o trecheiro - outubro de 2011 #202

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Coletivos ocupam São Paulo IMPRESSO 20 anos de comunicação da rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XX Outubro 2011 - Nº 202 O Vale do Anhangabaú, a aproximadamente cem metros da sede da prefeitura no centro da cidade de São Paulo, vem abrigando desde o dia 15 de outubro o movimento Acam- paSampa. Após 11 dias, o acampamento já contava com mais de 120 integrantes de diferentes coletivos. O grupo armou barracas, que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) obrigou a recolher nos primei- ros dias de acampamento. Pos- teriormente, as barracas foram novamente armadas. Uma cor- da esticada demarca o espaço mais reservado, onde ficam os computadores, as lonas para dormir e o espaço de alimen- tação. Juliana Bruce lembra que “o acampamento tem sua origem no chamado global, vindo da Espanha, para ocupar espaços no dia 15 de outubro a fim de protestar contra a ló- gica do sistema capitalista”. O movimento está presente nas manifestações contra o G8, o G20 e na ocupação de Wall Street (acampamento no cen- tro financeiro de Nova York, que começou no dia 17 de se- tembro para demonstrar que os bancos não podem ser os únicos a lucrar), lembra Caio Castor, participante do Acam- paSampa. “Está evidente que o sistema político e econômi- co não funciona e as pessoas estão percebendo isso. Sou uma delas”, afirma Caio. Segundo Mauricio Terra Dias, artesão e desempregado, o governo quer que as pessoas entendam que está tudo nor- mal, enquanto há muita coisa acontecendo por baixo dos panos. “Este acampamento tem uma crítica que passa pela falta de moradia, por demo- cracia direta, redistribuição de renda, liberdade de expressão, tarifa zero, educação gratuita, direito à cidade e assim por diante”, explica Mauricio, que estava molhando um canteiro de alface. “No acampamento, as pes- soas procuram olhar umas nos olhos das outras, tentam en- tender a dificuldade do outro, conhecer suas potencialidades e, sobretudo, se alguém não concordar com algo, procu- ram saber o por quê”, explica Juliana. Sempre às 20 horas, diariamente, os acampados fazem uma assembleia para refletir e decidir sobre os ru- mos do movimento, sempre buscando o consenso. Um dos diferenciais desse movimento é que procuram vivenciar o que estão queren- do para o Brasil, mesmo com muitas dúvidas e contradi- ções. “Aqui somos todos iguais, ninguém é vítima, todos estão submetidos à lógica do capital. Claro que cada um tem uma realidade distinta, mas na hora de de- cidir e de fazer todo mundo Fotos: Marcello Casal Jr/ABr é igual, tentamos fazer tudo na horizontalidade”, afirma Juliana Bruce. Não violên- cia, decisão por consenso e apartidarismo são as formas que movimento experimenta. “Não sabemos se essa estru- tura funcionaria na sociedade brasileira, mas o importante é tentarmos criar outras formas de participação”, afirma Caio. Para ele, é muito trabalho e existem muitas dificuldades para inovar e criar novas for- mas. “É mais fácil para as pes- soas continuar vivendo do jei- to que estão vivendo”, conclui Caio. Um dos fatores que possibi- litou a união desses coletivos foram as novas possibilidades de comunicação, como as re- des sociais, essenciais para o intercâmbio. “Só conseguimos juntar tanta gente por causa das redes sociais”, confirma Carolina Stary, que encontrei lavando copos, fazendo café e conversando com todos que passavam pelo espaço da ali- mentação. A quantidade e a diferença de coletivos presentes no Vale do Anhangabaú é outro gran- de diferencial. Carolina Stary, envolvida com a galera dos Anonymus, afirma que a ini- ciativa do acampamento foi de vários coletivos. Ela lembra que o acampamento tem a fun- ção de acordar as pessoas para o que está acontecendo no mundo inteiro e que o Brasil não pode ficar de fora. “Não é que exatamente daqui, des- sa ocupação, vá sair uma mu- dança, uma revolução, porque se trata de um processo. Mas aqui é um início e é impor- tante ter tanta gente diferente unida numa mesma história”, conclui ela. “Eu sou revoltada e não indignada” Alguns dos coletivos presente no AcampaSampa Passe Livre, Brasil pelas Florestas, Armas menos Letais, Manifes- tação.org, Casa da Sabedoria, Revolução da Colher, Combio Ocu- pação Urbana, Anonymous.org, Movimento Nacional de Popula- ção de Rua, Cultural, Rádio Várzea, Movimento Popular Cidadania Ativa, BioUrban, Meninos e Meninas em Situação de Rua, Catado- res de Material Reciclável e pessoas sem ligação com organizações. Severina Alves Carvalho, com aproximadamente 50 anos, já estava se preparando para dormir na grande lona esticada no chão sob o Viaduto do Chá quando solicitei se seria possível tirar uma foto. Ela concordou e depois me explicou que estava ali porque estava desesperada e revoltada. “Falta de moradia, falta de emprego, muita violên- cia, ninguém quer saber de nin- guém, as pessoas tratam as ou- tras como bichos e eu estou aqui no acampamento e pretendo ar- ranjar algo melhor”, desabafou Severina. Sua história não cabe neste espaço, mas o fato é que atualmente estava morando fora de casa. “Já faz uma semana que eu estou aqui com eles, mas an- tes eu morava na delegacia, no terminal Barra Funda, em hospitais”, afirma Severina. Assim como Severina, Átila Robson Pinheiro, do Movimen- to Nacional da População de Rua (MNPR), e outras pesso- as em situação de rua também estão participando do Acam- paSampa. Segundo ele, “é mo- mento de juntar forças e ocupar o espaço público, que tem sido um espaço de violência contra as pessoas que estão morando nas ruas”. Para Valter Machado, o espaço é democrático, de não violência e de acolhida. “Aqui temos uma atenção humana com todas as pessoas, existe uma co- municação de olho no olho e todos vão sair daqui mais huma- nos e cidadãos”, conclui Valter. Para Severino Caetano da Silva, morador do albergue São Cami- lo I, afirma que é uma forma de mostrar que há insatisfação no Brasil com o tipo de país que está sendo construído. “É uma forma de lutar, fazer com que as pessoas se debrucem nas suas próprias ideias para discutir uma forma de encontrar outro modelo de mundo onde todos estejam incluídos. Neste mo- delo atual a gente vê pessoas passando fome na rua e violên- cia policial. Aqui nem puderam armar as barracas”, conclui Se- verino. Até meninos e meninas em situação de rua estão na militância do AcampaSampa. L. C. S., 14 anos, conhecido carinhosamente por Alex, se tornou uma presença forte no acampamento. Desde os 9 anos em situação de rua, encontrou no acampamento o que procu- rava. “Não precisa ter ódio de ninguém, aqui todo mundo é unido e somos todos amigos”, afirma Alex. Para “a galera”, as pessoas em situação de rua estão fazen- do a diferença no movimento. Caio Castor lembra que no se- gundo dia a GCM tentou tirar três moradores de rua que esta- vam dormindo fora do acampa- mento, mas o grupo interveio e não deixou que isso aconteces- se. “Questionamos os guardas: por que ele iriam tirá-los e nos deixar aqui?” Antes do acam- pamento, já existia a resistência das pessoas em situação de rua. “Quem mora na rua têm sido muito receptivo com a gente e esse lugar é muito mais deles do que nosso”, lembra Caio. Juliana afirma que as pessoas em situação de rua estão dentro do movimento. “Eles são parte integrante desse acampamen- to.” Para os integrantes do Acam- paSampa – os indignados, como tem ficado conhecido o movimento – não existe data para terminar. “É o consenso de todos que vai decidir”, lem- bra Juliana Bruce. Formatura e protesto - Acampamento dos “indignados” e ao fundo, ensaio da formatura da PM de SP no dia 24 de outubro, no Vale do Anhangabaú Fotos: Alderon Costa/Rede Rua Alderon Costa

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Jornal o Trecheiros, associação rede rua de comunicação

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Coletivos ocupam São Paulo

IMPRESSO

20 anos de comunicação da rua

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XX Outubro 2011 - Nº 202

O Vale do Anhangabaú, a aproximadamente cem metros da sede da prefeitura no centro da cidade de São Paulo, vem abrigando desde o dia 15 de outubro o movimento Acam-paSampa. Após 11 dias, o acampamento já contava com mais de 120 integrantes de diferentes coletivos. O grupo armou barracas, que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) obrigou a recolher nos primei-ros dias de acampamento. Pos-teriormente, as barracas foram novamente armadas. Uma cor-da esticada demarca o espaço mais reservado, onde ficam os computadores, as lonas para dormir e o espaço de alimen-tação. Juliana Bruce lembra que “o acampamento tem sua origem no chamado global, vindo da Espanha, para ocupar espaços no dia 15 de outubro a fim de protestar contra a ló-gica do sistema capitalista”. O movimento está presente nas manifestações contra o G8, o G20 e na ocupação de Wall Street (acampamento no cen-tro financeiro de Nova York, que começou no dia 17 de se-tembro para demonstrar que os bancos não podem ser os únicos a lucrar), lembra Caio Castor, participante do Acam-paSampa. “Está evidente que o sistema político e econômi-co não funciona e as pessoas estão percebendo isso. Sou uma delas”, afirma Caio.

Segundo Mauricio Terra Dias, artesão e desempregado, o governo quer que as pessoas entendam que está tudo nor-mal, enquanto há muita coisa acontecendo por baixo dos panos. “Este acampamento tem uma crítica que passa pela falta de moradia, por demo-

cracia direta, redistribuição de renda, liberdade de expressão, tarifa zero, educação gratuita, direito à cidade e assim por diante”, explica Mauricio, que estava molhando um canteiro de alface.

“No acampamento, as pes-soas procuram olhar umas nos olhos das outras, tentam en-tender a dificuldade do outro, conhecer suas potencialidades e, sobretudo, se alguém não concordar com algo, procu-ram saber o por quê”, explica Juliana. Sempre às 20 horas, diariamente, os acampados fazem uma assembleia para refletir e decidir sobre os ru-mos do movimento, sempre buscando o consenso.

Um dos diferenciais desse movimento é que procuram vivenciar o que estão queren-do para o Brasil, mesmo com muitas dúvidas e contradi-

ções. “Aqui somos todos iguais, ninguém é vítima, todos estão submetidos à lógica do capital. Claro que cada um tem uma realidade distinta, mas na hora de de-cidir e de fazer todo mundo

Fotos: Marcello Casal Jr/ABr

é igual, tentamos fazer tudo na horizontalidade”, afirma Juliana Bruce. Não violên-cia, decisão por consenso e apartidarismo são as formas que movimento experimenta. “Não sabemos se essa estru-tura funcionaria na sociedade brasileira, mas o importante é tentarmos criar outras formas de participação”, afirma Caio. Para ele, é muito trabalho e existem muitas dificuldades para inovar e criar novas for-mas. “É mais fácil para as pes-soas continuar vivendo do jei-to que estão vivendo”, conclui Caio.

Um dos fatores que possibi-litou a união desses coletivos foram as novas possibilidades de comunicação, como as re-des sociais, essenciais para o intercâmbio. “Só conseguimos juntar tanta gente por causa das redes sociais”, confirma Carolina Stary, que encontrei lavando copos, fazendo café e conversando com todos que passavam pelo espaço da ali-mentação.

A quantidade e a diferença de coletivos presentes no Vale do Anhangabaú é outro gran-de diferencial. Carolina Stary, envolvida com a galera dos Anonymus, afirma que a ini-ciativa do acampamento foi de vários coletivos. Ela lembra que o acampamento tem a fun-ção de acordar as pessoas para o que está acontecendo no mundo inteiro e que o Brasil não pode ficar de fora. “Não é que exatamente daqui, des-sa ocupação, vá sair uma mu-dança, uma revolução, porque se trata de um processo. Mas aqui é um início e é impor-tante ter tanta gente diferente unida numa mesma história”, conclui ela.

“Eu sou revoltada e não indignada”

Alguns dos coletivos presente no AcampaSampa

Passe Livre, Brasil pelas Florestas, Armas menos Letais, Manifes-tação.org, Casa da Sabedoria, Revolução da Colher, Combio Ocu-pação Urbana, Anonymous.org, Movimento Nacional de Popula-ção de Rua, Cultural, Rádio Várzea, Movimento Popular Cidadania Ativa, BioUrban, Meninos e Meninas em Situação de Rua, Catado-res de Material Reciclável e pessoas sem ligação com organizações.

Severina Alves Carvalho, com aproximadamente 50 anos, já estava se preparando para dormir na grande lona esticada no chão sob o Viaduto do Chá quando solicitei se seria possível tirar uma foto. Ela concordou e depois me explicou que estava ali porque estava desesperada e revoltada. “Falta de moradia, falta de emprego, muita violên-cia, ninguém quer saber de nin-guém, as pessoas tratam as ou-tras como bichos e eu estou aqui no acampamento e pretendo ar-ranjar algo melhor”, desabafou Severina. Sua história não cabe neste espaço, mas o fato é que atualmente estava morando fora de casa. “Já faz uma semana que eu estou aqui com eles, mas an-tes eu morava na delegacia, no terminal Barra Funda,

em hospitais”, afirma Severina. Assim como Severina, Átila

Robson Pinheiro, do Movimen-to Nacional da População de Rua (MNPR), e outras pesso-as em situação de rua também estão participando do Acam-paSampa. Segundo ele, “é mo-mento de juntar forças e ocupar o espaço público, que tem sido um espaço de violência contra as pessoas que estão morando nas ruas”. Para Valter Machado, o espaço é democrático, de não violência e de acolhida. “Aqui temos uma atenção humana com todas as pessoas, existe uma co-municação de olho no olho e todos vão sair daqui mais huma-nos e cidadãos”, conclui Valter. Para Severino Caetano da Silva, morador do albergue São Cami-lo I, afirma que é uma forma de mostrar que há insatisfação no Brasil com o tipo de país que está sendo construído. “É uma forma de lutar, fazer com que as pessoas se debrucem nas suas próprias ideias para discutir

uma forma de encontrar outro modelo de mundo onde todos estejam incluídos. Neste mo-delo atual a gente vê pessoas passando fome na rua e violên-cia policial. Aqui nem puderam armar as barracas”, conclui Se-verino. Até meninos e meninas em situação de rua estão na militância do AcampaSampa. L. C. S., 14 anos, conhecido carinhosamente por Alex, se tornou uma presença forte no acampamento. Desde os 9 anos em situação de rua, encontrou no acampamento o que procu-rava. “Não precisa ter ódio de ninguém, aqui todo mundo é unido e somos todos amigos”, afirma Alex.

Para “a galera”, as pessoas em situação de rua estão fazen-do a diferença no movimento.

Caio Castor lembra que no se-gundo dia a GCM tentou tirar três moradores de rua que esta-vam dormindo fora do acampa-mento, mas o grupo interveio e não deixou que isso aconteces-se. “Questionamos os guardas: por que ele iriam tirá-los e nos deixar aqui?” Antes do acam-pamento, já existia a resistência das pessoas em situação de rua. “Quem mora na rua têm sido muito receptivo com a gente e esse lugar é muito mais deles do que nosso”, lembra Caio. Juliana afirma que as pessoas em situação de rua estão dentro do movimento. “Eles são parte integrante desse acampamen-to.”

Para os integrantes do Acam-paSampa – os indignados, como tem ficado conhecido o movimento – não existe data para terminar. “É o consenso de todos que vai decidir”, lem-bra Juliana Bruce.

Formatura e protesto - Acampamento dos “indignados” e ao fundo, ensaio da formatura da PM de SP no dia 24 de outubro, no Vale do Anhangabaú

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Alderon Costa

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

REDE RUA DE COMUNICAÇÃO

Conselho editorial:Arlindo Dias editorAlderon CostaMTB: 049861/0157

equipe de redação: Alderon CostaCleisa RosaDavi AmorimRose BarbosaLéia Tosold

revisão de texto Léia Tosold

FotograFia: Alderon Costa diagramação: Fabiano Viana

ApoioArgemiro Almeida

Felipe MoraesVagner CarvalhoJoão M. de Oliveira

impressão: Forma Certa5 mil exemplares

O Trecheiro pag 02 Outubro de 2011

Léa Tosold

Apoio

Edi

tori

alOs indignados SP

AcampaSampa é um movimento apartidário que reúne diferentes coletivos com base nos princípios de não violência e participação da população nos processos decisórios. Criticando o sistema capita-lista que gera em si mesmo enormes desigualdades, enriquecendo apenas 1% da população mundial em cima do trabalho dos outros 99%, os indignados têm uma pauta política diversa que inclui desde a críti-ca à corrupção do sistema representativo e políticas públicas que não funcionam, até a crítica ao Legisla-tivo, que só tem regredido em relação às conquistas populares, tais como a lei da ficha limpa e o código florestal. Indignam-se igualmente com o Judiciário que ameaça limitar a ação do Conselho Nacional de Justiça com relação à apuração do envolvimento de juízes em crimes, restrição do trabalho da imprensa e até delegados de polícia.

O direito de manifestação está garantido na constituição brasileira, mas o AcampaSampa, que legitimamente procura manifestar suas opiniões, vem sendo reprimido pela força po-licial municipal com a justificativa de que a cidade precisa ser mantida “limpa”. O espaço público, que deveria ser de todos, vem se tornando cada vez mais propriedade do prefeito e de sua guarda. Os acampados do 15-O (denominação relativa à data em que foi iniciado, dia quinze de outubro), no Vale do Anhagabaú, vêm dizer para todos nós que precisamos conti-nuar lutando por um organização socioeconômica e política diferente, na qual a principal reivindicação é a participação democrática direta. O modelo representativo tem dado mos-tra de sua grande fragilidade. Pensar em novas formas participativas para aumentar o controle do que pertence a todos é legitimo. Até agora só temos pre-senciado tentativas de aumentar as formas de concentração do poder (seja político ou econômico) dos nossos representantes. Os plebiscitos, que deveriam ser aprimorados e cada vez mais utilizados em nosso pais, estão com seus dias contados. A cada tentativa de se fazer uma consulta popular, aqueles que deve-riam servir a vontade do povo tentam de todas as formas impe-di-la ou mesmo atrapalhar na realização da consulta, criando mecanismos para inibir a decisão final do povo.

O acampamento dos indignados tem juntado mundos muitos diferentes, coletivos que lutam por passe livre, preservação do meio ambiente, democracia nas comunicações e participação direta nas decisões políticas. Independentemente de profissões e classes sociais, todos querem um mundo melhor. Quem está se juntando a esse movimento são as pessoas em situação de rua, que na declaração de Severina não são indignados, mas sim revoltados pela situação de ter que fazer das ruas sua mo-rada. Foram estes, na verdade, que acolheram os grupos que tiveram a iniciativa de fazer o acampamento em baixo do via-duto do Chá, local tradicional de moradia para quem chega à rua. Para os que lá estão, o acampamento, além de oferecer comida, dormida e segurança, tem sido um espaço de muitas possibilidades de formação, como aprender sobre redes so-ciais, fotografia, vídeos e, principalmente, experimentar que existem ainda possibilidades de mudanças.

Não poderia terminar este editorial sem mencionar o apoio à decisão do promotor de habitação e urbanismo da capital, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, que recusou o pedido que vi-sava impedir a implantação de um albergue sob a alegação, entre outras, de desvalorização da região. Apropriadamente, o promotor respondeu que a representação era discriminatória, segregacionista e elitista. De provocar inveja em qualquer hi-gienista social do Terceiro Reich, referência ao regime nazista de Adolf Hitler. “É inaceitável que, quando o poder público faz algo em prol dessas pessoas, a elite dessa cidade se oponha com argumentos tão preconceituosos”, disse ele.

Os indignados abrem a possibilidade de todos manifestarem suas opiniões sobre o que está acontecendo em nossa cidade, no país e no mundo. Manifeste sua indignação! No viaduto do Chá (centro de São Paulo) ou no http://15osp.org

Conselho de Monitoramento Um caminho em construção e a construçao de um caminho

O que é o Conselho de Moni-toramento? Descubra a impor-tância histórica de poder par-ticipar ativamente no processo de capacitação para a eleição dos representantes da popu-lação em situação de rua que farão parte do Conselho nos próximos dois anos

Conselho de Monitora-mento: uma conquista da população em situa-ção de rua

Até pouco tempo atrás, pes-soas vivendo em situação de rua estavam completamente desprovidas de um amparo le-gal que obrigasse o Estado a lhes oferecer condições bási-cas de vida. Foi preciso muitos anos de luta do movimento or-ganizado para dar visibilidade à realidade vivida nas ruas. A caminhada é difícil, mas tem gerado resultados: em 1997 foi aprovada a lei 12.316/97, pri-meiro marco legal que instituiu uma política pública voltada especificamente para pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo.

“Foi preciso muitos anos de luta para dar visibilidade à realidade vivida nas ruas”

Para que tudo o que está na lei possa sair do papel, é funda-mental a participação popular na fase de criação de tais po-líticas. É justamente com esse objetivo que foi instituído o Conselho de Monitoramento, em 2003. O Conselho de Moni-toramento visa ajudar a formu-lar políticas públicas, apontar eventuais falhas e sugerir mo-dificações na implementação dos programas e serviços de assistência, pressionando dire-tamente o governo para corrigi--los de acordo com a necessida-de de quem vive nas ruas.

“O Conselho de Moni-toramento é uma conse-quência do movimento organizado, que come-çou embaixo dos viadu-tos e fez muitos mártires ao longo do caminho”

O Conselho de Monitora-mento é uma conquista enorme para fazer valer os direitos re-conhecidos pela lei 12.236/97 e poder transformar a condição de vida de quem está sujeito à realidade das ruas. Conforme afirma Isabel Cristina Bueno da Silva, assistente técnica da Co-ordenadoria de Proteção Social e Especial da Secretaria Muni-cipal de Assistência e Desen-volvimento Social (SMADS) e atualmente membro do Con-selho, “o Conselho de Monito-ramento é uma consequência de um movimento organizado,

que começou embaixo dos viadutos e fez muitos mártires ao longo do caminho”.

Construindo um cami-nho: as eleições dos novos representantes da população em situação de rua no Conse-lho de Monitoramento estão chegando!

As eleições dos futuros re-presentantes entre os usuários dos programas e serviços des-tinados às pessoas em situação de rua no Conselho de Mo-nitoramento, que ocorrem a cada dois anos, estão se apro-ximando. Elas se darão atra-vés do voto direto: cada uni-dade de prestação de serviço à população em situação de rua escolherá seu delegado, entre os quais se elegerá, em assem-bléia, um total de 3 Conselhei-ros e 6 Suplentes.

“Fique de olho: em bre-ve ocorrerão encontros de ca-pacitação para as eleições em diversas unidades dos serviços de atenção à população de rua. Não deixe de participar!”

Fique de olho: em breve ocorrerão encontros de capa-citação para as eleições em di-

Rua

gend

aversas unidades dos serviços de atenção à população de rua. Não deixe de participar! Além de fazer diretamente parte do processo que levará à eleição dos representantes mais ca-pacitados para dar voz às ne-cessidades da população em situação de rua, você também poderá conhecer mais sobre a trajetória da luta pela conquis-ta de direitos da qual faz par-te. Ao participar, você estará dando continuidade à luta por um futuro melhor para todos que vivem a realidade da rua e dos serviços oferecidos pela prefeitura.

“Ao participar, você estará dando continui-dade à luta para todos que vivem a realidade da rua”

O processo que leva à eleição dos representantes no Conselho de Monitoramento é um canal para fortalecer a luta conjunta de todos. Se há algo que a história de lutas por cidadania e dignida-de ensinou ao longo dos anos é que sem auto-organização o des-caso continua. Sua participação é muito importante!

Entenda a estrutura do Conselho de Monitoramento

O Conselho de Monitoramento é formado por 18 membros. Da parte do poder público, o Conselho conta com:- 1 representante da Secretaria Municipal da Saúde; - 1 representante da Secretaria Municipal da Habitação; - 1 representante da Secretaria Municipal do Trabalho; - 1 representante da Comissão Extraordinária Permanente de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Muni-cipal de São Paulo. Já em relação aos representantes da sociedade civil, o Conse-lho é composto por:- 3 representantes + 6 suplentes de usuários de programas e serviços destinados às pessoas em situação de rua; - 3 representantes do Fórum das organizações não governa-mentais que trabalham com pessoas em situação de rua;- 3 representantes de associações civis defensoras dos direitos humanos; - 2 representantes de entidades de empresas de responsabili-dade social.

Papel dos representantes no Conselho de Monitoramento

Os representantes do Conselho não recebem nenhum tipo de re-muneração para o exercício da função e se reúnem pelo menos uma vez por mês, na Secretaria de Assistência Social (SAS), junto com os outros representantes que fazem parte do Conse-lho de Monitoramento. O objetivo é trazer sugestões de melho-ria aos serviços destinados a quem vive na rua, bem como tra-zer novas demandas. Apesar de o Conselho de Monitoramento não ser um órgão deliberativo, mas sim de monitoramento das políticas públicas e consultivo, ele é de extrema importância. Conforme afirma Isabel Cristina Bueno da Silva, “o Conse-lho de Monitoramento é o termômetro para medir o que está acontecendo ou deixando de acontecer em prol da população em situação de rua nas áreas da assistência social, da saúde, do trabalho e da educação, entre outras”. É importante que os representantes escolhidos tenham a capacidade de representar seu pares como um todo e manter o compromisso de lutar pela melhoria na qualidade do atendimento dos serviços destinados à população em situação de rua.

Eleição dos represen-tantes para o Conselho de MonitoramentoDia 5 de novembro (Sábado) Endereço: Casa de Oração do Povo da Rua Rua Djalma Dutra, 03 (esquina com a Rua 25 de Janeiro )Hora: 9 horas

Eleição do Conselho de Monitoramento de 2009

Alderon Costa/Rede Rua

Campanha Nacional

contra incineradores

O Trecheiro pag 03 Outubro de 2011

Arquivo pessoal

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rinh

as

Redação

No dia 30 de setembro, mar-co do dia de ação global con-tra o lixo e a incineração, foi realizado na cidade de São Bernardo do Campo o seminá-rio técnico “Resíduos sólidos: alternativas sustentáveis”. O evento reuniu especialistas da área, movimentos sociais e ju-ristas para debater o impacto da incineração de resíduos e as al-ternativas. Reuniu cerca de 170

pessoas e foi acompanhado ao vivo por transmissão pela in-ternet.

Durante o evento, a Coalizão Nacional contra a Incineração do Lixo lançou uma campa-nha nacional contra os proje-tos de tratamento térmico dos resíduos sólidos para geração de energia em processo de im-plantação em todas as regiões do Brasil. A coalizão lançou

Davi Amorim

Dia de ação global no Brasil

um manifesto com argumen-tos técnico-cientificos refutan-do essa tecnologia como des-tinação adequada de resíduos sólidos.

O manifesto está disponível na página da campanha (www.incineradornao.net) para que entidades, movimentos sociais e indivíduos façam sua adesão e divulguem o documento.

Catadores ligados ao MNCR realizaram um debate em defe-sa da coleta seletiva com a in-clusão de cooperativas e asso-ciações de catadores da cidade de Manaus, no Amazonas. O evento foi realizado na sede da Cáritas região norte e discutiu os impactos dos incineradores na região.

Também em São Paulo, cata-dores de materiais recicláveis estiveram presentes no debate “Meio ambiente e os trabalha-dores”, no qual palestraram a ministra do Meio Ambiente,

Izabela Teixeira, a filosofa Marilena Chauí e o ex-minis-tro de Direitos Humanos Pau-lo Vanucchi. Durante o evento os catadores entregaram pan-fletos aos presentes contra a implantação do incinerador em São Bernardo do Campo.

Dividindo a mesa com o deputado Vicente Paulo da Silva – mais conhecido como Vicentinho – e o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, a ministra Izabela Teixeira, em sua intervenção, criticou a forma como está

sendo conduzida a implanta-ção de um incinerador de lixo na cidade de São Bernardo do Campo. Declarou que apoia a posição dos catadores e que a sua inclusão na gestão dos resíduos sólidos é prioridade máxima. A crítica da ministra repercutiu mal para o prefeito da cidade e fortaleceu o mo-vimento contra a implantação do incinerador de lixo.

A filósofa e professora da USP Marilena Chauí também se posicionou contraria à im-plantação dos incineradores.

Catadores realizam panelaço

Catadores ligados ao MNCR promoveram no último dia 20 um protesto em frente ao prédio da Secretaria Municipal de Ser-viços de São Paulo. A ação acon-teceu após diversas cooperativas de catadores serem ameaçadas de despejo pela Prefeitura. En-tre as organizações ameaçadas estão Cooperativa Granja Julie-ta, Sempre Verde, Coopersoma, além de outras entidades que buscam áreas de convênio para realizar o trabalho de catação de maneira adequada.

Estiveram presentes no ato ca-tadores de diversas regiões, que fizeram durante toda a manhã um panelaço na portaria do edi-fício onde fica o gabinete do se-cretario Dráuzio Barreto. Após algumas horas de barulho, uma comissão de catadores foi rece-bida, mas o secretário não esteve presente, enviou sua assessoria.

Os catadores ouviram do dire-tor da Limpurb, órgão que admi-nistra a coleta seletiva, que eles

Frente Parlamentar no PRA vereadora Marta Rodrigues (PT), participou no dia 27 de setembro, na Câmara Municipal de Curitiba do 2º Encontro Estadual sobre o “Protagonismo e Cida-dania do Movimento de População de Rua (MPR)”. Durante o evento, Marta se comprometeu em continu-ar a luta pela aprovação do Projeto de Resolução nº. 79/2011, que institui a Frente Parlamentar em Defesa da População de Rua.

SDH cria grupo da copaNo dia 6 de outubro, a ministra da Secretaria de Di-reitos Humanos,Maria do Rosário, criou um grupo de “trabalho com o objetivo de receber denúncias, monitorar e propor diretrizes, com vistas a garan-tir o direito humano à moradia adequada e prevenir remoções forçadas, em decorrência das atividades para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. Esse grupo, formado por 19 pes-soas, inclui um membro do Movimento Nacional da População de Rua.

Promotor defende povo da rua O promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes recusou um pedido que visava impedir a transferência de um albergue para moradores de rua, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, para uma área residencial mais nobre do mesmo bairro. O abaixo--assinado foi parar na delegacia contra a descriminalização. “É de provocar inveja a qualquer higienista social do Terceiro Reich a demonstração de tal insensibilidade”, declarou o pro-motor que enviou os nomes de seis síndicos que assinaram a petição para a Decradi (Delegacia de Polícia Especializada em Crimes Raciais de Delitos de Intolerância). Todos serão alvo de inquérito por intolerância social, prevista na Constituição (art. 5º, inciso 41).

3º censo da população em situ-ação de rua da cidade de São PauloA Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do mu-nicípio de São Paulo (Smads) inicia em novembro o 3º censo da população em situação de rua. Em suas primeiras edições (2000 e 2009) foi realizado em parceria com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Este ano, a pesquisa será conduzida pela Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Po-

estão tentando solucionar os problemas. Afirmou que não existem áreas para construção de galpões na cidade e que es-tão buscando solução através do aluguel de galpões. Foram mostrados documentos com-provando que o processo de aluguel de alguns galpões está em andamento, como é o caso da Cooperativa Granja Julieta.

Emblemático, o caso da Cooperativa Granja Julieta, que atua na região de Santo Amaro, é o que chama mais a atenção para a política que o prefeito Gilberto Kassab tem para as organizações de ca-tadores. Depois de ser des-pejada pela subprefeitura de Santo Amaro após um incêndio criminoso, o ter-reno onde ficava o galpão foi colocado à venda pela Prefeitura. O projeto é que sejam construídos condo-mínios de luxo na área.

Davi Amorim

MNPR constrõe diálogo com a sociedade

A dissertação de mestrado “A Rua e a Sociedade: articulações políticas, socialidade e a luta por reconhecimento da população em situação de rua” defendida por Tomás Melo, no Departa-mento de Antropologia da Uni-versidade Federal do Paraná, em setembro de 2011, tem uma importância muito grande por-que o autor demonstrou durante a pesquisa compromisso com o protagonismo da rua e posicio-namento político a favor da orga-nização das pessoas em situação de rua em movimento social.

A dissertação de Tomás, no entanto, inova também ao ques-tionar o suposto distanciamento do pesquisador com o seu tema de estudos e, ao propor uma dis-cussão séria sobre o quê é a “rua” e a “sociedade” para quem, mes-mo considerado parte, é tratado sistematicamente como intruso. Daí, a conclusão a que chega, sobre o papel fundamental do MNPR como uma espécie de ponte, entre a rua e a sociedade.

Universidade, Compromisso e

Transformação SocialComo sabemo, muitas vezes

na Universidade, é exigido que o pesquisador busque a objetivida-de e o distanciamento para com-preender o que se quer estudar.

Para Tomás, testemunhar cer-tos contextos de privação e vio-lações de direitos exige um posi-cionamento claro, compromisso e envolvimento direto, contraria-mente ao que algumas Universi-dades estabelecem. Morar na rua exige um conhecimento específi-co, um conhecimento que não é possível captar a partir de encon-tros pontuais e entrevistas. Para Tomás, compartilhar momentos de lazer e, outros de dificuldades com os companheiros de rua, fo-ram fundamentais para que ele compreendesse o quê chama de “etiqueta da rua”, somente com-preensível quando se aprofunda relações de cooperação e solida-riedade. Assim, a presença nas diversas situações vividas pelas

pessoas em situação de rua foi fundamental para entender par-te desse universo.

A sociedade não sabe o que é a rua

Outra das argumentações de Tomás em sua dissertação é que a distinção, entre quem está nas ruas e quem é a sociedade “pa-rece central para compreender os desafios da mobilização co-letiva”, explica. Uma das con-clusões a que chega é que “O MNPR representa uma ponte sobre aquilo que é muito parti-cular à vida na rua com relação ao que muitas vezes é referido como sociedade. É uma ponte. Entre as coisas que são próprias da rua e uma forma de fazer com que essas coisas sejam in-teligíveis para as pessoas que não passaram por situação de rua”.

Se desde o início, Tomás se propôs a pensar “um caminho no que diz respeito às mudanças recentes sobre a questão popu-lação de rua e, como a organiza-ção coletiva dessa população se deu nos últimos anos em Curi-tiba”, hoje pode constatar: “Va-lorizar a experiência da popula-ção de rua é fundamental para criarmos políticas públicas”.

Valorizar essa experiência é, justamente, ter em conta que “essas pessoas vivem uma situ-ação estabelecida antes, nascem e tem experiências familiares, estudam, trabalham, seguem suas vidas até o momento de uma ruptura, marcada pelo acú-mulo de processos desestabili-zadores que proporciona a vida

na rua. Os motivos desta ruptu-ra são muitos. Mas em todos os casos que tive contato até hoje, existe uma grande questão de caráter emocional. O arrepen-dimento pelas escolhas, a ver-gonha por ações do passado, o sentimento de ter fracassado en-quanto referência familiar e de ter sido “fraco” com relação às drogas.” Por outro lado,

“Reconhecer a especi-ficidade dessa realidade é fundamental para ga-rantir a inclusão das pes-soas em situação de rua.

E, o MNPR tem um papel de destaque nessa empreitada”, conclui.As inquietações de To-más “com a questão da rua” não param por aqui, e ao mesmo tempo que continua apoiando a luta do MNPR, já faz planos para o futuro: “A organização da população em situação de rua cresceu muito em Curitiba nos últimos dois anos e a expec-tativa é de que este crescimento se desdobre em mais avanços, por exemplo, com a instalação de um Núcleo do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua e Cata-dores de Materiais Recicláveis e outros no que diz respeito a adesão do município à política nacional”.

Rose Barbosa

Arquivo Pessoal

Davi Am

orim/M

NPR

Cleisa Rosa

O Trecheiro pag 04 Outubro de 2011

Desde sua criação, o jor-nal O Trecheiro registra e dá visibilidade a iniciativas que ressaltam o trabalho coleti-vo, a participação popular e o protagonismo das pesso-as em situação de rua. Nes-sa direção, o jornal noticiou amplamente a 1ª Marcha Na-cional da População de Rua a Brasília realizada em 7 de junho de 2001, por ocasião do 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Reci-cláveis, com 1.300 catadores presentes. (Ano XI, nº. 86). Incluídos catadores e pessoas em situação de rua de diversas cidades brasileiras, quase qua-tro mil pessoas participaram deste fato inédito em Brasília apresentando “propostas para diminuir a grave situação de miséria na qual se encontram milhares de brasileiros” e rei-vindicações específicas sobre o destino dos resíduos sólidos, o mercado dos recicláveis, a rede de economia popular so-lidária, dentre outras. Desta-ca-se a primeira assembléia do “povo da rua”, no dia 3 de fevereiro do mesmo ano, em São Paulo, para preparação dessa marcha. Do outro lado, Fernando Henrique Cardoso, então presidente, não recebeu os manifestantes.

20 de luta e cidadania

Dentro das comemorações de aniversário do O Trecheiro, Cleisa Rosa publica segunda parte da reportagem 20 anos de luta e cidadania. A primeira foi publicada na edição de agosto de 2011. Neste artigo ela destaca alguns aspectos da última década publicados pelo jornal a par-tir de pesquisa nas edições do jornal e de sua experiência como colaboradora – integrante da equipe de redação e revisora – do jornal desde 2005.

O início do século XXI foi marcado por mobilizações populares no âmbito nacional que anunciavam, de alguma forma, as possibilidades de organização do movimento da população de rua e do Movi-mento Nacional dos Catado-res de Materiais Recicláveis (MNCR), criado nesse mesmo congresso com representação de todas as regiões brasileiras.

Nos últimos 10 anos, outros fatos importantes como atos e mobilizações, de repúdio e de-núncia em razão da violação de direitos, críticas aos gover-nantes, reivindicações por po-

líticas públicas e mesmo para apontar estratégias na direção de uma sociedade mais justa e democrática – nem sempre noticiados pela grande impren-sa – foram registrados pelo jornal. São exemplos: Marcha das Mulheres; Fórum Social Mundial; Dia de Luta do Povo da Rua; Ato pela Vida – mani-festação coletiva todo dia 19 de cada mês para lembrar o Mas-sacre da Sé em 2004; Grito dos Excluídos; Festival Lixo e Ci-dadania em Belo Horizonte e manifestações de movimentos sociais, como o da moradia e do MST.

Além dos espaços coletivos de participação democrática, como o Conselho de Monito-ramento da Política de Direitos das Pessoas em Situação de Rua, Fórum das Organizações e Fórum da População de Rua – Fala Rua, o O Trecheiro re-gistrou a trajetória do Fórum de Estudos, criado em 2003. Mais tarde, como Fórum de Deba-tes desenvolveu encontros de reflexão e ações coletivas du-rante quase sete anos. Uma das iniciativas, em parceria com algumas lideranças da rua, foi 1º Natal Solidário realizado, no 24 de dezembro de 2004, na Praça da Sé e comemorado todos os anos sem interrupção.

Vale lembrar que esses fóruns muito contribuíram com ativi-dades de formação e organiza-ção da população de rua.

Vários registros sobre o co-tidiano nas ruas, particular-mente, a violência sofrida, como agressões, discrimi-nações, preconceito, indi-ferença, desprezo, retirada das ruas por processo de higienização na cidade e, principalmente, mortes nas ruas.

A história se repete

Algumas matérias deram ên-fase às possibilidades de saída das ruas, seja pela seção Vida no Trecho com exemplos do esforço de superação indivi-dual e busca de novos projetos de vida, seja pelas experiências coletivas de oficinas de traba-lho e programas de geração de renda como o programa “A gente na rua” e a revista OCAS´, saindo das ruas, além das cooperativas de trabalho em torno da catação de mate-riais recicláveis e do programa da Rua para a Terra.

Em várias edições, o jornal trouxe informações de levanta-

mentos realizados pela Funda-ção Instituto de Pesquisas Eco-nômicas (FIPE, 2000, 2003 e 2010) e de trabalhos acadêmi-cos.

Políticas públi-cas como direito Em 2001, Marta Suplicy

(PT), como prefeita de São Paulo, almoça com o “povo da rua”, no dia seguinte de sua posse e assina o decreto nº 40.232 de 2/1/2001, que re-gulamenta a lei nº 12.316 de 16/4/1997 – prestação de ser-viços à população de rua com padrões éticos de dignidade – para cumprir compromissos de campanha. Um dos itens previstos nessa regulamenta-ção foi a criação do Conselho de Monitoramento da Política de Direitos das Pessoas em Si-tuação de Rua com a primeira eleição em 24 de abril de 2003.

Por meio do programa “Aco-lher: reconstruindo vidas”, inicia-se a implantação de vas-ta rede de serviços em toda a cidade sintonizada ao Progra-ma de Reabilitação da Região Central, “com o objetivo de re-tomar o desenvolvimento eco-nômico na região e assegurar a inclusão social dos vários seg-mentos que habitam e circulam pelo centro”.Massacre: luto, luta e políticas

públicasEm agosto de 2004, o jornal

trouxe, em primeira página, tarja preta, expressão de luto pelo Massacre da Sé, com o assassinato de sete pessoas en-tre os dias 19 a 23 de agosto de 2004 em São Paulo. Durante quase cinco anos, as notícias do jornal deram conta da impu-nidade; do descaso e políticas higienistas dos governantes; do extermínio das pessoas em situação de rua por meio de violência institucional e poli-cial, muitas vezes com apoio de setores da sociedade civil; de ações discriminatórias e as-sistencialistas em muitas cida-des brasileiras; da ausência de políticas consistentes de saída

das ruas nas três

esferas de governo. Nada indi-cava a retirada da tarja preta.

No entanto, nos dias 19 e 20 de maio de 2009, durante o II Encontro Nacional sobre Po-pulação em Situação de Rua foi lançada em Brasília pro-posta da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Nesse momento, o jornal estampou na primeira página “Sem luto, agora é luta” – Lan-çamento de Política Nacional para quem está em situação de rua”.

Esta proposta da política na-cional é resultado de uma luta

histórica empreendida por dife-rentes grupos, particularmente, pelo Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) de várias cidades brasileiras que lutam cotidianamente por mui-tos que vivem sem reconheci-mento social e, ainda, altamen-te discriminados nas ruas e nos serviços.

Além disso, o que se via na-quele momento era um gover-no federal mais sensível. Os sentimentos eram de esperança de superação da desigualdade e de mais justiça social, motivos fortes de retirada da tarja preta.

Presença do presidente Lula em São Paulo

O jornal registrou visitas do presidente Lula por ocasião dos natais em São Paulo, desde 2003, sempre com presença expressiva de pessoas em situação de rua e de catadores de materiais recicláveis. Esses eventos, organizados por organi-zações sociais, além dos dois movimentos MNCR e MNPR, aproveitavam a festividade para celebrar as conquistas, mas principalmente para reivindicar políticas públicas e interferên-cia do presidente para agilizar decisões pendentes. Em 2010, estiveram presentes os presidentes Lula e a já eleita Dilma. A esperança foi redobrada!

Por fim, é importante dizer que o MNPR sempre contou com o jornal O Trecheiro na divulgação de suas reuniões, encontros atos, eventos, manifestações. Deu visibilidade às lutas e regis-trou nacionalmente encontros realizados dentro do Projeto de Formação realizado no período de novembro de 2009 a agosto de 2010 em parceria com o Instituto Pólis/MDS/Unesco. Além do trabalho de organização em oito cidades brasileiras.

Foram elaborados folder, cartilha de formação, vídeo e o portal falarua.org/

Fotos: Arquivo Rede Rua