, mas poltica e jurdica.

    Essa integrao jurdica constitui o ponto nevrlgico para explicao dosucesso da Unio Europia. Ao passo que as tentativas anteriores baseavam-se nafora das armas, esta mais recente preferiu apoiar-se na fora e potncia do Direito

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    para instituio e manuteno da integrao entre os pases signatrios dasComunidades. O direito encontrado nos tratados constitutivos bem como o direitoderivado advindo das competncias legislativas dos rgos comunitrios se impeaos Estados membros como realidade inexorvel.

    1.1 Evoluo HistricaConquanto a tentativa de unio dos povos da Europa possa remontar a

    tempos bem longnquos (ao Cristianismo medieval, qui at mesmo Antiguidade), tem-se que o perodo ps-Segunda Grande Guerra cristalizou-secomo de verdadeiro e efetivo progresso nos desejos de integrao europia. Foi apartir de meados da dcada de quarenta e da dcada de cinqenta que o processode integrao europeu tomou renovado impulso e, sem cessar, culminou com oque hoje denominamos de Unio Europia.

    Em 9 de maio de 1950, o Ministro das Relaes Estrangeiras da Frana,Robert Schuman, tornou pblico o que ficaria conhecido como Plano Schuman,declarao dirigida Alemanha Federal, idealizada por ele e por Jean Monnet(Franca Filho, 2002:49-50):

    A Europa no se far de um s golpe nem sem uma construo deconjunto: far-se- mediante realizaes concretas, criando primeiro umasolidariedade de fato. (...) O governo francs prope subordinar o conjuntoda produo franco-alem de carvo e de ao a uma Alta Autoridadecomum, numa organizao aberta participao de outros pases daEuropa. A administrao compartilhada das produes de carvo e de aoassegurar, imediatamente, o estabelecimento de bases comuns dedesenvolvimento econmico, primeira etapa da Federao Europia, emudar o destino dessas regies, h muito consagradas fabricao dearmas de guerra das quais tm sido as mais constantes vtimas. (...) Asolidariedade da produo tornar impensvel e materialmente impossvela guerra entre a Frana e a Alemanha. Esta iniciativa, aberta a outrospases, dever ser o fomento para uma comunidade maior e maisprofunda. (...).

    1.1.1 A Construo Comunitria Europia em Etapas

    1.1.1.1 Tratado de Paris 1951Assinado em 18 de abril de 1951, o tratado de Paris, instituidor da

    Comunidade Europia do Carvo e do Ao (CECA), foi idealizado para durar porcinqenta anos. Os seis pases signatrios (Repblica Federal da Alemanha, Frana,Itlia, Blgica, Luxemburgo e Holanda) colocaram em prtica uma forma decooperao internacional inteiramente nova e pioneira.

    Uma unio aduaneira referente ao carvo e ao ao foi instalada, implicandoa supresso dos direitos de aduana e das restries quantitativas livre circulaode produtos; a proibio de medidas discriminatrias e de subvenes ou ajudasacordadas pelos Estados. O mercado passou ao domnio do princpio da livre

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    concorrncia, no obstante a existncia de um controle de seu abastecimento e dafixao dos preos pela Comunidade. A realizao do mercado comum seriaprogressiva. Primeiramente, ter-se-ia um perodo preparatrio para a criao dasinstituies, seguido de um perodo de transio para que as indstrias nacionaisse adaptassem s novas condies do mercado.1

    O poder supranacional foi confiado a um rgo denominado AltaAutoridade. rgo executivo colegiado, independente dos governos nacionais, aAlta Autoridade era verdadeira instncia supranacional dotada de poder dedeciso. Tinha por misso assegurar, nos prazos, a modernizao da produo e omelhoramento de sua qualidade; o fornecimento do carvo e do ao em condiesidnticas s dos mercados internos; o desenvolvimento da exportao comum paraoutros pases; o melhoramento das condies de trabalho nessas indstrias.

    A Corte de Justia, composta de sete juizes independentes, compunha oslitgios, bem como dispunha de poderes para anular decises.

    O Conselho de Ministros representava os governos na coordenao dapoltica da Alta Autoridade. Sua concordncia restava indispensvel para todadeciso importante da Alta Autoridade.

    essa supra-estrutura poltico-institucional que se revestiu derevolucionria originalidade, e que revelou o esboo e embrio da futura e nodistante experincia de implantao de um verdadeiro mercado comum, estgiomais avanado no processo de integrao europeu que culminou em 1957 com aassinatura de dois outros tratados, como se ver em seguida (Fonseca, 1997:3).

    1.1.1.2 Tratados de Roma 1957Em 25 de maro de 1957, Alemanha, Blgica, Frana, Itlia, Luxemburgo e

    Holanda assinaram em Roma dois tratados, o primeiro criando a ComunidadeEconmica Europia (CEE); o segundo, a Comunidade Europia da EnergiaAtmica (CEEA ou EURATOM).

    O tratado de Roma relativo CEE alargou o campo de cooperaosupranacional e relanou, assim, a construo europia. O domnio econmico,menos sujeito que outros a resistncias nacionais, parecia um campo propcio paraa iniciativa. A CEEA era de uma natureza diferente: no se cuidava de tornarcomuns atividades econmicas j existentes, mas de contribuir formao e aocrescimento de uma indstria nuclear europia.

    No prembulo do tratado CEE, os Estados membros:Declaram-se determinados a estabelecer os fundamentos de uma uniocada vez mais estreita entre os povos europeus; Declaram-se decididos aassegurar, mediante uma ao comum, o progresso econmico e social deseus povos, eliminando as barreiras que dividem a Europa; Tm porobjetivo essencial a melhoria constante das condies de vida e de trabalhode seus povos; Reconhecem que a eliminao dos obstculos existentes

    1 O mercado comum deu-se por iniciado em 10 de fevereiro de 1953 para o carvo e o ferro, e em 1de maio do mesmo ano para o ao.

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    demanda uma ao organizada com vistas a garantir a estabilidade naexpanso, o equilbrio nas trocas e a lealdade na concorrncia; Interessam-se a reforar a unidade de suas economias e a assegurar o desenvol-vimento harmonioso, reduzindo as desigualdades entre as diferentesregies e o atraso das menos favorecidas; Desejam contribuir, graas auma poltica comercial comum, com a supresso progressiva das restriesao comrcio internacional; Declaram-se resolutos a afirmar a paz e aliberdade, e apelam aos outros povos da Europa para que compartilhem deseus ideais e que se associem a seus esforos (...).

    O mercado comum implicou uma unio aduaneira entre os Estadosmembros, resultando no estabelecimento de uma poltica comercial e de uma tarifaaduaneira comum em relao aos Estados no participantes. Estando o mercadoalicerado no princpio da livre concorrncia, o tratado proibiu alianas entreempresas, bem como subvenes estatais ( exceo daquelas com carter social).Outrossim, alm da livre circulao de mercadorias, o mercado nico previuigualmente a abolio, entre os Estados membros, de obstculos livre circulaode pessoas, servios e de capital.

    O tratado da CEE estabeleceu instituies e mecanismos que permitiram aexpresso dos interesses nacionais e comunitrios. Um executivo autnomo emrelao aos governos nacionais foi criado: a Comisso Europia, que possua umdireito de iniciativa exclusivo. O essencial das competncias decisrias cabia aoConselho Europeu, composto de representantes nacionais.

    O Parlamento Europeu tinha, em sua origem, apenas um poder derecomendao. Em 1976, decidiu-se que sua eleio se daria atravs do sufrgiouniversal direto, ocorrendo a primeira experincia em 1979.

    O Tribunal de Justia assegurava o respeito ao direito comunitrio naaplicao e interpretao dos tratados.

    Os efeitos trazidos pelos dois novos tratados, alteraes na polticaaduaneira e supresso das restries quantitativas das trocas durante o perodo detransio (1958-1970), foram espetaculares: o comrcio intracomunitrio foimultiplicado por seis, enquanto as trocas da CEE com terceiros pases,multiplicadas por trs. O PIB mdio progrediu em torno de setenta por cento.2

    A experincia comunitria continuou a evoluir, e no decorrer dos anos,diversos foram os tratados assinados, regulamentando inmeros setores e reasimportantes. Em 1965, o Tratado de Fuso, assinado em Bruxelas, unificou osistema institucional das Comunidades. J na dcada de oitenta, o processo deintegrao, com seis novos membros at ento, demonstrava sinais de que umareforma deveria tomar corpo, o que, de fato, veio a ocorrer, em 1986, com aassinatura do Ato nico Europeu.

    2 Dados colhidos no website www.europa.eu.int.

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    1.1.1.3 Ato nico Europeu 1986.O Ato nico Europeu (AUE) foi assinado em Luxemburgo e ratificado pelos

    parlamentos nacionais em 1986. Entrou em vigor um ano depois, com o escopo dedinamizar a construo europia e atingir o mercado comum interno em 1 dejaneiro de 1993. O AUE revelou-se extremamente importante, de uma parte porqueemendou diversas disposies do Tratado de Roma, e de outra parte, porqueintroduziu uma nova forma de cooperao em matria de poltica estrangeira.

    Com a assinatura do AUE os Estados membros delegaram uma parte de seupoder de deciso s instituies europias em novos setores. A competnciacomunitria foi, destarte, elastecida no domnio da pesquisa e do desenvolvimentotecnolgico, do meio-ambiente e da poltica social. O tratado codificou acooperao em matria de poltica econmica e monetria e previu reformasinstitucionais, com vistas ao cumprimento de novos objetivos:

    a) Extenso do voto por maioria qualificada no seio do Conselho no quetange aos domnios estratgicos para concluso do mercado interno: tarifaaduaneira externa, livre prestao de servios, livre circulao de capitais,transportes martimos e areos, harmonizao das legislaes.

    b) Reforo dos poderes do Parlamento Europeu. Suas competncias foramelastecidas. De uma parte, o parecer favorvel do Parlamento Europeu tornou-senecessrio antes da adoo de atos de ampliao da Comunidade e de acordos deassociao com terceiros pases. Por outro lado, o novo procedimento, dito decooperao, conferiu um poder crescente ao Parlamento.

    c) Institucionalizao do Conselho Europeu. Fixou sua composio: chefesde Estado e de governos dos Estados membros, Presidente da Comisso Europiaassistidos pelos ministros de assuntos estrangeiros e um membro da Comisso.

    d) Criao do Tribunal de Primeira Instncia. Um Tribunal de primeirainstncia veio assistir o Tribunal de Justia das Comunidades Europias para asaes de anulao, carncia ou reparao, interpostas por pessoas fsicas oujurdicas; recursos contra a Comisso Europia, interpostos por empresas; litgiosentre a Unio Europia e seus funcionrios e agentes. Todos as lides podiam sertransferidas a esse Tribunal, com exceo das questes prejudiciais.

    Os Estados membros se comprometeram a seguir uma poltica estrangeiracomum: cada Estado devia levar em conta as posies de seus parceiros assimcomo o interesse europeu comum antes de lanar sua prpria poltica. Intentou-se,em seguida, estender a cooperao entre os Estados membros no domnio dasegurana, notadamente em seus aspectos polticos, econmicos e tecnolgicos.

    A partir da assinatura do AUE generalizou-se uma terminologia simblicapara significao da estruturao da Unio Europia. So os pilares ou colunas daconstruo comunitria europia.

    Justen Filho (2000:34) preceitua que a partir da idia da UE como umedifcio europeu desenvolveu-se uma metfora arquitetnica. Haveria trspilares (e um quarto virtual) a dar consistncia UE.

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    O primeiro corresponde CE, no mbito do qual os Estados-membros, pormeio das instituies comunitrias, exercem conjuntamente a sua soberania nosdomnios visados pelos tratados. O segundo pilar a Poltica Estrangeira e deSegurana Comum (PESC, em francs ou CFSP, em ingls). O terceiro diz respeito Cooperao Judiciria e Questes Internas em Matria Penal (CAIJ, em francsou CJHA em ingls). Envolve questes como concesses de asilos e poltica deimigrao frente a terceiros pases, criminalidade transnacional, extradio,nacionalidade, dentre outras matrias. Cogita-se de um quarto pilar, dito virtualposto que ausente qualquer implementao concreta efetiva. Trata-se daCooperao Reforada, ou, num outro giro verbal, na possibilidade de asinstituies e previses estatudas nos tratados puderem ser utilizadas para finsoutros que os previstos. Essa sistemtica permitiria que os mecanismoscomunitrios no fossem bloqueados em caso de oposio de um ou mais Estadosmembros: os demais poderiam recorrer frmula da cooperao reforada paramanter vivas iniciativas de interesse comum (Justen Filho, 2000:35).

    Evidencia-se luz dos contedos de cada pilar que tal simbologia fruto daexpanso da construo comunitria europia. O primeiro tratado abarcava to-somente o domnio econmico, congregando Estados em reas de atuaoeconomicamente relevantes. Com a assinatura do AUE em 1986, novos camposforam abertos experincia jurdica comunitria, a saber, sobretudo, domniospolticos e sociais, antes no pensados quando do limiar do projeto no ps-guerra.A UE a conjugao de propostas preponderantemente (mas no exclusivamente)econmicas com compromissos de ordem poltico-institucional, em especial quantoao relacionamento com terceiros Estados (Justen Filho, 2000:35).

    O regime a que se submetem diverge do que utilizado para as matriasincorporadas ao primeiro, e digamos, pioneiro pilar. So doutrinas, princpios,caractersticas e competncias prprias que delimitam e disciplinam os aspectosenvolvidos no segundo e terceiro pilares, baseados no mtodo da cooperaointerestatal. Costuma-se dizer que, em regra, abrangem matrias essencialmentepolticas.3

    O contedo de cada um no , de forma alguma, estanque. A rotatividadeexiste e, de fato, com os tratados que se seguiram parte dos assuntos anteriormentetratados dentro da estrutura de um desses dois pilares passou a fazer parte doconjunto reservado ao primeiro pilar, submetido, portanto, ao controle do Tribunalde Justia das Comunidades Europias. O que se quer significar que no hdiferena essencial, ou ontolgica, entre as matrias tratadas por cada um dos trspilares comunitrios. Os interesses nacionais e comunitrios determinam, em certamedida, o modo como cada matria dever ser tratada, e em virtude mesmo da

    3 Com justa razo, afirma Franca Filho (2002: 61) que por estarem, tradicionalmente, vinculados snoes de soberania e independncia nacional, todos os processos decisrios nas reas abrangidaspor matrias do segundo e terceiro pilares ainda tm de resultar da unanimidade entre os Estadosmembros. A UE pretende, no obstante, implementar gradualmente alteraes nessa estrutura.

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    constante movimentao e alterao de tais interesses, os pilares podem sermodelados aos poucos, como de fato, vm sendo ao longo do tempo.

    O Ato nico prolongamento do Tratado de Roma de 1957. Permitiu atransformao, em janeiro de 1993, do mercado comum em um mercado nico,sem fronteiras internas, de vez que abriu as portas para a Unio Europia, quetomar forma com o Tratado de Maastricht.

    1.1.1.4 Tratado de Maastricht 1992.O Tratado assinado em 7 de fevereiro de 1992 em Maastricht, Holanda,

    ultrapassou o objetivo econmico inicial da Comunidade e lhe conferiu umavocao poltica. Marcou uma nova e decisiva etapa no processo de uma uniocada vez mais estreita entre os povos da Europa. Em vigor a partir de 1 de janeirode 1993, instituiu a Unio Europia entre os doze Estados membros daComunidade que se transformariam em quinze em 1995.

    O Tratado reconheceu a cidadania europia a toda pessoa que tivesse anacionalidade de um Estado membro da Unio Europia. A cidadania europia foi,ento, condicionada pela cidadania nacional, mas ela conferiu novos direitos, asaber, o direito de circular e de residir livremente nos pases da Comunidade;proteo no exterior por parte das embaixadas e consulados de quaisquer dosEstados membros; direito de votar e ser eleito no Estado onde reside para aseleies europias e municipais sob certas condies; direito de petio perante oParlamento Europeu.

    A deciso de criar uma moeda nica em 1 de janeiro de 1999 sob a gide deum Banco Central Europeu, consubstanciou a real integrao econmica emonetria no seio do mercado nico. A unio econmica e monetria foi previstapara trs etapas: a primeira, conclusa em 31 de dezembro de 1993, liberou acirculao de capitais; a segunda, a partir de 1 de janeiro de 1994, instauroucoordenao reforada de polticas econmicas, visando reduzir a inflao, as taxasde juros e as flutuaes do cmbio, assim como limitar os dficits e a dvida pblicados Estados membros esses critrios devem assegurar a convergncia daseconomias (critres de convergence) dos Estados membros preliminarmentenecessrias utilizao de uma moeda nica; a terceira e ltima etapa foi a decriao da moeda nica (Euro) em 1 de janeiro de 1999, e de estabelecimento de umBanco Central Europeu.

    Com o Tratado de Maastricht, as competncias comunitrias foramalargadas a novos domnios (educao, formao profissional, cultura, sadepblica, proteo dos consumidores, poltica industrial, redes transeuropias)segundo o princpio da subsidiariedade, i.e., na medida em que os objetivos daao prevista no possam ser realizados de maneira suficiente e razovel pelosEstados membros em mbito nacional ou local. A ao comunitria no substitui aao dos Estados, mas vem complement-la.

    Apoiando-se sobre o mecanismo de cooperao poltica institudo peloAUE, o Tratado de Maastricht instaurou uma poltica estrangeira e de segurana

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    comum que permitiu implementar aes comuns. A deciso devia ser tomada unanimidade, as medidas de acompanhamento podendo ser tomadas por maioriaqualificada.

    O Tratado de Maastricht previu uma reviso dos tratados afim de,notadamente, assegurar a melhor eficcia das instituies comunitrias em face defuturas adeses. O Tratado de Amsterd, assinado com esse fito, em 2 de outubrode 1997, entrou em vigor em 1 de maio de 1999.

    1.1.1.5 Tratado de Amsterd 1999.O tratado afirmou os princpios da liberdade, da democracia e do respeito

    aos direitos humanos. Props organizar um espao de liberdade, segurana e dejustia. Fez, ademais, entrar no campo de incidncia comunitrio diversos novosdomnios. Estabeleceu o princpio de cooperao reforada que permite aos pasesque assim o desejam avanar mais rapidamente em determinados setores. Otratado estipulou como objetivo da Unio Europia um elevado nvel deemprego e, para tanto, previu melhor e maior coordenao entre as polticasnacionais de luta contra o desemprego.

    A poltica social transformou-se poltica comunitria. Todos os Estadosmembros deviam aplic-la. O tratado, ainda, reforou a proteo dos direitosfundamentais, proibiu toda forma de discriminao, reconheceu o direito informao assim como a defesa dos consumidores.

    A Conveno de Schengen, que permite atualmente a livre circulao depessoas sem controle nas fronteiras e organiza a cooperao policial entre dezpases, foi integrada ao novo tratado e se aplica ento a todos pases da UnioEuropia (com condies peculiares para Reino Unido, Irlanda e Dinamarca).

    O controle de imigrao, os vistos, o direito de asilo, a cooperao judiciriaem matria civil surgiam de agora em diante de decises comunitrias, tomadaspor unanimidade durante os cinco anos seguidos da entrada em vigor do tratadocom excees para Dinamarca, Irlanda e o Reino Unido.

    Os pases reforaram numa ao intergovernamental aes de luta contra oterrorismo, o crime organizado, a pedofilia, o comrcio de drogas e armas, a fraudee a corrupo.

    O sistema de decises foi parcialmente revisto. O tratado reforouconsideravelmente a participao do Parlamento Europeu no procedimentolegislativo da Unio Europia, pela generalizao e simplificao do procedimentode co-deciso. O Parlamento e o Conselho de Ministros da Unio Europia, emconjunto, do nascimento maioria dos textos normativos e, sobretudo, aquelesque concernem o cidado, tais como emprego, sade, livre circulao, pesquisa,meio ambiente, igualdade de remunerao.

    No mbito do Conselho, a unanimidade no se faz mais indispensvel paraas questes constitucionais e assuntos importantes tais como a tributao, e,durante cinco anos, para a regulamentao da imigrao e de vistos.

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    1.1.1.6 Tratado de Nice 2001.O Tratado de Nice veio no lastro da necessria reviso da Unio Europia

    frente s novas adeses que se faziam inevitveis. Mostrou-se imperativo, ento,uma mudana profunda no que concerne o sistema poltico e tambm jurisdicionalda UE. Assinado em 26 de fevereiro de 2001, o tratado de Nice est em curso deratificao.

    Quanto ao primeiro, as alteraes dizem respeito ponderao de votos dospases dentro do Conselho da UE, em situaes de maioria qualificada (que,outrossim, foram estendidas). A passagem de quinze a vinte e sete membros (setodos os atos de adeses propostos forem assinados) importaria necessariamentemudanas. O tratado dispe que, a partir de 2005, as decises tomadas por maioriaqualificada comportaro trs critrios simultneos: peso diferenciado dos votospara os pases grandes4, aceitao de pelo menos metade dos pases membros(de forma a evitar que uma pequena minoria com os pesos maiores decida todas asquestes) e, elemento inovador, que a maioria represente ao menos sessenta e doispor cento da populao total da UE.

    Quanto ao sistema jurisdicional, a grande alterao foi alcanada no quetange o papel do Tribunal de Primeira Instncia, que passou a ganhar maioramplitude em suas competncias, podendo at mesmo propor a criao deCmaras Jurisdicionais, especializadas em certos contenciosos e constituir umverdadeiro juiz de direito comum para os recursos internos e, uma pequenaparcela de competncia no que diz respeito a algumas questes prejudiciais emcertas matrias.

    O tratado composto de quatro protocolos e vinte e sete declaraes. Dentreestas, uma soleva de importncia, a Declarao relativa ao futuro da UnioEuropia que j conclama os Estados membros para uma nova conferncia em2004 para discusso de assuntos ainda no satisfatoriamente abordados, emespecial a delimitao de competncias entre a Unio e os Estados membros, ostatus da Carta de Direitos Fundamentais, a simplificao dos tratados, e o papeldos Parlamentos nacionais na arquitetura europia (Isaac & Blanquet, 2001:19).

    1.1.2 Ampliao Subjetiva da Unio EuropiaInicialmente composta de seis pases membros, a UE foi, ao longo dos anos,

    aumentando sua estrutura institucional em vista das contnuas adeses de paseseuropeus no processo de integrao regional. De fato, ainda que o projeto de 4 O tratado prev que a ponderao se estabelecer entre 29 ou 27 votos para os grandes e 3 (Malta)ou 4 para os menores (maioria qualificada de 258 sobre 345, na perspectiva de 27 membros).Anteriormente, os pesos eram de 10 para Alemanha, Frana, Itlia e Reino Unido; 8 para Espanha; 5para Blgica, Grcia, Holanda e Portugal; 4 para Sucia e ustria; 3 para Dinamarca, Finlndia,Irlanda e 2 para Luxemburgo, constituindo, dessarte, a maioria qualificada em 62 votos sobre umtotal de 87. Sobre o assunto ver VIGNES, Daniel. La rpondration des voix des tats-membres ausein du Conseil de LUnion Europenne. O Direito Internacional do Terceiro Milnio. FONSECA, JosRoberto Franco (Org.). So Paulo: LTr, 1998.

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    integrao europia tenha-se iniciado com apenas seis Estados fundadores, asportas sempre estiveram abertas a possveis adeses de novos pases do VelhoContinente.

    Os procedimentos originais de adeso s comunidades variavam nostratados de Paris e nos de Roma. Em ambos os casos, os pedidos de adesodeveriam ser feitos diretamente ao Conselho, que, obrigatoriamente, solicitavaparecer da Comisso antes da pronncia definitiva. A partir desse ponto que osprocedimentos discrepavam.

    No tratado de Paris, instituidor da CECA, o procedimento era inteiramentecomunitrio, i.e., ao Conselho cabia fixar unilateralmente as condies de adeso comunidade, bastando, para tanto, que o candidato depositasse o instrumentojunto ao governo francs, depositrio do tratado. Em relao aos dois tratados deRoma, o procedimento envolvia o conjunto de Estados membros, num ntidoprocedimento convencional: as condies deveriam ser acordadas entre os pasesmembros e os pases aderentes, bem como no se prescindia de uma posteriorratificao de todos esses instrumentos segundo as normas pertinentes internas decada Estado envolvido

    O Tratado sobre a Unio Europia tornou nico o procedimento de adeso Unio, utilizando-se de um expediente mais comunitrio que convencional.

    As adeses devem se submeter a certos critrios de natureza material. Assim que se reserva a qualidade de membro a pases europeus5. Outro critrio assazimportante trata das mudanas que, impreterivelmente, ocorrem quando daincluso de mais um membro na estrutura comunitria. Ainda que ensejemmudanas relevantes no podem de forma alguma trazer renegociaesfundamentais dos tratados instituidores das comunidades. Isaac & Blanquet(2001:24), com a maestria que lhes era peculiar, preconizam que:

    Esta condio se exprime no princpio da aceitao do acquiscommunautaire. Significa que os candidatos devem aceitarimediatamente no apenas os tratados, mas ainda, o conjunto de atosadotados sobre sua base e, mais geralmente, tudo que, a ttulo diverso,cobre a obra das Comunidades desde sua criao. Tem por corolrio aregra de que a soluo dos problemas de adaptao que se apresentamdevem ser procuradas atravs do estabelecimento de medidas transitriase no de modificaes das regras existentes (traduo da autora).

    Destarte, obrigaes surgem de aderir s trs comunidades em conjunto,bem como de igual maneira aos outros dois componentes ou pilares da construoeuropia. Ademais, com o tratado de Amsterd os princpios da liberdade, da

    5 O Marrocos h muito vem pleiteando vaga na Unio Europia, a despeito de sua diversalocalizao geogrfica. Apoia seu pedido nos estreitos laos que mantm com o continente europeu,em especial a Frana. A possibilidade de sua adeso ser efetivada , entretanto, difcil.

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    democracia, do respeito aos direitos humanos e das garantias fundamentais,doravante insculpidos no art. 6, 1 e constituem condio formal para adeso.

    O primeiro ato de expanso subjetiva se deu em incios da dcada de setentaquando aderiram, ento, aos esforos comunitrios o Reino Unido, a Irlanda e aDinamarca. Aps longos anos refutando a idia de qualquer participaovinculatria que importasse limitaes em seu poder de ao, o Reino Unido enfimmostrou interesse em pertencer s Comunidades. Tardaria a conseguir o almejadodiante da insistncia da Frana em no aceitar o novo membro no seio dasComunidades Europias. Sem a anuncia do pas do Hexgono, as negociaestiveram de ser interrompidas, nem mesmo chegando a serem iniciadas anos depoisem nova tentativa britnica. Apenas com a mudana de Presidente francs em 1969novas negociaes foram levadas a cabo no sentido de adeso do Reino Unido. Em22 de janeiro de 1972, foi, portanto, assinado o ato de adeso da Ilha, e tambm deoutros dois pases, a Irlanda e a Dinamarca. Foi tambm assinado, nessa ocasio, oato de adeso da Noruega, que s no se efetivou pela reprovao do referendopela populao.

    Com essa primeira ampliao das Comunidades comeou-se a pr em tela oproblema maior das dificuldades operacionais ocasionadas pelo crescimentonumrico, alm claro, das diversidades culturais e scio-econmicas entre osnovos membros que pretendiam fazer parte das Comunidades.

    Trs novos pases eram candidatos entrada no sistema comunitrio:Grcia6, Espanha e Portugal. Suas adeses se mostravam politicamente desejveis,se no inevitveis. Mas dificuldades considerveis pertinentes ao nvel dedesenvolvimento econmico dos candidatos e s repercusses de um novoaumento do nmero de pases membros sobre o funcionamento das Comunidadesassim como os receios especficos da parte de certos Estados membros diante dopotencial agrcola da Espanha explicam que a ampliao meridional tenha serealizado em dois tempos: em 1 de janeiro de 1981 para a Grcia e 1 de janeiro de1986 para Espanha e Portugal (Isaac & Blanquet, 2001:5).

    O terceiro momento veio em 1995 com as adeses da Finlndia, Sucia eustria. princpio assente o que reporta adeso permanente ou definitiva. Emoutro vocbulo, os tratados no prevem a possibilidade de denncia unilateral oude procedimento de expulso de qualquer membro, donde a doutrina terconsagrado o fato de ter carter perptuo a adeso UE. Consubstancia o princpioo fim ltimo da Unio, vez que se mostra incontornvel a exigncia de umengajamento irreversvel e intuitu personae.

    So muitos os candidatos vaga de pas membro da EU, to grande osucesso da experincia comunitria no Velho Mundo. As negociaes esto abertascom Hungria, Polnia, Repblica Tcheca, Estnia, Eslovnia, Chipre, todos desdemaro de 1998, e com Romnia, Bulgria, Eslovquia, Letnia, Litunia e Maltadesde fevereiro de 2000. 6 A Grcia j dispunha desde 9 de julho 1961 (Acordo de Atenas) de um regime especial deassociao com vistas futura obteno da qualidade de pas membro.

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    Recentemente, em outubro ltimo, a Comisso manifestou-serecomendando a adeso de dez pases para o ano de 20047 (so os doze acimaelencados menos Romnia e Bulgria), embora no tenha deixado de ressaltar olongo caminho que ainda falta percorrer pelos candidatos, sobretudo em virtudeda situao scio-econmica e poltica dentro de suas fronteiras. Problemas comocorrupo generalizada, aparelhamento administrativo no adaptado sinstituies comunitrias, crises sociais so alguns dos obstculos que devem servencidos pelos futuros Estados membros. O ltimo empecilho para a formao daEuropa dos vinte e cinco era a aprovao popular na Irlanda, fato ocorrido em finsde outubro, com pouco mais de 60% da populao a favor.

    Interessante a crescente onda do que veio a ser chamado pelosespecialistas de euroceticismo8. Se no incio da dcada de noventa fazer parte daUE havia se tornado a primeira grande meta nacional de quase todos os pases daEuropa Central e do Leste (a euforia ps-queda muro de Berlim trazia a esperanade uma reunificao dos povos da Europa), o incio do novo sculo trouxealgumas mudanas. O nmero de europeus que se manifestam contrrios spolticas comunitrias europias cresce bastante nesses pases. A falta deinformao, aliada ao medo de perda de valores nacionais, tradies eindependncia econmica h to pouco conquistada, fez com que a UE no mais semostrasse uma unanimidade.

    Do outro lado, os pases ricos no pensam em gastar mais do que j o fazemcom subsdios para financiamento da UE, em especial os que so destinados aosmembros menos desenvolvidos. A Poltica Agrcola Comum ser um dos grandesdesafios para a Europa dos vinte e cinco.

    1.2 Estrutura Institucional

    1.2.1 rgosNa terminologia utilizada pelos tratados constitutivos, apenas cinco grandes

    rgos podem ser designados instituies comunitrias (Casella, 2002:110), a saber,o Conselho, a Comisso, o Parlamento Europeu, o Tribunal de Justia e o Tribunalde Contas. As quatro primeiras instituies constituem a estrutura bsica da UnioEuropia (delineando uma espcie de direito administrativo intracomunitrio). Emrelao a essas, proceder-se- a ao estudo de suas estruturas, seu funcionamento e

    7 A Turquia h muito manifestou seu interesse em abrir negociaes para adeso UE. Por ocasiodo parecer favorvel da Comisso entrada dos dez candidatos, a mesma se absteve de fixar sequera data para abertura das negociaes com Ankara. O regime poltico do pas turco e a questo dosdireitos fundamentais so os principais obstculos adeso da Turquia.

    8 Sobre o assunto, confira SZILAGYI, Zsofia. The Rising Tide of Euroscepticism. Obtida via Internet emwww.eumap.org/articles/content/50/501 e ASH, Timothy Garton. Casamento sem Banquete.Trad. Claire Allain. A Folha de So Paulo, So Paulo, 21 jul. 2002, Caderno Mais.

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    atribuies. O Tribunal de Justia das Comunidades Europias merecer, numsegundo momento, um tpico especfico.

    Cada um dos tratados dispe, cada qual com suas particularidades, sobre aestrutura das quatro instituies de base. O tronco comum foi, no entanto,unificado em duas etapas. A Conveno relativa a instituies comuns, assinadapor ocasio da celebrao dos tratados de Roma, j dispunha que haveria, para astrs comunidades, apenas um Parlamento (denominado ento de Assemblia) eum Tribunal de Justia. O tratado de Bruxelas (tratado de fuso), assinado em abrilde 1965, disps que, a partir de 1967, haveria apenas uma nica Comisso e umnico Conselho.

    1.2.1.1 ConselhoO Conselho tem como particularidade o fato de representar os interesses

    nacionais dentro da Unio Europia. formado por representantes de cada Estadomembro, denominados ministros, da tambm ser chamado de Conselho deMinistros. Os membros do Conselho devem ser responsveis perante osParlamentos Nacionais pelos atos tomados enquanto Ministros da UE. Acomposio de cada sesso do Conselho varia em funo do tema abordado. Assim que, em se tratando de relaes exteriores e questes envolvendo poltica geral,os Ministros so, normalmente, os Ministros de Relaes Exteriores em seus pases;em se tratando de questes econmicas e financeiras, renem-se os Ministrosresponsveis pela economia e finanas pblicas em cada qual dos pases membros.Dessa sorte, ocorre que diversos outros ministros, como da agricultura,transportes, cultura, indstria so chamados a participar das reunies segundo amatria de ordem do dia.

    O Conselho presidido, alternativamente, por um perodo de seis meses(janeiro a julho e agosto a dezembro), por cada um dos Estados membros,seguindo uma ordem preestabelecida. Cabe Presidncia organizar e presidir oconjunto de reunies, assim como impulsionar os processos de deciso legislativa epoltica.

    O Conselho assistido de uma Secretaria Geral, localizada em Bruxelas, queassegura a preparao e o bom andamento dos trabalhos do rgo. presidida porum Secretrio Geral, Alto Representante da PESC, que, por seu turno, assistidopor um secretrio adjunto. Os dois so nomeados pelo Conselho.

    O COREPER (Comit de Representante Permanentes) o rgo cujaatribuio consiste em preparar e apresentar ao Conselho todos os pontos inscritosna pauta do dia. Inicialmente sem grande importncia, ou melhor, amplitude nostextos normativos europeus, o COREPER assumiu um papel cada vez maisrelevante dentro do Conselho da UE. Ele de um lado uma instncia de dilogo;de outro, de controle poltico (Isaac & Blanquet, 2001:52). Dilogo, porque orepresentante permanente assume a funo de advogado de seu pas junto aoConselho, e tambm advogado dos outros pases membros e da Unio junto ao seuprprio governo. unidade de controle poltico na medida em que orienta e

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    supervisiona os trabalhos dos grupos especializados que funcionam junto aoConselho sobre os mais variados assuntos9.

    Em virtude de disposies contidas nos tratado CEE e de Maastricht, so asseguintes as principais competncias do Conselho:

    a) O Conselho o rgo legislativo da UE: para uma larga lista decompetncias comunitrias, exerce este poder normativo em co-deciso com oParlamento Europeu10;

    b) Coordenao das polticas econmicas gerais dos Estados membros;c) Concluso, em nome da Comunidade, de acordos internacionais entre

    esta e um ou mais Estados ou organizaes internacionais;d) Juntamente com o Parlamento Europeu, constitui a autoridade

    oramentria da UE;e) O Conselho toma as decises necessrias definio e aplicao da

    PESC, alm da coordenao de ao entre os pases membros e adoo de medidasno domnio da CAIJ;

    f) rgo de consulta e de tutela da Comisso, sendo, por vezes, chamado adar seu parecer conforme.

    As decises so tomadas por maioria simples, qualificada ou unanimidade,conforme a matria tratada. Como j mencionado alhures, o voto por maioriaqualificada foi, ao longo dos anos, substituindo diversos procedimentos para osquais anteriormente se fazia mister a aprovao de todos os pases membros. Otratado de Nice, ainda no ratificado por todos os Estados, veio reelaborar aquesto da ponderao dos votos dentro do processo da maioria qualificada. Ocampo dentro do qual incide a votao por unanimidade, ainda que tendente adiminuir, no de valor desconsidervel, notadamente em domniosconstitucionais, harmonizao de polticas nacionais e certas polticas comuns(segundo e terceiro pilares)11.

    1.2.1.2 Comisso

    9 No campo agrcola, temos um rgo especializado dentro do COREPER: o Comit EspecialAgrcola; e no campo da Unio Econmica e Monetria, o Comit Econmico e Financeiro.

    10 Em 2000, o Conselho adotou 167 regulamentos e 9 diretivas dentro de suas atribuies de poderlegislativo por excelncia da UE; no mesmo ano, foram 15 regulamentos e 34 diretivas no processode co-deciso junto ao Parlamento Europeu. Dados obtidos de Isaac & Blanquet (2001:57).

    11 A unanimidade pode ser obtida ainda que haja absteno de algum pas membro. que se fazmister um voto contra formal, evitando-se, desta maneira, a poltica assaz costumeira em tempospassados, em especial na ONU Organizao das Naes Unidas, conhecida como chaise vide(cadeira vazia). Um pas, ao se abster de votar em procedimentos que pedem a unanimidade, tinhapoderes de impedir a adoo de medidas consideradas inconvenientes para seus interesses. Tem-seconfigurado, entretanto, uma prtica de no se considerar absteno como um veto, prtica estareconhecida como legal e legtima pela Corte Internacional de Justia em seu leading case Nambia(Malanczuk,1997:375).

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    Em contrapartida ao Conselho, rgo representativo dos interessesnacionais dos pases membros, a Comisso representa o interesse comunitrio. composta por vinte membros, nacionais escolhidos em comum acordo entre osEstados membros, na proporo de dois por cada um dos cinco grandes e um paraos demais. A eles garantida a independncia e proibida toda atividadeincompatvel com o cargo que exercem, verbi gratia, membro do Parlamento em seupas. A nomeao do Presidente feita, desde o Tratado de Maastricht, pelosgovernos dos Estados que escolhem o nome a ser indicado, aps aprovao doParlamento. A partir da, os outros membros da Presidncia so designados com oapoio do Presidente. Os escolhidos so, enfim, submetidos a uma aprovaoformal do Parlamento. Com o Tratado de Nice, esse procedimento sofreu sensveisalteraes, prevendo-se apenas um comissrio por Estado membro, e, competindoao Conselho a designao do Presidente para posterior aprovao do Parlamento.

    A despeito de sua caracterstica colegiada, existe entre os membros daComisso uma repartio precisa de tarefas para a preparao e execuo dasdecises. Tem-se, ento, que cada comissrio responsabiliza-se por um setor bemdefinido de atividades da UE (comissrio de relaes exteriores, comissrio dedesenvolvimento, etc.).

    A Comisso se rene uma vez por semana para debater as matriasconsideradas mais importantes. Para as questes ainda mais delicadas, apenas oscomissrios e o Secretrio Geral participam. Os colaboradores diretos doscomissrios se renem com maior freqncia para discusso de questes tcnicas ecom vistas acelerao e celeridade dos trabalhos. Para as questes menores, osistema do procedimento escrito utilizado: os membros da Comisso recebem porescrito a proposio de deciso; se dentro de um prazo estipulado no houverresposta, seja positiva ou sob forma de reserva, a proposio reputada adotada.Ainda, para medidas meramente administrativas e de gesto, a Comisso podehabilitar um membro responsvel para agir e assinar em seu nome.

    So atribuies que cabem Comisso:a) Salvaguardar as disposies dos tratados e dos atos das instituies,

    assegurando sua aplicao tanto pelos cidados quanto pelos Estados membros oudemais instituies comunitrias. Para adimplemento de suas atribuies comoguardi dos tratados, a Comisso dispe de um poder de informao (soinmeros os artigos dos tratados que dispem sobre a obrigao dos pasesmembros, ou mesmo particulares e empresas, de fornecerem Comissoinformaes sobre medidas, projetos, situaes de fato ou de direito queconcernem s disposies comunitrias12), sancionador (em especial o poder deprovocar o Tribunal de Justia para constatao de faltas) e de aplicao demedidas derrogatrias;

    12 Praticamente todas as diretivas contm uma clusula que exige dos Estados membros anotificao Comisso de todas as medidas tomadas para conformao das legislaes internas sdisposies da referida diretiva.

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    b) Fazer proposies, recomendaes ou emitir pareceres, de um modogeral, no concernente reviso dos tratados, recursos prprios, questesoramentrias, diplomticas. O poder de iniciativa exercido, entretanto, porexcelncia, no exerccio do poder legislativo do Conselho. que este s decide sobproposio da Comisso. Num outro giro verbal, cabe Comisso tomar ainiciativa de quase todos os atos13 que, a posteriori, cabero ao Conselho tornarnormativos;

    c) Exercer as competncias que o Conselho lhe confere para a execuo dosatos estabelecidos. A execuo pode se dar em mbito normativo (ou em cartergeral, normalmente em textos de aplicao), mbito administrativo (ou em carterparticular vis vis dos particulares e dos Estados) e, ainda, em matriainternacional (negociaes de acordos com terceiros pases).

    1.2.1.3 ParlamentoO Parlamento representa, nas palavras do Tratado de Roma da CEE, os

    povos dos Estados reunidos na Comunidade. Composto por seiscentos e vinte eseis membros, com um mandato de cinco anos, o Parlamento passou do processoda cooptao para o sufrgio universal direto, em junho de 1979. Pela primeiravez na histria, os povos das naes da Europa, antes dividida pela guerra, forams urnas para eleger os membros de um mesmo Parlamento. Os Europeus nopoderiam ter concebido mais poderoso smbolo de reconciliao14 (traduo daautora).

    As eleies ocorrem nos mesmos perodos em cada Estado membro.Dispe, porm, cada um, de liberdade de escolha quanto forma como se dar oescrutnio, conforme suas tradies eleitorais. Todo cidado europeu tem direito devotar em qualquer pas pertencente UE.

    Cada Estado membro possui sua delegao, nos seguintes nmeros:Alemanha, noventa e nove; Frana, Itlia e Reino Unido, oitenta e sete; Espanha,sessenta e quatro; Holanda, trinta e um; Blgica, Grcia e Portugal, vinte e cinco;Sucia, vinte e dois; ustria, vinte e um; Dinamarca e Finlndia, dezesseis; Irlanda,quinze e Luxemburgo, seis. O Tratado de Nice traz modificaes a esse respeito,estabelecendo que o nmero total de deputados no dever ultrapassar setecentose trinta e dois, ainda com a adeso dos outros doze candidatos. Isso quer significarque muitos pases tero suas vagas reduzidas. O sistema de mudana ser, todavia,progressivo, esperando-se, dessa forma, que s possa vir a ser colocado em prticaa partir das eleies de 2009.

    13 O quase monoplio da Comisso decorrente do poder de iniciativa conferido ao BCE eminmeros campos relacionados Unio Econmica e Monetria, e tambm do poder de iniciativaindireto fornecido ao Parlamento que pode submeter idias de proposio Comisso.

    14 Texto obtido via Internet em www.europarl.eu.int/presentation/default_en.htm, 2002.

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    Os membros do Parlamento europeu dispem de imunidades relativas aoexerccio de suas atribuies, no podendo ser perseguidos por suas opinies evotos. Sujeitam-se tambm a um regime de incompatibilidades, no podendoexercer outros cargos em instituies comunitrias. Podem, no entanto, cumular ocargo de deputado em seu Parlamento Nacional.

    No que tange ao seu funcionamento interno, o Parlamento dispe decompetncia para adotar seu prprio regimento. O Parlamento pode, ademais, ato nmero de dezessete, criar comisses permanentes, temporrias ou especiais,incumbidas de preparar os pareceres ao Conselho e as resolues de iniciativa.

    Os deputados so agrupados no pela nacionalidade, mas por grupospolticos. Cada grupo dispe de um secretariado e de meios fsicos e operacionaispara seus trabalhos. Tais grupos configuram a estrutura de partidos polticos emmbito europeu. Em outubro de 2002, eram sete os grupos: Partido PopularEuropeu, Partido dos Socialistas Europeus, Partido Europeu dos Liberais,Democrticos e Reformistas, os Verdes/Aliana Livre Europia, Esquerda UnitriaEuropia/Esquerda Verde Nrdica, Unio para Europa das Naes, Grupo para aEuropa das Democracias e das Diferenas. Trinta e dois deputados no estoinscritos em nenhum partido.

    O Parlamento a nica instituio comunitria que se rene e debate empblico. Suas decises, posies e procedimentos so publicados no Jornal Oficialdas Comunidades Europias (JOCE). Uma semana por ms h uma sesso plenriaem Estrasburgo. Duas outras semanas so dedicadas aos encontros das Comissesem Bruxelas. A semana remanescente dedicada aos encontros dos grupospolticos.

    As atribuies conferidas ao Parlamento Europeu foram, ao longo dos anos,estendidas atravs dos tratados, sobretudo o de Maastricht e Amsterd. O seupapel poltico aumentou consideravelmente.

    Como todos os parlamentos, O Parlamento Europeu dispe de trs grandespoderes: poder legislativo, poder oramentrio e poder controlador.

    a) Poder Legislativo. O procedimento comum o da co-deciso, que colocaem p de igualdade o Parlamento e o Conselho, que, juntos, adotam atosnormativos propostos pela Comisso. Tal procedimento adotado, entre muitoscampos de atuao, para matrias envolvendo livre circulao de trabalhadores,estabelecimento do mercado interno, pesquisa e desenvolvimento tecnolgico,meio ambiente, proteo ao consumidor, educao, cultura e sade. Em sntese, oprocedimento o seguinte: a Comisso prope o texto legislativo, no uso de seupoder de iniciativa; o Parlamento adota uma posio a respeito e, eventualmente,prope emendas; O Conselho aprova as emendas, adotando, assim o texto, oumodifica-as, emitindo sobre a proposta uma posio; seguindo recomendao dacomisso especializada, o Parlamento se manifesta uma segunda vez sobre aposio do Conselho, em maioria qualificada; a Comisso, levando emconsiderao a posio do Parlamento, apresenta uma emenda proposta aoConselho, que pode aceit-la por maioria qualificada, ou, ainda, modific-la por

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    unanimidade; nesse caso, formada uma comisso de conciliao composta demembros de ambos os rgos com vistas a um acordo, caso em que um textoconjunto ser adotado; o Parlamento tem, ainda, que ratificar formalmente essetexto. A co-deciso o procedimento padro, embora haja importantes reas nasquais o Parlamento chamado apenas para dar sua opinio. Trata-se de um papelainda importante em virtude de o Conselho no poder, de qualquer forma,prosseguir em seus trabalhos quando o parecer do Parlamento se faz necessrio. Aeficcia do procedimento de consulta foi reforada pelo Tribunal de Justia dasComunidades, que disps que no apenas o Conselho obrigado a solicitar oparecer, mas deve aguard-lo, e, ainda que, uma reconsulta se faz necessriasempre que o texto enfim adotado se diferenciar substancialmente, por meio deemendas, do que sobre o qual se manifestou o Parlamento (Isaac & Blanquet,2001:76). Um terceiro procedimento o de cooperao. Introduzido pelo AUE, teveseu campo de aplicao reduzido em funo da adoo, na maioria dos casos, doprocedimento da co-deciso. Restringe-se s matrias relativas Unio econmicae monetria. Trata-se de submeter ao Parlamento para uma segunda leitura aposio adotada pelo Conselho sobre a proposio da Comisso, aps o parecer doprprio Parlamento.

    b) Poder Oramentrio. As duas instituies incumbidas do poderoramentrio so o Conselho e o Parlamento. Cabe ao Parlamento propormodificaes ao Conselho sobre as despesas ditas obrigatrias da UE e a fazerdiretamente emendas na despesas no obrigatrias. Compete ao Presidente doParlamento acatar o texto final do oramento comunitrio, assinando-o epublicando-o. Em caso de rejeio do projeto, pode pedir ao Conselho que lhesubmeta outra proposta;

    c) Poder Controlador. Consiste no poder original do Parlamento. Foi seestendendo aos poucos e hoje engloba todas as atividades comunitrias, aocontrrio do que ocorria inicialmente, tempo em que a atividade de controle doParlamento se restringia Comisso. Para assegurar seu papel de controlador, oParlamento tem poderes para instaurar comisses temporrias de inqurito.Ademais, pode elaborar questes dirigidas ao Conselho e Comisso sobreassuntos de relevante repercusso dentro da UE. O Parlamento tem, ainda, o poderde censura sobre a Comisso, podendo faz-la cessar as atividades. At a presentedata, tal expediente, extremamente grave, jamais foi utilizado.

    1.2.2 CompetnciasAs competncias atribudas UE possuem uma natureza e amplitude bem

    mais significativas do que as ordinariamente concebidas s organizaesinternacionais estudadas no direito internacional pblico.

    As competncias ditas de ao, que se distinguem das de controle(competncia geral para assegurar a boa execuo das disposies contidas nostratados institutivos), so as mais importantes e consubstanciam os objetivosmesmos das Comunidades de vez que vm enumeradas nos tratados como fins a

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    atingir e aes a cumprir. Antes reservadas matria econmica precipuamente,como j salientamos ao longo do esboo histrico traado, passaram a abarcaroutras reas, atingindo, nos dias hodiernos, um campo de atuao bastante amplo.

    As competncias podem ser vistas sob dois aspectos diversos. De um lado,temos as competncias ditas de ordem internacional, que so, tambm,competncias de que gozam as organizaes internacionais comuns. De outro,temos as competncias internas, exercidas diretamente sobre os cidados dosEstados membros. Revelam esferas de competncia normalmente conferidas aosEstados, da a originalidade do processo de integrao europeu.

    As competncias de carter internacional englobam trs aspectos, a saber,informao, coordenao e controle. As Comunidades dispem de um poder deinformao e consulta para o cumprimento das tarefas que lhe so conferidas.Assim, conforme comentado alhures, a Comisso tem poderes para recolher todasorte de informao que se faa necessria para verificar o bom andamento ecumprimento dos tratados, regulamentos, diretivas, recomendaes, etc. Acoordenao nasce do poder de recomendao que possui a Comunidade, oumesmo de atos obrigatrios como as diretivas, que mais frente sero estudadas.Quanto s competncias de controle, so competncias gerais que visam aassegurar o respeito das disposies impostas aos Estados membros.

    As competncias internas revelam a relao entre a Comunidade e oscidados europeus. Mostram-se sobretudo atravs dos regulamentos, atonormativo geral e abstrato diretamente aplicado nos territrios dos pasesmembros.

    1.2.2.1 O sistema de atribuio de competnciasO sistema comunitrio de atribuio de competncias de tal maneira

    organizado que, dentro dos domnios a ele reservados, a atuao se manifesta deforma precisamente delineada, como si acontecer com as organizaesinternacionais e nos Estados federados. A competncia nacional a regra,constituindo a competncia comunitria a exceo, precisamente delimitada naletra dos tratados. O art. 5 do tratado CE afirma que a Comunidade age noslimites das competncias que lhe so conferidas e dos objetivos que lhe soassinados pelo presente Tratado.

    a) Competncias especficas. No encontramos nos tratados uma seo oucaptulo especial que trate das competncias. As disposies pertinentesencontram-se dispersas. Tambm no so tratadas por matrias (defesa, comrcio,justia civil) como ocorre com a maioria das Cartas Constitucionais, mas o so soba forma de objetivos a atingir. Em alguns casos, como concorrncia e coordenaode polticas econmicas e monetrias, as competncias vm extremamentedelimitadas e especificadas. Em outros, como nos casos de polticas agrrias e detransporte, as competncias se revestem de um carter mais abrangente e geral.Essa diferenciao contribui ainda mais para a problemtica de separao decompetncias entre a UE e os Estados membros;

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    b) Competncias subsidirias. Os artigos 308 CE e 203 CEEA (e, at certoponto, o art. 95 CECA) prevem a possibilidade de extenso das competnciasinstitucionais: se uma ao da Comunidade for necessria para realizar, dentro dofuncionamento do mercado comum, um dos objetivos da comunidade, sem que opresente Tratado tenha previsto os poderes necessrios para tanto, o Conselho, unanimidade sob proposio da Comisso, e aps consulta Assemblia, tomaras providncias apropriadas.

    c) Competncias implcitas. Nascidas da teoria dos poderes implcitos,foram fortalecidas pela atuao do Tribunal de Justia das ComunidadesEuropias. Em sntese, quer significar que as competncias para atingir os objetivosdesejados pelas Comunidades advm no apenas de atribuies explcitas, masderivam implicitamente das disposies. bastante utilizada essa teoria emmatria de competncia externa. Em sede de direito internacional pblico, esse tipode competncia fora igualmente reconhecido quando a Corte Internacional deJustia, no seu julgado Reparation for Injuries, afirmou que as Naes Unidaspossuam no apenas poderes expressamente conferidos por sua Carta, mastambm poderes implcitos quando necessrios para consecuo dos objetivos paraos quais fora concebida (Malanczuk, 1997:367).

    1.2.2.2 Relaes entre as competncias comunitrias e nacionaisEm casos de competncia interna e legislativa, ocorre, invariavelmente,

    discusses a respeito da diviso de competncias entre a UE e os Estadosmembros.

    a) Competncias reservadas ao Estados. Todas as competncias noatribudas UE pertencem ao domnio exclusivo dos Estados membros. No querdizer, e para tanto, o posicionamento do Tribunal de Justia foi preponderante, queos Estados tenham plena liberdade para adotarem medidas que impliquemdiminuio dos efeitos teis dos tratados ou comprometa as finalidades edisposies comunitrias. A ao dos Estados , mesmo em sua competnciareservada, condicionada ao sistema comunitrio.

    b) Competncias concorrentes. De maneira geral, as competncias soconcorrentes entre UE e Estados membros. Apenas o exerccio efetivo dascompetncias comunitrias exclui, paulatinamente, as competncias nacionais. Emcasos em que a competncia comunitria ainda no foi exercida, ou foiparcialmente, a interveno dos Estados possvel, desde que respeitados osobjetivos das comunidades, os princpios gerais do direito comunitrio e asdisposies que, porventura, j tenha adotado a UE. Se a competncia comunitriaj foi integralmente exercida, no cabe mais qualquer interveno estatal.

    c) Competncias exclusivas. O Tribunal de Justia j afirmou a existncia decompetncias comunitrias exclusivas: so matrias pertinentes polticacomercial e pesca martima. A ao dos Estados no radicalmente proibida, devez que, em razo de problemas operacionais, polticos, dado ao Estados

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    tomarem medidas sob autorizao, controle ou aprovao por parte dasinstituies comunitrias competentes.

    1.2.2.3 O sistema de exerccio das competncias comunitriasO sistema de exerccio das competncias foi mais bem regulamentado a

    partir do Tratado de Maastricht sobre a UE.a) Princpio da subsidiariedade. Princpio regulador do exerccio das

    competncias segundo o qual a UE deve intervir apenas quando se afigurar melhora atuao comunitria para consecuo do objetivo perseguido do que a atuaonacional dos Estados membros. claro que o princpio se subscreve scompetncias concorrentes, de vez que, em matria de competncia exclusiva, nocabe perquirir da atuao dos Estados membros. O princpio da subsidiariedadevem insculpido no art. 5, alnea 2 do tratado CE: nos domnios que no lhe soexclusivos, a Comunidade intervm apenas, conforme o princpio dasubsidiariedade, se e na medida em que os objetivos da ao proposta no possamser realizados de maneira suficiente pelos Estados membros e possam, por razesde dimenso ou dos efeitos esperados em relao ao proposta, ser mais bemrealizados em mbito comunitrio.

    b) Princpio da proporcionalidade. Parte integrante dos princpios gerais dodireito comunitrio, significa que os atos das instituies no devem ultrapassar oslimites do que for necessrio e apropriado realizao dos objetivos almejadospela regulamentao em causa, entendendo-se que, em havendo possibilidade deescolha entre diversas medidas, conveniente recorrer quela menos coercitiva. Oart. 5, alnea 3 do tratado CE dispe sobre o princpio: a ao da Comunidadeno excede o que for necessrio para consecuo dos objetivos do presentetratado.

    2 Ordem Jurdica Comunitria

    2.1 Fontes do Direito ComunitrioA expresso fonte do direito, mais comumente apreciada como a origem,

    a procedncia, a causa de existncia das normas jurdicas, tem sido alvo debastantes crticas e divergncias por parte dos doutrinadores. Circunscrevendo suaacepo ao campo do direito, afirma o eminente doutrinador Reale (1998:140) quepor fonte do direito designam-se os processos ou meios em virtude dos quais asregras jurdicas se positivam com legtima fora obrigatria, i.e, com vigncia eeficcia no contexto de uma estrutura normativa.

    No mbito do direito comunitrio no existe uma enumerao formal dasfontes de direito, ao contrrio do que ocorre com o direito internacional clssico,com o art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justia15. O catlogo de

    15 Art. 38 O Tribunal, cuja funo decidir em consonncia com o direito internacional os litgiosque lha so submetidos, aplicar: a) tratados internacionais, gerais ou particulares, que estabelecemregras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) costume internacional, como

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    fontes de direito comunitrio resulta dos tratados institutivos, da prticas dasinstituies comunitrias e do exerccio jurisdicional do Tribunal de Justia dasComunidades Europias.

    O ncleo gira em torno do que se designa direito comunitrio em sentidoestrito ou formal, composto pelas fontes primrias, ou, ainda, originrias, que soos tratados constitutivos das Comunidades; e as fontes derivadas, emanadas pelasinstituies em aplicao dos tratados comunitrios.

    Em sentido amplo, todavia, o catlogo de fontes se estende e abarca todas asnormas, inclusive no escritas, como a jurisprudncia, os costumes (esses, todavia,tm um papel pequeno, quase inexistente dentro do direito comunitrio) e, ainda,as normas advindas de relaes mantidas pela UE com terceiros pases. Nestetpico, analisaremos com mais vagar as fontes primrias e secundrias do direitocomunitrio.

    No se pode olvidar a imensa importncia que cabe jurisprudncia comofonte do direito comunitrio. Dado, sobretudo, o relevo que assume em funomesmo dos objetivos que este trabalho pretende alcanar, seu estudo ficar maisbem traado numa segunda parte em que se analisar o sistema jurisdicionalcomunitrio.

    2.1.1 Fontes Primrias

    2.1.1.1 TratadosOs tratados constitutivos formam o que se convencionou denominar de

    fonte primria ou originria do direito comunitrio, posto que nele esto inseridasas normas mais importantes, alm de todos os objetivos a atingir e a baseinstitucional do processo de integrao europeu. Doutrinadores h que osconsideram (o conjunto de tratados constitutivos, anexos e protocolos e demaisatos modificativos) a Constituio dos Estados integrados. As disposies nelescontidas inauguram o ordenamento jurdico comunitrio e constituem ofundamento de todos os atos jurdicos ulteriores.

    Compem as fontes primrias do direito comunitrio:a) Os tratados originrios. O tratado instituidor da CECA, juntamente com

    seus numerosos anexos e protocolos; os dois tratados de Roma, instituidores daCEE e CEEA, e tambm seus anexos e protocolos;

    b) Os tratados e atos modificativos. So muitos os que se incluem nessacategoria. Dentre os mais relevantes, temos o tratado de fuso, assinado em 1965em Bruxelas, referente estrutura institucional; todos os atos de adeses de novosmembros (quatro ao todo); os tratados oramentrios, assinados em Luxemburgo eBruxelas; a deciso de abril de 1970 a respeito dos recursos prprios dasComunidades.

    evidncia de uma prtica geral aceita como direito; c) princpios gerais de direito, reconhecidospelas naes civilizadas; d) decises judiciais e ensinamentos dos mais qualificados publicistas devrias naes, como meios subsidirios (...) (traduo da autora). Malanczuk (1997:36).

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    Nessa categoria entram tambm os quatro tratados considerados de sumaimportncia para o processo de desenvolvimento das Comunidades, que acaboupor culminar na constituio da UE: o Ato nico Europeu, o Tratado deMaastricht, o Tratado de Amsterd e o Tratado de Nice.

    Os trs tratados instituidores representam acordos independentes uns dosoutros, na falta de um tratado unificador, previsto no Tratado de Bruxelas (defuso) para uma data futura, porm indeterminada. Dessa forma, cada qual regecom autonomia seu campo de atuao. O tratado CE estipula que suas disposiesgerais devem ser aplicadas aos demais apenas na ausncia de disposiesespecficas. como se tivssemos duas leis, uma geral e outra especial. Conforme aregra da especialidade, as normas gerais no derrogam aquelas de carter especial(art. 305 CE).

    Isaac & Blanquet (2001:136) afirmaram com pertinncia que:

    Essa independncia respectiva dos tratados est, todavia, hodiernamentebastante temperada pela vontade do Tribunal de Justia de fazer valeruma maior harmonizao, interpretando as disposies dos trs tratados luz uns dos outros. Primeiramente manejado com precaues, esseprincpio de interpretao permitiu ao Tribunal se apoiar em disposiesde um determinado tratado para interpretar as disposies obscuras de umoutro (Trad. da autora).

    A estrutura dos trs tratados se assemelha e formada por, basicamente,quatro espcies de clusulas ou estipulaes: o prembulo16 e as disposiesiniciais, que dispem sobre os fins ticos, polticos e econmicos das Comunidades;as disposies institucionais, que tratam do sistema institucional dasComunidades; as disposies materiais propriamente ditas; e as disposies finaisque dispem sobre a reviso dos tratados, a entrada em vigor e as modalidades deratificao.

    As regras dispostas nos tratados so o que de mais alto existe na hierarquiado direito comunitrio. Elas prevalecem sobre todos os demais atos normativosderivados e sobre o direito emanado das relaes exteriores. Ainda, so superioresaos acordos celebrados entre os Estados membros e aos tratados concludosposteriormente entrada em vigor dos tratados entre os Estados membros e outrospases. Apenas em relao aos tratados j existentes entre terceiros pases e osEstados membros antes mesmo da entrada em vigor dos tratados constitutivos que o princpio da primazia resta minorado.

    2.1.2 Fontes Derivadas

    16 As disposies dos prembulos tm fora vinculante e normativa e no devem ser interpretadascomo meras declaraes de inteno. Com efeito, o Tribunal de Justia muitas vezes faz expressareferncia a elas em seus julgados.

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    As fontes derivadas no so, como ocorre com os tratados, fontesconvencionais de direito, mas realmente constituem um direito legiferado. Cuida-se aqui de um verdadeiro sistema legislativo, composto por regras emanadas dasComunidades, e no de acordos entre os pases membros. Assemelha-seenormemente aos sistemas legislativos internos, sob esse aspecto.

    O art. 249 do tratado CE dispe: Para o cumprimento de sua misso edentro das condies previstas no tratado, o Parlamento Europeu conjuntamentecom o Conselho, o Conselho e a Comisso emitem regulamentos e diretivas,tomam decises e formulam pareceres e recomendaes.

    Para os outros tratados, o catlogo se assemelha, diferenciando-se, apenas,algumas vezes no tocante terminologia. O regulamento denominado decisogeral no tratado CECA, a diretiva, no mesmo tratado, chamada derecomendao; e a deciso chama-se deciso individual. A natureza do ato nodepende, todavia, da nomenclatura utilizada para discrimin-lo, entendimento jconsolidado pelo Tribunal de Justia.

    As fontes derivadas esto situadas num patamar hierarquicamente inferioraos tratados de integrao. Devem obedincia s disposies contidas nestes e, secom elas entrarem em conflito, devem ser repudiadas. Entre as fontes derivadas,no h, contudo, hierarquia.

    O que pode ocorrer , semelhana dos sistemas normativos nacionais, aexistncia de normas derivadas de aplicao ou de regulamentao (como h leisque necessitam de decretos regulamentares). Nesses casos, h uma hierarquia entreas duas espcies normativas, porquanto a segunda deve obedincia primeira (eambas devem obedincia aos tratados).

    2.1.2.1 RegulamentoEmbora sua denominao possa indicar, primeira vista, uma forma de

    mero exerccio do poder administrativo-regulamentar, ele expressaverdadeiramente uma lei de direito comunitrio (Franca Filho, 2002:78). O art. 249CE dispe que:

    a) O regulamento tem carter geral. O regulamento estatui abstratamente.Como uma verdadeira lei stricto sensu, contm prescries gerais, impessoais eabstratas. No dizer de Forte (1994:93): O regulamento tem incidncia geral,porquanto no indica os destinatrios do ato e suscetvel de produzir efeitos paraum nmero potencialmente indeterminvel ou indeterminado de destinatrios,sejam eles Estados membros ou pessoas fsicas ou jurdicas operantes no mbito daComunidade.

    b) O regulamento obrigatrio em todos os seus elementos. Ao contrriodos pareceres e das recomendaes, os regulamentos constituem atos normativosobrigatrios. Em todos os seus elementos, porque a autoridade da qual emana oregulamento pode impor no apenas os resultados a atingir mas os meios deexecuo e aplicao que devero ser utilizados na persecuo dos resultados. Aaplicao dos regulamentos no pode, portanto, ser seletiva ou incompleta. O

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    poder legislativo se exaure com o prprio regulamento. A regra no absoluta,porquanto a autoridade legislativa pode emitir regulamentos imperfeitos, quepeam eles prprios algum tipo de medida especial de aplicao (nesses casos,porm, no dispe de discricionariedade o Estado).

    c) O regulamento diretamente aplicvel em todo Estado membro. Oregulamento a nica categoria de atos para a qual o tratado prev explicitamentea aplicao direta. Quer significar que os regulamentos comunitrios penetram nosordenamentos dos Estados membros sem que qualquer medida jurdica interna ouqualquer ato de adaptao por parte dos Estados seja necessrio (Forte, 1994:94).

    2.1.2.2 DiretivaDiz o art. 249 CE que a diretiva vincula todo Estado membro destinatrio

    quanto ao resultado, deixando s instncias nacionais a competncia quanto forma e os meios. No magistral esclio de Isaac & Blanquet (2001:144):

    Sua insero corresponde, indubitavelmente, vontade dos redatores dostratados de oferecer s instituies, ao lado dos regulamentos,instrumento de uniformizao jurdica, uma frmula baseada na partilhade tarefas e uma colaborao entre os mbitos comunitrio e nacional,portanto, mais flexvel e respeitosa das particularidades nacionais,especialmente adaptada funo de aproximao das legislaesnacionais. (traduo da autora).

    As caractersticas das diretivas se opem quelas dos regulamentos:a) A diretiva no tem, em princpio, alcance geral, porque destinada apenas

    aos Estados membros. A partir do momento em que as medidas internas sotomadas, o carter normativo da diretiva passa a ser completo. A transposio dadiretiva obrigao de todo Estado e sua falta pode levar responsabilizao doEstado;

    b) A diretiva vincula quanto ao resultado, ao contrrio do regulamento, que obrigatrio em todos os seus elementos. Aos Estados resta liberdade para escolhada medida de transposio bem como dos meios de que se utilizaro. Em outraspalavras, as diretivas prescrevem obrigaes de resultado, sem cominaovinculante quanto aos meios e formas a serem adotados para a efetivao daqueleobjetivo determinado (Casella, 2002:125). Muito j se questionou sobre a liberdadeque possuem os Estados vez que existem diretivas to detalhadas j pelasinstituies comunitrias que a margem de manobra dos Estados membros restaassaz reduzida. De qualquer forma, de se ter em mente que, a despeito de todaliberdade que se possa consagrar, no de se distanciar dos objetivos pretendidospela autoridade que emitiu a diretiva;

    c) A diretiva no , em princpio, diretamente aplicvel. Dependente demedida de transposio interna, a diretiva no tem, primeira vista, efeito diretodentro dos ordenamentos jurdicos nacionais. A jurisprudncia do Tribunal de

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    Justia vem, ao longo do tempo, temperando essa caracterstica, em princpio,bvia, haja vista a obrigatoriedade de transposio por parte dos Estadosmembros, interveno que no deve ser vista to-somente como ato de recepo,sem o qual a diretiva perde seu sentido, mas como ato vinculativo, de execuo.

    2.1.2.3 DecisoSegundo o art. 249 CE, a deciso obrigatria em todos os seus elementos

    para os destinatrios designados. Trata-se, portanto, de um ato normativointermedirio entre o regulamento e a diretiva porque desses toma emprestadoalgumas caractersticas. Como o regulamento, a deciso obrigatria em todos osseus elementos; como a diretiva, obriga apenas aos destinatrios determinados,muitas vezes, mais restritamente ainda, e podendo ser, inclusive um particular. ato jurdico de sentido concreto, como um ato administrativo individual. Mas emalguns casos pode se dirigir a uma coletividade de Estados membros, ou mesmo atodos, prescrevendo uma linha de atuao, assemelhando-se a uma diretiva. Delase distingue, como j salientado, porque pode ser bastante detalhada e lanarobjetivos no apenas de resultados mas de forma e meios. Em relao aplicabilidade direta, dirigindo-se a diretiva a um particular, pessoa fsica oujurdica, o efeito direto no lhe negado. A problemtica surge quando tem comodestinatrio algum pas membro. Nesses casos, as consideraes feitas para asdiretivas aqui se fazem repetidas. Em princpio, no h a aplicabilidade imediata,mas a jurisprudncia j consagrou entendimento diferenciado, dependendo dascircunstncias.

    2.1.2.4 Pareceres e RecomendaesEsses so atos que no vinculam, nas palavras do art. 249 CE. No tm fora

    coercitiva. Os pareceres manifestam opinio e so emitidos em resposta a umaconsulta. As recomendaes constituem uma orientao dada aos Estadosmembros de seguir uma determinada linha de conduta, sendo, emitidas peloConselho e pela Comisso, independentemente de provocao.

    2.2 Caractersticas do Direito ComunitrioO sistema jurdico comunitrio dotado de caractersticas bastante

    peculiares. Em geral, apontam-se as seguintes particularidades, no apenas para omodelo jurdico europeu, mas para qualquer processo de integrao que se baseienos mesmos moldes e tenha as mesmas pretenses:

    a) Autonomia. O ordenamento jurdico comunitrio constitui um aparatojurdico particular, autnomo dos ordenamentos jurdicos internos de seus pasesmembros, bastante em si mesmo quanto aos requisitos de eficcia, validade,vigncia e desenvolvimento.

    b) Estruturalismo. Em funo mesmo de sua autonomia, outra caractersticaque sobressai do direito comunitrio o surgimento de uma estrutura institucional

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    supranacional (como j estudado anteriormente, no modelo europeu). Aarquitetura institucional criada tem por objetivo realizar as competncias nacionaistransferidas, pacticiamente, pelos Estados membros (Franca Filho, 2002:69).

    c) Efeito impositivo. As normas comunitrias tm um carter obrigatrio ese impem a todos os jurisdicionveis, no apenas aos Estados membros e sinstituies comunitrias, mas s pessoas fsicas e jurdicas. O direito comunitriomaterial europeu dispe sobre as sanes para hipteses de descumprimento desuas regras.

    d) Uniformidade de interpretao e aplicao. O direito comunitrio devedispor de uniformidade formal e material, necessitando, para tanto, de algumaparato que ordene e harmonize sua interpretao e sua aplicao.

    e) Efeito direto. O direito comunitrio derivado integra-se automaticamentenos sistemas jurdicos internos, independente de qualquer procedimento derecepo ou incorporao. Diz da possibilidade de impor deveres e criar direitos,por si mesmo, aos cidados, bem como da possibilidade de estes reclamaremperante seus juizes nacionais a aplicao das normas comunitrias. O efeito diretoser objeto de um estudo mais detalhado e especfico na segunda parte destetrabalho.

    f) Primazia. O direito comunitrio se sobrepe ao direito nacional de seusEstados membros. As normas comunitrias tm, ento, prevalncia sobre asnormas jurdicas nacionais, anteriores ou posteriores. a primazia do direitocomunitrio que constitui um dos principais bices a sua plena aceitao pelosclssicos doutrinadores das noes de soberania e Estado17;

    g) Responsabilidade do Estado por violao do direito comunitrio.Princpio segundo o qual os Estados membros so obrigados a reparar prejuzoscausados aos particulares por violaes ao direito comunitrio, no apenas naforma ativa, mas em casos omissivos, como quando o Estado no adota as medidasnecessrias de recepo ou incorporao de atos comunitrios, se isto se afigurarindispensvel, como ocorre com as diretivas.

    17 De fato, na maior parte dos pases membros da UE, modificaes foram introduzidas nos textosconstitucionais, relativizando a superioridade do ordenamento interno em certas circunstncias.Assim ocorreu nas Leis Fundamentais da Frana, Portugal, Espanha, Dinamarca e Itlia.

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    SEGUNDA PARTE

    Organizao jurisdicional da Unio Europia

    3 A Jurisdio ComunitriaO processo de integrao tem por objetivo primordial a construo de uma

    ordem jurdica autnoma, o que no seria vivel sem a possibilidade de seexercerem pretenses e obrigaes atravs do poder judicirio. Por esse motivo, ostratados fundamentais prontamente criaram um rgo jurisdicional para ascomunidades, o Tribunal de Justia das Comunidades Europias.

    O sistema jurisdicional das Comunidades Europias constitui-se, ento, doconjunto de mecanismos de justia que asseguram a aplicao e a garantia dodireito comunitrio e a promoo do processo integrativo, no centro do qual seencontra a Corte de Justia. Por essas mesmas razes, a natureza do sistemajudicirio comunitrio europeu se revela inabitual.

    Com efeito, a justia clssica internacional dita voluntria ou consensual.O recurso a um tribunal internacional decorre, em primeiro lugar, do prvioacordo entre as partes litigantes, alm da sempre presente possibilidade dautilizao das famosas clusulas de reserva. Ao contrrio, o Tribunal de Justia dasComunidades Europias dispe de jurisdio obrigatria, da qual no podem sefurtar os pases membros, sob alegaes de soberania ou interesses nacionaisinarredveis.

    A jurisdio comunitria, por outro lado, aberta a todos, i.e., pode serprovocada por simples particulares, pessoas fsicas ou jurdicas, em especial se lhesgarantindo a possibilidade de litigarem contra os Estados membros. O indivduo geralmente deixado de lado e no participa diretamente nos procedimentos afetos jurisdio internacional18.

    Outrossim, e caracterstica extremamente relevante, o Tribunal de Justia daUnio Europia toma decises que no apenas so dotadas de fora obrigatria,mas de executoriedade no territrio dos Estados membros. As decises dajurisdio clssica, em princpio, so obrigatrias s partes envolvidas, e, na ordeminternacional, apenas.

    O prof. Fontoura (1998:164) se pronunciou, de forma enftica, acerca dosucesso da construo jurisdicional no processo de integrao europeu:

    18 O primeiro tribunal internacional a prever o acesso dos indivduos foi a Corte de Justia Centro-Americana, efmera instituio criada em 1907 e que funcionava na cidade de Cartago, Costa Rica. considerada uma instituio de vanguarda em direito internacional porquanto previu a pessoahumana como sujeito de direito internacional, podendo acionar o Tribunal em conflito com Estadosmembros. Sobre o assunto, conferir SORTO, Fredys Orlando. Consideraes sobre a primeira CorteInternacional de Justia. In: Soluo e preveno de litgios internacionais. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1999.

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    No h como se negar, de fato, a substancial natureza pretoriana daconstruo do direito comunitrio, cujos princpios basilares vm sendodeduzidos a partir da jurisprudncia luxemburguesa, proferida por quinzejuzes que, formal e materialmente, no representam seus Estados, seno ocompromisso aptrida da consolidao e do aprofundamentoscomunitrios.

    No obstante a mxime importncia da Corte Europia para a hermenuticae aplicao do direito comunitrio, a funo jurisdicional no lhe exclusiva,corolrio do princpio da subsidiariedade. O sistema judicirio comunitrio residenum conjunto jurisdicional muito mais vasto que engloba a jurisdio do Tribunaldas Comunidades e as jurisdies dos Estados membros. Embora seja esse tribunala nica jurisdio realmente comunitria, ele no o nico a aplicar o direitocomunitrio. Trata-se, portanto, de um sistema complexo. Com efeito, o prof.Moura Ramos salientou contundentemente que:

    Ter-se apenas um tribunal da comunidade seria, realmente, umretrocesso, at porque um nico tribunal na comunidade no seria outracoisa alm de uma instituio que resolvesse os conflitos polticos entre osEstados, e no os conflitos jurdicos resultantes da necessidade de aplicar-se o direito s instituies livres concretas. Portanto, o sistema europeucriou um sistema judicial hbrido, baseado na coabitao dos tribunaisnacionais e do tribunal da comunidade19.

    Fazem parte do sistema jurisdicional comunitrio, portanto, o Tribunal deJustia das Comunidades Europias e, desde 1989, o Tribunal de PrimeiraInstncia, alm, claro, como acima ressaltado, todo e qualquer membro do PoderJudicirio dos Estados membros quando chamado a exercer suas atribuies emmatria comunitria, em especial a boa e correta aplicao do direito comunitrio.

    3.1 Tribunal de Justia das Comunidades Europias: Tribunal de PrimeiraInstncia

    O Tribunal de Justia das Comunidades Europias (TJCE) instituiocomum s trs comunidades desde a assinatura dos tratados de Roma, em 1957. Osprotocolos que dispem sobre o estatuto do Tribunal so trs documentosformalmente distintos e cada qual trata da organizao e competncia da Cortecomunitria. As disposies procedimentais podem ser alteradas pelo Conselho,por unanimidade, sob demanda do Tribunal e aps consultas Comisso e aoParlamento. O Regimento Interno , porm, elaborado pelo prprio Tribunal.

    Atravs da deciso n. 88/591 do Conselho, de outubro de 1988, autorizadoeste que estava pelo Ato nico Europeu, foi criado, adjunto Corte de Justia, umTribunal de Primeira Instncia. Seu aparecimento teve como origem,

    19 Cf. A soluo jurisdicional, obtida via Internet.

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    principalmente, a enorme concentrao de questes submetidas ao TJCE,quantidade que houvera aumentado consideravelmente nos ltimos anos e queemperrava a boa e clere atuao jurisdicional nas Comunidades20.

    Nos tpicos adiantes, seguir-se- uma pequena explanao acerca dacomposio, estrutura e competncias do Tribunal da Unio Europia e doTribunal de Primeira Instncia, antes do estudo propriamente dito de suajurisprudncia.

    3.1.1 ComposioO TJCE, sediado em Luxemburgo, composto por quinze juizes, assistidos

    por oito advogados-gerais, todos nomeados de comum acordo pelos governos dosEstados membros. Conquanto a prtica revele a preocupao em manter certaparidade numrica entre os pases membros, nenhuma disposio dos tratadosimps a obrigatoriedade da presena de ao menos um juiz por cada nacionalidade.Essa prtica, no entanto, foi consagrada pelo Tratado de Nice que dispsexpressamente nesses termos, a fim, sobretudo, de garantir a presena de juizesfamiliarizados com todos os sistemas jurdicos coexistentes no espao deintegrao europeu.

    Os advogados-gerais21 tm por misso apresentar de forma imparcial eindependente, propostas motivadas de solues aos conflitos de interessessubmetidos apreciao do TJCE. O Tratado de Nice tambm trouxe modificaesnesse ponto, ao declarar ser apenas facultativa a apresentao de pareceres peloAdvogado-Geral.

    Os juzes e advogados-gerais devem ser escolhidos entre as personalidadesque ofeream todas as garantias de independncia e que renam as condiesespecficas em cada Estado membro para exercitarem as mais altas funesjudicantes, ou, ainda, que sejam jurisconsultos de renomado saber.

    O mandato tem durao de seis anos, permitida a reconduo semlimitaes. Durante o exerccio de suas funes, os membros do TJCE gozam deregime especial de imunidades e incompatibilidades com vistas ao perfeito

    20 O mesmo mal vem se repetindo. Com o Tratado de Nice, colocou-se a oportunidade de criao deCmaras especializadas dentro do Tribunal de Primeira Instncia com vistas diminuio doretardo da entrega da prestao jurisdicional, dado o sempre crescente nmero de litgios.

    1961 1970 1980 1990 2000Aes perante o TJCE 28 80 280 384 503Aes perante o TPI - - - 59 398TOTAL 28 80 280 443 901Dados obtidos em www.eumap.org/articles/content/80/801, acessada em 13 nov. 2002.

    21 Os advogados-gerais tm inspirao na figura francesa de Comissrio do Governo, cuja funoconsistia na apresentao jurisdio administrativa francesa (Conselho de Estado) pareceresacerca dos litgios em questo (Isaac & Blanquet, 2001:262).

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    cumprimento de suas misses institucionais. O presidente do Tribunal eleitoatravs de escrutnio secreto pelos prprios juizes, para um mandato de trs anos.

    Dispe, ademais, o TJCE de prpria infraestrutura administrativa,sobretudo de Servio Lingstico, cuja misso reveste-se de imensa importncia namedida em que a Corte instada a se pronunciar nas onze lnguas oficiais daUnio Europia.

    O Tribunal de Primeira Instncia (TPI) composto de quinze membros,nomeados igualmente em comum acordo pelos governos dos Estados membros,dentre candidatos que preencham certos requisitos para investidura na funojurisdicional, por um mandato de seis anos, prorrogvel. O regime de imunidades,de incompatibilidades e impedimentos o mesmo que rege os membros do TJCE.O TPI no se compe de advogados-gerais, sendo essa funo exercida, ad hoc,pelos prprios juzes membros.

    3.1.2 EstruturaEm princpio, o Tribunal deveria atuar em sua formao plenria, mas com

    vistas facilitao de suas tarefas e com o fito de acelerar o julgamento dos casosque se acumulavam, os tratados o autorizaram a instituir cmaras compostas detrs, cinco ou sete membros. De regra, as cmaras tinham competncia apenas paraa instruo dos processos, alguns poucos julgamentos lhe sendo permitidos.

    Aps o advento de uma srie de modificaes trazidas por novos tratados, oTribunal podia enviar s cmaras todas as questes prejudiciais, bem como todasas questes suscitadas por particulares, desde que se estimasse que a dificuldadeou importncia da matria no demandasse a deliberao pelo Plenrio, e tambmque nenhum Estado membro ou instituio se opusesse.

    Com o Tratado de Maastricht, o Tribunal passou a decidir em sessoplenria obrigatoriamente to-somente quando o Estado membro ou instit