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O Teorema de Sard e suas Aplicações

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Publicações Matemáticas

O Teorema de Sard e suas Aplicações

Edson Durão Júdice PUC Minas

impa

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Copyright 2012 by Edson Durão Júdice

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz

Publicações Matemáticas

• Introdução à Topologia Diferencial – Elon Lages Lima

• Criptografia, Números Primos e Algoritmos – Manoel Lemos

• Introdução à Economia Dinâmica e Mercados Incompletos – Aloísio Araújo

• Conjuntos de Cantor, Dinâmica e Aritmética – Carlos Gustavo Moreira

• Geometria Hiperbólica – João Lucas Marques Barbosa

• Introdução à Economia Matemática – Aloísio Araújo

• Superfícies Mínimas – Manfredo Perdigão do Carmo

• The Index Formula for Dirac Operators: an Introduction – Levi Lopes de Lima

• Introduction to Symplectic and Hamiltonian Geometry – Ana Cannas da Silva

• Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes) – Carlos Gustavo T. A. Moreira e Nicolau

Saldanha

• The Contact Process on Graphs – Márcia Salzano

• Canonical Metrics on Compact almost Complex Manifolds – Santiago R. Simanca

• Introduction to Toric Varieties – Jean-Paul Brasselet

• Birational Geometry of Foliations – Marco Brunella

• Introdução à Teoria das Probabilidades – Pedro J. Fernandez

• Teoria dos Corpos – Otto Endler

• Introdução à Dinâmica de Aplicações do Tipo Twist – Clodoaldo G. Ragazzo, Mário J. Dias

Carneiro e Salvador Addas Zanata

• Elementos de Estatística Computacional usando Plataformas de Software Livre/Gratuito –

Alejandro C. Frery e Francisco Cribari-Neto

• Uma Introdução a Soluções de Viscosidade para Equações de Hamilton-Jacobi – Helena J.

Nussenzveig Lopes, Milton C. Lopes Filho

• Elements of Analytic Hypoellipticity – Nicholas Hanges

• Métodos Clássicos em Teoria do Potencial – Augusto Ponce

• Variedades Diferenciáveis – Elon Lages Lima

• O Método do Referencial Móvel – Manfredo do Carmo

• A Student's Guide to Symplectic Spaces, Grassmannians and Maslov Index – Paolo Piccione e

Daniel Victor Tausk

• Métodos Topológicos en el Análisis no Lineal – Pablo Amster

• Tópicos em Combinatória Contemporânea – Carlos Gustavo Moreira e Yoshiharu Kohayakawa

• Uma Iniciação aos Sistemas Dinâmicos Estocásticos – Paulo Ruffino

• Compressive Sensing – Adriana Schulz, Eduardo A.B.. da Silva e Luiz Velho

• O Teorema de Poncelet – Marcos Sebastiani

• Cálculo Tensorial – Elon Lages Lima

• Aspectos Ergódicos da Teoria dos Números – Alexander Arbieto, Carlos Matheus e C. G.

Moreira

• A Survey on Hiperbolicity of Projective Hypersurfaces – Simone Diverio e Erwan Rousseau

• Algebraic Stacks and Moduli of Vector Bundles – Frank Neumann

• O Teorema de Sard e suas Aplicações – Edson Durão Júdice

• Tópicos de Mecânica Clássica – Artur Lopes

IMPA - [email protected] - http://www.impa.br - ISBN: 978-85-244-0333-0

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Apresentacao

O presente trabalho e a dissertacao apresentada peloProfessor Edson Durao Judice, em 1961, para concorrer auma catedra de Matematica na Escola de Engenharia daUniversidade de Minas Gerais. Trata-se de uma exposicaocuidadosa e elegante do Teorema de Sard, acompanhada deresumo historico, comentarios esclarecedores e aplicacoesinteressantes. Seu estilo e pausado e a clareza do trata-mento faz jus a reputacao do autor por suas qualidades deprofessor. Ao publica-lo, agradecemos ao Professor Edsonpela permissao dada. Estamos certos de que esta edicao,que vem a luz tantos anos apos a primeira, vem prestar umvalioso servico a nova geracao de matematicos do paıs.

Rio de Janeiro, setembro de 2011.

Elon Lages Lima

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Prefacio

O extraordinario desenvolvimento da Matematica emnossos dias impoe a quem cultiva essa ciencia a necessi-dade de fazer uma escolha entre as diversas partes em queela se ramifica, a fim de restringir suas atividades, em certamedida, a um dos muitos e vastos campos abertos a inves-tigacao cientıfica. No Brasil, com respeito a MatematicaPura, ja se distingue nitidamente a formacao de tres cor-rentes: a da Algebra, a da Analise e a da Geometria. Tendoem vista, porem, que as doutrinas matematicas sao estrei-tamente interligadas, e claro que ninguem pode aspirar aoingresso em uma dessas correntes, sem antes se submeter aadequada preparacao. Nessa fase preliminar, sao estudadasas nocoes fundamentais de Analise Matematica e Geome-tria Analıtica classicas, de Algebra Abstrata, de AlgebraLinear, de Topologia dos Espacos Metricos, de TopologiaGeral e de Teoria da Medida.

Quanto a nos, depois que nos familiarizamos com os co-nhecimentos basicos indispensaveis, iniciamos nossa mar-cha no caminho da Geometria. Essa escolha nao so satisfaza uma tendencia natural do nosso espırito, mas concorre

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para incrementar a eficiencia da colaboracao que modes-tamente vimos prestando a Escola em que nos formamos,onde servimos, ha alguns anos, em uma cadeira de Geome-tria.

Atente-se, contudo, em que a Geometria tem, para osmatematicos modernos, um sentido muito amplo, pois a-brange, alem das teorias geometricas classicas, estudos so-bre Variedades Diferenciaveis, Topologia Diferencial, Geo-metria Riemanniana, Teoria Geometrica das Equacoes Di-ferenciais Ordinarias, etc.

Este trabalho, com o qual nos apresentamos a egregiaCongregacao da Escola de Engenharia da Universidade deMinas Gerais como candidato a catedra de Geometria Ana-lıtica e Projetiva, e fruto dos estudos a que nos dedicamos,em 1960, no Instituto de Matematica Pura e Aplicada,onde, na qualidade de professor agregado, tivemos ocasiaode frequentar cursos e seminarios orientados pelos ilustresprofessores Elon Lages Lima e Maurıcio Matos Peixoto.

No perıodo em que realizamos tal estagio, contamoscom o apoio da Escola de Engenharia da U.M.G., da Cam-panha Nacional de Aperfeicoamento do Pessoal de NıvelSuperior, do Conselho Nacional de Pesquisas, do Institutode Matematica Pura e Aplicada e da Forca Aerea Norte-Americana, que, mediante o pagamento de vencimentos,bolsas ou auxılios, nos permitiram viver no Rio de Janeiro,em regime de total dedicacao ao estudo. Deixamos aquiconsignado o nosso sentimento de gratidao para com essasorganizacoes.

Agradecemos ao Prof. Maurıcio Matos Peixoto, quenos sugeriu o assunto para este escrito, e nos auxiliou com

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observacoes uteis e palavras de incentivo.

De modo especial, agradecemos ao caro amigo Prof.Elon Lages Lima, que foi o nosso orientador, a quem variasvezes recorremos para tirar duvidas, pedir opinioes, discu-tir situacoes ou solicitar indicacoes bibliograficas.

Queremos, tambem, deixar gravada a nossa palavra dehomenagem a duas figuras de relevo da ciencia brasileira,que, por ensinamentos ministrados, e principalmente peloexemplo vivo que nos deram, contribuiram eficazmente pa-ra a nosssa formacao cultural: ao Prof. Christovam Co-lombo dos Santos, que tanto soube dignificar a catedraa que agora nos candidatamos, fazendo dela um foco ir-radiante de sabedoria, e que nos concedeu a mais subidahonra, tornando-nos depositario de sua irrestrita confiancadurante todo o tempo em que fomos seu assistente; ao Prof.Leopoldo Nachbin, justo orgulho da nova geracao de mate-maticos brasileiros, que, iluminado pela chama de um gran-de idealismo, tem trabalhado infatigavelmente pelo desen-volvimento das ciencias matematicas em nossa Patria.

Finalmente, nossos agradecimentos ao pessoal do De-partamento de Publicacoes do Diretorio dos Estudantes deEngenharia, pelo carinho e zelo com que se encarregou daimpressao deste trabalho, e ao Sr. Henrique V. Correa, quecom admiravel competencia o datilografou.

E. D. Judice

Belo HorizonteSetembro, 1961

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Sumario

I Nocoes sobre Variedades Diferenciaveis 1

1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Curvas e superfıcies regulares no espaco

euclidiano R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Conceito de variedade diferenciavel . . . . . . . . . . . . 114 Espaco vetorial tangente a uma variedade

diferenciavel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Aplicacoes diferenciaveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 Diferencial de uma aplicacao diferenciavel . . . . . . 197 Regularidade de uma aplicacao diferenciavel.

Imersoes. Difeomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .228 Valores regulares e valores crıticos de uma

aplicacao diferenciavel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2610 Variedades com bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

II O Teorema de Sard 34

1 Introducao. Notıcia historica . . . . . . . . . . . . . . . . . . .342 Teorema de Sard e Teorema de Dubovitsky . . . . 393 Reducao ao caso euclidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504 O caso elementar do teorema de Sard

(caso m < n) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 525 O caso m ≥ n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .546 Extensao ao caso em que M e uma variedade

com bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

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III Aplicacoes do Teorema de Sard 66

1 Estudo da dependencia funcional . . . . . . . . . . . . . . .672 Estudo do teorema do ponto fixo de Brouwer . . .803 Estudo do grau de uma aplicacao diferenciavel . 85

3.1 Variedades orientadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 853.2 O conceito de grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 923.3 Duas aplicacoes da teoria do grau . . . . . . . 110

4 Estudo do grau a luz da teoria da integracao . . 1144.1 Formas diferenciais exteriores sobre

uma variedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1154.2 Suporte de uma funcao ou de uma forma.

Particao da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1174.3 Integracao de formas contınuas sobre

uma variedade compacta . . . . . . . . . . . . . . . . 1194.4 Integracao sobre uma variedade

riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1224.5 Formas localmente somaveis.

Conjuntos mensuraveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1284.6 Integracao sobre variedades nao compactas 1314.7 Novas consideracoes sobre o grau de

uma aplicacao diferenciavel . . . . . . . . . . . . . . 132

Bibliografia 143

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Capıtulo I

Nocoes sobreVariedadesDiferenciaveis

1 Introducao

Pode afirmar-se, sem receio de incorrer em exagero, que aconcepcao cartesiana da geometria foi das ideias que maismarcada influencia tiveram no progresso das ciencias ma-tematicas. Na verdade, a semente plantada por Descartesdesenvolveu-se em uma grande arvore, que ate hoje vemlancando novos ramos e produzindo belos frutos. Parece-nos que o mais novo rebento dessa arvore e a teoria das va-riedades diferenciaveis, na qual estao trabalhando notaveismatematicos da atualidade. Descrever minuciosamente aevolucao das ideias matematicas, desde a obra de Descar-tes ate as suas consequencias mais recentes, e uma sugestaotentadora, que podia suscitar interessante estudo historico-

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2 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

crıtico, mas nao e isso, certamente, o que pretendemos fazeraqui. Vamos apenas apresentar, a tıtulo de introducao aonosso trabalho, e da maneira mais resumida, um esbocodesse desenvolvimento de ideias.

A Geometria Analıtica Classica, fundada por Descartes,e o Calculo Infinitesimal, instituıdo por Newton e Leibniz,desenvolveram-se de modo notavel, auxiliando-se e comple-tando-se mutuamente. A Geometria foi (e continua a ser)grande inspiradora de problemas e teorias que iam sendoexaminadas, criticadas, enfim, filtradas no crivo da Analise,sob cuja linguagem austera, mas exata, revestiam-se do ri-gor logico que caracteriza as doutrinas matematicas. Sur-giu a Geometria Diferencial, na qual aparece como figurade primeira plana o vulto genial de Gauss. Nessa teoria, ascurvas e superfıcies do espaco euclidiano ordinario foramestudadas, originalmente, do ponto de vista local, e, maistarde, tambem em seus aspectos globais. Em incontidaansia de generalizar cada vez mais os resultados obtidos,lancaram-se os matematicos ao estudo dos espacos euclidi-anos n-dimensionais, e conseguiram estender a estes muitasnocoes ja antes estudadas na geometria do espaco R3.

A teoria dos conjuntos, na qual colaborou de modo de-cisivo o espırito profundamente penetrante de Cantor, veioabrir novos horizontes em matematica. Os conjuntos abs-tratos passaram a constituir o mais importante objeto deestudo. Construıram-se variadas estruturas matematicas,por meio de diversas maneiras de introduzir relacoes entreos elementos de um conjunto. Apareceram as estruturasalgebricas, fundadas no conceito de operacao (ou lei decomposicao), e nasceram as estruturas topologicas, basea-das na ideia de proximidade entre os pontos de um con-

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[SEC. 1: INTRODUCAO 3

junto. Essa proximidade foi definida, no princıpio, emtermos da ideia de distancia, e assim surgiu a teoria dosespacos metricos, estudada minuciosamente por Frechet emsua tese apresentada ao mundo cientıfico em 1906. Desco-briu-se, porem, que o conceito de distancia nao e indis-pensavel para a definicao da vizinhanca entre elementos deum conjunto, e tiveram entao origem espacos topologicosmais gerais, que nao sao necessariamente metricos. Dentreas muitas maneiras de definir espaco topologico, verificou-se que a mais vantajosa, por motivo de simplicidade, e aque faz apelo a nocao de conjunto aberto. Nao precisamosrepetir aqui essa definicao, naturalmente bem conhecida doleitor.

Alguns espacos topologicos, por serem excessivamentegerais, nao apresentam grande interesse, salvo para certosefeitos de crıtica. Os espacos que desde cedo se revelaramda maior importancia para o desenvolvimento de muitasteorias, sao os de Hausdorff. Um espaco de Hausdorff ecaracterizado pelo fato de que nele, dois pontos distintosquaisquer admitem vizinhancas disjuntas. Em virtude deulteriores vantagens e simplificacoes, tornaram-se particu-larmente importantes os espacos de Hausdorff que tem baseenumeravel de conjuntos abertos; tais espacos possuem aconhecida propriedade de Lindelof.

Os espacos de Hausdorff com base enumeravel de aber-tos, que, do ponto de vista topologico, se comportam lo-calmente como espacos euclidianos de dimensao n, cons-tituem as variedades topologicas n-dimensionais. Nestas,e possıvel introduzir, localmente, da maneira que adiantedescreveremos, sistemas de coordenadas, gracas aos quaisse atinge a possibilidade de realizar um estudo analıtico

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4 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

das propriedades desses espacos. Mediante a introducaode convenientes hipoteses de diferenciabilidade, chega-se,finalmente, ao conceito de variedade diferenciavel, entidadeabstrata cujas propriedades podem ser estabelecidas pelaaplicacao dos metodos da geometria analıtica e do calculoinfinitesimal.

O nosso trabalho tratara especialmente do teorema deSard, que e um dos resultados relevantes da teoria dasvariedades diferenciaveis. Devera o leitor possuir algunsconhecimentos dessa teoria, que repousa sobre nocoes deGeometria Analıtica, Calculo Infinitesimal, Topologia Ge-ral e Algebra Linear. Recomendamos, especialmente, aleitura do magnıfico trabalho do Prof. Elon Lages Lima,intitulado “Introducao as Variedades Diferenciaveis”, re-centemente dado a estampa pelo Instituto de Matematicada Universidade do Rio Grande do Sul.

Para o esclarecimento de duvidas relativas a Topologia,podera o leitor consultar Bourbaki (Topologie Generale, li-vre III, chapitre I), ou MacLane (Curso de Topologia Geral,traducao de Joviano C. Valadares), ou ainda, Elon LagesLima (Topologia dos Espacos Metricos).

Quanto a Algebra Linear, as melhores fontes para con-sulta sao: Halmos (Finite Dimensional Vector Spaces), Bir-khoff & MacLane (A Survey of Modern Algebra) e Bour-baki (Algebre, livre II, chapitre II). Em nıvel mais elemen-tar que as tres obras mencionadas, existe um trabalho denossa autoria (Introducao a Algebra Linear) que tambempode contribuir para elucidar algumas questoes.

Sobre Geometria Analıtica e Calculo Infinitesimal, gran-de e o numero de livros e apostilas disponıveis e bem co-nhecidos, e nao necessitamos dar indicacoes bibliograficas

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[SEC. 2: CURVAS E SUPERFICIES REG. NO ESP. EUCLIDIANO R3 5

especiais a esse respeito.

E claro que um trabalho da natureza deste, contido emtao poucas paginas, nao pode ser auto-suficiente. Encontrar-se-ao, a cada passo, referencias a bibliografia indicada nofim do volume. Animados pela preocupacao de tornar su-ave a leitura, na medida do possıvel, resolvemos anteporaos dois ultimos capıtulos, que encerram a parte essencialdo trabalho, algumas nocoes basicas, indispensaveis a boaassimilacao do assunto sobre o qual discorreremos. Essasquestoes preliminares formam o presente capıtulo; atravesdele, iremos tambem fixando algumas notacoes e apresen-tando a terminologia de que nos serviremos.

2 Curvas e superfıcies regulares no

espaco euclidiano R3

Sem entrar em consideracoes sobre a evolucao da ideia decurva, recordemos a maneira como se pode definir essa im-portante entidade no espaco euclidiano R3, que e o ambi-ente onde se realiza a maior parte dos estudos da geometriaclassica.

Uma curva (simples) e um subespaco de R3 localmentehomeomorfo a um intervalo real aberto. Em termos maisprecisos: uma curva e um subconjunto Γ ⊂ R3, tal quepara cada ponto p ∈ Γ existe uma vizinhanca V de p emR3, e um homeomorfismo φ : I → Γ ∩ V , onde I ⊂ R eum intervalo aberto. Observe-se que Γ ∩ V = U e umavizinhanca de p no subespaco Γ ⊂ R3.

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6 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

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VUp

O homeomorfismo φ : I → U e uma parametrizacao

local da curva Γ, se q = (x, y, z) ∈ U , existe t ∈ I talque φ(t) = q. As coordenadas de q sao, pois, funcoes doparametro t. As equacoes

x = x(t), y = y(t), z = z(t),

que exprimem essa dependencia, dizem-se equacoes para-

metricas de Γ (validas na vizinhanca U). Pode adotar-sea representacao vetorial r = r(t), onde r(t) e o vetor (x(t),y(t), z(t)).

A parametrizacao local φ : I → U diz-se diferenciavel

de classe Ck (1 ≤ k ≤ ∞) se as funcoes x, y, z, acimaconsideradas, admitem derivadas sucessivas contınuas deordens 1, . . . , k (o caso k = ∞ corresponde a situacao emque existem as derivadas de todas as ordens).

Uma parametrizacao diferenciavel φ : I → U , validanuma vizinhanca U do ponto p ∈ Γ, e regular se paratodo t ∈ I as derivadas x′(t), y′(t), z′(t) nao se anulamsimultaneamente. Em outros termos: φ e regular se o vetordrdt

= (x′(t), y′(t), z′(t)) e 6= 0 para todo t ∈ I.Dizemos que Γ e uma curva regular de classe Ck (1 ≤

k ≤ ∞) se para cada p ∈ Γ existe uma parametrizacaoregular de classe Ck, valida numa vizinhanca de p. Referir-nos-emos mais brevemente a tais parametrizacoes chaman-do-lhes admissıveis em relacao a Γ.

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[SEC. 2: CURVAS E SUPERFICIES REG. NO ESP. EUCLIDIANO R3 7

Nao vemos necessidade de recapitular a nocao de tan-gente a uma curva, mas e interessante acentuarmos que ascurvas regulares sao justamente as que possuem tangentebem definida em cada ponto.

Consideremos uma curva regular Γ, de classe Ck, e sejaφ : I → U uma parametrizacao local admissıvel, validanum aberto U ⊂ Γ. Seja J ⊂ R um intervalo aberto, eξ : J → I um homeomorfismo de J sobre I, diferenciavelde classe Ck, tal que se tenha ξ′(s) 6= 0 para todo s ∈ J .

I

U

J

Nessas condicoes, o homeomorfismo inverso ξ−1 : I → J etambem diferenciavel de classe Ck, e dizemos que ξ e umdifeomorfismo de classe Ck. O homeomorfismo compostoφ ξ = ψ : J → U e, evidentemente, uma parametrizacaolocal admissıvel em relacao a Γ. E importante observarmosque na situacao que acabamos de descrever, o difeomor-fismo ξ e justamente o homeomorfismo composto φ−1 ψ.Demonstra-se que essa e a situacao geral, isto e, com pala-vras precisas: se φ : I → U e ψ : J → V sao duas parame-trizacoes locais admissıveis em relacao a curva regular Γ,tais que U ∩V 6= ∅, entao ξ = φ−1 ψ e um difeomorfismode ψ−1(U ∩ V ) sobre φ−1(U ∩ V ).

As superfıcies do espaco euclidiano R3 podem ser de-finidas de modo analogo ao que adotamos para as curvas.

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8 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

Uma superfıcie (simples) e um subespaco de R3 localmentehomeomorfo a um disco aberto do plano. (Em vez de umdisco, pode usar-se um aberto qualquer de R2, que quasesempre se escolhe conexo.) Com maior precisao, definire-mos: uma superfıcie e um subconjunto Σ ⊂ R3, tal quepara cada ponto p ∈ Σ existe uma vizinhanca V de p emR3 e um homeomorfismo φ : A→ Σ∩V , onde A ⊂ R2 e umconjunto aberto. O conjunto Σ∩ V = U e uma vizinhancade p no subespaco Σ ⊂ R3.

Da mesma maneira que para as curvas, o homeomor-fismo φ : A → U diz-se uma parametrizacao local da su-perfıcie Σ. Se q = (x, y, z) ∈ U , existe (u, v) ∈ A tal queφ(u, v) = q.

p U

V

R2

A

As coordenadas de q sao, portanto, funcoes dos parametrosu, v. As equacoes

x = x(u, v), y = y(u, v), z = z(u, v),

por meio das quais se expressa essa dependencia, sao equa-

coes parametricas de Σ (validas na vizinhanca U). E muito

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[SEC. 2: CURVAS E SUPERFICIES REG. NO ESP. EUCLIDIANO R3 9

empregada a representacao vetorial r = f(u, v), onde r(u, v)e o vetor (x(u, v), y(u, v), z(u, v)).

A parametrizacao local φ : A → U e dita diferenciavel

de classe Ck (1 ≤ k ≤ ∞) se as funcoes x, y, z admitemtodas as derivadas parciais de ordens 1, . . . , k contınuas (nocaso k = ∞, existem as derivadas de todas as ordens dasditas funcoes).

Uma parametrizacao diferenciavel φ : A → U , validanum aberto U ⊂ Σ, e regular se a matriz

∂x∂u

∂y∂u

∂z∂u

∂x∂v

∂y∂v

∂z∂v

tem caracterıstica 2 em todo ponto (u, v) ∈ A. Em outraspalavras: φ e regular se os vetores ∂r

∂ue ∂r∂v

sao linearmenteindependentes, qualquer que seja (u, v) ∈ A.

A superfıcie Σ diz-se regular de classe Ck, onde 1 ≤ k≤ ∞, se para todo p ∈ Σ existe uma parametrizacao re-gular de classe Ck, valida numa vizinhanca de p. Diremosque tais parametrizacoes sao admissıveis em relacao a Σ.

As superfıcies regulares sao precisamente as que admi-tem um plano tangente bem definido em cada ponto.

Seja φ : A → U uma parametrizacao local admissıvelem uma superfıcie regular Σ, de classe Ck. Seja B ⊂ R2

um conjunto aberto e ξ : B → A um homeomorfismo deB sobre A, diferenciavel de classe Ck, com determinantejacobiano 6= 0 em todo ponto de B. Resulta que o ho-meomorfismo inverso ξ−1 : A → B tambem e diferenciavelde classe Ck. Para sintetizar tudo isso em uma palavra,diremos que φ e um difeomorfismo (de classe Ck). O ho-meomorfismo

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10 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

U

R2R

2

A B

φ ξ = ψ : B → U e uma parametrizacao admissıvel emrelacao a Σ, e e claro que ξ = φ−1 ψ. Se φ : A → Ue ψ : B → V sao duas parametrizacoes locais admissıveisrelativamente a superfıcie regular Σ, tais que U ∩ V 6=∅, demonstra-se que φ−1 ψ = ξ e um difeomorfismo deψ−1(U ∩ V ) sobre φ−1(U ∩ V ).

O estudo introdutorio que acabamos de apresentar paraas curvas e superfıcies regulares do espaco euclidiano R3

pode ser estendido imediatamente ao espaco n-dimensionalRn, no qual podemos definir, de maneira obvia, superfıcies

regulares de dimensao r (r < n). A r = n−1 correspondemas chamadas hipersuperfıcies de Rn. O leitor interessadopode encontrar o estudo dessas superfıcies em [6], Cap. II.

A nocao de variedade diferenciavel deriva, por via di-reta, da ideia de superfıcie regular, a que nos referimos.Trata-se apenas de recorrer a um processo de abstracao, edefinir uma entidade matematica que nao se supoe imersaem um espaco euclidiano, mas que possui algumas propri-edades sugeridas pelas superfıcies regulares de Rn. Estaspassarao a ser particulares variedades diferenciaveis.

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[SEC. 3: CONCEITO DE VARIEDADE DIFERENCIAVEL 11

3 Conceito de variedade diferen-

ciavel

Conforme dissemos na introducao, uma variedade topologi-

ca de dimensao n e um espaco de Hausdorff M , com baseenumeravel de conjuntos abertos, localmente homeomorfoao espaco euclidiano Rn. Essa ultima propriedade signi-fica que cada ponto p ∈ M tem uma vizinhanca (aberta)U homeomorfa ao espaco Rn (ou, de modo mais geral, aum conjunto aberto A ⊂ Rn). Indicaremos a variedadepela mesma letra M que representa o espaco topologicosubjacente, e, quando houver conveniencia em dar enfasea dimensao n, usaremos o sımbolo Mn. O homeomor-fismo local x : U → Rn permite-nos a introducao de co-ordenadas na variedade M . Para cada q ∈ U , tem-sex(q) = (x1, . . . , xn) ∈ Rn; os numeros reais x1, . . . , xn sao,por definicao, as coordenadas do ponto p no sistema local

x : U → Rn.

Para poder atribuir coordenadas a todo ponto da varie-dade Mn, devemos imaginar uma cobertura de M formadade conjuntos abertos Uα , cada um dos quais seja o domıniode um sistema local xα : Uα → Rn. Uma tal colecao de sis-temas de coordenadas locais em M e o que chamaremosum atlas de dimensao n sobre a variedade M .

Em uma variedade Mn, consideremos dois sistemas lo-cais x : U → Rn e y : V → Rn, tais que U ∩ V 6= ∅. Se p ∈U ∩ V , deve ser x(p) = (x1, . . . , xn) e y(p) = (y1, . . . , yn).A aplicacao (x1, . . . , xn) → (y1, . . . , yn) e precisamente ohomeomorfismo composto y x−1 : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V ),que se diz uma transformacao de coordenadas locais navariedade M . O homeomorfismo inverso de y x−1 e evi-

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12 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

dentemente x y−1, e define a transformacao inversa daprimeira.

Para passar do conceito de variedade topologica a ideiamais particular de variedade diferenciavel, e mister suporque essas transformacoes satisfacam a certas hipoteses dediferenciabilidade, que passamos a descrever de modo pre-ciso. A transformacao y x−1, acima considerada, associa

UV

Mn

x y

y xoR

nR

n-1

ao ponto (x1, . . . , xn) ∈ x(U ∩ V ) o ponto (y1, . . . , yn) ∈y(U ∩ V ), e pode, pois, representar-se por um sistema deequacoes

yi = yi (x1, . . . , xn),

i = 1, . . . , n.

Diz-se que essa transformacao e diferenciavel de classe Ck

(1 ≤ k ≤ ∞) se as funcoes reais y1, . . . , yn admitem deriva-das parciais contınuas de ordens 1, . . . , k (ou de todas asordens, no caso k = ∞). Quando a transformacao inversa

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[SEC. 3: CONCEITO DE VARIEDADE DIFERENCIAVEL 13

de y x−1 (isto e, x y−1) e tambem diferenciavel de classeCk, dizemos que y x−1 e um difeomorfismo de classe Ck,

e, neste caso, o jabobiano det(∂yi

∂xj

)e 6= 0 em todo ponto

onde e definido.

Um atlas A sobre uma variedade topologica M diz-sediferenciavel de classe Ck se as transformacoes de coorde-nadas locais yx−1, correspondentes a todo par de sistemasx, y ∈ A, sao diferenciaveis de classe Ck (e entao e claroque tais transformacoes sao difeomorfismos de classe Ck).

Seja A um atlas diferenciavel de classe Ck sobre a va-riedade topologica Mn. Um sistema de coordenadas locaisz : V → Rn diz-se admissıvel em relacao a esse atlas, se atransformacao de coordenadas z x−1 e um difeomorfismode classe Ck, qualquer que seja o sistema local x : U → Rn,pertencente a A, tal que V ∩ U 6= ∅. E claro que sao ad-missıveis relativamente a A todos os sistemas locais x ∈ A.Um atlas A e maximo quando a ele pertence todo sistemalocal admissıvel em relacao a A. Todo atlas diferenciavelsobre uma variedade M esta evidentemente contido em umunico atlas maximo de mesma classe.

Podemos agora definir: uma variedade diferenciavel dedimensao n e de classe Ck (1 ≤ k ≤ ∞) e uma variedadetopologica Mn dotada de um atlas diferenciavel maximode classe Ck.

Citaremos, agora, alguns exemplos de variedades dife-renciaveis, mas nao nos deteremos em discutı-los, paranao alongar este capıtulo introdutorio. O leitor interes-sado podera encontrar em [6] o estudo minucioso dessesexemplos, e de outros muito interessantes. Sao variedadesdiferenciaveis:

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14 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

1) O espaco euclidiano Rn, munido do atlas maximo declasse C∞ ao qual pertence o sistema x : Rn → Rn, tal quex(p) = p para todo p ∈ Rn.

2) Todo subconjunto aberto de uma variedade dife-renciavel.

3) As curvas e superfıcies regulares de R3, e, de modomais geral, as superfıcies regulares de dimensao r do espacoeuclidiano Rn (r < n).

4) A esfera unitaria Sn ⊂ Rn+1. Essa esfera e o con-junto Sn = p ∈ Rn+1 ; |p| = 1; trata-se de uma hiper-superfıcie de Rn+1. Este exemplo e um caso particularimportante do exemplo precedente.

4 Espaco vetorial tangente a uma

variedade diferenciavel

A ideia de variedade diferenciavel e uma generalizacao abs-trata da ideia de superfıcie regular de um espaco euclidi-ano. E possıvel definir objetos matematicos que exercem,em relacao a uma variedade M , um papel analogo ao quedesempenham na geometria diferencial os vetores tangen-tes a uma superfıcie r-dimensional do espaco Rn (r < n).A tais objetos chamaremos vetores tangentes a variedadeM , mas, ao contrario do que ocorre no caso das superfıcies,eles nao sao vetores usuais de um espaco euclidiano, poisa variedade M nao esta necessariamente contida em umRn. Existem varias maneiras de definir vetor tangente auma variedade diferenciavel. Descreveremos apenas umadelas, a qual, alias, nao e a mais intuitiva, mas a que nosparece mais simples do ponto de vista formal. A ideia

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[SEC. 4: ESPACO VETORIAL TANGENTE A UMA VAR. DIFERENCIAVEL 15

basica e a de que as entidades abstratas a que chamare-mos vetores tangentes a uma variedade diferenciavel numponto dela, constituam um espaco vetorial, e possam serdescritas, de modo preciso, em cada sistema de coordena-das locais, valido numa vizinhanca do dito ponto.

Seja Mn a variedade considerada. Tomemos um pontop ∈M , e seja Mp a colecao dos sistemas locais x : U → Rn,tais que p ∈ U . Um vetor tangente a variedade M noponto p e uma funcao v : Mp → Rn que cumpre a seguintecondicao: se x, y ∈ Mp , se v(x) = (α1, . . . , αn) e se v(y) =(β1, . . . , βn), entao

βi =n∑

j=1

∂yi

∂xj(p) · αj, i = 1, . . . , n,

onde(∂yi

∂xj (p))

e a matriz jacobiana da transformacao de

coordenadas y x−1, calculada no ponto x(p) ∈ Rn. Osnumeros reais α1, . . . , αn sao as componentes do vetor tan-gente v no sistema x. A formula acima exprime a lei detransformacao das componentes de v, quando se passa dosistema x ao sistema y, e mostra que o vetor v fica comple-tamente determinado quando se conhecem as suas compo-nentes em um sistema (∗).

Representemos por Mp o conjunto de todos os vetorestangentes a variedade M no ponto p. Podemos definir asoma de dois vetores u, v ∈Mp como sendo o vetor u+ v ∈Mp tal que (u + v)(x) = u(x) + v(x), qualquer que sejao sistema x ∈ Mp . Se λ ∈ R, podemos tambem definir

(∗) E a chamada lei de transformacao por contravariancia.

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16 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

o produto de λ pelo vetor u ∈ Mp como sendo o vetorλu ∈ Mp tal que (λu)(x) = λu(x), para todo x ∈ Mp .Relativamente a essas duas leis de composicao, o conjuntoMp apresenta uma estrutura algebrica de espaco vetorialsobre R; trata-se do espaco vetorial tangente a variedade

M no ponto p, o qual representaremos ainda pelo sımboloMp . Observe-se que o vetor zero desse espaco tangente eo vetor 0 ∈Mp tal que 0(x) = (0, . . . , 0) para todo sistemax ∈ Mp .

Consideremos um sistema de coordenadas locais x : U→ Rn, tal que p ∈ U . Representemos por X1, X2, . . . , Xn

os vetores tangentes a M em p, definidos assim:

X1(x) = (1, 0, . . . , 0),

X2(x) = (0, 1, . . . , 0),

................................

Xn(x) = (0, 0, . . . , 1).

Se y : V → Rn e outro sistema local tal que p ∈ V , verifica-se trivialmente que

Xi(y) =

(∂y1

∂xi(p), . . . ,

∂yn

∂xi(p)

), i = 1, . . . , n.

Os vetores X1, . . . , Xn sao linearmente independentes;com efeito, se λ1, . . . , λn ∈ R e λ1X1 + · · · + λnXn = 0,devemos ter:

(λ1X1 + · · · + λnXn)(z) = (0, 0, . . . , 0)

para todo sistema local z ∈ Mp ; em particular, para osistema x resulta

(λ1X1 + · · · + λnXn)(x) = (λ1, λ2, . . . , λn) = (0, 0, . . . , 0);

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[SEC. 5: APLICACOES DIFERENCIAVEIS 17

logo λ1 = λ2 = · · ·λn = 0, como querıamos provar.

Os vetores tangentes X1, . . . , Xn geram o espaco veto-rial Mp . De fato, se v ∈ Mp e v(x) = (ξ1, . . . , ξn) ∈ Rn,podemos escrever:

v(y) =

(∑

j

∂y1

∂xj(p) ξj, . . . ,

j

∂yn

∂xj(p) ξj

),

v(y) =∑

j

(∂y1

∂xj(p) ξj, . . . ,

∂yn

∂xj(p) ξj

),

v(y) =∑

j

ξj(∂y1

∂xj(p), . . . ,

∂yn

∂xj(p)

)=∑

j

ξj Xj(y),

v(y) =

(∑

j

ξj Xj

)(y).

Como y ∈ Mp e generico, segue-se que v =∑j

ξj Xj .

Podemos concluir que o conjunto X1, . . . , Xn e umabase do espaco vetorial Mp , e que este e n-dimensional.Diremos que X1, . . . , Xn e a base de Mp associada ao

sistema x.

5 Aplicacoes diferenciaveis

Consideremos duas variedades Mm, Nn, diferenciaveis declasse Ck.

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18 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

U

Rn

Rm

Mm

p

xy

Nn

V

( )p( )U

x ( )U y ( )Vy xo o -1

Uma aplicacao φ : M → N diz-se diferenciavel de classe

Ch (h ≤ k) se satisfaz as seguintes condicoes: 1) para todop ∈M e para todo sistema local y : V → Rn tal que φ(p) ∈V , existe um sistema local x : U → Rm tal que p ∈ U eφ(U) ⊂ V ; 2) a aplicacao composta y φ x−1 : x(U) →y(V ) e diferenciavel de classe Ch.

Da condicao 1) decorre a continuidade de φ. A condicao2) tem o seguinte significado: se q ∈ U , se x(q) = (x1, . . . ,xm) e se y(φ(q)) = (y1, . . . , yn), entao a aplicacao yφx−1

e representada por

yi = yi(x1, . . . , xm), i = 1, . . . , n,

onde y1, . . . , yn sao funcoes que admitem derivadas par-ciais contınuas de ordens 1, . . . , h em todo ponto do seudomınio x(U). Da hipotese h ≤ k resulta que se a condicao2) e satisfeita para um par x, y de sistemas locais, elae tambem verificada para qualquer outro par (supoe-se,evidentemente, que esses pares de sistemas satisfazem acondicao 1)). E claro que so se pode ter h = ∞ se etambem k = ∞.

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[SEC. 6: DIFERENCIAL DE UMA APLICACAO DIFERENCIAVEL 19

Incluem-se como casos particulares das aplicacoes dife-renciaveis as duas importantes categorias seguintes:

1) As funcoes reais diferenciaveis definidas sobre a va-riedade Mn : sao as funcoes f : M → R tais que para todosistema de coordenadas locais x : U → Rn, a funcao realf x−1 : x(U) → R e diferenciavel.

2) As curvas diferenciaveis : sao as aplicacoes diferencia-veis C : I → Mn, onde I e um intervalo real aberto. Sejax : U → Rn um sistema local em M , para o qual se tenhaU ∩ C(I) 6= ∅; seja J ⊂ I um intervalo aberto tal queC(J) ⊂ U . A hipotese de diferenciabilidade de C signi-fica que a aplicacao x C : J → x(U) se representa por nfuncoes diferenciaveis xi = xi(t), i = 1, . . . , n.

6 Diferencial de uma aplicacao di-

ferenciavel

Consideremos duas variedades Mm e Nn, e uma aplicacaodiferenciavel φ : M → N . Vamos mostrar que φ induz, emcada ponto p ∈ M , uma aplicacao linear φp : Mp → Nφ(p)

(cada vetor tangente a M em p e aplicado num vetor tan-gente a N em φ(p)). Ponhamos φ(p) = q, e considere-mos sistemas de coordenadas locais x : U → Rm, em M ,e y : V → Rn, em N , tais que p ∈ U e q ∈ V . Podemosadmitir que φ(U) ⊂ V . A aplicacao φ representa-se, emtermos dos ditos sistemas locais, por equacoes:

yi = yi(x1, . . . , xm), i = 1, . . . , n.

Seja u ∈ Mp um vetor cujas componentes na base as-sociada ao sistema x sao (α1, . . . , αm). Por definicao, a

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20 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

aplicacao linear φp associa ao vetor u um vetor v = φp(u) ∈Nq , cujas componentes (β1, . . . , βn) na base associada aosistema y sao

βi =m∑

j=1

αj∂yi

∂xj(p), i = 1, . . . , n.

Como se ve, a matriz da aplicacao linear φp , relativa-mente as bases associadas aos sistemas de coordenadas x ey, e a matriz jacobiana

(∂yi

∂xj (p))

da aplicacao diferenciavel

y φ x−1 : x(U) → y(V ), calculada no ponto x(p). Di-remos, para abreviar, que essa e a matriz jacobiana daaplicacao φ, relativamente aos sistemas x, y.

Como a definicao de φp , acima dada, foi estabelecidamediante o emprego de sistemas de coordenadas locais nasvariedades M e N , precisamos provar que essa definicao elegıtima, isto e, que φp nao depende da escolha dos siste-mas locais x, y. Tomemos novos sistemas de coordenadasx : U → Rm, em M , e y : V → Rn, em N , tais que p ∈ U ,q ∈ V e φ(U) ⊂ V . A aplicacao φ representar-se-a pornovas equacoes

yr = yr(x1, . . . , xm), r = 1, . . . , n.

Sejam (α1, . . . , αm) as componentes do vetor u ∈ Mp na

base associada ao sistema x, e (β1, . . . , β

n) as componen-

tes de v = φp(u) ∈ Nq na base associada ao sistema y.Precisamos provar que

βr

=m∑

s=1

αs∂yr

∂xs(p), r = 1, . . . , n.

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[SEC. 6: DIFERENCIAL DE UMA APLICACAO DIFERENCIAVEL 21

Com efeito, levando em conta a maneira, ja conhecida,como se transformam as componentes de um vetor tan-gente, quando se muda de sistema de coordenadas, pode-mos escrever:

βr

=n∑

i=1

βi∂yr

∂yi=

n∑

i=1

(m∑

j=1

αj∂yi

∂xj

)∂yr

∂yi=

=m∑

j=1

αj

(n∑

i=1

∂yr

∂yi∂yi

∂xj

)=

m∑

j=1

αj∂yr

∂xj=

=m∑

j=1

(m∑

s=1

αs∂xj

∂xs

)∂yr

∂xj=

m∑

s=1

αs

(m∑

j=1

∂yr

∂xj∂xj

∂xs

)=

=m∑

s=1

αs∂yr

∂xs·

A definicao acima dada mostra claramente que a aplica-cao φp : Mp → Nq e linear. Essa aplicacao diz-se diferen-

cial de φ : M → N , no ponto p ∈ M . Para representa-la,pode empregar-se o sımbolo (dφ)p , ou simplesmente dφ.Tambem e usado o sımbolo φ∗ , quando o ponto p pode ficarsubentendido, sem prejuızo da clareza. No presente traba-lho, referir-nos-emos, de modo geral, a aplicacao φp : Mp

→ Nq como sendo a aplicacao linear induzida em p pela

aplicacao φ : M → N .

Sejam M , N , P tres variedades e φ : M → N , ψ : N →P duas aplicacoes diferenciaveis. Sejam p ∈M , q = φ(p) ∈N e r = ψ(q) = (ψφ)(p) ∈ P . Verifica-se, sem dificuldade,que (ψ φ)p = ψq φp .

Observemos tambem que se i : M → M e a apliacaoidentica, e se p ∈ M , entao ip : Mp → Mp e a aplicacaoidentica.

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22 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

7 Regularidade de uma aplicacao

diferenciavel. Imersoes. Difeo-

morfismos

Sejam Mm, Nn duas variedades e φ : M → N uma aplica-cao diferenciavel. Dizemos que φ e regular no ponto p ∈Mquando a aplicacao linear induzida φp : Mp → Nφ(p) e biunı-

voca. Neste caso, a imagem φp(Mp) e um subespaco dedimensao m do espaco vetorial Nφ(p) , e e claro que issoso pode ocorrer quando m ≤ n (no caso m = n, φp e umisomorfismo entre os espacos vetoriais Mp e Nφ(p)). Umaaplicacao regular φ : M → N e uma aplicacao que e regularem todo ponto p ∈M .

Vamos exprimir essa ideia de regularidade em termosde coordenadas locais. Seja y : V → Rn um sistema localem N , tal que φ(p) ∈ V , e seja x : U → Rm um sistema emM , tal que p ∈ U e φ(U) ⊂ V . Relativamente as bases deMp e Nφ(p) associadas aos sistemas x e y, respectivamente,a matriz da aplicacao linear φp : Mp → Nφ(p) e, segundo

ja assinalamos, a matriz jacobiana(∂yi

∂xj (p))

da aplicacao

yφx−1 : x(U) → y(V ). De acordo com a definicao acima,φ e regular em p se e somente se a caracterıstica dessamatriz e m. Verifica-se, trivialmente, que essa condicaoindepende da escolha dos sistemas de cordenadas x e y.

Um fato importante, que devemos mencionar aqui, e oseguinte: se a aplicacao φ : M → N e regular no pontop ∈ M , existe uma vizinhanca U ∋ p em M , tal que arestricao φ|U e biunıvoca; se φ e regular, entao e localmentebiunıvoca (isto e, cada ponto p ∈ M tem uma vizinhancaU na condicao descrita). A demonstracao desse resultado

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[SEC. 8: VALORES REGULARES E VALORES CRITICOS 23

pode ser vista em [6], capıtulo III.A φ : M → N e uma imersao quando e ao mesmo tempo

uma aplicacao regular e um homeomorfismo de M em N .A aplicacao φ : M → N e um difeomorfismo quando

e um homeomorfismo diferenciavel de M sobre N , cujoinverso φ−1 : N → M e tambem diferenciavel. Nessascondicoes, se p ∈ M e q = φ(p) ∈ N , podemos escre-ver: (φ−1)q φp = (φ−1 φ)p = ip : Mp → Mp (identi-dade) e φp (φ−1)q = (φ φ−1)q = iq : Nq → Nq (identi-dade). Isso mostra que φp aplica Mp biunivocamente sobreNq (e e, pois, um isomorfismo de espacos vetoriais) e que(φp)

−1 = (φ−1)q ; em particular, podemos concluir que asvariedades M e N tem a mesma dimensao.

O conceito de difeomorfismo e o que substitui o de ho-meomorfismo, quando passamos da Topologia Geral a To-pologia Diferencial.

8 Valores regulares e valores crıti-

cos de uma aplicacao diferencia-

vel

Seja φ : Mm → Nn uma aplicacao diferenciavel. Um pontoq ∈ N diz-se valor regular de φ se para todo p ∈ φ−1(q)a aplicacao linear φp aplica o espaco tangente Mp sobre

o espaco tangente Nq (quer dizer, todo vetor v ∈ Nq e aimagem φp(u) de algum vetor u ∈ Mp , ou, em sımbolos:φp(Mp) = Nq). De acordo com essa definicao, todo pontoq ∈ N tal que φ−1(q) = ∅ e um valor regular de φ.

Um ponto q ∈ N e um valor crıtico de φ quando naoe um valor regular. Portanto, se q ∈ N e um valor crıtico

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24 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

de φ, existe pelo menos um ponto p ∈ φ−1(q) ⊂ M , talque φp(Mp) e um subespaco proprio de Nq (neste caso, φpnao aplica Mp sobre Nq); o ponto p diz-se um ponto crıtico

de φ. E claro que o conjunto dos valores crıticos de φ e aimagem do conjunto dos seus pontos crıticos. Os valoresregulares e os valores crıticos de φ constituem conjuntoscomplementares na variedade N .

A definicao dada acima permite concluirmos imediata-mente que se q ∈ N e um valor regular de φ : Mm → Nn,tal que φ−1(q) 6= ∅, entao deve ser m ≥ n. Segue-se que sem < n, todo q ∈ φ(M) e um valor crıtico de φ; neste caso,φ(M) e justamente o conjunto dos valores crıticos de φ.

Vejamos como se exprimem essas ideias em termos decoordenadas locais. Seja q ∈ N um valor crıtico de φ : Mm

→ Nn. Tomemos um sistema de coordenadas locais emN , y : V → Rn, tal que q ∈ V . Existe algum pontop ∈ φ−1(q), tal que a aplicacao φp : Mp → Nq nao e so-bre. Seja x : U → Rm um sistema local em M , tal quep ∈ U e φ(U) ⊂ V . Consideremos a matriz jacobiana(∂yi

∂xj (p))

da φ, relativamente aos ditos sistemas; ela e a

matriz da aplicacao linear φp , com respeito as bases de Mp

e Nq associadas aqueles sistemas. Dizer que φp(Mp) e su-bespaco proprio de Nq e dizer que dimφp(M)p < dimNq ,ou seja, que a matriz jacobiana acima tem caracterıstica< n. E claro que essa condicao nao depende da escolhados sistemas de coordenadas x e y.

Quando q ∈ N e valor regular de φ, a matriz jacobianade φ, em todo p ∈ φ−1(q), tem caracterıstica n, quaisquerque sejam os sistemas de coordenadas locais usados.

Os conceitos de valor crıtico e de valor regular de uma

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[SEC. 8: VALORES REGULARES E VALORES CRITICOS 25

aplicacao diferenciavel sao fundamentais no presente tra-balho. Por essa razao, vamos ilustra-los por meio de exem-plos. Seja f : R → R uma funcao diferenciavel. Os pontoscrıticos de f sao os pontos x ∈ R tais que f ′(x) = 0. Umvalor y ∈ R e crıtico para f se existe pelo menos um pontox ∈ R tal que f(x) = y e f ′(x) = 0. No grafico da funcaof : R → R, os pontos crıticos sao aqueles em que a funcaopassa por maximo ou mınimo, ou a curva apresenta inflexaocom tangente paralela ao eixo dos xx. Na figura abaixo,x1 , x2 , x3 sao pontos crıticos de f , e y1 , y2 , y3 sao valores

0 x1x2 x3

y1y2

x

y3

f x( )

crıticos. A funcao seno (y = sen x), por exemplo, tem umainfinidade (enumeravel) de pontos crıticos, e os seus unicosvalores crıticos sao +1 e −1.

Consideremos, agora, uma funcao diferenciavel f : R2

→ R. Ponhamos f(x, y) = z. Um ponto p = (x0, y0) ∈ R2

e crıtico para f se ∂f∂x

(p) = 0 e ∂f∂y

(p) = 0. Um valorz0 ∈ R e crıtico para f se existe pelo menos um ponto deR2, p = (x0, y0), tal que f(p) = z0 , ∂f

∂x(p) = 0 e ∂f

∂y(p) = 0.

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9 Subvariedades

Consideremos duas variedades diferenciaveisMm eNn, taisque N ⊂ M . Diremos que N e uma subvariedade de Mse a aplicacao de inclusao F : N → M e uma imersao. Osignificado preciso dessa definicao e o seguinte: 1) comoconjunto de pontos, a subvariedade N e um subconjuntode M ; 2) como espaco topologico, a subvariedade possui atopologia induzida pela da variedade; 3) a estrutura dife-renciavel da subvariedade N satisfaz a seguinte condicao:para todo ponto p ∈ N , e para todo sistema de coordenadaslocais x : U → Rm, valido num aberto U ⊂ M , tal quep ∈ U , existe um sistema local y : V → Rn, valido numaberto V ⊂ N , tal que p ∈ V ⊂ U ,

M

N

VU

p

y

x

y(V) Rn x(U) R

mx yo -1

e a aplicacao x y−1 : y(V ) → x(U) e diferenciavel, e temmatriz jacobiana com caracterıstica n em todo ponto doseu domınio.

A ultima condicao mostra claramente que se Nn e sub-variedade de Mm, deve ser n ≤ m. Simples consideracoes,

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[SEC. 9: SUBVARIEDADES 27

que omitiremos por brevidade, permitem concluirmos quea igualdade n = m ocorre se e somente se N e um conjuntoaberto de M .

Observemos tambem que se M , N sao duas variedadesdiferenciaveis, e se f : M → N e uma imersao, entao aimagem f(M) e uma subvariedade de N , e a f aplica Mdifeomorficamente sobre f(M).

Por varias vezes, no texto subsequente, teremos neces-sidade de considerar a imagem inversa de um valor regu-lar relativamente a uma aplicacao diferenciavel. Vale, aproposito, o seguinte

Teorema. Sejam Mm, Nn duas variedades e f : M → Numa aplicacao diferenciavel. Seja q ∈ N um valor regular

de f .1) Se m < n, o conjunto f−1(q) e vazio.

2) Se m = n, f−1(q) e vazio ou e um conjunto de pontos

isolados.

3) Se m > n, f−1(q) e vazio ou e uma subvariedade de

M , de dimensao m− n.

Demonstracao. 1) Se m < n, todo p ∈M e ponto crıticode f , e entao e claro que f−1(q) = ∅.

2) Seja m = n. Se f−1(q) nao e vazio, a f e regular emcada p ∈ f−1(q); existe entao uma vizinhanca U ∋ p emM , tal que a restricao f |U e biunıvoca; resulta daı que p eo unico ponto de U que se aplica em q. Nao existe, pois,outro ponto de f−1(q) arbitrariamente proximo de p; emoutros termos: os pontos de f−1(q) sao isolados.

3) Seja agora m > n, e admitamos f−1(q) nao vazio.Tomemos um sistema de coordenadas locais y : V → Rn,em N , valido numa vizinhanca V ∋ q, e suponhamos, por

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28 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

simplicidade, que y(q) = 0 ∈ Rn. Consideremos um pontoqualquer p ∈ f−1(q), e seja x : U → Rm um sistema lo-cal arbitrario em M , tal que p ∈ U e f(U) ⊂ V . Ponha-mos, para fixar ideias, x(p) = (x1

0, . . . , xm0 ). Com referencia

aos ditos sistemas de coordenadas, podemos representar aaplicacao f por equacoes

yi = yi(x1, . . . , xm), i = 1, . . . , n

(note-se que o domınio das funcoes y1, . . . , yn e o conjuntoaberto x(U) ⊂ Rm).

Representemos por(∂yi

∂xj (p))

a matriz jacobiana desse

sistema de equacoes, calculada no ponto x(p). Essa matriztem caracterıstica n, por hipotese. Logo, podemos supor,mediante eventual reenumeracao das coordenadas de p, que

det

(∂yi

∂xj(p)

)6= 0, i, j = 1, . . . , n.

E claro que as coordenadas x1, . . . , xm de todo ponto doconjunto U ∩ f−1(q) satisfazem as equacoes

yi(x1, . . . , xm) = 0, i = 1, . . . , n.

De acordo com o teorema das funcoes implıcitas, podemosconcluir que essas equacoes definem, localmente, x1, . . . , xn

como funcoes de xn+1, . . . , xm. Em termos precisos: existeuma vizinhanca W do ponto (xn+1

0 , . . . , xm0 ) em Rm−n, euma vizinhanca Z ∋ p em M , Z ⊂ U , de maneira que acada ponto (xn+1, . . . , xm) ∈ W corresponde um e um soponto r ∈ Z, com x(r) = (x1, . . . , xn, xn+1, . . . , xm), talque as equacoes

yi(x1, . . . , xn, xn+1, . . . , xm) = 0, i = 1, . . . , n,

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[SEC. 10: VARIEDADES COM BORDO 29

sao satisfeitas simultaneamente. Segue-se que f−1(q) euma subvariedade de dimensao m − n da variedade M(a aplicacao r → (xn+1, . . . , xm), definida em Z ∩ f−1(q),com valores em W , e um sistema de coordenadas locais emf−1(q), valido numa vizinhanca de p).

10 Variedades com bordo

De acordo com a definicao de variedade topologica (e, emparticular, diferenciavel), todo ponto de uma variedadeMn

tem uma vizinhanca (em M) homeomorfa a um conjuntoaberto do espaco euclidiano Rn. Assim, por exemplo, podea reta real, ou um intervalo real aberto, ou um disco abertodo plano, receber uma estrutura de variedade diferenciavel,mas nao acontece o mesmo com um intervalo real fechado,ou com um disco fechado do plano. Com efeito, se I e o in-tervalo fechado [a, b] ⊂ R, e claro que nenhuma vizinhancado ponto a em I pode ser homeomorfa a um aberto de R,e, no caso do disco fechado B = (x, y) ∈ R2; x2 +y2 ≤ 1,uma impossibilidade do mesmo tipo ocorre com todo pontoda circunferencia S = (x, y) ∈ R2; x2 + y2 = 1.

Entretanto, e possıvel (e muito conveniente) ampliar,em certo sentido, o conceito de variedade, mediante modi-ficacao da definicao dada, de maneira que o novo conceitovenha a englobar alguns casos importantes (como os acimacitados) que se nao enquadram como variedades segundoa primeira definicao. A alteracao de que se trata consisteessencialmente em alargar, de certo modo, o conceito desistema de coordenadas locais. Temos considerado um talsistema, ate agora, como um homeomorfismo x : U → Rn,onde U e um conjunto aberto da variedade Mn e x(U) e

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30 [CAP. I: NOCOES SOBRE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

um aberto do espaco euclidiano Rn. Consideremos em Rn

o semi-espaco

Rn0 = (x1, . . . , xn) ∈ Rn; xn ≥ 0.

O hiperplano Hn−1 = (x1, . . . , xn) ∈ Rn; xn = 0 diz-sebordo do semi-espaco Rn

0 . A topologia que consideramossempre em Rn

0 e a induzida pelo espaco Rn (isto e, pensa-mos em Rn

0 como subespaco de Rn); e claro que um con-junto A ⊂ Rn

0 pode ser aberto neste semi-espaco sem o serno espaco Rn (e isso ocorre precisamente quando A contempontos do bordo de Rn

0 ).Ja dissemos que uma variedade topologica de dimensao

n e um espaco de Hausdorff M , com base enumeravel deconjuntos abertos, no qual cada ponto tem uma vizinhancahomeomorfa a um aberto do espaco euclidiano Rn. Mo-difiquemos essa definicao em sua parte final, e passemosa admitir que cada ponto p ∈ M deva possuir uma vi-zinhanca homeomorfa a um aberto do espaco Rn ou do

semi-espaco Rn0 . O conceito de variedade topologica a que

chegamos gracas a essa alteracao, inclui, evidentemente, oconceito ao qual corresponde a definicao antiga, e e, pois,mais abrangente.

Seja M uma variedade no sentido da nova definicao.Consideremos o conjunto N ⊂ M , constituıdo pelos pon-tos p ∈ M , para cada um dos quais existe em M umavizinhanca V ∋ p homeomorfa a um aberto do espaco Rn

(o homeomorfismo x : V → Rn e um sistema de coordena-das valido em V ). Esse conjunto N e aberto em M , poise claro que so possui pontos interiores; o seu complementoM − N e um conjunto fechado em M , ao qual chamamosbordo da variedade M . O bordo de M , que indicamos com

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o sımbolo ∂M , pode ser um conjunto vazio, ou nao. Noprimeiro caso, M e uma variedade no sentido da antiga de-finicao, e, quando quisermos dar realce a circunstancia deque ∂M = ∅, diremos que M e uma variedade sem bordo.No segundo caso, M e uma variedade com bordo. A uma va-riedade compacta e sem bordo, chamaremos simplesmentevariedade fechada.

Em uma variedade com bordo Mn, consideremos umponto p ∈ ∂M . Se x : U → Rn e qualquer sistema de coor-denadas locais em M , tal que p ∈ U , e claro que x(U) e umaberto do semi-espaco Rn

0 , mas nao e um aberto de Rn, eentao, x(U) contem necessariamente pontos do hiperplanoHn−1. Pode demonstrar-se, sem dificuldade, que os pontosdo conjunto x(U)∩Hn−1 sao as imagens (por x) dos pontosde U ∩∂M . Portanto, todo ponto q ∈ U ∩∂M (e em parti-cular o ponto p) tem coordenadas da forma (x1, . . . , xn−1, 0)no sistema x, e vice-versa, todo ponto q ∈ U cujas coorde-nadas no sistema x sejam dessa forma, pertence ao bordo∂M .

Os conceitos de atlas diferenciavel e de atlas maximoestendem-se imediatamente as variedades com bordo. Po-demos, pois, daqui em diante, considerar tambem varie-dades diferenciaveis de dimensao n e classe Ck, dotadasde bordo. Para estas podemos definir, da mesma maneiracomo o fizemos para as variedades sem bordo, os conceitosde espaco vetorial tangente, de aplicacao diferenciavel, dediferencial, de valor regular, de imersao, de subvariedade,etc.

Observacoes. Entre as propriedades interessantes rela-cionadas com as variedades dotadas de bordo, citamos asseguintes:

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1 a) A estrutura diferenciavel de uma variedade combordo Mn induz sobre o bordo ∂M uma estrutura de va-riedade diferenciavel sem bordo, de mesma classe e de di-mensao n − 1. (Em termos menos refinados: o bordo deuma variedade diferenciavel de dimensao n e uma variedadede mesma classe, de dimensao n− 1, sem bordo.)

2 a) Seja Mn uma variedade diferenciavel com bordo,e seja p ∈ ∂M . O espaco vetorial tangente ao bordo emp, (∂M)p , pode ser identificado, de modo natural, comum subespaco de dimensao n − 1 do espaco vetorial Mp ,tangente a variedade M em p.

3 a) O teorema estudado no final do n. 9 e valido igual-mente para variedades com bordo, conforme atesta ummero exame da demonstracao apresentada. Uma situacaointeressante, que merece registro aqui, e a que passamosa descrever. Seja f : Mn → Nn−r uma aplicacao dife-renciavel da variedade M (com bordo) na variedade N(com ou sem bordo). Estamos supondo 1 ≤ r < n. Seq ∈ N e valor regular de f , a imagem inversa f−1(q) =P ⊂ M e uma subvariedade de M , de dimensao r, deacordo com o dito teorema. Nessas condicoes, dois fatosdevem ser assinalados:

1) o bordo da subvariedade P e a intersecao dela como bordo da variedade M ; em sımbolos: ∂P = P ∩ ∂M ;

2) em cada ponto p ∈ ∂P , os espacos vetoriais tangen-tes (∂P )p , Pp e (∂M)p sao tais que

(∂P )p = Pp ∩ (∂M)p .

O leitor interessado pode encontrar as demonstracoes des-ses resultados em [12], pag. 7; observe-se, a proposito, que,

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[SEC. 10: VARIEDADES COM BORDO 33

para Pontrjagin, no trabalho que acabamos de citar, asunicas subvariedades de M sao aquelas que podem ser de-finidas como o foi P nas consideracoes acima (isto e, comoimagem inversa de um valor regular em uma aplicacao dife-renciavel). Alias, tambem para as necessidades deste nossotrabalho, tais subvariedades sao as que realmente tem in-teresse, mas, num capıtulo cuja finalidade era apresentarum resumo das nocoes basicas da teoria das variedades dife-renciaveis, nao podıamos deixar de definir as subvariedadesda maneira mais geral que adotamos.

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Capıtulo II

O Teorema de Sard

Tem este capıtulo por principal objetivo a demonstracao doteorema de Sard. Antes de iniciarmos a marcha na direcaodessa meta, queremos dar sobre esse teorema algumas ex-plicacoes, por meio das quais possa o leitor adquirir umconhecimento perfeito do substrato da proposicao que e otema central do nosso trabalho. Para comecar, nada me-lhor do que focalizar alguns resultados familiares (e que,na verdade, sao filiados a ordem de estudos com que nosocupamos) e, ao mesmo tempo, fazer um pouco de historia,e descrever a evolucao das ideias matematicas que culmi-naram com o estabelecimento do dito teorema.

1 Introducao. Notıcia historica

Comecemos com observacoes de carater intuitivo, aparen-temente desprovidas de sentido mais profundo. Adiante,veremos que essas observacoes se referem a um estado decoisas muito mais geral, o qual e governado pela proposicao

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[SEC. 1: INTRODUCAO. NOTICIA HISTORICA 35

de Sard. A Geometria Diferencial Classica estuda as curvase superfıcies regulares do espaco ordinario R3. Tais enti-dades sao definidas da maneira ja recordada no CapıtuloI, por meio de aplicacoes diferenciaveis (de classe Ck, 1 ≤k ≤ ∞). As curvas e as superfıcies do espaco euclidianoordinario sao, como vimos, subespacos de R3 localmentehomeomorfos a conjuntos abertos da reta R e do plano R2,respectivamente. O aspecto para o qual desejamos chamara atencao do leitor neste momento e o seguinte: tanto ascurvas quanto as superfıcies, consideradas como partes deR3, sao conjuntos de volume nulo (sao conjuntos de medidanula em R3, e, portanto, de interior vazio em R3). Ob-servemos que todos os pontos de uma curva ou superfıciede R3 sao obviamente valores crıticos da correspondenteaplicacao diferenciavel. Desse modo, quando consideramoscurvas e superfıcies (de classe Ck) do espaco ordinario, es-tamos lidando com aplicacoes diferenciaveis para as quaistem medida nula o conjunto dos valores crıticos. A de-monstracao rigorosa desse fato sera apresentada adiante;contentemo-nos, por equanto, com obsrvacoes intuitivas.

Recordemos outro resultado interessante, muito conheci-do da Analise Classica. Seja f(x) uma funcao de classeC1, definida num aberto Ω da reta. Se f ′(x) = 0 paratodo x ∈ I, onde I ⊂ Ω e um conjunto conexo (um inter-valo), entao a funcao f e constante sobre I. Esse fato econsequencia imediata do teorema do valor medio.

Surge naturalmente a ideia de estender o mesmo resul-tado as funcoes reais de varias variaveis. Consideremos,por exemplo, uma funcao f(x, y), de classe C1, definidanum aberto Ω do plano, e suponhamos que ∂f

∂x= 0, ∂f

∂y= 0

sobre um conjunto conexo A ⊂ Ω. Nao e fora de proposito

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36 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

conjecturar que a funcao f seja constante sobre A.

H. Whitney, em 1935, demonstrou que essa conjecturae falsa. Conseguiu Whitney construir uma funcao real declasse C1, f(x, y), para a qual sao crıticos todos os pontosde um arco do plano, assumindo, sobre esse arco, todos osvalores do intervalo [0, 1]. Os valores crıticos dessa funcaoformam, como se ve, um conjunto que nao e de medidanula. Podera o leitor interessado estudar esse notavel e-xemplo no proprio artigo em que Whitney o apresentou (v.[16]).

A literatura existente sobre a materia atribui a MarstonMorse o pioneirismo da ideia de considerar a medida doconjunto dos valores crıticos de uma funcao real de variasvariaveis. Nao se pode afirmar, sem maior cuidado, que talconjunto e sempre de medida nula, pois aı esta o exemplode Whitney para invalidar essa assercao. Estudos feitossobre essa questao mostraram, porem, que a dita afirmacaoe verdadeira desde que a classe de diferenciabilidade dafuncao seja suficientemente elevada. Para por as ideias emtermos precisos, seja f : Ω → R uma funcao de classe Ck,definida num aberto Ω ⊂ Rn. Estamos supondo n ≥ 1e k ≥ 1. Marston Morse e Arthur Sard, segundo constada literatura disponıvel, provaram que os valores crıticosde f constituem um conjunto de medida nula em R, sek ≥ N , onde N e o maior inteiro que nao excede o numeron+ 1

16(n− 3)2. Esse resultado mostra, em particular, que

para os valores n = 1, . . . , 6, basta que se tenha k = n paraque seja valida a afirmacao acima.

Prosseguindo nessa ordem de estudos, Anthony P. Mor-se demonstrou, em 1938, que a hipotese k = n e sem-pre suficiente para o fim visado, isto e: se f : Ω → R e

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[SEC. 1: INTRODUCAO. NOTICIA HISTORICA 37

uma funcao de classe Cn, definida em um aberto Ω ⊂ Rn

(n ≥ 1), entao o conjunto dos valores crıticos de f e demedida nula em R. O trabalho de A.P. Morse intitula-se“The behavior of a function on its critical set” (v. [11]).

Em artigo publicado em 1942, sob o tıtulo “The mea-sure of the critical values of differentiable maps” (v. [15]),Arthur Sard estendeu o resultado supra as aplicacoes dife-renciaveis definidas num aberto de Rm e tomando valoresem Rn. A proposicao de A. Sard pode enunciar-se nestestermos: seja F : Ω → Rn uma aplicacao diferenciavel declasse Ck (k ≥ 1), cujo domınio Ω e um aberto de Rm. Sem ≤ n, o conjunto dos valores crıticos de F e de medidanula, qualquer que seja k; se m > n, o conjunto dos valorescrıticos de F e de medida nula, desde que seja k ≥ m−n+1.

Leon S. Pontrjagin, em seu trabalho “Smooth mani-folds and their applications in homotopy theory” (v. [12]),atribui a A. Dubovitsky a autoria de um teorema que nostraz a lembranca o teorema de Sard. A proposicao de Du-bovitsky nao emprega a ideia de medida nula, mas, emlugar desta, usa o conceito de categoria de conjuntos. Esseteorema foi demonstrado, pela primeira vez, em 1953, por-tanto 11 anos depois da publicacao de Arthur Sard. Nomencionado trabalho, que data de 1955, Pontrjagin de-monstra esse teorema com a hipotese de que seja k ≥ 2 +12(m − n)(m − n + 1), gracas a qual diz que obtem certas

simplificacoes no decurso da prova.

No presente escrito, mostraremos que o teorema de Du-bovitsky e um corolario do teorema de Sard, e daremosdeste ultimo uma demonstracao a qual chegamos atraves doestudo da prova que Pontrjagin apresenta para o primeiro.

A demonstracao que desenvolveremos sera um tanto

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38 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

simplificada, porque vamos supor que as aplicacoes comas quais lidaremos sejam de classe C∞ (e, portanto, quetambem sejam de classe C∞ as variedades consideradas).Procedendo assim, estaremos descansados quanto a possi-bilidade de derivar as nossas funcoes quantas vezes quiser-mos, e nao necessitaremos contar, em cada fase da demons-tracao, o numero de vezes que ja usamos a diferenciacao.Tal atitude e mais consentanea a tendencia que hoje predo-mina na teoria das variedades diferenciaveis, e que pode serobservada nos trabalhos de alguns dos matematicos maisnotaveis da atualidade, entre os quais podemos citar: R,Thom, J. Milnor, W. Ambrose, G. de Rham, S. Smale. Talponto de vista, nao obstante apresentar o inconvenientede ser um tanto restritivo, justifica-se cabalmente pelas se-guintes razoes:

1 a) a classe C∞ e a unica invariante relativamente adiferenciacao;

2 a) se k e finito, nunca se pode garantir que a consi-deracao da classe Ck seja suficiente para uma teoria com-pleta que envolva variedades e aplicacoes diferenciaveis;

3 a) a adocao da classe C∞ numa teoria tem a vantagemde impedir que o verdadeiro conteudo das proposicoes estu-dadas nessa doutrina possa ser mascarado ou obscurecidopela enfadonha enumeracao de hipoteses de diferenciabili-dade, que de outro modo seriam inevitaveis.

Apos essas explicacoes, deixemos convencionado, deuma vez por todas, que o adjetivo “diferenciavel” signi-ficara sempre, no que segue, “diferenciavel de classe C∞”.Somente faremos referencia explıcita a classe C∞ quandotivermos a intencao de dar mais enfase a essa condicao.

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2 Teorema de Sard e Teorema de

Dubovitsky

Atraves da introducao que acabamos de apresentar, pode oleitor observar que o teorema de Sard, em sua forma origi-nal, trata de aplicacoes diferenciaveis do tipo f : Ω → Rn,onde Ω e um aberto do espaco euclidiano Rm. O teoremaafirma que os valores crıticos de f constituem um conjuntode medida nula em Rn.

Recordemos que um conjunto C ⊂ Rn tem medidanula se e possıvel cobrir C por meio de uma colecao enu-meravel(

∗) de cubos (ou bolas, ou paralelepıpedos) de Rn,cujos volumes tenham soma arbitrariamente pequena.

Se C e de medida nula em Rn, C e um conjunto de inte-rior vazio (em Rn), e entao o complementar Rn−C e densoem Rn. Sabe-se tambem que toda parte de um conjunto demedida nula tem medida nula, e que toda reuniao finita ouenumeravel de conjuntos de medida nula e um conjunto demedida nula. Do ponto de vista intuitivo, a afirmacao deque C e de medida nula em Rn sugere-nos a ideia de queC e pequeno em relacao a Rn, ou, em outras palavras, queo complementar Rn − C e quase todo o espaco Rn.

O teorema de Sard, como veremos, estende-se a aplica-coes diferenciaveis do tipo F : Mm → Nn, onde M e N saovariedades diferenciaveis. Embora a demonstracao dessefato possa reduzir-se facilmente ao caso euclidiano, comoadiante veremos, a possibilidade dessa extensao vem au-mentar consideravelmente o alcance do teorema de Sard, e

(∗) Aqui, e em muitas outras situacoes no texto seguinte, enu-meravel significa finito ou infinito enumeravel.

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dilatar o campo de suas aplicacoes. Surge aqui a questaopreliminar de definir o conceito de medida nula para sub-conjuntos de uma variedade diferenciavel. Para fazer issodo modo mais satisfatorio, comecemos demonstrando a se-guinte

Proposicao. Se φ : Rn → Rn e diferenciavel, e se C ⊂ Rn

e um conjunto de medida nula, entao φ(C) e tambem de

medida nula.

Demonstracao. Suponhamos, inicialmente, que o con-junto C seja limitado. Seja A ⊂ Rn uma bola aberta talque C ⊂ A. Por ser diferenciavel, a aplicacao φ e lipschit-ziana sobre o compacto A, isto e, existe um numero realK > 0 tal que |φ(q)−φ(p)| < K|p−q|, quaisquer que sejamos pontos p, q ∈ A. Nessas condicoes, se B ⊂ A e uma bolade raio δ, a imagem φ(B) ha de estar contida numa bola B′

de raio Kδ, e entao e claro que vol B′ = Knvol B. ComoC e de medida nula, podemos cobrir C com uma colecao debolas B1, B2, . . . tal que

∑i

vol Bi <εKn , onde ε > 0 e

arbitrario. Podemos, evidentemente, admitir que Bi ⊂ A,qualquer que seja i. Resulta, pois, que

φ(C) ⊂ φ

(⋃

i

Bi

)=⋃

i

φ(Bi) ⊂⋃

i

B′

i

e

vol

(⋃

i

B′

i

)≤∑

i

vol B′

i =∑

i

Knvol Bi =

= Kn∑

i

vol Bi < Kn ε

Kn= ε.

Isso mostra que φ(C) e de medida nula.

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Se o conjunto C nao e limitado, podemos consideraruma cobertura enumeravel de C por meio de bolas abertasB1, B2, . . . . Segue-se que C =

⋃i

(C ∩ Bi), e, para cada

i, C ∩ Bi e um conjunto limitado de medida nula. Logo,φ(C) =

⋃i

φ(C ∩Bi) e de medida nula.

Do resultado que acabamos de provar decorre, em par-ticular, que a propriedade da medida nula e preservadapelos difeomorfismos. Em outras palavras: a classe cons-tituıda pelos subconjuntos de Rn que possuem medida nulae invariante atraves dos difeomorfismos.

Consideremos, agora, uma variedade diferenciavel M ,de dimensao n, e seja C ⊂M . Diremos que C e de medida

nula em M se existir uma colecao finita ou enumeravel desistemas de coordenadas locais em M , xi : Ui → Rn, talque: 1)C ⊂ ⋃

i

Ui ; 2) para todo i, o conjunto xi(Ui ∩ C)

e de medida nula em Rn.

Resulta do estudo acima feito que se C e de medida nulaem M , y(V ∩C) e de medida nula em Rn, qualquer que sejao sistema de coordenadas locais y : V → Rn, pertencenteao atlas maximo de M .

Se C ⊂ M e de medida nula, e claro que C e um con-junto de interior vazio (em M), e entao M −C e denso emM .

Estamos, agora, em condicoes de apresentar o teoremade Sard em sua forma geral.

Teorema (de Sard). Sejam Mm, Nn duas variedades,

e φ : M → N uma aplicacao diferenciavel. Os valores

crıticos de φ constituem um conjunto de medida nula em

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N . Em consequencia, o conjunto dos valores regulares de

φ e denso em N .

Antes de passsar a demonstracao do teorema de Sard,queremos apresentar o enunciado do teorema de Dubo-vitsky, a que ja nos referimos. Vamos recordar alguns con-ceitos, estudados em Topologia Geral, em termos dos quaise formulado o enunciado do dito teorema.

Consideremos um espaco topologico X, e seja C ⊂ X.Dizemos que C e um conjunto de primeira categoria em Xse C e uma reuniao finita ou enumeravel de partes de X,cujos fechos sao conjuntos de interior vazio em X. Simboli-

camente, C =∞⋃i=1

Ci , onde Ci ⊂ X e int Ci = ∅, para todo

indice i. (O caso finito enquadra-se nessa mesma repre-sentacao, quando se supoe que os conjuntos Ci sao vaziospara i > p, onde p e um inteiro natural.)

Se C e de primeira categoria em X, o mesmo ocorrecom toda parte de C. E tambem obvio que toda reuniaofinita ou enumeravel de conjuntos de primeira categoria emX e um conjunto de primeira categoria em X.

Verifica-se, trivialmente, que C e de primeira categoria

em X se e somente se C ⊂∞⋃i=1

Fi , onde cada Fi e um

conjunto fechado de interior vazio em X.

O espaco topologico X diz-se um espaco de Baire setodo conjunto de primeira categoria em X tem interior va-zio. Dessa definicao resulta que num espaco de Baire, edenso o complementar de todo conjunto de primeira cate-goria.

Para o estudo que estamos fazendo desempenha impor-tante papel o conhecido

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Teorema (de Baire). Os espacos topologicos localmente

compactos e os espacos metricos completos sao espacos de

Baire.

A demonstracao desse teorema pode ser encontrada em[2], cap. IX, e em [5], cap. III.

As variedades diferenciaveis sao espacos de Baire; comefeito, por serem espacos localmente euclidianos, elas saotambem espacos localmente compactos.

Observe-se que num espaco de Baire nao e verdade queum conjunto de interior vazio tenha que ser de primeiracategoria. Por exemplo, na reta real R, que e um espacode Baire, o conjunto dos pontos irracionais tem interiorvazio, mas nao e de primeira categoria.

A ideia intuitiva encerrada na definicao dos espacos deBaire e a seguinte: em um espaco desses, os conjuntosde primeira categoria sao pequenos em comparacao com oespaco inteiro. Mas, atente-se bem em que essa pequeneznao deve ser interpretada do ponto de vista da potencia dosconjuntos considerados. Um conjunto C de primeira cate-goria num espaco de Baire X pode ser denso em X (e o queocorre, por exemplo, com o conjunto dos numeros racionaisna reta real). Ha casos em que C pode ate ter a mesmapotencia que X. O aspecto realmente importante, que dao sentido exato da assinalada pequenez, e o que ja registra-mos acima: num espaco de Baire, e denso o complementode um conjunto de primeira categoria; esse complementonunca pode ser vazio.

A ideia de pequenez a que nos referimos e a mesmaque nos sugere a propriedade da medida nula (em espacosonde ela tenha sentido), mas nao se deve supor que hajaequivalencia entre o conceito de primeira categoria e o de

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medida nula. E possıvel apresentar exemplos de conjuntosde primeira categoria que nao tem medida nula, e tambemde conjuntos de medida nula que nao sao de primeira ca-tegoria.

Tendo em vista que o teorema de Sard e baseado so-bre esses dois conceitos, e essencial, para a utilidade dopresente trabalho, que nao deixemos no espırito do leitornem a mais leve duvida sobre o significado exato de taisideias. Vamos, pois, apresentar alguns exemplos esclarece-dores. Consideremos, inicialmente, o conjunto de CantorC. Esse conjunto e construıdo da seguinte maneira: to-memos o intervalo real fechado [0, 1] e suprimamos o seuterco medio aberto

(13, 2

3

); de cada um dos dois intervalos

fechados restantes, suprimamos o respectivo terco medioaberto; de cada um dos quatro intervalos fechados rema-nescentes, tiremos o correspondente terco medio aberto; eassim sucessivamente. O conjunto de Cantor e o conjuntoC que resta do intervalo [0, 1] apos a supressao de todosos tercos medios. A reuniao de todos os intervalos abertosremovidos e um conjunto aberto cujo complementar emrelacao a [0, 1] e C. Concluımos que o conjunto de Cantore fechado. Observemos que a soma dos comprimentos detodos os intervalos suprimidos e 1

3+ 2

9+ 4

27+ · · · = 1. Segue-

se que C nao pode conter nenhum intervalo, e e, pois, umconjunto de interior vazio. Fica assim provado que o con-junto de Cantor e de primeira categoria. Esse conjunto etambem de medida nula. Com efeito, dado ε > 0 arbitrario(suporemos ε < 1), na serie

1

3+

2

9+

4

27+ · · · + 2n−1

3n+ · · · ,

que representa a soma dos comprimentos dos tercos medios

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removidos de [0, 1], podemos escolher n bastante grandepara que seja

1

3+

2

9+

4

27+ · · · + 2n−1

3n> 1 − ε

Suprimidos os tercos medios correspondentes aos n termosda serie acima considerados, resta em [0, 1] um conjunto A,constituıdo por 2n intervalos fechados, cujos comprimentostem uma soma < ε

2· E claro que C ⊂ A. Cobrindo cada

um desses 2n intervalos com um intervalo de comprimentoduplo, obtemos uma cobertura finita de A (e tambem de C)para a qual a soma dos comprimentos dos intervalos com-ponentes e < ε. Isso prova que C tem medida nula. O con-junto de Cantor e exemplo de conjunto de medida nula e, aomesmo tempo, de primeira categoria. Pode demonstrar-seque tal conjunto tem a potencia do contınuo (a prova dessaassercao, que nao tem interesse para este trabalho, pode serencontrada em [1], cap. I, sec. 6).

Vamos apresentar um exemplo de conjunto de primeiracategoria que nao tem medida nula. Consideremos, no-vamente o intervalo fechado [0, 1], e tomemos uma serienumerica de termos positivos (convergente), cuja soma seja< 1, por exemplo:

1

3+

1

6+

1

12+ · · ·

(observe-se que a soma desta serie e 23). Suprimamos de

[0, 1] o terco central aberto; de cada um dos dois inter-valos fechados restantes suprimamos um intervalo abertoconcentrico de comprimento 1

2· 1

6; de cada um dos qua-

tro intervalos fechados remanescentes, removamos um in-tervalo aberto concentrico de comprimento 1

4· 1

12; e assim

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prossigamos indefinidamente. O conjunto K que resta de[0, 1] apos a remocao de todos os intervalos abertos, damaneira descrita, e o exemplo procurado. Notemos que asoma dos comprimentos de todos os intervalos suprimidose igual a 2

3(e a soma da serie acima). O conjunto K e fe-

chado, pois e o complementar de uma reuniao de abertos,em relacao a [0, 1]. Representando por CK o complemen-tar de K em relacao ao espaco [0, 1], e facil concluir queCK = [0, 1], pois todo ponto de K e ponto de acumulacaodo conjunto CK; segue-se que K e um conjunto de inte-rior vazio. Concluımos que K e um conjunto de primeiracategoria em [0, 1]. Provemos, agora, que K nao tem me-dida nula. Se fosse K de medida nula, poderıamos cobrı-locom uma colecao de intervalos cujos comprimentos tives-sem uma soma < 1

3· Essa colecao reunida com a de todos

os intervalos abertos removidos de [0, 1], formaria uma co-bertura de [0, 1] por intervalos cujos comprimentos teriamuma soma menor que a unidade, o que e absurdo.

Descreveremos, a seguir, um exemplo de conjunto demedida nula, mas que nao e de primeira categoria. Paraconstruı-lo, comecemos considerando o conjunto K do e-xemplo anterior. O complemento de K em relacao a [0, 1]e uma colecao enumeravel de intervalos abertos disjuntos,cujos comprimentos somam 2

3(lembrar que sao justamente

os intervalos removidos de [0, 1] na construcao de K). Po-demos pensar nesses intervalos considerando-os como la-cunas deixadas pelo conjunto K no espaco [0, 1]. Comcada um desses intervalos (suposto fechado para efeito daconstrucao a ser executada), procedamos da mesma ma-neira que fizemos com [0, 1] no exemplo precedente, istoe, em outras palavras, substituamos cada uma das lacunas

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acima mencionadas por um conjunto do mesmo tipo de K.Seja K1 a reuniao dessa colecao enumeravel de conjuntosanalogos a K. O conjunto K ∪ K1 deixa em [0, 1] novaslacunas. Substituamos cada uma destas por um conjuntode tipo de K, construıdo sobre a mesma, e designemos porK2 a reuniao de tais conjuntos. Procedamos da mesmamaneira com as lacunas deixadas em [0, 1] pelo conjuntoK ∪K1 ∪K2 , e assim por diante, indefinidamente. O con-junto H = C(K ∪ K1 ∪ K2 ∪ . . . ), onde C indica o com-plemento em relacao a [0, 1], e um exemplo de conjunto demedida nula, mas que nao e de primeira categoria. Prove-mos essa afirmacao. Ja vimos que a soma dos comprimen-tos dos intervalos que compoem CK e 2

3· Os intervalos que

compoem C(K∪K1) tem comprimentos cuja soma e eviden-

temente igual a 23· 2

3=(

23

)2. De modo geral, os intervalos

que compoem o conjunto C(K ∪K1 ∪K2 ∪ · · · ∪Kn−1) tempor soma de seus comprimentos

(23

)n. Dado ε > 0, arbi-

trariamente pequeno, podemos achar n0 tal que(

23

)n0 < ε.Os intervalos que compoem C(K ∪K1 ∪ · · · ∪Kn0−1), cujacolecao e enumeravel, cobrem H, e a soma dos seus compri-mentos e < ε. Logo, H e de medida nula. Por outro lado,como K e de primeira categoria, e como K1, K2, . . . saoreunioes enumeraveis de conjuntos do tipo de K, segue-seque K∪K1∪K2∪ . . . e um conjunto de primeira categoria.Resulta, entao, do teorema de Baire, que H, como com-plemento de um conjunto de primeira categoria no espacometrico completo [0, 1], nao pode ser de primeira categoria.

Agora, que julgamos ter esclarecido completamente osconceitos de medida nula e de categoria, vamos tratar deuma situacao particularmente importante para o nosso tra-balho, na qual a propriedade da medida nula implica a

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de primeira categoria. Sabemos, da Topologia Geral, queum espaco X se diz σ-compacto, quando e uma reuniaoenumeravel de partes compactas. Um conjunto C ⊂ Xdiz-se σ-compacto quando o subespaco C e σ-compacto.Todo espaco localmente compacto, com base enumeravel,e σ-compacto, e e claro que todo conjunto fechado emtal espaco e σ-compacto. Segue-se que toda variedade to-pologica, e, em particular, toda variedade diferenciavel, eσ-compacta, e todo conjunto fechado em uma variedade eσ-compacto. Um resultado que sera de capital importanciapara o que vai seguir e o que demonstraremos sob formada seguinte

Proposicao. Em uma variedade topologica M , todo con-

junto σ-compacto de medida nula em M e tambem de pri-

meira categoria em M .

Demonstracao. Seja C ⊂M um conjunto σ-compacto de

medida nula em M . Podemos escrever C =∞⋃i=1

Ki , onde

cada Ki e um compacto. Para concluir que C e de primeiracategoria em M , basta provar que Ki tem interior vazio,qualquer que seja o ındice i. Suponhamos que algum dessesconjuntos, por exemplo Kj , tenha um ponto interior p.Existe, entao, uma vizinhanca W ∋ p, tal que W ⊂ Kj ⊂C. Segue-se que p e interior a C, o que e absurdo, porqueC e de medida nula. Logo, C e de primeira categoria emM .

Voltemos, agora, ao nosso tema principal. O teoremade Dubovitsky enuncia-se da maneira que segue.

Teorema (de Dubovitsky). Sejam Mm, Nn duas va-

riedades, e φ : M → N uma aplicacao diferenciavel. Os

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valores crıticos de φ constituem um conjunto de primeira

categoria em N . Consequentemente, o conjunto dos valores

regulares de φ e denso em N .

Demonstremos que, uma vez provado o teorema de Sard,o de Dubovitsky resulta como corolario. Se S ⊂ M e oconjunto dos pontos crıticos de φ, entao C = φ(S) ⊂ Ne o conjunto dos valores crıticos de φ. Como S e fechadoem M (pois o seu complementar M − S e evidentementeaberto), S e σ-compacto, e podemos, por isso, representa-lo

na forma S =∞⋃i=1

Ki , onde cada Ki e um compacto. Segue-

se daı que C = φ(S) =∞⋃i=1

φ(Ki) e tambem σ-compacto,

pois os conjuntos φ(Ki), i = 1, 2, . . . , sao compactos. Emvirtude da proposicao que acima demonstramos, se C forde medida nula, sera tambem de primeira categoria, e issoe precisamente o que desejavamos provar.

Daqui em diante, podemos considerar o teorema de Du-bovitsky como uma segunda formulacao do teorema deSard, um tanto mais fraca que a primeira. Para mui-tas aplicacoes, podem ser empregadas indiferentemente asduas formulacoes. Isso ocorre, por exemplo, toda vez quea questao essencial e o fato de ser denso na variedade No conjunto dos valores regulares da aplicacao φ : M → N .Existem, todavia, aplicacoes para as quais o segundo enun-ciado do teorema de Sard e insuficiente, e nesses casos tem-se que apelar para o primeiro.

Tratemos, agora, de provar esse notavel teorema. Porser longa a demonstracao, dividi-la-emos em partes, e, paraque o leitor bem conheca o significado de cada parte, e asua posicao relativamente ao todo, passamos a explicar,

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em poucas palavras, o que adiante sera feito com a devidaminucia.

Admitiremos, inicialmente, queM e uma variedade sembordo, e mostraremos que e entao possıvel reduzir a de-monstracao ao caso euclidiano, quer dizer, ao caso de apli-cacoes diferenciaveis do tipo φ : Ω → Rn, onde Ω e umconjunto aberto de Rm. (Note-se que este e justamente ocaso original, estudado por A. Sard.)

A seguir, demonstraremos que e verdadeiro o teoremano caso euclidiano; a prova sera dada em duas fases: na pri-meira, suporemos m < n; na segunda, m ≥ n. A primeirafase, em razao de sua relativa simplicidade, corresponde aoque chamaremos “o caso elementar do teorema de Sard”.

Provaremos, finalmente, que o teorema e verdadeirotambem se M e uma variedade com bordo.

3 Reducao ao caso euclidiano

Consideremos as variedades diferenciaveisMm eNn. Supo-nhamos M sem bordo, e seja φ : M → N uma aplicacaodiferenciavel. Para cada ponto a ∈ M , seja Ua uma vizi-nhanca de a em M . As vizinhancas Ua cobrem M ; como asvariedades possuem a propriedade de Lindelof, a coberturaUa admite uma subcobertura enumeravel, que indicare-mos mais simplesmente por U1, U2, . . . . Seja C ⊂ M oconjunto dos pontos crıticos de φ : M → N . E claro queC ∩ Ui = Ci (i = 1, 2, . . . ) e o conjunto dos pontos crıticos

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[SEC. 3: REDUCAO AO CASO EUCLIDIANO 51

da restricao φ : Ui → N . Mas,

C = C ∩(

∞⋃

i=1

Ui

)=

∞⋃

i=1

(C ∩ Ui) =∞⋃

i=1

Ci .

Logo:

φ(C) =∞⋃

i=1

φ(Ci).

A expressao que acabamos de obter para o conjunto dosvalores crıticos de φ : M → N mostra que se φ(Ci), i =1, 2, . . . , for de medida nula em N , outro tanto ocorreracom φ(C). Essa observacao reduz a demonstracao do te-orema de Sard (global) a um caso local: basta provarmosque cada ponto a ∈ M tem uma vizinhanca Ua em M ,tal que o teorema de Sard seja verdadeiro para a restricaoφ : Ua → N .

Se a ∈ M e se φ(a) = b, podemos escolher sistemasde coordenadas locais y : V → Rn e x : U → Rm, tais queb ∈ V , a ∈ U e φ(U) ⊂ V .

M NU

V

R Rnm

x

y

y( )Vx U( )

y p( ( ))x p( )y xo o

-1

a pb

( )p

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52 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

Por definicao, p ∈ U e ponto crıtico de φ : U → N se e sose x(p) e ponto crıtico da aplicacao

y φ x−1 : x(U) → y(V ).

Seja Q ⊂ U o conjunto dos pontos crıticos de φ : U →N . Ja sabemos que o conjunto dos valores crıticos dessaaplicacao, φ(Q) ⊂ V , e de medida nula em N se e somentese a sua imagem y(φ(Q)) ⊂ y(V ) e de medida nula emRn. Tudo se reduz, pois, a provar que o teorema de Sarde verdadeiro para a aplicacao y φ x−1 : x(U) → Rn,onde x(U) e um conjunto aberto de Rm (porque estamossupondo que M e variedade sem bordo).

Daqui em diante, para efeito de demonstracao do te-orema de Sard, poderemos restringir nossas consideracoesas aplicacoes diferenciaveis do tipo φ : Ω → Rn, onde Ω eum aberto de Rm.

4 O caso elementar do teorema de

Sard (caso m < n)

Sejam Mm, Nn duas variedades diferenciaveis, e suponha-mos que m < n. Se φ : M → N e uma aplicacao dife-renciavel, e claro que todo a ∈ M e ponto crıtico de φ. Oteorema de Sard corresponde, neste caso, a afirmacao deque o conjunto φ(M) e de medida nula em N .

Para fins de demonstracao, podemos restringir-nos, con-forme ja foi visto, ao caso de uma aplicacao diferenciavelφ : Ω → Rn, onde Ω e um conjunto aberto de Rm. Supondom < n, vamos provar que φ(Ω) e de medida nula em Rn.Consideracoes triviais, nas quais se faz uso da propriedade

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[SEC. 4: O CASO ELEMENTAR DO TEOREMA DE SARD 53

de Lindelof, reduzem a questao a provar que cada pontop ∈ Ω tem uma vizinhanca U em Ω, tal que φ(U) e demedida nula em Rn.

A nossa tarefa sera facilitada pela possibilidade de esco-lher vizinhancas cubicas. Seja U um cubo aberto de centrop e arestas paralelas aos eixos coordenados de Rm, tal queU ⊂ Ω. Basta demonstrarmos que φ(U) e de medida nulaem Rn, pois daı, e da inclusao φ(U) ⊂ φ(U), resultara queφ(U) e tambem de medida nula em Rn.

Tendo em vista que a funcao φ e diferenciavel, e que oconjunto U e compacto, existe, como sabemos, um numerok > 0, tal que

|φ(q) − φ(q′)| < k|q − q′|

para todo par de pontos q, q′ ∈ U . Em outros termos, aaplicacao φ, por ser diferenciavel, e lipschitziana sobre ocompacto U ; a demonstracao desse fato pode ser vista em[6], cap. I.

Dividamos cada aresta do cubo U em r partes iguais,e consideremos os hiperplanos que passam pelos pontos dedivisao, paralelos aos hiperplanos coordenados de Rm; elesdecompoem U em rm cubos iguais. Seja Ki um qualquerdesses cubos (fechados). Se h e o comprimento da arestade U , o diametro de Ki e h

r

√m. Por forca da desigualdade

acima, o diametro do conjunto φ(Ki) nao pode excederhkr

√m, e entao e claro que φ(Ki) ⊂ Hi , ondeHi ⊂ Rn e um

cubo (fechado) de arestas paralelas aos eixos coordenadosde Rn, tendo 2hk

r

√m como comprimento de sua aresta.

O volume de Hi e(

2hkr

√m)n

= crn , onde pusemos c =(

2hk√m)n

. Como U e a reuniao dos rm cubosKi , φ(U) hade estar contido na reuniao dos rm cubos Hi , cujos volumes

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54 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

somam rm · crn = c rm−n. Em virtude da hipotese m < n,

dado ε > 0 arbitrario, e possıvel escolher r bastante grandepara que resulte c rm−n < ε. Logo, φ(U) e um conjunto demedida nula em Rn, como querıamos demonstrar.

5 O caso m ≥ n

Seja φ : Ω → Rn uma aplicacao diferenciavel cujo domınioΩ e um conjunto aberto de Rm, e suponhamos que m ≥ n.Seja K um cubo de arestas paralelas aos eixos coordenadosde Rm, aberto, tal que K ⊂ Ω. Todo ponto p ∈ Ω e centrode um cubo tal como K, e entao, conforme vimos no n. 3,basta demonstrarmos o teorema de Sard para a aplicacaoφ : K → Rn (restricao de φ ao cubo K).

Sejam x1, . . . , xm as coordenadas do ponto generico q ∈K, e y1, . . . , yn as coordenadas de φ(q) ∈ Rn. A aplicacaoφ e descrita analiticamente por equacoes

yi = φi(x1, . . . , xm), i = 1, . . . , n.

Representemos a matriz jacobiana de φ, no ponto p ∈ K,assim:

Dφ(p) =

(∂φi

∂xj(p)

), i = 1, . . . , n; j = 1, . . . ,m.

Seja C o conjunto dos pontos crıticos de φ : K → Rn, istoe:

C = p ∈ K; Dφ(p) tem caracterıstica < n.

Precisamos demonstrar que φ(C) e um conjunto de medidanula em Rn, e isso e tudo o que devemos fazer.

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[SEC. 5: O CASO m > n 55

Seja s = m − n + 1; a hipotese m ≥ n implica s > 0.Fixemos, de uma vez por todas, uma das n funcoes reaisφi, por exemplo a ultima, φn, e, para cada inteiro naturalr, tal que 1 ≤ r ≤ s, seja Cr o conjunto dos pontos deK nos quais se anulam todas as derivadas parciais de φn

de ordens 1, . . . , r. Simbolicamente, podemos indicar esseconjunto assim:

Cr = p ∈ K; dφn(p) = 0, d2φn(p) = 0, . . . , drφn(p) = 0.

Observemos que C,C1, . . . , Cs sao conjuntos limitadose fechados, e, portanto, compactos. E evidente que

C ⊃ C1 ⊃ · · · ⊃ Cs ,

C = (C−C1) ∪ (C1−C2)∪ · · · ∪ (Cs−1−Cs) ∪ Cs ,φ(C)=φ(C−C1) ∪ φ(C1−C2)∪ · · · ∪ φ(Cs−1−Cs) ∪ φ(Cs).

O nosso trabalho fica reduzido a provar que sao de medidanula em Rn os conjuntos φ(C−C1), . . . , φ(Cs−1−Cs), φ(Cs).Daqui em diante, a demonstracao sera feita em tres partes.Na primeira, mostraremos que φ(Cs) e de medida nula emRn. Na segunda, usando o metodo de inducao, provaremosque o mesmo se pode dizer de φ(C1−C2), . . . , φ(Cs−1−Cs).Na terceira etapa, estudaremos em particular o conjuntoφ(C − C1); empregaremos de novo a inducao, mas o argu-mento e diferente do que se aplica na segunda etapa.

1a. parte. Mostremos que φ(Cs) e de medida nulaem Rn. Se p ∈ Cs , deve ser dφn(p) = 0, d2φn(p) =0, . . . , dsφn(p) = 0, e entao, no desenvolvimento taylorianoda funcao φn, em torno de p, nao comparecem os termosde graus 1, . . . , s. Como K e compacto, podemos afirmar

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56 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

que existe um numero k > 0, tal que

|φn(q) − φn(p)| < k|q − p|s+1,

qualquer que seja q ∈ K.

Por outro lado, tendo ainda em vista a compacidade deK, subsistem as n− 1 seguintes desigualdades (lipschitzia-nas):

|φj(q) − φj(q′)| < k|q − q′|, j = 1, . . . , n− 1,

para todo par de pontos q, q′ ∈ K. Na verdade, a cadaındice j corresponde uma constante kj > 0, porem e maissimples adotarmos uma so constante k que sirva para as ndesigualdades, e e obvio que isso se pode fazer sem maiscomentarios.

Dividamos cada uma das arestas do cubo K em r par-tes iguais, e, por meio de hiperplanos paralelos as faces,decomponhamos K em rm cubos iguais (fechados). Se he o comprimento da aresta de K, o diametro de cada umdesses cubos e h

r

√m. Sejam L1, . . . , Lt os cubos da de-

composicao que encontram o conjunto Cs (quer dizer que

Lj ∩ Cs 6= ∅, j = 1, . . . , t); e claro que Cs ⊂t⋃

j=1

Lj e que

t ≤ rm. Cada cubo Lj contem algum ponto de Cs , e entao,em face das n desigualdades acima estabelecidas, podemosescrever: φ(Lj) ⊂ Hj , onde Hj ⊂ Rn e um paralelepıpedode arestas paralelas aos eixos coordenados, no qual uma

das arestas mede 2k(hr

√m)s+1

e cada uma das n− 1 ares-tas restantes mede 2k h

r

√m. Calculemos o volume desse

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[SEC. 5: O CASO m > n 57

paralelepıpedo:

vol Hj =

(2kh

r

√m

)n−1

· 2k(h

r

√m

)s+1

=

= 2nkn(h

r

√m

)n+s

=c

rn+s,

onde c = 2nkn(h√m)n+s

. De tudo isso resulta:

φ(Cs) ⊂ φ

(t⋃

j=1

Lj

)=

t⋃

j=1

φ(Lj) ⊂t⋃

j=1

Hj

e

vol

(t⋃

j=1

Hj

)≤ tc

rn+s≤ rm · c

rn+s=

c

rn+s−m=c

Ora, dado ε > 0 arbitrario, podemos escolher r bastantegrande para que seja c

r< ε. Isso prova que φ(Cs) e de

medida nula, como querıamos demonstrar.

Decorre imediatamente do resultado ao qual chegamos,que o teorema de Sard e verdadeiro no caso m = 1. Comefeito, se m = 1, tem-se tambem n = 1, ja que m ≥ n;segue-se que s = m−n+ 1 = 1, e entao Cs = C1 . Mas, nopresente caso, C1 = C, pois a aplicacao φ, em termos decoordenadas, exprime-se por y = φ(x), e a matriz jacobianade φ reduz-se a ∂φ

∂x; um ponto p ∈ K e crıtico se e so se

∂φ∂x

(p) = 0.Essa observacao nos da a base para o emprego do meto-

do de inducao, sobre o qual sera fundada a parte seguinteda demonstracao. Vamos supor verdadeiro o teorema de

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58 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

Sard para aplicacoes definidas em variedades de dimensao< m, e provar que ele e verdadeiro para a aplicacao φ : K →Rn que vem sendo objeto do nosso estudo (recorde-se queK e um aberto de Rm).

2a. parte. Provemos que sao de medida nula em Rn

os conjuntos φ(C1 − C2), . . . , φ(Cs−1 − Cs). Tomemos umqualquer deles, φ(Cr−Cr+1), onde 1 ≤ r ≤ s−1. Conside-remos um ponto p ∈ Cr −Cr+1 . Como p /∈ Cr+1 , pelo me-nos uma derivada parcial de ordem r+ 1 da funcao φn naose anula em p. Existe, pois, uma vizinhanca Up do pontop, Up ⊂ K, na qual a mesma derivada se conserva 6= 0.Quando p descreve Cr − Cr+1 , a colecao de vizinhancasUp constitui uma cobertura do conjunto Cr − Cr+1 , aqual admite uma subcobertura enumeravel, que preferire-mos indicar por U1, U2, . . . . E claro que

Cr − Cr+1 =∞⋃

i=1

[Ui ∩ (Cr − Cr+1)],

e daı resulta:

φ(Cr − Cr+1) =∞⋃

i=1

φ[Ui ∩ (Cr − Cr+1)].

Basta demonstrarmos que, para cada ındice i, o conjuntoφ[Ui ∩ (Cr − Cr+1)] e de medida nula em Rn.

Tomemos, pois, uma qualquer das vizinhancas Ui , quepassamos a indicar simplesmente por U . Em U , como vi-mos, uma bem determinada derivada de ordem r + 1 dafuncao φn e 6= 0; suponhamos que se trate de ∂ω

∂xi , onde ω euma derivada de ordem r de φn, que nao precisamos espe-cificar. Observemos que ω e uma funcao real diferenciavel,

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[SEC. 5: O CASO m > n 59

definida no aberto U ⊂ Rm, tal que ∂ω∂xi 6= 0 em todo ponto

de U . Sabemos que o conjunto

ω−1(0) = p ∈ U ; ω(p) = 0

e uma superfıcie regular de dimensao m− 1 contida em U(e, pois, uma variedade diferenciavel de dimensao m − 1).Notemos que U ∩ (Cr − Cr+1) ⊂ ω−1(0). Com um ra-ciocınio trivial, vemos, ainda, que todo p ∈ U ∩ (Cr −Cr+1), por ser ponto crıtico da aplicacao φ : K → Rn, etambem ponto crıtico da restricao φ : ω−1(0) → Rn. Logo,φ[U ∩ (Cr − Cr+1)] esta contido no conjunto dos valorescrıticos de φ : ω−1(0) → Rn, o qual e de medida nula emRn, em virtude da hipotese de inducao.

3a. parte. Demonstremos, finalmente, que o conjuntoφ(C − C1) e de medida nula em Rn. Se p ∈ C − C1 , pelomenos uma das derivadas parciais primeiras da funcao φn

nao se anula em p; suponhamos, para fixar ideias, que seja∂φn

∂xm (p) 6= 0. Consideremos as equacoes

z1 = x1, . . . , zm−1 = xm−1, zm = φn(x1, . . . , xm). (*)

O jacobiano do sistema que elas compoem, calculado noponto p, e:

det

(∂zi

∂xj(p)

)=∂φn

∂xm(p) 6= 0.

significa isso que as equacoes (*) estabelecem uma mudancade coordenadas locais (x1, . . . , xm) → (z1, . . . , zm), validanuma vizinhanca Vp de p, Vp ⊂ K. Como C1 e um conjunto

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60 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

fechado, e p /∈ C1 , podemos supor Vp suficientemente pe-quena para que seja Vp∩C1 = ∅. Seja Wp uma vizinhancade p, tal que W p ⊂ Vp .

Se construirmos, para cada ponto p ∈ C − C1 , a vizi-nhanca Wp nas condicoes que acabamos de descrever, obte-remos uma cobertura Wp do conjunto C − C1 , a qualadmite uma subcobertura enumeravel, que indicaremos porW1,W2, . . . . Podemos escrever:

C − C1 = (C − C1) ∩(

∞⋃

i=1

W i

)=

∞⋃

i=1

[(C − C1) ∩W i] =

=∞⋃

i=1

(C ∩W i).

Resulta daı que

φ(C − C1) =∞⋃

i=1

φ(C ∩W i).

Basta, agora, provarmos que φ(C ∩W i) e de medida nulaem Rn, qualquer que seja i.

A partir deste momento, podemos limitar nossas consi-deracoes a um (qualquer) dos conjuntos C ∩W i ; por isso,deixemos de lado o ındice i, e escrevamos W em lugar deWi . Suponhamos que p ∈ C−C1 seja o ponto ao qual cor-responde a dita vizinhanca W , e recordemos que V e umavizinhanca de p, tal que W ⊂ V , na qual valem as coorde-nadas z1, . . . , zm. Em vista das equacoes (*), a aplicacao

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[SEC. 5: O CASO m > n 61

φ, restrita a V , pode expressar-se assim:

y1 = φ1(x1, . . . , xm) = ψ1(z1, . . . , zm),

............................................................

yn−1 = φn−1(x1, . . . , xm) = ψn−1(z1, . . . , zm),

yn = φn(x1, . . . , xm) = zm.

(**)

O conjunto V , como aberto de Rm, possui estrutura devariedade diferenciavel de dimensao m. Seja H o conjuntodos pontos crıticos da aplicacao φ : V → Rn (restricao de φa V ), representada pelas equacoes (**). A propriedade deser crıtico um ponto, independe do sistema de coordenadas;logo:

H = C ∩ V.Definamos os conjuntos Wt da seguinte maneira:

Wt = q = (z1, . . . , zm) ∈ V ; zm = t.

Vemos imediatamente que Wt (suposto nao vazio) e umasuperfıcie regular de dimensao m− 1 contida em V ; bastaobservar que Wt e a imagem inversa do valor t ∈ R pelafuncao F : V → R, tal que F (z1, . . . , zm) = zm, e notar quetodo valor dessa funcao e regular.

Seja Et o hiperplano de Rn cuja equacao e yn = t.

Rn

( )p

V K

Wt pE

t

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62 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

Em vista das equacoes (**) e da definicao de Wt , po-demos escrever:

φ(Wt) ⊂ Et ,

quer dizer: a restricao de φ a superfıcie Wt e uma funcaoque toma valores no hiperplano Et , e pode, pois, ser in-dicada por φ : Wt → Et (Wt e Et sao variedades dife-renciaveis). Se q ∈ Wt , q tem coordenadas z1, . . . , zm−1, tem V , e φ(q) tem coordenadas y1, . . . , yn−1, t em Rn; po-demos adotar z1, . . . , zm−1 como coordenadas de q em Wt

e, analogamente, y1, . . . , yn−1 como coordenadas de φ(q)em Et . Nessas condicoes, se Ht e o conjunto dos pontoscrıticos de φ : Wt → Et , e facil ver que

Ht = H ∩Wt ;

para se chegar a evidencia desse resultado, basta exami-nar as matrizes jacobianas das aplicacoes φ : V → Rn eφ : Wt → Et , que sao respectivamente:

∂ψ1

∂z1. . .

∂ψ1

∂zm−1

∂ψ1

∂zm

...................................

∂ψn−1

∂z1. . .

∂ψn−1

∂zm−1

∂ψn−1

∂zm

0 . . . 0 1

,

∂ψ1

∂z1. . .

∂ψ1

∂zm−1

.........................

∂ψn−1

∂z1. . .

∂ψn−1

∂zm−1

.

A segunda matriz e a submatriz da primeira, formada pelasn− 1 primeiras linhas e pelas m− 1 primeiras colunas. Eclaro que a primeira matriz tem caracterıstica < n, num

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[SEC. 5: O CASO m > n 63

ponto q ∈ Wt , se e somente se a segunda matriz tem ca-racterıstica < n− 1 nesse mesmo ponto.

Como Wt e uma variedade de dimensao m − 1, φ(Ht),conjunto dos valores crıticos de φ : Wt → Et , e de medidanula em Et , em virtude da hipotese de inducao.

Mostremos, enfim, que φ(C∩W ) e um conjunto de me-dida nula em Rn. Para esse fim, provemos, primeiramente,que

Et ∩ φ(C ∩W ) ⊂ φ(Ht).

De fato, observemos que sendo C ∩ W ⊂ C ∩ V = H,resulta:

Et ∩ φ(C ∩W ) ⊂ Et ∩ φ(H).

Por outro lado, e facil ver que

Et ∩ φ(H) = φ(H ∩Wt) = φ(Ht).

Realmente, se q ∈ Et ∩ φ(H), existe p ∈ H ⊂ V , tal queφ(p) = q; como q ∈ Et , a ultima coordenada de q em Rn

e yn = t; mas yn = zm, quer dizer, a ultima coordenadade p em V e zm = t; logo, p ∈ Wt . Concluımos quep ∈ H ∩ Wt = Ht , e entao, q ∈ φ(Ht). Vice-versa, seq ∈ φ(H∩Wt), entao q = φ(p), onde p ∈ H e p ∈ Wt . Logo,q ∈ φ(H) e q ∈ φ(Wt) ⊂ Et , e, finalmente, q ∈ Et ∩ φ(H).E, pois, verdadeira a inclusao Et ∩ φ(C ∩W ) ⊂ φ(Ht).

Como parte de um conjunto de medida nula em Et , oconjunto Et ∩ φ(C ∩W ) e tambem de medida nula em Et ,e isto, qualquer que seja t. A conclusao final de que φ(C ∩W ) e de medida nula em Rn, e agora uma consequenciaimediata do conhecido teorema de Fubini, pois φ(C ∩W )e compacto, e, portanto, mensuravel.

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64 [CAP. II: O TEOREMA DE SARD

6 Extensao ao caso em que M e

uma variedade com bordo

Acabamos de demonstrar que o teorema de Sard e verda-deiro para toda aplicacao diferenciavel φ : Mm → Nn, ondeas dimensoes m, n sao quaisquer (≥ 1), N e uma variedadediferenciavel arbitraria, e M e uma variedade diferenciavelsem bordo. Esta ultima restricao foi imposta, como vimos,a fim de que pudessemos reduzir a demonstracao ao casodas aplicacoes do tipo φ : Ω → Rn, onde Ω e um conjuntoaberto de Rm. E facil provar, agora, que tal restricao sobreM pode ser eliminada.

Se Mm e uma variedade diferenciavel com bordo, o seubordo ∂M e uma variedade diferenciavel de dimensaom−1,sem bordo. Seja C ⊂ M o conjunto dos pontos crıticos deφ : M → N , e seja C ′ ⊂ ∂M o conjunto dos pontos crıticosda restricao φ : ∂M → N . Verifica-se imediatamente que

C ∩ ∂M ⊂ C ′.

Por outro lado, e obvio que

C = (C ∩ ∂M) ∪ (C − ∂M).

Podemos entao escrever:

C ⊂ C ′ ∪ (C − ∂M),

φ(C) ⊂ φ(C ′) ∪ φ(C − ∂M).

Observemos que φ(C ′) e o conjunto dos valores crıticosde φ : ∂M → N , e φ(C − ∂M) e o conjunto dos valorescrıticos de φ : M − ∂M → N . Ora, ∂M e M − ∂M sao

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[SEC. 6: EXTENSAO AO CASO EM QUE M E UMA VAR. COM BORDO 65

variedades diferenciaveis sem bordo; de acordo com a parteja demonstrada, podemos afirmar que φ(C ′) e φ(C − ∂M)sao conjuntos de medida nula em N ; o mesmo podemosdizer da reuniao desses dois conjuntos, e tambem de φ(C),em face da ultima inclusao.

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Capıtulo III

Aplicacoes do Teoremade Sard

O teorema de Sard e um dos resultados importantes da teo-ria das variedades diferenciaveis, e tem aplicacoes notaveis,algumas das quais constituem o objeto deste capıtulo. Naotemos a intencao de descrever muitas dessas aplicacoes,nem a pretensao de afirmar que escolhemos as mais inte-ressantes. Observe-se, a proposito, que um dos resulta-dos de maximo relevo naquela teoria e o conhecido teo-rema de imersao de Whitney: toda variedade diferenciavelcompacta(∗) de dimensao n e difeomorfa a uma superfıcieregular do espaco euclidiano R2n+1. A demonstracao dessefato baseia-se no teorema de Sard, usado em seu caso ele-mentar. Tal aplicacao, embora tao fundamental, nao e des-crita neste trabalho, pois ja aparece em certas obras ao

(∗) Na realidade, o teorema de Whitney estende-se a variedadesnao compactas, mas o caso compacto e o unico que precisa ser men-cionado no presente trabalho.

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[SEC. 1: ESTUDO DA DEPENDENCIA FUNCIONAL 67

alcance do leitor, inclusive na literatura matematica brasi-leira (v. [6], cap. III, onde se encontra uma demonstracaobem clara do teorema de Whitney). Outras aplicacoes im-portantes do teorema de Sard relacionam-se com o estudoda posicao geral de duas variedades imersas num espacoeuclidiano, e tambem com o das auto-intersecoes a que daorigem uma aplicacao regular φ : Mn → R2n. Esses e ou-tros problemas podem ser vistos em [12], cap. I.

As aplicacoes as quais dedicamos as paginas seguintessao aquelas que ainda nao vimos descritas, e que, pela uti-lidade e interesse das questoes envolvidas, justificam ple-namente, a nosso ver, a elaboracao do presente trabalho,no qual encontram a merecida divulgacao. Tais aplicacoesocorrem em Analise, Topologia e Geometria, e sao aquitratadas sob forma de estudos.

1 Estudo da dependencia funcio-

nal

Apresentamos, nas linhas que seguem, uma conceituacaoprecisa da dependencia funcional de funcoes reais diferencia-veis, definidas num conjunto aberto Ω ⊂ Rn. Trata-se deassunto interessante, mas que nem sempre vem exposto demodo satisfatorio nos livros de Analise Matematica. Emalguns escritores, as demonstracoes falham por omissoesnas hipoteses (nao descrevem claramente as condicoes aque deve satisfazer a funcao que estabelece a dependen-cia). Em outros, aparecem somente resultados de caraterlocal. Ha tambem autores que fazem um estudo irrepre-ensıvel da questao, como e o caso de Rudin (v. [14], pag.

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182), mas estes quase sempre obtem uma relacao funcionalque e apenas contınua.

O estudo que desenvolvemos apresenta as seguintes van-tagens: 1) tem carater global; 2) a dependencia funcio-nal e estabelecida por uma funcao diferenciavel (de classeC∞); 3) a demonstracao do teorema final e simplificada,gracas ao emprego do teorema de Sard. Alias, quanto aesta ultima vantagem, cumpre observar que o teorema deSard e essencial no presente estudo, e que os autores quediscorrem sobre essa materia sem menciona-lo explicita-mente, outra coisa nao fazem, no fundo, senao intercalarno texto a demonstracao desse teorema (em situacoes par-ticulares), ou de assercoes que dele decorrem (v., p. ex.,[14], loc. cit.).

Comecemos nossas consideracoes com a recordacao deum resultado trivial: qualquer fechado A ⊂ Rn e, comose sabe, o conjunto dos zeros de uma funcao real contınuaφ : Rn → R; basta definir φ como a funcao distancia φ(x) =dist(x,A); e claro que φ e contınua, e que φ(x) = 0 se e sose x ∈ A.

Como no presente trabalho estamos lidando com fun-coes diferenciaveis (de classe C∞), e vamos exigir que adependencia funcional seja estabelecida por uma funcaotambem de classe C∞, necessitaremos, adiante, de um re-sultado algo mais forte do que esse que acabamos de re-cordar. Teremos necessidade de considerar um compactoqualquer K ⊂ Rn como conjunto dos zeros de uma funcaodiferenciavel φ : Rn → R. Esse fato, que pode ser de utili-dade tambem em outras questoes, vai ser aqui demonstradosob forma do seguinte

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Lema. Se K ⊂ Rn e um conjunto compacto, existe uma

funcao diferenciavel φ : Rn → R, tal que φ(x) = 0 se e

somente se x ∈ K.

Demonstracao. Vamos provar, inicialmente, que se V eum aberto de Rn tal que K ⊂ V , existe uma funcao dife-renciavel f : Rn → R com a seguinte propriedade: f(x) = 0se x ∈ K, e f(x) = 1 se x ∈ Rn − V .

Para cada x ∈ K, podemos considerar cubos abertosUx , Wx , de centro x e arestas paralelas aos eixos coorde-nados de Rn, tais que W x ⊂ Ux ⊂ V . Por causa da compa-cidade de K, um numero finito de cubos da famılia Wxcobrem K; indiquemos tais cubos com W1, . . . ,Ws , e sejamU1, . . . , Us os cubos da famılia Ux que lhes correspondem.Para cada ındice i ∈ 1, . . . , s, existe uma funcao dife-renciavel gi : R

n → R, tomando valores no intervalo [0, 1],tal que gi = 0 sobre W i , 0 < gi < 1 sobre Ui −W i , gi = 1sobre Rn − Ui . A demonstracao da existencia das funcoesgi pode ser vista, com ligeira modificacao, em [6], cap. III.

A funcao f : Rn → R, que querıamos obter, pode serdefinida assim:

f(x) = g1(x) . . . gs(x).

Verifica-se, imediatamente, que essa funcao f satisfaz ascondicoes acima impostas.

Observemos que f e uma funcao limitada, pois qualquerque seja x ∈ Rn, tem-se 0 ≤ f(x) ≤ 1. Se supusermos queo aberto V seja limitado, o que e possıvel, porque K, sendocompacto, e limitado, resultara que as derivadas de f , detodas as ordens, serao tambem limitadas. Com efeito, porser f constante (igual a 1) no exterior do compacto V , essas

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derivadas sao nulas no exterior de V , e, sendo elas funcoescontınuas, sao limitadas no compacto V .

O conjunto compacto K ⊂ Rn e uma intersecao enu-meravel de abertos de Rn. Podemos, por exemplo, consi-derar, para cada inteiro positivo p, o conjunto

Vp =

x ∈ Rn; dist(x,K) <

1

p

;

e claro que K =∞⋂p=1

Vp .

De acordo com o que acabamos de ver, a cada abertoVp podemos associar uma funcao fp : R

n → R, de classeC∞, tal que fp = 0 sobre K, e fp = 1 sobre Rn − Vp .Pode ser que a funcao fp se anule em pontos situados forade K (pelo menos, nada nos garante o contrario), mas sey /∈ K, existe algum inteiro positivo r tal que y /∈ Vr , eentao fr(y) = 1.

Tomemos constantes positivas c1, c2, . . . , e formemos aserie de funcoes

φ =∞∑

p=1

cp fp ,

onde φ representa a funcao para a qual estamos supondo,momentaneamente, que essa serie converge. Se x ∈ K,temos fp(x) = 0 para todo p, e entao e claro que φ(x) =0. Se x /∈ K, ja vimos que existe algum ındice p tal quefp(x) = 1, e como a serie so tem termos positivos, e claroque φ(x) 6= 0.

O nosso lema estara, pois, completamente demonstra-do, se conseguirmos provar que a funcao φ, soma da serieconsiderada, e definida em Rn e diferenciavel (classe C∞).

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Recordemo-nos de que para todo p, fp e uma funcaolimitada em Rn, bem como as suas derivadas de todas asordens.

Seja Mop > 0 um numero tal que |fp| < Mop , sobre Rn.Escolhamos, para cada valor de p, uma constante cop quesatisfaca a condicao

0 < cop <1

2pMop

·

Segue-se que |cop fp| < 12p , e daı resulta que a serie

∞∑p=1

cop fp

converge uniformemente, em Rn, para uma funcao ψ0 : Rn

→ R.

Seja, agora, M1p > 0 um numero tal que sobre Rn setenha

max

∣∣∣∣∂fp∂x1

∣∣∣∣ , . . . ,∣∣∣∣∂fp∂xn

∣∣∣∣< M1p .

Para condensar um pouco a escrita, ponhamos

dfp =

(∂fp∂x1

, . . . ,∂fp∂xn

),

isto e, suponhamos que o sımbolo dfp represente o vetor deRn cujas componentes sao as derivadas primeiras da funcaofp . Escolhamos, para cada p, uma constante c1p tal que

0 < c1p <1

2pM1p

,

e consideremos a serie

∞∑

p=1

c1p dfp =

(∑

p

c1p∂fp∂x1

, . . . ,∑

p

c1p∂fp∂xn

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Como∣∣∣c1p ∂fp

∂xi

∣∣∣ < 12p , i = 1, . . . , n, segue-se que a serie

∞∑p=1

c1p dfp converge uniformemente, em Rn, para um vetor

(ψ11, . . . , ψ

n1 ), onde ψi1 e a funcao para a qual converge a

serie∑p

c1p∂fp

∂xi ·Vamos supor, tambem, que as constantes c1p satisfacam

a desigualdadec1p < cop ;

a conveniencia dessa suposicao aparecera brevemente.

Para trabalhar com as derivadas segundas das funcoesfp , ponhamos

d2fp =

(∂2fp

∂x1∂x1,

∂2fp

∂x1∂x2, . . . ,

∂2fp

∂x1∂xn,

∂2fp

∂x2∂x1, . . . ,

∂2fp

∂xn∂xn

),

quer dizer, d2fp indica um vetor de Rn2

cujas componentessao as derivadas segundas da funcao fp . Seja M2p > 0 umnumero tal que

max

∣∣∣∣∂2fp∂x1∂x1

∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∂2fp∂x1∂x2

∣∣∣∣ , . . . ,∣∣∣∣∂2fp

∂xn∂xn

∣∣∣∣< M2p .

Para cada valor de p, escolhamos uma constante c2p quesatisfaca a desigualdade

0 < c2p <1

2pM2p ·

Nessas condicoes, e claro que a serie∞∑p=1

c2p d2fp converge

uniformemente, em Rn, para um vetor (ψ112 , ψ

122 , . . . , ψ

nn2 ),

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onde ψij2 e a funcao para a qual converge a serie

p

c2p∂2fp∂xi∂xj

·

Suporemos, ainda, que as constantes c2p verificam a de-sigualdade

c2p < c1p .

De modo geral, construamos a serie∞∑p=1

ckp dk fp , onde

as constantes ckp sao tais que

0 < ckp <1

2pMkp

,

Mkp e dkfp tendo significado obvio. Essa serie converge

uniformemente, em Rn, para um vetor de Rnk

cujas com-ponentes sao nk funcoes.

Admitiremos que as constantes ckp satisfazem a desi-gualdade

ckp < c(k−1)p .

Uma vez definidas as constantes ckp , da maneira queacabamos de ver, ponhamos

cp = cpp , p = 1, 2, . . .

e construamos a serie∞∑p=1

cp fp . Podemos afirmar que ela

converge uniformemente, em Rn, para uma funcao φ : Rn

→ R; isso resulta imediatamente das desigualdades cpp <cop (p = 1, 2, . . . ), aliadas ao fato, ja estabelecido, de que a

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serie∑p

cop fp e uniformemente convergente em Rn. Escre-

vamos, pois:

φ =∞∑

p=1

cp fp .

Por outro lado, examinemos a serie∞∑p=1

cp dk fp . Qual-

quer que seja o valor de k (k = 1, 2, . . . ), ela convergeuniformemente em Rn. Com efeito, cp = cpp < ckp , desdeque seja p > k; quer isso dizer que a partir do termo de or-

dem k+1, a serie acima e majorada pela serie∞∑p=1

ckp dk fp ,

a qual converge uniformemente em Rn, como ja vimos.

Ora, sabemos que uma serie uniformemente convergentepode ser derivada termo a termo justamente quando a serieformada pelas derivadas dos termos da primeira e tambemuniformemente convergente. Encontramo-nos aqui exata-mente nessa situacao, e podemos, portanto, afirmar que

dkφ =∞∑

p=1

cp dkfp .

Isso mostra que a funcao φ : Rn → R e de classe C∞, o queconclui a demonstracao do lema.

De posse desse lema, estamos em condicoes de passarpropriamente ao estudo da dependencia funcional.

Sejam f 1, . . . , fn : Ω → R funcoes reais diferenciaveis,definidas num aberto Ω ⊂ Rn. Diremos que essas n funcoessao funcionalmente dependentes sobre um conjuntoK ⊂ Ω,se e somente se existe uma funcao diferenciavel φ : Rn → R,

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que nao se anula identicamente em nenhum aberto de Rn,e tal que φ(f 1(x), . . . , fn(x)) = 0 para todo x ∈ K.

Seja F : Ω → Rn a aplicacao cujas componentes sao asfuncoes f 1, . . . , fn, isto e:

F (x) = (f 1(x), . . . , fn(x)).

Podemos dizer: as funcoes f 1, . . . , fn sao funcionalmentedependentes sobre K ⊂ Ω, se e somente se existe φ : Rn →R, diferenciavel, a qual nao se anula identicamente em ne-nhum aberto de Rn, e tal que φ(F (x)) = 0 para todo x ∈K.

De acordo com essa definicao, se f 1, . . . , fn sao fun-cionalmente dependentes sobre K, existe a funcao φ nascondicoes descritas, e entao F (K) ⊂ φ−1(0). Como φ−1(0)nao pode conter nenhum aberto de Rn, concluımos: umacondicao necessaria para a dependencia funcional das fun-coes f 1, . . . , fn sobre K, e que F (K) seja um conjunto deinterior vazio em Rn.

Nao podemos garantir que essa condicao seja suficiente,salvo se F (K) e um conjunto compacto, o que ocorre cer-tamente quando K e compacto. Com efeito, e verdadeiro oseguinte teorema, que encerra tudo o que existe de essencialno estudo da dependencia funcional.

Teorema. Seja F : Ω → Rn uma aplicacao diferenciavel,

definida num aberto Ω ⊂ Rn, e seja K ⊂ Ω um conjunto

compacto. As funcoes f 1, . . . , fn : Ω → R, componentes de

F , sao funcionalmente dependentes sobre K, se e somente

se F (K) e um conjunto de interior vazio em Rn.

Demonstracao. A necessidade da condicao ja foi esta-belecida. Provemos a suficiencia. Da compacidade de K

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e da continuidade de F , resulta que F (K) e compacto.De acordo com o lema previamente estudado, existe umafuncao φ : Rn → R, diferenciavel, a qual se anula exclu-sivamente sobre F (K). Se F (K) tem interior vazio, a φnao pode anular-se em nenhum aberto de Rn. Segue-se daıque as funcoes f 1, . . . , fn, componentes de F , sao funcio-nalmente dependentes sobre K.

O teorema que acabamos de demonstrar da um criteriode dependencia funcional que, embora seja teoricamentemuito simples, nao e o resultado final aonde queremos che-gar. O teorema final e o que da a condicao de dependenciafuncional das funcoes componentes de F : Ω → Rn em ter-mos do determinante jacobiano de F . A demonstracaotorna-se extraordinariamente elegante, gracas ao empregodo teorema de Sard, como passamos a mostrar.

Teorema. Seja F : Ω → Rn uma aplicacao diferenciavel

cujo domınio Ω e um aberto de Rn. Para que as funcoes

f 1, . . . , fn : Ω → R, componentes de F , sejam funcional-

mente dependentes sobre todo conjunto compacto K ⊂ Ω,

e necessario e suficiente que o determinante jacobiano de

F se anule identicamente sobre Ω.

Demonstracao. Representemos por J(x) o jacobiano deF no ponto x ∈ Ω. A necessidade da condicao e um fatoquase trivial, pois se J(x) 6= 0 para algum x ∈ Ω, o teo-rema da funcao inversa garante que existe uma vizinhancaU de x, U ⊂ Ω, a qual e aplicada pela F difeomorfica-mente sobre uma vizinhanca F (U) de F (x). Se V e umavizinhanca compacta de x contida em U , F (V ) e uma vizi-nhanca (compacta) de F (x); logo F (V ) contem um aberto

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de Rn, e entao, por forca do teorema precedente, as funcoesf 1, . . . , fn nao podem ser funcionalmente dependentes so-bre V .

Para demonstrar a suficiencia, suponhamos que J(x) =0 para todo x ∈ Ω, e seja K qualquer conjunto compactocontido em Ω. O anulamento do jacobiano sobreK significaque todo x ∈ K e ponto crıtico de F . Quer dizer que F (K)esta contido no conjunto dos valores crıticos de F , o qualtem interior vazio em Rn, pelo teorema de Sard. Segue-seque F (K) tambem tem interior vazio em Rn, e entao, deacordo com o teorema anterior, as funcoes f 1, . . . , fn saofuncionalmente dependentes sobre K.

Estudamos, ate aqui, a dependencia funcional de umacolecao de n funcoes de n variaveis. Tal caso e o unico aque usualmente se referem varios livros de Analise, e e omais interessante, porque o teorema final se exprime ele-gantemente em termos do jacobiano da aplicacao F , daqual as ditas funcoes sao as componentes. E natural queprocuremos discorrer tambem sobre o caso mais geral, ondeocorrem m funcoes de n variaveis. Alias, nenhuma dificul-dade aparecera nesse estudo, pois dispomos do teorema deSard, que podera ser empregado em sua maxima forca (istoe, quaisquer que sejam as dimensoes em jogo).

Consideremos, pois, uma colecao de m funcoes f 1, . . . ,fm : Ω → R, diferenciaveis, definidas no conjunto abertoΩ ⊂ Rn. Seja F : Ω → Rm a aplicacao definida assim:

F (x) = (f 1(x), . . . , fm(x)),

onde x = (x1, . . . , xn) ∈ Ω. As funcoes f 1, . . . , fm dizem-sefuncionalmente dependentes sobre o conjunto K ⊂ Ω, se e

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somente se existe uma funcao φ : Rm → R, diferenciavel,a qual nao se anula identicamente em nenhum aberto deRm, e tal que φ(F (x)) = 0 para todo x ∈ K.

Dessa definicao se deduz, imediatamente, que se f 1, . . . ,fm sao funcionalmente dependentes sobre o conjunto K ⊂Ω, entao F (K) e um conjunto de interior vazio em Rm.Vice-versa, se F (K) tem interior vazio em Rm, e se K e

compacto, podemos provar que f 1, . . . , fm sao funcional-mente dependentes sobre K (o argumento e identico aoque empregamos ha pouco, no caso m = n).

Observemos, agora, que sem > n, as funcoes f 1, . . . , fm

sao funcionalmente dependentes sobre todo compacto K ⊂Ω. De fato, nessas condicoes o teorema de Sard afirma queF (Ω) e um conjunto de interior vazio em Rm, e entao F (K)tambem tem interior vazio, qualquer que seja o compactoK ⊂ Ω.

O unico caso que ainda temos a estudar e aquele emque m < n; a proposito, vale o seguinte

Teorema. Seja F : Ω → Rm uma aplicacao diferenciavel

cujo domınio Ω e um aberto de Rn, e admitamos que m <n. Para que as funcoes f 1, . . . , fm : Ω → R, componentes

de F , sejam funcionalmente dependentes sobre todo con-

junto compacto K ⊂ Ω, e necessario e suficiente que a

matriz jacobiana de F tenha caracterıstica < m em todo

ponto de Ω.

Demonstracao. A suficiencia da condicao e consequenciado teorema de Sard. Com efeito, qualquer que seja o com-pacto K ⊂ Ω, a dita condicao assegura-nos que F (K) estacontido no conjunto dos valores crıticos de F ; logo F (K)tem interior vazio em Rm.

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Provemos a necessidade. Suponhamos que as funcoesf 1, . . . , fm sejam funcionalmente dependentes sobre todocompacto K ⊂ Ω. Admitamos que exista um ponto p ∈ Ω,

tal que a matriz jacobiana(∂f i

∂xj (p))

tenha caracterıstica

m, e mostemos que isso conduz a um absurdo. Podemos

supor, para fixar ideias, que D = det(∂f i

∂xj (p))6= 0, onde

i, j = 1, . . . ,m.Consideremos a aplicacao ψ : Ω → Rn definida assim:

ψ(q) =(f 1(q), . . . , fm(q), xm+1, . . . , xn

),

para todo q = (x1, . . . , xn) ∈ Ω. Verifica-se, sem dificul-dade, que o determinante jacobiano da aplicacao ψ, noponto p, e justamente igual a D, e e, pois, 6= 0. Entao,de acordo com o teorema da funcao inversa, ψ aplica umavizinhanca U de p difeomorficamente sobre uma vizinhancaV de ψ(p). Seja A um cubo de Rn, de centro ψ(p) ede arestas paralelas aos eixos coordenados de Rn, tal queA ⊂ V , e seja U ∩ ψ−1(A) = W . A aplicacao ψ e um di-feomorfismo de W sobre A. Seja π : Rn → Rm a projecao(x1, . . . , xn) → (x1, . . . , xm), que corresponde a abandonaras n − m ultimas coordenadas. Tem-se, evidentemente:F = π ψ.

p

W A

F

( )pF

( )p

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Essa decomposicao de F no difeomorfismo ψ e na projecaoπ, mostra claramente que toda vizinhanca Z de p, tal queZ ⊂ W , e transformada pela F em uma vizinhanca deF (p). Podemos escolher a vizinhanca Z compacta, e entaoF (Z) ha de ser uma vizinhanca compacta de F (p); comoo interior de F (Z) nao e vazio, as funcoes componentesf 1, . . . , fm nao podem ser funcionalmente dependentes so-bre o compacto Z, o que e uma contradicao. Concluımosque em todo ponto p ∈ Ω, a matriz jacobiana de F deveter caracterıstica < m.

2 Estudo do teorema do ponto fi-

xo de Brouwer

Representemos por Bn uma bola fechada do espaco eucli-diano Rn, e por Sn−1 a esfera que limita Bn. Suponhamos,por motivo de simplicidade, que Bn seja a bola de centrona origem e raio unitario; podemos escrever:

Bn = x ∈ Rn; |x| ≤ 1,Sn−1 = x ∈ Rn; |x| = 1.

Um famoso teorema de Brouwer afirma que toda trans-formacao contınua da bola Bn admite pelo menos um pontofixo. Apresentamos, a seguir, uma prova desse fato, ba-seada no teorema de Sard. Para maior clareza, dividimoso nosso estudo em tres partes: na primeira, introduzimosuma formulacao equivalente ao teorema de Brouwer, a qualserve melhor ao nosso fim; na segunda parte, mostramosque e possıvel restringirmo-nos ao caso diferenciavel, o quee um passo essencial para a aplicacao do teorema de Sard;

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na parte final, concluımos a demonstracao do teorema deBrouwer.

1a parte. Inicialmente enunciemos, de modo preciso, oteorema de Brouwer.

I) Se f : Bn → Bn e uma aplicacao contınua, existepelo menos um ponto x ∈ Bn tal que f(x) = x.

Recordemos, em seguida, o conceito de retracao, intro-duzido na Topologia pelo matematico Karol Borsuk. Se Ee um espaco topologico, e se F ⊂ E, uma retracao de Esobre F e qualquer aplicacao contınua r : E → F tal quer(x) = x para todo x ∈ F (quer dizer: r deixa fixos ospontos de F ). O subespaco F diz-se um retrato de E, seexiste uma retracao de E sobre F .

Pois bem, o teorema de Brouwer equivale a afirmacaode que a esfera nao e um retrato da bola, ou melhor:

II) Nao existe nenhuma retracao r : Bn → Sn−1.

Demonstremos que as proposicao I) e II) sao equivalen-tes.

I) ⇒ II). Suponhamos que exista uma retracao r : Bn→Sn−1. Definamos f : Bn → Bn pondo f(x) = −r(x), paratodo x ∈ Bn. A aplicacao f e evidentemente contınua, e eclaro que f(x) 6= x, qualquer que seja x ∈ Bn, contraria-mente ao que afirma I).

II) ⇒ I). Admitamos que exista uma aplicacao contınuaf : Bn → Bn, sem pontos fixos. Tem-se, entao, f(x) 6= x,para cada x ∈ Bn; a semirreta de origem f(x) que passapor x corta a esfera Sn−1 num ponto que designaremospor r(x). A aplicacao x → r(x), que e contınua, como

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se verifica facilmente, e uma retracao r : Bn → Sn−1, emcontradicao com II).

2a parte. O teorema de Brouwer refere-se a transforma-coes contınuas da bola Bn. Vamos ver que e suficiente de-monstra-lo para as transformacoes diferenciaveis (de classeC∞). Suponhamos que exista uma aplicacao f : Bn → Bn,contınua, sem pontos fixos. Definamos a funcao g : Bn

→ R, pondo g(x) = |f(x)− x|. Qualquer que seja x ∈ Bn,temos f(x) 6= x, e, portanto, g(x) > 0. No conjunto com-pacto Bn, a funcao g, evidentemente contınua, atinge ummınimo µ, e e obvio que µ > 0. Usando o teorema de apro-ximacao de Weierstrass, podemos afirmar que existe umafuncao φ : Bn → Bn, de classe C∞, tal que |φ(x)− f(x)| <µ2

para todo x ∈ Bn. Segue-se que

|x−φ(x)|+ µ

2> |x−φ(x)|+ |φ(x)−f(x)| ≥ |x−f(x)| ≥ µ,

donde, finalmente: |x− φ(x)| > µ2·

( )x

f x( )

x2

A ultima desigualdade mostra que φ : Bn → Bn nao ad-mite nenhum ponto fixo. Portanto, se provarmos que todaaplicacao diferenciavel φ : Bn → Bn admite algum pontofixo, o mesmo estara demonstrado para toda aplicacao f :Bn → Bn contınua.

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[SEC. 2: ESTUDO DO TEOREMA DO PONTO FIXO DE BROUWER 83

Observemos que a proposicao de Brouwer no caso dife-renciavel equivale a afirmar que nao existe nenhuma re-tracao diferenciavel r : Bn → Sn−1; a demonstracao dessaequivalencia e a mesma que apresentamos na 1 a parte,trocando-se simplesmente a condicao de continuidade pelade diferenciabilidade.

3a parte. Provemos o teorema de Brouwer. De acordocom as duas partes anteriores, basta demonstrarmos quenao existe nenhuma retracao diferenciavel F : Bn → Sn−1.Procedamos pela reducao ao absurdo. Suponhamos queexista uma retracao diferenciavel F : Bn → Sn−1. Note-mos que Bn e uma variedade diferenciavel que tem Sn−1

por bordo. O teorema de Sard garante a existencia de va-lores regulares de F ; na verdade, ele nos assegura que osvalores regulares de F constituem um conjunto denso emSn−1. Seja, pois, y ∈ Sn−1 um valor regular de F . Por serF uma retracao, F (y) = y; logo y ∈ F−1(y). Sabemos queF−1(y) e uma subvariedade unidimensional de Bn. SejaA a componente conexa de F−1(y) que contem y; comoconjunto fechado contido no compacto Bn, A e tambemcompacto. Portanto, A e uma variedade diferenciavel com-pacta e conexa de dimensao 1 e, como tal, e difeomorfa aum segmento de reta (fechado) ou a uma circunferencia.(∗)

Examinemos separadamente os dois casos.No primeiro, A e uma subvariedade de Bn dotada de

bordo, e entao o seu bordo, constituıdo pelos dois pontosextremos, deve estar contido em Sn−1, que e o bordo de

(∗) Como se sabe, existem essencialmente apenas duas variedadesdiferenciaveis unidimensionais conexas: a reta R1 e a circunferenciaS1; no caso compacto, a variedade e um segmento (fechado) ou umacircunferencia (a menos de difeomorfismos).

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Bn. Seja y1 um desses extremos, distinto de y. Temos,ao mesmo tempo: y1 ∈ Sn−1 e F (y1) = y 6= y1 , em con-tradicao com a hipotese de que F e retracao.

y

y

y1

1 CasoO

2 CasoO

Consideremos agora o segundo caso. Seja f a restricaode F a subvariedade A de Bn. Como f(x) = y para todox ∈ A, a aplicacao f : A → Sn−1 e constante, e daı resultaque a aplicacao linear fx : R → Rn−1 e tal que para todovetor v, tangente a A em x, fx(v) = 0, e isso qualquer queseja o ponto x ∈ A. Como y ∈ A, tem-se, em particular,fy(v) = 0. Por outro lado, a restricao g de F a Sn−1

e a aplicacao identica, porque F e uma retracao. Logo,para cada x ∈ Sn−1, a aplicacao linear gx , induzida porg, e a identidade, isto e, gx(v) = v. Por ser y ∈ Sn−1,tem-se gy(v) = v, para todo vetor v tangente a Sn−1 emy. Tomando, pois, um vetor v 6= 0 que seja tangente aA em y, v ha de ser tambem tangente a Sn−1 em y, eentao sera, ao mesmo tempo, fy(v) = 0 e gy(v) = v. Mas

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isso e impossıvel, porque sendo f e g restricoes da mesmaaplicacao F , tem-se: fy(v) = gy(v) = Fy(v), para todovetor v ∈ Ay ⊂ Sn−1

y .Concluımos que nao existe nenhuma retracao diferenci-

avel F : Bn → Sn−1. Fica assim demonstrado o teoremado ponto fixo de Brouwer.

3 Estudo do grau de uma aplica-

cao diferenciavel

Como importante aplicacao do teorema de Sard, estuda-mos, nas paginas que seguem, a nocao de grau de umaaplicacao diferenciavel f : M → N , onde M e N sao vari-edades diferenciaveis que satisfazem as condicoes que adi-ante descreveremos. Trata-se de um conceito cuja intro-ducao se revelou util nao so na Topologia Algebrica, mastambem na Geometria Diferencial. As variedades com asquais trabalhamos sao supostas orientadas; comecemos,pois, com alguns esclarecimentos sobre a orientabilidade.

3.1 Variedades orientadas

Um atlas diferenciavel A sobre a variedade Mn diz-se co-

erente quando cumpre a seguinte condicao: quaisquer quesejam os sistemas de coordenadas locais x : U → Rn ey : V → Rn, pertencentes a A, ou U ∩ V = ∅ ou, emcaso contrario, a aplicacao y x−1 : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V )tem jacobiano positivo em todos os pontos do seu domınio.

Se A e um atlas diferenciavel coerente sobre Mn, umsistema local z : W → Rn e admissıvel em relacao a A se

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para todo sistema x : U → Rn pertencente a A, tal queU ∩W 6= ∅, a aplicacao z x−1 tem jacobiano positivo emtodo ponto do seu domınio.

Se todos os sistemas admissıveis em relacao a A per-tencem a A, o atlas coerente A diz-se maximo. E claroque todo atlas coerente A esta contido em um unico atlascoerente maximo.

Uma variedade diferenciavel M e orientavel se admiteum atlas coerente. Se M e orientavel, podemos introduzirem M uma orientacao, e M passa a ser, entao, uma va-riedade orientada.

Para orientar uma variedade (orientavel)Mn, basta dis-tinguir sobre M um atlas coerente A. Uma vez escolhidoesse atlas, diremos, para abreviar, que um sistema localx : U → Rn e positivo, se e admissıvel em relacao a A (nessecaso, x pertence ao atlas coerente maximo que contem A).

Existe uma segunda maneira de orientar M , de caratertalvez mais intuitivo que a primeira: consiste em orien-tar cada espaco vetorial tangente a M , de sorte que asorientacoes em dois espacos tangentes vizinhos sejam coe-rentes, num sentido que precisaremos brevemente.

Recordemos, a proposito, a ideia de orientacao de umespaco vetorial E. Se E e F sao bases de E, representemospor det(E ,F) o determinante da matriz de passagem de Ea F . A condicao det(E ,F) > 0 estabelece uma relacao deequivalencia na colecao das bases de E. A totalidade dessasbases fica repartida em duas classes de equivalencia: dentrode cada classe, a passagem de uma base a outra faz-se comdeterminante positivo. Orientar E e escolher uma dessasduas classes; uma base dir-se-a compatıvel com a orientacaode E, se e somente se pertencer a classe escolhida.

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Voltemos a variedade Mn. Para cada p ∈ M , oriente-mos o espaco vetorial tangente Mp , porem, em vez de fazerisso de maneira arbitraria em cada ponto, suponhamos queseja possıvel escolher as orientacoes em pontos vizinhos, demodo que sejam coerentes na seguinte acepcao: se p, q per-tencem a mesma vizinhanca coordenada U , onde e validoo sistema x : U → Rn, as bases de Mp e Mq associadas aosistema x sao ambas compatıveis (ou ambas incompatıveis)com as orientacoes introduzidas em Mp e Mq . Da possibi-lidade de escolher orientacoes em todos os espacos vetoriaistangentes a M , de maneira que seja satisfeita essa condicaode coerencia, depende a orientabilidade de M . A variedadeorientavel M torna-se orientada quando cada espaco ve-torial Mp e efetivamente orientado, sob a condicao acimadescrita.

Nao e difıcil provar a equivalencia entre os dois menci-onados processos de orientar a variedade M .

Passemos, agora, ao estudo de alguns resultados funda-mentais para o que vai seguir.

Proposicao 1. Sejam M , N duas variedades de mesma

dimensao, e f : M → N uma aplicacao diferenciavel. Se

M e compacta e se a ∈ N e valor regular de f , entao

f−1(a) e um conjunto finito.

Demonstracao. Ja provamos no Capıtulo I, n. 9, quef−1(a) e vazio ou e um conjunto de pontos isolados. Porser um fechado contido na variedade compacta M , f−1(a)e compacto, e, nessas condicoes, so pode ser finito.

Proposicao 2. Sejam M , N duas variedades de mesma

dimensao, e f : M → N uma aplicacao diferenciavel. Se

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M e compacta, e se a ∈ N e um valor regular de f , exis-

te uma vizinhanca V de a, em N , cuja imagem inversa

f−1(V ) e a reuniao de um numero finito de abertos de M ,

disjuntos, cada um dos quais se aplica pela f difeomorfica-

mente sobre V .

Demonstracao. Em face da Proposicao 1, seja f−1(a) =a1, . . . , as. Por terem M e N a mesma dimensao, e porser f regular em ai (i = 1, . . . , s), existe uma vizinhanca Uide ai que se aplica pela f , difeomorficamente, sobre umavizinhanca Zi de a, isto e, as restricoes f |Ui = fi sao difeo-morfismos fi : Ui → Zi . Podemos supor que as vizinhancasU1, . . . , Us sao disjuntas, bastando para isso toma-las sufi-

cientemente pequenas. Seja Z =s⋂i=1

Zi . Se Wi = f−1i (Z),

entao W1, . . . ,Ws sao vizinhancas disjuntas de a1, . . . , as ,respectivamente, as quais se aplicam, pela f , difeomorfi-camente sobre Z. Basta agora demonstrarmos que existeuma vizinhanca V de a, V ⊂ Z, bastante pequena para

que seja f−1(V ) ⊂s⋃i=1

Wi . Provemos isso pela reducao ao

absurdo.

Suponhamos que para toda vizinhanca V de a, V ⊂ Z,exista algum ponto q ∈ V que se possa escrever na forma

q = f(p), com p /∈s⋃i=1

Wi . Podemos, entao, tomar uma

base enumeravel de vizinhancas de a, V1 ⊃ V2 ⊃ . . . , econstruir para cada Vk os correspondentes pontos qk ∈ Vk

e pk ∈ M , tais que qk = f(pk) e pk /∈s⋃i=1

Wi . Em virtude

da compacidade de M , a sucessao (pk) contem uma subsu-cessao (p′k) que converge para um ponto b ∈ M . Como a

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f e contınua, a sucessao correspondente (q′k) converge paraf(b). Mas, qk → a, por construcao. Logo, f(b) = a. Segue-se que b ∈ a1, . . . , as. Suponhamos, para fixar ideias, queb = aj (1 ≤ j ≤ s). Aqui e que aparece o absurdo, porquesendo aj o limite da sucessao (p′k), existem valores de k

suficientemente grandes para que seja pk ∈ Wj ⊂s⋃i=1

Wi ,

contrariamente a hipotese.

Proposicao 3. Sejam M , N duas variedades de mesma

dimensao n, orientadas, e f : M → N uma aplicacao dife-

renciavel. Se f e regular no ponto p ∈M , o sinal do deter-

minante jacobiano de f , em p, relativo a sistemas positivos

de coordenadas locais nas variedades M e N , nao depende

da escolha desses sistemas.

Demonstracao. Seja f(p) = q. Tomemos sistemas posi-tivos de coordenadas locais x : U → Rn, y : V → Rn, nasvariedades M , N , respectivamente, tais que p ∈ U , q ∈ V ,f(U) ⊂ V . Seja J(p) o determinante jacobiano de f , noponto p, calculado em termos dos sistemas x, y. Mais pre-cisamente, J(p) e o determinante jacobiano da aplicacaoy f x−1 : x(U) → y(V ), calculado no ponto x(p), ou seja:

J(p) = det

(∂yj

∂xk(p)

), j, k = 1, . . . , n.

Por ser f regular em p, temos J(p) 6= 0.

Consideremos novos sistemas positivos de coordenadaslocais, x : U → Rn, y : V → Rn, que, por simplicidade,supomos definidos nos mesmos abertos U ⊂M e V ⊂ N .

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M

y

p U f

qV

N

Rn RnRn

Rn

xx

y

Seja φ o difeomorfismo que estabelece a passagem de xa x, ψ o que permite passar de y a y (a figura serve parafacilitar a visualizacao de tudo isso). Seja J(p) o jacobianode f , em p, calculado nas novas coordenadas. Podemosescrever:

x = φ x, y = ψ y,y f x−1 = (ψ y) f (φ x)−1 =

= ψ (y f x−1) φ−1.

Resulta daı que

J(p) = det ψ · J(p) · det φ−1.

Como as variedades M e N sao orientadas, det ψ > 0 edetφ−1 > 0, e entao e claro que J(p) e J(p) tem o mesmosinal, como querıamos provar.

Daqui em diante, sempre que nos referirmos ao jaco-biano J(p) da aplicacao f : M → N , no ponto p ∈ M ,

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estaremos supondo que esse determinante e calculado emrelacao a sistemas positivos de coordenadas locais nas va-riedades M e N .

Definicao. Relativamente a aplicacao f : M → N (M , Nvariedades orientadas de mesma dimensao), diremos, dora-vante, para simplificar a linguagem, que p ∈ M e ponto

positivo ou ponto negativo, conforme seja J(p) > 0 ouJ(p) < 0. A Proposicao 3 confere a essa terminologia umsentido preciso.

Observacao. Existe um modo aparentemente mais geralde definir ponto positivo e ponto negativo, relativamentea uma aplicacao f : M → N (variedades orientadas demesma dimensao n). Suponhamos que f seja regular noponto p ∈ M , e que e1, . . . , en seja uma base do espacovetorial tangente Mp compatıvel com a orientacao de M .Se f(p) = q, a aplicacao linear fp e um isomorfismo de Mp

sobre Nq , e podemos afirmar que o conjunto fp(e1), . . . ,fp(en) e uma base de Nq . O ponto p e positivo ou nega-tivo, com respeito a f , conforme tal base seja ou nao sejacompatıvel com a orientacao de N . Expliquemos o assuntoem termos mais explıcitos. Seja y : V → Rn um sistemapositivo de coordenadas locais em N , tal que q ∈ V . Osvetores fp(e1), . . . , fp(en) tem componentes bem determi-nadas em relacao a base de Nq associada ao sistema y, epodemos considerar a matriz quadrada

A =(fp(e1), . . . , fp(en)

),

na qual a i-esima coluna e constituıda pelas componentesde fp(ei). O ponto p e positivo ou negativo consoante seja

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detA > 0 ou detA < 0. Verifica-se, sem dificuldade, que osinal de detA independe da escolha do sistema y.

A definicao dada antes (por meio do jacobiano J(p))corresponde ao caso em que a base e1, . . . , en de Mp ea base associada a um sistema positivo de coordenadaslocais x : U → Rn, valido num aberto U ⊂ M , tal quep ∈ U . Ora, dada qualquer base de Mp , compatıvel com aorientacao de M , sabemos que e possıvel considera-la comosendo a base associada a um conveniente sistema de coor-denadas locais x : U → Rn, pertencente ao atlas coerentede M , e tal que p ∈ U . Essa observacao justifica a as-sercao, ha pouco feita, de que a nova definicao de pontopositivo (ou negativo) era apenas na aparencia mais geralque a primeira.

3.2 O conceito de grau

Consideremos duas variedades M e N , de mesma dimensaon, orientadas e fechadas, e uma aplicacao diferenciavel f :M → N . Seja a ∈ N um valor regular de f ; ja mostra-mos que f−1(a) e um conjunto finito. Nessas condicoes,definamos: o grau da aplicacao f no ponto a e a diferencaentre o numero de pontos positivos e o numero de pontosnegativos em f−1(a). Representemos esse grau por gra(f).

O grau de f e definido para cada a ∈ N que seja valorregular de f e e de se supor que o numero gra(f) dependado ponto a considerado (ou, pelo menos, nada nos autorizaa pensar que nao seja assim). A definicao supra represen-tara, para nos, apenas um meio de passagem a uma ideiamais util. Queremos chegar a um conceito de grau que te-nha carater global. Conseguiremos isso mediante a hipotese

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adicional de que a variedade N seja conexa; se for satisfeitaessa condicao, veremos que gra(f) = grb(f), quaisquer quesejam a, b ∈ N , valores regulares de f . Pontrjagin de-monstra esse resultado fazendo uso da ideia de homotopia(v. [12]). Apresentaremos aqui uma prova baseada no teo-rema de Sard. Dividiremos a demonstracao em tres partes.Supondo sempre que a, b ∈ N sejam valores regulares def , provaremos, primeiramente, que gra(f) = grb(f) se ae b sao pontos suficientemente proximos. A seguir, mos-traremos que essa igualdade subsiste se a e b pertencemao domınio de um sistema de coordenadas locais em N(para tal fim, esse domınio deve ser suposto homeomorfoao espaco Rn). Finalmente, demonstraremos que a ditaigualdade continua valida, quaisquer que sejam a, b ∈ N ,desde que N seja uma variedade conexa.

Das tres referidas partes, somente a segunda nos daraalgum trabalho, especialmente se quisermos entrar imedia-tamente na demonstracao, pois que seremos entao obriga-dos a inserir no texto varias consideracoes laterais, com adesvantagem de fazer que o leitor, nesses desvios, perca ofio da meada. Sera preferıvel, pois, comecarmos com umaadequada preparacao.

Facamos, inicialmente, uma observacao importante. Se-jam a, b ∈ N valores regulares de f : M → N . Se pudesse-mos ligar a e b por um arco de Jordan em N cujos pontosfossem todos valores regulares de f seria mais facil provarque gra(f) = grb(f). Acontece, porem, que nem sempreexiste um arco nessas condicoes. Para contornar a dificul-dade daı resultante, lancaremos mao do conceito de regula-ridade transversa, introduzido por R. Thom em seu traba-lho “Quelques proprietes globales des varietes differentia-

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bles”, publicado em Comm. Math. Helv., vol. 28 (1954),pp. 17-86. Abramos um parentese para explicar essa ideia.

Sejam Mm, Nn duas variedades e φ : M → N umaaplicacao diferenciavel. Seja P p uma subvariedade de N .Consideremos um ponto x ∈M tal que φ(x) = y ∈ P . Emlinguagem geometrica, dizemos que π e transversalmente

regular em relacao a P , no ponto x ∈ M , se os espacosvetoriais tangentes Mx , Ny , Py satisfazem a condicao

Ny = Py + φx(Mx).

(A soma acima indicada nao e necessariamente direta.) Sea dita condicao subsiste para todo y ∈ P e todo x ∈ φ−1(y),dizemos que φ e transversalmente regular sobre P .

Consideremos as aplicacoes

φx : Mx → Ny , α : Ny → Ny/Py,

(supomos que α e a aplicacao canonica deNy sobre o espacovetorial quociente Ny/Py

). Facamos a composicao

α φx : Mx → Ny/Py.

Outro modo de definir a regularidade transversa de φ sobreP consiste em afirmar simplesmente que α φx aplica Mx

sobre Ny/Py. Verifica-se trivialmente que as duas definicoes

se equivalem.Continuando na fase preparatoria do nosso estudo, es-

tabelecamos, a seguir, um resultado do qual necessitaremosmais adiante.

Lema. Seja φ : Mn → Rn uma aplicacao diferenciavel

da variedade M no espaco euclidiano de mesma dimensao.

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Consideremos um ponto a ∈ Rn, um vetor v 6= 0 em Rn, e

a reta ∆a = a + tv; t ∈ R, que e uma subvariedade de

Rn. Definamos a aplicacao φ : M ×R → Rn assim:

φ(p, t) = φ(p) + tv.

Nessas condicoes, φ e transversalmente regular sobre ∆a se

e somente se a ∈ Rn e valor regular de φ.

Demonstracao. Seja x : U → Rn qualquer sistema decoordenadas locais em M . Se p ∈ U , representemos porDφ(p) a matriz jacobiana de φ, calculada em p. As co-lunas de Dφ(p) sao os vetores imagens, pela aplicacao li-near φp , dos vetores da base de Mp associada ao sistema x.Acrescentemos a direita da matriz Dφ(p) a coluna formadapelas componentes do vetor v, deRn, e indiquemos a matrizassim obtida com o sımbolo (Dφ(p), v). Observemos que(Dφ(p), v) e exatamente a matriz jacobiana da aplicacao

φ, calculada no ponto (p, t) ∈M ×R.

M

Rnv

aa

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De acordo com a definicao de regularidade transversa,podemos escrever:

1) φ e transversalmente regular sobre ∆a se e somentese para todo p ∈M , tal que φ(p) ∈ ∆a , a matriz (Dφ(p), v)tem caracterıstica n.

Por outro lado, tendo em vista a definicao de valor re-gular, resulta:

2) O ponto a ∈ Rn e valor regular de φ se e somente se

para todo p ∈ M , tal que φ(p, t) = a, a matriz (Dφ(p), v)tem caracterıstica n.

Ora, se p ∈M e φ(p, t) = a, e claro que φ(p) ∈ ∆a , por-

que φ(p, t) = φ(p) + tv. Vice-versa, se p ∈M e φ(p) ∈ ∆a ,podemos escrever φ(p) = a − t′v, onde t′ ∈ R, e resulta

φ(p, t′) = φ(p) + t′v = a. Segue-se que os primeiros mem-bros das equivalencias proposicionais 1) e 2) se equivalem,como querıamos demonstrar.

Passemos, agora, a provar o importante resultado jaanunciado, que transcrevemos de novo sob forma do seguin-te:

Teorema. Sejam M , N duas variedades de mesma di-

mensao n, fechadas, orientadas, e seja f : M → N uma

aplicacao diferenciavel. Se N e conexa e se a, b ∈ Nsao dois quaisquer valores regulares de f , tem-se gra(f) =grb(f).

Demonstracao. Tratemos sucessivamente as tres partesesbocadas no esquema antes feito.

1a parte. Provemos que o teorema vale se a, b sao sufici-entemente vizinhos. Seja f−1(a) = a1, . . . , as, de acordo

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com a Proposicao 1. Tomemos uma vizinhanca conexaV ∋ a, em N , nas condicoes a que se refere a Proposicao

2. Podemos escrever: f−1(V ) =s⋃i=1

Wi , onde Wi e uma

vizinhanca de ai em M , a qual se aplica pela f difeomorfi-camente sobre V , e Wj ∩Wk = ∅, se j 6= k. Suponhamosque b ∈ V . Entao e claro que f−1(b) = b1, . . . , bs, ondebi ∈ Wi (i = 1, . . . , s). Mostremos que bi e ponto positivoou negativo, conforme seja ai positivo ou negativo. SendoWi conexa (por ser difeomorfa a V ), e possıvel ligar ai e bipor um arco de Jordan em Wi . Se J(ai) e J(bi) tivessemsinais contrarios, teria que ser J(p) = 0 em algum pontop do dito arco (em virtude da continuidade do jacobiano).Ora, isso e impossıvel, porque a restricao f |Wi e um dife-omorfismo. Logo, gra(f) = grb(f).

2a parte. O teorema e verdadeiro se a e b pertencem amesma vizinhanca coordenada, homeomorfa ao Rn. Sejay : U → Rn um sistema de coordenadas locais em N , talque a, b ∈ U e y(U) = Rn. Admitamos que y(a) = 0, ori-gem de coordenadas em Rn (isso se pode sempre conseguir,com uma eventual mudanca de coordenadas em Rn). Sejay(b) = b′. Designemos por v o vetor 0b′ = b′ − 0. A reta0b′ e o conjunto

∆ = tv; t ∈ R.

Seja

φ = y f : M → Rn.

Definamos φ : M ×R → Rn pondo

φ(p, t) = φ(p) + tv.

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M

N

U

f

y

Rn

0

ab

b

De acordo com o lema ha pouco demonstrado, φ e trans-versalmente regular sobre ∆ se e so se 0 e valor regular deφ. Ora, nao podemos supor, a priori, que 0 seja valor re-gular de φ, pois nao dispomos de nenhum argumento quenos garanta isso. Mas, gracas ao teorema de Sard, pode-mos conseguir, arbitrariamente proximo de 0, um pontoque seja valor regular de φ, e que sirva igualmente ao nossofim. Expliquemos esse passo mais minuciosamente. Supo-nhamos que 0 nao seja valor regular de φ. Podemos tomaruma vizinhanca V ∋ a em N , V ⊂ U , na qual o grau def seja constante (a existencia de tal vizinhanca foi pro-vada na 1 a parte). Em y(V ), que e vizinhanca de 0 em

Rn, tomemos um ponto c′ que seja valor regular de φ (oteorema de Sard assegura-nos que tal ponto existe). Sejac = y−1(c′) ∈ V . Nessas condicoes, grc(f) = gra(f). Daquiem diante, basta provarmos que grb(f) = grc(f).

As consideracoes que acabamos de fazer justificam a a-titude mais simplista que vamos tomar, de supor que 0 sejavalor regular de φ. Entao, de acordo com o lema estudado,

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a aplicacao φ e transversalmente regular sobre a reta ∆.Mostremos, a seguir, que φ−1(∆) e uma subvariedade

deM , de dimensao 1. (Na realidade, existe uma proposicaoque diz: se F : Mm → Nn e transversalmente regular sobrea subvariedade P p ⊂ N , a imagem inversa F−1(P ) e umasubvariedade deM , de dimensaom−n+p. A demonstracaodesse resultado, que e uma consequencia do teorema dasfuncoes implıcitas, pode ser encontrada em [10]. Em vezde usar essa proposicao, vamos dar uma prova direta parao caso que nos interessa.)

Seja π : Rn → Rn a projecao ortogonal de Rn sobreo hiperplano perpendicular a reta ∆ na origem. Se u =(α1, . . . , αn) e o vetor unitario de v = 0b′ (isto e, da reta∆, orientada positivamente de 0 para b′), e facil ver que

π(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn) −(

n∑

i=1

αi xi

)(α1, . . . , αn).

A imagem π(Rn) e o conjunto

(x1, . . . , xn) ∈ Rn;

i

αi xi = 0

,

que e justamente o hiperplano acima referido. Escolhendouma base nesse hiperplano, podemos identifica-lo comRn−1.Ponhamos ψ = π φ : M → Rn−1.

Observemos que π−1(0) = ∆, isto e, os pontos de Rn

que se projetam na origem sao todos os pontos da reta ∆,e somente estes. Notemos tambem que

(π φ)−1(0) = φ−1(π−1(0)) = φ−1(∆),

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e entao basta provarmos que 0 e valor regular da aplicacaoπ φ (v. teorema estudado no Capıtulo I, §9). A projecaoπ e uma transformacao linear, e coincide, pois, com atransformacao linear por ela induzida em cada ponto deRn. Se p ∈ M e φ(p) = q ∈ Rn, podemos escrever:(π φ)p = πq φp = π φp .

Para qualquer p ∈ (π φ)−1(0) = φ−1(∆), precisamosmostrar que (π φ)p aplica Mp sobre Rn−1. Ora, dado o

v

q

0

Rn - 1

W

vetor w, de origem 0 em Rn−1, existe um vetor w′, de ori-gem q em Rn, tal que πq(w

′) = π(w′) = w (realmente, hauma infinidade de vetores tais como w′). Como φ e trans-versalmente regular sobre ∆, existe algum vetor u′ ∈ Mp ,tal que seja

w′ = φp(u′) + λv,

onde λ ∈ R (lembrar que v = 0b′ e vetor tangente a ∆).Segue-se que

πq(w′)=πq(φp(u

′))+πq(λv)=(πq φp)(u′)+0=(πφ)p(u′),

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como querıamos.

Esta deste modo provado que φ−1(∆) e uma subvarie-dade unidimensional de M .

A fim de dar continuacao a este estudo, vamos aquiabrir um parentese e fazer algumas consideracoes que seraoimportantes mais adiante. Para que tenham sentido pre-ciso as afirmacoes que seguem, suponhamos que a varie-dade Mn esteja imersa num espaco euclidiano (o teoremade Whitney assegura-nos que e sempre possıvel imergir avariedade Mn num espaco euclidiano Rk, desde que sejak ≥ 2n + 1). Nessas condicoes, para cada p ∈ M pode-mos pensar no espaco tangente Mp como sendo um espacovetorial euclidiano, e podemos falar no produto escalar dedois vetores de Mp ; tambem adquire sentido a ideia de or-togonalidade de vetores. Apos essas observacoes, vamosmostrar que sobre a subvariedade φ−1(∆) ⊂ M e possıveldefinir n− 1 campos diferenciaveis de vetores linearmenteindependentes, ao mesmo tempo tangentes a variedade Me normais a subvariedade φ−1(∆). Seja p ∈ φ−1(∆) ⊂ M .Reconsideremos a aplicacao

ψ = π φ : M → Rn−1

que em termos de um sistema de coordenadas locais x: U→Rn, tal que p ∈ U , se exprime por meio de n − 1 funcoesreais

yi = ψi(x1, . . . , xn), i = 1, . . . , n− 1.

Consideremos as diferenciais dψ1, . . . , dψn−1, que sao for-mas lineares sobre o espaco vetorial tangente Mp . Por

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ser euclidiano, o espaco vetorial Mp e canonicamente iso-morfo ao seu dual M∗

p ; esse isomorfismo e, como se sabe,J : Mp → M∗

p assim definido: para cada v ∈ Mp , J(v) =g ∈ M∗

p tal que g(w) = v · w, onde w ∈ Mp e o pontoindica o produto escalar. Sejam, entao, ∇ψ1, . . . ,∇ψn−1

os vetores de Mp correspondentes, nesse isomorfismo, asformas dψ1, . . . , dψn−1 ∈ M∗

p . Esses vetores sao normais asubvariedade φ−1(∆) ⊂ M no ponto p; com efeito, se u eum vetor tangente a essa subvariedade em p, resulta:

u · ∇ψi = dψi(u) =∂ψi

∂u(p) = 0,

porque ψi e constante sobre φ−1(∆). Os n − 1 vetores∇ψ1,. . .,∇ψn−1 sao linearmente independentes, porque saoindependentes as formas lineares dψ1, . . . , dψn−1 que lhescorrespondem no dito isomorfismo. De fato,

(dψi)p =n∑

j=1

∂ψi

∂xj(p) dxj, i = 1, . . . , n− 1,

e como p ∈ ψ−1(0) = φ−1(∆) e 0 e valor regular de ψ,

segue-se que a matriz jacobiana(∂ψi

∂xj (p)), i=1,. . ., n−1;

j = 1, . . . , n, tem caracterıstica n − 1, e daı resulta a in-dependencia linear das formas dψ1, . . . , dψn−1 (no pontop).

O vetor ∇ψi diz-se gradiente da funcao ψi.Fechemos o parentese e voltemos ao ponto onde nos

achavamos.

Por ser uma subvariedade de dimensao 1 da variedadefechada M , o conjunto φ−1(∆) e uma reuniao de retas e

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circunferencias (topologicas). (Recorde o leitor que todavariedade diferenciavel conexa unidimensional, sem bordo,e difeomorfa a reta R1 ou a circunferencia S1.) A sub-variedade φ−1(∆) contem os conjuntos

φ−1(0) = f−1(a) = a1, . . . , ar,φ−1(b′) = f−1(b) = b1, . . . , bs.

Vamos agora restringir as nossas consideracoes ao segmento0b′ ⊂ ∆. E claro que φ−1(0b′) e uma reuniao de cir-cunferencias e de segmentos (topologicos), ou seja, umareuniao de arcos e curvas fechadas de Jordan, na variedadeM (v. figura).

M

E intuitivo (e pode demonstrar-se sem dificuldade) que ospontos a1, . . . , ar , b1, . . . , bs sao necessariamente as extre-midades desses arcos de Jordan; daı resulta que tais arcossao em numero finito. Portanto, para efeito de avaliacaode gra(f) e de grb(f), as curvas fechadas eventualmentecontidas em φ−1(0b′) podem ser transcuradas, ja que naocontem pontos de f−1(a), nem de f−1(b). Resta fazermosum estudo cuidadoso relativo aos ditos arcos de Jordan.Tomemos um qualquer deles, cujas extremidades represen-taremos por A, B, e ao qual nos referiremos como sendo oarco AB.

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M1

0

tC

A Bp

en ( )t

0R

nq´

´b

Seja C : I → M , onde I = [0, 1], uma parametrizacaodiferenciavel do arco AB, tal que C(0) = A, C(1) = B,C(t) = p.

Chamemos e1, . . . , en−1 aos n− 1 campos diferenciaveisde vetores cuja existencia ha pouco demonstramos (essescampos sao bem definidos sobre o arco AB). No pontop = C(t), os vetores e1(t), . . . , en−1(t) sao, como vimos,tangentes a variedade M e normais ao arco AB. Seja en(t)o vetor C ′(t), tangente ao arco AB no ponto p. E claro,entao, que o conjunto

e1(t), . . . , en−1(t), en(t)

constitui uma base do espaco vetorial tangente Mp . Pode-mos admitir que essa base seja compatıvel com a orientacaoexistente em Mp como espaco tangente a variedade orien-tada M (se o nao fosse, substituirıamos um dos n− 1 pri-meiros vetores pelo seu simetrico, e obterıamos uma basena dita condicao).

Consideremos o determinante

D(t) = det(φp(e1(t)), . . . , φp(en−1(t)), φp(en(t))

),

onde φp(ei(t)) indica a coluna formada pelas n componen-tes do vetor φp(ei(t)) ∈ Rn. Se u e o vetor unitario de

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v = b′ − 0, podemos escrever:

φp(en(t)) = φp(C′(t)) = λ(t)u,

onde λ(t) e uma funcao real diferenciavel. Consideremostambem o determinante

A(t) = det(φp(e1(t)), . . . , φp(en−1(t)), u

).

Em virtude da regularidade transversa de φ sobre a reta ∆,segue-se que A(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Como A(t) dependecontinuamente de t, podemos afirmar que A(t) nao mudade sinal quando t descreve I. Observemos que entre D(t)e A(t) existe a seguinte relacao

D(t) = λ(t) · A(t). (*)

Recordemos, agora, que os pontos A, B sao elementosdo conjunto

f−1(a) ∪ f−1(b) = a1, . . . , ar ∪ b1, . . . , bs.

Pode acontecer que A pertenca a um dos conjuntos f−1(a),f−1(b) e B pertenca ao outro, mas pode tambem sucederque A e B estejam ambos num so desses conjuntos. Eessencial que estudemos as duas possibilidades.

1o caso. Para fixar ideias, suponhamos que seja A ∈f−1(a) e B ∈ f−1(b). Entao A = ai , B = bj e temosφ(A) = 0, φ(B) = b′. Como a aplicacao φ e regularnos pontos ai e bj , existem vizinhancas de ai e bj em M ,as quais se aplicam pela φ difeomorficamente sobre vizi-nhancas de 0 e de b′ em Rn. Seja q′ = φ(p) = φ(C(t)).

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Podemos afirmar que para valores nao nulos de t suficien-temente proximos de 0, os correspondentes pontos q′ saovizinhos de 0, e distintos de 0. De modo analogo se compor-tam os pontos q′ que correspondem a valores de t bastanteproximos de 1, e diferentes de 1; tais pontos sao vizinhos deb′, e distintos de b′. Vamos exprimir tudo isso em lingua-gem precisa. Considerando 0b′ como segmento orientadode origem 0, seja g(t) a abscissa de q′; e claro que

g(t) = (φ(C(t)) − 0) · u,

onde u e o vetor unitario de b′−0 e o ponto indica o produtoescalar. Por derivacao, obtemos:

g′(t) =((φ C)′(t)

)· u =

(φp(C

′(t)))· u = λ(t).

As observacoes acima feitas equivalem justamente a dizerque a funcao real g(t) e crescente a direita de 0 e tambema esquerda de 1; quer dizer que g′(0) = λ(0) > 0 e g′(1) =λ(1) > 0 (derivadas unilaterais, evidentemente). Segue-sedaı, e da relacao (*), que D(0) tem o mesmo sinal que A(0)e D(1) tem o mesmo sinal que A(1). Mas, ja vimos queA(0) e A(1) tem o mesmo sinal; portanto, o mesmo ocorrecom D(0) e D(1), e isso significa que os pontos ai, bj ∈ Msao ambos positivos ou ambos negativos.

2o caso. Admitamos agora, para fixar ideias, que A,B ∈f−1(a); seja entao A = ai , B = aj , onde i 6= j. Nessecaso, φ(A) = φ(B) = 0. Empregando a mesma funcaoreal g(t) definida no 1 o caso, verifica-se imediatamente queg(t) e crescente a direita de 0 e decrescente a esquerda de1; portanto, g′(0) = λ(0) > 0 e g′(1) = λ(1) < 0. Emface da relacao (*), D(0) e A(0) tem o mesmo sinal, ao

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passo que D(1) e A(1) tem sinais contrarios. Como A(0)e A(1) tem o mesmo sinal, segue-se que D(0) e D(1) temsinais contrarios. Indica isso que se ai e ponto positivo, aje negativo, e vice-versa.

Chegamos, pois, ao fim desta 2 a parte de nossa demons-tracao. Se o arco de Jordan AB esta no 2 o caso, ele naopesa no calculo de gra(f) (ou de grb(f)), porque as suasextremidades sao pontos de f−1(a) (ou de f−1(b)) de sinaiscontrarios. Os unicos arcos que influem no calculo do ditograu sao os que estao no 1 o caso. Para estes, as extremi-dades sao ambas positivas ou ambas negativas, e, pela f ,uma delas se aplica em a e a outra em b, e entao e obvioque gra(f) = grb(f), como querıamos demonstrar.

3a parte. Se a variedade N e conexa, gra(f) = grb(f),quaisquer que sejam a, b ∈ N , valores regulares de f .

Podemos ligar a e b por um arco emN , definido por umafuncao contınua C : I → N , tal que C(0) = a, C(1) = b.Argumentando com a compacidade de I e com a continui-dade de C, e facil ver que se pode dividir o intervalo I pormeio de pontos 0 = t0, t1, . . . , tp−1 , tp = 1, de maneira quepontos consecutivos, tais como qi−1 = C(ti−1) e qi = C(ti)pertencam a uma mesma vizinhanca coordenada (conexa).Nessas condicoes, tendo em vista a 2 a parte da demons-tracao, resulta:

gra(f) = grq1(f) = · · · = grqp−1(f) = grb(f),

e isso conclui a demonstracao.

O teorema precedente confere sentido preciso a seguinte

Definicao. O grau da aplicacao diferenciavel f : M → N ,onde M e N sao variedades de mesma dimensao, fechadas

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e orientadas, N sendo conexa, e o numero inteiro gra(f),calculado em qualquer ponto a ∈ N que seja valor regularde f . Esse grau sera indicado por gr(f).

Antes de prosseguir no estudo do grau, ilustremos esseconceito por meio de um exemplo. A variedade com quevamos lidar nesse exemplo e a esfera de Riemann S2, queequivale topologicamente ao plano complexo compactifi-cado pelo acrescentamento do ponto ∞. A homeomorfiaentre esses dois espacos pode ser estabelecida, como sabe-mos, por meio da projecao estereografica, que faz corres-ponder a 0 o polo sul da esfera, e a ∞ o polo norte. Comovariedade orientavel imersa em R3, S2 pode ser orientada,de modo natural, assim: um sistema de coordenadas lo-cais x : U → R2, valido num aberto U ⊂ S2, e consideradopositivo quando para cada z ∈ U , a base do plano tangenteSz associada ao sistema x forma com a normal exterior aesfera um triedro positivo em R3.

Consideremos a aplicacao f : S2 → S2 definida porf(z) = zn, onde n e um numero inteiro > 0. A f e dife-renciavel (e ate analıtica), e deixa fixos os pontos 0 e ∞ (po-los da esfera), os quais sao os seus unicos valores crıticos. Efacil verificar que gr(f) = n. Com efeito, se w ∈ S2 e valorregular de f (isto e, distinto de 0 e de ∞), f−1(w) se compoede n pontos z1, . . . , zn , os quais sao todos positivos, comovamos mostrar. Seja M um meridiano da esfera, que naopasse por nenhum dos n + 1 ditos pontos (meridiano aquisignifica uma semicircunferencia contendo os polos da es-fera como extremidades). No conjunto aberto U = S2−M ,podemos adotar o usual sistema de coordenadas polaresx : U → R2 tal que, se z ∈ U e z = ρ(cos θ + i sen θ), setenha x(z) = (ρ, θ). Para cada z ∈ U , tal que f(z) ∈ U ,

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podemos escrever:

f(z) = ρ′(cos θ′ + i sen θ′) = zn = ρn(cosnθ + i sen nθ),

ou seja:

ρ′ = ρn, θ′ = nθ.

O jacobiano de f no ponto z e

J(z) =

[nρn−1 0

0 n

]= n2 ρn−1 > 0.

Como os n+ 1 pontos z1, . . . , zn , w pertencem a U , pode-mos concluir que J(zi) > 0 para i = 1, . . . , n, como querıa-mos provar.

Para valores negativos do inteiro n, a aplicacao f : S2 →S2 definida por f(z) = zn e ainda diferenciavel, mas aplica0 em ∞ e ∞ em 0; estes sao os unicos valores crıticos de f .Procedendo como acima, pode concluir-se que o grau de fe o numero positivo −n.

Se n = 0, a aplicacao f(z) = zn, de S2 em S2, reduz-se a aplicacao constante z → 1. Entao, 1 e o unico valorcrıtico de f . Todo ponto w ∈ S2, tal que w 6= 1, e um valorregular de f , para o qual f−1(w) = ∅, e isso mostra quegr(f) = 0.

No exemplo acima, o grau e um inteiro positivo ou nulo.O grau de uma aplicacao diferenciavel pode, porem, ser uminteiro negativo, e nao e difıcil dar exemplo de aplicacaopara a qual o grau e um inteiro negativo arbitrario. Naonos deteremos em tais exemplos; o leitor interessado poderaencontra-los em [8], cap. II.

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3.3 Duas aplicacoes da teoria do grau

Vamos descrever dois interessantes e uteis resultados aosquais nos conduz o estudo que estamos desenvolvendo. Emtoda a teoria que apresentamos a respeito do grau de umaaplicacao diferenciavel f : Mn → Nn, supusemos que Mera uma variedade compacta, e, para definir o grau (global)de f , foi necessario supor N conexa. A hipotese da compa-cidade de M pode ser substituıda por outra um tanto maisfraca, sem que a teoria do grau deixe de ser valida. Em vezde admitir que M e compacta, podemos supor, somente,que a f e uma aplicacao propria. Com isso queremos di-zer que e compacta a imagem inversa f−1(K) de toda partecompacta K ⊂ N . Evidentemente, se M e compacta, qual-quer aplicacao f : M → N , que seja contınua, e tambempropria, mas a recıproca nao e verdadeira. E facil ver quea teoria do grau continua de pe se substituirmos a hipotesede que a variedade M e compacta, pela hipotese de que aaplicacao f e propria. A razao disso e que a Proposicao1 e a Proposicao 2 resistem a essa modificacao, isto e, saoverdadeiras as duas proposicoes que seguem.

Proposicao 1′ – Sejam M , N duas variedades de mesma

dimensao, e f : M → N uma aplicacao diferenciavel pro-

pria. Se a ∈ N e valor regular de f , o conjunto f−1(a) e

finito.

Proposicao 2′ – Se M , N sao variedades de mesma di-

mensao, e se f : M → N e uma aplicacao diferenciavel

propria, cada ponto a ∈ N , que seja valor regular de f , pos-

sui uma vizinhanca V , em N , cuja imagem inversa f−1(V )e reuniao de um numero finito de abertos de M , disjuntos,

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cada um dos quais se aplica pela f difeomorficamente sobre

V .

As demonstracoes sao analogas as que apresentamospara as Proposicoes 1 e 2, com ligeiras adaptacoes a novahipotese.

Passemos as prometidas aplicacoes do estudo do grau.Descreve-las-emos sob forma de teoremas.

Teorema 2. Sejam M , N variedades de mesma dimensao,

orientadas, N conexa, e f : M → N uma aplicacao dife-

renciavel propria. Se f e biunıvoca, o seu jacobiano J(p)nao pode mudar de sinal.

Demonstracao. Sejam x, y ∈ M dois pontos distintos.Suponhamos que J(x) e J(y) tivessem sinais contrarios, eque fosse, por exemplo, J(x) > 0 e J(y) < 0. Tendo emvista a biunivocidade de f , concluımos que o grau de fseria +1 em f(x) e −1 em f(y), o que e impossıvel. Logo,J(p) nao pode mudar de sinal quando p descreve M .

Observacoes. 1) Edouard Goursat, em seu Cours d’Ana-lyse Matematique, vol. I, no capıtulo dedicado as inte-grais duplas, da uma demonstracao intuitiva do resultadoa que se refere o teorema acima, em uma situacao particu-lar. Goursat considera uma aplicacao f : A1 → A, onde A1

e A sao, na realidade, variedades bidimensionais orientadas(com bordo), e a f e suposta de classe C1 e biunıvoca. Que-rendo provar que o jacobiano J de f nao muda de sinal emA1 , Goursat admite, por absurdo, que J se anule sobre umacurva γ1 , que separe a porcao de A1 onde J > 0 da porcaoonde J < 0. Ora, a hipotese de que J muda de sinal emA1 implica o anulamento de J em pontos de A1 , mas nao

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se pode garantir, sem maior cuidado, que seja uma curva oconjunto de tais pontos. Descrevamos uma situacao em quee valido o argumento apresentado por Goursat. Definamosuma funcao φ : A1 → R da seguinte maneira: φ(p) = J(p)para todo p ∈ A1 . O conjunto dos pontos de A1 ondeJ = 0 e φ−1(0). Suponhamos que a f seja de classe C2,donde resulta que a φ e de classe C1. Nessas condicoes,se 0 e valor regular de φ, o conjunto φ−1(0) e uma sub-variedade unidimensional de A1 (e, portanto, uma curvadiferenciavel, nao necessariamente conexa).

A falha acima apontada, aliada a circunstancia inconve-niente de que o final da prova e baseado em uma observacaopuramente intuitiva, nao deixa de ser uma imperfeicao nademonstracao dada por aquele eminente matematico.

2) Com as mesmas hipoteses do Teorema 2, se f : M →N e biunıvoca mas nao e sobre N , podemos garantir que ojacobiano J(p) e identicamente nulo em M . De fato, existeentao algum ponto a ∈ N tal que f−1(a) = ∅, e resultagr(f) = gra(f) = 0. Qualquer que seja p ∈M , se J(p) 6= 0,f(p) e valor regular de f , e o grau de f em f(p) e +1 ou−1, conforme seja J(p) > 0 ou J(p) < 0. Em face dacontradicao achada, concluımos que J(p) = 0.

Teorema 3. Sejam M , N variedades de mesma dimensao,

orientadas, N conexa, e f : M → N uma aplicacao dife-

renciavel propria. Se o jacobiano de f , J(p), nao muda

de sinal em M , e nem e identicamente nulo, a f aplica Msobre N .

Demonstracao. Suponhamos, para fixar ideias, que J(p)≥ 0 em M . Como J(p) nao e identicamente nulo, sejaq ∈ M tal que J(q) > 0. Existe uma vizinhanca V de

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q, em M , tal que J(p) > 0 para todo p ∈ V . O conjuntof(V ) = W e uma vizinhanca de f(q) = a em N . De acordocom o teorema de Sard, existe um ponto a′ ∈ W que e valorregular de f . O grau de f no ponto a′ e > 0, pois f−1(a′)contem um ponto q′ no qual J > 0, e em todos os demaispontos de f−1(a′) (se houver algum) tem-se J > 0, ja queJ ≥ 0 em M . Resulta daı que o grau de f e > 0. Segue-se que f e necessariamente sobre N , pois se existisse umponto b ∈ N tal que f−1(b) = ∅, seria grb(f) = 0.

Observacoes. 1) Dentro das condicoes em que vale oTeorema 3, se acrescentarmos a hipotese de que a variedadeM seja compacta, poderemos concluir, como corolario, queN e tambem compacta.

2) O Teorema 3, no caso de variedades de dimensao 2,foi obtido por S.S. Chern, como corolario de um teoremaque ele demonstra no artigo “Complex Analytic Mappingsof Riemann Surfaces, I”, American Journal of Mathema-tics, vol. 82, n.2 (1960), pp. 323-337.

3) O Teorema 3, no caso geral acima demonstrado, foiestabelecido por S. Sternberg e R.G. Swan, no artigo “OnMaps with Nonnegative Jacobian”, The Michigan Mathe-matical Journal, vol. 6 (1959), pp. 339-342. A demons-tracao que apresentam e essencialmente a mesma que aca-bamos de fazer, baseada na consideracao do grau, mas estee estudado de modo diferente (nesse trabalho, os autoresempregam tecnicas da Topologia Algebrica).

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4 Estudo do grau a luz da teoria

da integracao

Em muitas das consideracoes que seguem, as variedadessao supostas riemannianas. A proposito, recordemos queem toda variedade diferenciavel compacta e possıvel in-troduzir uma metrica riemanniana; esse fato e uma con-sequencia imediata do teorema de imersao de Whitney (v.[6], cap. III, pag. 170). Com base na teoria da integracaoem uma variedade riemanniana, o grau de uma aplicacaodiferenciavel pode ser interpretado de um modo interes-sante, que tambem serve como nova definicao desse con-ceito (de carater global). Para maior clareza da exposicao,e para tornar mais amena a leitura do texto seguinte, va-mos apresentar um resumo dos conhecimentos que seraonecessarios.

Comecemos com a recordacao de algumas nocoes daAlgebra Exterior. Seja E um espaco vetorial n-dimensionalsobre R. Um funcional n-linear ω : E×· · ·×E → R diz-sealternado quando

ω(v1, . . . , vi, . . . , vk, . . . , vn)=−ω(v1, . . . , vk, . . . , vi, . . . , vn),

quaisquer que sejam os ındices distintos i, k ∈ 1, . . . , n.Podemos definir a soma ω1+ω2 e o produto λω, onde λ ∈ R,da maneira usual:

(ω1 + ω2)(v1, . . . , vn) = ω1(v1, . . . , vn) + ω2(v1, . . . , vn),

(λω)(v1, . . . , vn) = λω(v1, . . . , vn).

Em relacao a essas operacoes, os funcionais n-lineares al-ternados formam um espaco vetorial unidimensional sobre

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R. O vetor zero desse espaco vetorial e o funcional 0 tal que0(v1, . . . , vn) = 0, quaisquer que sejam os vetores v1, . . . , vnpertencentes a E.

Se f1, . . . , fn sao funcionais lineares sobre E, isto e, ele-mentos do espaco vetorial dual E∗, a aplicacao ω : E×· · ·×E → R definida por

ω(v1, . . . , vn) = det

f1(v1) . . . f1(vn)............................fn(v1) . . . fn(vn)

e evidentemente um funcional n-linear alternado. Esse fun-cional e, por definicao o produto exterior dos n funcionaisf1, . . . , fn , e representa-se assim: ω = f1 ∧ · · · ∧ fn . Adefinicao acima conduz-nos as seguintes conclusoes:

1) ω = f1∧· · ·∧fn = 0 se e so se os funcionais f1, . . . , fnsao linearmente dependentes;

2) se ω 6= 0, ω(v1, . . . , vn) = 0 se e somente se os ve-tores v1, . . . , vn ∈ E sao linearmente dependentes. En-quanto esta ultima conclusao nos oferece um criterio utilpara a verificacao da dependencia linear de n vetores de E,a primeira nos assegura que se f1, . . . , fn sao linearmenteindependentes, ω = f1 ∧ · · · ∧ fn e uma base do espaco ve-torial dos funcionais n-lineares alternados definidos sobreE× · · · ×E (n fatores). Se ω e qualquer desses funcionais,deve ser ω = λω, onde λ ∈ R.

4.1 Formas diferenciais exteriores sobreuma variedade

Admitamos, daqui por diante, que a variedade Mn seja ori-entada. Vamos ver como e que se podem definir sobre M

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formas diferenciais exteriores de grau n, ou simplesmenteformas de grau n. (Na realidade, uma tal forma e umasecao de um espaco fibrado, mas, para o fim que temosem mira, podemos evitar a mencao explıcita desse espaco,e contentar-nos com a descricao sumaria que passamos afazer.) Uma forma ω, de grau n, sobre a variedade M , euma aplicacao que associa a cada ponto p ∈ M um funci-onal n-linear alternado

ωp : Mp × · · · ×Mp → R

(recorde-se que Mp e o espaco vetorial tangente a M emp).

Seja x : U → Rn um sistema positivo de coordenadaslocais em M , tal que p ∈ U . Seja e1, . . . , en a base deMp associada ao sistema x. As diferenciais dx1, . . . , dxn

constituem, como sabemos, uma base do espaco M∗

p , dualde Mp (trata-se justamente da base dual da primeira, poise claro que dxi(ej) = δij). De acordo com uma observacaoanterior, podemos escrever:

ωp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

onde a e uma funcao real definida em x(U) ⊂ Rn. O valorque a forma ωp assume na n-pla de vetores v1, . . . , vn ∈Mp

e:

ωp(v1, . . . , vn) = a(x(p)) det(dxi(vj)).

Se y : V → Rn e outro sistema positivo de coordenadaslocais em M , tal que p ∈ V , deve ser

ωp = b(y(p))dy1 ∧ · · · ∧ dyn,

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e e facil verificar que

b(y(p)) = a(x(p)) det

(∂xi

∂yj(p)

)= a(x(p)) · J(p).

Como o jacobiano J(p) e> 0, podemos concluir que a(x(p))e b(y(p)) tem o mesmo sinal.

Reconsideremos a expressao da forma ω no ponto p:

ωp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn.

A forma ω diz-se positiva, negativa ou nula no ponto p ∈M , conforme seja a(x(p)) > 0, a(x(p)) < 0 ou a(x(p)) = 0;esse sinal, como acabamos de ver, nao depende da escolhado sistema (positivo) x.

A forma ω e dita contınua se para todo p ∈ M existeum sistema de coordenadas locais x : U → Rn, com p ∈ U ,tal que ωp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn, onde a : x(U) → R euma funcao contınua.

Em nosso estudo, consideraremos inicialmente as for-mas contınuas, porem teremos interesse, mais adiante, emlidar tambem com certas formas que nao satisfazem neces-sariamente a essa condicao.

4.2 Suporte de uma funcao ou de umaforma. Particao da unidade

Se M e uma variedade e F : M → R uma funcao, chamare-mos suporte dessa funcao ao fecho do conjunto dos pontosdeM nos quais F assume valores diferentes de zero. Define-se de modo analogo o suporte de uma forma ω, de grau n,sobre Mn: e o fecho do conjunto dos pontos p ∈ M , tais

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que ωp 6= 0. Quando a variedade M e compacta, o suportede uma funcao ou de uma forma e sempre compacto.

Outra ideia importante, que convem relembrarmos, ea de particao da unidade. Tal conceito, que pode ser es-tudado em [10], em [13] ou em [4], tem um desempenhomuito util em varias questoes nas quais o objetivo e a pas-sagem da situacao local a global. Seja M uma variedadediferenciavel, Uα uma cobertura de M , aberta e local-mente finita. Uma particao da unidade sobre M , subor-

dinada a cobertura Uα, e uma colecao φα de funcoesφα : M → R, contınuas, φα(p) ≥ 0 sobre M , com as duasseguintes propriedades: 1) para todo α, o suporte de φαesta contido em Uα ; 2) para todo p ∈ M ,

∑α

φα(p) = 1

(observe-se que nesta soma ha apenas um numero finito deparcelas nao nulas).

Demonstra-se que se M e uma variedade arbitraria, ese Uα e qualquer cobertura aberta de M , existe umacobertura aberta Vα de M , localmente finita, tal queVα ⊂ Uα , qualquer que seja α. Prova-se, tambem, quepara toda cobertura aberta e localmente finita de M , existeuma particao da unidade, subordinada a essa cobertura.Mais ainda: e possıvel tomar as funcoes φα dessa particaodiferenciaveis. As demonstracoes desses resultados podemser encontradas em [10]; nao as reproduziremos aqui, paranao alongar esta exposicao com questoes que pertencemmais propriamente a Topologia Geral, e que estao um tantoafastadas da linha de assuntos que vimos seguindo nestemomento.

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4.3 Integracao de formas contınuas sobreuma variedade compacta

Vamos mostrar, a seguir, como e que se pode integrar umaforma contınua, de grau n, sobre uma variedade Mn, com-pacta e orientada.

Seja x : U → Rn um sistema (positivo) de coordenadaslocais em M . Conforme observamos, em cada ponto p ∈ Ua forma ω assume um valor

ωp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

onde a : x(U) → R e uma funcao contınua. Tambem pode-mos escrever:

ωp = a(x1, . . . , xn)dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

onde x1, . . . , xn sao as coordenadas de p no sistema x.Suponhamos que o suporte S de ω esteja contido em U ;nessas condicoes, a funcao a se anula no exterior do con-junto compacto x(S) ⊂ x(U) ⊂ Rn, e podemos definir aintegral da forma ω sobre M da seguinte maneira:

M

ω =

x(U)

a(x1, . . . , xn)dx1 . . . dxn,

onde o segundo membro e uma integral multipla classica,no sentido de Riemann.

Para que essa definicao seja legıtima, e necessario que ovalor que ela atribui a integral da forma ω nao dependa daescolha das coordenadas. E facil verificar que essa condicaose cumpre. Seja y : V → Rn outro sistema (positivo) de

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coordenadas locais em M , tal que o suporte de ω estejacontido em V . Sabemos que

ωp=b(y(p))dy1 ∧ · · · ∧ dyn=b(y1, . . . , yn)dy1 ∧ · · · ∧ dyn,

e ja provamos que

b(y(p)) = a(x(p)) · J(p).

Usando o teorema classico da mudanca de variaveis emuma integral multipla, podemos escrever:

M

ω =

x(U)

a(x1, . . . , xn)dx1 . . . dxn =

=

y(V )

a(x1, . . . , xn)J(p)dy1 . . . dyn =

=

y(V )

b(y1, . . . , yn)dy1 . . . dyn.

Passemos a situacao mais geral em que o suporte deω nao esta necessariamente contido numa vizinhanca co-ordenada. Seja Uα uma cobertura qualquer de M porvizinhancas coordenadas. Como M e compacta, Uα ad-mite uma subcobertura finita, que indicaremos simples-mente por U1, . . . , Ur. Seja φ1, . . . , φr uma particaoda unidade, subordinada a essa cobertura finita. Qualquerque seja p ∈M , podemos escrever:

ωp =

(r∑

i=1

φi(p)

)ωp =

r∑

i=1

φi(p) · ωp ,

ou, abreviadamente:

ω =r∑

i=1

φi ω.

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Definiremos a integral de ω sobre M por meio da formu-la: ∫

M

ω =r∑

i=1

M

φi ω.

Para cada i ∈ 1, . . . , r, φi ω e uma forma cujo suporteesta contido na vizinhanca coordenada Ui , e ja sabemos

como se calcula

M

φiω nessas condicoes.

Para mostrar que a definicao acima tem sentido, pre-cisamos provar que a integral ali definida nao depende dacobertura U1, . . . , Ur escolhida, nem da particao da uni-dade, subordinada a essa cobertura. Seja V1, . . . , Vs ou-tra cobertura de M por vizinhancas coordenadas, eψ1, . . . , ψs qualquer particao da unidade, a ela subor-dinada. Observemos que os abertos Ui ∩ Vj (i = 1, . . . , r;j = 1, . . . , s) constituem uma cobertura de M , e que as rsfuncoes θij , definidas por θij(p) = φi(p) · ψj(p), compoemuma particao da unidade, subordinada a mesma cobertura.Como

∑i

φi = 1 e∑j

ψj = 1, resulta:

i

M

φiω =∑

i

M

φi

(∑

j

ψj

)ω =

i,j

M

φiψjω =

=∑

i,j

M

θijω,

j

M

ψjω =∑

j

M

ψj

(∑

i

φi

)ω =

i,j

M

ψjφiω =

=∑

i,j

M

θijω.

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Fica assim concluıda a prova de que a definicao da integralacima dada tem carater intrınseco.

Observacao. A definicao que demos de

M

ω pode esten-

der-se ao caso em que a variedadeM nao e compacta, desdeque seja compacto o suporte da forma ω. Se Uα e umacobertura de M por vizinhancas coordenadas, nao pode-mos, em geral, extrair dela uma subcobertura finita, masuma subcobertura enumeravel V1, V2, . . . sempre existe(propriedade de Lindelof). Podemos obter, em seguida,uma cobertura W1,W2, . . . de M , localmente finita, talque Wi ⊂ Vi para todo ındice i. Seja φ1, φ2, . . . umaparticao da unidade, subordinada a Wi; podemos admi-tir que o suporte de cada φi seja compacto (para isso, bastasupor que cada Wi e o domınio de um sistema de coorde-nadas locais xi : Wi → Rn, tal que xi(Wi) seja um abertolimitado de Rn). Ponhamos, entao:

M

ω =∞∑

i=1

M

φi ω.

Por ser compacto, o suporte de ω so encontra um numerofinito dos abertos Wi , de sorte que a soma acima indicadaapresenta somente um numero finito de parcelas que podemser 6= 0.

4.4 Integracao sobre uma variedade rie-manniana

Na definicao de uma variedade riemanniana, desempenhapreponderante papel o conceito de produto escalar. Para

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maior clareza do texto seguinte, talvez seja util que a-presentemos uma ligeira recapitulacao desse assunto. Osespacos vetoriais a que nos referiremos serao sempre su-postos de dimensao finita.

Um produto escalar num espaco vetorial real V e umaforma bilinear simetrica sobre V , definida positiva. Emtermos mais explıcitos, um produto escalar em V e umafuncao g : V × V → R, com as seguintes propriedades:

1) se u, v, w ∈ V e se λ ∈ R, tem-se:

g(u+ v, w) = g(u,w) + g(v, w),

g(u, v + w) = g(u, v) + g(u,w),

g(λu, v) = λg(u, v),

g(u, λv) = λg(u, v),

2) quaisquer que sejam u, v ∈ V , tem-se:

g(u, v) = g(v, u),

3) para todo u ∈ V , g(u, u) ≥ 0, e g(u, u) = 0 se e somentese u = 0.

Preferiremos usar a notacao u · v em lugar de g(u, v).Um exemplo bem conhecido do produto escalar e o classicoproduto escalar de dois vetores do espaco Rn: se u = (x1,. . . , xn) e v = (y1, . . . , yn), entao

u · v = x1y1 + · · · + xnyn.

Um espaco vetorial V munido de um produto escalardiz-se euclidiano, e em tal espaco se define o comprimento

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de um vetor u como sendo o numero real nao negativo√u · u. Tambem podemos definir a distancia do vetor u

ao vetor v como sendo o comprimento do vetor v − u,isto e: d(u, v) =

√(v − u) · (v − u). Nao e difıcil verifi-

car que a funcao d : V × V → R, assim definida, satisfazaos axiomas de uma funcao distancia. Nessas condicoes, Vtorna-se um espaco metrico. Num espaco vetorial euclidi-ano V , podemos tambem definir a nocao de ortogonalidade.Dois vetores u, v ∈ V dizem-se ortogonais se e somente seu · v = 0. Se V tem dimensao n, uma base e1, . . . , ende V diz-se ortonormal quando os vetores e1, . . . , en saounitarios (isto e, de comprimento 1) e ortogonais entre si(quer dizer: ei · ej = 0, se i 6= j). E claro, entao, que seei, ej sao dois vetores quaisquer de uma base ortonormalde V , distintos ou nao, vale a relacao: ei · ej = δij (sımbolode Kronecker). Num espaco vetorial euclidiano V , de di-mensao finita, existem sempre bases ortonormais; a partirde uma base arbitraria u1, . . . , un de V , e possıvel cons-truir uma base ortonormal e1, . . . , en, tal que cada eiseja combinacao linear de u1, . . . , ui (processo de ortonor-malizacao de Gram-Schmidt).

Suponhamos, agora, que o espaco vetorial euclidiano V ,de dimensao n, seja orientado. Se v1, . . . , vn sao n vetoresde V , linearmente independentes, definiremos da seguintemaneira o volume (orientado) do paralelepıpedo por elesformado:

vol(v1, . . . , vn) = ±√

det(vi · vj),

onde se toma o sinal + ou o sinal − , conforme a basev1, . . . , vn seja ou nao seja compatıvel com a orientacaode V . Mostremos que esse volume e sempre um numero

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real bem definido. Para isso, consideremos em V uma baseortonormal e1, . . . , en, compatıvel com a orientacao deV , e representemos os vetores v1, . . . , vn em termos dessabase:

vk =∑

r

αrk er .

Podemos escrever:

vi · vj =∑

r,s

αriαsj(er · es) =

r,s

αriαsjδrs =

h

αhi αhj .

Seja α a matriz (αki ), e α′ a sua transposta. O produtoescalar vi · vj e evidentemene o elemento da i-esima linha eda j-esima coluna da matriz produto αα′. Entao

det(vi · vj) = det(αα′) = det α · det α′ = (det α)2,

e resulta que

vol(v1, . . . , vn) = ±√

(det α)2,

ou, com as convencoes de sinal ha pouco admitidas:

vol(v1, . . . , vn) = det α.

Esta ultima formula tambem tem sentido quando os ve-tores v1, . . . , vn sao linearmente dependentes, e, neste caso,e claro que vol(v1, . . . , vn) = 0. Daqui em diante, usaremoso sımbolo vol(v1, . . . , vn) para indicar o volume associadoaos n vetores v1, . . . , vn , quer sejam eles independentes,quer sejam dependentes.

Voltemos ao estudo das variedades. Uma variedade di-ferenciavel Mn diz-se riemanniana quando em cada ponto

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126 [CAP. III: APLICACOES DO TEOREMA DE SARD

p ∈M o espaco vetorial tangente Mp e dotado de um pro-duto escalar, o qual varia diferenciavelmente, na seguinteacepcao: se x : U → Rn e qualquer sistema de coordenadaslocais em M , tal que p ∈ U , e se X1, . . . , Xn e a base deMp associada a esse sistema, as funcoes reais gij = Xi ·Xj ,definidas em U , sao diferenciaveis (de classe C∞).

Os produtos escalares definidos nos espacos vetoriaistangentes a uma variedade riemanniana constituem o quese chama a metrica riemanniana da variedade. Cada vetoru, tangente a M em p, tem um comprimento bem determi-nado, definido por

√u · u, onde o ponto indica o produto

escalar em Mp .Se a variedade riemanniana Mn e orientada, podemos

falar no volume (orientado) do paralelepıpedo formado porn vetores linearmente independentes v1, . . . , vn ∈Mp .

Seja Mn uma variedade compacta, orientada, riemanni-ana. Mostraremos que e possıvel integrar nao so as formascontınuas de grau n sobre M , mas tambem as funcoes re-ais contınuas definidas sobre M . Essa possibilidade resultada existencia de uma forma diferencial canonica de grau nsobre a variedade M . Tal forma, que designaremos por σ,e a qual daremos o nome de elemento de volume, assumeem cada ponto p ∈M um valor σp definido assim:

σp(v1, . . . , vn) = vol(v1, . . . , vn),

onde v1, . . . , vn ∈Mp .Tomemos em Mp uma base ortonormal e1, . . . , en,

compatıvel com a orientacao de Mp . Em relacao a essabase, podemos escrever:

vk =∑

r

αrk er ,

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e ja provamos que

vol(v1, . . . , vn) = det α,

onde α e a matriz (αij). Segue-se que

σp(v1, . . . , vn) = det α,

e torna-se agora evidente que σ, como foi acima definida,e, de fato, uma forma diferencial exterior de grau n sobrea variedade M (basta pensar nas propriedades dos deter-minantes).

Se f : M → R e uma funcao contınua, definamos aintegral de f sobre a variedade M assim:

M

f =

M

fσ,

onde fσ e a forma que em cada p ∈ M assume o valorf(p)σp .

Procuremos expressar a forma σ em termos de coor-denadas locais. Seja x : U → Rn um sistema positivo decoordenadas em M . Se p ∈ U , ja sabemos que

σp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn.

Precisamos determinar a funcao a : x(U) → R. Designandopor X1, . . . , Xn a base de Mp associada ao sistema x,podemos escrever:

σp(X1, . . . , Xn) = a(x(p)) det(dxi(Xj)) = a(x(p)).

Por outro lado,

σp(X1, . . . , Xn) = vol(X1, . . . , Xn) = +√

det(Xi ·Xj).

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Observe-se que o radical acima aparece precedido do sinal+ , porque a base X1, . . . , Xn de Mp e compatıvel com aorientacao desse espaco vetorial, ja que x e, por hipotese,um sistema positivo. Adotemos a notacao antes introduzi-da: Xi ·Xj = gij (nao esquecer que gij sao funcoes do pontop ∈ U), e facamos det(gij) = g. Nessas condicoes,

σp(X1, . . . , Xn) =√g,

e podemos concluir, finalmente, que

a(x(p)) =√g,

e que

σp =√g dx1 ∧ · · · ∧ dxn.

Convem assinalar que g = det(gij) > 0 em todo pontop ∈ U , pois g e o volume (orientado) do paralelepıpedoformado em Mp pelos vetores X1, . . . , Xn , os quais consti-tuem uma base de Mp compatıvel com a orientacao desteespaco vetorial.

4.5 Formas localmente somaveis. Con-juntos mensuraveis

Seja Mn uma variedade compacta, orientada, riemanni-ana, e ω uma forma de grau n sobre M (nao se supoe ωcontınua). Dizemos que ω e localmente somavel se paracada ponto p ∈ M existe um sistema (positivo) de coor-denadas locais x : U → Rn, com p ∈ U , no qual a formaω se exprime como ωp = a(x(p))dx1 ∧ · · · ∧ dxn, onde ae uma funcao integravel segundo Lebesgue no conjunto

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aberto x(U) ⊂ Rn. E claro que toda forma contınua elocalmente somavel.

Se ω e localmente somavel, e se o suporte de ω esta con-tido no domınio U do sistema de coordenadas x, podemosdefinir a integral de ω sobre M assim:

M

ω =

x(U)

a(x1, . . . , xn) dx1 . . . dxn.

Da mesma maneira que no caso das formas contınuas, de-monstra-se que essa integral nao depende do sistema x. Seo suporte de ω nao esta contido numa vizinhanca coorde-nada U nas condicoes descritas, podemos proceder comono caso das formas contınuas, e definir

M

ω =r∑

i=1

M

φi ω,

onde φ1, . . . , φr e uma particao da unidade, subordinadaa uma cobertura finita U1, . . . , Ur de M , tal que cada Uisatisfaca as condicoes acima indicadas.

Consideremos um conjunto qualquer C ⊂ M . Sejaφ : M → R a funcao caracterıstica de C (quer dizer: φ(p) =1, se p ∈ C, e φ(p) = 0, se p /∈ C). Representemos por σ aforma que define o elemento de volume emM . Diremos queo conjunto C e mensuravel, se a forma φσ for localmentesomavel. ComoM e compacta, a forma φσ, correspondenteao conjunto mensuravel C, e integravel, e podemos definiro volume de C por meio da integral.

vol C =

M

φσ.

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Todo conjunto fechado F ⊂ M e mensuravel. Comefeito, qualquer que seja o sistema (positivo) de coorde-nadas locais x : U → Rn, o conjunto F ∩ U e fechado emU ; logo, x(F ∩ U) e fechado em x(U) ⊂ Rn, e, portanto,mensuravel em Rn. Se φ e a funcao caracterıstica de F , aforma φσ se exprime, no sistema x, para cada p ∈ U , daseguinte maneira:

(φσ)p = φ(p) · σp = ψ(x(p)) · √g dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

onde indicamos por ψ a funcao caracterıstica de x(F ∩ U)em Rn. Concluımos que a funcao ψ(x(p))

√g e integravel

segundo Lebesgue no conjunto x(U), e daı segue que aforma φσ e localmente somavel e, finalmente, que F e men-suravel.

E facil provar que todo conjunto A de medida nulaem M tem volume nulo. Com efeito, qualquer que sejao sistema de coordenadas locais x : U → Rn, o conjuntox(A ∩ U) tem medida nula em Rn. Se φ e a funcao carac-terıstica de A, podemos escrever:

(φσ)p = φ(p) · σp = ψ(x(p)) · √g dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

onde p ∈ U e ψ e a funcao caracterıstica de x(A∩U). Comoψ se anula sobre x(U), exceto num conjunto de medidanula, resulta:

x(U)

ψ(x(p)) · √g dx1 . . . dxn = 0.

Ao calcular o volume de A, por meio de uma particao daunidade, encontraremos vol A = 0, porque sao nulas todasas parcelas da soma que representa esse volume.

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4.6 Integracao sobre variedades nao com-pactas

Consideremos uma variedade diferenciavel Mn, orientada,mas que nao supomos compacta. A mesma definicao quedemos no caso compacto pode ser usada para definir formaslocalmente somaveis sobre M .

Seja ω uma forma localmente somavel sobre M . Consi-deremos uma cobertura aberta enumeravel U1, U2, . . . deM , localmente finita, tal que cada Ur seja o domınio de umsistema (positivo) de coordenadas xr : Ur → Rn, no qual aforma ω, em cada p ∈ Ur , se exprime por

ωp = ar(xr(p))dx1r ∧ · · · ∧ dxnr ,

onde ar e uma funcao integravel segundo Lebesgue no aber-to xr(Ur) ⊂ Rn. Seja φ1, φ2, . . . uma particao da unida-de, subordinada a cobertura Ur. Para cada r, a formaφrω exprime-se, no sistema xr , da seguinte maneira:

(φrω)p = φr(p) · ar(xr(p))dx1r ∧ · · · ∧ dxnr =

= Ar(x1r, . . . , x

nr )dx

1r ∧ · · · ∧ dxnr .

Diremos que ω e integravel se a serie

∞∑

r=1

M

φrω =∞∑

r=1

xr(Ur)

Ar(x1r, . . . , x

nr )dx

1r . . . dx

nr

e convergente, qualquer que seja a escolha da coberturaUr e da particao φr, nas condicoes acima descritas. Setal convergencia se verifica para toda particao φr, resulta,em particular, que a serie converge qualquer que seja a or-dem dos seus termos (observe-se que mudar a ordem desses

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termos corresponde a reordenar as funcoes φr). Podemos,pois, afirmar que a serie e absolutamente convergente. De-corre daı que todas as manipulacoes que usamos, no casofinito, para provar que a integral, definida por particao daunidade, independe dessa particao, sao ainda validas nopresente caso. Podemos, entao, com legitimidade, definir a

integral

M

ω como sendo a soma da serie acima.

Quando a forma ω, localmente somavel, tem suportecompacto, a serie considerada tem todos os termos nulos,exceto um numero finito deles, e entao ω e integravel. Aesse respeito, reportamo-nos a observacao que fizemos nofinal do §3.

4.7 Novas consideracoes sobre o grau deuma aplicacao diferenciavel

Chegamos agora a parte final do nosso trabalho. Vamosdar uma interpretacao do grau que tambem serve comonova definicao desse conceito.

Sejam M e N duas variedades de dimensao n, fechadas,orientadas, riemannianas; admitamos, ainda, que N sejaconexa. Consideremos uma aplicacao diferenciavel f : M→ N . Se p ∈ M e q = f(p), representemos, como sempre,por fp : Mp → Nq a aplicacao linear induzida por f . Se ωe uma forma sobre N , a aplicacao f induz sobre M umaforma f ∗ω, definida da seguinte maneira:

(f ∗ω)p(v1, . . . , vn) = ωq(fpv1, . . . , fpvn),

onde v1, . . . , vn ∈Mp , e fpvi significa fp(vi).

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Verifica-se imediatamente que f ∗(λω) = λ(f ∗ω), paratodo λ ∈ R.

Estamos particularmente interessados na consideracaoda forma σ (elemento de volume) sobre N . Se y : V → Rn

e um sistema (positivo) de coordenadas locais em N , e seq ∈ V , ja vimos que

σq =√g dy1 ∧ · · · ∧ dyn,

onde g = det(gij(q)).

Seja, agora, x : U → Rn um sistema (positivo) de coor-denadas locais em M , tal que p ∈ U . Podemos escrever:

(f ∗ω)p = a(x(p)) dx1 ∧ · · · ∧ dxn.

Indiquemos por X1, . . . , Xn os vetores da base de Mp asso-ciada ao sistema x. Por um lado, temos:

(f ∗σ)p(X1, . . . , Xn) = a(x(p)) det(dxi(Xj)) = a(x(p)),

e, por outra parte:

(f ∗σ)p(X1, . . . , Xn) = σq(fpX1, . . . , fpXn) =

=√g dy1 ∧. . .∧ dyn(fpX1,. . ., fpXn)=

√g det(dyi(fpXj)).

Mas,

fpXj =n∑

k=1

∂yk

∂xj(p)Yk ,

onde Y1, . . . , Yn sao os vetores da base de Nq associada ao

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sistema y.

dyi(fpXj) = dyi

(n∑

k=1

∂yk

∂xj(p)Yk

)=

n∑

k=1

∂yk

∂xj(p) dyi(Yk) =

=n∑

k=1

∂yk

∂xj(p) δik =

∂yi

∂xj(p).

Segue-se daı que

(f ∗σ)p(X1, . . . , Xn) =√g det

(∂yi

∂xj(p)

)=

√g · J(p),

onde J(p) e o jacobiano da aplicacao f no ponto p (calcu-lado nos sistemas x e y considerados).

De tudo o que precede, podemos concluir:

a(x(p)) =√g · J(p),

(f ∗σ)p =√g · J(p) dx1 ∧ · · · ∧ dxn.

E bom recordar que g deve ser calculado no ponto q = f(p)(pertencente a variedade N).

Reconsideremos, agora, a aplicacao diferenciavel f : M →N acima mencionada, e seja γ o grau de f , no sentido jaestudado. Vamos demonstrar uma igualdade notavel rela-cionada com esse grau, a saber:

M

f ∗σ = γ

N

σ.

Comecemos a demonstracao com um estudo de nature-za local. Se q ∈ N e um valor regular de f (lembrar que o

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conjunto de tais valores nunca e vazio, em virtude do teo-rema de Sard), existe uma vizinhanca V de q, emN , tal quef−1(V ) e uma reuniao finita de partes de M , W1, . . . ,Wr ,abertas, disjuntas, cada uma das quais e aplicada pela f di-feomorficamente sobre V (v. Proposicao 2, pag. 84). Paraabreviar, diremos que uma vizinhanca V (em N), nessascondicoes, e uma vizinhanca regular. Se pi ∈ Wi e tal quef(pi) = q, e claro que o sinal do jacobiano da aplicacao fem todos os pontos de Wi e positivo ou negativo, conformeseja pi um ponto positivo ou negativo em relacao a f . Po-demos admitir, evidentemente, que os abertos V ⊂ N eWi ⊂ M (i = 1, . . . , r) sejam domınios de sistemas de co-ordenadas locais y : V → Rn e xi : Wi → Rn. De acordocom as consideracoes ha pouco feitas, escreveremos:

V

σ =

y(V )

√g dy1 . . . dyn,

Wi

f ∗σ =

xi(Wi)

√g J(p) dx1

i . . . dxni .

Esta ultima integral e > 0 ou < 0, consoante seja J(p) >0 ou J(p) < 0 sobre Wi , isto e, conforme seja pi pontopositivo ou negativo. Seja εi um sımbolo que suporemosigual a +1 se pi e ponto positivo, e igual a −1 se pi e pontonegativo. Nessas condicoes, podemos escrever:

Wi

f ∗σ = εi

xi(Wi)

√g |J(p)| dx1

i . . . dxni .

Usando o teorema da mudanca de variaveis numa integralmultipla, resulta:

Wi

f ∗σ = εi

y(V )

√g dy1 . . . dyn ,

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ou seja: ∫

Wi

f ∗σ = εi

V

σ.

Resulta daı que

f−1(V )

f ∗σ =r∑

i=1

εi

V

σ =

(r∑

i=1

εi

)∫

V

σ,

ou, finalmente:

f−1(V )

f ∗σ = γ

V

σ.

O que nos resta agora a fazer, e estender esta igual-dade do caso local ao global. Para esse fim, necessitaremosempregar os dois lemas que seguem.

Lema 1. Se a forma ω e integravel sobre a variedade

orientada M , e se ω se anula sobre um conjunto fechado

F ⊂M , entao

M

ω =

M−F

ω.

Demonstracao. Seja Ur uma cobertura aberta de M ,enumeravel e localmente finita, cada Ur sendo o domınio deum sistema (positivo) de coordenadas locais xr : Ur → Rn,no qual a forma ω se expressa por meio de uma funcao ar ,integravel segundo Lebesgue em xr(Ur). Tomemos umaparticao qualquer da unidade, φr, subordinada a essacobertura. A integral de ω sobre M e, por definicao:

M

ω =∞∑

r=1

xr(Ur)

Ar(x1r, . . . , x

nr ) dx

1r . . . dx

nr ,

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onde pusemos φr(p) · ar(xr(p)) = Ar(x1r, . . . , x

nr ). Facamos

U ′

r = Ur∩(M−F ). E claro que a colecao U ′

r e uma cober-tura aberta de M − F , localmente finita. Como φr(p) = 0se p /∈ Ur , e como por hipotese ar(xr(p)) = 0 se p ∈ F ,concluımos que a funcao Ar e nula fora de xr(U

r). Usandouma propriedade conhecida das integrais em Rn, podemosescrever:

M

ω =∞∑

r=1

xr(U ′

r)

Ar(x1r, . . . , x

nr )dx

1r . . . dx

nr =

M−F

ω,

como querıamos demonstrar.

Lema 2. Se a forma ω e integravel sobre a variedade

orientada M , e se F ⊂M e um conjunto fechado de medida

nula em M , tem-se

M

ω =

M−F

ω.

Demonstracao. Procedendo exatamente como na de-monstracao do lema anterior, chegamos a expressao

M

ω =∞∑

r=1

xr(Ur)

Ar(x1r, . . . , x

nr ) dx

1r . . . dx

nr ,

onde Ar(x1r, . . . , x

nr ) = φr(p) · ar(xr(p)). Ainda aqui, po-

nhamos U ′

r = Ur ∩ (M − F ) = Ur − (Ur ∩ F ). A colecaoU ′

r e uma cobertura aberta e localmente finita da va-riedade M −F . Por hipotese, xr(Ur ∩F ) e de medida nulaemRn, qualquer que seja r. Como xr e um homeomorfismo,e claro que

xr(U′

r) = xr(Ur) − xr(Ur ∩ F ).

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Nessas condicoes, uma bem conhecida propriedade das in-tegrais em Rn permite que escrevamos

xr(U ′

r)

=

xr(Ur)

.

Segue-se daı que

M

ω =∞∑

r=1

xr(Ur)

Ar(x1r, . . . , x

nr ) dx

1r . . . dx

nr =

M−F

ω,

conforme querıamos provar.

Retomemos as variedadesMn, Nn, orientadas, fechadase riemannianas, N sendo conexa, e a aplicacao diferenciavelf : M → N . Seja C ⊂ N , o conjunto dos valores crıticos def . A respeito da imagem inversa de C, podemos escrever:f−1(C) = C0 ∪ A0 , onde

C0 =p ∈M ; J(p)=0, A0 =p ∈M ; J(p) 6=0 e f(p)∈C.

Com J(p) indicamos o jacobiano de f em p, calculado emtermos de sistemas genericos de coordenadas locais nasduas variedades. O conjunto C0 e evidentemente fechadoem M , e, portanto, compacto. Segue-se que C = f(C0) ecompacto, donde tambem fechado em N . Resulta daı quef−1(C) e fechado em M . Como A0 = (M − C0) ∩ f−1(C),concluımos que A0 e fechado em M − C0 .

O conjunto A0 e de medida nula em M . Para prova-lo,basta mostrar que cada ponto p ∈ A0 tem uma vizinhancaU tal que A0∩U e de medida nula emM . Como a aplicacaof e regular em p (lembrar que J(p) 6= 0), existe uma vizi-nhanca U ∋ p que e aplicada pela f difeomorficamente

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sobre uma vizinhanca V de f(p) em N . E evidente quef(A0) ∩ U = C ∩ V . Como C tem medida nula (teoremade Sard), o mesmo ocorre com C ∩V , e, portanto, tambemcom A0 ∩ U (porque a restricao f |U e um difeomorfismo).

Consideremos, agora, a forma f ∗σ sobre M , antes defi-nida. A expressao

(f ∗σ)p =√g J(p) dx1 ∧ · · · ∧ dxn,

que ja deduzimos, mostra claramente que f ∗σ se anula so-bre o conjunto fechado C0 . Podemos aplicar o Lema 1 eescrever: ∫

M

f ∗σ =

M−C0

f ∗σ.

O conjunto A0 e fechado em M − C0 , e e de medida nulaem M − C0 (pois o e em M). De acordo com o Lema 2,resulta: ∫

M−C0

f ∗σ =

(M−C0)−A0

f ∗σ.

Tendo em vista que (M − C0) − A0 = M − (C0 ∪ A0),concluımos que

M

f ∗σ =

M−(C0∪A0)

f ∗σ. (1)

Consideremos agora uma cobertura Vr da variedadeN − C, enumeravel e localmente finita, formada por vizi-nhancas regulares. E claro que f−1(Vr) e uma coberturaenumeravel e localmente finita da variedade M−f−1(C) =M − (C0∪A0). Seja φr uma particao da unidade, subor-dinada a cobertura Vr. Entao φr f e uma particao da

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140 [CAP. III: APLICACOES DO TEOREMA DE SARD

unidade, subordinada a cobertura f−1(Vr). De conformi-dade com a definicao da integral por meio de uma particaoda unidade, temos:

M−(C0∪A0)

f ∗σ =∞∑

r=1

M−(C0∪A0)

(φr f)f ∗σ. (2)

Observemos que a funcao real φrf se anula fora de f−1(Vr)e, para cada p ∈ f−1(Vr), tem-se (φr f)(p) = φr(q), ondeq = f(p) ∈ Vr . Notemos tambem que λf ∗σ = f ∗(λσ),qualquer que seja λ ∈ R. Em vista desses fatos, podemosescrever:

∞∑

r=1

M−(C0∪A0)

(φr f)f ∗σ =∞∑

r=1

f−1(Vr)

f ∗(φrσ). (3)

Ora, ja mostramos, no estudo local previamente feito, que

f−1(Vr)

f ∗σ = γ

Vr

σ.

Um mero exame na demonstracao desse resultado evidenciaque ∫

f−1(Vr)

f ∗(φrσ) = γ

Vr

φr σ.

Segue-se daı que

∞∑

r=1

f−1(Vr)

f ∗(φrσ) =∞∑

r=1

γ

Vr

φr σ. (4)

Considerando que a funcao real φr se anula fora de Vr , e le-

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[SEC. 4: ESTUDO DO GRAU A LUZ DA TEORIA DA INTEGRACAO 141

vando em conta, outra vez, a definicao da integral, resulta:

∞∑

r=1

γ

Vr

φrσ =∞∑

r=1

γ

N−C

φr σ =

= γ

∞∑

r=1

N−C

φrσ = γ

N−C

σ. (5)

Por ser C um conjunto de medida nula em N (teorema deSard), podemos empregar novamente o Lema 2, e concluir:

N−C

σ =

N

σ. (6)

Examinando, finalmente, as igualdades (1), . . . , (6), che-gamos a conclusao que buscavamos:

M

f ∗σ = γ

N

σ.

Nao vamos descrever aqui as aplicacoes da teoria dograu, pois estarıamos fugindo do assunto ao qual dedica-mos este trabalho. Registremos, porem, que tais aplicacoesexistem, e algumas sao muito uteis e belas. Entre estas po-demos citar: 1) a classificacao homotopica das aplicacoescontınuas f : Mn → Sn, onde Mn e uma variedade di-ferenciavel orientada, compacta e conexa, e Sn e a esferan-dimensional; 2) o teorema da curvatura integral de Hopf.

O leitor interessado encontrara em [8] uma bela des-cricao dessas duas aplicacoes da teoria do grau.

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BIBLIOGRAFIA 143

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[3] Bourbaki, N. Algebre, Chapitre II (Algebre Lineaire)Hermann, Paris, 1947. Chapitre III (Algebre Multi-lineaire), Hermann, Paris, 1948.

[4] Chern, S.S. Differentiable Manifolds. Textos deMatematica, n. 5 - Instituto de Fısica e Matematicada Universidade do Recife.

[5] Honig, Chaim S. Aplicacoes da Topologia a Analise.Textos de Matematica, n. 8 - Instituto de Fısica eMatematica da Universidade do Recife, 1961.

[6] Lima, Elon Lages Introducao as Variedades Dife-renciaveis. Instituto de Matematica da Universidadedo Rio Grande do Sul, 1960.

[7] Lima, Elon Lages Topologia dos Espacos Metricos.Notas de Matematica, n. 10 - Instituto de Matemati-ca Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 1954.

[8] Lima, Elon Lages Introducao a Topologia Diferen-cial. Notas de Matematica, n. 22 - Instituto deMatematica Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 1961.

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[14] Rudin, Walter Principles of Mathematical Analysis.McGraw-Hill Book Company, 1953.

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