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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA

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AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR NQ 1.300 - AM

(Registro n Q 98.0028684-5)

Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Agravante: Câmara Municipal de Parintins

Agravado: Carlos Alberto Barros Silva

Advogados: Drs. Washington Bolivar de Brito e outros, e Francisco Rodrigues Balieiro e outro

EMENTA: Processual - Medida cautelar - Prefeito - Cassa­ção de mandato - Pendência de recurso judicial- Cautelar para imprimir efeito suspensivo.

- Em tema de cassação de mandato, aconselha-se, em regra, que o titular da investidura popular espere no exercício o julgamento do processo judicial pendente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se­guir, por maioria, vencido o Sr. Mi­nistro Garcia Vieira, negar provi­mento ao agravo regimental. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delga­do. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo.

Brasília, 22 de junho de 1998 (da­ta do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro HUMBER­TO GOMES DE BARROS, Relator.

Publicado no DJ de 24-08-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A decisão agravada expressa-se nestes termos:

"O Demandante é Prefeito do município de Parintins, exercen­do mandato recebido através de eleições.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 41

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Ele pediu ao egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, Manda­do de Segurança contra ameaça partida da Câmara Municipal.

Afirma que se desenvolvem, naquela casa legislativa, dois pro­cedimentos com o escopo de cas­sar o mandato popular que lhe foi outorgado.

Alega que o procedimento está repleto de irregularidades, den­tre as quais avultam-se:

1. a pretensão de fazer retro a­girem tipos disciplinares, cria­dos em leis mais recentes que os fatos supostamente ilícitos;

2. a presença, nas comissões de processo, de pessoas impedi­das e suspeitas;

3. recebimento dos acusações, em decisões tomadas por nú­mero insuficiente para a ins­tauração do procedimento.

o Relator deferiu liminarmen­te a Segurança, para o efeito de suspender a tramitação dos pro­cedimentos (fls. 922/23).

No julgamento coletivo, em acórdão majoritário, denegou-se o Mandado (fls. 1.033 e segts.).

O indeferimento da Ordem fin­cou-se nos argumentos de que:

1. não há como pensar em re­troatividade da lei punitiva, porque o DL 201/67 continua em vigor;

2. os ilícitos imputados ao ora demandante estão descritos no art. 4º do DL 201;

3. não há qualquer ofensa ao contraditório ou à defesa do acusado;

4. não é lícita a ingerência do Poder Judiciário em questões interna corporis do Poder Legislativo;

5. a pretensão do ora deman­dante pode ser discutida em processo ordinário - jamais no âmbito estreito do Manda­do de Segurança.

O Acórdão é desafiado por re­curso ordinário.

Neste processo cautelar, o de­mandante pede se empreste efei­to suspensivo ao recurso ordiná­rio, para que continue suspenso o curso dos procedimentos.

Esta, em resumo, a controvér­SIa.

O Acórdão que denegou a Se­gurança monta-se em argumen­tos respeitáveis. No entanto, o eminente Relator, vencido no jul­gamento, votou pela concessão da Ordem, impressionado com a in definição da Lei Orgânica do município, no que se refere à de­finição dos crimes e infrações po­lítico-administrativas. Os argu­mentos desenvolvidos naquele voto também me impressiona­ram.

Está em jogo o exercício de mandato recebido através de elei­ções populares. Tal mandato deve ser garantido, até cabal demons­tração de que o respectivo man­datário dele se tornou indigno.

42 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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Tão nefasto quanto à manu­tenção do mandato outorgado a prefeito desonesto é o aproveita­mento da fragilidade parlamen­tar em que se encontre o manda­tário, para retirar-lhe o poder outorgado pela soberania popu­lar.

Defiro a cautela, liminar e pro­visoriamente, para restaurar a eficácia da liminar adotada pelo E. relator, mantendo em suspen­so, os Processos 3/97-CMP e 4/97-CMP.

Intimem-se. Cite-se."

o Agravo Regimental monta-se nos argumentos de que:

a) o recurso ordinário a que se imprimiu efeito suspensivo am­para-se no argumento de que o Decreto-Lei 201/67 foi derrogado pela Constituição Federal de 1988. Este argumento, contudo, foi repelido pelo Supremo Tribu­nal Federal, em reiterados pre­cedentes;

b) as demais nulidades apon­tadas no recurso ordinário não existem;

c) em tema de periculum in mora, risco maior corre o povo do Município, na conjuntura de suportar governante no qual já não tem confiança.

o Ministério Público Federal ma­nifestou-se em parecer lançado pelo eminente Subprocurador-Geral da República, Henrique Fagundes. Re­comenda o deferimento da cautela.

Este, o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O Parecer do Ministério Público am­para-se em arrazoado que reprodu­zo parcialmente, a seguir:

"2. São os seguintes os antece­dentes fático-jurídicos embasado­res da presente ação:

Por deliberação plenária, a Câ­mara Municipal de Parintins houve por bem instaurar uma Co­missão Parlamentar de Inquéri­to, a fim de apurar irregularida­des na distribuição de merenda escolar, naquele Município.

Dentre os atos, tidos por abu­sivos e ilegais pelo requerente, praticados pela referida Comis­são Parlamentar de Inquérito (CPI), está a quebra do sigilo de uma conta bancária da Prefeitu­ra Municipal, mantida junto ao Banco do Brasil, em que eram movimentados os fundos destina­dos à merenda. Alega, ainda, na inicial, haverem os membros da CPI fornecido, a um ativista do Partido dos Trabalhadores, o re­latório final da averiguação, para que este viesse a oferecer denún­cia contra o requerente, de modo a conduzir à cassação de seu man­dato. Apresentada aquela e acei­ta pela maioria simples dos mem­bros da Câmara Municipal, ori­ginou-se o processo de sua cassa­ção.

Sustenta o proponente que o poder de determinar a quebra do sigilo bancário somente é atribu-

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ído às Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso N acio­naI, isto é, às Comissões de âmbi­to federal.

Posteriormente, tendo o Presi­dente do Poder Legislativo local assumido, em caráter interino, a Chefia do Poder Executivo da­quele Município, nova denúncia veio a ser formulada, tendo por fundamento a propositura de uma ação executiva pela empre­sa Opção Turismo Ltda. contra a Prefeitura do Município de Parin­tins - que fora embargada, com suscitação de incidente de falsi­dade, ainda não decidido -, por falta de pagamento de passagens aéreas, com destino a Zurique, emitidas em nome do ora reque­rente e de outras pessoas.

Estranhamente, nessa ação de execução ocorreram em um mes­mo dia, qual seja, dia 12 de de­zembro de 1997, os seguintes atos: o protocolo, a distribuição, a autuação, o despacho ordenan­do a citação, a expedição do man­dado citatório, a citação e a de­volução do mandado ao Cartório da 3ª Vara da Comarca de Parin­tins, tendo o ato citatório se efe­tuado na pessoa do Presidente da Câmara Municipal, então no exer­cício da Chefia daquela Prefeitu­ra, que, possuindo cópias da men­cionada ação executiva, as forne­ceu a terceiro para que nova acu­sação fosse feita. Recebida esta por dois terços dos membros da­quele Poder Legislativo local, teve origem outro processo de cas­sação contra o requerente, por se

ausentar do país sem a devida autorização.

Sustenta o proponente ter ha­vido ofensa a direito líquido e cer­to seu, em ambos os processos contra si instaurados - que, se­gundo afirma, já se encontram em fase final -, eis que eivados de ilegalidades e de abuso de po­der.

A primeira violação indica afronta à Constituição Federal pelo Decreto-Lei 201/67, em es­pecial, por seus artigos 4Q usque 8Q

- contenedores de normas definidoras das infrações políti­co-administrativas passíveis de cometimento por Prefeitos e Ve­readores e do procedimento de seu julgamento -, os quais, no entender do requerente, não fo­ram recepcionados pelo novel or­denamento constitucional.

Transcrevendo os artigos 22, 23 e 24, da Carta Constitucional, o promovente sustenta não com­petir mais à União legislar sobre o tema, mas, sim, aos Municí­pios, de acordo com o disposto no artigo 29, caput e inciso XI e no ar­tigo 30, inciso I, do mesmo Diplo­ma Maior.

Aduz a nulidade dos processos de cassação por inobservância aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da au­tonomia municipal, haja vista que, face ao contido nos artigos 18,29, incisos IX e XIV, bem como no artigo 30, I, ambos da Consti­tuição Federal, deveriam estar insertas na Lei Orgânica do Mu-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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· mClplO as normas atinentes à perda de mandato por prefeito e o respectivo procedimento a ser seguido. Trouxe aos autos enten­dimento doutrinário corroboran­do sua tese, bem como, a título de exemplificação, citou a Lei Orgâ­nica do Município de Manaus.

Sustenta a inexistência de nor­ma que o obrigasse a se subme­ter à autorização legislativa pré­via para sair do país, uma vez que nada dispunha a Lei Orgânica Municipal quando de sua notifi­cação, aos 07.01.88, para defen­der-se no processo cassatório, so­mente tendo sido publicada lei nesse sentido posteriormente (Lei 01/93), aos 28.01.88, vindo a alterar os artigos 35, 36, 63 e 66, da Lei Orgânica do Município, passando esta a exigir, então, autorização da Câmara Munici­pal para que o Prefeito se ausen­tasse do país.

O impetrante se insurge, ain­da, contra a possibilidade de, em nível municipal, bastar a aprova­ção da maioria simples para a instauração de um processo de impeachment, ao passo que, em nível tanto federal quanto esta­dual, são necessários dois terços de votos dos parlamentares, agre­dindo-se, frontalmente, destarte, os princípios federativo e da si­metria, que imperam em nosso ordenamento jurídico. Conse­qüentemente, o recorrente pre­tende a declaração de inexistên­cia dos atos subseqüentes ao ofe­recimento da denúncia.

Acrescenta a exordial a inob­servância, pela Comissão Parla-

mentar de Inquérito, dos princí­pios da moralidade e da legalida­de, em decorrência de também haverem participado da votação os mesmos parlamentares que re­quereram a sua instalação.

Aduz a ilegalidade de a CPI ter ouvido testemunhas não arrola­das por qualquer das partes -denunciado ou denunciante - e, mais, de a oitiva de quase todas ter ocorrido sem que o denuncia­do ou seu defensor estivessem presentes, violando-se os princí­pios constitucionais do contradi­tório, da ampla defesa e do devi­do processo legal, porquanto a ausência se dera em razão de ter havido mudança no local da au­diência que, em vez de ocorrer na Câmara do Município de Parin­tins, como constara do mandado de intimação, realizou-se no es­critório do advogado da requeri­da, em Manaus.

Afirma, na longa peça inaugu­ral, estarem presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, imprescindíveis à proce­dência do processo cautelar.

A segurança fora impetrada, com pedido liminar, que lhe foi concedido pelo eminente Des. Ubirajara Francisco de Moraes, Relator do writ, às fls. 924/925, determinando a suspensão dos processos cassatórios até o julga­mento final do mandamus.

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ao jul­gar a ordem, decidiu, por maio­ria, denegar a segurança pleitea­da, contra o que se insurgiu o im-

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petrante por meio do recurso or­dinário a que pretende atribuir efeito suspensivo com a presente ação cautelar.

3. Expostos os fatos e funda­mentos jurídicos apresentados pelo requerente, passa-se à sua análise.

Como se vê, cuida-se de ação cautelar destinada a emprestar efeito suspensivo ao recurso or­dinário interposto, a esse Colen­do Superior Tribunal de Justiça, da decisão denegatória de man­dado de segurança impetrado no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

O periculum in mora, para a concessão da pretensão de cau­tela, se acha configurado, dado que, de fato, até o julgamento do recurso do amparo por essa Co­lenda Corte, bem será possível que se tenha operado a cassação do impetrante.

Também, quanto ao fumus bonijuris, insinuam-se direitos subjetivos do impetrante, possi­velmente feridos pela Comissão Parlamentar de Inquérito instau­rada pela Câmara Municipal de Parintins, a serem, todavia, me­lhor analisados na ação manda­mental. Por ora, basta mencio­nar, nesse compasso, a quebra do sigilo bancário da conta corrente do impetrante, determinada pe­los edis de Parintins; ajunte-se a isso, a oitiva de testemunhas em Manaus, sem que dessa audiên­cia fosse o impetrante previa­mente avisado, o que viola, à pri­meira vista, os princípios do con-

traditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Tudo isso, é certo, poderá, no exame do mandado de seguran­ça, resultar plenamente justifi­cado, mas, no âmbito estreito da pretensão cautelar é o quanto basta para que se a conceda até o julgamento do writ por essa Cor­te.

4. Diante do exposto, o Minis­tério Público Federal opina pela concessão da cautela, restabele­cendo-se, assim, a liminar outro­ra deferida." (fls. 1.158/1.164)

Malgrado 'l.S seguras razões em que se fundç menta o agravo regi­mental, acato a recomendação do Ministério Público Federal.

Em processo anterior (MC 1.184), manifestei a convicção de que em tema de cassação de mandatos, acon­selha-se, em regra, que o titular da investidura popular espere no exer­cício o julgamento do processo judi­cial pendente.

Naquele processo, eu disse:

"A inicial deixa a impressão de que o Demandante está sob amea­ça de afastar-se da Presidência em que foi investido.

Tal afastamento implicará, ob­viamente, em profunda mudan­ça na administração do Conselho. Mudanças de tal quilate, normal­mente, deixam seqüelas. Por isto somente devem ser efetivadas quando resultantes de atos con­sistentes."

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Em outra oportunidade, apre­ciando questão semelhante, obser­vei:

"Verifico a ocorrência de peri­go de lesão irreversível: o man­dato eleitoral é conferido a prazo fixo; assim, não é possível sua prorrogação pelo tempo em que esteve suspenso. O perigo de dano irreparável é manifesto." (MC 492)

Em homenagem à coerência e à recomendação do Ministério Públi­co, nego provimento ao agravo.

VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEI­RA: Sr. Presidente, entendo que não se trata de caso de cautelar. O man­dado de segurança foi denegado. Isso para mim é uma prova irrefu­tável de que não existe aparência do bom direito, não caracterizando o primeiro requisito para a conces­são da cautelar. Nessa hipótese, existe o perigo da demora; mas, se não estão presentes ambos os recur­sos, não se pode conceder a caute-

lar. Não podemos suspender uma decisão que é denegatória. A deci­são do tribunal de origem foi dene­gando a segurança. Aquela liminar que foi concedida ficou sem efeito nos termos da Súmula 405 do Su­premo Tribunal Federal. Como bem lembrou o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira, temos precedentes desta Turma no sentido de que, quando a decisão é denegatória, não podemos suspender os efeitos dessa decisão a não podemos também dar efeito suspensivo ao recurso, embora o eminente Ministro-Relator informe que o pedido não é para dar efeito suspensivo ao recurso e sim para suspender a execução do acórdão. Mas, tanto faz porque, neste caso, não podemos dar efeito suspensivo ao recurso, porque a decisão foi de­negatória. Não há o que suspender. Vamos conceder essa cautelar para que efeito? Não podemos dizer que é para suspender os efeitos do acór­dão. Não podemos dar uma caute­lar para suspender o processo ad­ministrativo.

Peço vênia ao eminente Ministro Relator para divergir do voto de S. Exa.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL NQ 148.825 - PE (Registro nQ 97.0066014-1)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado Agravante: Siqueng Construções e Empreendimentos Ltda. Advogados: Drs. Mara Regina Siqueira de Lima e outros Agravada: Fazenda Nacional Procuradores: Drs. Adonias dos Santos Costa e outros

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EMENTA: Processual Civil. Agravo regimental. Inexistência de omissão em embargos de declaração proferido no Tribunal a quo. Matéria não suscitada na época oportuna. Preclusão verificada. Inteligência de dispositivos do Código de Processo Civil. Agravo conhecido e improvido.

1. Após o pronunciamento do julgador singular, com a interposi­ção, tempestiva, de recurso de apelação, e não tendo a parte ape­lante, em nenhum momento, requerido a aplicação dos índices inflacionários expurgados pelos planos econômicos governamen­tais, com a conseqüente alteração da conclusão da r. sentença, nos termos solicitados por via de agravo regimental, deixou-se precluir o direito para tanto (art. 473, CPC).

2. Compete à parte alegar, na época própria, toda a matéria que pretenda ver examinada pela Instância ad quem, matéria essa que se submete à preclusão. Não o fazendo, inviabiliza-se o exame de questão suscitada, apenas, em sede de embargos de declaração em Acórdão.

3. Inexiste violação ao art. 267, § 3º, do CPC, quando não estão elencadas no rol do referido dispositivo legal as matérias aventa­das em vias de agravo regimental; nem tampouco por não terem sido as mesmas alegadas na primeira oportunidade em que a agra­vante teve para falar.

4. O não acatamento das argumentações deduzidas no recurso, não implica em omissão, posto que, ao julgador, cumpre apreciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide.

5. Inexiste norma legal que impeça o juiz, ao proferir sua decisão, que a mesma tenha como fundamentação outro julgado, e até, mesmo que o Juízo ad quem não se baseie, no todo ou em parte, em sentença de primeiro grau prolatada no mesmo feito que se ana­lisa. Destarte, não está obrigado o Magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando­se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.

6. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri-

bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, negar pro­vimento ao agravo regimental. Par­ticiparam do julgamento os Srs.

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Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e Milton Luiz Pereira, Au­sente, justificadamente, o Sr. Minis­tro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 17 de março de 1998 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro JOSÉ DEL­GADO, Relator.

Publicado no DJ de 27-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: Cuida-se de Agravo Regimen­tal interposto por Siqueng Constru­ções e Empreendimentos Ltda. con­tra decisão que negou seguimento ao Recurso Especial em epígrafe.

A decisão agravada está assim espelhada (fls. 215):

"'A Fazenda Nacional, via presen­te recurso especial, pretende mo­dificar acórdão com fundamento e conclusão sintetizados na emen­ta seguinte (fls. 128):

"Tributário. Finsocial. Contri­buições para a Seguridade So­cial (Finsocial e Cofins). Com­pensação. Possibilidade.

Restituição autorizada sob a forma de compensação".

Alega que houve violação ao art. 66, §§ 1º e 4º, da Lei nº 8.383/90, bem como divergência jurispru­dencial.

A parte recorrida apresentou con­tra-razões, louvando o acórdão hostilizado.

Há, também, recurso especial da empresa. Esta invoca infringên­cia ao art. 538, do CPC, e diver­gência jurisprudencial, por lhe ter sido imposta multa em em­bargos declaratórios.

A Fazenda Nacional não contra­riou o mencionado recurso.

É o relatório. Decido (art. 38, da Lei nº 8.038/90, c/c o art. 557, do CPC).

Os recursos especiais interpostos e ora examinados não têm qual­quer possibilidade de serem co­nhecidos.

O tema compensação do Finsocial com a Cofins está amplamente pacificado no âmbito das 1 ª e 2ª Turmas deste Tribunal, em face de pronunciamento a respeito proferido pela 1 ª Seção, quando, pela maioria de um voto, ficou es­tabelecido que, da conformidade com a interpretação expedida pelo art. 66, da Lei nº 8.038/90, o contribuinte está autorizado a efetuar a compensação do Finso­cial e a Cofins, inclusive com ou­tros tributos, independentemen­te de qualquer autorização do Fisco e só pela via de autolança­mento, embora sujeite-se ao con­trole posterior da fiscalização.

Em inúmeras decisões das 1 ª e 2ª Turmas sobre o assunto tal tese tem sido reafirmada, como reve­la o noticiário jurisprudencial da Corte plantado no Diário da Jus­tiça.

O recurso da empresa não tem qualquer amparo legal. A multa

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aplicada pelo acórdão recorrido tem sua sustentação em matéria de fato, isto é, no fato dos embar­gos de declaração terem sido apresentados com fins indevidos.

Impossível, em fase de recurso especial, rever tal posicionamen­to.

Ademais, conforme revelado nos autos, a impertinência dos em­bargos de declaração é evidente. A recorrente insiste, embora de­vidamente esclarecido nos autos, em inovar nas razões proces­suais, após a causa ter sido jul­gada, subvertendo o sistema pro­cessual e agredindo a segurança que o julgado deve expelir.

Em face das razões supradesen­volvidas, por considerar ser ma­nifesta a impossibilidade de co­nhecer dos recursos especiais examinados, nego-lhes segui­mento, conforme permissão do art. 38, da Lei nº 8.038/90, c/c o art. 557, do CPC".

Alega a Agravante que a decisão ora impugnada há de ser reforma­da, visto que a mesma, ao negar pro­vimento ao recurso especial inter­posto, deixou de apreciar os embar­gos de declaração propostos a fim de que lhe fossem concedidos os ín­dices inflacionários expurgados pe­los planos econômicos governamen­tais.

Tece explanação sobre os requi­sitos de admissibilidade de embar­gos declaratórios, pugnando, alfim, pela reforma da decisão agravada.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): Não merece prospe­rar a irresignação da Agravante. Mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos e pe­los a seguir delineados.

Em síntese, os fatos até o presen­te momento assim transcorreram:

a) a agravante impetrou Ação Mandamental no intuito de dei­xar de pagar a exação do Finso­cial (DL nº 1.940/82) e compen­sar as respectivas parcelas pagas a maior com a Cofins, com a apli­cação da correção monetária através do IPC/INPC;

b) a r. sentença concedeu par­cialmente a segurança, para, ape­nas, afastar a incidência do Fin­social;

c) sem interposição de embar­gos declaratórios, a parte propôs Apelação (fls. 116/117), requeren­do, unicamente, o direito de com­pensar os valores que excederam a 0,5% (meio por cento), a título do Finsocial, com a Cofins;

d) o v. acórdão acatou, in to­tum, o único recurso voluntário, autorizando a compensação pos­tulada;

e) inconformada, em parte, opôs a empresa agravante embar­gos de declaração, a fim de que lhe fossem concedidos os índices inflacionários expurgados pelos planos econômicos governamen­tais, ou seja, IPC/INPC;

50 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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f) com fulcro no art. 557, do CPC, o ilustre relator a quo ne­gou seguimento aos embargos, ao fundamento de que "a embargan­te não fez nenhum pedido simi­lar (correção monetária) ao expor as razões de sua apelação. Ape­nas argumentou a plausibilidade do direito à compensação que fora indeferido em Primeira Instân­cia";

g) contra tal decisão estampou­se agravo regimental, tendo sido ao mesmo, à unanimidade, nega­do provimento;

h) mais uma vez interpôs a ora agravante embargos de declara­ção, com os propósitos já citados, os quais não foram conhecidos, com aplicação da multa prevista no § único, do art. 538, do CPC, no patamar de 10% (dez por cen­to) sobre o valor da causa, com a conseqüente interposição do pre­sente recurso especial.

Este, em suma, o panorama dos autos em apreço.

O ponto crucial da manifestação da empresa agravante é a aprecia­ção do pedido da correção monetá­ria pelos índices do IPC/INPC, da Fundação IBGE.

Laborou em equívoco a Agravan­te. Primeiro, não houve renovação do pedido vestibular na Apelação in­terposta. Segundo, somente em sede de embargos de declaração no Tri­bunal a quo, cuidou-se de cogitar da questão da correção monetária.

Deveria tê-lo feito, todavia, repi­to, nas razões do recurso apelativo,

a fim de que a matéria fosse aprecia­da na Segunda Instância.

Não houve, assim, a alegada omissão no v. Acórdão atacado, pois a matéria não foi suscitada na opor­tunidade em que a ora Agravante teve para se pronunciar.

Entendo pertinente, também, re­gistrar os dispositivos abaixo espe­lhados da Lei Adjetiva Civil, para melhor elucidação da quaestio.

Conforme se verifica, teve a Agra­vante seu momento processual oportuno para se manifestar sobre a questão suscitada no presente agravo. E não o fez, por livre e es­pontânea omissão.

Mesmo após o pronunciamento do preclaro julgador singular, per­maneceu inerte a Agravante, por ter deixado transcorrer in albis o pra­zo para se manifestar sobre sua ir­resignação. Em nenhum momento a agravante requereu que a moti­vação e conseqüente conclusão da r. sentença fosse alterada nos termos rebatidos. Ou seja, deixou precluir o direito para tanto. Vejamos:

"Art. 473, CPC - É defeso à par­te discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão."

Não houve violação, porque se tem o confronto com o alegado res­guardado no previsto no art. 267, § 3Q

,

também do CPC, ipsis litteris:

"O juiz conhecerá de ofício, a qualquer tempo e grau de juris­dição, enquanto não proferida

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 51

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sentença de mérito, da matéria constante dos números IV, V e VI; todavia, o réu que não a alegar, na primeira oportunidade em que lhe cabia falar nos autos, respon­derá pelas custas de retardamen­to."

Reafirmo que não houve violação, pois: a uma, não estão elencadas no rol acima exposto do art. 267, § 39 ,

as matérias aventadas neste Agra­vo; a duas, tomando-se hipotetica­mente que assim estivessem, não foram as mesmas alegadas na pri­meira oportunidade em que a Agra­vante teve para falar (Apelação).

N este diapasão, discorro, ainda, que o juiz deve proferir suas deci­sões conforme os fatos e circunstân­cias que são postos à sua disposição e de acordo com o seu livre conven­cimento (o que entendo ter sido fei­to).

N'outra esteira, entendo que não se pode aplicar ao presente caso os arts. 515 e 516, do CPC.

A priori, afasto a aplicação, à espécie, do art. 516, visto que o mes­mo é expresso quando afirma que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugna­da". Ora, a Apelação foi exclusiva­mente interposta pelo particular. O artigo em comento consagra, basi­camente, o princípio tantum devo­lutum quantum appellatum. O renomado jurisconsulto Theotonio Negrão explicita:

"A apelação será apreciada nos li­mites especificados pelo próprio recorrente (v. arts. 505 e 512, in

fine), assim como as questões exammaveis de ofício (art. 29 ,

nota 1), salvo as cobertas pela preclusão (com ressalva do art. 267, § 39 , nota 55). Nesse senti­do: RF 291/243."

Convém repetir que o vencedor não tem interesse em apelar (v. nota 4 ao art. 499) e, por isso mesmo, toda a sua defesa deve ser apreciada pelo tribunal, con­quanto que a ela se reporte em contra-razões (argumento dos arts. 505 e 512); p. ex.: a prescri­ção (RTJ 72/449, JTA 108/398). Do contrário, seria mister que o CPC lhe desse a possibilidade de também recorrer, embora vence­dor."

"A apelação devolverá ao tribu­nal o conhecimento da matéria impugnada, art. 515 do CPC. Ampliando o efeito devolutivo da apelação, o tribunal a quo afron­tou a regra inscrita no art. 515 do CPC'. (STJ - 6ª Turma, REsp 28.459-8-SP, reI. Min. Vicente Cernicchiaro,j. 29.10.92, não co­nheceram, v.u., DJU 17.5.93, pág. 9.365, 2ª col., em.)"

"Tantum devolutum quantum appellatum (RTJ 82/288, RT 499/159): só a matéria 'impugna­da' (quando a impugnação depen­de de iniciativa da parte, sem a qual não possa o juiz apreciá-la de ofício), que sobe ao conheci­mento do tribunal, com as restri­ções dos arts. 505 e 512, in fine." (sem grifos e destaques na obra transcrita).

52 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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No que pertine ao art. 516 - "fi­cam também submetidas ao tribu­nal as questões anteriores à senten­ça, ainda não decididas" -, permi­to-me, mais uma vez, reportar-me ao mestre Theotonio Negrão, verbis:

"e aquelas sobre as quais não se forma preclusão (v. nota 55 ao art. 267); v. tb. art. 473."

"O preceito supra se aplica uni­camente às questões que, por não terem sido anteriormente decidi­das, não poderiam constituir ob­jeto de agravo. Se foram decidi­das anteriormente, este deve ser interposto, pena de preclusão, salvo o disposto no art. 267, § 3Q

."

"N ada obsta a que a parte inter­ponha simultaneamente agravo e apelação, desde que esteja no prazo para ambos e que separe, em cada recurso, as questões que autorizam (RT 550/194). Solução mais prática foi dada à hipótese pelo STF: a questão anterior à sentença 'pode ser impugnada na apelação, prescindindo do agra­vo de instrumento (CPC, art. 516), se o prazo do recurso o com­porta' (STF - 2ª Turma, Ag 76.296-5-AgRg,j. 7.8.79, negaram provimento, v.u., DJU 24.8.79, pág. 6.252, 4ª col., em.); neste sen­tido: JTA 102/53."

Deveras, como se pode observar, as teses suscitadas pela Agravante não se enquadram em quaisquer das hipóteses suso mencionadas, quer do artigo 515, quer do 516.

A enriquecer o presente voto, re­gistro que a solução foi brilhante-

mente desvendada pelo eminente relator do TRF da 5a Região, Juiz Ridalvo Costa, litteratim:

"Sustenta a embargante que ex­surge do aresto atacado ponto omisso acerca da inclusão dos ín­dices de correção monetária CIPC's de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernen­tes ao que fora recolhido indevi­damente.

A embargante não fez nenhum pedido similar ao expor as razões de sua apelação. Apenas argu­mentou a plausibilidade do direi­to à compensação que fora inde­ferido em Primeira Instância.

O acórdão embargado foi profe­rido nos limites do pedido, não estando compelido a reportar-se aos pretensos índices de atuali­zação monetária, que não foram objeto de apelação.

Inexiste, pois, a alegada omissão.

Ausentes os pressupostos especí­ficos do art. 535 do CPC: omis­são, obscuridade ou contradição". (fls. 155).

E mais adiante desenvolve:

"A decisão agravada foi proferi­da com base no art. 557, do CPC, com a nova redação dada pela Lei 9.139/95:

"Art. 557 - O relator negará seguimento a recurso manifes­tamente inadmissível, impro­cedente, prejudicado ou con­trário à Súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior".

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (1l0): 39-128, outubro 1998. 53

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Comentando o dispositivo acima, ensina o mestre Cândido Ran­gel Dinamarco:

" ... O seguimento deve ser de­negado pelo relator, para evi­tar delongas desnecessárias, (a) quando o recurso for mani­festamente inadmissível (caso de não-conhecimento), ou (b) quando manifestamente for o caso de improvimento, anteci­pando-se o relator ao que pro­vavelmente a Turma Julgado­ra faria, (c) quando ele estiver prejudicado, ou (d) quando contrariar súmula do próprio tribunal ad quem ou dos tri­bunais superiores (Supremo Tribunal Federal ou Superior Tri­bunal de Justiça, conforme o caso).

Entre os casos de recurso pre­judicado está aquele em que o juiz a quo comunicar haver-se retratado por inteiro (art. 529).

É claro que, ao conferir ao re­lator poderes assim tão amplos a nova lei assumiu o risco de abrir caminho para erros de um juiz singular julgando re­cursos e sua admissibilidade. Mas é inerente à vida de todo processo um sistema de certe­zas, probabilidades e riscos­a ser equilibrado mediante a oferta de meios corretivos dos erros que porventura se come­tam. Por isso, institui-se o agra­vo a ser interposto em cinco dias pela parte que tiver seu agravo de instrumento contra­riado pelo relator (art. 577, par.). Equilibrou-se o sistema.

Espera-se agora essa prática seja posta em atuação, para maior celeridade no julgamen­to dos recursos e diminuição da avalanche de casos a julgar em colegiado - tudo sem grandes riscos de injustiça, como sucede no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justi­ça". (in "A Reforma do Código de Processo Civil", Malheiros, 3ª edição, 1996, págs. 190/191).

Ao prolatar a decisão agravada apenas dei interpretação à nor­ma que faculta ao relator o po­der de indeferir de plano o recur­so que não preencha os requisi­tos de admissibilidade. Na hipó­tese vertente, não ocorreu a omis­são alegada pela empresa embar­gante, segundo a qual o aresto atacado não teria feito menção acerca da inclusão dos índices de correção monetária (IPCS de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernentes ao que fora recolhido indevidamente a título de Finsocial, conforme pos­tulação inicial. A questão não havia sido susci­tada nas razões de apelação, ra­zão pela qual o acórdão embar­gado não estaria compelido a re­portar-se aos pretensos índices de atualização, por não ter sido decidido pela sentença, nem foi objeto de embargos de declaração em primeira instância. Ausentes os pressupostos de ad­missibilidade dos embargos de declaração, deveriam eles ser in­terceptados como foram, por ato do relator". (fls. 170/171).

Por fim, atesta o MM. Relator:

54 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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"A embargante reitera mais uma vez os argumentos expendidos nos embargos declaratórios cujo seguimento foi negado por não preencher os requisitos de admis­sibilidade.

Sustenta que o aresto atacado não teria feito menção acerca da não inclusão dos índices de cor­reção monetária (IPC'S de 70,28%; 84,32%; 44,80% e 7,87%) aos créditos concernentes ao que fora recolhido indevidamente a título de Finsocial, conforme pos­tulação inicial.

A questão não havia sido susci­tada nas razões de apelação, ra­zão pela qual o acórdão embar­gado não estaria compelido a re­portar-se aos pretensos índices de atualização, por não ter sido decidido pela sentença, nem foi objeto de embargos de declaração em primeira ~nstância.

Ausentes os pressupostos de ad­missibilidade dos embargos de declaração, deveriam eles ser in­terceptados como foram, por ato do relator, razão pela qual não foi dado provimento ao agravo.

Ante o exposto e na ausência dos pressupostos previstos no art. 636 do CPC, não conheço dos em­bargos, manifestamente protela­tórios, ora reiterados, aplicando, em conseqüência, a multa previs­ta no parágrafo único, in fine, do

art. 638 do CPC, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa". (fls. 182).

Verifica-se, destarte, que a agra­vante deixou precluir o seu direito de requerer a correção monetária nos moldes expostos.

O não acatamento das argumen­tações contidas no recurso não im­plica em cerceamento de defesa, posto que ao julgador cabe-lhe apre­ciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide.

Inexiste norma legal que impeça o juiz, ao proferir sua decisão, que a mesma tenha como fundamenta­ção outro julgado, e até, mesmo que o Juízo ad quem não se baseie, no todo ou em parte, em sentença de primeiro grau prolatada no mesmo feito que se analisa. Destarte, não está obrigado o Magistrado ajulgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convenci­mento (art. 131, do CPC), utilizan­do-se dos fat0i'!, provas,jurisprudên­cia, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicá­vel ao caso concreto.

Assim tenho por analisados e en­cerrados os temas suscitados no presente recurso.

Por tais considerações, nego pro­vimento ao agravo regimental.

É como voto.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 66

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RECURSO ESPECIAL Nº 35.061-3 - RJ

(Registro nº 93.0013341-1)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrentes: Magildo Lima de Almeida e cônjuge

Recorrida: Letra S.A. Crédito Imobiliário

Advogados: Drs. Relina de Moura Luz Rocha, e Wandilce Monteiro de Souza Diniz e outros

EMENTA: Processual Civil - Execução - Citação editalícia -Embargos de devedor - Nomeação do Curador Especial - Lei 5.741/71- Artigos 92, lI, 319, 320, 322 e 601, CPC.

1. Afastando-se exegese literal, compreende-se que, embora o executado não seja citado para contestar, mas para impugnar, não comparecendo, no seu significado amplo, viceja a revelia. O Curador oficia, com amplitude admitindo-se que deduza os pon­tos possíveis. O sistem.a do Código não se compadece com a inter­pretação que restrinja o conceito de revelia.

2. "A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que o curador especial (ad litem) tem legitimidade para opor Embargos do Devedor em Execução, onde o executado, citado por edital, remanesce revel. Trata-se, segundo a doutrina, de exigên­cia de defesa do revel pelo curador e tem fundamento no princí­pio do contraditório, pois não se sabe se ele - o réu revel - não quis contestar ou não pôde, ou mesmo não soube da citação" (REsp 32.623-4-RJ - ReI. Min. Waldemar Zveiter).

3. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao re­curso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Demócrito Rei-

naldo e Humberto Gomes de Bar­ros. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Demócri­to Reinaldo.

Custas, como de lei. Brasília, 20 de março de 1995

(data do julgamento). Ministro DEMÓCRITO REINAL­

DO, Presidente'. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator.

Publicado no DJ de 17-04-95.

56 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Por maioria, a colenda Sexta Câmara do Tribunal de Alça­da Cível do Estado do Rio de Janei­ro improveuApelação Cível, nos ter­mos da ementa, in verbis:

"Execução hipotecária da Lei n Q 5.741/71- Embargos de De­vedor, opostos pela Curadoria Especial- Por não ser esta subs­tituta processual dos devedores, falece-lhe legitimidade para in­terpor tais Embargos - Extinção do processo decretada, que ora se confirma" (fl. 46).

Nos Embargos Infringentes in­terpostos, aquele e. Tribunal os re­jeitou em acórdão assim ementado:

"Embargos de devedor. Execu­ção hipotecária fundada na Lei 5.741/71. Competência da J usti­ça Estadual para processá-la. Nos processos de execução não tem aplicação a regra do art. 9Q

,

n Q II da lei instrumentária. Ile­gitimidade da Curadoria Espe­cial para propor ação incidental de embargos, em nome do deve­dor inadimplente" (fl. 74).

No Recurso Especial (art. 105, III, a e c, CF) insurgem-se os Re­correntes contra a compreensão de­fendida no v. aresto objurgado que considera o Curador Especial parte ilegítima para interpor embargos em favor de executado citado por edital, o que contraria os artigos 9Q

,

II e 745, do Código de Processo Ci-

vil e diverge do entendimento espo­sado pela Suprema Corte.

Aduziram que, quanto à citação por edital, quando ainda não esgo­tados os meios para localização dos executados, restaram contrariados os artigos 231, inciso II, do Códi­go de Processo Civil e 38, do Código Civil.

A Recorrida invoca o teor da Sú­mula 400/STF para justificar a inadmissibilidade recursal.

O e. Tribunal a quo admitiu o Recurso porque:

"Tanto na doutrina como naju­risprudência, o entendimento acerca da legitimidade da Cura­doria Especial para integrar o pólo ativo da ação incidental de embargos do devedor, é conflitan­te.

Com base na alínea c, o alega­do dissídio restou demonstrado dentro dos parâmetros estabele­cidos no artigo 255 e seus pará­grafos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. A matéria recebeu efetivamente tratamento jurídico diverso.

No caso em espécie, entendo presentes os pressupostos viabi­lizadores da abertura da instân­cia excepcional, bem como os re­quisitos de admissibilidade do recurso especial, quais sejam, o prequestionamento da matéria, a exposição da controvérsia em toda a sua plenitude e a existência do fumus boni iuris" (fl. 108).

É o relatório.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 57

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VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A insurgência recursal revela que, em execução hi­potecária (Lei 5.741/71), não encon­trados no local da situação do imó­vel, os executados foram citados por edital, ficando revéis, dando-se-Ihes Curador Especial que apresentou Embargos de Devedor.

N o juízo monocrático, sob as alvíssaras da falta de legitimidade do Curador Especial, o processo foi extinto (art. 267, IV a VI, CPC) e no julgamento da apelação, confir­mando a sentença, nos Embargos Infringentes rejeitados, assentando o v. acórdão:

"Embargos de devedor. Execu­ção hipotecária fundada na Lei 5.741/71. Competência da Justi­ça Estadual para processá-la. N os processos de execução não tem aplicação a regra do art. 9º, nº II da Lei instrumentária. Ile­gitimidade da Curadoria Espe­cial para propor ação incidental de embargos, em nome do deve­dor inadimplente."

Presentes os seus requisitos, o re­curso merece ser conhecido (art. 105, III, c, C.F.).

Aberto o pórtico para o exame, sublinha-se tormentosa questão ju­rídica, amiúde, enfrentada pela doutrina e Tribunais, consubstanci­ando julgados divergentes quanto à necessidade, ou não, de Curador Es­pecial para o devedor revel no pro­cesso de execução.

Enfrentando o tema, com objeti­vidade e erudição, o eminente De­sembargador Gil Trotta Telles, do Tribunal de Justiça do Paraná, posicionando-se contrariamente, co­mentou:

omissis

"De notar-se, inicialmente, que não é a qualquer réu citado por edital ou com hora certa que ca­berá dar curador especial, mas somente ao revel citado por essas formas.

Revel, no sistema do Código de Processo Civil, é exclusivamente o réu que não apresenta contes­tação, no prazo legal, segundo se infere da primeira parte de seus artigos 319 e 324. Os artigos 13, inciso II, 265, § 2º, e 296, § 3º ape­nas aparentemente aludem a ou­tra espécie de revelia, pois na realidade, neles o réu é tratado como se fosse revel.

Ora, no processo de execução, não há que se falar em contesta­ção. Nele, o devedor não é citado para se defender, porém para cumprir o julgado, como se des­sume dos artigos 621, 632 a 652 do referido diploma legal.

Conseqüentemente, não exis­te revelia nem revel no processo de execução.

Assim sendo, parece que se deve responder de forma negati­va à pergunta formulada inicial­mente.

Contudo, a situação do réu revel, no processo de conhecimen­to, não seria semelhante à do de-

58 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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vedor que não apresenta embar­gos, no processo de execução, de maneira que, por analogia, não seria justificável nomear a este curador especial, quando tivesse ele sido citado por edital ou com hora certa?

Entende-se que a resposta de­ve, ainda, ser 'não'.

É que, embora se admita algu­ma semelhança entre as situa­ções acima apontadas, os embar­gos não equivalem a contestação, mas sim, a ação. Note-se que em nenhum dos casos do artigo 9º, inciso lI, o curador especial pode propor a ação, mas somente ofe­recer defesa.

Por outro lado, conquanto a nomeação de curador à lide vise a proteger aquele que foi citado fictamente, a execução, conforme dispõe o artigo 612, ressalvado o caso de insolvência do devedor, realiza-se 'no interesse do cre­dor', que nela ocupa posição de indiscutível preeminência.

Rita Gianesini, em sua mo­nografia sobre a revelia, também entende não ser viável a nomea­ção de curador especial no pro­cesso de execução, transcreven­do a tal respeito, no que tange à execução fundada em título ex­trajudicial, a conclusão do IV Curso de Especialização em Di­reito Processual Civ.il, da PUCSP, que foi a seguinte:

'Descabe nomeação de cura­dor especial no processo de execução porque:

a) não há revelia;

b) a execução, na espécie, é definitiva, e, assim, não hão de se lhe opor óbices, salvo os indiscutíveis;

c) o curador especial con­testa (art. 302, parágrafo único) e não propõe ações (embargos do devedor);

d) se se pode contestar por negação geral, não se pode propor ações com fatos constitutivos indiscrimina­dos" (in Rev. Assoc. dos Ma­gistrados do Paraná - nº 12, ab:r:il/junho 1978 - págs. 15 e 16).

Conquanto as autorizadas anota­ções, respaldadas em boa doutrina, tenham inegável significância, aju­ris prudência deste Tribunal nor­teou-se por compreensão favorável à nomeação de Curador Especial, inter alia, registrando-se o REsp 32.623-4-RJ - ReI. Min. Waldemar Zveiter, à sua vez, como reforço, in­vocando escólio colhido no REsp 9.961-SP, transcrevendo:

"O Curador Especial, atuando nos termos do artigo 9º, lI, pará­grafo único, do CPC, substitui processualmente a parte revel e citada por editais, e assim pode em qualquer tempo argüir em proveito desta, a prescrição de direitos patrimoniais".

Também lembrou o REsp 23.495-RJ, concluindo que:

"N a qualidade de substituto processual da parte, o curador

R. Sup. '"Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 59

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especial está legitimado a recor­rer".

No julgamento do mencionado REsp 32.623-4-RJ, o Ministro Eduar­do Ribeiro, exímio processualista, comemorando o julgamento do Agra­vo 46.897-GO/TFR, com lúcidos apontamentos, proferiu substancio­so voto, assim:

"A matéria tratada no presen­te recurso, não se ignora, tem ensejado divergências doutriná­rias. Também não se pacificou o entendimento dos Tribunais sen­do que, nesta Corte, quando do julgamento do incidente de uni­formização de jurisprudência, no Agravo de Instrumento 41.165, verificou-se subsistirem duas cor­rentes de opinião, não se poden­do afirmar que uma delas prepon­dera efetivamente, posto que a decisão foi tomada por escassa diferença, sem que conseguisse reunir a maioria absoluta do Ple­nário.

Pessoalmente, quando Juiz de Vara Cível, admitia oficiasse o Curador quando o executado, ci­tado por editais, não apresentas­se embargos.

Reconsiderei esse entendimen­to ao julgar os Embargos Infrin­gentes na Apelação Cível 8.421, no Tribunal de Justiça do Distri­to Federal, oportunidade em que, aliás fiquei vencido (Revista do TJDF, v. 13, pág. 139). Procedi agora a mais detido reexame do tema, meditando maduramente sobre os elementos trazidos nos

doutos votos proferidos no inci­dente de uniformização já men­cionado. E essa reflexão levou-me a volver à anterior posição.

Os defensores da tese que sus­tenta ser descabida a atuação do curador especial firmam-se em que não haveria falar em revelia no processo de execução. Esta tem fundamento em título que não carece de ser complementa­do por quaisquer outros elemen­tos. O exeqüente nada tem de provar e o fato de o executado não comparecer ao processo não acar­reta a conseqüência prevista no artigo 319 do Código de Processo Civil, pois a presunção de verda­de já é ínsita no próprio título. A defesa na execução faz-se por embargos que têm natureza de ação, tendente a desconstituir o título ou paralisar-lhe os efeitos. Não se poderia reputar alguém revel por ter deixado de propor uma ação.

Por outro lado, se é possível a negação genérica, no processo de conhecimento, o mesmo não se verifica nos embargos.

Por fim, o contraditório, na execução, é eventual e resultan­te da apresentação daquela ação incidental.

Examinam-se as objeções.

O Código de 39 deixou expres­so quando alguém haveria de ter­se como revel. Assim haveria de considerar-se aquele que, citado, não apresentasse defesa no pra­zo legal.

O vigente Código não contem­pla dispositivo análogo. Entre-

60 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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tanto, de seus artigos 319 a 320 resulta que a falta de contesta­ção importa em revelia como, aliás, sempre se entendeu. Não se pode concluir, entretanto, com a mes­ma facilidade, que no sistema do Código revelia só exista quando não haja contestação.

Há que se afastar inicialmen­te qualquer tentação de exegese literal. Assim é que não remanes­ce dúvida de que, em embargos à execução, o embargado pode ser revel, embora não seja convoca­do para contestá-los mas para impugná-los. Note-se que não es­tou afirmando que ocorra em tal caso a conseqüência prevista no artigo 319 do CPC. A presunção de verdade decorre freqüente­mente da revelia mas não se con­funde com esta. Apenas quero deixar patente que a palavra con­testação há de entender-se com significado amplo.

Considere-se, de outra parte, efeito relevante da revelia, tra­dicional em nosso direito. Refiro­me ao enunciado no artigo 322, em que se consigna que os pra­zos correrão contra o revel, inde­pendentemente de intimação. Admitindo-se que inexata revelia na execução, não haveria como incidir essa norma. E como o revel obviamente não tem procurador nos autos, teria de ser sempre pessoalmente intimado. Trata-se de resultado absurdo que jamais vi defendido. Daí já se vê que o sistema do Código não se compa­dece com a interpretação que res­trinja o conceito de revelia ao não

comparecimento do réu para con­testar. Entendo que o sentido há de ser mais largo, abrangendo todos os casos em que a parte não se faça presente nos autos.

A confissão ficta, convém re­petir, é efeito da revelia e por isso mesmo não entra em sua defini­ção. Dir-se-ia, entretanto, que a atuação do Curador visaria fun­damentalmente a afastar tal efei­to, não se justificando quando dele não se cogitasse, como ocor­re na execução. A afirmativa não é exata por fundar-se em falsa premissa. É que o Curador oficia para defender a revel de um mo­do geral e não apenas para que se exclua a presunção de verda­de decorrente da falta de contes­tação. Com efeito, malgrado nas diversas hipóteses arroladas no artigo 320 afastem-se expressa­mente os efeitos cominados no artigo 320, nem por isso deixa de ser cogente a presença do Cura­dor.

Afirma-se, ainda, a impossibi­lidade jurídica ou pelo menos a inviabilidade de o Curador pro­por uma ação em nome de outrem ou como substituto deste. A obje­ção não tem, em verdade, a força que aparenta.

Como regra geral, ninguém po­derá demandar em nome alheio. O titular do direito dele dispõe e só estará em Juízo se entender conveniente. Ademais, a proposi­tura da ação significa colocar de algum modo em risco o bem jurí­dico, eis que enseja a possibilida­de de formação da coisa julgada

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contrariamente ao direito afirma­do. Tais colocações facilmente se afastam tratando-se de embargos do executado. Por seu meio, pre­tende-se apenas desconstituir o título executivo, sendo aceitável que deduza o Curador a matéria possível que não envolva arriscar direito que o executado pudesse pessoalmente defender em outra demanda. Claro que serão escas­sos os temas; não significa entre­tanto que inexistam. Não vejo, por exemplo, motivo para impe­dir alegue-se prescrição. Esta não pode ser conhecida de ofício e, tratando-se de processo de conhe­cimento, poderá a parte ter in­teresse que se examine a ques­tão de fundo. Na execução, entre­tanto, que tende à extinção da obrigação pelo seu cumprimento, não há razão para que se impeça o Curador de argüi-la.

Observe-se, ainda, que a ado­ção rigorosa de entendimento exposto levaria a que o Curador nomeado ao incapaz, nas hipóte­ses do inciso I do artigo 9º, tam­bém não poderia embargar, o que o deixaria com a defesa seriamen­te mutilada nas execuções.

Vale assinalar, por outro lado, que existe campo para que o Curador atue utilmente, mesmo não oferecendo embargos. No processamento da execução, po­derá propugnar para que esta obedeça estritamente os limites legais, jungida ao título e do mo­do menos oneroso ao devedor. Cer­to que zelar por isso já é dever do Juiz que, para tanto, não carece

de provocação da parte. Não se afasta, entretanto, a conveniên­cia da atuação. E esta torna-se es­pecialmente importante quando se cogite de interposição de recur­so. Se eventualmente o magistra­do tiver, sobre determinado tema, entendimento contrário aos inte­resses do devedor e em conflito com o dominante najurisprudên­cia, só mediante o recurso aque­le será resguardado. Recurso im­possível se não existir Curador. Não é bem exato, em verdade, que o contraditório condicione-se ao oferecimento de embargos.

Terminando, não é despicien­do assinalar que a lei preocupa­se com este contraditório, tanto que cogita de suspendê-lo quan­do o devedor persevera nÇl práti­ca de atos tidos como atentatórios à dignidade da justiça (CPC, art. 601).

Por todo o exposto, tenho como impositiva a presença do Curador quando, citado o executado por edital, abstenha-;se de atender a esta convocação."

Eis a ementa do julgado:

"Processual Civil - Legitimi­dade do curador especial de opor embargos do devedor - Execu­tado citado por edital.

I - A jurisprudência do STJ acolheu entendimento no senti­do de que o curador especial (ad litem) tem legitimidade para opor Embargos do Devedor em Execução, onde o executado, ci­tado por edital, remanesce revel.

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Trata-se, segundo a doutrina, de exigência de defesa do revel pelo curador e tem fundamento no princípio do contraditório, pois não se sabe se ele - o réu revel - não quis contestar ou não pôde, ou mesmo não soube da ci­tação.

II - Recurso conhecido pela letra c e provido" (in DJU de 31.05.93).

No mesmo sentido, recordo o REsp 37.652-1-RJ, ReI. Min. Costa Leite:

"Processo Civil. Embargos do Devedor. Curador Especial.

O curador especial tem legiti­midade para opor embargos do devedor. Precedentes. Recurso conhecido e provido" (in DJU de 25.10.93).

A Suprema Corte, fazendo soar o polêmico magistério doutrinário, julgando o RE 108.073-MG - ReI. Ministro Francisco Rezek, prece­dente aludido nos acórdãos antes colacionados, consignou:

"A necessidade de se nomear curador especial para o réu que desatende à citação por edital é tema polênÍico neste gênero de feito. Contra a exigência é fre­qüente a invocação do magisté­rio de Calmon de Passos, no sentido de que em tais casos o devedor não é citado para ser ouvido, mas para cumprir sua obrigação (Cf. obra citada à fi. 8). Daí concluírem muitos que ao

réu, no processo de execução, não cabe qualquer defesa, não haven­do possibilidade de revelia -motivo suficiente para tornar inútil a nomeação do curador, cujo pressuposto seria aquele ris­co definido.

Esse argumento se forra ain­da na autonomia que têm os em­bargos do devedor relativamen­te à execução. Desse traço incon­troverso tirar-se-ia que os embar­gos não representam defesa in­terna no processo de execução, quedando, portanto, à margem do poder de atuar do Ministério PÚ­blico, a quem não se defere a in­cumbência de propor ações em nome do ausente.

É inegável que a estrutura téc­nica desses argumentos impres­siona. De toda sorte, porém, não torna a matéria insuscetível de discussão, tanto que um dos de­fensores da tese reconhece nela 'um ponto de vista, sujeito à cen­sura dos doutos' (Athos Gusmão Carneiro. Questões polêmicas do novo Código de Processo Ci­vil; RT 496/15).

Cumpre ter presente que a no­meação do curador especial visa a suprir a defesa do réu, ante a possibilidade de que lhe tenha es­capado a efetiva ciência da de­manda, noticiada em edital. Por isso afirma Cândido Dinamar­co ser necessário defender o au­sente, assegurando que 'a exigên­cia de defesa do revel pelo cura­dor tem fundamento no princípio do contraditório, pois não se sabe se ele não quis contestar ou não

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pôde, ou mesmo não soube da ci­tação' (Fundamentos do Proces­so Civil Moderno: São Paulo, RT, 1986, pág. 330).

O curador, assim, tem a seu cargo a tarefa de defender o réu. Não menos seguro, contudo, é que por vezes a defesa se desen­volve como contra-ataque. A na­tureza dos embargos do devedor ilustra essa dimensão do concei­to de defesa. A tese, aliás, é van­tajosamente sustentada por José Gomes da Cruz, apoiado em Pontes de Miranda, Lopes da Costa, Araújo Cintra, Ada Gri­nover e Cândido Dinamarco (A Curadoria à Lide no Processo de Execução; RT 528/279). Perce­be-se aí o conceito de defesa liga­do ao direito que tem o réu de ver consideradas suas razões no jul­gamento, sendo os embargos um meio para tanto.

Esse entendimento dos embar­gos do devedor como procedimen­to de defesa foi acolhido no TFR, e tem a sufragá-lo, nesta Casa, o RE 94.494, onde se decidiu serem os honorários a cargo do sucum­bente devidos na execução fiscal e não nos embargos - o que dá maior realce à intimidade do pro­cesso incidental com a execução. Lê-se no voto do Relator, Minis­tro Cunha Peixoto, que 'não há dúvidas de que, na sistemática do atual Código de Processo Civil, os embargos constituem uma ação incidental, mas não é menos cer­to que funcionam também cqmo defesa. Assim, não seria curial que o vencido pagasse honorários,

não só na ação principal - exe­cução fiscal-, como na inciden­tal - embargos - que funciona como defesa' (RTJ 103/330).

Uma vez que se espera do curador o exercício da defesa do réu ausente, justificado está para oferecer os embargos - o que de­monstra a utilidade da interven­ção do Ministério Público. Com efeito, não é irrazoável enxergar em semelhante hipótese um caso de substituição. processual, que nos termos do art. 6º do Código adjetivo legitima o substituto a pleitear direito do substituído. Isso é dito expressamente por Amaral Santos, que entre os casos de substituição processual faz figurar 'o do Ministério Pú­blico, quando, em nome próprio, isto é, como parte, age na defesa de interesses de ausentes' (Pri­meiras Linhas de Direito Proces­sual Civil; São Paulo, Saraiva, 1977, 1º voI., pág. 296).

Releva destacar, por outro lado, que a idéia de ausência ab­soluta do contraditório no proces­so de execução merece crítiéa. Parece-me que, de fato, há certa limitação do princípio, ditada pela maior probabilidade de ade­quação ao direito que os títulos executivos ostentam. Entretanto, cuida-se aqui de probabilidade, não de certeza, tanto que o legis­lador criou diversas hipóteses de ataque à exigibilidade e até mes­mo a substância dos títulos. Por isso pondera Cândido Dina­marco que invariavelmente 'exis­te toda essa trama de certezas,

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incertezas, probabilidades e ris­cos no direito processual. Para aumentar a certeza, para aumen­tar, então, a austeridade da Jus­tiça e possibilitar decisões mais perfeitas c. .. ) é que está aí o prin­cípio do contraditório como um dos instrumentos de que se vale o legislador para evitar os riscos de sanções que não estejam de acordo com o direito material' (ob. cit., pág. 100). Certo ainda que, como ensinam os expoentes mais autorizados do Direito Proces­sual, o contraditório traduz a ciência dos atos do processo pe­las partes, e a possibilidade de re­ação a eles, é quando menos in­segura a idéia de que o princípio não opera no processo de execu­ção.

Gomes da Cruz, a propósito, depois de enumerar autores com igual ponto de vista, acrescenta que

'seria erro crer que o contra­ditório seja próprio apenas do processo de cognição. Para cor­rigir tal erro, Carnelutti pro­põe que se observe que o con­traditório não diz respeito ape­nas ao interesse das partes; isto fornece o impulso ao con­traditório, mas não constitui o seu fim. Na verdade, o juiz tem necessidade do contraditório, mais ainda do que as partes. Vimos, estudando o processo de cognição, como nisto consis­te a garantia mais eficaz da imparcialidade do juiz. Não há razão alguma para sustentar que a imparcialidade do juiz

valha menos para a execução do que para a cognição (Diritto e Processo, Morano Editores Nápoles, 1958, pág. 296 em sua obra Lezioni di Diritto Proces­suale Civile, CEDAM, Pádua, 1932, vol. V, Carnelutti já di­zia que o bom senso orienta o entendimento de que a execu­ção também se submete ao princípio contraditório - cf. págs. 64-66)' (ob. cit., pág. 283).

Reforça a convicção o art. 601 do Código de Processo Ci­vil, que estabelece pena de ex­clusão do contraditório ao de­vedor cujo comportamento aten­te contra a dignidade da Jus­tiça. Há, por conseguinte, um contraditório no processo de execução, ainda que desprovi­do de latitude igual àquela com que o princípio é contemplado no processo cognitivo. Haven­do contraditório, cumpre que o ausente se veja amparado pelo curador especial" (in RTJ 120, págs. 1.278, 1.279 e 1.280).

A ementa é bem esclarecedora:

"Curador Especial. Processo de execução. Executado que não atende à citação-edital.

É devida a nomeação de cura­dor especial ao executado que, citado por edital, não comparece a juízo. Doutrina.

Mérito do acórdão recorrido, que deve subsistir".

Propositadamente, em que pese extensas, revolvidas as colocações

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doutrinárias e pretorianas, para al­çapremar a conclusão, a trato de dissídio (art. 105, In, c, C.F.), nes­se cenáculo, concluídas as reflexões pessoais, porque se bastam as ra­zões compendiadas, concilio-me com a fundamentação agregada à neces­sidade da nomeação de Curador

Especial ao executado que, chama­do por edital, não comparece a Juí­zo, ficando legitimado para apresen­tar, a tempo e modo, os Embargos de Devedor.

Por essas estrias, voto provendo o recurso.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 87.321- SP

(Registro n Q 96.0007726-6)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo Recorrente: Amano Química Ltda. Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo Advogados: Gerson Ghizellini e outros, e Sônia Maria de Oliveira Pirajá

e outros

EMENTA: Processual Civil. Recurso especial. Acórdão suficien­temente fundamentado. Decisão embasada em normas constitu­cionais e de lei local. Não conhecimento.

Não padece da eiva de nulidade (art. 458 do CPC) o acórdão que, além de adotar as conclusões da sentença apelada, examina as questões jurídicas submetidas a deslinde, justificando as suas conclusões e interpretando os textos da lei e da C. Federal aplicá­veis à espécie.

O dissenso pretoriano que configura a divergência é o resul­tante de dissonância de teses jurídicas, mediante a interpretação do mesmo preceito de lei federal. Julgados que interpretam re­gras constitucionais são despiciendos de valoração para ensejar o conflito e justificar o conhecimento do especial.

Consoante dispõe a lei (Decreto-Lei n Q 406/68, art. 2º, § 7º e Con­vênio 66/88, art. 14) o montante do imposto (ICMS) integra a sua própria base de cálculo.

A exclusão do montante do ICMS de sua base de cálculo impor­taria na declaração de inconstitucionalidade de lei ordinária e do Convênio 66/88 (art. 14), o que é impossível no âmbito do especial.

Recurso não conhecido. Decisão unânime.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer do recurso na forma do relatório e notas taquigrá­ficas constantes dos autos, que fi­cam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Gar­cia Vieira. Ausente, justificadamen­te, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Custas, como de lei.

Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro DEMÓ­CRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 18-05-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: A empresa Amano Química Ltda., qualificada às fls., promoveu ação declaratória contra a Fazenda do· Estado de São Paulo.

Com a ação, visou, a autora, ex­cluir, da base de cálculo do ICMS, o montante do próprio tributo, sobre alegar inconstitucionalidade e ile­galidade, porquanto, alterada a base, o imposto resultaria aumentado.

Aduziu, ainda, que o sistema de cobrança do ICMS no Estado de São Paulo implica em pagamento de im­posto sobre imposto.

O pedido foi julgado improceden­te em ambas as instâncias.

Inconformada, a vencida mani­festa recurso especial, com arrimo na alínea c, do permissivo consti­tucional. A alegação é de que o acór­dão é nulo por desfundamentado e de que a exigência de imposto so­bre imposto é inconstitucional.

Admitido na origem, vieram os autos a esta instância.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): A empresa Amano Química Ltda. promoveu ação declaratória contra a Fazenda do Estado de São Paulo objetivan­do a exclusão da base de cálculo do ICMS, nas operações que realiza, do montante do Imposto Sobre Circu­lação de Mercadorias.

Aduziu, que "a base de cálculo (do ICMS) é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, de modo que não há confundir-se o va­lor correspondente ao próprio tribu­to, com o da operação".

O pedido foi julgado improceden­te em ambas as instâncias.

Irresignada, vem, agora, a ven­cida, pela via do especial (art. 105, In, letra c), desafiar o decisório sob coima de que dissentiu de julgados de outros Tribunais, eis que:

a) o acórdão é nulo, por ausên­cia de fundamentação;

b) a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de que decor­rer a saída da mercadoria, sem

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que a este se possa adicionar o valor do próprio tributo.

Enfrento, desde logo, o funda­mento pertinente à desfundamen­tação do acórdão. Quanto a este as­pecto, a recorrente transcreve tre­chos de arestos, para confronto, que, a rigor desservem à caracterização do dissídio pretoriano. É que, como se verá, o acórdão desafiado decidiu a controvérsia com embasamento em preceitos constitucionais e de lei local, sem, todavia, interpretar, ou, pelo menos mencionar, ainda que en passant: o art. 93, 17 da C. Federal e o art. 458 do C. de Proc. Civil. E, consoante a jurisprudência da Cor­te, o dissenso que importa em diver­gência é o decorrente de dissonân­cia de teses jurídicas, mediante a in­terpretação do mesmo preceito de lei federal.

Se, in casu, o decisório impug­nado não emitiu juízo de valor so­bre o sentido e compreensão dos arts. 165 e 458 do C. de Proc. Civil e, se, em tempo hábil a recorrente não manifestou embargos de decla­ração para esse fim, uma vez per­sistindo, o Tribunal a quo, na omis­são, competia-lhe (à recorrente) in­terpor o especial por ofensa ao art. 535 do C. de Proc. Civil, consoante jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça.

Demais disso, embora tenha ado­tado os argumentos esposados pela Fazenda do Estado, o Tribunal a quo os transcreveu, na íntegra, re­sultando, daí, um acórdão deveras fundamentado, com motivação até exaustiva e com base na qual che-

gou à conclusão. Transcrevo, para melhor esclarecimento, trechos es­senciais do aresto recorrido:

"Na falta de lei complementar para fixar as normas gerais com respeito ao ICMS, a Constituição Federal, no ADCT, artigo 24, pa­rágrafo 8Q

, permitiu aos Estados, na falta daquelas leis, legislar so­bre a parte geral do imposto. As­sim, foi editado o Convênio 66/88, regulando o ICMS a nível geral. E a referida norma estabelece que:

'O montante do imposto in­tegra sua própria base de cál­culo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle'.

Referido dispositivo foi repro­duzido pela Lei Estadual n Q 6.374/ 89, artigo 33.

Assim, o valor da operação é o valor total cobrado do consumi­dor, incluindo aí o montante do imposto devido. Vê-se, pois, que o valor da operação é, na verda­de, o valor singelo do produto acrescido do imposto devido, nos termos da legislação já mencio­nada. Desta forma, o imposto 'está dentro' do valor da operação.

Numa correta formulação ma­temática, ter-se-ia que diferen­ciação do valor do tributo está em proporção direta com a base de cálculo e não com a alíquota, que é fixa.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência dos Es-

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tados para a tributação de ope­rações relativas à circulação de mercadorias, dispondo ainda so­bre a base de cálculo deste impos­to (art. 155, I, da CF).

O valor da operação e não o va­lor da mercadoria é que consti­tui a base de cálculo do imposto. É o que se depreende da leitura de todo o artigo 155, da Consti­tuição Federal.

E assim já era quando da pre­cedente Carta de 67/69. O então ICM também tinha a base de cál­culo definida como valor da ope­ração.

Mesmo o art. 34, parágrafo 9Q

do ADCT, ao instituir uma siste­mática de arrematação, fez explí­cita a regra geral da base de cál­culo do ICMS. Apesar de tal nor­ma visar outras finalidades que não a definição da base imponível - o que seria totalmente inade­quado em sede de 'disposições transitórias' -, da sua leitura comprova-se a coerência do legis­lador constituinte, que também refere-se ao valor da operação como base de cálculo do ICMS.

Precisa neste aspecto a referi­da norma, posto que o preço de uma operação, o valor da opera­ção, não correspondente ao valor 'puro' da mercadoria, mas abran­ge despesas outras, como fretes, seguros e tributos incidentes so­bre a operação.

Seguindo à risca a norma cons­titucional atual- que repete di­ploma anterior - as leis comple­mentares referentes ao imposto

estadual sobre a circulação de mercadorias também determi­nam o chamado 'cálculo por den­tro', que nada mais é do que a tra­dução da incidência do tributo sobre o 'valor da operação'.

Neste sentido já dispunha o art. 2Q, parágrafo 7Q do Decreto­Lei n Q 406/68, in verbis:

'O montante do imposto in­tegra sua própria base de cál­culo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle'.

Idêntica norma é a disposta no art. 14 do Convênio n Q 66/88, edi­tado com força de lei complemen­tar, com base no art. 34, parágra­fo 8Q

, do ADCT.

A disciplina da matéria, atra­vés destas 'leis complementares' torna impossível interpretação diversa do art. 34, parágrafo 9Q

,

do ADCT, no que resta intocável o procedimento de cálculo para cobrança do imposto que foi ado­tado.

A regular a matéria, a Lei n Q

6.374/89, em seu artigo 33, esta­belece de forma coesa, a base de cálculo do ICMS. O ICMS incide sobre o valor da operação, sobre o preço final, que como é regra, inclui o tributo.

Não há margem para interpre­tação diversa ou para formulação construtivista no sentido de que a base imponível seria o 'valor do produto'. Anorma exige interpre­tação literal e técnica quando diz: 'O valor da operação'.

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o procedimento adotado pelo Estado, que obedece fielmente às normas que vêm traçadas desde a Constituição Federal até a le­gislação ordinária, sem que se cogite em 'aumento de alíquota' a qual é regularmente aplicada sobre o preço final, o valor da operação, respeitando-se a regra de que 'o montante do imposto integra sua própria base de cál­culo'.

Em momento algum, portanto, o que ocorre é aumento de alíquo­ta ou aplicação de alíquota supe­rior às previstas no art. 34, da Lei n Q 6.374/89.

Por fim, é dado observar que o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Prote­ção ao Consumidor conclui pare­cer idêntico, no Protocolado n Q

10.546/92-MP. Nesta oportunida­de, o Sr. Procurador-Geral de Jus­tiça manifestou a constituciona­lidade dos arts. 29 e 33 da Lei Estadual n Q 6.374/89, quando pre­visto o 'cálculo por dentro'. Diz o referido parecer:

'Por fim, no tocante à forma de cálculo do ICMS, como menciona­do, esta Procuradoria Geral de Jus­tiça, no Protocolado nQ 005.3558/90, em 10 de outubro de 1990, que tra­mitou pelo Centro de Apoio Ope­racional das Promotorias de Jus­tiça de Proteção ao Consumidor já deixou claro a sua legalidade. É que o legislador ao prever a for­ma de cálculo do ICMS optou por sua cobrança 'por dentro' (art. 2Q

,

parágrafo 7Q, do Decreto-Lei n Q

406/68, repetido no art. 33, da Lei

Estadual n Q 6.374/89), e não 'por fora', como no caso do IPI.

N o tocante à base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica tem inteira aplicação nos artigos 29 e 33, da Lei Estadual n Q 6.374/89, ambos em consonância com os dispositivos originais previstos no Decreto-Lei n Q 406/68 quanto à base de cálculo (art. 2Q

, par. 7Q)

que não foram revogadas ou não conflitam com as normas consti­tucionais em vigor a partir de 05 de outubro de 1988" (folhas 172/ 176).

É certo que o acórdão "arrema­tou a sua motivação mantendo a sentença pelos seus próprios funda­mentos". Mas, antes, examinou as questões jurídicas submetidas a deslinde, não só justificando as suas conclusões, mas, interpretando pre­ceitos constitucionais e de lei local. O decisório atacado, ao meu sentir, está satisfatoriamente fundamenta­do, não padecendo da pecha de omis­so ou defectivo.

No dizente à impossibilidade de a parcela do ICMS ser adicionada ao valor da mercadoria para efeito da cobrança do Tributo (ICMS) a re­corrente embasa a sua irresignação em matéria constitucional. Ade­mais, transcreve excertos de acór­dãos interpretativos de regras da C. Federal, que desservem à configu­ração da divergência. Ao depois, malgrado indicar trechos dos ares­tos paradigmáticos, sequer indicou o repertório de jurisprudência au­torizado, para possibilitar o con­fronto. É consabido, ademais que

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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julgados que interpretam normas constitucionais são despiciendos de valoração para ensejar o conflito, no especial, em que, o STJ se limita a decidir questões de natureza infra­constitucional.

Por último, a base de cálculo do ICMS é definida no Convênio de n Q

66/88, editado em decorrência do disposto no art. 34, § 8 Q do ADCT, com feição de Lei Complementar, no art. 2Q

, § 7Q, do Dec.-Lei de n Q 406/

68 e art. 33 da Lei Estadual de n Q

6.374/89.

Com efeito, dispõe o art. 14 do Convênio ICM 66/88:

Art. 14 - "O montante do im­posto integra sua própria base de cálculo, constituindo o respecti­vo destaque mera indicação para fins de controle".

Por sua vez, estabelece o art. 2Q,

§ 7Q, do Dec.-Lei n Q 406/68:

Art. 2Q •••

§ 7Q - "O montante do Impos­

to de Circulação de Mercadorias integra a base de cálculo a que se refere este artigo, constituin­do o respectivo destaque mera in­dicação para fins de controle".

"As regras aplicáveis aos valo­res que compõem a base de cál­culo do ICMS são as do art. 6Q

,

incisos I e lI, art. 7Q, inciso I e do

art. 14 (Convênio 66/88). Assim, integram a base de cálculo do ICMS:

a) o valor correspondente aos seguros, juros e demais impor­tâncias recebidas ou debitadas;

b) o valor do frete, caso o trans­porte seja efetuado pelo próprio remetente;

c) o montante do próprio im­posto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle" (Maria Lúcia dos Reis, O ICMS ao Alcance de Todos, pág. 89).

Por último, para a consecução de seu desiderato, "a execução do mon­tante do próprio imposto para a fi­xação da base de cálculo do ICMS, a recorrente terá de postular a de­claração de inconstitucionalidade do art. 14 do Convênio de n Q 66/88, do art. 2Q

, § 7Q, do Dec.-Lei de n Q 406/

68 e art. 33 da Lei Estadual de n Q

6.374/89, o que é impossível no âm­bito do especial.

A questão, aliás,já é pacífica nes­ta Corte, que tem aplicado, vezes se­guidas, o art. 2Q

, § 7Q, do Dec.-Lei

n Q 406/68.

Com estas considerações, não co­nheço do recurso.

É como voto.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 71

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RECURSO ESPECIAL NQ 119.769 - PR

(Registro nQ 97.0010673-0)

Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrente: Fazenda Pública do Estado do Paraná

Recorrido: Auto Posto e Transporte Realeza Ltda.

Advogados: Drs. Márcia Dieguez Leuzinger e outros, e Ruy Schim­melpfeng Sampaio

EMENTA: Processual- Execução fiscal - Penhora insuficien­te - Embargos - Inadmissibilidade.

I - Para que se considere segura a execução fiscal, é necessário que os bens penhorados tenham valor superior ao do crédito em cobrança. Se a penhora envolve valor inferior ao da cobrança, não se admite a oposição de embargos (Lei 6.830/80 - art. 16).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, dar provi­mento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Minis­tros Milton Luiz Pereira, José Del­gado e Garcia Vieira. Ausente, jus­tificadamente, o Sr. Ministro Demó­crito Reinaldo.

Brasília, 23 de junho de 1998 (da­ta do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro HUM­BERTO GOMES DE BARROS, Re­lator.

Publicado no DJ de 24-08-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O v. Acórdão recorrido foi resumido, assim:

"É condição de admissão dos embargos do devedor que estej a seguro o juízo pela penhora e não que o valor dos bens seja sufi­ciente para garantir a execução, eis que o reforço de penhora pode ser, eventualmente, procedido no curso dos embargos ou mesmo após seu julgamento, caso sejam improcedentes." (fi. 47)

O Estado exeqüente reclama de maltrato ao art. 16 da Lei 6.830/80.

Esta, a controvérsia.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

72 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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Cuida-se de execução fiscal, com valor de Cr$ 8.288.504,32.

N o mesmo dia em que se exerceu a ação, ocorreu a penhora de bem avaliado em Cr$ 600.000,00.

O art. 16 da Lei 6.830/80, em seu § 1 Q, adverte:

"Não são admissíveis embar­gos do executado antes de garan­tida a execução."

Este preceito justifica-se pela ne­cessidade de evitar que a execução resulte em inutilidade.

Como todos sabemos, execução por quantia certa é o processo atra­vés do qual o Estado expropria bens do devedor, para com eles satisfa­zer o direito do credor (CPC, art. 646).

A expropriação inicia-se com a penhora, cuj a função é afetar, no patrimônio do devedor, bens a se­rem alienados.

Através da penhora, garante-se a execução.

Diz-se que a execução está garan­tida, quando o valor dos bens penho­rados é suficiente para cobrir o va­lor do crédito a ser satisfeito.

Se o devedor não é dono de bens capazes de assegurar a execução, suspende-se o processo (L. 6.830/80,

art. 40), sem efetivar-se penhora. Em tal situação, não se abre o pra­zo para embargos.

N a hipótese destes autos, reali­zou-se penhora, a incidir sobre fer­ramenta avaliada em quantia infe­rior a dez por cento do valor em co­brança. Evidentemente, a execução não estava segura.

Contudo, em lugar de quedar-se em suspenso, a execução prosse­guiu, com a oposição de embargos.

Evidentemente, o preceito do art. 40 não foi obedecido.

O acórdão monta-se na tese de que o erro é inocente, já que a pe­nhora pode ser ampliada no curso do processo.

Tal não acontece.

Com efeito, a complementação da garantia se efetiva através de nova penhora, em incidente que faz ne­cessária outra intimação do execu­tado e abre ensejo à oposição de outros embargos.

Assim, o desrespeito aos arts. 16 e 40 da Lei de Execuções Fiscais, longe de homenagear o princípio da economia processual, terminou por agredi-lo frontalmente.

Dou provimento ao recurso, para determinar a imediata complemen­tação da penhora, reabrindo-se o prazo de oposição dos embargos.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 73

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RECURSO ESPECIAL Nº 126.724 - SP

(Registro nº 97.0023962-4)

Relator: O Sr. Ministro Garcia Vieira

Recorrentes: Ariane de Cássia Alves Nunes e outros

Recorrida: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Advogados: Drs. José Cândido de Carvalho Filho e Roberto Soares Armelin

EMENTA: Universidade - Sindicância - Trote - Punição -Autonomia - Mandado de segurança - Coisa julgada - Inexis­tência.

A apuração de infrações praticadas por alunos, através de sin­dicância, é um poder decorrente da autonomia administrativa da universidade.

Se diversas as partes e diferentes os fatos, não se pode falar em coisa julgada, por haver decisão em outra ação.

Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participa­ram do julgamento os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Go­mes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado.

Brasília, 12 de maio de 1998 (da­ta do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 03·08·98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEI­RA: Ariane de Cássia Alves Nunes e outros interpõem recurso espe­cial (fls. 1.066), com base na Cons­tituição Federal, art. 105, IH, a, em face de acórdão que decidiu pelo im­provimento da apelação dos recor­rentes, confirmando decisão singu­lar denegatória de mandado de se­gurança.

Os recorrentes, alunos da Facul­dade de Medicina da PUC/Sorocaba, foram punidos com penas de sus­pensão das aulas, que variaram de 60 a 180 dias, ao fundamento de que teriam participado de "trote" aos ca­louros, seus colegas, no ano de 1993.

Impetraram mandado de segu­rança ao argumento de que inexistiu

74 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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o devido processo legal, bem como o ter havido excesso de rigor na apli­cação das penalidades.

Afirmam ter havido 2 decisões conflitantes perante o E. Tribunal a quo, pois, sendo dois mandados de segurança, em um a decisão foi favorável aos impetrantes e em ou­tro, foi desfavorável.

Requerem provimento para o fim de ser julgado extinto o mandado de segurança, sem julgamento do mé­rito, em decorrência da anulação da sindicância que lhe deu ensejo.

Resposta (fls. 1.093).

Despacho (fls. 1.105).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEI­RA (Relator): Sr. Presidente: -Apontam os recorrentes, como vio­lados, os artigos 267, VI e 462 do CPC, versando sobre questões de­vidamente prequestionadas.

Conheço do recurso pela letra a.

Em sindicância instaurada pela Universidade Católica de São Pau­lo (fls. 22/151) apurou-se que:

" ... no início do ano letivo de 1993, no Campus da Faculdade de Medicina de Sorocaba e em lo­calidades outras daquela cidade, alunos veteranos da mesma Fa­culdade, à guisa de trote acadê­mico, impingiram maus-tratos generalizados aos calouros, inclu­indo a forçosa ingestão de bebi­das alcoólicas, depilação da re-

gião pubiana, de membros infe­riores, cusparadas no rosto e na boca, assédio sexual consistente em simulação de relação sexual entre os calouros e coação para que as alunas segurassem os ór­gãos genitais dos veteranos, re­tirada violenta de sala de aula com os calouros amarrados, en­tre si, por uma corda, em fila in­diana, banhos com óleo queima­do, de lama, de catchup, com mos­tarda, com ovos e com cerragem; soutiens das calouras cortados e rasgados, calças e blusas igual­mente rasgadas e cortadas, des­pimento dos calouros com exibi­ção de suas nádegas expondo-as a vexatório "Concurso", intimida­ção psicológica, ofensas morais, destruição de materiais escolares e de documentos pessoais" (fls. 79/ 80).

Restou comprovada a participa­ção dos impetrantes no referido tro­te que estava terminantemente proi­bido por ato da Reitoria da Univer­sidade. Por estes atos de selvageria, foram os impetrantes suspensos por 60, 90 e 120 dias, com base no arti­go 177 do Regimento Geral da Uni­versidade, por ato do Reitor (fls. 87/ 89). A apuração de infrações prati­cadas por alunos, através de sindi­cância, é prevista pelo artigo 183 do Regimento da Universidade e é este um poder decorrente de sua auto­nomia administrativa (art. 207 da Constituição Federal). No desenro­lar da sindicância foi propiciado aos impetrantes a mais ampla possibi­lidade de defesa e para que isso fos­se possível, o Reitor baixou o Ato 35/

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 75

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93, propiciando-lhes a defesa a res­peito dos fatos a eles imputados. Tiveram eles conhecimento da acu­sação, foram intimados e prestaram declarações e requereram o que bem entenderam.

A todos eles foi aberto vista, para a produção de provas, sendo notifi­cados para isso (fls. 634/637), jun­taram documentos e foram intima­dos para a apresentação de defesa. Tudo isso, além do comprovado nes­tes autos, está afirmado no voto con­dutor do acórdão (fls. 1.053/1.054) e, sendo questões de fato, não po­dem ser revistas no especial (Súmu­la nº 07 do STJ). Aliás, a própria alegação de cerceamento de defesa é questão de índole constitucional, não podendo ser reexaminada nes­te recurso. O certo é que não houve o alegado cerceamento de defesa.

Neste recurso, os impetrantes não se insurgem contra o mérito do ato administrativo que os puniram com suspensão. Argúem apenas questões processuais. Sustentam que, com o julgamento pela Egré­gia 6ª Turma do Egrégio Tribunal a quo, de um outro mandado de se­gurança, impetrado por outro gru­po de alunos, anulando a sindicân­cia, restou sem objeto o presente mandado de segurança. Sem razão, a meu ver, os recorrentes. A senten­ça só faz coisa julgada entre as par­tes entre as quais é dada, não bene­ficiando, nem prejudicando tercei­ros (art. 472 do CPC). Com razão, a MM. Juíza Lúcia Figueiredo, ao sa­lientar em seu voto de fls. 1.0601 1.062, que:

"Com efeito, na verdade ocor­rem alegações jurídicas distintas entre a Universidade e os dois grupos de alunos, vale dizer, não se trata de um ato administrati­vo apenas. Ora, os alunos que integram o mandado de seguran­ça em trâmite na 6ª Turma tive­ram a suspensão das atividades escolares decretada com base em determinado ato administrativo e, estes impetrantes, com funda­mento em outro. Assim, as situa­ções são absolutamente indivi­dualizadas, embora decorram da mesma sindicância.

Assim, dúvida não há em se di­zer que a decisão que tomou a 6ª Turma, anulando a sindicância, apenas faz coisa julgada entre as partes daquela impetração, não beneficiando nem prejudicando terceiros" (fls. 1.060).

Conclui-se não estar sem objeto o presente mandado de segurança porque, como vimos, no mandado de segurança julgado pela 6ª Turma, as partes são diversas e diferentes os fatos e aquela decisão ainda não transitou em julgado, estando sujei­ta a recurso, não se podendo falar em coisa julgada e perda de objeto deste mandamus.

Verifico existir pedido de desis­tência do recurso por parte de um dos recorrentes (fls. 1.136) e da Medida Cautelar em apenso (fls. 244) que, nesta oportunidade, ho­mologo para que produza seus de­vidos e legais efeitos.

N ego provimento ao recurso.

76 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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RECURSO ESPECIAL NQ 127.116 - DF

(Registro n Q 97.0024548-9)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrente: Fazenda Nacional

Recorrido: Farid Lima

Advogados: Drs. Alexandra Maffra Monteiro e outros, e Délio Lins e Silva e outros

EMENTA: Tributário. Regularização de veículo importado irre­gularmente. Denúncia espontânea. Interpretação do DL n g2.446/88 e do art. 138, CTN.

1-Veículo importado irregularmente não pode ser regularizado via denúncia espontânea, por a tanto não permitir a interpreta­ção firmada sobre o alcance do DL n Q 2.446/88.

2 - Precedentes jurisprudenciais: P Turma: REsp n Q 40.065-1-DF, REsp n Q 40.071-6-DF e REsp n Q 40.077-5-DF, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 28.2.94 - págs. 2.874 e 2.875, respectiva­mente; REsp n Q 38.237-8-DF, REsp n Q 38.243-2-DF e REsp n Q 38.244-DF, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 28.2.94, pág. 2.872; 2 2 Tur­ma: REsp n Q 38.150-9-DF, REsp n Q 38.175-2-DF e REsp n Q 38.748-7-DF, ReI. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 2.5.94, pág. 9.966; REsp n Q 36.763-8-DF, REsp n Q 36.775-1-DF e REsp n Q 36.830-8-DF, ReI. Min. José de Jesus Filho, DJ de 16.594 - pág.ll.747; REsp n Q

38.363-3-DF, REsp n Q 38.365-0-DF e REsp n Q 38.382-0-DF, ReI. Min. Hélio Mosimann, DJ de 1.8.94, pág. 18.618, (a pesquisa está regis­trada no despacho de admissibilidade - fi. 180).

3 - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, dar provi­mento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.

Brasília, 12 de junho 1997 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ DELGADO, Pre­sidente e Relator.

Publicado no DJ de 18-08-97.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: A Fazenda Nacional interpõe recurso especial (fls. 92/106), com fulcro no artigo 105, inciso lII, alineas a e c, da Constituição Fe­deral, contra acórdão (fl. 88) profe­rido pela 3ª Turma do TRF da 1 ª Região, assim ementado:

"Tributário. Importação de veícu­los anteriormente à Lei 8.028/90 e Portaria Ministerial 56/90, do Ministério da Economia, Fazen­da e Planejamento. Regulariza­ção. Possibilidade.

1 - A Segunda Seção deste Tri­bunal firmou o entendimento de que, com a edição da Portaria 56/ 90, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, permi­tindo a importação de veículos automotores, tornou-se possível a regularização dos mesmos bens anteriormente introduzidos de forma irregular no País, valendo­se o interessado do instituto da denúncia espontânea, com o pa­gamento dos tributos e acrésci­mos legais.

2 - Isto porque o DECEX, órgão hierarquicamente inferior, não pode impor na espécie restrições não constantes da mencionada portaria ministerial.

3 - Apelação e remessa impro­vidas."

Sustenta a recorrente contrarie­dade e negativa de vigência aos ar­tigos 1 Q e 2Q do DL n Q 2.446/88 e à Lei nº 8.028/90, além de suscitar dissídio jurisprudencial.

Sem contra-razões, subiram os autos por força do despacho (fl. 108) do Exmo. Sr. Presidente do TRF da 1 ª Região, admitindo o especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): O recurso merece ser conhecido e provido.

Ajurisprudência das 1 ª e 2ª Tur­mas deste Tribunal já se posicionou na linha de entendimento desenvol­vido pela recorrente.

Correto o registro feito no despa­cho de admisaibilidade (fl. 108) de que:

"Mandado de Segurança inter­posto para afastar proibição de importação de veículo automotor usado, denegado em primeiro grau mas acolhido por esta Cor­te, que entendeu legítima a pre­tensão de regularizar o veículo em face da denúncia espontânea mediante o pagamento dos tribu­tos incidentes.

Contra o v. acórdão a União in­terpõe o recurso especial (fls. 92/ 106), sob fundamento da negati­va de vigência e interpretação di­vergente de lei federal, aponta­do para o primeiro os artigos 1 º e 2º do DL nº 2.446/1988 e Lei n Q

8.028/90 e quanto ao segundo jul­gados proferidos pelo Eg. Supe­rior Tribunal de Justiça.

A discussão quanto à negativa de vigência de lei federal efetiva-

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mente alcança o DL nº 2.446/1988 cuja interpretação se pretende ampliativa em relação aos fatos.

Já no tocante à divergência o tema é conhecido, estando atual­mente pacificado no ãmbito do Superior Tribunal de Justiça ser inadmissível a regularização de veículo automotor que tenha en­trado no País irregularmente, mediante ampliação na interpre­tação da lei em vigor, conforme se apreende do Recurso Especial nº 81.615-DF.

Em sendo assim, como o julga­do desta Corte pelo menos em tese encontra-se em dessintonia com o entendimento da Corte Superior, será medida de caute­la levar ao seu conhecimento a questão para pronunciamento fi­naL"

As decisões apontadas acolheram as razões defendidas pela recorren­te, as quais, também adoto e que es­tão sumariadas na peça de fls. 95/ 105, do modo seguinte:

"Dúvida não há, que uma vez proibida a importação de veículo automotor, esta só será possível nos termos e condições do art. 5º, inciso II, do Decreto-Lei nº 1.427, de 2 de dezembro de 1975:

"Art. 5º O Ministério da Fa­zenda poderá em caráter tem­porário segundo diretrizes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e, sem prejuízo dos compromissos negociados pelo Brasil na Associação Latino-

Americana de Livre Comércio, autorizar a Carteira de Comér­cio do Banco do Brasil a inde­ferir pedidos de Guia de Im­portação nos seguintes casos:

II - Importações que cau­sem ou venham a causar sérios danos à economia nacional".

Se o produto importado pode ser enquadrado como descami­nho, não será possível sua regu­larização de maneira tão simplis­ta e a custo tão acessíveL

Por oportuno, faz-se um breve histórico da questão em foco, ou seja, a existência de óbice legal à importação de veículos usados não revogada pela Portaria Mi­nisterial nº 56, de 15 de março de 1990.

Em primeiro, no caso sub ju­dice, estão em questão os seguin­tes Comunicados CACEX:

I - o de nº 208, de 21.11.88, alterado pelo Comunicado nº 235, de 16.02.90, que tratava de importações temporárias suspensas;

II - o de nº 234, de 12.02.90 que tratava de programas de importações;

III - o de nº 204, de 02.09.88, que tratava de bens de consu­mo usados (onde se incluem veículos usados de importação suspensa) no item VII-7.

Em segundo lugar, com a edi­ção da Portaria Ministerial nº 56,

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 79

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de 15.03.90, suspendendo a proi­bição de importação de automó­veis novos, revogaram-se os Co­municados CACEX n~ 208, 235 e 234, tornando possível a emissão de guia de importação para os veículos novos compreendidos no capítulo 87, posição 87.02, em todas as subposições e itens. Con­tinuou vigorando o de n Q 204, re­ferente a bens de consumo usa­dos. Repetindo, Portaria Ministe­rial, hierarquicamente superior, revoga os Comunicados 208 e 234, deixando intacto o Comuni­cado 204.

"Portaria n Q 56/90:

I - Revogar o item 1.2 das normas gerais do Comunicado CACEX n Q 2.204, de 25.09.88, bem como o Comunicado CACEX n Q 208, de 21.11.88, alterado pelo Comunicado CACEX n Q 235, de 16.02.90, que tratam de importa­ções temporariamente suspensas (Anexo c).

II - Revogar o Comunicado CACEX n Q 234, de 12.02.90, que trata dos programas de importa­ção".

Em terceiro, a Portaria DECEX n Q 02, publicada em 04.07.90, é substituída pelas Portarias 6/90 e 5/91 e complementada pela Porta­ria n Q 8, de 13.05.91.

Em quarto lugar, o Comunicado CACEX n Q 204, até então vigente, porque a Portaria Ministerial 56/90 não o alcançara, é revogado, em 13.05.91, pela Portaria DECEX n Q

08, a qual repetiu a vedação conti-

da no próprio Comunicado revoga­do, ou seja, proibia a concessão de guia de importação para bens de consumo de usados.

N este contexto é de concluir-se que:

a) não houve ofensa ao prin­cípio da hierarquia das leis;

b) subsiste vedação à impor­tação de veículos usados e, por conseguinte, à regularização fiscal de tais produtos;

c) o instituto da denúncia es­pontânea não se coaduna ao presente caso.

Impõe-se ressaltar que o ins­tituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, não pode ser utilizado quando o pedido de re­gularização se referir a bem cuja importação estiver suspensa ou proibida, como na hipótese dos autos. Como já se disse anterior­mente e se acentua agora, as Por­tarias DECEX n~ 02, de 3 de ju­lho de 1990, e 06, de 8 de agosto de 1990, vedam a importação de veículos usados. A denúncia es­pontânea só permite a regulari­zação do veículo novo importado irregularmente desde que ainda não se tenha instaurado o proce­dimento administrativo fiscal. Ora, diante da instauração do respectivo processo administrati­vo, como, aliás, ocorre no caso em tela, não cabe à parte alegar o benefício daquele instituto, já que inexistente, a essa altura, qualquer espontaneidade de sua conduta.

80 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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Aduza-se, oportunamente, que a regularização de bens introdu­zidos irregularmente no país, pressupõe a observância de duas condições:

a) a circunstância de os bens já se encontrarem em nosso território, no dia 1 Q de julho de 1988;

b) requerimento formulado, pelo interessado, até o dia 14 de outubro de 1988 (Dec.-Lei 2.457/88) e instruídos com os documentos previstos no art. 2Q

;

c) pagamento dos tributos devidos, após 5 dias da ciência do despacho deferitório;

Ora, consoante se depreende dos autos, nenhum desses requi­sitos restou observado pelo ora Recorrido.

Assim sendo a regularização fiscal de veículo estrangeiro já usado, quando de sua importa­ção, não encontra amparo legal, como bem salientou a Procurado­ria Geral da Fazenda Nacional no item 42 do Parecer PGFN/PGAI NQ 355/90:

"42. Por oportuno, cabe es­clarecer que esse instituto não pode ser utilizado para regu­larizar bens de importação suspensa ou proibida, porque, caso fosse admitida, se estaria contornando o impedimento criado à importação de algum bem que o Governo, dentro de sua competência constitucio­nal, considerou inconvenien-

te". (os grifos não são do origi­nal).

Destaque-se, igualmente, que não há, na hipótese, ofensa ao princípio da hierarquia das leis, ao da legalidade e nem mesmo ao da isonomia, como a seguir se de­monstra.

A atuação do DECEX está las­treada nos seguintes dispositivos legais, à luz do ordenamento ju­rídico em vigor:

- A Constituição Federal em seu art. 22, item VIII, es­tabelece a competência priva­tiva da União para legislar so­bre comércio exterior;

- Em seu art. 237, determi­na que a fiscalização e o con­trole sobre o comércio exte­rior, essenciais à defesa dos in­teresses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministé­rio da Fazenda:

- No art. 219, estabelece que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabili­zar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal;

- A Lei n Q 8.028, de 12.04 90, que dispõe sobre a organi­zação dos Ministérios, em seu artigo 19, inciso V, fixa como área de competência do Minis­tério da Economia, Fazenda e Planejamento, o comércio ex­terior;

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- No artigo 23, inciso IV, da mesma lei, alínea e, está incluí­da a Secretaria Nacional de Economia como órgão especí­fico daquele Ministério;

- O artigo 57, ainda da Lei citada acima, esclarece que o Poder Executivo disporá sobre a organização e funcionamen­to dos Ministérios e órgãos de que trata esta lei;

- O Decreto 99.244, de 10.05.90, em seu artigo 164, define a estru­tura básica da Secretaria N acio­naI de Economia, ali incluindo o Departamento de Comércio Ex­terior - DECEX;

- O artigo 165 dá competên­cias ao DECEX, e dentre todas, destacam-se as contidas nos itens I, III, VII, VIII e principalmente o item X, abaixo transcritos:

"Art. 165 - Ao Departa­mento de Comércio Exterior compete:

I - emitir licenças de expor­tação e importação, cuja exi­gência será limitada aos casos impostos pelo interesse nacio­nal;

III - exercer, prévia ou pos­teriormente, a fiscalização de preços e medidas, qualidades e tipos nas operações de impor­tação, respeitadas as atribui­ções de competência das repar­tições aduaneiras;

VII traçar diretrizes da política do comércio exterior;

VIII - adotar medidas de controle das operações de co­mércio exterior, quando neces­sárias ao interesse nacional;

X - baixar normas necessá­rias à implementação da polí­tica de comércio exterior, bem assim orientar e coordenar a sua expansão;

Compete-lhe, assim, não só emitir licenças de importação, mas, também, baixar normas à implementação de política de co­mércio exterior, mediante a ado­ção de medidas de controle das operações de comércio exterior, quando necessárias ao interesse nacional, traçando, para isto, di­retrizes da política do comércio exterior.

A vedação contida na Portaria Decex n Q 08/91, de importação de veículos usados, estabelece crité­rios gerais relacionados com o co­mércio exterior, segundo diretri­zes traçadas por diplomas de hie­rarquia superior.

N a vigência da Constituição anterior, as restrições impostas às importações, tinham, também, o respaldo do texto então vigen­te, conforme previam os arts. 8Q

,

I e XVII, alínea 1, e art. 160, es­tando ali consignado, como um dos princípios da ordem econômi­ca e social, a realização do desen­volvimento nacional.

A importação de veículos au­tomotores foi temporariamente

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suspensa em nosso país com o ad­vento do Decreto-Lei n Q 1.427, de 02 de dezembro de 1975, art. 5Q

,

inc. II; Resolução n Q 125, de 05 de agosto de 1980, do CONCEX, Comunicado n Q 7, de 1982, da CACEX, como medida de prote­ção à economia nacional.

O inciso II, do art. 5Q, Decreto­

Lei n Q 1.427/75 dispõe:

"Art. 5Q O Ministério da Fa­zenda poderá em caráter tem­porário segundo diretrizes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e, sem prejuízo dos compromissos negociados pelo Brasil na Associação Latino­Americana de Livre Comércio, autorizar a Carteira de Comér­cio do Banco do Brasil a inde­ferir pedidos de Guia de Im­portação nos seguintes casos:

II - Importações que cau­sem ou venham a causar sérios danos à economia nacional".

A Resolução n Q 125/80 do CONCEX, disciplinando o Siste­ma Administrativo, no item II, atribuiu à CACEX a incumbên­cia de através de comunicado público indicar as mercadorias de importação proibida e/ou suspen­sa, e, no item V, letra b, permitiu à CACEX suspender importações nos casos a que se refere o inciso IV, que causem ou ameacem cau­sar danos à economia nacional. O inciso IV preceitua que "A sus­pensão das importações visa res­guardar o interesse da economia nacional; na preservação das es-

pécies; na saúde pública; na se­gurança nacional; na ordem pú­blica; no abastecimento nacional; em setores críticos; e no equilí­brio da balança comercial". Regu­lamentando as importações de material usado, no inciso XII, res­tringiu tais operações a máqui­nas, equipamentos e/ou instru­mentos usados, uma vez atendi­dos os requisitos que enumera nas alineas a a d, destacando-se ali também o interesse da econo­mia nacional".

O Comunicado CACEX n Q 07/ 82, por sua vez, no item 6, nos termos do art. 5Q do Dec. n Q 1.427, de 02.12.75, e do item V da Reso­lução n Q 125/80, do CONCEX, conforme aprovação do Ministro da Fazenda, suspendeu tempora­riamente a concessão de guia de importação para os produtos re­lacionados no Anexo C, entre eles os veículos automóveis, conforme consta do capítulo 87, e no Título XIII - Importação de Material Usado, condicionou a possibilida­de à importação de bens usados sem produção no País, desde que atendidos, cumulativamente, de­terminados pressupostos.

Tais normas emprestam à ve­dação em foco o respaldo legal necessário, fato este reconhecido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1 ª Região, no julga­mento daAMS n Q 92.03989-4-DF, em 27.5.92, Relator o Exmo. Sr. Juiz Tourinho Neto, em caso de regularização fiscal de veículo que já se encontrava no País ao

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desabrigo da documentação regu­lar, in verbis:

"Quando a mercadoria tem a sua entrada vedada no País como medida de proteção a de­terminados setores da econo­mia, e isto, por certo período determinado ou não, ou por uma determinada forma, te­mos uma proibição relativa.

A infração a estas normas constituem o crime de contra­bando e não o descaminho.

Durante certo tempo a im­portação de veículos automo­tores foi proibida pelo nosso País (Decreto-Lei n Q 1.427, de 02 de dezembro de 1975, art. 5Q

, inc. II; Resolução n Q 125, de 05 de agosto de 1980, do CONCEX; Comunicado n Q 7 de 1982, da CACEX)".

As normas da CACEX viu-se, estão em estrita observância aos limites da lei (Dec.-Lei n Q 1.427/ 75). A valoração dos danos à eco­nomia nacional, que devem ser evitados, compete ao administra­dor e não ao Impetrante ou mes­mo ao Poder Judiciário. É crité­rio que se subsume no poder dis­criminatório do Poder Executivo, sem que isto importe em ofensa a qualquer princípio, mormente ao da isonomia. Além do mais, a sua valoração não pode ser feita no âmbito do mandado de segu­rança, que não comporta ilações desta natureza.

A Portaria Ministerial n Q 56/ 90, que revogou as normas da

CACEX que vedavam a importa­ção de veículos novos, efetivou, com esteio no art. 19, V, da Lei n Q

8.028, de 12 de abril de 1992, a abertura, proclamada pelo Go­verno Collor, dos portos ao comér­cio internacional, dando, com isso, cumprimento ao manda­mento constitucional da livre concorrência.

Todas as normas suso indica­das, disciplinadoras da importa­ção, encontram respaldo em in­teresse nacional de duas ordens: (1) proteger e controlar as reser­vas de divisas do País, a fim de que o Brasil não as gaste na im­portação de bens desnecessários (2) proteger o mercado de traba­lho.

Ademais, todos os preceitos editados anteriormente a 1988 têm integral o amparo na Carta Magna atual, como se destaca do art. 219, verbis:

"O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabili­zar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e autonomia tec­nológica do País, nos termos da lei federal".

Quis o Constituinte, nesse pre­ceito, assegurar constitucional­mente o princípio de que o mer­cado interno integra o patrimô­nio nacional.

A tese defendida pela Fazen­da Nacional é inteiramente con­forme o Direito, pelo que a juris-

84 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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prudência, recentemente, foi al­terada em seu favor, como se pode observar pelo Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de J usti­ça (Recurso Especial nQ 39.277-2-PA), que se junta, cuja ementa abaixo reproduzimos:

"Tributário - Veículo objeto de descaminho - Regulariza­ção - Denúncia espontânea -Norma em branco -Abolitio delicti - Decreto-Lei n Q 2.446/ 88 - CTN art. 138.

- É impossível elastecer o per­missivo do Dec.-Lei nQ 2.446/ 88, para alcançar descaminhos

ocorridos após os prazos nele fixados.

- A mudança circunstancial das restrições que complemen­tam a norma sancionadora em branco, não implica em bene­ficiar-se o infrator, com o prin­cípio da aboli tio delicti.

-Adenúucia espontânea (CTN art. 138) não substitui o reque­rimento previsto no Dec.-Lei nQ

2.446/88, como instrumento de regularização" .

Por tais fundamentos, dou provi­mento ao recurso. Oficie-se.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 128.752 - RS

(Registro n Q 97.0027535-3)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrente: Adubos Trevo S.A. Grupo Trevo

Recorrido: Departamento Estadual de Portos) Rios e Canais - DEPRC

Advogados: Márcio Gontijo e outros) e Carlos Gomes da Silva Júnior e outros

Sustentação Oral: Dr. Márcio Gontijo) pela recorrente

EMENTA: Direito Civil. Terminal portuário. Tarifa portuária paga pelo acostamento de embarcação para carga e descarga. Decreto-Lei n g 83/66 e Lei 8.630/93. Legalidade.

Não é ilegal o pagamento de tarifa por empresa que explora terminal portuário privativo, sempre que houver acostamento de embarcação para efeito de operações de carga e descarga no res­pectivo terminal marítimo (Decreto-Lei n Q 83/66), e pactuada li­vremente com o Departamento de Portos, Rios e Canais (DEPRC), na forma da legislação em vigor.

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Não padece de ilegitimidade, que justifique a sua reparação pela via da segurança, o ato de autoridade que busca o cumprimento de cláusula contratual livremente celebrada em obediência à le­gislação pertinente.

Descabe mandado de segurança contra autoridade cuja função é de mera executora de contrato, carecendo de competência para sanar a possível ilegalidade do ato que se pretende acoimado de irregularidade capaz de ineficacizá-Io.

Recurso improvido. Decisão indiscrepante.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, negar provimento ao recur­so, na forma do relatório e notas ta­quigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hum­berto Gomes de Barros e Garcia Viei­ra. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado. Custas, corno de lei.

Brasília, 07 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 11-05-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Cuida-se de mandado de segurança preventivo impetrado pela empresa Adubos Trevo S.A. -

Grupo Trevo contra Administrador do Porto do Rio Grande, objetivan­do eximir-se do pagamento de ser­viços em Porto Privativo com base na Tabela "N".

A impetrante celebrou, em 1971, com o DEPRC, acordo em cuja cláu­sula X ficou consignado que a taxa portuária, sempre que houver acos­tamento de embarcação para opera­ção de carga ou descarga, seria paga com base nas Tabelas "A" e "N". Vem, agora, sob fundamento de que o Decreto-Lei nº 83/66, sob cuja égide foi celebrado Termo de nº 365, foi revogado pela Lei de nº 8.630/ 93, não havendo como ser impelida a cumprir os Termos do acordo, me­diante o pagamento da tarifa pela Tabela "N".

Pede a concessão do mandamus.

A segurança foi indeferida em ambas as instâncias.

Irresignada, manifesta, a venci­da, recurso especial. Alega ofensa aos arts. 74 e 76 da Lei nº 8.630/93, além do dissenso pretoriano.

Admitido o recurso por despacho em agravo de instrumento e contra-

86 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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arrazoado, subiram os autos a esta instância.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Mi­nistros:

A empresa Adubos Trevo S.A. -Grupo Trevo impetrou mandado de segurança contra o Administrador do Porto do Rio Grande. Na segu­rança preventiva objetiva a susta­ção do pagamento pela exploração de terminal privativo da taxa com base na Tabela "N", eis que, o De­creto-Lei n Q 83/66 foi revogado pela Lei n Q 8.630/93.

Esclarece, a impetrante, que em 1971, celebrou, com o DEPRC o Ter­mo de n Q 365, pelo qual a empresa passaria a explorar um terminal portuário privativo de acordo com o Decreto-Lei n Q 5/66. Na cláusula X do respectivo Termo, consta que, "além da renda, a contratante (im­petrante) pagará ao DEPRC as ta­xas das Tabelas "A" e "N" da Tarifa Portuária sempre que houver acos­tamento de embarcação para opera­ções de carga ou descarga no termi­nal marítimo.

Sucede que a Lei n Q 8.630/93 re­vogou o Decreto-Lei n Q 83/66, sob cuja égide se firmou o contrato re­ferido (Termo n Q 365), estando a re­querente desobrigada do pagamen­to da taxa pela Tabela "N" naque­las operações.

A segurança foi negada em ambas as instâncias.

Irresignada, a vencida manifes­ta recurso especial, sob o pálio das letras a e c. Alega ofensa aos arts. 77,97, I do CTN e arts. 74 e 76 da Lei n Q 8.630 e contrariedade com a Súmula 512 do STF.

O recurso não pode prosperar, por ser evidente a improcedência de seus fundamentos e a inexistência de ofensa aos preceitos de lei indi­cados. A recorrente intenta, em sua irresignação, atribuir ao pagamen­to decorrente de acordo firmado, a natureza de taxa (tributo), quando, em verdade, se cuida de tarifa, à qual não se aplicam os preceitos de lei invocados (arts. 77 e 97, I, do CTN). Em assim sendo, ao meu sen­tir, não se há de falar em ofensa aos dispositivos de lei apontados, mas, ao contrário, de escorreita interpre­tação e aplicação da legislação per­tinente. Com efeito, como bem apon­tou o Ministério Público, não é ile­galo ato que busque o cumprimen­to de cláusula contratual legitima­mente celebrada segundo o ordena­mento vigente à época da contrata­ção. Demais, a autoridade indicada como coatora é mera executora dos termos do contrato (Termo n Q 365) e não tem poderes para sustar o pagamento da tarifa, consoante o que foi pactuado. De conseguinte, a impetração deveria, de logo, nas instâncias ordinárias, ter estanca­do diante da impossibilidade jurí­dica, desde que o mandado de segu­rança não pode atacar ato de quem não tem competência para sanar a sua ilegalidade. Inexiste, portanto, liquidez e certeza na pretensão. Por outro lado, o pagamento com base na Tabela "N" advém de acordo fir-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 87

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mado entre as partes com arrimo na legislação vigente. Se o Decreto-Lei n Q 83/66 foi revogado, a lei estabe­leceu prazo (180 dias) para o acer­tamento, pelos órgãos competentes, sobre o pagamento das tarifas, em face da Lei n Q 8.630/93. Se as tari­fas vinham sendo pagas com fincas no Decreto-Lei 83, citado, até a data de readaptação do pagamento à nova realidade (Lei n Q 8.630/93), à recorrente não cabe outra atitude senão a de continuar cumprindo as cláusulas do acordo (Termo n Q 365) - pacta sunt servanda.

Para concluir, parecem-se irres­pondíveis os fundamentos do acór­dão recorrido, ao esclarecer:

"Trata-se de pretensão manda­mental preventiva, com que visa a arrendatária de terreno da área do Porto de Rio Grande, sobre o qual implantou um terminal por­tuário privativo, eximir-se da exigência da Administração do referido Porto de pagamento da denominada Tarifa "N", contra­tualmente ajustada, com base no Decreto-Lei n Q 83/66. Embasa-se o pedido no fato de ter a Lei n Q

8.630/93 declarado expressamen­te revogado dito decreto-lei.

Ocorre que a lei nova, a par da revogação do Decreto-Lei n Q 83/ 66, não institui um novo sistema tarifário e atribui às autoridades portuárias implementá-lo em de­terminado prazo.

Essa implementação ainda não se efetivou, mas não há dúvida de que alguma remuneração con­tinuará sendo devida pelos termi-

nais privativos, semelhantes ao da impetrante, em razão dos ser­viços prestados ou postos à sua disposição pelo DPRC, e pelaAd­ministração do referido Porto.

Por isso, e dada a natureza contratual dessa obrigação, que ainda subsiste, não há falar em direito líquido e certo à suspen­são do pagamento da denomina­da Tarifa "N", tão-só porque, de­corridos mais de 180 dias - pra­zo fixado na Lei n Q 6.830/93 para a adaptação dos contratos de ex­ploração de terminais privativos às suas disposições -, tais con­tratos não tenham sido modifica­dos.

É que tal adaptação há fazer­se segundo novas estruturas ta­rifárias, a serem adotadas pelas administrações dos portos, as quais devem ser submetidas à aprecia­ção dos respectivos Conselhos de Autoridade Portuária.

Estando essas autoridades em mora, em princípio poder-se-ia admitir viesse a impetrante a postular na via judicial a modifi­cação daquela cláusula contra­tual, ou sua eventual inexigibili­dade, mas não pela via excepcio­nal do mandado de segurança, dada a necessidade de demons­tração de matéria de fato, como adverte corretamente o eminen­te Procurador de Justiça, no pa­recer, às fls. 125/126.

Aliás, essa matéria já foi en­frentada anteriormente pela egré­gia Primeira Câmara Cível, no julgamento daAPC n Q 595056756; e por esta mesma Câmara, no jul-

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gamento da APC nº 594132268, em sessão de 23.11.1994, tendo como Relator o eminente Des. Arnaldo Rizzardo. Também na­queles julgamentos não se reco­nheceu o alegado direito líquido e certo" (fls. 136/137)".

Como se vê, a quaestio juris é, até, impossível de ser dirimida na via estreita do mandamus, já que, para tanto, seria necessário dilação probatória.

Por último, não se há de falar em ofensa à Súmula 512 do STF, desde

que o pagamento dos honorários foi expressamente excluído no acórdão de fl. 137.

Com estas considerações, conhe­ço do recurso, mas lhe nego provi­mento.

É como voto.

VOTO- VISTA

o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Conheço do recurso, mas lhe nego provimento.

RECURSO ESPECIAL Nº 156.513 - PB

(Registro nº 97.0085276-8)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrente: Fazenda Nacional

Recorrida: Hiper Lojão Móveis Ltda.

Procuradores: Drs. Adonias dos Santos Costa e outros

Advogado: Dr. Joaquim Daniel

EMENTA: Processual Civil. Apelação e remessa oficial. Desca­bimento da invocação de jurisprudência iterativa não sumulada. Obrigação do conhecimento. Lei Complementar nº 35/79 (art. 90, § 2º) - CPC, arts. 475, n, e 557.

1. Pela estrita viseira de iterativa jurisprudência constitui ile­galidade, revelando contrariedade ao duplo grau de jurisdição, a decisão do relator negando seguimento à remessa oficial e à ape­lação voluntária. Compete ao STJ, no concernente à legislação infraconstitucional, dizer da sua aplicação em âmbito nacional e não às instâncias ordinárias.

2. Multifários precedentes do STJ.

3. Recurso provid«?

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao re­curso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Senhores Ministros José Delgado, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Au­sente, justificadamente, o Senhor Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Mil­ton Luiz Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 2 de junho de 1998 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 24-08-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Cuida-se de Recurso Es­pecial, fulcrado na alínea a, do per­missivo constitucional, interposto contra o v. acórdão assim ementa­do:

"Processual CiviL Agravo regi­mentaL Matéria rejeitada reite­radamente por esta E. Corte. Hi­pótese prevista no art. 557 da Lei 9.139/95.

O relator negará seguimento a recurso manifestamente inad-

missível, improcedente, prejudi­cado ou contrário à Súmula do TribunaL

A matéria objeto do presente recurso tem sido reiteradamente rejeitada por esta Corte, que já pacificou entendimento contrário à pretensão do autor.

Recurso a que se nega segui­mento." (fl. 86).

Inconformada, alega a Recorren­te que o v. aresto hostilizado negou vigência ao artigo 557 do Código de Processo CiviL

Aduz:

"A hipótese desses autos é de compensação de tributos, preten­samente com apoio no art. 66, da Lei n Q 8.383/91.

Permissa venia, não merece ser considerada manifestamente improcedente tese que vem sen­do acolhida de forma majoritária pelos Tribunais pátrios, que se inclinam para o entendimento de que para a compensação de tri­butos impõe a demonstração da liquidez e certeza dos créditos em confronto, além do que não pode­ria ser compensado Finsocial com Cofins à vista da diversidade de natureza jurídica de ambos.

Com efeito, a tese sufragada pelo MM. Juiz singular e presti­giada pela r. decisão agravada diverge do entendimento assen­tado neste Colendo Superior Tri­bunal de Justiça - em matéria infraconstitucional, última pala­vra a ele cabe por expressa de-

90 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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terminação constitucional -consoante se vê, exemplificativa­mente, do acórdão proferido no Recurso Especial n° 76.230-PE (95.0050367-0), de relatoria do eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, onde ficou as­sentado que Finsocial e Cofins não possuem a mesma natureza, restando inviabilizada a preten­dida compensação. Com efeito, consigna a respectiva ementa:

'Tributário. Compensação. Dé­bito e crédito provenientes de Finsocial e Cofins, respectiva­mente. Impossibilidade.

A compensação tributária pres­supõe o confronto de débito e crédito provenientes de tribu­tos da mesma espécie.

A jurisprudência do STJ é con­trária à compensação entre créditos e débitos provenien­tes, respectivamente, de Fin­social e Cofins (RMS 4.035-6/ DF)'. (DJU de 11.03.96, pág. 6.582).

Em seu voto condutor, o culto Ministro Humberto Gomes de Barros, após transcrição do art. 66, da multicitada Lei n Q 8.383/ 91, conclui enfaticamente:

'No que respeita à segunda questão, nossa jurisprudência é contrária à compensação en­tre créditos e débitos proveni­entes, respectivamente, de Fin­social e Cofins'. (sem grifos no original).

Insustentável, portanto, à luz da Constituição Federal, a orien­tação firmada na r. sentença mo­nocrática, com o beneplácito da v. decisão agravada, pelo que não se pode, permissa venia, titu­lar de manifestamente improce­dente a tese sustentada pela Fa­zenda Nacional nestes autos".

omissis

"Para tanto, faz-se necessário que o Egrégio Tribunal, median­te acórdão da Conspícua Turma, se pronuncie acerca da matéria de fundo debatida nestes autos.

É que o Recurso Especial pres­supõe a existência de causa deci­dida, em única ou última instân­cia (CF, art. 105, IH), o que ino­correu na hipótese vertente, ante o trancamento does) recurso(s) pela r. decisão ora agravada.

Noutras palavras, inexistindo decisão colegiada (acórdão), que não se confunde com a r. decisão singular hostilizada, não é possí­vel interpor-se recursos extraor­dinário e especial, a teor dos arts. 102 e 105, da Carta da Repúbli­ca".

omissis

"N o caso dos autos, a pretexto de aplicar o art. 557 do CPC, o v. acórdão hostilizado, em verdade, desaplicou o preceito nele conti­do, equivalendo à negativa de vi­gência, a justificar o conhecimen­to e provimento do presente ape­lo extremo pela letra a do permis­sivo constitucional.

Cumpre registrar que conco­mitantemente com este recurso

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especial, a ora recorrente inter­pôs recurso extraordinário, haj a vista a violação, pelo v. acórdão recorrido aos comandos insertos nos incisos XXXV e LV, da Cons­tituição Federal". (fls. 92/95).

Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário, admitido na origem.

Transcorreu in albis o prazo pa­ra apresentação de contra-razões.

O nobre Presidente do colendo Tribunal a quo admitiu o Especial nestes termos:

"Compulsando os autos, veri­fico que assiste razão à recorren­te, uma vez que, em sendo ainda controvertida a natureza jurídi­ca do Finsocial, deveria o recur­so ter sido julgado pela Turma.

Isto posto, admito o recurso es­pecial, devendo o mesmo ser pro­cessado com as cautelas regimen­tais". (fl. 112).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Pela guia do re­latório, avivadas as peças informa­tivas do processo, altea-se que, em Mandado de Segurança, malsinan­do a Instrução Normativa nº 67/92 e colocando em evidência a Lei nº 8.383/91 (art. 66), a parte impetran­te, com liminar favorecedora da compensação, objetivou o reconhe­cimento do seu direito líquido e cer-

to de proteger-se contra a prática de atos lesivos praticados pela au­toridade apontada como coatora (fls. 2 a 8).

Favorável a r. sentença para as­segurar "a compensação unilateral dos créditos referentes ao pagamen­to a maior do Finsocial, excedentes à alíquota de 0,5%, com as parcelas vincendas devidas a título de Co­fins ... ", por força do duplo grau de jurisdição, determinada a remessa oficial e interposta a apelação vo­luntária, os autos subiram ao egré­gio Tribunal Regional Federal- 5ª Região.

Recebida a apelação, à invocação do art. 557, CPC, foi negado segui­mento ao recurso (fl. 72), ensejan­do Agravo Regimental, improvido conforme resumido na ementa:

"Processual Civil. Agravo regi­mental. Matéria rejeitada reite­radamente por esta E. Corte. Hi­pótese prevista no art. 557 da Lei 9.139/95.

O relator negará seguimento a recurso manifestamente inad­missível, improcedente, prejudi­cado ou contrário à Súmula do Tribunal.

A matéria objeto do presente recurso tem sido reiteradamente rejeitada por esta Corte, que já pacificou entendimento contrário à pretensão do autor.

Recurso a que se nega segui­mento." (fl. 86).

Adveio o recurso arrimado na sustentação básica de que o julga­do contrariou o art. 557, CPC.

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Feito o memento para a compre­ensão da questão jurídico-litigiosa, presentes os requisitos de admissi­bilidade, o recurso merece ser co­nhecido (art. 105, IH, a, C.F.).

Presentes os requisitos de admis­sibilidade o recurso merece ser co­nhecido.

Nessa lida, destaca-se questão já examinada por esta Corte, propi­ciando iterativos julgados aprisio­nando a questão jurídico-litigiosa de fundo, entre os quais menciona-se o REsp 134.450-BA, quando proferi voto-vista. À ocasião, rememorando o voto elaborado pelo Senhor Minis­tro-Relator, assinalei:

(. .. )

Em conhecendo do recurso, o eminente Relator Ministro Gar­cia Vieira, objetivamente, discor­reu:

(. .. )

'Estabelece a Lei Comple­mentar 35/79 que:

'O Regimento Interno dis­porá sobre as áreas de espe­cialização do Tribunal Fede­ral de Recursos e o número de Turmas especializadas de cada uma das Seções, bem assim sobre a forma de dis­tribuição dos processos.

Parágrafo 1 Q ••••••••••••••••••

Parágrafo 2Q - o relator

julgará pedido ou recurso que manifestamente haja perdido objeto, bem assim,

mandará arquivar ou nega­rá seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo ou incabível ou, ainda, que contrariar as questões predominantemen­te de direito, súmula do Tri­bunal ou do Supremo Tribu­nal Federa!...'.

Como se vê, referido dispo­sitivo legal se refere ao Tribu­nal Federal de Recursos e au­torizava a seus Ministros ne­gar seguimento a recurso que contrariasse as suas súmulas. Não dá, ele, nenhum apoio aos Juízes dos Tribunais Regionais Federais para fazer o mesmo e negar seguimento a recursos que contrariar as súmulas dos Tribunais Regionais Federais. O Tribunal Federal de Recur­sos era único e com jurisdição em todo o território nacional. Quando um de seus Ministros negava seguimento a um re­curso por contrariar suas sú­mulas, sua decisão tinha eficá­cia em todo o Brasil. Com os Tribunais Regionais Federais a situação é diferente. Sendo vários os Tribunais, cada um tem ou pode ter súmulas dife­rentes ou mesmo opostas à de outro Regional. Como no caso concreto, outro Regional pode ter uma súmula em sentido oposto à Súmula n Q 10 do Re­gional da 5ª Região e aí, nós teríamos decisões contraditó­rias. Num Regional, determi­nada lei é constitucional e nou­tro inconstitucional. O direito

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seria diferente num e noutro Tribunal. Se um Regional nega seguimento à apelação de sen­tença que considerou constitu­cional ou inconstitucional, im­pede seja a questão apreciada e decidida pelo Supremo Tri­bunal Federal que é o Tribu­nal competente para dar a últi­ma palavra em questões cons­titucionais. Com isto, estaria usurpando a competência da Excelsa Corte. O mesmo acon­teceria com a matéria infra­constitucional, porque cabe ao STJ dizer o direito, no concer­nente à matéria legal, para todo o País e não aos Regio­nais. Entendo que estes não podem negar seguimento a re­curso com base em suas súmu­las, mesmo porque, quando o STF ou o STJ decidem em sen­tido diferente ao das Súmulas dos Regionais, ficam estas re­vogadas".

Ficando à deriva incursão na senda constitucional, de pronto, manifesto expressa adesão à fun­damentação transcrita, máxime exaltando-se que a ação tem como ré a União Federal, resguardada por obrigatória apreciação da re­messa oficial, por versar direito público indisponível, tanto que os efeitos da sentença ficam conti­dos até o reexame pelo Tribunal ad quem. Por óbvio, na mencio­nada remessa não se cogita de requisitos de admissibilidade para o conhecimento, nem fica obstaculizada por vinculação à jurisprudência sumulada. Trata-

se de apreciação de todas as ques­tões por obrigação ex lege (art. 475, lI, CPC). Em contrário pen­sar, por via oblíqua, ficariam sem aplicação as impositivas disposi­ções do art. 475, lI, CPC.

A jurisprudência preponderan­te desta Corte tem derruído o en­tendimento dos Tribunais regio­nais que prestigia inflexível apli­cação das suas súmulas. Entre outros precedentes, confira-se:

- 'Constitucional e Previ­denciário - Atualização de benefício - Correção monetá­ria - Art. 202 da Constituição Federal - Despacho que nega seguimento à apelação com base em súmula - Recurso especial - Súmula de Tribu­nais - Carência de efeito vin­culante.

1. 'Embora consubstanciem a jurisprudência dominante, as súmulas dos Tribunais não possuem efeito vinculante de modo a permitir que a aplica­ção de seu enunciado por des­pácho monocrático do relator da apelação, constitua decisão de única ou última instância e suj eita a recurso especial.' (REsp nº 90.078-CE).

2. Necessária a manifesta­ção do órgão colegiado sobre o mérito da apelação interposta.

3. Recurso conhecido e pro­vido.' CREsp nº 99.565-PB -ReI. Min. Anselmo Santiago­in DJU de 16.2.98).

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- 'Processual Civil e Previ­denciário - Súmula de Tribu­nais. Carência de efeito vincu­lante.

- Recorribilidade. Embora consubstanciem ajurisprudên­cia dominante, as súmulas dos Tribunais não possuem efeito vinculante, de modo a permi­tir que aplicação' de seu enun­ciado, por despacho monocrá­tico do relator da apelação, constitua decisão de única ou última instância e sujeita a recurso especial.

- Salários-de-Contribuição. Jurisprudência assentada no sentido da eficácia plena e aplicabilidade imediata de norma do art. 202 da CF/88. Precedentes.' (REsp 90.078-CE - ReI. Min. Assis Toledo - in DJU de 5.8.96).

- 'Recurso - Súmulas -Seguimento - Contrariedade - Tribunais Regionais Fede­rais.

O Tribunal Federal de Re­cursos era único e com jurisdi­ção em todo território nacio­naL Quando um de seus minis­tros negava seguimento a um recurso por contrariar suas súmulas, sua decisão tinha efi­cácia em todo Brasil.

Com os Tribunais Regionais a situação é diferente.

Sendo vários Tribunais Re­gionais Federais, cada qual terá suas súmulas, que podem até mesmo ser opostas. Não podem eles negar seguimento

a recurso com base em suas súmulas, mesmo porque, quan­do o STF ou ST J decidem em sentido diverso ao das Súmu­las dos Regionais, ficam estas revogadas.

É do ST J a função de dizer o direito em âmbito nacional, no que concerne à matéria le­gal, e não dos regionais.

Recurso provido.' (REsp 116.637/CE - ReI. Min. Gar­cia Vieira - in 16.2.98).

- 'REsp - Processual Ci­vil - Remessa de Ofício -CPC, art. 557 - A extensão normativa do disposto no art. 557, CPC, é limitada em ha­vendo necessidade de exame da remessa de ofício, procedi­da pelo Colegiado.' (REsp 153.300-AL - ReL Min. Vicen­te Cernicchiaro - in DJU de 25.2.98).

Circunstancia-se, pois, que no recurso de apelação, cuja nature­za processual é ordinária, para in admitir o seu conhecimento, não são invocáveis os específicos requisitos de admissibilidade pró­prios do Recurso Especial. Inter­posta a apelação dentro do prazo legal, 'não pode ter seguimento obstado pelo argumento de que a orientação jurisprudencial da Cor­te já se firmou no sentido da deci­são apelada.' (REsp 90.078-CE)."

À mão de reforçar, anota-se:

"Processual Civil. Sentença contra a União, Remessa obriga­tória. Apelação voluntária.

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Decisão do relator. Hipótese que não se subordina à permis­são dada ao relator para, por de­cisão singular, negar seguimen­to ao recurso, pois que, no caso, não se encontra sumulada a ma­téria apelada, requisito que não se supre, pela mera referência a julgados reiterados". (REsp n Q

153.299-PB - ReI. Min. José Dantas, in DJU de 19.12.97).

Na confluência da exposição, re­animando a fundamentação dos precedentes comemorados, compe­tindo ao Superior Tribunal de Jus­tiça, em âmbito nacional, dizer da aplicação da legislação infraconsti­tucional, voto provendo o recurso, a fim de que o despique voluntário e remessa sejam apreciados como de direito.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 170.202 - SP

(Registro nQ 98.0024462-0)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrentes: Ademar Scelerges e outros

Recorrida: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogados: Drs. José Pascoal Pires Maciel e outro, e Camilo de Lellis Cavalcanti e outros

EMENTA: Processual Civil. Petição inicial. Inépcia. Artigos 286 e 295, I, CPC.

1. Suficiente a exposição dos fatos, claro o fito do autor, evi­denciado que a parte-ré, bem compreendendo a demanda, sem prejuízo e com amplitude, exercitou a defesa, estabelecendo-se o contraditório, a petição inicial não deve ser reconhecida como inepta.

2. A petição, formalmente defeituosa, pode ser emendada ou completada por determinação judicial ou, espontaneamente, nes­ta hipótese, antes da citação.

3. O indeferimento sumário destrói a esperança da parte e obstaculiza o acesso à via judicial, constituindo desprestígio para o Judiciário ..

4. Precedentes.

5. Recurso provido.

96 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao re­curso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Senhores Ministros José Delgado, Garcia Vieira, Demó­crito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 9 de junho de 1998 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 24-08-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O colendo Tribunal Re­gional Federal da 3ª Região consti­tuiu acórdão sumariado nestes ter­mos:

"FGTS. Saldo de contas vincula­das. Correção monetária. IPC. Pedido genérico. Impossibilidade. Anulação da sentença. Extinção do processo sem julgamento do mérito.

I - Nas ações objetivando a apli­cação de índices expurgados na correção dos depósitos fundiá­rios, não se permite a formula-

ção de pedido genenco, sem a devida indicação dos índices, meses ou anos.

II - Em referidas demandas, mister se faz a indicação precisa dos índices pleiteados, a fim de que o pedido possa se revestir das imprescindíveis qualidades de certeza e determinação.

III - Nosso Diploma Processual somente permite o pleito genéri­co, nos casos taxativamente pre­vistos nos incisos I a III do art. 286, porém, restritos ao quan­tum debeatur e jamais ao an debeadur.

IV - Processo extinto sem julga­mento do mérito. Provida a re­messa oficial e prejudicado o exa­me dos recursos interpostos pe­los autores, pela CEF e pela União Federal." (fi. 356).

O presente Recurso Especial, fulcrado no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Fe­deral, se fundamenta em contrarie­dade ao artigo 286, do Código de Processo Civil, "que possibilita a formulação de pedido genérico quan­do não for possível determinar o quantum debeatur." Aponta, ain­da, dissídio com julgado do Tribu­nal Regional Federal da 3ª Região.

Aduz:

"Não há que se falar em inép­cia da ação, como quer fazer crer o r. acórdão recorrido, posto que o art. 286, inciso III do Código de Processo Civil possibilita a sua formulação quando não for pos-

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sível a determinação quantitati­va do pedido. Em perfunctória análise do competente pedido in­serido na exordial, conclui-se, indubitavelmente, que o pedido observa o preceito do art. 282, inciso IV, do CPC.

No que tange ao item c, do in­ciso IIl, do art. 105 da Constitui­ção da República de 1988, inolvi­dável colacionar o decidido na Apelação Cível n Q 96.03.055865-6, Apelante Osvaldo Simões Júnior, Apeladas CEF e União Federal, publicado no Diário da Justiça da União 13.12.1996, em que, por unanimidade, deu provimento ao recurso do autor, sendo certo que a decisão foi proferida pela mes­ma Turma (Quinta) do r. acórdão recorrido ... " (fls. 370/371).

Contra-razões apresentadas às fls. 379/381 e 382/389.

Considerando preenchidos os pressupostos de admissibilidade o nobre Vice-Presidente do e. Tribu­nal de origem admitiu o Recurso.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A articulação recursal (art. 105. IIl, a, C.F.), ao derredor de alegada contrariedade ao art. 286, CPC, por falta de pedi­do certo e determinado, afirmando ser inepta a inicial, objetiva a apli­cação do art. 282, IV, CPC.

Nessa senda, quanto à contrarie­dade ou negativa de vigência ao pa­drão legal enunciado, incontrastá­vel que a pertinente questão jurídi­ca foi enfrentada, fazendo-se pre­sentes os requisitos de admissibili­dade, merecendo ser conhecido o recurso (art. 105, IIl, a, C.F.).

Todavia, em relação à divergên­cia (alínea c), observado que o ares­to colacionado é do mesmo Tribunal, não se prestando para o confronto proposto, não serve para a preten­dida demonstração (Súmula 13/ STJ). Logo, no âmbito da divergên­cia fica desconsiderado o recurso.

Estabelecidos os limites objetivos do conhecimento, altea-se que as prédicas do inconformismo volta­ram-se contra julgado na seguinte ementa:

"FGFS. Saldo de contas vincula­das. Correção monetária. IPC. Pedido genérico. Impossibilidade. Anulação da sentença. Extinção do processo sem julgamento do mérito.

I - Nas ações objetivando a apli­cação de índices expurgados na correção dos depósitos fundiários, não se permite a formulação de pedido genérico, sem a devida in­dicação dos índices, meses ou anos.

II - Em referidas demandas, mister se faz a indicação precisa dos índices pleiteados, a fim de que o pedido possa se revestir das imprescindíveis qualidades de certeza e determinação.

III - Nosso Diploma Processual somente permite o pleito genéri-

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co, nos casos taxativamente pre­vistos nos incisos I a III do art. 286, porém, restritos ao quan­tum debeatur e jamais ao an debeatur.

IV - Processo extinto sem julga­mento do mérito. Provida a re­messa oficial e prejudicado o exa­me dos recursos interpostos pe­los autores, pela CEF e pela União Federal." (fl. 356).

A respeito do tema recursal, em­bora reconhecendo a imperfeição formal da petição inicial, no caso, a petição não é inintelegíveI.

Ora, goza de prestígio jurispru­dencial o entendimento de que não deve ser declarada a inépcia, quan­do possibilite ao juiz a compreensão dos fatos, da causa de pedir e do conseqüente pedido, favorecendo a aplicação do direito à espécie, per­mitindo a ampla defesa da parte ad­versa. É a aplicação do princípio da economia processual, nem o pedido genérico merece repulsa (art. 286 -parte final, CPC).

- "Processo Civil - Inépcia da inicial - Inexistente a nega­tiva de dispositivo de lei federal. Se a inicial contém, embora não tão claros, todos os elementos ne­cessários a se alcançar o objetivo proposto, hão há que se a ter como inepta. Precedentes. Recur­so não conhecido pelo fundamen­to contido na letra a, lU, art. 105, da CF. Improvimento do recurso pelo fundamento da letra c, IH, art. 105, da C.F." (REsp 12.500-PR - ReI. Min. Pedro Acioli -

in DJU de 09.12.91 - apud Ju­risp. CPC - Gil Trotta Telles - ed. Juruá, pág. 157).

- "Processual Civil - Ação indenizatória. Pedido genérico. Sua abrangência.

Quando o autor não tem cer­teza sobre as conseqüências do ato ou do fato ilícito, pode formu­lar pedido genérico, nos termos da art. 286, H, do CPC. Nesses casos, os termos do pedido inter­pretam-se de acordo com o con­teúdo da inicial e a sua abrangên­cia. Sentença reformada". (Ap. Cível 92.238-CE - ReI. Min. Gueiros Leite - in DJU de 19.12.84).

- "Processo Civil - Pedido genérico - Admissibilidade, nas circunstãncias, não se recomen­dando a anulação do processo, posto que inexistente qualquer prejuízo para as partes, ficando perfeitamente resguardado o contraditório. Omissis". (Ag. 51.665-PR - ReI. Min. Eduardo Ribeiro - in DJU de 11.10.88).

Valorizando o mesmo entendi­mento, o Senhor Ministro Demócri­to Reinaldo, na parte final de acór­dão que elaborou, deixou sinaliza­do:

omissis

"... não se rej ei ta o requeri­mento genérico se, mesmo defi­cientemente formulado, permitir correta compreensão de seu al­cance e a ampla defesa da parte adversa.

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Recurso improvido, por unani­midade". (REsp 20.923-0-SP - in DJU de 21.9.92).

No mesmo sentido:

"Processual Civil. Carência da ação. Apreciação de ofício. CPC, art. 267, § 3Q

• Possibilidade. Pe­dido ilíquido mas certo. Descabi­mento da decretação da carência da ação. CPC, art. 286. Recurso provido.

I - O Tribunal da apelação, ainda que decidido o mérito na sentença, poderá conhecer de ofí­cio da matéria concernente aos pressupostos processuais e as con­dições da ação.

II - Nas instâncias ordiná­rias não há preclusão para o ór­gão julgador enquanto não aca­bar o seu ofício jurisdicional na causa pela prolação da decisão 'definitiva' .

III - Constando da inicial pe­dido certo em relação ao an de­beatur." (REsp 36.203 - SP, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo, in DJU de 23.9.96).

"Processual Civil. Interpreta­ção do art. 286, CPC. Pedido ge­nérico inexistente.

1. Não há de se considerar co­mo sendo genérico o pedido quan-

do há pretensão bem definida da parte de anular determinado au­to de infração.

2. Há de se interpretar o pedi­do de forma sistêmica, isto é, não se limitando, apenas, ao último parágrafo da sua formulação.

3. Tem-se como certo e deter­minado o pedido quando a lide, nos limites postos pela parte pro­movente, permite bem se definir a entrega da prestação jurisdicio­nal, vinculando-se a um determi­nado fato.

4. Recurso provido." (REsp 105.616-PR, ReI. Min. José Del­gado, in DJU de 16.12.96).

Por fim, para verrumar a inflexi­bilidade da forma, perfilio que, no caso, o autor veio a juízo pedindo uma prestação jurisdicional quan­to ao mérito, bem detalhando os fa­tos, segundo delineou, e, por fim, deferida.

De súbito, por questão prejudi­cial destruir a esperança da parte e obstaculizar a via processual, pen­so eu, constituiria desprestígio para o Judiciário. Na vertente do expos­to, voto provendo recurso ficando anulado o aresto ensejador do in­conformismo, a fim de que sej am apreciados os prenunciados pontos controvertidos.

É o voto.

100 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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RECURSO ESPECIAL NQ 171.058 - SP

(Registro n Q 98.0025718-7)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrentes: SNB Válvulas e Conexões Ltda. e outros

Advogados: Drs. Cid A. M. Cunha e outros

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogados: Drs. Vera Monteiro dos Santos Perin e outros

Recorridos: Os mesmos

EMENTA: Tributário. Contribuição previdenciária. Art. 3~ I, da Lei n!! 7. 787/89, e art. 22, I, da Lei n!! 8.212/91. Autônomos, emprega­dores e avulsos. Compensação. Correção monetária. Aplicação dos índices que melhor refletem a real inflação à sua época: IPC, INPC e a UFIR.

1. A Primeira Turma do STJ, de modo unânime, vinha assentando que a compensação prevista no art. 66, da Lei n Q 8.383/91, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.

2. Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordena­mento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo volun­tárío ou por via judicial.

3. O autolançamento, previsto no CTN, é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela normajurídi­ca positiva.

4. Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.

5. O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por oca­sião da extinção de tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso, o Fisco, deve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compensação, no tocante à liquidez e à certeza do débito, é criar, sem autorização legal, um privilégio para o contribuinte e uma discriminação para a Fazenda Pública.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 101

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6. O art. 146, UI, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Comple­mentar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributá­rios. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efe­tivada a compensação, é lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei ordiná­ria. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas par­tes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de cré­dito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66, da Lei n Q 8.383/91, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizes­se, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.

7. A contribuição previdenciária da responsabilidade do empre­gador é tributo direto. Não se lhe aplica, para fins de repetição de indébito ou compensação, as regras do art. 166, do CTN.

8. AIO! Seção deste Superior Tribunal de Justiça, contudo, por maioria de um voto, entendeu possível a compensação via auto­lançamento do contribuinte. Com a ressalva do meu ponto de vis­ta, acolho o posicionamento da lO! Seção.

9. A correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moe­da, corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das par­tes litigantes. É pacífico na jurisprudência desta Colenda Corte o entendimento segundo o qual, é devida a aplicação dos índices de inflação expurgados pelos planos econômicos governamentais (Planos Bresser, Verão, Collor I e U), como fatores de atualização monetária de débitos judiciais.

10. A respeito, este Tribunal tem adotado o princípio de que deve ser seguido, em qualquer situação, o índice que melhor reflita a realidade inflacionária do período, independentemente das de­terminações oficiais. Assegura-se, contudo, seguir o percentual apurado por entidade de absoluta credibilidade e que, para tan­to, merecia credenciamento do Poder Público, como é o caso da Fundação IBGE.

11. Indevida,data venia aos entendimentos divergentes, a preten­são de se aplicar, para fins de correção monetária, o valor da va­riação da UFIR. É firme a jurisprudência desta Corte que, para tal propósito, há de se aplicar o IPC, por melhor refletir a infla­ção à sua época.

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12. A aplicação dos índices de correção monetária, da seguinte forma: a) através do IPC, no período de março/1990 ajaneiro/1991; b) a partir da promulgação da Lei nº 8.177/91, a aplicação do INPC (até dezembro/1991); e c) a partir de janeiro/1992, a aplicação da UFIR, nos moldes estabelecidos pela Lei nº 8.383/91.

13. Recursos do INSS improvidos e da parte autora parcialmente provido, nos termos do voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, negar pro­vimento ao recurso do INSS e dar parcial provimento ao recurso da parte autora. Votaram com o Rela­tor os Srs. Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo, Humberto Go­mes de Barros e Milton Luiz Perei­ra.

Brasília, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no DJ de 24-08-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: Em apreciação Recursos Espe­ciais interpostos pela empresa au­tora e pelo INSS com fulcro no art. 105, lII, a e c, da Magna Carta, ati­nente a v. Acórdão que determinou a compensação da Contribuição Pre­videnciária criada pela Lei nº 7.787/ 89 (art. 3º, I), confirmada pela Lei

nº 8.212/91, art. 22, I, e incidente sobre a folha de salários, conside­rada inconstitucional pelo Pretório Excelso, quando do julgamento do RE nº 166.772-9/RS, relator o emi­nente Ministro Marco Aurélio, e ADIn nº 1.116-2-DF.

Cinge-se a irresignação do recor­rente INSS contra o entendimento exarado pelo venerando Acórdão ora recorrido e consistente na impossi­bilidade da compensação requerida ser efetuada. Em síntese, sustenta violação aos arts. 170, do CTN, e 1.010 e 1.017, do Código Civil.

A parte autora, em suas razões recursais, aponta violação a dispo­sitivos legais, requerendo, assim, a aplicação da correção monetária através dos índices IPC/INPC, sus­tentanto, para tanto, também, dis­sídio pretoriano.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): A priori, examino o recurso do INSS.

E, asim sendo, mister que se apre­cie, em primeiro lugar, se, na espécie, há necessidade da recorrente pro-

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var que assumiu o encargo do tri­buto, a fim de se adequar às exigên­cias do art. 166, do CTN, para que o pedido de repetição do indébito pos­sa prosseguir, via compensação.

Sobre a matéria tenho me posi­cionado do modo que passo a regis­trar.

Sem qualquer dúvida a respeito do recolhimento indevido da men­cionada contribuição, face ter sido declarada inconstitucional a dispo­sição legal que a criou, o pedido de repetição de indébito, mediante compensação, dos valores pagos e não contestados quanto ao seu to­tal, se tais valores se apresentarem como líquidos e certos, pode ser de­ferido.

Tenha-se em consideração que o debate desenvolvido no curso da presente ação com força de repeti­tória de indébito, ora examinada em grau de recurso especial, circuns­creveu-se, por força das razões de­senvolvidas, ao exame da necessi­dade da empresa autora comprovar que a contribuição previdenciária recolhida não foi repassada para o preço da mercadoria.

O acórdão entendeu de dispensar tal exigência, sob o fundamento nu­clear que a contribuição previden­ciária discutida, além de ter sua cobrança declarada inconstitucio­nal, pelo Supremo Tribunal Fede­ral, não tem roupagem de tributo indireto, portanto, sem capacidade do seu valor ser incluído, expres­samente, no preço da venda dos bens comercializados pela empre­sa autora.

Embora não se trate de novida­de, no âmbito doutrinário e juris­prudencial, a análise do tema resti­tuição de tributos indevidos, reabro a discussão sobre o mesmo com a finalidade única de demonstrar a razão do meu entendimento.

Ressalte-se, inicialmente, que o art. 166, do CTN, interpretado de forma literal, põe em evidência o descompasso existente entre a visão normativa infraconstitucional do seu comando e o que deflui dos prin­cípios fundamentais que regem o sistema tributário brasileiro, sus­tentado, de forma fundamental, no que impõe estrita obediência à le­galidade e em se evitar enriqueci­mento ilícito dos sujeitos integran­tes da relação jurídico-tributária.

Por essa razão é que não tem se apresentado, de forma estável, a sua interpretação, especialmente no campo jurisprudencial.

Não se desconhece que, por via das Súmulas n llli 71 e 546 do Colendo Supremo Tribunal Federal, cuidou­se da estabilização do entendimen­to sobre a aplicação do art. 166 do CTN, embora tenha sido feito de modo tímido, haj a vista não ter se cuidado, em ambas as Súmulas, de modo explícito, da devolução do tri­buto quando a sua cobrança passou a ser considerada inconstitucional.

Uma revisão dos aspectos jurídi­cos ligados aos fenômenos do paga­mento indevido de tributos e aos de sua restituição, nos revela que em sede legal o assunto é tratado pelos arts. 165 a 168, do CTN. Em regra, as incertezas geradas a respeito se

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concentram na interpretação do art. 166, do CTN, assim redigido:

"Art. 166 - A restituição de tri­butos que comportem, por sua na­tureza, transferência do respec­tivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver as­sumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a tercei­ro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo."

A doutrina, ao cuidar da interpre­tação do art. 166, do CTN, tem re­velado o posicionamento que passo a citar.

Hugo de Brito Machado, no seu "Curso de Direito Tributário", 8ª edição, Editora Malheiros, pág. 139, após fazer referência ao fato do CTN não ter adotado, de modo sistêmi­co, a classificação dos tributos em diretos e indiretos, por tal impor­tar "mais à Ciência das Finanças que ao Direito Tributário", reconhe­cendo inexistir valor científico, sob o ponto de vista jurídico, essa clas­sificação, assim se posiciona sobre o tema:

"Tema importante em matéria de restituição do indevidamente pago é o que diz respeito aos cha­mados tributos indiretos. O CTN não adotou a classificação dos tri­butos em diretos e indiretos. Na verdade essa classificação impor­ta mais à Ciência das Finanças que ao Direito Tributário. Postas de lado algumas controvérsias, pode-se dizer que o tributo é di­reto quando o respectivo ônus fi­nanceiro é suportado pelo próprio

contribuinte; e indireto quando esse ônus é transferido para ter­ceiros. Em outras palavras, o tri­buto é direto quando a pessoa le­galmente obrigada a seu paga­mento suporta efetivamente o ônus. Diz-se que é indireto quan­do a pessoa legalmente obrigada a seu pagamento transfere o ônus correspondente para terceiros.

A classificação dos tributos em diretos e indiretos não tem, pelo menos do ponto de vista jurídico, nenhum valor científico. É que não existe critério capaz de de­terminar quando um tributo tem o ônus transferido a terceiro, e quando é o mesmo suportado pelo próprio contribuinte. O imposto de renda, por exemplo, é classifi­cado como imposto direto, entre­tanto, sabe-se que nem sempre o seu ônus é suportado pelo contri­buinte. O mesmo acontece com o IPTU, que em se tratando de imó­vel alugado é quase sempre trans­ferido para o inquilino.

Atribuindo, porém, certa relevãn­cia a tal classificação, o CTN es­tipulou que, 'a restituição de tri­butos que comportem, por sua na­tureza, transferência do respec­tivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver as­sumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a tercei­ro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la' (art. 166). Assim, nas restituições de tribu­tos indevidamente pagos, se há de examinar se o tributo, no caso, teve ou não o seu encargo finan­ceiro transferido a terceiro. O su-

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jeito passivo terá direito à resti­tuição, se provar que assumiu o encargo financeiro, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autoriza­do a recebê-la (CTN, art. 166). O terceiro, que tenha suportado o encargo financeiro do tributo in­devidamente pago, não é parte legítima para pedir a restituição.

Anosso ver, tributos que compor­tem por sua natureza, transfe­rência do respectivo encargo fi­nanceiro são somente aqueles tri­butos em relação aos quais a pró­pria lei estabeleça dita transfe­rência, como, por exemplo, o Im­posto sobre Serviços de Comuni­cações, instituído pelo Decreto­Lei n Q 2.186, de 20 de dezembro de 1984.

O art. 3Q, do referido Decreto-Lei,

diz que o contribuinte do impos­to é o prestador do serviço. O art. 4Q

, porém, estabelece que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, e seu parágrafo pri­meiro diz que o preço do serviço será representado pela quantia total paga pelo usuário ao pres­tador do serviço, enquanto o pa­rágrafo segundo determina que o montante do imposto integra a base de cálculo. Como se vê, nes­te caso, é a própria lei que deter­mina a transferência do encargo financeiro do prestador para o usuário do serviço. Somente em caso assim aplica-se a regra do art. 166 do Código Tributário N acionaI, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo legal, só

pode ser a natureza jurídica, que é determinada pela lei correspon­dente, e não por meras circuns­tâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério segu­ro para saber quando se deu, e quando não se deu, tal transfe­rência."

Destaque igual ao concedido à ci­tação anterior, merece ser dado às conclusões desenvolvidas por Tar­císio Neviani, em sua obra "A Res­tituição de Tributos Indevidos, seus Problemas, suas Incertezas", Edito­ra Resenha Tributária, S.P., 1983, págs. 153 e 154, quando bem escla­receu alguns equívocos abraçados por minoritárias decisões jurispru­denciais, ao prestigiar estas, de mo­do potencializado, o fenômeno da prova da não transferência do indé­bito, quando a exigência foi tida por inconstitucional.

O referido autor assim doutrinou:

"4.2.11.1 - A teoria da transla­ção foi mal utilizada pelos tribu­nais brasileiros e o foi para fins que jamais foram sequer suspei­tados pelos estudiosos do fenôme­no. Se ela serve para dar diretri­zes ao planificador da política tri­butária e, depois, ao legislador, na procura de um sistema ideal de repartição da carga tributária entre os cidadãos, jamais, qual­quer dos seus estudiosos chegou a aconselhá-la como instrumen­to para as decisões judiciárias de repetição de tributos indevidos. Aliás, se a teoria da translação se presta para a busca de uma re-

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partição ideal da carga tributá­ria, nada tem ela a ver com a re­petição de valores pagos como se tributos fossem, mas que jamais chegaram a ser tributos porque carentes de base legal e indevi­dos. Não há, pois, como aplicar­se a valores pagos indevidamen­te e que não são tributos, nem jamais tiveram essa natureza, porque indevidos como tais, uma teoria da translação pertinente exclusivamente a tributos. É o mesmo que misturar alhos e bu­galhos.

4.2.11.2 - Nem a distinção dos tributos em direto e indiretos existe com valor científico, nem o uso da teoria da translação ser­ve para convalidar tal distinção, que não tem fundamento, é aprio­rística, anticientífica e deu ori­gem, nos tribunais, a heresias econômicas e jurídica lamentá­veis. Deve-se abandonar a idéia 'genial' da translação como meio de contestar o ilícito fiscal do Estado, que exige o que não lhe é devido porque sabe que não o res­tituirá. Somente assim, abolindo a invocação à teoria da transla­ção e à distinção dos tributos que nela se baseia, esquecendo-as, enterrando-as definitivamente, os tribunais estarão fazendo a verdadeira justiça."

Na verdade, o art. 166, do CTN, contém referência bem clara ao fato de que deve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a trans-

ferência do respectivo encargo fi­nanceiro para terceiro ou não, quan­do a lei, expressamente, não deter­mina que o pagamento da exação é feita por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigi­da na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colabo­rar para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo, neces­sidade há, de modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para a repetição de indébito.

Tarcísio Neviani, na obra acima citada, pág. 225, doutrina, com ab­soluta razão, ao meu entender, que o CTN, ao aceitar a regra do art. 166 "deixou o intérprete da norma sem referência legal: em algum lugar, seja do CTN, seja da Constituição Federal, seja da legislação tributá­ria anterior ou posterior, não há qualquer definição dos tributos que comportem por sua natureza, trans­ferência do respectivo encargo fi­nanceiro ... Não há e não é para ha­ver, porque se o legislador inseris­se no campo do direito objetivo uma definição qualquer dessas, ele esta­ria fazendo o mesmo que revogar, por via legislativa, a lei econômica da oferta e da procura como fator da formação dos preços ... "

Mais adiante, na mesma obra, págs. 233/234, Tarcísio Neviani, reconhecendo, porém, a existência, validade e eficácia do art. 166, do CTN, o interpreta quanto ao as­pecto da prova exigida no modo se­guinte:

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"Como, por outro lado, é possível rebelar-se contra a lei iníqua, mas não é possível ignorá-la como se não existisse, parece-me opor­tuno atentar para o fato de que o artigo 166 do CTN tem sua apli­cação condicionada à prova de que o contribuinte repetente do inquérito tenha suportado o ine­rente encargo financeiro. A meu ver esta prova se esgota com a exibição do recibo ou comprovan­te de pagamento do tributo in­devido. Quem paga, suporta, com exclusividade, o ônus financeiro do montante pago. Quem paga tributo indevido, obviamente lhe suporta o ônus financeiro, quer o contribuinte consiga, quer não consiga, transferir a terceiro o ônus econômico do tributo inde­vidamente pago. Por sua vez, a transferência deste ônus a tercei­ro é fato estranho à relação jurí­dico-tributária, e é fato não con­siderado pelo artigo 49 do Código Tributário Nacional como carac­terizador da natureza jurídica do tributo. Assim sendo, a transfe­rência do ônus financeiro a ter­ceiro por impossível, não pode ser admitido como matéria de defe­sa do erário, e se, por outro lado, se quiser admitir como matéria de defesa do erário a eventual transferência a terceiros do ônus econômico do tributo indevida­mente pago, que caiba a este pro­duzir a prova dessa transferên­cia. Fora daí, há quebra de todos os princípios de justiça, a criação de novo e odioso privilégio para a Fazenda Pública que, devendo provar em sua defesa, pretende,

absurdamente, que a prova seja feita por aquele a quem não apro­veita ... "

Face a tais considerações, resta investigar, no caso concreto em jul­gamento, primeiramente, se a con­tribuição previdenciária em ques­tão, a que era exigida das empresas por ter em seus quadros "emprega­dores" e haver efetuado pagamento a trabalhadores "autônomos e avul­sos", considerada inconstitucional a sua cobrança, comporta, por sua natureza, transferência explícita do respectivo encargo financeiro a ter­ceiros, isto é, se conforme definido pela Ciência das Finanças, tal con­tribuição é tributo indireto, "nos quais a pessoa do obrigado perante o poder tributante é uma e a pessoa que suporta efetivamente a carga tributária é outra", conforme defi­nição de Fábio Fanucchi, in Cur­so de Direito Tributário, VoI. I, pág. 393, 3ª ed., Editora Resenha Tribu­tária-MEC, 1975).

O meu entender a respeito é que a contribuição previdenciária ora examinada é de natureza direta. Apresenta-se com essa característi­ca porque a sua exigência se con­centra, unicamente, na pessoa de quem a recolhe, no caso uma empre­sa, que assume a condição de con­tribuinte de fato e de direito. A pri­meira condição é assumida porque arca com o ônus financeiro imposto pelo tributo; a segunda caracteriza­se porque é a responsável pelo cum­primento de todas as obrigações, quer as principais, quer as acessó­rias.

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Firmo essa compreensão, sem to­davia me afastar da lição de Alio­mar Baleeiro que, ao comentar o art. 166, CTN (Direito Tributário Brasilerio, 10ª edição, revista e atua­lizada por Flávio Bauer N ovelli, pág. 566, advertiu, repetindo o que tinha dito ao votar no ERE n Q

47.624-GB (RTJ-44/530):

"Resta a controvérsia sobre a impossibilidade jurídica da repe­tição de tributos indiretos, tese que tem amparo na Súmula 74.

Entendo que essa diretriz não pode ser generalizada. Há de ser apreciada em cada caso concre­to, porque, do começo do ponto de vista científico, os financistas ainda não conseguiram, depois de 200 anos de discussão, desde os fisiocratas do século XVIII, um critério seguro para distinguir o imposto direto do indireto".

Registro, nesta oportunidade, que o então e egrégio Tribunal Fe­deral de Recursos, pela sua 5ª Tur­ma, Apelação Cível n Q 70.545-MG, firmou a compreensão de que a con­tribuição previdenciária é tributo que, pela sua própria natureza, apresenta-se com características de direto, tendo em vista não compor­tar transferência do respectivo en­cargo financeiro. Esse entendimen­to consolidou-se por se considerar que o art. 166, do CTN, só tem apli­cação aos tributos indiretos, isto é, que se incorporam explicitamente aos preços, como é o caso do ICMS, do IPI, etc.

A ementa do julgado em apreço está assim lavrada, na parte que in­teressa para a discussão presente:

" ... a prova da ausência da trans­lação cogitada no art.166 do CTN só se relaciona com tributos que comportam a incorporação dire­ta ao preço, o que não é o caso das contribuições previdenciá­rias ... "

Destaque-se da referida decisão parte do voto do Exmo. Sr. Ministro Sebastião Alves dos Reis:

"N o tocante ao apelo do IARAS, tenho que suas razões de apela­ção,já anteriormente produzidas em sua resposta, no juízo de pri­meiro grau, não podem ser aco­lhidas, porque vantajosamente afastadas pela r. sentença recor­rida, seja porque os documentos que acompanham a inicial e os traslados comprovam o recolhi­mento em duplicidade deferido, seja porque a prova de ausência de translação cogitada no art. 166 do CTN só pertine a tributos que comportem a incorporação dire­ta no preço, o que não é o caso das contribuições em apreço, e, por fim, o acréscimo da correção monetária, na restituição do pa­gamento indevido é hoje matéria tranqüila na jurisprudência."

Por fim, sigo a escola daqueles que apregoam a impossibilidade do tributo não poder ser cobrado de forma contrária à lei, ou, como afir­ma Gilberto Ulhoa Canto, sem ela.

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Por isso, fico com os doutrinado­res que aplaudem o mencionado Gilberto Ulhoa Canto, quando, ao comentar o art. 166 do CTN, diz que:

"Ora, se o que está emjogo nessa regra é a ilegitimidade do tribu­to por falta de amparo legal, cer­tamente a restituição é a única maneira de recompor o status quo ante por eliminação dos efeitos da exigência de imposto sem lei, restando, como natural conseqüência da repercussão fi­nanceira ou econômica do mon­tante do tributo sobre o seu con­tribuinte de fato, o direito que este terá de reclamar do solvens a quantia que este recebeu de volta, pois, se isso não acontecer, resulta que haverá enriqueci­mento indevido do segundo e em­pobrecimento injusto do primei­ro. Mas, como ficou antes escla­recido, o direito do contribuinte de fato é estranho à obrigação tri­butária; é direito resultante de relação jurídica privada, à qual não se aplica o art. 166 do CTN." (Caderno de Pesquisas Tributá­rias, Vol. n° 8, Editora Resenha Tributária, pág. 12).

Filio-me, também, ao doutrinado por Marco Aurélio Greco, in "Re­petição de Indébito Tributário - o IOF sobre Operações de Câmbio ou Importação de Bens", citado por Lindemberg da Mota Silveira, pág. 77, Caderno de Pesquisas Tri­butárias, Vol. 8, Editora Resenha Tributária, no sentido de que:

"1. Nem todos os tributos, por sua própria natureza, comportam transferência do respectivo en­cargo financeiro.

2. A identificação dos tributos que não comportam transferência do respectivo encargo financeiro dar-se-á com base em critérios normativos hauridos do ordena­mento posto e não em razões de Ciência Econômica.

3. A transferência a que se refere o art. 166 do CTN é a transferên­cia jurídica do encargo financei­ro por agregação à relação subja­cente de natureza civil, comercial ou semelb ante, vinculando as partes (tra lsferidor e destinatá­rio da transferência).

4. A natureza do tributo é forne­cida pelo seu fato gerador (aspec­to material da hipótese de inci­dência), portanto na Constituição Federal, no Código Tributário e na legislação ordinária específi­ca é que serão encontrados os ele­mentos necessários à caracteriza­ção do critério a ser utilizado nes­sa identificação.

5. Comportam transferência:

5.1. tributos cujo fato gerador en­volva uma dualidade de sujeitos, ou seja, o fato gerador é uma ope­ração, e

5.2. cujo contribuinte é pessoa que impulsiona o ciclo econômi­co podendo transferir o encargo para o outro partícipe do mesmo fato gerador."

Acolho, outrossim, em tema de repetição de indébito, o que José

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Carlos Graça Wagner escreveu sobre o art. 166 do CTN:

"A razão de ser - a causa causal - do artigo 166 é a de dispor que o dever de restituir existe tam­bém na hipótese de o valor inde­vido não ter sido pago pelo con­tribuinte legal mas por aquele que, por força da natureza do pró­prio tributo, a título do qual hou­ve exigência indevida, substituiu o contribuinte legal no cumpri­mento da obrigação.

O artigo 128 dispõe sobre o ter­ceiro erigido por lei para assumir a responsabilidade pelo crédito tributário, com a exclusão do con­tribuinte legal. Em tal caso, a hipótese será a do artigo 165, se houve pagamento de valor inde­vido. O artigo 166 refere-se ao direito de terceiro que, por força da natureza legal - não mera­mente econômica - suporte o encargo financeiro - não ônus econômico - pelo recolhimento do tributo. Se o terceiro, não por expressa determinação legal, mas forçado pela natureza do próprio tributo, assumir a res­ponsabilidade pelo crédito tribu­tário, substituindo-se ao contri­buinte legal, é ele que passa a ser parte legítima para receber a res­tituição, desde que prove ter as­sumido o encargo de ter pago a verba indevida.

No nosso modo de entender, esta é a função do artigo 166 dentro do sistema tributário brasileiro." (In "Restituição de Tributos e Re­percussão Econômica", pág. 92,

Cadernos de Pesquisas Tributá­rias, n Q 8, Edit. Resenha Tribu­tária, S. Paulo, 1983).

Verifico, em conseqüência de tudo o quanto já foi exposto, que o fenô­meno da substituição legal no cum­primento da obrigação, do contribu­inte de fato pelo contribuinte de direito, não ocorre na exigência do pagamento das contribuições previ­denciárias quanto à parte da res­ponsabilidade das empresas.

Destaco, também, o assinalado por Ives Gandra da Silva Mar­tins, no sentido de que o art. 166, do CTN, tem recebido, por parte dos Tribunais, uma interpretação res­tritiva, por só se aplicar aos tribu­tos indiretos que, no Sistema Tri­butário Nacional, são, apenas, o IPI e o ICMS (in "Repetição de Indébi­to", Caderno de Pesquisas Tributá­rias, n Q 8, pág. 176, Edit. Resenha Tributária, SP, 1983).

Hugo de Brito Machado, con­forme já acentuado antes, é da mes­ma opinião, embora com algumas restrições.

Não posso deixar de ser influen­ciado, também, ao buscar interpre­tação e aplicar o art. 166, do CTN, pelo que, a respeito escreveu Leo Krakowiak:

"Eventual repercussão indireta do imposto, através de acréscimo dos preços, é irrelevante sob o aspecto jurídico, situando-me no plano econômico, que não interes­sa ao Direito Tributário.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998. 111

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A não ser assim, ter-se-ia que considerar que todos os tributos repercutem e nenhum deles se­ria restituível o que, além de ser manifesto ilogismo, não explica­ria a razão de ser dos artigos 165 a 169 do C.T.N., que, então, per­deriam sua razão de ser.

N essa conformidade, e a título exemplificativo, citam-se dentre os tributos que não têm como re­percutir as taxas, o imposto de renda, o imposto sobre a proprie­dade territorial rural, o imposto sobre a propriedade predial e ter­ritorial urbana, o imposto de im­portação, as contribuições, etc." (págs. 209/210, Cadernos de Pes­quisas Tributárias, VoI. n Q 8, Edi­tora Resenha Tributária, S. Pau­lo, 1983).

Em tese, portanto, a repetição do indébito da contribuição questiona­da, via compensação, é possível.

Resta examinar, agora, se o cré­dito apresentado se reveste de líqui­dez e certeza, para que possa ser compensado.

Em tais circunstâncias, tenho me pronunciado pela impossibilidade da compensação, com os fundamen­tos proferidos no voto do REsp 105.202/PR, julgado em 07/11/96, em que fui relator:

"A respeito do tema compensa­ção tributária (art. 66 da Lei n Q

8.383/91) tenho entendido o que, a seguir, passa a ser transcrito. Antes, porém, acrescento, nesta oportunidade, apenas, que há de se verificar, também, que o con-

tribuinte, ao efetuar o lançamen­to por homologação no caso do pagamento do tributo, ele o faz na condição de devedor. O débito apurado será, após, no prazo de cinco anos, fiscalizado pelo cre­dor, no caso, a Fazenda. Se apu­rar crédito a seu favor, instaura o devido procedimento fiscal.

Na compensação não há razão para se criar um sistema diferen­te. O devedor, no caso, a Fazen­da Pública é quem deve dizer qual o montante do débito a ser compensado, reconhecendo a sua liquidez e certeza. Para tanto de­ve ser provocada pela parte cre­dora, por esta possuir todos os elementos necessários para a apuração dos valores necessá­rios a determinar o quantum de­vido. O contribuinte, a aceitan­do, faz a compensação. Caso não o aceite, discutirá nas vias pró­prias.

O sistema deve tratar, igualmen­te, as partes, especialmente, quan­do se está no campo da obrigação tributária. Admitir-se que o con­tribuinte, motu proprio, sem re­conhecimento da liquidez e cer­teza do débito pela Fazenda, par­te credora, faça a compensação, é, primeiramente, criar-se privi­légio não amprado pela lei, e, em segundo lugar, tratar, de modo desigual, as partes no tocante ao pagamento e à compensação dos tributos. Naquele, se permite que o contribuinte apure, isoladamen­te, a liquidez e certeza do débito, efetuando o seu pagamento. N es­sa, na compensação, não se per-

112 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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mite que a Fazenda, parte credo­ra, apure a liquidez e certeza do seu débito, para que possa se efe­tuar a compensação. Inexiste, em nosso sistema tributário, qual­quer dispositivo legal outorgan­do tal privilégio ao contribuinte e, conseqüente, discriminação ao Fisco.

Registro, a seguir, o voto que, em outros recursos especiais e em embargos de divergência, tenho proferido sobre o tema. Faço-o porque, quanto mais investigo o assunto, mais estou convencido da compatibilidade dos funda­mentos e conclusões a que che­guei com o ordenamento jurídico tributário vigente. Hei-lo:

"As questões debatidas, na atualidade, sobre o tema em discussão, como é consabido, decorrem da interpretação dis­crepante que está sendo dada, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, ao art. 66 e seus parágrafos da Lei n° 8.383, do teor seguinte:

"Art. 66. Nos casos de paga­mento indevido, ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previden­ciárias, mesmo resultante de reforma, anulação, revo­gação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuin­te poderá efetuar a compen­sação desse valor no recolhi­mento de importância a pe­ríodos subseqüentes.

§ 1 Q. A compensação só pode­rá ser efetuada entre tribu-

tos e contribuições da mes­ma espécie.

§ 2Q• É facultado ao contri­

buinte optar pelo pedido de restituição.

§ 3Q• A compensação ou res­

tituição será efetuada pelo valor do imposto ou contri­buição corrigido monetaria­mente com base na variação da UFIR.

§ 4Q• O Departamento da Re­

ceita Federal e o Instituto N acionaI do Seguro Social - INSS expedirão as ins­truções necessárias ao cum­primento do disposto neste artigo."

A doutrina tem firmado, a respei­to do dispositivo legal supramen­cionado, posições não convergen­tes.

Uma corrente está a ditar que o art. 66, da Lei n Q 8.383, "teria se limitado a generalizar uma prá­tica de há muito adotada no âm­bito da administração tributária, ao admitir o abatimento de um crédito financeiro decorrente de indébito fiscal contra futuros re­colhimentos de tributos da mes­ma espécie, a título de ressarci­mento desse indébito, anterior­mente restrito à hipótese da res­tituição. Esse abatimento decor­re muito mais de uma aproxima­ção do indébito com a figura do pagamento antecipado, ainda que indevido, do que do recurso a um instituto jurídico de contornos nitidamente delimitados, tal a compensação."

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Os adeptos desse entendimento, de que o art. 66 trata de uma for­ma de abatimento do tributo, do que da compensação tributária propriamente dita, justificam o entendimento que firmaram, do modo seguinte:

"O abatimento previsto no art. 66 da Lei n Q 8.383/91, ainda que indevidamente chamado pelo legislador de compensa­ção, presume tributo futuro, cujo lançamento sequer foi fei­to e cujo fato gerador pode até ainda não ter acontecido. A compensação prevista no art. 170 do CTN, ao revés, há de ser perpetrada contra crédito tri­butário, assim entendido aque­le que já tenha sido objeto do lançamento tributário." (André Martins de Andrade, in "O Instituto da Compensação e o Crédito Financeiro do Ressar­cimento do Indébito Fiscal", in "Problemas do Processo Judi­cial Tributário", pág. 24, Ed. Dialética, S. Paulo, 1996).

Uma segunda corrente doutriná­ria afirma que a compensação do art. 66, da Lei n Q 8.383/91, não tem qualquer semelhança com a tratada pelo art. 170, do CTN.

As razões dos que assim enten­dem são:

"1 Q. O art. 170 do CTN refere­se à compensação como forma de extinção do crédito tributá­rio, sendo portanto atinente a objeto de lançamento tributá-

rio já consumado e que, por isto mesmo, dotado é de liqui­dez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, que há de ser líquido e certo, con­tra a Fazenda, pode ter natu­reza tributária ou não tributá­ria.

2Q• O art. 66 da Lei n Q 8.383/91

autoriza a compensação, não de crédito tributário, mas dos valores de tributos futuros, ainda não lançados e por isto mesmo sem as qualidades de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuin­te, a ser utilizado na compen­sação, é apenas o resultante de pagamento indevido de tribu­to, pagamento que no caso do Finsocial deu-se, ordinaria­mente, por iniciativa do contri­buinte, sem qualquer partici­pação do fisco." (Hugo Macha­do, in 'Proteção Judicial ao Direito de Compensação Tribu­tária', artigo em "Problemas do Processo Judicial Tributário", Dialética, pág. 127).

A terceira corrente tem defendi­do que a compensação do art. 66, da Lei n Q 8.383/91 está vincula­da ao art. 170, do CTN, este com natureza de Lei Complementar e que ela só pode ocorrer com a constituição da liquidez e certe­za do crédito alegado pelo contri­buinte e que pretende compensar. Apurada essa condição do crédi­to, quer por via administrativa, quer por via judicial, o contri­buinte pode efetuar a compensa­ção de tributo indevidamente pa-

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go, via lançamento por homolo­gação, desde que os tributos se­jam da mesma espécie, isto é, imposto com imposto, taxa com taxa, contribuição com contribui­ção.

Feito esse levantamento doutri­nário, exteriorizo o meu conven­cimento atual sobre a matéria.

Inicialmente, encontro, nos limi­tes do meu conhecimento, imen­sas dificuldades para visualizar dois tipos de compensação no sis­tema tributário atual, isto é, uma regulada pelo art. 170, do CTN, outra pelo art. 66 da Lei nº 8.383/ 91.

Sou daqueles vinculados ao há­bito de procurar entender o direi­to legislado em forma de sistema, especialmente, quando os princí­pios que o regem impelem o in­térprete a esse estado.

A Constituição Federal atual, ao fixar os princípios informadores, cogentes e reguladores do siste­ma tributário nacional, estabele­ceu, no art. 146, que "Cabe à lei complementar: ... In - estabe­lecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especial­mente sobre: ... b) obrigação, lan­çamento, crédito, prescrição e de­cadência tributária; ... "

Evidencia-se, desde logo, que qualquer regência legislativa so­bre lançamento e crédito tributá­rio há de ser inspirada em Lei Complementar, sob pena de não ter qualquer existência, validade, eficácia e efetividade.

Fiel a essa disposição constitucio­nal, a esse princípio imperativo imposto pelo sistema tributário estabelecido pela Carta Magna, considerou-se recepcionado pela nova ordem jurídica constituída pela Carta de 1988, o art. 156, n, CTN, e os dele conseqüentes, dis­pondo que a compensação é uma modalidade de extinção do crédi­to tributário. Por sua vez, o pa­rágrafo único do mesmo artigo, isto é, do art. 156, estipula que a lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do cré­dito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua consti­tuição, observado o disposto nos artigos 144 e 149. Este cuida da revisão do lançamento efetivado e aquele da lei reguladora do lan­çamento.

A seguir, com a mesma força de lei complementar, o sistema acei­tou o art. 170, do CTN, regulan­do, de modo específico, como se opera, de modo geral, a compen­sação do crédito tributário, dis­pondo a respeito:

"Art. 170. A lei pode, nas con­dições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à auto­ridade administrativa, autori­zar a compensação de créditos tributários com créditos líqui­dos e certos, vencidos ou vin­cendos, do sujeito passivo con­tra a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Sendo vin­cendo o crédito do sujeito pas­sivo, a lei determinará, para os

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efeitos deste artigo, a apura­ção do seu montante, não po­dendo, porém, cominar redu­ção maior que a corresponden­te ao juro de 1% (um por cen­to) ao mês pelo tempo a decor­rer entre a data da compensa­ção e a do vencimento."

ALei Complementar, como visto, determinou que só pode haver em nosso sistema tributário um úni­co modo de compensar o crédito tributário. Este é o que ela esti­pulou e que só pode ocorrer se:

a) existir lei, no caso a ordiná­ria, autorizando;

b) essa lei determinará as ga­rantias ou pode atribuir à au­toridade administrativa tribu­tária que as estipule;

c) houver crédito ou créditos lí­quidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

Como visto, há uma ordem de princípios gerais ditados pela Lei Complementar para que a com­pensação sej a forma de extinção do crédito tributário, destacando­se, especialmente, a exigência de só haver compensação com crédi­to líquido e certo.

Verifique-se que não há suporte jurídico para a afirmação de que a compensação tributária desen­volve-se dentro da mesma moldu­ra criada para o pagamento do débito tributário. Verdade é que anibos constituem forma de ex­tinção do crédito tributário. O

pagamento, contudo, não está vinculado a que exista lei especi­ficando a forma de sua realiza­ção, nem muito menos exigindo liquidez e certeza do crédito a ser extinto. Basta a conferência dos arts. 157 a 164 para não se ter dúvida quanto a essa afirmação.

Deve, também, ser chamado para debate o art. 141, do CTN, que determina: "O crédito tributário regularmente constituído somen­te se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não po­dem ser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias."

Observe-se que, mais uma vez, o Código Tributário Nacional esta­belece que a extinção do crédito tributário só pode ocorrer de con­formidade como a lei estabelecer. Em se tratando de compensação a lei exige que a extinção só se caracteriza se o crédito for líqui­do e certo. Tendo-se o império da lei, de modo claro, diferentemen­te não se pode interpretar.

Por outro ângulo, há, também, com a mesma hierarquia dentro do sistema tributário, isto é, atu­ando como norma complementar, o art. 147, do CTN, ditando so­bre o lançamento efetuado pelo sujeito passivo e afirmando que tal modalidade de constituir o crédito tributário é efetuada "com base na declaração do sujeito pas­sivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tri~

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butária, presta informações à au­toridade administrativa sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação."

Vê-se, pois, que o lançamento a ser feito pelo sujeito passivo está vinculado à forma disposta pela legislação tributária (expressão esta que, conforme o art. 96, do CTN, compreende as leis, os tra­tados e as convenções internacio­nais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles perti­nentes).

Tratando-se de efetivação de lan­çamento feito pelo sujeito passi­vo, para fins de compensação, o mesmo só pode ser feito se o cré­dito a ser compensado for líqui­do e certo, porque assim o diz, com força de Lei Complementar, o art. 170, do CTN.

O art. 66, da Lei nº 8.383/91, con­seqüentemente, ingressou em nosso sistema jurídico tributário, porque o art. 170, do CTN, auto­riza a sua existência, validade, eficácia e efetividade. Ele, por sua vez, não estatuiu, pois não podia fazê-lo, procedimentos re­ferentes ao fenômeno da compen­sação como extinção do crédito tributário diferentemente dos princípios cogentes fixados pelo art. 170, do CTN, pela suprema­cia hierárquica por este exercida sobre o referido dispositivo de legislação ordinária.

Em conclusão: só pode haver com­pensação de crédito tributário se

for apurada, previamente, a sua liquidez e certeza.

Desnecessário desenvolver qual­quer comentário sobre o concei­to, em nosso ordenamento jurídi­co, a respeito do que seja crédito tributário líquido e certo, por ser amplamente conhecido.

Apenas para ordenar o desenvol­vimento do pensamento exposto, é que o faço.

Dívida líquida é a que apresenta quantia determinada, isto é, não determinável, ou apurável por simples cálculo aritmético com base em valores expressos no tí­tulo que a contém. Primeiramen­te, há de haver um título que al­bergue a dívida. A seguir, ela tem de se apresentar com caracterís­ticas da definição supra, expres­sando, de modo indubitável, o seu montante, este, obrigatoriamen­te, reconhecido pelo credor ou es­tabilizado por uma decisão judi­cial.

O conceito de liquidez de obriga­ção em nosso sistema jurídico é de natureza legal. Não foi firma­do por disposições doutrinárias e jurisprudenciais. Ele está dispos­to no art. 1.533, do Código Civil, assim:

"Art. 1.533. Considera-se líqui­da a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto."

Por força da lei, só se tem dívida líquida e certa quando o título re­cebe a ciência do devedor do que

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deve e a fixação e certeza do to­tal que lhe está sendo exigido.

Essa ciência da dívida pode es­tar presente de forma voluntária, quando reconhecida pelo próprio devedor, ou por determinação ju­dicial quando litígio a respeito se instaurar.

Tem a doutrina afirmado, no tra­to do assunto:

"Em razão disso, uma dívida é líquida, quando se está certo ou ciente do que se deve e quan­do se sabe o quanto é esse dé­bito, que, assim, se mostra exa­to e definitivo, presente e inal­terável. E, dessas duas circuns­tâncias resultam a equivalên­cia da liquidez e a idéia de cer­teza." CPlácito e Silva, in Voc. Jur., pág. 555, vol. lI).

Esses conceitos, aqui repetidos de forma desnecessária, conforme já afirmado, não são desprezados pelo Direito Tributário. Pelo con­trário. Ele os acolhe em sua inte­gridade, sem qualquer alteração, conforme dispõe o art. 110, do CTN:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o con­teúdo e formas de direito pri­vado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Consti­tuição Federal, pelas Constitui­ções dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para defi­nir ou limitar competência tri­butária."

Postas tais considerações, unica­mente para que não me perca na seqüência das idéias que construí a respeito do tema, nunca com o sentido de expor o que de muito é sabido pelos eminentes pares desta Seção, volto-me, agora, de modo específico, ao art. 66, da Lei n Q 8.383/91, destacando, mais uma vez, primeiramente o seu inteiro teor:

"Art. 66 - Nos casos de paga­mento indevido, ou a maior de tributos e contribuições fede­rais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão conde­natória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de im­portância correspondente a períodos subseqüentes.

§ 1 Q. A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espé­cie.

§ 2Q• É facultado ao contribu­

inte optar pelo pedido de res­tituição.

§ 3Q• A compensação ou resti­

tuição será efetuada pelo va­lor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.

§ 4Q• O Departamento da Re­

ceita Federal e o Instituto N a­cionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."

118 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.

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Ora, é induvidoso, ao meu pen­sar, o fato de que o art. 66, da Lei nº 8.383/91, cuida da compensa­ção autorizada pelo art. 170, do CTN. De outra não poderia se referir, porque a legislação ordi­nária, por si só, de modo autôno­mo, não pode cuidar. da extinção do crédito tributário, matéria re­servada, exclusivamente, à Lei Complementar, como já mencio­nado, por querer da Carta Mag­na.

A prevalecer, o que não tem a mi­nha concordância, a corrente que configura o disposto no art. 66, da Lei nº 8.383/91 como uma for­ma de compensação desvincula­da do art. 170, do CTN, tem-se obrigatoriamente, em homena­gem ao art. 146, lU, b, da CF, de se declarar a inconstitucionalida­de do referido dispositivo, via controle difuso, para que o mes­mo deixe de existir, sem produ­ção de qualquer validade, eficá­cia e efetividade.

Convencido estou de que o art. 66, da Lei nº 8.383/91, tem sua su­bordinação direta ao art. 170, do CTN, vinculado, portanto, aos princípios por este estabelecido. Entre tantos, como já exposto, só pode haver compensação se o cré­dito do contribuinte for líquido e certo, isto é, determinado em sua quantia e reconhecido pela Fa­zenda Pública como sendo a de­vedora. Esse reconhecimento, repito, pode ser feito por via ad­ministrativa ou judicial. Só após esse estado de liquidez e certeza é que o contribuinte pode fazer o

lançamento, efetuando a opera­ção de compensação, sujeita a homologação pelo Fisco. A este caberá, tão-somente, verificar se a quantia determinadora da li­quidez e certeza do título foi cor­retamente lançada, corrigida de modo legal, e se a operação do encontro de contas efetuou-se re­gularmente. Nenhuma discussão mais poderá existir quanto a li­quidez e certeza do crédito. Ca­berá, também, ao Fisco investi­gar se a compensação se deu en­tre tributos da mesma espécie.

Diante do exposto, o contribuin­te não pode, como tem defendido determinada corrente doutriná­ria e jurisprudencial, com a apre­sentação da minha alongada vê­nia, de forma unilateral, apurar a liquidez e certeza do crédito, por a lei a tanto não lhe permi­tir. É de ser lembrado que esse crédito surge de uma obrigação tributária que nasce da lei e que exige a presença do sujeito pas­sivo para a sua constituição.

No tocante aos aspectos aponta­dos em embargos de divergência e decisões proferidas em Recur­so Especial pela egrégia Segun­da Turma, note-se que esta não nega a possibilidade da compen­sação. Pelo contrário. Ela a pres­tigia, porém, em modos de abso­luta segurança, tanto para o con­tribuinte como para o Fisco, vin­culando-se ao sistema instituído pelo ordenamento jurídico tribu­tário para a sua realização.

N o particular, observo que o voto do eminente Min. Ari Pargendler,

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acolhido pelos seus eminentes pa­res, coincide, em muitos aspectos, com a posição da 1 ª Turma. Diz Sua Excelência, em trecho do mesmo:

"Reconhecido que o recolhi­mento indevido tem qualifica­ção como crédito compensável, segue-se a etapa da compensa­ção: a do encontro de créditos e débitos, aqueles e estes ne­cessariamente certos e líqui­dos - operação que demanda provas e contas."

Certa a afirmação. A liquidez e certeza só podem ser apuradas mediante operação que demanda provas e contas. Prova de que o credor reconheceu o débito e a li­quidez, ou que aceitou o débito e a liquidez, embora esta necessi­ta, apenas, de uma operação arit­mética para ser determinada. Exemplo: o devedor reconhece o principal, correção monetária pelo IPC e juros. Por via de sim­ples operação aritmética apura­se a correção monetária e os ju­ros.

A primeira discordância entre o posicionamento da 2ª Turma e o da 1 ª Turma começa a existir, quando, essa aceita que o contri­buinte, sem possuir qualquer tí­tulo líquido e certo constituído, isto é, reconhecido pelo devedor da quantia a ser compensada, re­gistre, em sua escrita fiscal e con­tábil, a compensação e esta pro­duza efeitos de extinção do paga­mento do crédito, embora sujeita a fiscalização posterior.

A 2ª Turma entende, de modo unânime, que, sem a apuração dessa liquidez e certeza do títu­lo, como exige o art. 170, do CTN, é impossível se fazer a compen­sação, mesmo que os créditos se­jam compensáveis.

N a seqüência dos aspectos diver­gentes entre as Turmas, a 2ª Tur­ma fixou, ainda, o entendimento de que o autolançamento é ativi­dade vinculada à lei. Por essa ra­zão, o contribuinte há de efetuá­lo como a norma positiva expres­samente determina que o faça. Não há lei permitindo a compen­sação sem apuração prévia da li­quidez e certeza do débito. Não pode, portanto, ser feito autolan­çamento para tal fim sem a pro­va desse requisito. Impõe-se, por­tanto, que se apure, via adminis­trativa ou judicial, a liquidez e certeza do crédito a ser compen­sado, o que há de ser feito em ati­vidade da qual o devedor, de mo­do explícito, participe. Feito o autolançamento com vinculação a tal exigência legal, cabe ao Fis­co, apenas, no prazo de cinco anos, examinar a sua exatidão ou não, isto é, compará-lo com o tí­tulo representativo da liquidez e certeza do crédito, bem como, se os tributos compensados eram da mesma espécie.

Postas tais considerações, resta examinar, tendo-se em vista a especificidade dos embargos di­vergentes em julgamento, se a ação proposta pelo contribuinte está compatível ou não com os pressupostos acima defendidos

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para a existência da compensa­ção.

O que se tem em debate é um mandado de segurança preventi­vo. Nele não se afirma existir cré­dito líquido e certo reconhecido pelo ente credor. Não se afirma ainda, qual a quantia que se que; compensar. Pede-se, apenas, de­cisão judicial garantidora do di­reito de compensar o que se de­clara, unilateralmente, sem reco­nhecimento pelo Fisco, nem pelo Poder Judiciário, ter sido pago a maior, a título de Finsocial.

Reivindica-se, assim, uma sen­tença genérica, de cunho pura­mente declaratório, com a auto­rização para fazer, a qualquer época, a compensação, com quan­tias que bem entender, com pa­gamentos futuros da Cofins.

Ora, se, primeiramente, nenhum crédito líquido e certo está de­monstrado pela empresa contri­buinte, não há que se lhe assegu­rar direito a compensação, por esbarrar, de imediato, na regra do art. 170, do CTN. Compensar o quê? Não há nem certeza se, realmente, o Finsocial foi pago a mais. Para tanto se chegar, há necessidade de exame na escrita fiscal e contábil do contribuinte há de se investigar provas e do~ cumentos pelos meios hábeis, fa­zer-se encontro de contas, opera­ções aritméticas, para se deter­minar a realidade dos fatos. Não há nos autos respostas para tal indagação.

Observe-se que a empresa contri­buinte fez juntar, apenas, várias

cópias xerografadas de Darf's re­ferentes ao pagamento do Finso­cial. Tais documentos, por sim­ples cópia, sem reconhecimento judicial ou administrativo, por seus próprios efeitos, não condu­zem ao entendimento de que o Finsocial foi pago em excesso, quanto foi pago a maior e o que remanesce para ser tido como crédito fiscal a favor do contribu­inte. Repita-se, mesmo que se seja cansativo: só se apurando, em procedimento regular, admi­nistrativo oujudicial, se, em tais Darf's há pagamento a maior, isto é, além dos 0,5% (meio por cen­to) a título de Finsocial, é que se saberá se há crédito a compensar e qual o seu valor.

Ao se conceder a segurança, mes­mo em parte, com a afirmação de ser compensável o crédito afirma­do, sem se apurar previamente a liquidez e a certeza do mesmo, está se outorgando ao contribu­inte uma atribuição para fazer autolançamento com força de não recolher tributo, sem qualquer autorização legal, pois, ele será o único senhor da quantia a ser compensada. Lembro o já afirma­do de que as regras legais da com­pensação diferem, em profundi­dade, das postas para o pagamen­to do tributo por autolançamen­to.

Esclareço, também, o meu pensa­mento de que não há que se em­prestar efeito, apenas, declarató­rio ao mandado de segurança em- . exame. A dec~são declaratória só tem lugar quando envolve a ne-

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cessidade concretamente de­monstrada de eliminar ou resol­ver a incerteza do direito ou re­lação jurídica. Essa incerteza deve surgir do próprio conflito de interesses, nunca, somente, no espírito do autor. Não é o caso, pois, há leis específicas regulan­do a compensação, de modo hie­rárquico e, portanto, vinculado, isto é, na Constituição Federal (art. 146, lU, b), na Lei Comple­mentar (art. 170, do CTN) e na legislação ordinária (art. 66, da Lei nº 8.383/91). Cabe, apenas, a sua aplicação, interpretando-as sistematicamente.

É de ser lembrado, embora de modo não necessário, que não cabe declaratória para mera in­terpretação do direito em tese (RTJ 113/1.322), o que, na essên­cia, é o que pretende o contribu­inte, pois, nenhum ato concreto contra si ele aponta como tendo sido praticado pelo Fisco.

N a espécie, entendo que não há exagero em afirmar, que a pre­tensão da empresa contribuinte, por não ter feito prova de qual­quer ato concreto contra si prati­cado, por não ter provado a liqui­dez e a certeza do seu crédito, é a de se utilizar do mandado de se­gurança como uma consulta ao Judiciário. Não cabe, portanto, ofertar-lhe tal pretensão."

A manifestação supra represen­ta o meu entendimento sobre a ma­téria.

Ocorre, contudo, que a 1 ª Seção, ao analisar embargos de divergên-

cia sobre o tema, entendeu, por maioria de um voto, ser possível a compensação via autolançamento do contribuinte, sujeito, apenas, ao controle fiscalizador, a posteriori, do ente tributante.

Embora não convencido, rendo­me, contudo, ao posicionamento da 1 ª Seção, em face da função unifor­mizadora do Superior Tribunal de Justiça no trato da legislação infra­constitucional.

Passo, agora, à análise do Espe­cial da parte autora.

O v. Acórdão arestado determi­nou que a correção monetária, re­lativa aos valores indevidamente pagos a título da contribuição sub examem, a partir de janeiro de 1992, fosse procedida pela UFIR, nos termos do art. 1 º, § 1 º, da Lei nº 8.383/91, não sendo admissível, para tal desiderato, a aplicação do IPC.

Assinalando violação a dispositi­vos legais, requer a recorrente a aplicação da correção monetária através dos índices do IPC/INPC.

É pacífico neste Colendo Supe­rior Tribunal de Justiça - STJ, o entendimento segundo o qual é de­vida, nos cálculos da correção mo­netária de débitos judiciais, a apli­cação dos percentuais da inflação expurgada pelos planos econômicos governamentais (Planos Bresser, Verão, Collor I eU - Brasil Novo).

A respeito da aplicação da corre­ção monetária, este Tribunal tem adotado o princípio de que deve ser seguido, em qualquer situação, o ín­dice que melhor reflita a realidade

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inflacionária do período, indepen­dentemente das determinações ofi­ciais. Assegura-se, contudo, seguir o percentual apurado por entidade de absoluta credibilidade e que, para tanto, merecia credenciamen­to do Poder Público, como é o caso da Fundação IBGE.

São inúmeros os acórdãos das Turmas desta Corte no sentido de que o IPC, apurado pela Fundação acima mencionada, é o que deve ser aplicado para fins de correção mo­netária, por ser o único que mais se aproximou da real inflação duran­te o período por ele determinado.

É de ser lembrado que, a respei­to dos efeitos da correção monetá­ria, esta 1 ª Turma, ao apreciar o REsp n Q 20.924-2, julgado em 20/05/ 92, DJU de 15/06/92, pág. 9.237, fir­mou entendimento de que " ... cons­titui mero princípio jurídico aplicá­vel a relações jurídicas de todas as espécies e de todos os ramos do di­reito. É ressabido que o reajuste monetário visa exclusivamente a manter no tempo o valor real da dí­vida, mediante a alteração de sua expressão nominal. Não gera acrés­cimo ao valor nem traduz sanção punitiva. Decorre do simples trans­curso temporal, sob regime de des­valorização da moeda. A correção monetária consulta o interesse do próprio Estado-Juiz, a fim de que suas sentenças produzam - tanto quanto possível - o maior grau de satisfação do direito cuja tutela se lhe requer."

Nesse sentido, listam-se os se­guintes julgados:

"Pelas mesmas razões que levam este ST J, em reiteradas decisões das 1 ª e 2ª Turmas e da 1 ª Seção, a admitir a inclusão, nos cálcu­los da inflação dejaneiro de 1989, de 70,28%, índice do IPC,justifi­ca-se a aplicação da inflação ocor­rida nos meses de março (84,32%), abril (44,80%) e maio (7,87%). Se, na vigência dos sucessivos planos econômicos implantados pelo go­verno (Cruzado, Verão, Collor I e Brasil Novo), continuou a existir a inflação, devem ser aplicados seus verdadeiros índices, que re­flitam a real inflação do respec­tivo período, e este resultado só será alcançado se a indexação for feita pelo IPC e não pelo BTN." (STJ, despacho do Min. Garcia Vieira, no AG n Q 38.415-2-SP, DJU de 17/08/93, pág. 16.063, com citação de seu voto no REsp n Q 25.925-0-SP).

"Execução. Liquidação de senten­ça. Correção monetária. IPC dos meses de janeiro de 1989, março e abril de 1990 e fevereiro de 1991. Inclusão nos cálculos. Ca­bimento. Precedentes. Recurso especial não conhecido." (STJ, REsp n Q 35.480-3-SP, 2ª Turma, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJU de 18.10.93, pág. 21.868).

De fato, no que tange à aplicação do percentual de 70,28% como o re­lativo ao IPC de janeiro de 1989, para fins de cálculo da correção mo­netária, a incidir na liquidação de sentença, a Egrégia Corte Espe­cial, deste Colendo Tribunal, unifor­mizou o entendimento, quando do

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julgamento do REsp nQ 43.055, Re­lator Min. Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, de que o índice a ser aplicado para o mês de janeiro de 1989 é da ordem de 42,72%.

Com essa linha de pensar, con­clui-se que a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somen­te, a reposição do valor real da moe­da, corroído por tormentosa infla­ção. Portanto, independe de culpa das partes litigantes. Constitui-se a mesma (a correção monetária) em simples fator de atualização da moe­da, cujo poder aquisitivo foi desgas­tado pela inflação. Em assim sen­do, as dívidas de valor sujeitam-se à atualização monetária plena e efe­tiva, ainda quando inexista lei a autorizar a referida atualização.

A clarear e fortalecer as teses aci­ma defendidas, transcrevo os fun­damentos desenvolvidos quando do julgamento do REsp nQ 161.161/SP (Reg. nQ 97.0093572-8), litteratim:

"Com relação aos índices utili­zados, ressalte-se que o valor no­minal do BTN era atualizado to­mando-se por base a variação verificada no índice de preços ao consumidor - IPC no mês ante­rior ("Nota de Esclarecimento" do IBGE, 2.2.89; Portaria nQ 62, de 20.4.89, do Ministério da Fazen­da; Medida Provisória n Q 48, de 1Q.4.89, art. 5Q, Lei nQ 7.777, de 19.6.89, art. 5Q, par. 2Q). O IPC era o indexador do BTN. Mas a atua­lização do valor nominal daquele título desvinculou-se do IPC (Leis nM 8.024, art. 22 e 8.030, art. 2Q,

par. 6Q, ambos de 12.4.90). Dei­xou de ser índice de inflação pas­sada para tornar-se medida de variação média dos preços duran­te os trinta dias contados a par­tir do primeiro dia do mês em curso. A inflação real, - e não sem motivo -, continuou a ser indicada pelo IPC (Apelação Cível nQ 172.194-2), até a data de sua extinção (Lei nQ 8.177/91, art. 3Q, IIl), e não pelo BTN, por es­vaziado o seu conteúdo segundo metodologia extravagante, in­compatível com o procedimento próprio, adotado pelo IBGE, para produzir aquele índice. Em con­seqüência, a correção da inflação deve ser feita de 1 Q.1.89 a 28.02.91 pelo IPC, corretamente medida pelo Instituto no período.

Quanto ao índice de 70,28% do mês de janeiro de 1989, admiti­do por farta jurisprudência des­ta Corte, consolidada através de julgamento, por expressiva maio­ria de Incidentes de Uniformiza­ção de Jurisprudência (lUJ n° 154.452-2, ReI. Des. Franciulli Netto e nQ 153.583-2, ReI. Des. Odyr Porto), não se pode olvidar julgado do Egrégio Superior Tri­bunal de Justiça, via do qual res­tou demonstrado o acerto da orien­tação local, baseado, inclusive, em questão de fato vinculada ao alcance metodológico usado para a apuração do questionado inde­xador.

Obrigatória a transcrição de parte desse venerando acórdão, para o perfeito conhecimento da questão. Assim, diz o voto condu­tor do ilustre Ministro Ilmar Gal­vão:

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" ... já na vigência da Constitui­ção de 1988, assinalou a Con­sultoria-Geral da República que:

'A noção de justa indeniza­ção não pode sofrer qual­quer restrição, sob pena de malferir-se, por ato estatal revestido de menor positivi­dade jurídica, o postulado constitucional que a consa­gra. A restrição desse con­ceito, sem que ela derive de autorização constitucional, configurará ato lesivo à cláu­sula assecuratória da pro­priedade privada, inscrita na Carta Maior, por impli­car o esvaziamento arbitrá­rio do conteúdo econômico desse direito" (DOU, I, de 19.12.1988, pág. 24.701).

Com efeito, está-se diante de título revestido da garan­tia constitucional de plena correção monetária (artigo 157 da CF/67, artigo 161 da EC n Q 1/69 e artigo 184 da CF/88), como meio indispen­sável à conjugação nas ex­propriatórias da espécie, do tradicional princípio dajus­ta indenização.

Assim sendo, não pode ele ficar ao sabor dos efeitos de medidas governamentais, de natureza econômica, que, à guisa de combate à infla­ção, venham suprimir abrup­tamente etapas anteriores de defasagem monetária, como aconteceu no presen­te caso.'

Nesse sentido, parece pací­fica a jurisprudência daquela Alta Corte (MS n Q 254-DF, j. em 3.4.90; MS n Q 290-DF,j. em 3.4.90; MS n Q 779-DF, j. 23.4.91), em razão do princípio geral da justa indenização mais completa quanto possí­vel, sem que o acréscimo im­porte, à evidência, em excesso de execução.

Diante desse quadro, obser­va v. acórdão do Egrégio Pri­meiro Tribunal de Alçada Ci­vil do Estado de São Paulo, é possível concluir que o empre­go de metodologia extravagan­te, a fim de assentar o valor no­minal do BTN em quantia infe­rior ao da efetiva ostentação de preços revelados pelo IPC, con­traria o comando legal (Agra­vo de Instrumento n Q 470.108-0, da Comarca de São Paulo).

Tanto isso é certo que a Lei n Q 7.989, de 28 de dezembro de 1989, ao dispor sobre certo cri­tério de reajustamento do va­lor de determinadas obriga­ções, considerou, no artigo 2Q

,

n Q lI, letra a, a OTN de Cr$ 6,17, multiplicada pelo fator 1,7028.

Destarte, pese embora a mo­dificação do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, limitando o índice de janeiro de 1989 a 42,72% e majorando o do mês subse­qüente, deve prevalecer a ori­entação STJ REsp nM 15.028-SP, 14.757-SP, TJESP AI nM

149.052-1,155.000-1,167.534-2,

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172.193-2,173.583-2,173.646-2,180.658-2; TJESP 2ª TEsp., IUJ nm: 153.583-2 e 154.457-2).

Não houve portanto, ofensa alguma às Leis 6.899/81 e 7.730/89 (art. 15), posto que a adoção do IPC, de 1 º.1.89 a 28.02.91, não conflita com qualquer delas, antes bem se ajusta à legislação que cuidou da matéria.

Também o parágrafo 1 º do artigo 100 da Lei Maior não so­freu a pretendida violação, que se subsume, na alegação da en­tidade de direito público, no fato de se ordenar o pagamen­to do débito apurado dentro do prazo de noventa dias.

Esses débitos, porém, não se referem ao pagamento do prin­cipal fixado nas sentenças de conhecimento, mas a quantias correspondentes ao cumpri­mento insuficiente ou irregu­lar dos precatórios cujos paga­mentos foram efetuados neste ou em exercícios financeiros passados, sempre a menor.

A hipótese tem sua regência no artigo 100, caput, da Cons­tituição Federal, que previu a abertura de créditos adicionais para a satisfação de pagamen­tos que independem de inclu­são no orçamento, como é o caso.

Assim, os créditos adicio­nais, que são atualizações de despesas não computadas, ou insuficientemente dotadas na Lei do Orçamento (artigo 40)

devem ser abertos (CR, artigo 100), suplementando ou refor­çando a dotação orçamentária (art. 41, inciso I), para a satis­fação dos precatórios judiciais mal cumpridos.

Ora, se a Lei nº 4.320/64 não estabelece prazo para a trami­tação supletiva das requisições dependentes daquela provi­dência, correta a norma suple­tiva editada no Assento nº 195, de 20 de junho de 1991.

Essa dilação, quando o pa­gamento deveria, em princípio, ser imediato, atende ao prin­cípio do artigo 2º da Constitui­ção cristalizada nesta Corte, ao menos até a aguardada manifestação do Colendo Su­premo Tribunal Federal, já in­vocada pelos interessados.

Quanto ao IPC produzido pelo IBGE, de março de 1990 em diante, é pacífica a sua ado­ção pelo Egrégio Superior Tri­bunal de Justiça, quando afir­ma:

" ... perdurando o maltrato à moeda do país, decorrente da onda inflacionária rei­nante, é cabível, igualmen­te, a inclusão do IPC de março a maio de 1990, por ser moral, jurídico e justo. Demais a mais, a razão ju­rídica e econômica, inspira­dora da jurisprudência men­cionada, é a mesma, para as variações referentes aos me­ses subseqüentes ... " (Agravos de Instrumento nm: 24.530-0-

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SP, 24.606-6-SP, 24.725-3-SP, 25.852-4, in DJU de 22.9.92, pág. 15.815).

N'outra esteira, poder-se-ia ale­gar, como, de fato, enveredam al­guns distintos posicionamentos nes­ta Colenda Corte, que, em se tra­tando de correção monetária de va­lores já pagos indevidamente, os quais devam ser restituídos - quer via repetição de indébito, quer via compensação -, tal sistemática (a correção monetária pelo IPC - ou índice que melhor reflita a perda inflacionária de então) não deva ser aplicada. Essa linha de pensar tangencia no fato de que a Fazenda Pública não utiliza os índices infla­cionários expurgados pelos Planos Governamentais ao cobrar seus dé­bitos. Assim, é mais do que justo -e se assentam no princípio isonômi­co - que na cobrança de seus débi­tos também não se apliquem tais índices de atualização da dívida.

Por isso, que a compensação deve seguir os termos elencados na Lei nº 8.383/91, id est, sem as restri­ções estabelecidas na Instrução Normativa nº 67/92, com base na variação da UFIR. Destarte, o dé­bito da Fazenda Pública - advindo da compensação do tributo em ques­tão - deverá sofrer correção mone­tária com base na variação da UFIR, e não se aplicando os expurgos in­flacionários dos Planos Governa­mentais.

Não prospera, data vênia aos en­tendimentos divergentes, a preten­são de se aplicar, para fins de cor­reção monetária, o valor da varia­ção da UFIR. É firme ajurisprudên-

cia desta Colenda Casa Julgadora que, para tal propósito, há de se se­guir os percentuais do IPC, por me­lhor refletir a inflação do período apurado.

Ad argumentandum, e apenas hipoteticamente, caso a empresa autora não tivesse sido obrigada a recolher (indevidamente) o tributo em comento, o quantum desembol­sado pela mesma, obviamente (e quase o digo "com certeza"), tal montante teria sido aplicado no mercado financeiro, visto que à épo­ca essa era a melhor forma (ou a menos "dolorosa") de se proteger da inflação galopante. E, como é sabi­do e consabido, o mercado financei­ro regia-se com base nos indicado­res econômicos divulgados pelos ór­gãos oficiais, in casu, a Fundação IBGE. Para tais casos, a correção monetária era medida pelo próprio Governo Federal através do "Índi­ce de Preços ao Consumidor" - IPC, os quais eram totalmente diferen­tes da pretendida UFIR (a cons­ciência memorativa é lenta, mas não lerda).

Destarte, espelhado nas funda­mentações supramencionadas, não realizada a atualização monetária, a Administração Pública estaria, em função disso, a se locupletar, o que, em qualquer hipótese jurídica (e ética), não se pode admitir. As te­ses acima desenvolvidas denotam a ocorrência de motivos ensejadores à reforma do v. Acórdão guerreado, neste particular.

Posto isto, nego provimento ao re­curso do INSS e dou parcial provi­mento ao recurso da parte autora,

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para determinar a aplicação dos ín­dices de correção monetária, da se­guinte forma: a) através do IPC, no período de março/1990 a janeiro/ 1991; b) a partir da promulgação da Lei n Q 8.177/91, a aplicação do INPC

(até dezembro/1991); e c) a partir de janeiro/1992, a aplicação da UFIR, nos moldes estabelecidos pela Lei n Q

8.383/91.

É como voto.

128 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (110): 39-128, outubro 1998.