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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JOSÉ AUGUSTO DA SILVA O TRATAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PARA O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA Tijucas 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JOSÉ AUGUSTO DA SILVA

O TRATAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PARA O CRIME DE

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Tijucas

2008

JOSÉ AUGUSTO DA SILVA

O TRATAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PARA O CRIME DE

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Monografia apresentada como requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências

Sociais e Jurídicas, campus de Tijucas.

Orientador: Prof. MSc. Fernando F. A. Fernandez

Tijucas

2008

JOSÉ AUGUSTO DA SILVA

O TRATAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PARA O CRIME DE

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, Campus de Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/ Direito Previdenciário

Tijucas, 11 de junho de 2008.

Prof. MSc. Fernando Francisco Afonso Fernandez

Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas

Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

A minha maravilhosa e querida esposa Tais, aos meus amados filhos,

Vinícius e Daniel, que são a fonte renovadora de minhas energias.

A Deus, fonte suprema de todo saber.

À minha maravilhosa e querida esposa Tais, as minhas amadas criaturinhas, Vinícius e

Daniel, que são a fonte renovadora de minhas energias.

Ao meu pai, Lorival, a minha mãe, Isolde, agradeço pelo amor e dedicação aos filhos, pela

educação, pela humildade e respeito ao próximo.

Aos meus irmãos: Ninha, Fe e Chico.

Ao meu primo Fabiano, na verdade um irmão.

Aos meus patrões Max e Milena.

Ao Professor Orientador, MSc. Fernando Francisco Afonso Fernandez, norte seguro na

orientação deste trabalho.

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Campus de Tijucas,

que muito contribuíram para a minha formação jurídica, em especial Prof. Juliano Garcia

Gomes.

Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.

Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas, em

especial a Mery Helen, Mariana, Aline, Shiese e Guto.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e

isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos

governos, das classes sociais, dos indivíduos.

Rudolf Von Ihering

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 11 de junho de 2008.

José Augusto da Silva

Graduando

RESUMO

O presente estudo tem o objetivo de conhecer o tratamento jurídico brasileiro para o crime de Apropriação Indébita Previdenciária, atualmente descrito no art. 168-A do Código Penal brasileiro. Para o desenvolvimento da pesquisa o trabalho foi dividido em três capítulos, o primeiro para apresentar algumas considerações sobre a Previdência Social Brasileira, aspectos históricos, conceitos de previdência social, os benefícios e serviços assegurados pelo sistema. O segundo para estudar a reprovação social dos crimes contra a Previdência Social. O dever fundamental de pagar e recolher tributos com enfoque nas contribuições previdenciárias. Também, para abordar o caráter social das contribuições previdenciárias, o direito penal e a garantia de direitos. Por derradeiro, o terceiro capítulo, enfoca o tema objeto deste trabalho, Crime de Apropriação Indébita previdenciária. Para tanto, se apresentará um resumo histórico do delito, elementos do tipo descrito no art. 168-A do Código Penal brasileiro, sua natureza jurídica, a inexigibilidade de conduta diversa como causa de excludente da culpabilidade e por fim a extinção da punibilidade. Ao final, são oferecidas algumas considerações relativas ao estudo, contendo o entendimento do autor, relativamente à pesquisa em questão.

Palavras-chave: Apropriação Indébita Previdenciária; Contribuições previdenciárias;

Previdência Social.

RESUMEN

El presente estudio tiene el objetivo conocer el tratamiento jurídico brasileño para el crimen de Apropiación Indebida contra la Previdencia, actualmente descrito en el art. 168-A del Código Penal brasileño. Para el desarrollo de la pesquisa el trabajo fue dividido en tres capítulos, el primero para presentar algunas consideraciones sobre la Previdencia Social Brasileña, aspectos historicos, conceptos de previdencia social, los beneficios y servicios asegurados por el sistema. El segundo para estudiar la reprobación social de los crímenes contra la Previdencia Social. El deber fundamental de pagar y recoger tributos con enfoque en las contribuciones de la previdencia. También, para abordar el carácter social de estas contribuciones, el derecho penal y la garantía de derechos. Para encerrar, el tercer capítulo, enfoca el tema objeto de este trabajo, Crimen de Apropiación Indebida contra la previdencia. Para tanto, se presentará un resumen historico del delito, elementos del tipo descrito en el art. 168-A del Código Penal brasileño, su naturaleza jurídica, la inexigibilidad de conducta diversa como causa excluyente de la culpabilidad y, por fin, la extinción del castigo. Al final, son ofrecidas algunas consideraciones relativas al estudio, conteniendo el entendimiento del autor, relativamente a la pesquisa en cuestión. Palavras chave: Apropiación Indebida contra la Previdencia; Contribuciones a la

previdencia; Previdencia Social

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ap.Civ. Apelação Cível

ac. acórdão

Ap.Crim. Apelação Criminal

Ag. Agravo

art., arts. artigo, artigos

cfe. conforme

Dec. Decreto

Des. Desembargador

ed. edição

etc. et cetera (e assim por diante)

j. julgado em

Jur. Jurisprudência

min. ministro

MSc. Mestre, Mestra

n. número

p. página

Prof., Profa. Professor, Professora

rel. relator

REsp. Recurso Especial

rev. revista

RE Recurso Extraordinário

t. tomo

vol., vols. volume, volumes

AI Agravo de Instrumento, Ato Institucional

CAP Caixas de Aposentadorias e Pensões

CP Código Penal

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CTN Código Tributário Nacional

DJU Diário da Justiça da União

DL Decreto-Lei

DOU Diário Oficial da União

EC Emenda Constitucional

ECR Emenda Constitucional de Revisão

HC Habeas Corpus

HD Habeas Data

IBDP Instituto Brasileiro de Direito Público

IAP Institutos de Aposentadorias e Pensões

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

ISSB Instituto dos Seguros Sociais do Brasil

LC Lei Complementar

LOPS Lei Orgânica da Previdência Social

MS Mandado de Segurança

RGPS Regime Geral de Previdência Social

SRF Secretaria da Receita Federal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TRF Tribunal Regional Federal

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Aposentadoria

Benefício que substitui, em caráter permanente, ou pelo menos duradouro, os rendimentos do

segurado e asseguram sua subsistência e daqueles que dele dependem. (CASTRO, LAZZARI,

2005, p.507).

Apropriação Indébita

Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção (Decreto-lei n. 2.848,

de 07.12.1940. Código Penal, art. 168).

Apropriação Indébita Previdenciária

Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo

e forma legal ou convencional, (Decreto-lei n. 2.848. de 07.12.1940. Código Penal, art. 168-

A).

Benefícios Previdenciários

Direito às prestações beneficiárias, instituídas pelo órgão de previdência social, inclusive em

decorrência de acidente de trabalho, na forma de benefícios e serviços destinados aos

segurados e seus dependentes (SILVA, 2005, p. 206).

Contribuições Previdenciárias

Espécie de contribuições sociais com finalidade constitucionalmente definida para o custeio

da Seguridade Social. (MACHADO, 2008, p. 414).

Crime

É todo fato típico e ilícito, que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados

fundamentais para a existência da coletividade e da paz social (CAPEZ, 2003, p. 105 – 106).

Culpabilidade

Significa a mera possibilidade de ser imputável ao agente a autoria de um delito, penal ou

civil, pelo que lhe será sancionada a responsabilidade inscrita na lei respectiva, que foi

transgredida. (SILVA, 2005, p. 403).

Dever fundamental de pagar e recolher tributos

Tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas

liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade

contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou

acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas

pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo

com a competência específica outorgada pela constituição (NOGUEIRA, 2000, p. 320-321).

Exigibilidade de conduta diversa

Consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo

agente (CAPEZ, 2003, p. 303).

Extinção da punibilidade

Ocorre quando o agente espontaneamente declara, confessa e efetua o pagamento de

contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social,

na forma definida em lei, antes do início da ação fiscal (Decreto-lei n. 2.848. de 07.12.1940.

Código Penal, art. 168-A, § 2º).

Previdência Social

Conjunto de instituições públicas com a finalidade de proporcionar aposentadoria, auxílios

diversos, pensões, serviços médico-hospitalares aos trabalhadores e servidores públicos

mediante o pagamento de uma contribuição (BASTOS; MATINS, 1998, p. 193).

Seguridade Social

Compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

(BRASIL. Constituição (1988) 6 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006).

Tributo

É toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir que

não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada (Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 3º).

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................... 8

RESUMEN ................................................................................................................................ 9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................ 10

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS ............................ 12

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17

2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA ..................................................................... 21

2.1 EVOLUÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL ............................................... 21

2.2 CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ....................................................................... 27

2.3 OS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ASSEGURADOS PELO SISTEMA

PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO. ....................................................................................... 28

2.3.1 Benefícios Previdenciários devidos ao Segurado ............................................................ 30

2.3.2 Quanto ao dependente ...................................................................................................... 33

2.3.3 Quanto ao segurado e dependente ................................................................................... 34

3 A REPROVAÇÃO SOCIAL DOS CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. 35

3. 1 O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR E RECOLHER TRIBUTOS ........................ 35

3.2 O CARÁTER SOCIAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS ........................ 38

3.3 O DIREITO PENAL E A GARANTIA DE DIREITOS .................................................... 40

3.3.1 Da concepção do Direito Penal ........................................................................................ 40

3.3.2 Garantias Criminal e Penal .............................................................................................. 41

4 O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA ............................... 44

4.1 RESUMO HISTÓRICO DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA NO

BRASIL. ................................................................................................................................... 44

4.2 ELEMENTOS DO TIPO PENAL DESCRITO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL 49

4.2.1 Objeto jurídico ................................................................................................................. 52

4.2.2 Sujeito Ativo .................................................................................................................... 53

4.2.3 Sujeito passivo ................................................................................................................. 53

4.2.4 momento consumativo e tentativa ................................................................................... 54

4.2.5 Lugar do crime ................................................................................................................. 54

4.3 A NATUREZA DO CRIME ............................................................................................... 55

4.4 A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA EXCLUDENTE DA

CULPABILIDADE .................................................................................................................. 60

4.5 A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ................................................................................ 62

4.5.1 Pagamento como causa extintiva da punibilidade ........................................................... 63

4.5.2 Parcelamentos dos débitos ............................................................................................... 66

4.5.3 Adesão ao REFIS, PAES e PAEX ................................................................................... 68

4.5.4 Perdão Judicial ................................................................................................................. 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 73

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto1 o estudo do tratamento jurídico brasileiro para o

crime de Apropriação Indébita Previdenciária e conhecer possíveis controvérsias na doutrina e

jurisprudência nos casos do não recolhimento das contribuições sociais.

A importância do estudo deste tema reside no vultoso prejuízo aos cofres

previdenciários, com origem na conduta típica, objeto da pesquisa, perpetrada por pessoas,

principalmente jurídicas, ao recolherem normalmente os valores das contribuições

previdenciárias, furtando-se, porém, a efetivar os recolhimentos correspondentes à

Previdência Social, que só podem ser identificados por meio de severo controle e confronto de

dados. Por outra parte, relativamente a este ilícito, aparentemente, se verifica singela

reprovação social se comparada com outros crimes e/ou com o próprio dano resultante desta

prática.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a presente monografia também vem colaborar

para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como novidade no

campo jurídico, na dimensão social-prática, ainda pode ser tratado como elemento novo e

repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador pela importância do

Sistema Previdenciário pátrio, bem como em conhecer alguns dos motivos pelos quais a

Previdência Social vem funcionando mal e não consegue manter sua higidez financeira,

portanto, partindo do pressuposto que uma das causas desse mal seja o crime de apropriação

indébita previdenciária. Ainda, que este ilícito, comparado aos de roubo, furto etc., tem pouca

reprovação social, embora acarrete enormes prejuízos à coletividade. Assim como, para

instigar novas contribuições para estes direitos na compreensão dos fenômenos jurídicos-

políticos, especialmente no âmbito de atuação do Direito Previdenciário.

1 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.

18

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

verificar a possibilidade de configuração do crime de apropriação indébita previdenciária nos

casos em que o obrigado deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas

dos contribuintes, ou deixar de pagar, quando são devidas a segurados, as respectivas cotas

reembolsadas à empresa pela Previdência Social.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e

Sociais, Campus de Tijucas.

Como objetivo específico, pretende-se conhecer o tratamento adotado no Brasil para o

crime de apropriação indébita previdenciária, sua repercussão no âmbito previdenciário e

social e as medidas, preventivas e punitivas, que vêm sendo adotadas para estas condutas pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas

por Jefferson Aparecido Dias, na obra Crime de apropriação indébita previdenciária, João

Batista Lazzari, Carlos Alberto Pereira de Castro, na obra Manual de Direito Previdenciário,

Wladimir Novaes Martinez, Curso de Direito Previdenciário e no artigo 168-A, §1º, I do

Código Penal brasileiro. Este será, pois, o marco teórico que norteará a reflexão a ser

realizada sobre o tema escolhido. Sob sua luz pretende-se investigar os deslocamentos

percebidos pelo objeto central da pesquisa, especialmente na literatura jurídica

contemporânea, colmatando seu significado na atualidade.

Não é o propósito deste trabalho estudar outras categorias de crimes contra a

Previdência Social como os crimes de Sonegação, Falsidade documental, Estelionato e a

questão do prévio exaurimento da via administrativa. Por certo não se estabelecerá um ponto

final em referida discussão. Pretende-se, tão-somente, aclarar o pensamento existente sobre o

tema circunscrevendo-o ao crime de apropriação indébita previdenciária.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foi formulado o seguinte

questionamento:

19

É possível a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária nos casos

em que o obrigado deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos

contribuintes e/ou quando receber do INSS a cota parte do segurado e não repassar a quem de

direito ?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) A Apropriação Indébita Previdenciária constitui ilícito penal histórico, de difícil

prevenção e que aporta severos prejuízos ao sistema previdenciário e à sociedade em geral;

b) O crime de Apropriação Indébita Previdenciária, como positivado no Código Penal

brasileiro, longe de atender o aspecto pedagógico e preventivo que dele se espera, se

apresenta como elemento que não desestimula a prática desta espécie de ilícito;

Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com as seguintes variáveis:

a) Coabitando pacificamente com esta espécie de conduta, o Estado brasileiro

incentivou a sua prática, uma vez que, de fácil constatação, nunca foi combatido com a

eficácia necessária;

b) Diante da repercussão econômica e social, com origem na Apropriação Indébita

Previdenciária, o atual arcabouço jurídico brasileiro se apresenta como eficaz e eficiente a

fazer frente a esta espécie de conduta;

A presente pesquisa foi estruturada em três capítulos, podendo-se, inclusive, delineá-

los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira para apresentar considerações sobre

a Previdência Social Brasileira; em seguida para tratar sobre a Reprovação Social dos crimes

contra a Previdência Social; e, por derradeiro, para analisar o Crime de Apropriação Indébita

Previdenciária no Brasil, escopo deste estudo.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que na fase de investigação será

utilizado o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expressos na presente monografia

20

será composto na base lógica dedutiva2, já que se parte de uma formulação geral do problema,

buscando-se posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja

apontada a prevalência ou não das hipóteses elencadas.

Nas diversas fases da pesquisa, serão acionadas as técnicas do referente, da categoria,

do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica3.

Ressalte-se que a estrutura metodológica e as técnicas aplicadas neste relatório estão

em conformidade com as propostas apresentadas no Caderno de Ensino: formação

continuada. Ano 2, número 4, assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da

Pesquisa Jurídicas: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito.

A presente Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais serão

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre os crimes contra a Previdência Social como sendo uma das

causas que geram dano ao sistema de Seguridade Social e a toda sociedade.

2 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125. 3 Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.

2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA

2.1 EVOLUÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A importância do tema que será tratado na presente monografia não decorre somente

de seu aspecto histórico. Contudo, o método histórico é por vezes utilizado como caminho

para a interpretação e entendimento dos institutos e das normas jurídicas. Note-se, ao

examinar o curso histórico da Previdência Social, que esse caminho possibilita um melhor

conhecimento dos institutos vigentes no presente e igualmente projetar as bases para o

futuro4.

Somente quando surge a noção de justiça social, a partir da luta dos trabalhadores por

melhores condições de vida, é que o Estado começa a assumir a proteção de direitos aceitos

como sociais.

A primeira manifestação normativa, e ainda sobre assistência social, que se tem

notícia no ordenamento jurídico brasileiro, veio imprimida na Constituição Imperial de 1824.

Sua única disposição securitária vinha contida no artigo 179, inciso XXXI, com a seguinte

redação:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. [...] XXXI. A Constituição também garante os socorros públicos.

Percebe-se, desde aquela época, uma preocupação com as liberdades públicas, com a

proteção aos indivíduos contra as eventuais investidas do Estado. No entanto, os direitos

4 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 31 jul. 2007, p. 18.

22

sociais fundamentais restringiam às liberdades públicas, que não exigiam prestações positivas

do Estado.

Inaugura-se, assim, no plano constitucional, a assistência social pública à altura das

necessidades do momento histórico vivido pelo Brasil Império. Segundo Aécio Pereira Júnior:

Há que se reconhecer seu valor histórico, pois se coloca a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a Lei Maior, sem esquecer, porém, que não vinha acompanhada do requisito fundamental: a exigibilidade. Não existiam, neste período, os instrumentos jurídicos para tal exigência do direito5.

Em 26 de março de 1888, o Decreto n° 9.912-A regulou o direito a aposentadoria dos

empregados dos Correios. Fixava em 30 anos de efetivo serviço e idade mínima de 60 anos os

requisitos para a aposentadoria. E a Lei n° 3.397, de 24 de novembro do mesmo ano, criou a

Caixa de Socorros em cada uma das Estradas de Ferro do Império6.

O Fundo de Pensões do Pessoal das Oficinas de Imprensa Nacional, criado pelo

Decreto n° 10.269, de 20 de julho de 1889, e o Decreto n° 221, de 26 de fevereiro de 1890,

instituiram a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil,

benefício depois ampliado a todos os ferroviários do Estado (Decreto n° 565, de 12 de julho

de 1890) e o Decreto n° 942-A, de 31 de outubro de 1890, criou o Montepio Obrigatório dos

Empregados do Ministério da Fazenda7.

A Constituição da República de 1891, promulgada em 24 de fevereiro, inseriu apenas

dois artigos nas suas disposições constitucionais acerca da proteção social, artigos 5º e 75,

sendo a primeira constituição a conter a expressão “aposentadoria”. Segundo Wladimir

Novaes Martinez “A Lei Maior de 1891 é avara em relação à Previdência Social8”. Tais

artigos tinham o seguinte texto:

Art. 5º. Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades

5 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais, 2007, p. 19. 6 BRASIL. Previdência social. <http://www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04.asp>.

Acesso em 22 ago 2007, às 10h57. 7 Brasil. Previdência social. <http://www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04.asp>.

Acesso em 22 ago 2007, às 10h57. 8 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário: tomo I – noções de direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1997, p. 37.

23

de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar. Art. 75. A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação.

Nota-se que o artigo 75 da referida Constituição estabelece pela primeira vez a

proteção social vinculada a uma categoria de trabalhadores, assegurando uma das principais

prestações concedidas pela previdência social até hoje, que é a aposentadoria. Cumpre

ressaltar que a aposentadoria é o benefício por excelência da Previdência Social.

Conforme Aécio Pereira Júnior,

Foi no período de vigência da Constituição Republicana de 1981 que se propalou toda a legislação previdenciária, que veio preparar a evolução dos regimes previdenciários social existentes no Brasil. Antes se legislava de forma esparsa, atendendo, quando possível, a determinados setores predeterminados, prevalecendo aos servidores públicos, que constituíam a grande massa de trabalhadores da época9.

A Lei n° 217, de 29 de novembro de 1892, instituiu a aposentadoria por invalidez e a

pensão por morte dos operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro. A Lei n° 3.724, de

15 de janeiro de 1919, tornou compulsório o seguro contra acidentes do trabalho em certas

atividades10.

Todavia, conforme Moreau, “pode-se considerar como verdadeiro marco inicial da

Seguridade Social no Brasil, a promulgação da Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo n.

4.682), de 24 de janeiro de 192311”.

Para o autor:

Esta lei criou a Caixa de Assistência e Previdência dos Ferroviários, inaugurando todo um modelo de organização da seguridade no âmbito da proteção ao trabalhador. Este modelo, ainda é restrito a um grupo de categorias profissionais organizadas, atingiu um rápido crescimento na década de 20. A partir de 1923, tem-se a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões

9 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais. 2007, p. 20. 10 BRASIL. Previdência social. <http://www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04.asp>. Acesso em 22 ago 2007, às 10h57. 11 MOREAU, Pirre. O financiamento da seguridade social na união européia e no brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 205.

24

(CAP’s), entidades de proteção social que abrangiam diferentes categorias profissionais. Essas caixas eram organizadas por empresa e/ou categorias profissionais12.

O modelo de caixas foi substituído por um modelo mais amplo e que abrangia, já em

âmbito nacional, os trabalhadores por categorias, fase esta que ficou conhecida como a fase

dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s).

O Decreto n° 22.872, de 29 de junho de 1933, criou o Instituto de Aposentadoria e

Pensões dos Marítimos, considerado "a primeira instituição brasileira de previdência social de

âmbito nacional, com base na atividade genérica da empresa13".

No plano constitucional, a Constituição Federal de 16 de julho de 1934 teve como

ponto marcante a consagração do modelo tripartite de financiamento do sistema de

Previdência. Foi a primeira Constituição a utilizar o termo “Previdência”, sem o adjetivo

social.

Garante-se proteção e assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante,

assegurando a esta descanso antes e depois do parto e sem prejuízo do salário e do emprego;

tem-se também a instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do

empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de

acidentes do trabalho.

A Constituição de 10 de novembro de 1937 é sumaríssima em matéria de Direito

Social. Representa um retrocesso comparado com os anteriores. Regra em apenas dois

parágrafos do artigo 137. No primeiro, menciona a instituição de seguros de velhice, de

invalidez, de vida e para os casos de acidente de trabalho; de acordo com o segundo, as

associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus associados auxílio assistencial,

no referente a praticas administrativas ou judiciais relativas aos seguros de acidente do

trabalho e aos seguros sociais. Consagra o emprego, muito em voga na época, da

denominação “seguro social” em vez de Previdência Social, usado até 1945, quando perde o

prestígio.

12 MOREAU, Pirre. O financiamento da seguridade social na união européia e no brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 205. 13 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais. 2007.

25

Sob a égide da Constituição de 1937, foi editado o Decreto-Lei nº 7.526, de maio de

1945, que determinou a criação de um só Instituto de Previdência, denominado de Instituto

dos Seguros Sociais do Brasil (ISSB), que não chegou a ser instalado em virtude de

desinteresse político.

A Carta Política de 18 de setembro de 1946, seguindo movimento mundial

influenciado pelo pós-guerra, foi a primeira constituição brasileira a trazer a expressão

“Previdência Social14”, em substituição do termo “Seguro Social”. No art. 157, inciso XVI,

mencionava:

Art. 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...] XVI. previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte (sic) 15.

Observa-se que, embora a Lei Eloy Chaves tenha disciplinado, em 1923, não há

referência de nenhuma expressão normativa sobre o tempo de serviço.

Em 26 de agosto de 1960 foi editada a Lei n. 3.807, denominada a Lei Orgânica da

Previdência Social (LOPS). Esta lei veio a uniformizar todo o emaranhado de normas

existentes sobre a Previdência Social. Segundo Martinez,

Historicamente dividiu o modelo normativo brasileiro, até então dominado pelas leis particulares das caixas de aposentadoria das diferentes categorias profissionais. Consolidou a legislação, unificou-a, padronizou procedimentos administrativos, não obstante os IAP’s continuarem operando até 31 de dezembro de 1966. Verdadeiro código, com fixação de alguns princípios, normas gerais e especiais, magnífico trabalho de sistematização não superado até 24 de julho de 1991, quando praticamente revogada. Impulsionou o estudo do Direito Previdenciário e propiciou os primeiros comentários sobre a Previdência Social16.

O salário-família foi criado em 1963 pela Lei n. 4.296, neste mesmo ano foi criado o

14 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário: tomo I – noções de direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1997, p. 38. 15 BRASIL.Constituição federal de 1946. 16 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, 1997, p. 41

26

décimo terceiro salário e, no campo previdenciário, pela Lei n. 4.281 de 8 de novembro

de1963, o abono anual, até hoje existente17.

A “unificação administrativa só veio mais tarde, com a criação do Instituto Nacional

de Previdência Social (INPS), pelo Decreto-Lei n. 72, de 21 de novembro de 1966”,18 nessa

vereda, comenta Carlos Alberto Pereira de Castro que: “providência há muito reclamada pelos

estudiosos da matéria, em vista dos problemas de déficit em vários dos institutos classistas19”.

A Carta Magna de 24 de janeiro de 1967 estabeleceu a criação do seguro-desemprego,

que até então não existia, regulamentando com o nome de auxílio-desemprego. A Emenda n.

1, de 17 de outubro de 1969, pouco inovou, tendo como virtude trazer o sistema de seguro de

acidente do trabalho para as promessas do sistema previdenciário público, nos mesmos

moldes de financiamento, pela Lei n. 5.316 de 14 de setembro de 1967.

Os trabalhadores rurais passaram a ser segurados da Previdência Social a partir da

edição da Lei Complementar n. 11/71 (criação do FUNRURAL). Os empregados domésticos

também passaram a ser segurados em função da Lei n. 5.859/72. Como se pode notar, a

Previdência Social passou a abranger dois imensos contingentes de indivíduos que, embora

exercessem atividade laboral, ficaram até então à margem do sistema.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, surge

para instauração do Estado Democrático de Direito, rompendo com o autoritarismo do regime

militar. Estabeleceu o sistema de Seguridade Social como objetivo a ser alcançado pelo

Estado brasileiro, atuando simultaneamente nas áreas da saúde, assistência social e

previdência social, de modo que as contribuições sociais passaram a custear as ações do

Estado nestas três áreas, e não mais somente no campo da Previdência Social.

Em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia que

passou a substituir o INPS e o IAPAS nas funções de arrecadação, bem como nas de

pagamento de benefícios e prestação de serviços, sendo até hoje a entidade responsável tanto

pela arrecadação, fiscalização, cobrança, aplicação e penalidade (multas) e regulamentação da

17 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário. p. 52. 18 BRASIL. Previdência social. <http://www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04.asp>. Acesso em 22 ago 2007, às 10h57. 19 CASTRO; LAZZARI, Manual direito previdenciário, 2005 p. 53.

27

parte de custeio do sistema de seguridade social como pela concessão de benefícios e serviços

aos segurados e seus dependentes.

Registre-se, ainda, que em 1991 foram publicadas as Leis n. 8.212 e 8.213, que tratam,

respectivamente, do custeio da Seguridade Social e dos benefícios e serviços da Previdência,

incluindo os benefícios por acidentes de trabalho, leis que até hoje vigoram, mesmo com as

alterações ocorridas em diversos artigos.

A Emenda Constitucional n. 20, promulgada no dia 15 de dezembro de 1998, segundo

Carlos Alberto Pereira de Castro “modificou substancialmente a Previdência Social no Brasil.

Pretendeu-se modificar a concepção do sistema20”. As aposentadorias passaram a ser

concedidas tendo por base o tempo de contribuição, e não mais o tempo de serviço, tanto no

âmbito do Regime Geral de Previdência Social, quanto e, principalmente, no âmbito dos

Regimes de Servidores Públicos.

2.2 CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Seguridade Social foi estruturada na CRFB/88 com base em três grandes pilares: A

Previdência Social, a Assistência e a Saúde. A Previdência Social, segundo Carlos Alberto

Pereira de Castro é

O sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços21.

Para Celso Ribeiro Bastos, conceitua-se a Previdência Social como sendo o “conjunto

de instituições públicas com a finalidade de proporcionar aposentadoria, auxílios diversos,

pensões, serviços médico-hospitalares aos trabalhadores e servidores públicos mediante o

pagamento de uma contribuição22”.

20 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário, 2005, p. 58. 21 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário, 2005, p. 66. 22 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil. São Paulo:

28

Nessa esteira, José Cretella Júnior define a Previdência Social como sendo uma,

Instituição que, fundada na solidariedade humana, tem por finalidade assegurar a renda do trabalhador quando esta seja diminuída ou eliminada, em virtude de uma contingência social, considerando-se como contingência social a morte, a doença, a velhice, a reclusão, o acidente de trabalho, enfim, qualquer motivo que obste a obtenção da renda, ou então faça com que ela diminua em virtude da menor capacidade de trabalho do trabalhador23.

Como mencionado anteriormente, a Seguridade Social abrange tanto a Previdência

Social como a Assistência Social (prestações pecuniárias ou serviços prestados a pessoas

alijadas de qualquer atividade laborativa), e a Saúde Pública (fornecimento de assistência

médico-hospitalar, tratamento e medicação), estes dois últimos sendo prestações do Estado

devidas independentemente de contribuições que, de acordo com o artigo 194 da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), compreendem um conjunto integrado

de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.

O nosso sistema previdenciário contempla os seguintes regimes: o Regime Geral de

Previdência Social, principal regime previdenciário na ordem interna, o RGPS abrange

obrigatoriamente todos os trabalhadores da iniciativa privada. Os Regimes de Previdências de

Agentes Públicos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios, estes a CRFB/88 concede

tratamento diferenciado. O Regime Previdenciário Complementar e o Regime dos Militares

da União.

Importante ressaltar que foco de nosso estudo é somente a Previdência Social,

principalmente no RGPS. Para melhor compreensão, a seguir analisaremos os benefícios e

serviços assegurados pelo sistema.

2.3 OS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ASSEGURADOS PELO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO.

O Plano de Benefícios da Previdência Social está previsto na Lei n. 8.213 de 24 de

Saraiva, 1998, p. 193. 23.BASTOS; MARTINS, 1998, p. 194, apud CRETELLA JR, 1988, p. 409.

29

julho de 199124. Dispõe sobre a finalidade da Previdência Social. Em seu artigo 1º prevê, in

verbis:

A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles quem dependiam economicamente.

Importante salientar a distinção de beneficiário em um sistema de Seguridade Social e

em um sistema de Previdência Social. Neste, os segurados são apenas os que contribuem,

conforme art. 1º da Lei 8.213/91, “[...] mediante contribuição [...]” e naquele, os beneficiários

são quaisquer cidadãos em situação de necessidade.

Em primeiro lugar, conforme mencionado anteriormente, antes de se abordar os

benefícios em espécie é de ser revelado que a Previdência Social compreende o RGPS, este

sendo o “principal regime previdenciário na ordem interna25”, abrange obrigatoriamente todos

os trabalhadores da iniciativa privada. Também garante a cobertura de todas as situações

expressas no artigo 1º da Lei anteriormente mencionada. Nosso estudo será com enfoque

somente no RGPS.

O RGPS compreende os seguintes serviços e benefícios. Quanto ao segurado:

aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de

contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade e

auxílio-acidente. Quanto ao dependente: pensão por morte, auxílio-reclusão. Quanto ao

segurado e dependente: serviço social e habilitação e reabilitação profissional.

Adiante será trabalhado, sucintamente, sobre cada benefício e serviço da Previdência,

apenas com a finalidade de atingir o objetivo final do presente trabalho, que é, no que tange

ao primeiro capítulo, demonstrar para o leitor a importância dos benefícios para a efetivação

do Estado Democrático de Direito.

24 Lei n. 8.213/91 publicada no Diário Oficial da União de 25 de julho de 1991. 25 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário, 2005, p. 101.

30

2.3.1 Benefícios Previdenciários devidos ao Segurado

A aposentadoria, segundo Carlos Alberto de Pereira de Castro é a “prestação por

excelência da Previdência Social, juntamente com a pensão por morte26”. Ambas substituem,

em caráter permanente (ou pelo menos duradouro), os rendimentos do segurado e asseguram

sua subsistência e daqueles que dele dependem. As aposentadorias classificam-se em

aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e

aposentadoria especial.

Aposentadoria por invalidez, “Benefício substituidor dos salários, de pagamento

continuado, provisório ou definitivo, pouco reeditável, devido a segurado para o seu trabalho

e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade garantidora da subsistência27”.

Semelhantemente conceitua Russomano, “aposentadoria por invalidez é o benefício

decorrente da incapacidade do segurado para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação de

reabilitação para o exercício de atividade capaz de lhe assegurar a subsistência28”.

Aposentadoria por idade, Criada pela Lei Orgânica da Previdência Social, Lei n.

3.807/60, e hoje mantida pela Lei n. 8.213/9129, é devida ao segurado que, cumprida a

carência exigida, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se

mulher. Aos segurados especiais a idade acima é reduzida em cinco anos.

A aposentadoria por idade será devida ao segurado empregado e inclusive ao

empregado doméstico (é devido a todos os segurados). Segundo Martinez “benefício

substituidor dos salários, de pagamento continuado e não reeditável, promovida pela distinção

[...]30”. Mister se faz ressaltar que a aposentadoria por idade tem caráter definitivo, só

cessando com a morte do segurado.

26 CASTRO; LAZZARI, 2005, p. 507. 27 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso direito previdenciário, tomo II: previdência social. São Paulo: LTr, 1998. 28 CASTRO; LAZZARI, 2005, p. 512, apud RUSSOMANO, Mozard Victor. Comentários à consolidação das leis da previdência social, 2 ed., São Paulo, RT, 1981, p. 135. 29 Lei n. 8.213 de 24.07.1991, Publicada no Diário Oficial da União de 25.07.91, art. 48. 30 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, tomo II: previdência social. São Paulo: LTr, 1998, p. 659.

31

Aposentadoria por tempo de serviço, Criada pela Lei Eloy Chaves31 e extinta pela

Emenda Constitucional n. 20/98, segundo Marcus Orione Gonçalves Correia “a aposentadoria

por tempo de serviço passou a ter seu interesse mitigado, já que foi substituída, [...] pela

aposentadoria por tempo de contribuição32”.

Era devida, de forma proporcional, ao segurado que completasse 25 (vinte e cinco)

anos de serviço, se mulher, ou 30 (trinta) anos, se homem, desde que cumprido o período de

carência exigido. Para a aposentadoria por tempo de serviço com proventos integrais

necessitava comprovar 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos, se

mulher.

É de bom alvitre mencionar que a Emenda Constitucional n. 20/98 assegurou a

concessão da aposentadoria por tempo de serviço, a qualquer tempo, aos segurados do RGPS

que, até a data da publicação da Emenda33.

Aposentadoria por tempo de contribuição, este instituto adveio com a Reforma

Previdenciária, efetivada pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998

(DOU 16/12/1998), emergindo uma nova modalidade de aposentadoria no direito brasileiro.

O tempo de serviço deixou de ser considerado para a concessão da aposentadoria, passando a

valer o tempo de contribuição efetiva para o regime previdenciário.

Note-se, que a reforma veio para diminuir o risco no sistema. Nessa vereda anota

Correia

Se partirmos da lógica da existência de um risco futuro que merece ser acobertado por essa aposentadoria, a questão a se resolver será bastante complexa, na medida em que não se considera, pelo menos em princípio, um risco concreto do segurado para a obtenção do benefício [...], o risco é muito mais do sistema, que, se não for custeado, irá à falência, do que do segurado34.

Oportuno se torna dizer que a mudança no sistema da Previdência Social ocorreu tanto

31 Decreto n. 4.682 de 24.01.1923, Publicado no Diário Oficial da União de 28.01.23. 32 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 259. 33 Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, Publicada no Diário Oficial da União de 16.12.1998. 34 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 271.

32

no Regime Geral de Previdência Social e, principalmente, no Regime dos Servidores

Públicos.

Aposentadoria especial é uma espécie do gênero aposentadoria por tempo de serviço.

No entendimento de Martinez “é direito subjetivo excepcional de quem preenche os requisitos

legais [...]. Bastando a exposição ao risco, distancia-se da aposentadoria por invalidez35” Na

verdade, a sua ocorrência depende da comprovação da exposição do trabalhador a riscos que

causam prejuízo a sua saúde e a sua integridade física, por 15, 20 ou 25 anos, dependendo da

categoria.

Tem caráter definitivo, imprescritível, benefício substituidor dos salários, alimentar

em algumas circunstâncias, não reeditável, de pagamento continuado, veda o retorno em

atividade especial.

Auxílio-doença, conforme art. 59 da Lei n. 8.213/91, o auxílio-doença será devido a

segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido, ficar

incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias.

Contudo não será concedido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime

Geral de Previdência Social, quando portador de doença ou lesão, salvo quando a

incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

Salário-família, instituído pela Lei n 4.266/6336 consiste em um valor fixo pago aos

segurados empregados de baixa renda, exceto o doméstico, e avulsos, mensalmente, na

proporção do número de filhos ou equiparados.

O benefício é concedido por cotas, de modo que o segurado perceba tantas cotas

quantas sejam os filhos, enteados ou tutelados, com idade até 14 anos incompletos, ou

inválidos, com qualquer idade.

Salário-maternidade, Segundo o art. 71 da Lei n. 8.213, de 1991, com redação dada

35 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, tomo II: previdência social. São Paulo: LTr, 1998, p. 664. 36 Lei n. 4.266 de 03.10.1963, publicada no Diário Oficial da União de 08.10.1963.

33

pela Lei n. 9.87637, de 1999: O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante cento e vinte dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade, sendo pago diretamente pela Previdência Social.

Em 15 de abril de 2002, com o advento da Lei n. 10.42138 estendeu o benefício às

mulheres que adotassem ou obtivessem guarda judicial.

Auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após

consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que

impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, cfe o art. 86 da

Lei n. 8213, de 1991.

Importante ressaltar que corresponderá a 50% (cinqüenta por cento) do salário-de-

benefício, sendo devido até o advento de aposentadoria de qualquer natureza ou morte do

segurado.

2.3.2 Quanto ao dependente

Pensão por morte, Benefício de beneficiário, não necessariamente filiado ou

contribuinte, vale dizer, de dependente do titular da filiação, o segurado(a). Surgiu

praticamente ao tempo da criação da proteção social. Admite presunção absoluta, de

dependência econômica, em favor de certas pessoas sem respaldo na realidade histórica,

econômica, sociológica e social39.

A pensão é devida aos dependentes dos segurados indicados no art. 16 da Lei n. 8.213,

de 1991, na seguinte ordem: (1) ao cônjuge, à companheira e ao filho não emancipado, de

qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido; (2) aos pais; (3) ao irmão não

emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido. A ordem, para a

37 Lei n. 9.876 de 26.11.1999, publicada no Diário Oficial da União de 29.11.1999. 38 Lei n. 10.421 de 15.04.2002, publicada no Diário Oficial da União de 16.04.2002. 39 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, tomo II: previdência social. São Paulo: LTr, 1998, p.699.

34

percepção da pensão e preferencial por classe.

Auxílio-reclusão está previsto no art. 80 da Lei 8.213/91, é devido, nas mesmas

condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à

prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença ou

aposentadoria.

2.3.3 Quanto ao segurado e dependente

Os Serviços são “prestações previdenciárias de natureza imaterial postas à disposição

dos segurados e dos dependentes do RGPS40”

O Serviço social está Previsto no art. 88 da Lei n. 8.213/91, que tem por objetivo:

[...] esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade41.

Oportuno ressaltar o entendimento de Castro “O Serviço Social conscientiza o

beneficiário para participar do fortalecimento da política previdenciária [...]42”.

Habilitação e reabilitação profissional: São serviços que devem proporcionar ao

beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho e as portadoras de deficiência,

os meios para a (re) educação e (re) adaptação profissional e social indicados pra participar do

mercado de trabalho e contexto em que vivem, art. 89 da Lei 8.213/91.

Para melhor compreensão do tema, entende-se necessário conhecer sobre a reprovação

social do crime de apropriação indébita previdenciária, com intuito de melhor atingir nosso

objetivo final.

40 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário. 6. ed. rev. São Paulo: LTr, 2005, p. 600. 41 Lei n. 8.213 de 24.07.1991, Publicada no Diário Oficial da União de 25.07.91, art. 88. 42 CASTRO; LAZZARI, 2005, p. 600.

3 A REPROVAÇÃO SOCIAL DOS CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA

SOCIAL

3. 1 O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR E RECOLHER TRIBUTOS

O conceito de tributo, disciplinado pelo artigo 3º, do Código Tributário Nacional

(CTN), dispõe que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor

nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Percebe-se que a própria lei encarregou-se de conceituar tributo, embora sabe-se que a

função da lei não é conceituar. A lei deve conter uma regra de comportamento, entretanto, em

face de controvérsias, às vezes deve a lei estabelecer conceitos.

Ives Gandra Martins afirma que:

Tributo é norma de rejeição social. Assim deve ser estudado pela economia, pelas finanças públicas e pelo direito, ofertando os especialistas dessas áreas o modelo ideal para o político, a fim de que a norma indesejável tenha a carga de rejeição reduzida à menor expressão possível43.

Entende Ives Gandra Martins que Tributo é norma de rejeição social porque “todos os

contribuintes sabem que pagam mais do que deveriam pagar para atender às necessidades

maiores do Estado e às necessidades menores dos detentores do Poder44”.

Diversamente disso, para Roberto Wagner Lima Nogueira “Afirmar que tributo é uma

norma de rejeição social é observar apenas uma parte do fenômeno tributário, o que revela

uma visão fragmentada do estudo tributário, é vê-lo tão-somente sob a ótica da sociologia

43 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 15. 44 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 12.

36

tributária45”.

Nessa esteira, diz Ricardo Lobo Torres:

Tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela constituição46.

Importante ressaltar, neste momento, o entendimento de Ives Gandra Martins, onde

afirma que:

Os gastos supérfluos do Poder Público, na linha de funcionários desnecessários e das mordomias institucionalizadas, na administração direta e indireta não-lucrativa, trazem outra área de atrito, pois o contribuinte sente que o peso excessivo da receita aumentada para o inútil e supérfluo é coberto pela carga tributária acrescida. E, nos momentos mais agudos de crise econômica, a contestação é maior pela necessidade de contenção e sacrifício exigidos pelos Governos, que nunca têm a coragem de atingir a própria máquina administrativa47.

Em outras palavras, no pensamento de Ives Gandra Martins:

Muitas vezes a eleição de política tributária para o desenvolvimento traz, em seu bojo, injustiças detectadas, com privilégios a certos contribuintes em detrimento de outros [...]. Outras vezes, setores menos essenciais são beneficiados em detrimento de outros essenciais, como, por exemplo, a tributação de Imposto de Renda em relação aos rendimentos de trabalho e aos ganhos de capital, distorção a justificar a perspectiva do contribuinte de rendimentos do trabalho de que paga demais, por erro do enfoque público48.

Note-se que o Poder Público para manter suas mordomias busca a falta de recursos no

patrimônio do particular, nesse sentido impossível não concordar com Ives Gandra Martins

quando afirma que tributo é norma de rejeição social.

45 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O dever fundamental de pagar o justo tributo. Jus navegandi, Teresina, ano 8, n. 129, 12 nov 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 18 set. 2007. 46 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O dever fundamental de pagar o justo tributo., 2000, p. 320-321. 47 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 10. 48 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 10.

37

Este estudo está restrito somente as contribuições de Seguridade Social, dentre as

quais as destinadas à Previdência Social, que constituem uma subespécie de contribuição

social, também conhecida como paraestatais. Após a CRFB/88 adquiriram grande importância

em sua formulação e diferenças no poder de tributar.

O art. 149 da CRFB/88 descreve: “compete à união instituir contribuições sociais, de

intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas,

como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas [...]”.

O art. 195 da CRFB/88, ao trazer normas especiais aplicáveis às contribuições de

Seguridade Social, destaca a obrigação de todos em face da dimensão, relevância e prioridade

da ação do Poder Público.

O financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade revela o seu caráter

solidário. Portanto todos são solidariamente responsáveis no sentido de que a todos cabe a

manutenção do sistema da Seguridade Social.

Ressalta-se, a respeito dos deveres, o pensamento de Cícero “negócios públicos ou

privados, civis ou domésticos, ações particulares ou transações, nada em nossa vida esquiva-

se ao dever: observá-lo é virtuoso, negligenciá-lo, desonra49”.

Hans Kelsen, em relação ao conceito de dever, intimamente relacionado com o

conceito de delito assevera:

O conceito de dever é, em sua origem, “um conceito específico da moral e denota a norma moral em sua relação com o indivíduo a quem certa conduta é prescrita ou proibida pela norma [...]. Um indivíduo tem o dever (moral) ou está obrigado (moralmente) de observar tal e tal conduta [...]50”.

Nessa esteira, observa-se que além do dever legal a partir do qual todos são obrigados a

contribuir para o sistema previdenciário, há o dever moral, conforme pode se extrair do conceito de

Hans Kelsen.

Por conseguinte, Cícero nos ensina que se deve analisar na primeira fonte de nossos

49 CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres. Editora Martin Claret, 2002, p.32. 50 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 83.

38

deveres “a mais fértil e ampla é a que leva a manter a sociedade, solidificando a união entre os

homens51”.

Portanto a Seguridade Social, onde se inclui o sistema de Previdência Social, é dever

de toda sociedade manter, tendo como princípio a solidariedade que fundamenta o Estado

brasileiro e importa na responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade civil pela

manutenção financeira daquela.

Importante ressaltar que a relação de recolhimento dos tributos, neste caso, as

contribuições previdenciárias, é uma relação jurídica, portanto seu cumprimento é um dever

jurídico, surgindo a responsabilidade para o devedor, que se não cumpre o dever fica sujeito à

sanção respectiva.

3.2 O CARÁTER SOCIAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Poder-se-ia sustentar que caberia ao trabalhador se proteger de infortúnios, seja pela

assistência de seus familiares e amigos, seja por meio da realização de poupança, prevenindo-

se contra um futuro no qual não possa mais ser considerado como economicamente ativo.

Ocorre, todavia, que a dependência da caridade alheia importa considerar-se como

certo o fato de que sempre há alguém capaz de dar assistência ao inválido, quando tal noção

não pode ser tida como minimamente razoável, mesmo propõe se transferir ao trabalhador a

responsabilidade por sua subsistência futura, quando venha a deixar de ser capaz para o

trabalho, esbarra em situações como a daquele que, ainda no início de sua idade produtiva,

venha a sofrer um acidente, tornando-se doravante incapaz para o trabalho. Logo, por mais

precavido que possa ser o indivíduo, estará ele sempre sujeito à hipótese de múltiplos

infortúnios durante toda a sua vida profissional, e não somente com o advento de sua

velhice52.

51 CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres, p.37. 52 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual direito previdenciário. 6. ed. rev. São Paulo: LTr, 2005, p. 41.

39

Impende observar que a solidariedade social é princípio da Previdência Social, pois

cabe à sociedade assegurar seu sustento, com o intuito de colaborar para a cobertura dos

riscos provenientes da perda ou redução da capacidade laborativa ou dos meios de

subsistência.

Interessante se faz ressaltar os princípios específicos de financiamento previdenciário,

quais sejam: princípio da solidariedade contributiva; princípio da diversidade da base de

financiamento e por derradeiro, princípio da comutatividade. Relativo a estes, se oferecem, a

seguir, algumas ponderações para melhor embasamento e compreensão do tema, por parte do

leitor.

O princípio da solidariedade contributiva no financiamento da Seguridade Social, onde

se inclui o sistema de Previdência Social, “deflui naturalmente do princípio da solidariedade

que fundamenta o estado brasileiro [...], e importa na responsabilidade compartilhada entre

Estado e sociedade civil pela manutenção financeira daquela53”.

Por ser uma relação estatutária, é compulsória àqueles que a lei impõe, não sendo

facultado ao contribuinte optar por não cumprir a obrigação de prestar a sua contribuição

social.

A Previdência Social, no dizer de Cunha:

Somente atenderá ao princípio superior da solidariedade se observada a modalidade da repartição, pela qual todos contribuem para um fundo comum [...], a responsabilidade por essa questão que não pode ser encarada como pessoal, mas sim como social, e no universo de contribuintes estarão os destinatários e os não-destinatários dos planos de benefícios. O Estado e a sociedade civil como um todo, mas especialmente os trabalhadores e as empresas, serão os contribuintes, sendo, ademais, forma inteligente de redistribuição de riquezas, porque aqueles que usam a força vital do homem para a geração de riquezas devolvem parte desse produto aos mesmos trabalhadores ou aos seus dependentes na sua inatividade ou falecimento54.

Como se observa, infere-se do princípio que, toda a sociedade e o Estado são

53 THEISEN, Ana Maria Wickert. et al Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 33. 54 THEISEN, Ana Maria Wickert. et al Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais, p. 33.

40

responsáveis pela manutenção da Seguridade Social, em específico, a Previdência Social.

O princípio da diversidade da base de financiamento, “não se concentrará em uma só

fonte de tributos55”, conforme ensina Luiz Cláudio Flores Cunha.

Assim, a Previdência Social é financiada nos termos da CRFB/88, pelos

empregadores, o faturamento e o lucro e os trabalhadores e pelas receitas oriundas da União,

Estados, Distrito Federal e Municípios.

Assegura-se, pelo princípio da comutatividade a contagem recíproca do tempo de

contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que

os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios

estabelecidos em Lei56.

3.3 O DIREITO PENAL E A GARANTIA DE DIREITOS

3.3.1 Da concepção do Direito Penal

O Direito Penal tem a função primordial de proteger os valores fundamentais para a

convivência em sociedade. Só se pode intimidar o homem, com algum proveito, com a

ameaça de pena, de dor ou de sofrimento, para que deixe de praticar fatos indesejáveis,

nocivos ao seu semelhante. Segundo Fernando Capez o Direito Penal é:

O segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocarem em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções penais, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais à sua correta e justa aplicação57.

55 THEISEN, Ana Maria Wickert. et al Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais, p. 33 56 LEI N. 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e da

outras providências. 57 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal: parte geral: vol. 1, 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.

41

A ciência penal, no entendimento de Fernando Capez,

[...] tem por escopo explicar a razão, a essência e o alcance das normas jurídicas [...]. Mais ainda, busca a justiça igualitária como meta maior, adequando os dispositivos legais aos princípios constitucionais sensíveis que os regem, não a permitindo a descrição como infrações penais de condutas inofensivas ou de manifestações livres a que todos têm direito [...]58.

Em linhas gerais, define Magalhães Noronha, resumidamente, “direito penal é o

conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos

de natureza criminal e as medidas a quem os pratica59”.

Como se observa, o Direito penal busca explicar a razão, a essência e o alcance das

normas, antes de tudo, busca a justiça igualitária como meta maior, significa dizer que todos

estão submetidos a elas, ninguém está imune quando cometer algum ilícito penal.

3.3.2 Garantias Criminal e Penal

Segundo a CRFB/88, art. 5º, XXXIX: não há crime sem lei anterior que o defina, nem

pena sem prévia cominação legal.

O princípio da legalidade, próprio do Estado Democrático de Direito, impede, segundo

Luiz Regis Prado:

[...] a delegação por parte do poder legiferante de matéria de sua exclusiva competência, lastreado no princípio da divisão de poderes. Assim, só ele pode legislar sobre determinado assunto, tal como definir a infração penal e cominar-lhe a respectiva conseqüência jurídica60.

Ainda, Luiz Regis Prado, assevera que

O fundamento de garantia da reserva da lei, como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a atividade de produção normativa

58 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal: parte geral, p. 1 59 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 4 60 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.76.

42

penal, por força da particular relevância dos bens em jogo. [...] A importância e o fundamento da lei na área penal emergem de modo claro quando se acentua o significado de máxima garantia que representa o indivíduo: tutela necessária em face da incidência da sanção penal sobre o bem jurídico essencial a liberdade pessoal61.

“O princípio da legalidade é complementado pela garantia jurisdicional e penitenciária

ou de execução62”, conforme Luiz Regis Prado.

Pela garantia jurisdicional “ninguém será privado da liberdade nem sentenciado senão

pela autoridade competente63”. Posta assim a questão, é de se dizer que “ninguém será

considerado culpado até o trânsito da sentença penal condenatória64”.

Como vimos, a importância do princípio da legalidade emerge de modo claro na

garantia que representa o indivíduo em face da sanção penal sobre o bem jurídico essencial a

liberdade pessoal.

A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do

corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade, bem como a Seguridade

Social, ou seja, o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da

sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência

social. Tutela-se, também, a ordem tributária, pois as contribuições sociais65.

Pelo pesquisado até aqui e, antes de abordar o tema objeto deste estudo, o que se faz a

continuação, sublinham-se, com base nos diferentes posicionamentos dos autores citados,

alguns aspectos que, aparentemente, contribuem sobremaneira para a banalização desta

espécie de conduta ilícita.

Em nosso sentir um dos aspectos que contribuem para a banalização crimes

previdenciários, como já mencionado anteriormente, é que os tributos são “normas de rejeição

social66”e isso pode-se perceber facilmente, basta ouvir as pessoas que nos rodeiam para

61 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, p.76. 62 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, p.76. 63 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, LIII. 64 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, LVII. 65 THEISEN, Ana Maria Wickert et al. Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998, p. 286. 66 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5

43

concluir. Nesse sentido, ninguém paga tributo por livre e espontânea vontade e sim por causa

da relação jurídica entre o Estado e o contribuinte.

Os crimes previdenciários são de baixa reprovação social, para reforçar nosso

pensamento, utilizamos o exemplo que o autor Jefferson Aparecido Dias nos apresenta,

vejamos:

Imaginemos dois casos: no primeiro, uma pessoa desempregada e viciada em drogas abre a porta de um carro (que não estava trancada) e subtrai o rádio do veículo, que pretende vender para sustentar o seu vício; no segundo caso, um grande empresário, durante anos, deixa de recolher à Previdência Social os valores das contribuições sociais que descontou de seus empregados. A partir desses dois exemplos, pergunta-se: Qual das duas condutas sofrerá maior reprovação social? Quem será considerado um “criminoso? Não é difícil concluir que, para a maioria das pessoas, apenas o autor do furto do rádio será considerado um criminoso e, nessa condição, merecedor da represália estatal por meio da aplicação do direito penal. Claro que alguns desaprovarão a conduta do empresário, mas bastará ele alegar que sua conduta foi provocada pela excessiva carga tributária brasileira e que o pagamento correto dos tributos levaria ao fechamento de sua empresa que restarão poucos a não concordarem com a sua postura. Esses exemplos, apesar de singelos, demonstram como não existe uma reprovação social à pratica dos crimes tributários e previdenciários que, para muitos, é uma reação legítima do indivíduo contra o Estado brasileiro que, nos últimos anos, tem se especializado em majorar os tributos67.

Portanto, deve-se estar atento aos acontecimentos e conduzir nossos ideais para uma

sociedade justa, em virtude dessas considerações, não podemos deixar a impunidade imperar,

pois esta conforme Pedro Demo, “caracteriza-se pela capacidade de produzir a fraude sem ser

molestado pela vítima, porque a esta se nega o direito de reagir. É, certamente, a situação

mais drástica de prepotência política, porque é concebida e exercida de modo ilimitado68.

de outubro de 1988, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 15. 67 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 20-21. 68 DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991, p. 28-29.

4 O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

4.1 RESUMO HISTÓRICO DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA NO

BRASIL.

Para melhor entendimento de qualquer ramo do direito e seus institutos na atualidade,

é extremamente importante que se conheça sua origem e desenvolvimento69, a seguir

falaremos, resumidamente, do histórico da apropriação indébita previdenciária no Brasil.

As primeiras leis que definiam os crimes de apropriação indébita previdenciária se

utilizavam de uma técnica legislativa consistente em equiparar as condutas delituosas ao

delito de apropriação indébita descrito na lei penal70.

O Decreto-Lei n. 65, de 14 de dezembro de 1937, no seu art. 5º foi o primeiro

instrumento legislativo criado para punir condutas lesivas à Previdência. Tratava sobre as

contribuições devidas aos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, fazendo referência

à Consolidação das Leis Penais, e prescrevia em seu art. 5º:

Art. 5º. O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não as recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, n. 2, da Consolidação das Leis Penais sem prejuízo das demais sanções estabelecidas neste decreto-lei.

Segundo Andreas Eisele:

Foi o primeiro diploma a equiparar, quanto aos efeitos penais, na hipótese, apenas indicando, por remissão, a pena a ser aplica, como a mesma, a omissão de recolhimento de contribuição arrecadada de terceiro, ao crime de apropriação indébita71.

69 FONTES, Luciano da silva. Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?. Jus Navegandi, Teresina, ano 8, n. 271, 4 abr. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 20 mar 2008. 70 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 38. 71 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 112.

45

Posteriormente a Lei n 3.807, de 26 de agosto de 1960, que dispôs sobre a Lei

Orgânica da Previdência Social, e em seu art. 86, caput estabeleceu que:

Art. 86. Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições de previdência e arrecadadas dos segurados ou do público.

Desta forma, “substituiu o art. 5º do Decreto-Lei n. 65 de 1937 no que tange aos atos

ocorridos a partir de sua vigência, prática essa reiterada, posteriormente, por diversos

diplomas legais72”.

Além disso, em seu art. 155 dispôs que:

Art. 155. Constituem crimes: [...] II – de apropriação indébita, definido no art. 168, do Código Penal, além dos atos previstos no art. 86 a falta de pagamento do salário-família aos empregados quando as respectivas quotas tiverem sito reembolsadas à empresa pela previdência social.

O Decreto n. 48.959-A, de 19 de setembro de 1960, que aprovou o Regulamento Geral

da Previdência Social, dispôs em seu art. 483, que:

Art. 483. Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições de previdência social, arrecadadas dos segurados ou do público.

O Decreto n. 60.501, de 14 de março de 1967, em seu art. 347 reproduz o conteúdo da

Lei n. 3.087 de 1960, ao estabelecer que:

Art. 347. Constituem crimes, nos termos dos arts. 86 e 155 da Lei Orgânica da Previdência Social, o último na redação dada pelo art. 25 do Decreto-Lei n. 66, de 21 de novembro de 1966; [...] II – de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal: a) deixar de recolher na época própria as contribuições e outras quaisquer importâncias arrecadadas dos segurados ou do público e devidas à previdência social; b) deixar de pagar o salário-família aos empregados, quando as respectivas

72 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 113.

46

cotas tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social.

Na evolução, o Decreto n. 77.077, de 24 de janeiro de 1976, que expediu a

Consolidação das Leis da Previdência Social, prescreveu:

Art. 149. A falta de recolhimento, na época própria de contribuição ou outra importância devida ao INPS e arrecadada dos segurados ou do público será punida com as penas do crime de apropriação indébita.

Além disso, em seu art. 224, de forma análoga ao anteriormente disposto pelo art. 155

da Lei n. 3.087 de 1960, estabeleceu que constitui crime:

[...] II – de apropriação indébita, como definido no Código Penal, além do previsto no art. 149 desta Consolidação, a falta de pagamento do salário-família aos empregados quando as respectivas cotas tiverem sido reembolsadas à empresa pelo INPS.

Em seguida, o Decreto n. 83.081, de 24 de janeiro de 1979, que aprovou o

Regulamento do Custeio da Previdência Social estabeleceu que:

Art. 167. Constitui crime: [...] II – de apropriação indébita, nos termos da legislação penal: a) Deixar de recolher na época própria contribuição ou outra quantia arrecadada de segurado ou do público e devida à previdência social;

Depois, o Decreto n. 89.312, de 23 de janeiro de 1984 expediu nova Consolidação das

Leis da Previdência Social, equiparando a seguinte conduta ao delito de apropriação indébita:

Art. 146. A falta de recolhimento, na época própria, de contribuição ou outra importância devida à Previdência Social e arrecadada dos segurados ou do público é punida com a pena do crime de apropriação indébita.

No art. 222, reproduziu o conteúdo do art. 224 do Decreto n. 77.077 de 1976, nos

seguintes termos:

Constitui crime:

[...] II – de apropriação indébita, além do previsto nos artigos 146 e 217, § 2º, a

47

falta de pagamento do salário-família ao empregado quando as respectivas cotas foram reembolsadas à empresa.

Em 27 de dezembro de 1990, foi publicada a Lei n. 8.137 que disciplinou de forma

abrangente os crimes de sonegação fiscal, dispôs, em seu art. 2º, inciso II, acerca da omissão

em recolher as contribuições sociais, entre elas as contribuições previdenciárias, descontadas

ou cobradas. Pela primeira vez, para definição do delito previdenciário a Lei deixou de fazer

equiparação à conduta descrita na lei penal:

Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:

[...] II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

Na definição do delito previdenciário, a Lei n. 8.137 de 1990 perdurou por pouco

tempo, pois em 24 de julho de 1991, entrou em vigor a Lei n. 8.212, que definiu o Plano de

Custeio da Seguridade Social e tipificou, em ser art. 95, alínea “d”, o seguinte:

Art. 95. Constitui crime:

[...] d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público; [...] § 1º. No caso dos crimes caracterizados nas alíneas “d”, “e” e “f” deste artigo, a pena será aquela estabelecida no art. 5º da Lei n. 7.492, de 10 de junho de 1986, aplicando-se à espécie as disposições constantes dos arts. 26, 27, 30, 31 e 33 do citado diploma legal.

Por remissão do transcrito art. 95, § 1º, da Lei n. 8.212 de 1991, a pena do crime ficou

estabelecida no art. 5º da Lei n. 7.492 de 1986, assim disposto:

Art. 5º [...] Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Depois o Decreto n. 356, de 7 de dezembro de 1991, que regulamenta a organização e

o custeio da seguridade social, em seu art. 104 reproduz o conteúdo da Lei n. 8.212 de 1991

48

da seguinte forma:

Constitui crime, punível nos termos da legislação penal:

[...] d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público; e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos; f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido reembolsadas à empresa.

Porém, a previsão contida no Decreto n. 356 de 1991, Segundo Eisele “é ineficaz à

finalidade, pois, em sede criminal, vige o princípio da estrita reserva legal (art. 5º, XXXIX, da

CRFB/88) no que tange à definição de tipos penais73”

A Lei Complementar n. 70, de 30 de dezembro de 1991, em seu art. 14 revogou

expressamente o art. 2º do Decreto-Lei n. 326 de 1967, omitindo-se em relação aos demais

diplomas legais que possuem o mesmo conteúdo.

Por fim, a Lei 9.983, de 14 de julho de 2000 (publicada com vacatio legis74 de 90

dias), revogou expressamente o art. 95, alínea “d”, da Lei n. 8.212 de 1991 e incluiu o art.

168-A ao Código Penal Brasileiro, tipificando o referido delito e denominando-o apropriação

indébita previdenciária.

Quatro são as formas típicas de realização do crime de apropriação indébita

previdenciária. Atualmente, é este o diploma legal vigente nessa matéria, que dispõe o

seguinte:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

73 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 115. 74 [...] período que decorre entre o dia em que uma lei é publicada e a data em que ela entra em vigor [...]. (DE

PLÁCIDO E SILVA, 2005, p. 1455).

49

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem deixar de: I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

Observa-se a técnica legislativa, que parecia superada, consistente em equiparar o

crime previdenciário ao de apropriação indébita, voltou com o advento da Lei n. 9.983 de

2000. No entanto veio com roupagem nova, ganhando o dispositivo autônomo, mas que não

escapou à crítica da doutrina, que no decorrer do trabalho serão apontados as controvérsias.

4.2 ELEMENTOS DO TIPO PENAL DESCRITO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL

Para melhor compreensão do objeto deste estudo, é importante também que se faça

uma breve referência sobre o que vem a ser o crime de Apropriação Indébita, no ordenamento

jurídico.

A análise do elemento constitutivo do tipo penal em questão é essencial para

estabelecer as diferenças entre outros institutos e evitar as generalizações.

A Apropriação indébita tem origens remotas, segundo Andreas Eisele, no “instituto da

quebra de confiança, também denominado violação fiduciária ou, na expressão tradicional,

abuso de confiança, elaborado pelo Direito Francês e previsto originariamente no Código de

179175”

Porém, o ordenamento jurídico nacional, na lição de Andreas Eisele:

não adotou a fórmula francesa, preferindo ressaltar os elementos objetivos da relação aos subjetivos, de modo que, embora a conduta possa conter

75 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 70.

50

implicitamente a transgressão da fé depositada no sujeito ativo pela vítima, o tipo faz alusão a tal aspecto pessoal76.

Nesses termos o Código Penal Brasileiro disciplinou a matéria, situando-a no Capítulo

V do seu Título II, que trata dos crimes contra o patrimônio.

O crime de apropriação indébita previdenciária, insculpida no art. 168-A, configurar-

se-á quando o obrigado deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas

dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, a quem é seu legítimo destinatário.

O art. 168-A do Código Penal, que trata da apropriação indébita previdenciária, está

logo abaixo do art. 168, que dispõe do crime de apropriação indébita, embora esteja logo

após, em outro dispositivo, não o transforma, segundo Paulo José da Costa Júnior, “em uma

nova modalidade do crime de apropriação indébita, que exige o animus rem sibi habendi77,

para sua configuração78”.

Enquanto o art. 168 requer para sua realização que o agente tenha a posse ou detenção

da coisa móvel, no art. 168-A o empresário não recebe do trabalhador a contribuição social

que se destina à previdência, já que a desconta ao efetuar o pagamento do salário.

O caput do art. 168-A do Código Penal, no qual a ação nuclear é a conduta de deixar

de repassar, deixar de recolher, deixar de transferir, não encaminhar à Previdência Social

(INSS – autarquia federal) as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma

legal ou convencional.

Pode-se denotar pela simples leitura dos elementos objetivos do tipo descrito, que

tipifica o crime de apropriação indébita previdenciária, a conduta abstratamente prevista

(“deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à

previdência social que tenha sido descontada...”) não se encontra nele cabalmente

individualizada, mas sim em outros atos normativos.

76 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário, p. 71. 77 Intenção de ter a coisa para si, (CUNHA, 2003, p 18). 78 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 281.

51

Portanto, para Jefferson Aparecido Dias, trata-se de “lei penal em branco79”. Para

Fernando Capez, “trata-se de crime omissivo puro80”.

A norma previu as várias modalidades omissivas em que poderá incorrer o empresário.

Contudo, para Costa Júnior,

são inaceitáveis as inovações que o legislador pátrio vem fazendo, atentando contra princípios basilares e consagrados do direito penal. Neste art. 168-A, ao dar ao delito o nomem juris81 de apropriação indébita previdenciária, o legislador evidenciou ignorar o que seja apropriação indébita, onde o agente, que tem a posse do bem, dele se apropria, mutato animo, transformando-se de mero detentor em dominus82.

O tipo penal em comento tem como ação nuclear a conduta de “deixar de recolher”.

Entretanto, trata-se de uma conduta omissiva, cujo significado deve ser interpretado à luz das

disposições da Lei n. 8.212/91.

Com efeito, o art. 30 da mencionada Lei estabelece os casos em que o responsável

tributário possui o dever de “arrecadar” as contribuições sociais dos contribuintes e de

“recolhê-las” à Previdência Social.

Confira-se:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas, observando o disposto em regulamento: I – a empresa é obrigada a: a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração: b) recolher o produto arrecadado na forma da alínea anterior, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos a seu serviço, na mesma data prevista pela legislação trabalhista

79 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 44. 80 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 474 – 475. 81 Denominação legal (DE PLÁCIDO E SILVA, 2005, p. 957).

82 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 281.

52

para o pagamento de salários e de contribuições incidentes sobre a folha de salários: [...] V – o empregador doméstico está obrigado a arrecadar a contribuição do segurado empregado doméstico a seu serviço e a recolhê-la, assim como a parcela a seu cargo, no prazo referido na alínea ‘b’ do inciso I deste artigo; VI – o proprietário, o incorporador definido na Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, o dono da obra ou o condomínio da unidade imobiliária, qualquer que seja a forma de contratação da construção reforma ou acréscimo, são solidários com o construtor pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social, ressalvada o seu direito regressivo contra o executor ou contratante da obra e admitida a retenção da importância a este devida para garantia do cumprimento dessas obrigações;

Sendo assim, a conduta criminosa, segundo Jefferson Aparecido Dias:

Consiste na omissão do responsável tributário que, tendo arrecadado as contribuições sociais dos contribuintes, não as recolhe as cofres da Previdência Social, ocorrendo grande discussão na doutrina e na jurisprudência sobre qual a natureza do crime e qual o momento de suas consumação83.

4.2.1 Objeto jurídico

O bem jurídico protegido no delito em estudo possui natureza patrimonial. O objeto

jurídico protegido é a Previdência Social (INSS). O bem jurídico, portanto, é supraindividual.

É o patrimônio coletivo que está tutelado diretamente, não o patrimônio do trabalhador de

quem foi feito o desconto. Tutela-se, também, a ordem tributária, pois às contribuições

sociais, que tem sua natureza tributária discutida, aplicam-se as normas gerais da legislação

tributária, CRFB/88, arts. 149 e 146, III84.

Segundo Luiz Flávio Gomes:

[...] o delito de apropriação indébita previdenciária sempre deve ocasionar, em conseqüência, uma lesão patrimonial, que acaba afetando só secundariamente os interesses dos próprios segurados e a livre concorrência das empresas (a empresa que, podendo, não efetua o recolhimento das

83 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p.45. 84 THEISEN, Ana Maria Wickert. et al Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 286.

53

contribuições acaba apoderando-se de algo que juridicamente não lhe pertence. Ganha, com isso, maior disponibilidade financeira para seus negócios.

4.2.2 Sujeito Ativo

O sujeito ativo é quem pratica o fato descrito no art. 168-A do CP. Somente a pessoa

física tem a capacidade de infringir neste tipo penal. A doutrina classifica o crime em

comento como “crime próprio”, tendo em vista que o seu tipo penal exige uma capacidade

jurídica especial do agente. Não é qualquer pessoa que pode ser sujeito ativo do citado delito,

mas apenas aquele que se encontra em uma posição jurídica peculiar que o torna apto a

praticar a conduta prevista, ou seja, aquele que tem o dever legal de descontar as

contribuições sociais dos contribuintes e recolhê-las à Previdência Social85.

4.2.3 Sujeito passivo

É o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS compete arrecadar, fiscalizar, lançar e

normatizar o recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do

parágrafo único do art. 11, bem como as contribuições incidentes a título de substituição; e à

Secretaria da Receita Federal – SRF compete arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar o

recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas “d” e “e” do parágrafo único do

art. 11, cabendo a ambos os órgãos, na esfera de sua competência, promover a respectiva

cobrança e aplicar as sanções previstas legalmente, cfe. Art. 33 da Lei n. 8.212, de 1991.

Jefferson Aparecido Dias endente que há dois sujeitos passivos, um direto e o outro

indireto.

O sujeito passivo direto é o Estado, na figura da Previdência Social, e, mais especificamente, a autarquia federal encarregada de cobrar as contribuições previdenciárias e pagar os benefícios previdenciários aos segurados: INSS. [...] Já o sujeito passivo indireto são os segurados que possuem a sua contribuição social descontada pelo responsável tributário que, no entanto,

85 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p. 54.

54

não a recolhe à Previdência Social.

4.2.4 Momento consumativo e tentativa

Consuma-se, portanto, quando resulta concreta e efetivamente afetada a função

arrecadadora da Previdência Social, é dizer quando os interesses patrimoniais de previdência

resultam tangenciados. O exato momento consumativo terá de ser considerado o da expiração

do prazo legal (ou convencional) para repassar ou recolher a contribuição devida ou pagar o

benefício devido a segurado e reembolsado à empresa pela Previdência Social.

Quanto a tentativa, afirma Jefferson Aparecido Dias “a doutrina se pacificou no

sentido da impossibilidade de tentativa do aludido crime86”.

Comenta a doutrina:

Na modalidade de apropriação indébita previdenciária dissemos acima que se trata de um tipo penal omissivo próprio. Ora, nesses delitos, além de ser impossível a tentativa, o momento consumativo passa a ser aquele em que vencido o prazo do recolhimento, não é ele efetuado. O próprio inciso I refere-se a ‘no prazo legal’, o que nos leva a concluir que, ultrapassado esse momento, está consumado o delito87.

4.2.5 Lugar do crime

O conhecimento do lugar da infração é importante para a fixação da competência, nos

termos dos artigos 69 e 70 do CPP.

O crime é praticado no domicílio fiscal do contribuinte, a matriz, na qual,

normalmente, é elaborada a contabilidade da empresa. No entanto, se os demais

estabelecimentos (filiais ou sucursais) elaborarem contabilidades próprias, tendo gerentes

como poder e autonomia suficientes para decidir acerca do recolhimento ou não das

86 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p.53 87 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p.53 apud MONTEIRO,

Antônio Lopes. Crimes contra a previdência social, p. 39.

55

contribuições descontadas, é nessas sedes que se tem por praticado o delito88.

4.3 A NATUREZA DO CRIME

Sustentam alguns que o delito em comento se trata de crime omissivo próprio. O

Supedâneo desse entendimento está na descrição do núcleo da conduta prevista no tipo legal,

qual seja, a de “deixar de recolher no prazo legal”.

Segundo Jefferson Aparecido Dias “não é uníssona a doutrina e a jurisprudência a

respeito da natureza jurídica do crime de apropriação indébita previdenciária89”. Nesse

sentido, “consuma-se no momento em que se exaure o prazo legal ou convencional assinalado

para o recolhimento das contribuições90”.

Considerando-se que o crime em comento possui natureza omissiva própria, a

caracterização ocorre simplesmente com a prática da conduta de “deixar de recolher” as

contribuições sociais à Previdência Social, no prazo e forma legal ou convencional, não

exigindo o dolo específico do agente (animus rem sibi habendi).

Cumpre ratificar que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DE EMPREGADOS. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. ENTENDIMENTO PACIFICADO NA 3ª SEÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. 1. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do ERESP nº 331.982/CE, pacificou entendimento de que o crime de apropriação indébita previdenciária caracteriza-se com a simples conduta de deixar de recolher as contribuições descontadas dos empregados, sendo desnecessário o animus

88 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p.55 89 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária, p.45. 90 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal: parte geral: vol. 2, 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

476.

56

rem sibi habendi para a sua configuração. 2. Trata-se, pois, de crime omissivo próprio ou puro, que se aperfeiçoa independentemente do fato de o agente (empregador) vir a se beneficiar com os valores arrecadados de seus empregados e não repassados à Previdência Social. 3. A exigência do dolo específico tornaria praticamente impossível atingir o objetivo do legislador ao editar a norma contida no art. 168-A do Código Penal, que é o de proteger o patrimônio público e os segurados da Previdência Social. 4. A análise da tese de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa obriga, necessariamente, o reexame de provas, vedado em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 7 desta Corte. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, mas desprovido91.

Por outro enfoque, sustentam outros que se trata de crime misto, exigindo uma

conduta omissiva e uma conduta comissiva.

Em linhas gerais, no que tange à conduta omissiva, não há muito o que discutir, tendo

em vista que, conforme já salientado, a ação nuclear do tipo penal já prevê expressamente:

“deixar de recolher”.

A relevância desse posicionamento surge quando se trata da conduta comissiva. Para

essa corrente da doutrina, em que pese o núcleo do tipo estabelecer uma conduta omissiva,

qual seja a omissão do responsável tributário no recolhimento das contribuições sociais para

Previdência Social, o crime de apropriação indébita previdenciária se configura desde que o

agente tenha descontado as contribuições sociais dos segurados.

Destarte, a configuração do crime em tela somente se daria com a junção de duas

condutas: uma conduta comissiva (descontar as contribuições sociais dos segurados) e outra

omissiva (deixar de recolher as contribuições sociais descontadas à Previdência Social. Daí a

sua natureza mista.

Como vimos, para a caracterização do crime de apropriação indébita previdenciária, o

dolo específico do agente é indispensável (animus rem sibi habendi).

Confira-se, a decisão do TRF da 2 ª Região, 1ª Turma:

91 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – 6ª Turma – Recurso Especial 200300244361/RS – Relator: Ministro Paulo Galloti – j. em 23.03.2004 – in: DJ 17.05.2004 – p. 297.

57

PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO E NÃO REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES. INOCORRÊNCIA DO ANIMUS REM SIBI HABENDI. IMPOSSIBILIDADE REAL DE AGIR. - O caso traz à baila antiga discussão doutrinária acerca do tipo objetivo do delito previsto no artigo 95, "d" da Lei nº 8.212/91, recentemente revogado pela Lei nº 9.983, de 14.07.00. - Sendo o tipo então existente - artigo 95, alínea d, da Lei n° 8.212/91 - crime omissivo próprio, mas de conduta mista, o não fazer, ou seja, o deixar de recolher a contribuição previdenciária aos cofres da Previdência Social deve, necessariamente, pela própria análise do tipo legal, ser precedido da ação de arrecadar o montante com a indevida apropriação do mesmo, pelo desconto no salário pago aos empregados, de modo que, sem a conduta comissiva precedente, o crime não se perfaz. - Como todo crime omissivo, a possibilidade real de agir deve ser clara e inerente à própria ação, sendo as dificuldades financeiras da empresa, impeditivas do repasse tributário, analisadas no próprio tipo, como pressuposto objetivo, matéria antes tratada na esfera da antijuridicidade (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), havendo, como conseqüente que, se alguém tem justificativa idônea para o não recolhimento, inexiste a consciência e a vontade de delinqüir e, assim, o dolo e, em decorrência, o crime. - Como em Direito Penal inexiste responsabilidade objetiva, sem dolo ou culpa, não havendo forma culposa para o tipo penal em espécie, na falta do dolo não há a correspondência entre o tipo incriminador e a conduta do denunciado, por inexistência do elemento subjetivo exigido. - Desta feita, qualquer causa excludente de culpabilidade, tal como a inexigibilidade de conduta diversa pela situação econômica desfavorável da empresa, impede, não a penalização, mas o próprio processamento criminal de seus prepostos. - De outra feita, é igualmente sustentável necessitar qualquer crime tributário de um comportamento fraudulento do sujeito, sendo um fim especial de agir daquele que, tendo a consciência de que o tributo é devido, por sua livre e espontânea vontade deixa de fazer seu recolhimento, total ou parcial, burlando a fiscalização tributária. - Inexistiria, dessa forma, o dolo específico de fraudar, quando mantêm as empresas escrituração correta, e enviam informações ao Fisco, sem qualquer manipulação dolosa, e atípico seria todo ato ou fato sem a correspondente intenção de fraude. - Sem tal elemento subjetivo, o que se incrimina, verdadeiramente, é um comportamento ilícito fiscal, descaracterizando a própria razão do Direito Penal moderno, que é de índole subsidiária, mínima e garantidora, só permitindo a interferência do Estado sancionador na esfera da liberdade individual quando há potencial lesivo à sociedade, ou à dignidade humana de outrem, convertendo-se, assim, qualquer prisão dessa espécie em natureza civil, por dívida, vedada constitucionalmente. - É importante ressaltar que o ônus probatório é exclusivo da acusação e não da defesa, já que a existência da conduta comissiva, precedente à omissão do recolhimento, da comprovação de uma exigibilidade de conduta diversa possível pelo sujeito, e da presença do dolo de não recolher e do dolo de fraudar, está na esfera da tipicidade, devendo a denúncia trazer a narrativa do fato com indícios do fato típico - com todos os seus elementos objetivos, subjetivos e normativos - e de sua autoria, bem como indícios de prova e peças de informação passíveis de atestar a antijuridicidade e a culpabilidade, sob pena de incidência do tratamento previsto pelo artigo 43 do Código de Processo Penal, com a sua rejeição por impossibilidade jurídica do pedido, ou ausência de justa causa. - Merece ser considerada, por outro lado, questão relacionada à exigência, como condição de procedibilidade da ação penal, de prévio procedimento administrativo

58

fiscal, ou ação civil, apesar da crítica de juristas que afirmam somente ser possível a sua criação por lei, não existindo outras além das explicitadas no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal. - Cumpre salientar que, excepcionalmente a tal fato, a jurisprudência vem aplicando extensivamente o artigo 34 da Lei nº 9.249/95, que prevê a extinção da punibilidade quando houver o pagamento do tributo ou contribuição antes do recebimento da denúncia aos crimes do artigo 95 da Lei nº 8.212/91, até mesmo, para muitos, quando houver parcelamento da dívida fiscal. - Ora, o artigo 83 da Lei nº 9.430/96 dispõe expressamente que "...a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário", ficando, portanto, condicionada à esfera fiscal a delatio criminis, ou manifestação formal de vontade, para que, contra aquele, instaure-se trabalho investigatório, sendo impróprio se afirmar que tal regra não atinge os poderes institucionais do Ministério Público ou a notitia criminis feita pela Receita Federal ao mesmo órgão. - O próprio Código Tributário Nacional determina hipóteses de suspensão de exigibilidade do tributo que, extreme de dúvida, atingem a esfera penal, não se podendo, portanto, nem criminalizar, nem se correr o risco da condenação de um inocente, devido ao não pagamento de uma mera exação fiscal, por vezes - e não poucas, infelizmente - reconhecidamente inconstitucional. - Razoável, portanto, o prévio exaurimento da via administrativa nos crimes tributários, iniciando-se a ação penal apenas depois de constituída definitivamente a dívida fiscal, de modo a que não se tenha, como muitas vezes já ocorrida, uma condenação criminal e um julgamento administrativo acusando a inexistência do suposto débito que lhe deu causa. - Com a edição da Lei n° 9.983/00 e conseqüente revogação do artigo 95, alínea "d" da Lei n° 8.212/91, assim a inserção do tipo no Código Penal no artigo 168-A, os debates que cercavam o tipo penal do delito em tela tenho que restam pacificados. - O capítulo é o da apropriação indébita e, como a lei deve ser interpretada de forma sistemática, deve-se conjugar título e capítulo com seu conteúdo, quais sejam, os artigos. - Desse modo, ironicamente, para todos os que sempre negaram essa intenção legislativa, agora o crime é modalidade de apropriação indébita, como mesmo indica o texto legal e o nomen juris. - Assim, conforme já exaustivamente demonstrado, o crime perfaz-se com a presença indubitável do dolo específico referente ao animus rem sibi habendi (a vontade de apropriação da coisa alheia, sem pretensão de restituí-la), de modo que, não demonstrado tal elemento subjetivo pela acusação, resta-se atípico o fato. - Com efeito, tal exegese vem ratificar e corroborar por completo este entendimento, qual seja, a necessidade da presença do dolo na indevida apropriação, além do não recolhimento. - Também no novo texto legal, nos casos em que o delito é de monta insignificante, ou de bagatela - devido à efetiva não afetação do patrimônio do INSS, bem jurídico tutelado - a atipicidade material da conduta agora é tratada como caso de perdão judicial (artigo 168-A, parágrafo 3º I, II), reconhecendo finalmente a lei, muito depois da doutrina, a existência da punibilidade desnecessária, que deve ser extinta. - Cabe lembrar que a pena máxima do artigo agora é de 05 (cinco) anos, mais benéfica, assim, que os 06 (seis) anos antes previstos pela Lei nº 8.212/91, artigo 95, alínea "d", o que determinará, sem dúvida, a aplicação da retroatividade benéfica em inúmeros casos. - No caso concreto, os acusados, apesar de serem gerenciadores da empresa, a todo momento afirmam que outra conduta não poderiam tomar, tendo em

59

vista a situação caótica em que se encontrava a empresa. - Recursos improvido92.

Contudo, a respeito de todas as considerações até aqui expostas quanto à

imprescindibilidade de um dolo específico de lesão ao bem jurídico, mesmo no crime

omissivo, a quinta turma do STJ persistia em julgar desnecessária a caracterização do dolo

específico, o que provocou então um julgamento em sessão conjunta, que decidiu, por

maioria, pela unificação da jurisprudência do STJ no sentido de considerar o crime de

apropriação indébita previdenciária como sendo um crime de mera conduta, na qual é

desnecessário o dolo de apropriação, sendo atualmente esse o pensamento93.

CRIMINAL. RESP. NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DOLO GENÉRICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. RECURSO PROVIDO. 1. A conduta descrita no tipo penal do art. 95, “d”, da Lei n. 8.212/95 é centrada no verbo “deixar de recolher”, sendo desnecessária, para a configuração do delito, a comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados à Previdência Social. Precedentes II – Recurso provido94.

Por conseguinte, observa-se que o STJ, ao decidir pela unificação da jurisprudência

entende ser o crime de apropriação indébita previdenciária como sendo um crime de mera

conduta, ou seja, é desnecessária a comprovação do dolo específico para configuração do

crime.

Por outro enfoque, Eliseu Ioshito Suzuki assevera:

[...] se admitirmos que se trata de um crime omissivo próprio, não há que se falar em apropriação indébita, uma vez que a apropriação indébita, é sabido, é crime comissivo e exige o animus rem sibi habendi; por outro lado, se alguns magistrados concluem que não se trata de apropriação, uma vez que o crime é omissivo próprio, pode-se concluir também que se trata de uma simples dívida, haja vista que, se não existe apropriação indébita, é porque o dinheiro nunca foi da União, e, portanto, é dívida tributária95.

Como se há de verificar a jurisprudência concebe o referido crime como de natureza

92 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1ª Turma – Apelação Criminal 9902002463/RJ – Relator: Juiz Ney Fonseca – j. em 10.12.2001 – in: DJ 26.09.2003 – p. 362-363. 93 SUZUKI, Eliseu Ioshio. Apropriação Indébita previdenciária e o princípio da legalidade. Curitiba: Juruá, 2006, p. 268. 94 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta turma. Recurso Especial 541.821/PB (200300985706) – Relator Min. Gilson Dipp. j. em 23.09.2003 – DJ 28.10.2003, p. 354. 95 SUZUKI, Eliseu Ioshio. Apropriação Indébita previdenciária e o princípio da legalidade. Curitiba: Juruá,

2006, p. 271-272.

60

formal (ou de mera conduta), parte do pressuposto de que a sua consumação ocorre com a

prática da conduta prevista abstratamente no tipo legal “deixar de recolher no prazo legal”.

4.4 A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA EXCLUDENTE DA

CULPABILIDADE

A palavra culpa, em sentido amplo, de onde se origina culpabilidade, ambas

empregadas, por vezes, como sinônimas, para designar um dos elementos estruturais do

conceito crime, é de uso corrente. Utilizamo-la a todo instante, na linguagem comum, para

imputação a alguém de um fato condenável96.

Nelson Hungria define culpa como sendo “a causação de um resultado pela

imprudência, negligência ou imperícia97”

Quando se diz que um sujeito foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de

sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação98. A Culpabilidade,

segundo Fernando Capez “é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de

uma infração penal99”

Para Mirabete, a culpabilidade exige:

[...] o dolo ou a culpa, que são os elementos psicológicos presentes no autor, e a reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude de sua conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento100.

96 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 216. 97 HUNGRIA, Nelson apud SUZUKI, Elizeu Ioshito. Apropriação indébita previdenciária e o princípio da legalidade. Curitiba: Juruá, 2006, p.231. 98 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal: parte geral: vol. 1, 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

276. 99 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal, 2003, p. 276-277.

100 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, vol. 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 24 ed. rev.

61

Portanto Culpabilidade, para Mirabete é “a reprovabilidade da conduta típica e

antijurídica”.

A história da culpabilidade revela uma constante evolução, desde os tempos em que

bastava o nexo causal entre conduta e resultado até os tempos atuais, em que a culpabilidade

tem como elementos a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de

conduta diversa101, este último merece maior atenção do nosso estudo.

O nosso Código Penal não contempla a inexigibilidade de conduta diversa como causa

geral de exclusão da culpabilidade.

De acordo com Fernando Capez, o elemento da culpabilidade, a exigibilidade de

conduta diversa, consiste na “expectativa social de um comportamento diferente daquele que

foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a

coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma102”.

Assim, a exigibilidade de outra conduta conforme o direito exclui a culpabilidade.

A Natureza jurídica trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, fundada no

princípio de que só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. Portanto, a

inevitabilidade não tem o condão de excluir a vontade, que subsiste como força propulsora da

conduta, mas certamente a vicia, de modo a tornar incabível qualquer censura ao agente103.

A não-exigibilidade de conduta diversa é o fundamento de todas as causas de

exculpação, e portanto só pode ser reconhecida quando prevista em lei, nesse caso, reconhece

que, se ao tempo do fato e nas circunstâncias daquele momento, o autor não podia obedecer à

norma, sua conduta é inculpável104.

Elizeu Ioshito Suzuki, citando Eugênio Raúl Zaffaroni, esclarece que:

e atual. São Paulo: Atlas, 2007, p. 192. 101 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal, 2003, p. 278.

102 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal, 2003, p. 303.

103 CAPEZ, Fernando. Curso direito penal, 2003, p. 303

104 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 196.

62

[...] este conceito de culpabilidade é um conceito de caráter normativo, que se funda em que o sujeito podia fazer algo distinto do que fez, e que, nas circunstâncias lhe era exigível que o fizesse [...] para reprovar uma conduta ao seu autor (isto é, para que haja culpabilidade), requer-se que este tenha tido a possibilidade exigível de compreender a antijuridicidade de sua conduta e que tenha atuado dentro de um certo âmbito de autodeterminação mais ou menos amplo105.

Por sua vez, a inexigibilidade de conduta diversa, em face da limitação da liberdade de

ação do autor, também chamada de impossibilidade de dirigir suas ações conforme o direito,

ou conforme a compreensão da antijuridicidade, diversamente da possibilidade exigível de

compreensão da antijuridicidade, possui sempre causas externas, seja um estado de

necessidade exculpante, a coação moral irresistível ou a obediência hierárquica, são todas

derivadas de circunstâncias que limitam a opção de escolha do autor, e que restringem a sua

autodeterminação106.

Por derradeiro, a culpabilidade é o nexo causal subjetivo que entrelaça o delito ao seu

autor. A coincidência entre o fato e a descrição da norma penal deve ser absoluta. Será crime

o comportamento humano que se enquadrar, na plenitude, em um dos figurinos consignados

na Lei n. 9.983 de 14 de julho de 2000107.

4.5 A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

O Estado limita o seu jus puniendi 108 através das normas em que define as condutas

que deseja reprimir e comina as penas correspondentes.

Violada a norma penal, o direito de punir, em abstrato, torna-se concreto, isto é, surge

a punibilidade, que é a possibilidade de aplicação da pena ao autor da infração.

105 ZAFFARONI, Eugênio Raúl apud SUZUKI, Elizeu Ioshito. Apropriação indébita previdenciária e o

princípio da legalidade, 2006, p.239-240. 106 SUZUKI, Elizeu Ioshito. Apropriação indébita previdenciária e o princípio da legalidade, 2006, p.240.

107 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Reforma parcial do código penal. Disponível em: WWW.jus2.uol.com.br.

Acesso em: 31 jul. 2007. 108 O direito de punir. (CUNHA, 2003, p. 146).

63

De acordo com o Código Penal, art. 107, extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade da lei, que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III, da Parte Especial do Código Penal; VIII - pelo casamento da ofendida com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Um dos temas mais polêmicos em relação ao crime de apropriação indébita

previdenciária, segundo Jefferson Aparecido Dias é a “extinção da punibilidade, que envolve

várias leis que se sobrepõem no tempo, trazendo textos confusos, omissos e até mesmo

contraditórios, representando um grande desafio para o aplicador das leis109”.

4.5.1 Pagamento como causa extintiva da punibilidade

A Extinção da punibilidade através do pagamento, segundo Kiyoshi Harada é “[...]

onde reina a maior confusão legislativa e, portanto, reina a insegurança jurídica a respeito da

extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido [...]110”.

Como já mencionado, a questão da extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo

tem sido objeto de sérias divergências. Para Hugo de Brito Machado:

[...] de um lado os que pretendem um direito penal desprovido de utilitarismo, sustentando que admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento implica favorecer os mais abastados que poderão livrar-se da sanção pagando o tributo cobrado. De outro, os que sustentam que a

109 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.83. 110 HARADA, Kiyoshi. Crimes tributários, extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo. Jus navegandi, Teresina, ano 11, n. 1378, 10 abr 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em 20 jan 2008.

64

criminalização do ilícito tributário é, na verdade, desprovida de conteúdo ético, prestando-se mesmo como instrumento para compelir o contribuinte ao pagamento do tributo e que, por isto, deve ser premiado o que paga porque permite seja alcançado o objetivo a final buscado com a cominação da sanção penal111.

Talvez por causa dessa controvérsia, afirma Hugo de Brito, “a lei tem sofrido

constantes alterações. Ora admite, ora não admite a extinção da punibilidade com o

pagamento do tributo112”.

Ressalta-se que o §2.º do art. 168-A prevê que se extingue a punibilidade do agente se

este espontaneamente declara, confessa e efetua o pagamento de contribuições, importâncias

ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei,

antes do início da ação fiscal. Trata-se do desaparecimento da pretensão punitiva ou

executória do Estado em razão de hipótese prevista em lei

Em relação à legislação anterior, houve modificação no momento em que se admitia o

pagamento como causa extintiva da punibilidade. Segundo Luiz Flávio Gomes “O legislador,

no plano da literalidade ao menos, acabou ficando no meio do caminho: nem abandonou a

idéia do ‘pagamento extintivo’, nem procurou conferir-lhe uma posição privilegiada113”. Pelo

art. 34 da Lei n. 9.249/95, era preciso pagar a dívida antes do oferecimento da denúncia.

Dessa forma, com a edição da Lei n. 9.983/00 a extinção da punibilidade nos crimes

de apropriação indébita previdenciária ficou condicionada à conduta do agente que “[...]

espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou

valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou

regulamento antes do início da ação fiscal114”. Esse momento deve-se considerar a data do

recebimento, pelo contribuinte, do termo de início da ação fiscal (TIAF), momento até o qual

as contribuições previdenciárias devidas devem ser pagas, inclusive com acessórios, para que

o agente seja beneficiado pela extinção da punibilidade115.

111 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 513. 112 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p.

495. 113 GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental,

estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2001, p. 59. 114 Código Penal, Art. 168-A, § 2º. 115 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária: teoria e prática. ed. 2. Curitiba:

65

Entretanto, para Hugo de Brito Machado, “a ação fiscal tem início com a lavratura de

um termo, denominado de ‘Termo de Início de Fiscalização116”. Átila Da Rold Roesler

discorda desse entendimento, pois nessa fase ainda há tempo para a confissão da dívida de

forma espontânea, uma vez que o débito não foi formalizado. Além do mais, a expressão ação

fiscal deve ser entendida como paralela à ação penal117.

Conforme dito, a lei prevê, especificamente, a extinção da punibilidade, no caso de o

agente, espontaneamente, declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições,

importâncias ou valores e prestar as informações devidas à Previdência Social, na forma

indicada em lei ou regulamento. Este benefício somente poderá ser invocado, se ocorrida

antes do início da ação fiscal, conforme já mencionado, pela Lei n. 9.983/00.

Importante ressaltar, que a causa extintiva da punibilidade para os crimes de

apropriação indébita previdenciária entra em contradição em face dos crimes contra a ordem

tributária. Se um contribuinte deixar de recolher tributos arrecadados pela Receita Federal, o

pagamento praticado até o recebimento da denúncia provoca a extinção da punibilidade,

contudo se houver a mesma conduta para as contribuições previdenciárias, terá que realizar o

pagamento antes do início da ação fiscal, para que possa fazer jus à extinção da punibilidade.

Essa contradição não tem comovido parte da doutrina e jurisprudência, que defendem

a atual vigência do preceito previsto no § 2º do art. 168-A do Código Penal, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CÓDIGO PENAL, ART. 168-A. PAGAMENTO DO DÉBITO DEPOIS DE INICIADA A AÇÃO FISCAL E ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE INOCORRENTE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. O § 2º do art. 168-A do Código Penal, acrescentado pela Lei n. 9.983/2000, estabelece que se extingue a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 2. Embora o art. 34 da Lei n. 9.249/95 preveja a extinção da punibilidade para o agente que efetua o

Juruá, 2007, p. 87. 116 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 2008, p. 447. 117 ROESLER, Átila Da Rold. A extinção da punibilidade e o perdão judicial na apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6778>. Acesso em: 08 dez. 2007.

66

pagamento antes do recebimento da denúncia, o § 2º do art. 168-A do Código Penal não fere o princípio da isonomia, porquanto dado ao legislador impor maior rigor ao agente que se locupleta às custas do erário em prejuízo de segurados da previdência social. 3. O art. 9º da Lei n.º 10.684/2003 não se aplica aos casos relativos à contribuição previdenciária descontada dos segurados, exação não abrangida pela dita lei. 4. Recurso ministerial provido. Decreto de extinção da punibilidade desconstituído118.

4.5.2 Parcelamentos dos débitos

Muito se questiona se o parcelamento do débito referente aos crimes tributários e

previdenciários, tal qual o pagamento, também provoca a extinção da punibilidade.

Para os crimes posteriores à Lei n. 9.983/00 “certamente o efeito extintivo do

parcelamento (guardada a correlação com o pagamento efetivo) ocorrerá exclusivamente

quando concretizado antes do início da ação fiscal119”.

Ainda, Luiz Flávio Gomes:

É que o parcelamento inova a dívida. Tanto dos crimes tributários como nos previdenciários o escopo primeiro da política criminal eleita é a arrecadação do que é devido aos cofres públicos. Não fosse assim e não teria o legislador contemplado o pagamento como forma extintiva da punibilidade. Efetuar o pagamento significa levar a efeito, realizar, concretizar. Uma das formas de se concretizar esse pagamento é a parcelada. O parcelamento nada mais é que uma forma de pagamento. Sendo assim, a jurisprudência precedente, feitas as devidas correções diante do novo texto legal, continua plenamente vigente120.

Ao contrário disso, pensa José Paulo Baltazar Júnior:

[...] o parcelamento, sob o nome de moratória, é qualificado como mera causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, I) e não de sua extinção, operada, por exemplo, pelo pagamento (CTN, art. 156).

118 BRASIL. Tribunal regional federal da 3ª região – 2ª Turma – Recurso Criminal 200261810047510/SP – Relator: Juiz Nelton dos Santos – j. Em 02.03.2004 – In: DJ 02.07.2004, p. 221. 119 GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental,

estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 62 apud BALERA, Wagner. 120 GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários: apropriação indébita, sonegação, falsidade documental,

estelionato, a questão do prévio exaurimento da via administrativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 62

67

Assim é que, descumpridas as condições do parcelamento, será esse rescindido, remanescendo o crédito tributário, que estava suspenso, com todos seus privilégios. Daí por que não se pode falar, no caso, em novação121.

Infere-se do raciocínio supracitado que a extinção da punibilidade seria decretado com

o cumprimento do parcelamento, concordamos com tal posicionamento.

Contudo os Tribunais têm realizado uma interpretação extensiva dos preceitos do art.

34 da Lei n. 9.249/95, reconhecendo a extinção da punibilidade em razão do parcelamento dos

débitos:

PROCESSUAL PENAL. CRIME PREVISTO PELO ART. 168-A DO CP. DENÚNCIA. REJEIÇÃO POR EQUIVOCADA INFORMAÇÃO DE INCLUSÃO DO RECORRIDO NO REFIS. EXISTÊNCIA, CONTUDO, DE PARCELAMENTO DE DÉBITO POR ELE OBTIDO EM DATA ANTERIOR AO OFERECIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. DESNECESSIDADE DE ADIMPLEMENTO TOTAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Rejeitada a denúncia com base no inciso III do art. 43, do CPP, posto equivocada a informação de adesão ao REFIS, há que se manter essa conclusão, porém, com fulcro no inciso II do mesmo dispositivo, uma vez que dos autos se extrai que o recorrido já havia obtido parcelamento de débito antes do oferecimento da peça acusatória. Consonância com o entendimento prevalente do STJ. "Determina-se o trancamento de ação penal quando restar demonstrada a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei nº 9.249/95, que se dá pelo parcelamento da dívida em momento anterior ao recebimento da denúncia, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal instaurada contra os pacientes, tendo em vista a extinção do débito fiscal pelo parcelamento." (STJ, 5ª T., HC 13047, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 02.09.2002, pg. 207). Concessão, de ofício, de habeas corpus em favor de VLADIMIR DE OLIVEIRA SAMPAIO, para trancar o processo nº 98.0063712-5, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, com fulcro no inciso II do art. 43 do CPP, c/c art. 654, § 2º do CPP e art. 34 da Lei nº 9.249/1995. Prejudicado o recurso em sentido estrito interposto.

Esse entendimento, conforme Jefferson Aparecido Dias se baseia no princípio de que

“tanto o pagamento quanto o parcelamento, que é uma forma de novação, extinguem o crédito

tributário e, por conseqüência, extinguem a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária

e, também, dos crimes conta a Previdência Social122”

121 THEISEN, Ana Maria Wickert. et al Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 304. 122DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 95.

68

No entanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem entendimento diverso:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 168-A, DO CÓDIGO PENAL. PARCELAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. 1. O parcelamento do débito fiscal, por si só, não extingue a punibilidade do agente, pois não se tem o pagamento integral da dívida. Precedentes do eg. Supremo Tribunal Federal e da 4ª Turma deste Tribunal Regional Federal. 2. Incumbe ao réu coligir aos autos os elementos de prova hábeis a comprovar a alegada ocorrência de dificuldades financeiras. Hipótese em que os réus não lograram comprovar que os valores descontados dos salários de seus empregados, a título de contribuição previdenciária, não foram repassados ao INSS em face de dificuldades financeiras da empresa. 3. Apelação criminal improvida.

Por esse segundo entendimento, o parcelamento do débito não produz qualquer efeito

penal, salvo quando ele for totalmente pago e ocorrer a quitação integral do débito. Pensa-se

ser o mais adequado este entendimento.

4.5.3 Adesão ao REFIS, PAES e PAEX

Quanto à adesão ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), uma espécie de

parcelamento especial para os contribuintes em débito com o Fisco Federal, incluindo a

Previdência Social. O benefício previsto no art. 15 da Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000 é o

da suspensão da pretensão punitiva do Estado, não sendo causa de extinção da punibilidade.

Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27.12.1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º O disposto neste artigo aplica-se, também: I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o

69

pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal. (grifei)

Conforme pode-se observar, é suspensa a pretensão punitiva do Estado desde que a

inclusão no referido programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Segundo Jefferson Aparecido Dias:

[...] enquanto o contribuinte permanecer no Refis, continuará suspensa a pretensão punitiva e, também, o prazo prescricional. É aqui surge uma das maiores dúvidas sobre o tema, a qual ainda não foi respondida de forma satisfatória: qual o prazo máximo de suspensão da pretensão punitiva do Estado e da prescrição? Isso ocorre porque o Refis não prevê um prazo máximo de parcelamento para o pagamento de tributos, admitindo a concessão de parcelamento por prazos bastantes dilatados, já que o prazo é calculado a partir do valor que a empresa tem condições de pagar mensalmente, segundo determina porcentagem de seu faturamento123.

A título de ilustração, Jefferson Aparecido Dias nos apresenta um exemplo que

demonstra a importância do tema, no qual a Academia de Tênis de Brasília, após cassada a

sua isenção com entidade assistencial, foi autuada pela Receita Federal, tendo sido constituído

um crédito de 6 milhões de reais, mas aderiu ao Refis e parcelou os seus débitos em 1.666

anos, até o ano de 3666124.

Como a Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000 não atingiu seus objetivos, veio a lei n.

10.684, de 30.5.2003, instituiu o Parcelamento Especial (PAES). As disposições penais

contidas nesta Lei.

De acordo com o art. 9º da Lei n. 10.684/2003, fica suspensa a pretensão punitiva do

Estado, referente aos crimes previstos nos art. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de

1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica

relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

Vejamos as diferenças existentes entre PAES e Refis apontadas por Jefferson

123 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 126. 124 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.

126-127.

70

Aparecido Dias.

A primeira diferença se refere aos débitos que puderam ser incluídos nos dois parcelamentos. Enquanto o Refis admitiu a inclusão de todos os débitos, independentemente de sua origem, o PAES, em razão de veto do Presidente da República, não admitiu a inclusão dos valores que, descontados dos segurados, deixaram de ser recolhidos125.

O Parcelamento Excepcional (PAEX) criado pela Medida Provisória 303, de

29.06.2006. Também vedou o parcelamento das contribuições previdenciárias descontadas de

terceiros e ao recolhidas ao INSS, razão pela qual, em tese, não há que se falar na sua

aplicação nos casos de apropriação indébita previdenciária126.

4.5.4 Perdão Judicial

A outra causa de extinção de punibilidade deste delito ocorre por meio do perdão

judicial, conforme previsão do § 3º do art. 168-A do CP, que não admite a não-aplicação da

pena, ou a sanção meramente pecuniária, ao réu primário e de bons antecedentes, desde que:

tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da

contribuição social previdenciária, inclusive acessórios.

Cumpre ressaltar que devemos estar atento aos acontecimentos e conduzir nossos

ideais para uma sociedade justa, em virtude dessas considerações, não podemos deixar a

impunidade imperar.

125 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 136-137. 126 DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de apropriação indébita previdenciária. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.

146.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objeto o estudo do tratamento jurídico brasileiro para o

crime de Apropriação Indébita Previdenciária e conheceu as controvérsias na doutrina e

jurisprudência nos casos do não recolhimento das contribuições sociais.

A importância do estudo deste tema residiu no fato do crime de apropriação indébita

previdenciária ser um dos motivos que geram um grave dano ao sistema previdenciário, que é

perpetrado por pessoas, principalmente jurídicas, que recolhem normalmente os valores das

contribuições previdenciárias e furtam dos recolhimentos que só podem ser identificados por

meio de severo controle e confronto de dados e entende-se, sobretudo, de haver pouca

reprovação social.

Em vista do parâmetro delineado, verificou-se que o crime de apropriação indébita

previdenciária nos casos em que o obrigado deixar de repassar à Previdência Social as

contribuições recolhidas dos contribuintes, ou deixar de pagar os benefícios a quem de direito

é de difícil configuração e prevenção. Mostrou-se, também, que ao longo do tempo, tenta-se

incriminar e reprimir as condutas lesivas à Previdência Social, contudo a legislação que

incrimina tais condutas tem sido ineficiente, bem como também sua aplicação.

Conforme se deixou claro na introdução deste trabalho, o objetivo era fazer um estudo

do tratamento jurídico brasileiro para o crime de Apropriação Indébita Previdenciária e

conhecer as controvérsias na doutrina e jurisprudência nos casos do não recolhimento das

contribuições sociais.

Diante do questionamento proposto inicialmente, segundo se entende, restou

plenamente confirmadas as hipóteses consideradas na introdução, com base nas seguintes

afirmações.

a) A Apropriação Indébita Previdenciária constitui ilícito penal histórico, de difícil

72

prevenção e que aporta severos prejuízos ao sistema previdenciário e à sociedade em geral, no

estudo é facilmente percebido, no resumo histórico que se apresentou da apropriação indébita

previdenciária, que a atividade legislativa do Estado tenta prevenir este crime de forma mais

específica desde 1937, e desde então se busca combater este delito criando vários institutos

para sua prevenção. Entretanto, se o crime em comento não fosse de difícil prevenção não

haveria tantas mudanças na legislação para punir as condutas lesivas à Previdência Social.

b) O crime de Apropriação Indébita Previdenciária, como positivado no Código Penal

brasileiro, longe de atender o aspecto pedagógico e preventivo que dele se espera, se

apresenta como elemento que não desestimula a prática desta espécie de ilícito. Conforme

visto anteriormente, a natureza do crime e a extinção da punibilidade da apropriação indébita

têm gerado muita controvérsia na doutrina e jurisprudência, tornando, desta forma, ineficiente

a legislação que incrimina as condutas do crime em comento, distanciando do aspecto

pedagógico e preventivo que dela se espera.

Para instrumentar a investigação, o primeiro capítulo abordou sobre a evolução da

Previdência Social Brasileira, seus conceitos, os benefícios e serviços assegurados pela

sistema previdenciário brasileiro.

No segundo capítulo a pesquisa foi dirigida ao estudo do Dever fundamental de pagar

e recolher tributos, o caráter social das contribuições previdenciárias e o direito penal e a

garantia de direitos.

Por fim, no terceiro capítulo se analisou o crime de Apropriação Indébita

Previdenciária, objeto de nosso estudo. Apresentou-se um resumo histórico da Apropriação

Indébita Previdenciária no Brasil, elementos do tipo penal descrito no art. 168-A do Código

Penal brasileiro, a natureza do crime, a inexigibilidade de conduta diversa como causa

excludente da culpabilidade e a extinção da punibilidade.

Como dito em várias oportunidades ao longo da pesquisa, esta não pretendeu esgotar o

assunto que, por parte, como se percebe, é tão vasto quanto interessante. Contudo,

despretensiosamente se imagina que possa o presente estudo servir de estímulo ao debate

relativamente ao tema objeto.

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