o teatro como discurso polÍtico e social da...

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Universidade de Brasília Instituto de Artes Departamento de Artes Cênicas LICENCIATURA EM ARTES CÊNICAS O TEATRO COMO DISCURSO POLÍTICO E SOCIAL DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA ELIANE EGEN ITARARÉ SP 2016

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Universidade de Brasiacutelia

Instituto de Artes

Departamento de Artes Cecircnicas

LICENCIATURA EM ARTES CEcircNICAS

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

ELIANE EGEN

ITARAREacute ndash SP

2016

2

ELIANE EGEN

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

Trabalho de conclusatildeo do Curso de Artes

habilitaccedilatildeo em Teatro do Departamento de

Arte Cecircnicas do Instituto de Artes da

Universidade de Brasiacutelia

Orientadora Professora Mestranda Juacutelia Alves

Rodrigues Carvalhal

Itarareacute ndash SP

2016

ELIANE EGEN

3

ELIANE EGEN

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

4

Dedico este trabalho aos meus filhos

Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a

minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de

Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me

mantiveram sobre sua luz

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores

tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do

Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute

Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro

Peacuterolas da Arte

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

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RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

2

ELIANE EGEN

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

Trabalho de conclusatildeo do Curso de Artes

habilitaccedilatildeo em Teatro do Departamento de

Arte Cecircnicas do Instituto de Artes da

Universidade de Brasiacutelia

Orientadora Professora Mestranda Juacutelia Alves

Rodrigues Carvalhal

Itarareacute ndash SP

2016

ELIANE EGEN

3

ELIANE EGEN

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

4

Dedico este trabalho aos meus filhos

Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a

minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de

Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me

mantiveram sobre sua luz

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores

tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do

Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute

Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro

Peacuterolas da Arte

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

3

ELIANE EGEN

O TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

4

Dedico este trabalho aos meus filhos

Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a

minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de

Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me

mantiveram sobre sua luz

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores

tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do

Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute

Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro

Peacuterolas da Arte

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

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BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

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Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

4

Dedico este trabalho aos meus filhos

Apollo Egen Eron Egen Luan Ruiz a

minha irmatilde Dynnaacute Oliveira e ao grupo de

Teatro Peacuterolas da Arte e as deusas que me

mantiveram sobre sua luz

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores

tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do

Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute

Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro

Peacuterolas da Arte

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

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Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

5

AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao curso de Licenciatura de Teatro EADUNB professores

tutores e colegas do Polo de Itapetininga especialmente agrave Isolete Rosa agraves secretaacuterias do

Polo de Itapetininga agrave minha orientadora Juacutelia Alves Rodrigues Carvalhal ao tutor Andreacute

Luiz Camargo agrave tutora Clara Lima Alonso ao Luiacutes Paz Delgado e ao grupo de Teatro

Peacuterolas da Arte

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

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CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

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brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

6

RESUMO

Este Trabalho de Conclusatildeo de Curso tem como objetivo apresentar a experiecircncia

do projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo que

trabalha a linguagem teatral no contexto escolar na Escola Dr Herculano Pimentel com

alunos do ensino meacutedio em idade entre 15 e 17 anos O projeto procura ressaltar elementos

da linguagem teatral como expressatildeo corporal e sensorial espaccedilo interaccedilatildeo jogos

teatrais criaccedilatildeo de cena e leitura dramaacutetica associando-os agraves produccedilotildees artiacutesticas e

culturais afro-brasileiras Buscou-se no exerciacutecio praacutetico uma mudanccedila paradigmaacutetica

acerca de conceitos como ldquoautoaceitaccedilatildeordquo ldquoembranquecimentordquo e ldquovalorizaccedilatildeo eacutetnicardquo

partindo de discussotildees sobre a relevacircncia do espaccedilo da comunidade escolar como livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo pautando-se no trabalho realizado pelo Teatro

Experimental do Negro e suas contribuiccedilotildees para construccedilatildeo da identidade negra no Brasil

Assim esta pesquisa tem o intuito ainda de refletir sobre o discurso social e poliacutetico do

teatro evidenciando as questotildees raciais

Palavras-Chave Teatro Discurso Poliacutetico Cultura afro-brasileira

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

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Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

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Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

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CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

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das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

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disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

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Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

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espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

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67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

7

LISTA

Imagem 1 Aacutervore do Teatro do Oprimido

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 09

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL 12

11 - Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica 14

12- Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro 18

121 ndash O teatro negro breve apontamento 21

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

DA CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE 27

21 ndash O contexto local e a histoacuteria cultural 29

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina 32

221 - Oficina teatral no periacuteodo de agosto de 2015 a maio de 2016 35

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 41

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 44

ANEXOS 46

Anexo 1 Dramaturgia Vozes da Liberdade 46

Anexo 2 Exerciacutecios Aplicados 53

Anexo 3 Registros de Imagens das Oficinas 58

Anexo 4 Questionaacuterios 62

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

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Acesso em 30052016

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

9

INTRODUCcedilAtildeO

Esta pesquisa intitulada ldquo O Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo tem como objetivo relatar o trabalho realizado neste projeto que aborda a

linguagem teatral no contexto escolar A partir da anaacutelise das oficinas que integram o

projeto procura-se evidenciar o processo teoacuterico-praacutetico e discutir questotildees em relaccedilatildeo ao

negro e mesticcedilo e suas manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas proporcionando reflexotildees e

accedilotildees que levem ao senso criacutetico agrave inclusatildeo e agrave autoestima Para tanto buscaraacute referecircncias

teoacutericas de Bertold Brecht e Augusto Boal acerca do teatro como discurso poliacutetico social e

refletiraacute sobre esse possiacutevel discurso a partir do trabalho do Teatro Experimental do Negro

que contribuiu para a construccedilatildeo da identidade negra no Brasil Essas consideraccedilotildees visam

a valorizaccedilatildeo da identidade do jovem sobretudo do negro e do mesticcedilo no contexto

escolar

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

iniciou-se em 2015 com a criaccedilatildeo de um grupo de teatro com alunos do Ensino Meacutedio

com idade entre 15 e 17 anos negros mesticcedilos e brancos na Escola Estadual Dr

Herculano Pimentel da cidade de Itarareacute do Estado Satildeo Paulo Por meio de oficinas

praacuteticas de consciecircncia corporal e sensorial de jogos teatrais principalmente os propostos

por Viola Spolin e Augusto Boal de leituras de textos biograacuteficos de personalidades

negras tais como Abdias do Nascimento Joatildeo Cacircndido Carolina Maria de Jesus do

contato com filmagens de peccedilas e de peccedilas teatrais e da criaccedilatildeo de cenas e personagens

realizou-se um processo de experimentaccedilatildeo da linguagem teatral alinhada a discussotildees

temaacuteticas Focou-se no processo teoacuterico-praacutetico nas reflexotildees sobre a importacircncia de um

espaccedilo na comunidade escolar para discutir a autonomia e a livre expressatildeo do negro e do

mesticcedilo Nesta pesquisa realizou-se uma investigaccedilatildeo no periacuteodo de agosto de 2015 a maio

de 2016 analisando trecircs encontros em momentos diferentes cada encontro com duraccedilatildeo de

4 horas

A discriminaccedilatildeo a ideia de ldquoembranquecimentordquo a cultura eurocecircntrica

predominando e dominando apesar dos diversos Movimentos Negros em diversas regiotildees

do Brasil e do mundo ainda eacute evidente mesmo no ambiente escolar Acredita-se no

entanto que a escola tem um papel fundamental para que se consolide um espaccedilo de

combate agrave discriminaccedilatildeo e de discussatildeo sobre a negritude contribuindo para a formaccedilatildeo da

cidadania e sobretudo para a valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

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Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

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httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

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RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

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SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

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67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

10

Professora de matemaacutetica da rede Estadual de Satildeo Paulo haacute 15 anos foi possiacutevel

averiguar trecircs pontos relevantes em algumas unidades de ensino da cidade de Bom Sucesso

de Itarareacute e da cidade Itarareacute Na escola como um todo os eventos e comemoraccedilotildees

promovidos valorizavam resultados que atendem a proposta do evento como a festa junina

e o dia da famiacutelia na escola eventos temaacuteticos e semana cultural em segundo a

predominacircncia das manifestaccedilotildees eurocecircntricas em relaccedilatildeo as demais culturas

evidenciando assim um protagonismo do branco em detrimento do negro E o processo de

experimentaccedilatildeo das linguagens artiacutesticas como danccedila muacutesica e teatro natildeo importava

enquanto processo de aprendizado sem contemplar o desenvolvimento artiacutestico Sendo

assim a criaccedilatildeo do Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo visa inicialmente promover a linguagem teatral na escola de maneira a

valorizar o processo artiacutestico e a partir de uma ampliaccedilatildeo dos temas desenvolvidos

promover a inclusatildeo do negro e mesticcedilo

Esta presente pesquisa tem uma relevacircncia para o teatro pois apresenta a

linguagem considerando suas especificidades associando a uma busca expressiva a partir

do reconhecimento de diferentes protagonistas que carregam histoacuterias diferentes

sobretudo em relaccedilatildeo aos seus ancestrais vindos da Aacutefrica da Europa ou pertencentes a

Ameacuterica Promove assim no contexto escolar um espaccedilo de experimentaccedilatildeo e discussatildeo

das diversidades culturais e eacute com essa base que se formam puacuteblicos apreciadores das

diferentes manifestaccedilotildees teatrais

Atraveacutes desta pesquisa foi possiacutevel discutir accedilotildees voltadas para questatildeo do negro no

contexto escolar na sociedade e no teatro o que nos possibilitou a trazer outras discussotildees

que afetam minorias como discussatildeo de gecircnero a cultura do machismo a liberdade

religiosa aleacutem de questotildees como democracia e liberdade de expressatildeo Assim

fundamentou-se para subsidiar as discussotildees principalmente no diretor ativista Abdias do

Nascimento e na pesquisadora Miriam Garcia Mendes e aleacutem disso buscou-se uma

investigaccedilatildeo participativa em relaccedilatildeo ao objeto de pesquisa com recursos iconograacuteficos

como fotos e filmagens recorrendo tambeacutem a questionaacuterios Dessa forma esse trabalho de

conclusatildeo de curso procura por meio de relato detalhado desse projeto e da anaacutelise das

suas implicaccedilotildees evidenciar o crescimento e a transformaccedilatildeo individual dos integrantes a

partir do conhecimento da linguagem teatral o despertar de uma consciecircncia mais

responsaacutevel em relaccedilatildeo a si mesmo e com o outro aleacutem de uma formaccedilatildeo mais criacutetica em

relaccedilatildeo ao seu proacuteprio cotidiano

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

11

Seguiu-se a seguinte divisatildeo no primeiro capiacutetulo seraacute apresentado o teatro como

discurso poliacutetico e social com referecircncias e influecircncias da linguagem teatral como

ferramenta poliacutetica Bertold Brecht Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri Abdias do

Nascimento Descrevendo de maneira sucinta o meacutetodo e a visatildeo deste teatro que busca

transformar provocar refletir dar espaccedilo ao protagonismo do teatro negro Uma atenccedilatildeo

mais detalhada para o Teatro Experimental do Negro (TEN) a personagem negra no teatro

Brasileiro as criacuteticas ao estereoacutetipo da personagem negra ao longo da histoacuteria e como o

TEN influenciou para a transformaccedilatildeo e colaborou para o protagonismo do ator diretor

produtor negro e uma breve biografia de Abdias do Nascimento

No segundo capiacutetulo o Projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo seraacute descrita a motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo deste projeto as caracteriacutesticas

e influecircncias culturais da regiatildeo em que o projeto aconteceu a experiecircncia do projeto

fazendo uma anaacutelise das observaccedilotildees em relaccedilatildeo aos integrantes do grupo a forma como

foram realizadas as atividades as questotildees raciais levantadas e como o projeto foi recebido

pela escola

Espero que esta pesquisa motive outras pesquisas com temas que visem agrave

valorizaccedilatildeo cultural e o aprendizado da linguagem teatral Acredito que a arte e a educaccedilatildeo

satildeo os meios para atingir tais objetivos dessa maneira enquanto futura arte-educadora

pretendo dar continuidade ao projeto em questatildeo

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

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67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

12

CAPIacuteTULO 1 ndash O TEATRO E SEU DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL

O teatro eacute tatildeo antigo quanto a proacutepria humanidade desde os povos mais primitivos

com seus rituais oferecidos aos deuses representando ou se transformando nos mais

diferentes arqueacutetipos a evoluccedilatildeo da linguagem teatral acompanhou a evoluccedilatildeo cultural do

homem No decorrer da histoacuteria da humanidade as manifestaccedilotildees religiosas ritos de

fertilidades expressotildees culturais conflitos existecircncias movimentos ativistas encontram no

teatro a expressatildeo primeira de comunicaccedilatildeo e depois como obra social ateacute as reflexotildees

poliacuteticas

Patrice Pavis (2008) segundo Armiliato e Arauacutejo (2011) descreve esta evoluccedilatildeo da

cerimocircnia religiosa com a participaccedilatildeo de todos os envolvidos de um grupo ateacute que se

estabeleccedila a separaccedilatildeo entre atores e espectadores no encontro entre ambos num espaccedilo

preacute-definido Eacute neste encontro de encenaccedilatildeo e pessoas ainda segundo Armiliato e Arauacutejo

(2011) que se oportuniza a reflexatildeo poliacutetica e social de quem faz o teatro e de quem assiste

Na literatura encontramos referecircncias de encenadores e dramaturgos como Erwin

Piscator Bertold Brecht preconizadores do teatro Eacutepico Eugecircnio Barba com seu teatro

antropoloacutegico ldquoteatro como ilha de liberdade e ferramenta de combate a injusticcedilardquo

Augusto Boal Gianfrancesco Guarnieri e Abdias do Nascimento referecircncias no Brasil

com o teatro do oprimido e tantos outros que de uma forma mais direta ou natildeo veem o

teatro como linguagem do discurso poliacutetico e social

Observamos que para alguns estudiosos o teatro enquanto linguagem possui em si

um discurso poliacutetico e social que pode modificar natildeo somente a criaccedilatildeo artiacutestica mas

tambeacutem a sociedade Bertold Brecht (1978) com o Teatro Eacutepico e suas peccedilas didaacuteticas

acreditava que aleacutem do entretenimento o teatro oferecia a possibilidade de aprender

informar discutir e provocar transformaccedilotildees sobretudo nas camadas sociais descontentes

com a situaccedilatildeo em vigor

Jaacute para Augusto Boal (2009) com seu meacutetodo do Teatro do Oprimido as teacutecnicas

aplicadas tecircm como proposta apoio ao teatro agraves lutas dos oprimidos ao mesmo tempo que

propotildeem desenvolver ldquoa capacidade de perceber o mundo atraveacutes de todas as artesrdquo (p 15)

transformando diferentes grupos de oprimidos aleacutem de reconhecer as suas proacuteprias

repressotildees

Essas caracteriacutesticas sociais podem ser vistas tambeacutem em dramaturgias como as

peccedilas de Gianfrancesco Guarnieri sobretudo ldquoEles natildeo usam black tierdquo que aborda a luta

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

13

das classes sociais greve cenaacuterio de periferia retratando o povo brasileiro no final da

deacutecada de 50 e na sequecircncia a peccedila Gimba com os mesmos elementos de conflitos

urbanos Segundo Naacutedia Cristina Ribeiro (2008) para Guarnieri o teatro eacute um espaccedilo de

criacutetica da realidade e de denuacutencia das arbitrariedades contribuindo para a formaccedilatildeo de uma

sociedade politizada ( p 2)

Este tratamento do teatro como meio de reflexatildeo ocorre com mais veemecircncia a

partir do iniacutecio seacuteculo XX podemos refletir que o contexto social influencia o teatro

modificando natildeo soacute as pessoas mas tambeacutem os temas desenvolvidos nas criaccedilotildees Grandes

eventos histoacutericos foram fundamentais para se repensar o lugar do teatro e o mesmo como

meio de reflexatildeo como as duas Grandes Guerras Mundiais os movimentos do proletariado

contra os patrotildees os movimentos feministas os movimentos dos negros ou seja

movimentos de uma minoria enquanto representatividade de voz ativa nas tomadas de

decisotildees na sociedade em que estatildeo inseridas O Teatro promove o encontro de pessoas

segundo Gueacutenoun

O teatro eacute [] uma atividade intrinsicamente poliacutetica Natildeo em razatildeo do

que aiacute eacute mostrado ou debatido ndash embora tudo esteja ligado ndash mas de

maneira mais originaacuteria antes de qualquer conteuacutedo pelo fato pela

natureza da reuniatildeo que se estabelece (ARMILIATO e ARAUacuteJO apud

GUEacuteNOU 2003 p 15)

Para alcanccedilar e desenvolver este teatro que busca a interaccedilatildeo do seu puacuteblico

mediante a identificaccedilatildeo com aquilo que vecirc Brecht e Boal perceberam uma necessidade de

a arte proporcionar mudanccedila

Destes estudos sobre vaacuterios dramaturgos e encenadores ao longo da histoacuteria nas

disciplinas do Curso de Teatro vemos uma forte influecircncia na forma da compreensatildeo do

teatro como linguagem artiacutestica de discurso social e poliacutetico Associado agraves observaccedilotildees

dentro do contexto escolar que se manteacutem no formato de deacutecadas anteriores heranccedila da

ditadura militar onde a arte ainda eacute soacute entretenimento quando natildeo uma disciplina imposta

e pouca valorizada os trabalhos que propus nas oficinas teatrais sempre tiveram como

temaacuteticas questotildees sociais raciais de gecircnero proporcionando aos atores adolescentes que

se coloquem opinem critiquem este ambiente escolar

Sendo assim entendendo que o ambiente escolar eacute um espaccedilo de discussatildeo sobre o

homem a sua histoacuteria a sua relaccedilatildeo pessoal e interpessoal abordado em diversas

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

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68

69

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71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

14

disciplinas tais como na histoacuteria filosofia psicologia sociologia e a arte o teatro em

especifico eacute de relevacircncia como linguagem que propicia o crescimento da crianccedila e do

jovem contribuindo juntamente com as demais disciplinas na formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes

do conhecimento por meio da identificaccedilatildeo com sua etnia cultura tradiccedilotildees gerando

novas formas de pensar agir e sentir

Ao identificar a iacutenfima discussatildeo da arte afro-brasileira como discurso social

poliacutetico e inclusivo (pois infelizmente haacute pouca representatividade de afro-brasileiros nas

festividades da escola aleacutem de poucas oportunidades de discutir a condiccedilatildeo do negro em

uma sociedade que de forma velada ou natildeo eacute racista) percebi a necessidade de envolver a

escola em um projeto Projeto este orientado pela linguagem teatral por meio de exerciacutecios

de consciecircncia corporal jogos teatrais leituras viacutedeos relacionando as discussotildees agrave

condiccedilatildeo do negro na sociedade

11 ndash Bertold Brecht e Augusto Boal teatro como ferramenta poliacutetica

Dois exemplos da utilizaccedilatildeo do teatro como modelo capaz de provocar mudanccedilas

na sociedade o trabalho de Bertold Brecht que apesar de ter um contexto alematildeo

influenciou o segundo exemplo Augusto Boal dramaturgo brasileiro Seraacute realizada uma

breve anaacutelise dos meacutetodos teatrais destes dramaturgos engajados num teatro como

ferramenta poliacutetica e lutas sociais em eacutepocas distintas

Brecht (1898 - 1956) e Boal (1931-2009) desenvolveram meacutetodos que tecircm em

comum alguns aspectos como a pesquisa a experiecircncia um teatro reflexivo e

transformador da sociedade com sentido poliacutetico e social ambos foram exilados de seus

paiacuteses por questotildees de movimentos poliacuteticos opositores ao capitalismo e aos opressores

Segundo Boal (2009) para Brecht as peccedilas teatrais natildeo podem despertar apenas uma

emoccedilatildeo ignorante alienadora mas uma emoccedilatildeo de aprendizagem cujo objetivo natildeo eacute tatildeo

somente o de interpretar o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo De acordo com Brecht

O que podemos dizer eacute que a oposiccedilatildeo entre aprender e divertir-se natildeo eacute

uma oposiccedilatildeo necessaacuteria por natureza uma oposiccedilatildeo que sempre existiu e

sempre teraacute que existir [] O teatro natildeo deixa de ser teatro mesmo

quando eacute didaacutetico e desde que seja bom teatro diverte (BRECHT 1978

p 49-50)

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

15

Brecht assim como Boal acreditava em um teatro libertador participativo

democraacutetico mostrando em cenas a luta diaacuteria dos oprimidos em relaccedilatildeo aos seus

opressores que por sua vez os manipulam de diversas formas Poreacutem sem perder a poeacutetica

representando segundo Brecht (1978) a fealdade de forma bela a indignidade de um

objeto indigno de uma forma digna a falta de graccedila de forma graciosa e a fraqueza de

forma vigorosa

As peccedilas de Brecht cumprem um objetivo de provocar seu puacuteblico como Matildee

Coragem e seus filhos Brecht tem uma opiniatildeo criacutetica do teatro apresentado no iniacutecio do

seacuteculo XX um teatro que produz a alienaccedilatildeo onde os conflitos se resolvem de forma

oacutebvia que mostra a realidade sem no entanto carregar a reflexatildeo de transformaccedilatildeo desta

realidade Brecht almeja um teatro em que esteja presente a reflexatildeo do homem em relaccedilatildeo

ao homem e a sociedade que constroacutei confronte suas afliccedilotildees se conheccedila e se reconheccedila

desprendendo-se de suas convicccedilotildees aos quais a sociedade burguesa manipula servindo-se

muitas vezes da ciecircncia

O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas

partes apenas e uma parte crescente da produccedilatildeo eacute votada aacute criaccedilatildeo de

meios destruidores destinados a guerras poderosas a guerra em que as

matildees de todas as naccedilotildees com os filhos apertados contra si esquadrinham

estupefatos o ceacuteu no rastro dos inventos mortiacuteferos da ciecircncia (BRECHT

apud MIRANDA 2005 p 134)

As colocaccedilotildees de Brecht segundo Miranda fazem do teatro umrdquo mecanismordquo em

que o homem se questiona em relaccedilatildeo ao mundo que lhe eacute apresentado em quaisquer

eacutepocas e em relaccedilatildeo a sua proacutepria vida propondo que a histoacuteria da humanidade seja o

material de pesquisa e produccedilatildeo que estaratildeo presentes na dramaturgia e o elemento mais

caracteriacutestico do Teatro Eacutepico eacute o efeito de distanciamento Brecht em seu livro Estudos

Sobre Teatro nos fala em diversos momentos sobre o efeito de distanciamento e o teatro

eacutepico

Tal efeito depende de uma teacutecnica especial pela qual se confere aos

acontecimentos representados (acontecimentos que se desenrolam entre

os homens nas suas relaccedilotildees reciacuteprocas) um cunho de sensacionalismo os

acontecimentos passam exigir uma explicaccedilatildeo deixam de ser evidentes

naturais O objetivo do efeito de distanciamento eacute possibilitar ao

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

16

espectador uma criacutetica fecunda dentro de uma perspectiva social

(BRECHT 1978 p 74)

O teatro eacutepico um caraacuteter profundamente esteacutetico e dificilmente pode

concebecirc-lo sem artista e sem qualidade esteacutetica sem fantasia humor e

simpatia Este teatro que preconizamos tem simultaneamente de divertir

e ensinar (ibid p 76)

Esta nova teacutecnica segundo Brecht (1978) tem como objetivo conferir ao

espectador uma atitude analiacutetica e criacutetica perante o desenrolar dos acontecimentos

permitindo aos atores se voltarem diretamente para o puacuteblico e jamais metamorfosear-se

integralmente na personagem

O teatro didaacutetico proposto por Brecht (2009) aborda temas da realidade do seu

puacuteblico como inflaccedilatildeo famiacutelia lutas sociais religiatildeo mostrando o mundo como ele eacute de

fato utilizando da teacutecnica do distanciamento com a qual apagam-se toda as ilusotildees e tudo

que se constroem em cena eacute mostrado ao espectador

Esta proposta de Brecht que leva ao puacuteblico a reflexatildeo e a transformaccedilatildeo eacute

importante ateacute os dias de hoje principalmente dentro do ambiente escolar que por si soacute eacute

um espaccedilo de reflexatildeo um espaccedilo poliacutetico um encontro da diversidade de etnias de

culturas de condiccedilotildees soacutecio econocircmicas e diversas estruturas familiares

Augusto Boal (2009) por sua vez alcanccedila a participaccedilatildeo efetiva do seu puacuteblico

com o Teatro Foacuterum e no Teatro do Oprimido Boal desenvolve meacutetodos de pesquisa e

criatividade com teacutecnicas e experimentos que buscam a transformaccedilatildeo seja no contexto

pessoal ou familiar estendendo-se agrave comunidade Ou seja ele transforma o fazer teatral em

uma accedilatildeo poliacutetica e social que tem como puacuteblico-alvo moradores de periferia

camponeses na Siciacutelia sul da Itaacutelia homens que batem em mulheres no Rio de Janeiro

operaacuterios no Chile espectadores oprimidos Ele ao escrever Teatro do Oprimido levanta

questotildees da proacutepria linguagem teatral para que serve a arte as discussotildees que arte traz

como virtude viacutecio justiccedila e conhecimento em um contexto de insatisfaccedilatildeo de

desigualdade repressatildeo problemas presentes na sociedade seja aqui no Brasil ou paiacuteses

por onde esteve sobretudo na eacutepoca do exiacutelio

Tanto Boal quanto Brecht entendem a arte como um meio de propor uma

experiecircncia politizada transformadora da sociedade sem comprometer a esteacutetica e a

poeacutetica nem a diversatildeo repleto de desafios com potencial de discutir questotildees relativas agraves

complexidades do ser humano e sua trajetoacuteria histoacuterica

17

Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

18

Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

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ANEXO 4 Questionaacuterio

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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

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Boal apesar de ser influenciado em alguns aspectos pelas propostas de Brecht

principalmente no que se refere as ideologias de combate a repressatildeo e de um teatro em

que a emoccedilatildeo despertada no puacuteblico deva ser a de ldquorevolta ou transformaccedilatildeordquo apresenta

poreacutem teacutecnicas adaptadas a realidade da ameacuterica latina

Segundo Boal (2009) o teatro eacute necessariamente poliacutetico porque poliacuteticas satildeo as

atividades do homem Sendo uma atividade poliacutetica tem grande embasamento criacutetico e

reflexivo se dada a livre participaccedilatildeo dos espectadores de massa proposta principal de

Boal no Teatro do Oprimido onde o espectador se reconhece principalmente porque em

algumas experiecircncias de Boal o espaccedilo em que acontece a accedilatildeo eacute o espaccedilo do proacuteprio

puacuteblico oportunizando a intervenccedilatildeo do puacuteblico mediante os problemas apresentados em

cena sempre mediada por um ator ao qual ele chama de coringa

O espaccedilo ldquoescolardquo eacute perfeito para encenaccedilotildees do Teatro do Oprimido como

podemos observar a Aacutervore do teatro do Oprimido em suas raiacutezes tronco galhos e folhas

compotildeem-se todas as diretrizes propostas no Curriacuteculo Nacional

FIGURA 1

Boal (2009) atraveacutes de jogos propotildeem agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo do corpo e da mente

alienados agraves tarefas repetitivas do dia a dia especialmente agraves do trabalho e agraves condiccedilotildees

econocircmicas ambientais e sociais de quem os praticardquo (BOAL 2009 p 16) No caso dos

alunos acostumados a sentarem-se em fila dentro de um espaccedilo fechado espaccedilo este que

tambeacutem atende ao desfile de consumos e modismos reforccedilando muitas vezes a ideia de

dominante e dominado deixando de ser um espaccedilo que propotildeem a reflexatildeo que decirc voz as

opressotildees diaacuterias tanto dos seus alunos como dos seus professores

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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

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Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

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criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

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a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

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CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

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ANEXO 4 Questionaacuterio

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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

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Eacute a partir da arte principalmente do teatro eacute que se daacute formaccedilatildeo criacutetica da

sociedade em que estatildeo inseridos os jovens Nota-se no entanto que o teatro natildeo tem valor

de reconhecida importacircncia e a arte de maneira geral passa a ser algo de descontraccedilatildeo

momento de divertir-se ou ateacute mesmo de alienaccedilatildeo contrapondo-se agraves ideias de Brecht e

Boal que natildeo deixa de ser um teatro de entretenimento mas sobretudo que instigue a

reflexatildeo um teatro que liberta que busca a transformaccedilatildeo da sociedade

12 - Abdias do Nascimento e o teatro experimental do negro

Seguindo esta mesma linha de perceber o teatro como forma de transformaccedilatildeo da

sociedade atraveacutes de discursos poliacuteticos e sociais que envolvem tanto atores como

espectadores faz-se importante considerar o trabalho de Abdias do Nascimento

Sua trajetoacuteria de vida teve uma relaccedilatildeo direta com seu trabalho artiacutestico Vindo de

famiacutelia pobre sua avoacute materna era ex-escrava Abdias comeccedilou a trabalhar com nove anos

de idade mas nunca deixou de frequentar a escola e teve contato com a literatura aos 12

anos de idade frequentando a biblioteca de seu patratildeo jaacute despertando o seu gosto pela arte

e dramaturgia em especiacutefico

Seu contato com o teatro foi atraveacutes das atividades circenses religiosas e

folcloacutericas que aconteciam na cidade Quanto agraves festividades na escola Abdias ainda era

uma inocente crianccedila para perceber a exclusatildeo racista por parte dos seus professores

Abdias relata para Sandra Almada que naquela eacutepoca ldquoas professoras arrumavam formas

ofensivas para chamar-lhe a atenccedilatildeordquo (NASCIMENTO in ALMADA 2009 p 32)

Foi com a matildee Dona Josina que aprendeu a lutar contra qualquer tipo de

discriminaccedilatildeo e sua maior incentivadora para estudar fora de Franca Satildeo Paulo foi a

primeira cidade em que se instalou e conheceu o racismo de forma mais agressiva Alistou-

se no exeacutercito voluntariamente iniciando seus interesses na poliacutetica Pouco tempo depois

era Militante da Frente Negra Brasileira e por conta deste movimento eacute desligado do

exeacutercito Jaacute no Rio de Janeiro Abdias intensifica sua participaccedilatildeo em movimentos

poliacuteticos sociais raciais e sobretudo em relaccedilatildeo agrave cultura negra

Foi jornalista senador da Repuacuteblica Bacharel em economia ator e diretor teatral

fundador do TEN (Teatro Experimental do Negro) mas sobretudo um grande ativista

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

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Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

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O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

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utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

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negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

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Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

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CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

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Acesso em 30052016

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

19

Segundo Almana (2009) Abdias apoacutes assistir agrave peccedila ldquoO Imperador Jonesrdquo de

Eugene O lsquoNeill em Lima no Peru ficou abismado sob forte emoccedilatildeo ao averiguar que o

ator argentino branco Hugo DrsquoEvieacuteri pintava-se de preto para fazer o protagonista negro

Brutus Jones Segundo ele

Estaacute aiacute porque eu nunca pude atuar em teatro (no grupo escolar em

Franca sobretudo) Por que eu nunca vi um ator negro Por que eu nunca

vi uma peccedila soacute de negros Nunca vi a cultura negra representada no

palco eacute porque os brancos natildeo deixam (NASCIMENTO apud

ALMANA 2009 p 64-65)

Nestas condiccedilotildees Abdias segue para Buenos Aires Argentina e participa durante

um ano do Teatro del Pueblo adquirindo conhecimentos sobre dramaturgia Ao retornar

para o Brasil enfrenta problemas com um processo disciplinar quando era voluntaacuterio do

exeacutercito por conta de uma agressatildeo ao delegado ficando encarcerado por um ano em Satildeo

Paulo apesar deste fato deu continuidade aos seus estudos em dramaturgia e formou seu

primeiro grupo entre os sentenciados que encenavam seus textos

Ainda segundo Almana (2009) apoacutes sair da prisatildeo vaacuterias pessoas juntaram-se em

1944 no Rio de Janeiro para criaccedilatildeo do TEN dentre elas Aguinaldo de Oliveira Camargo

Sebastiatildeo Rodrigues Alves Arinda Serafim Antonio Barbosa Natalino Dioniacutesio e a

conhecida atriz Ruth de Souza

O TEN foi mais que uma formaccedilatildeo de grupo um movimento cultural e poliacutetico

afro-brasileiro que se preocupou natildeo somente com a formaccedilatildeo do ator mas com a

formaccedilatildeo do cidadatildeo Alguns eram operaacuterios analfabetos tiveram aulas de alfabetizaccedilatildeo

conhecimento da realidade na qual estavam inseridos resgatando valores esquecidos

Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento preacutevio da

realidade histoacuterica na qual exerceria sua influecircncia e cumpriria sua

missatildeo revolucionaacuteria Engajado a esses propoacutesitos foi que surgiu o TEN

que fundamentalmente propunha-se a resgatar no Brasil os valores da

cultura negro-africana degradados e negados pela violecircncia da cultura

branco-europeia propunha-se a valorizaccedilatildeo social do negro atraveacutes da

educaccedilatildeo da cultura e da arte Teriacuteamos que agir urgentemente em duas

frentes promover de um lado a denuacutencia dos equiacutevocos e da alienaccedilatildeo

dos estudos sobre o afro-brasileiro de outro fazer com que o proacuteprio

negro tomasse consciecircncia da situaccedilatildeo objetiva em que se achava

inserido (NASCIMENTO apud ALMANA 1968 a p 198)

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

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Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

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do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

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PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

20

Nascimento identifica a cultura do ldquoembranquecimentordquo quando os negros vindos

da Aacutefrica eram impedidos de fazer seus ritos religiosos a proibiccedilatildeo da luta da capoeira

referecircncias da beleza esteacutetica sobretudo das mulheres negras inferior agrave beleza das

mulheres brancas o alto iacutendice de analfabetismo dos afro-brasileiros a violecircncia fiacutesica e a

violecircncia de negar aos negros a sua histoacuteria e na arte a ausecircncia de dramaturgos diretores

atores negros Sendo assim o TEN representa um movimento social e poliacutetico que

influenciou outros movimentos artiacutesticos assim como Brecht influenciou na Europa com o

teatro eacutepico

O Teatro Experimental do Negro surge com ideias de manifestaccedilotildees das artes

cecircnicas compostas por negros Apesar de outros grupos compostos por negros terem

surgido anteriormente como o Teatro Negro de Revista (1926) Bataclan Negra (1927) e a

Mulata Brasileira (1930) o diferencial eacute a inserccedilatildeo do grupo no meio intelectual em eacutepocas

de redemocratizaccedilatildeo do Brasil e valorizaccedilatildeo da cultura brasileira

O Teatro Experimental do Negro tinha por base o teatro como veiacuteculo

poderoso de educaccedilatildeo popular Tinha sua sede num dos salotildees da Uniatildeo

Nacional dos Estudantes onde aportavam dos subuacuterbios e dos vaacuterios

pontos da cidade operaacuterios domeacutesticas negros e brancos de vaacuterias

procedecircncias humildes Ali a pedido de Abdias ministrei por anos a fio

um extenso curso de alfabetizaccedilatildeo em que aleacutem dos rudimentos de

portuguecircs histoacuteria aritmeacutetica educaccedilatildeo moral e ciacutevica ensinei tambeacutem

noccedilotildees de histoacuteria e Evoluccedilatildeo do Teatro Universal tudo entremeado com

liccedilotildees sobre folclore afro-brasileiro e as faccedilanhas e lendas dos maiores

vultos de nossa raccedila Uma vez por semana um valor de nossas letras ali

ia fazer conferecircncia educativa e acessiacutevel agravequeles alunos operaacuterios que

ateacute altas horas da noite vencendo um indisfarccedilaacutevel cansaccedilo fiacutesico ali iam

aprendendo tudo o que uma pessoa recebe num curso de cultura teoacuterica e

ao mesmo tempo praacutetica (MOURA 2008 p 98)

Outro diferencial no TEN era composto por um grupo sem conhecimento da

linguagem teatral em prol do mesmo discurso de valorizaccedilatildeo do negro com trabalhadores

braccedilais operaacuterios e domeacutesticas Segundo Moura apud Rodrigues foram ministradas aulas

de alfabetizaccedilatildeo cultura em geral e a linguagem teatral (1998 p 210-211) uma vez que

o objetivo natildeo era somente formaccedilatildeo do ator e criaccedilatildeo mas tambeacutem a formaccedilatildeo

educacional a autoestima inserindo estas pessoas na sociedade mais preparadas visando

melhor condiccedilatildeo de vida

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

21

O TEN tornou-se um referencial tanto da praacutetica social como do teatro transforma

a visatildeo do negro na sociedade e a visatildeo da sociedade em relaccedilatildeo ao negro sua histoacuteria

trajetoacuteria cultura condiccedilatildeo social Mais que um discurso artiacutestico trata-se de um discurso

poliacutetico que influenciou a dramaturgia e a personagem negra no teatro Valorizou e

divulgou as manifestaccedilotildees artiacutesticas afro-brasileira ateacute entatildeo exploradas pelo branco com a

exuberacircncia do carnaval o samba no peacute a mulata e sua gingada dando a falsa impressatildeo

de um paiacutes longe da discriminaccedilatildeo racial ignorando a real situaccedilatildeo do negro da favela

sem escola perseguido pela poliacutecia sem accedilotildees poliacuteticas que realmente trouxessem

mudanccedilas neste quadro

TEN eacute um marco na histoacuteria do teatro negro brasileiro com repercussatildeo de suas

ideias conquistando outras modalidades da arte como a danccedila e a muacutesica criando-se

outras companhias teatrais em todos os lugares do Brasil um teatro poliacutetico e social e

contra a discriminaccedilatildeo

As duas vertentes artiacutesticas e ideoloacutegicas do teatro negro que permanecem ateacute os

dias de hoje segundo Douxami (2001) satildeo o teatro negro como heranccedila africana e o

teatro negro popular mostrando o folclore brasileiro com uma esteacutetica teatral voltada para

a muacutesica e a danccedila

121- O Teatro Negro breve apontamento

Para compreender o contexto em que o grupo de Teatro Experimental do Negro eacute

formado eacute preciso retornar alguns pontos histoacutericos relevantes e perceber as mudanccedilas e os

paradigmas teatrais relacionados ao artista negro na linguagem teatral Segundo Miriam

Garcia Mendes (1982) a trajetoacuteria do teatro negro do Brasil se inicia com profissionais

mulatos em sua maioria vindos das classes mais desfavoraacuteveis com a discriminaccedilatildeo da

sua linguagem desprezada pela elite no seacuteculo XVIII e natildeo se permitia a presenccedila de

mulheres no palco A linguagem era grosseira e preconceituosa em relaccedilatildeo ao negro com

uma dramaturgia que ignorava a histoacuteria do negro e sua heranccedila cultural da Aacutefrica

Com a vinda da Famiacutelia Real Portuguesa em 1808 este panorama mudou os

negros e mulatos foram retirados de cena ou quando havia uma demanda da narrativa

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

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BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

22

utilizavam-se brancos caracterizados de negros teacutecnica do black face1 com papeacuteis

estereotipados estas caracteriacutesticas permaneceram no teatro depois no cinema e na

televisatildeo em que as personagens distribuiacutedas para atores negros em geral retratavam o

negro em cena ridicularizado pobre favelado bandido malandro em cenaacuterios violentos

ou de submissatildeo nunca ocupando papel de destaque

Invariavelmente como registra Mendes (1982) o indiviacuteduo negro eacute

circunscrito numa aacuterea na qual somente lhe eacute permitido representar o

feio o torpe o mal o degradado da sociedade Na conclusatildeo da autora a

recorrecircncia a essa atitude depreciativa seria decorrente de uma accedilatildeo

estrateacutegica para mascarar e justificar a repressatildeo e a discriminaccedilatildeo

praticadas (MENDES apud LIMA 2010 p 26-27)

O autor diz ainda que haacute uma necessidade de ldquoser negro como um todo pois este

passou a carregar o estigma de eterno escravo e subalterno para toda a sociedade rdquo

(MENDES apud LIMA 2010 p 26-27) Sendo assim eacute fundamental um teatro que traga

referecircncias do negro sua cultura e antepassados africanos que levantem questotildees sociais e

poliacuteticas da sua situaccedilatildeo possibilitando um espaccedilo de destaque e protagonismo dentro da

dramaturgia o teatro negro

Ainda segundo Mendes (1993) alguns atores negros tiveram notoriedade como

Vitoriano ldquoque maravilhou o puacuteblico em 1790 na peccedila Tarmelatildeo na Peacutersiardquo ldquoCaetano

Lopes dos Santos e Maria Joaquina nos papeacuteis de Rei e Rainha de Congada em 1811 peccedila

de sucesso no Rio de Janeirordquo (MENDES 1993 p 48) Apoacutes este periacuteodo como relata

Mendes em seus dois livros A personagem Negra no Teatro Brasileiro e O negro e o

Teatro Brasileiro entre o seacuteculo XIX e meados do Seacuteculo XX ldquoA pessoa do negro

aparecia ainda em algumas peccedilas como figurante ou exercendo qualquer funccedilatildeo

subalterna irrelevante natildeo podendo ser considerada como personagem posiccedilatildeo que existe

uma distensatildeo no tempo e na accedilatildeo dramaacutetica para caracterizar-se como talrdquo (MENDES

1993 p 29)

Os estereoacutetipos da personagem negra presentes nas peccedilas em relaccedilatildeo agrave personagem

negro boccedilal degenerado servil imoral mentiroso malandro em relaccedilatildeo agrave personagem

1 Black Face eacute uma teacutecnica para a caracterizaccedilatildeo de personagens do teatro com estereoacutetipos racistas

atribuiacutedos aos negros

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

23

negra criadinhas sapecas sensual lasciacutevia xucra No entanto acrescentam estereoacutetipos

mais positivos como o negro velho ou a negra velha satildeo saacutebios ingecircnuos protetores de

seus donos mais uma forma de ressaltar a benevolecircncia dos senhores protagonistas das

peccedilas teatrais

Os primeiros estereoacutetipos tinham tanta forccedila entretanto que todo o

empenho da poesia romacircntica em destruiacute-los natildeo conseguiu vencer o

preconceito sempre latente ateacute nos mais ardentes defensores dos negros

No fundo quando se elogiava o valor a bravura o desprendimento de um

negro se estava querendo dizer que tais sentimentos nobres tambeacutem

podiam existir sob uma pele negra um Henrique Dias por exemplo

(MENDES 1982 p 23-24)

O negro como personagem marginalizado no teatro se estende na literatura no

cinema e na televisatildeo Estes estereoacutetipos estatildeo presentes na atualidade Segundo a atriz

Ruth de Souza conhecida pelos seus trabalhos no teatro e na televisatildeo iniciou sua carreira

no teatro com o TEN em um depoimento a Mendes (1993) ldquoO ator negro quase natildeo estaacute

no palco e quando estaacute tem papel subalterno Ora quem quer fazer teatro com atores

negros eacute logo classificado como teatro alternativordquo segundo a atriz isso dificulta

patrociacutenios e ela questiona ldquoO negro eacute coisa alternativa rdquo Na histoacuteria do teatro negro

averiacutegua-se que este cenaacuterio comeccedilou a mudar com a criaccedilatildeo do TEN contudo com muitas

dificuldades para favorecer o desenvolvimento de uma dramaturgia que falasse do negro

Segundo Mendes (1993) mesmo o TEN recorreu a atores brancos para aturarem

como personagens negras aleacutem da dificuldade em atingir tanto o puacuteblico negro como o

branco deve-se ao desinteresse dos brancos pelas temaacuteticas das peccedilas e em relaccedilatildeo ao

puacuteblico negro por natildeo atingir as periferias portanto natildeo representando a sociedade em que

estavam inseridos aleacutem de salaacuterios baixos para frequentar o teatro

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formaccedilatildeo e de

afirmaccedilatildeo artiacutestica ao negro ndash algo em si mesmo revolucionaacuterio que

implicava em revisotildees de estereoacutetipos negativos para o negro e na

eliminaccedilatildeo progressiva de barreiras que proscreviam o negro da vida

produtiva e criadora Mas um teatro experimental tem que apresentar

outros fins Ou seja ao dar canais de expressatildeo a capacidade criadora do

negro e ao redefinir representaccedilotildees sobre aptidotildees intelectuais ou morais

ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada

direccedilatildeo (MENDES apud FERNANDES 1993)

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

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RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

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httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

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72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

24

Mendes (1993) diante da afirmaccedilatildeo de Fernandes ldquoum teatro experimental tem

que apresentar outros fins questiona outras possibilidades que poderiam ser exploradas

pelo TENrdquo aleacutem da questatildeo da raccedila e cor trabalhando com a ideia do brasileiro que luta

por melhores condiccedilotildees de vida Por outro lado Mendes entende o posicionamento de

Nascimento pois o negro o pardo e o mesticcedilo natildeo eram considerados brasileiros

reforccedilando a discriminaccedilatildeo e o preconceito sendo assim Abdias do Nascimento

preocupava-se com temas relativos somente ao negro Diante deste quadro cabe ressaltar

que o negro considerado inferior ao branco atestado pela proacutepria Igreja de que sendo

selvagem seria um ato de caridade ao menos convertecirc-lo ao cristianismo legitimando a

cultura racista ao colocar o negro em condiccedilatildeo abaixo de humano Esta visatildeo atinge os

autores segundo Mendes (1993) ao discriminar o ator negro ao negaacute-lo como

personagem

ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para negros porque natildeo haacute bons atores entre elesrdquo

alegam os autores ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosrdquo queixam-se

os atores O problema entatildeo se formaliza nesse niacutevel com duas

colocaccedilotildees conflituosas porque a segunda parte da queixa dos atores estaacute

apenas impliacutecita ldquoNatildeo haacute bons papeacuteis para atores negrosporque os

atores natildeo os escrevemrdquo (MENDES 1993 p 190-191)

Estas afirmaccedilotildees satildeo consequecircncias das oportunidades primeiro negada ao escravo

negro e depois ao negro livre pois em ambas situaccedilotildees natildeo tiveram acesso as escolas

assistecircncia meacutedica moravam em condiccedilotildees de miseacuteria Em razatildeo disso competir para

qualquer emprego diminuem as chances do negro em relaccedilatildeo ao branco fato este que ainda

eacute uma realidade no Brasil Tal circunstacircncia estende-se ao teatro e demais artes

Mendes (1993) afirma que na deacutecada de 50 a dramaturgia inicia um processo de

pesquisa em relaccedilatildeo agrave realidade brasileira Constatando que o negro estava integrado agrave

sociedade a autora cita como exemplo da peccedila de Guarnieri Eles natildeo usam black ndashtie uma

personagem negra (Brauacutelio) consciente de seus deveres e direitos como trabalhador Nas

deacutecadas seguintes mesmo que sutilmente o negro comeccedila a conquistar espaccedilo como ator

textos que revelam suas lutas problemas conflitos proacuteprios do ser humano

No que diz respeito agrave presenccedila da personagem negra no Brasil eacute de relevacircncia

apontar uma das atrizes negras reconhecida pelo seu papel no filme Xica da Silva (Cacaacute

Diegues 1976) Zezeacute Mota denuncia a ausecircncia de atores negros na televisatildeo e cinema

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

25

criando Centro Brasileiro de Integraccedilatildeo e Desenvolvimento do Artista Negro Em seu

depoimento diz

Eu queria que os outros atores negros natildeo encontrassem todos os

obstaacuteculos que eu encontrei e que foram tatildeo difiacuteceis de superar []

cansada de ouvir os produtores dizer que natildeo existiam atores negros no

Brasil e consciente do seu poder na miacutedia ela resolveu tentar abrir o

mercado de trabalho teatral e cinematograacutefico para ator negro

(DOUXAMI 2001 p 337)

O que se observa nos dias atuais eacute que ainda a personagem negra e o teatro negro

natildeo ocupam na mesma proporccedilatildeo o espaccedilo do protagonismo do branco seja no palco

frente agraves cacircmeras na poliacutetica no contexto escolar Por esta razatildeo em cada um destes

espaccedilos liacutederes sejam eles negros mesticcedilos pardos ou brancos permanecem na luta pela

expressividade negra que teve seus avanccedilos leis de incentivos mas que o ideal eacute

entendermos que soacute existe uma raccedila humana

Segundo Lima pode-se definir o termo teatro negro sob trecircs aspectos

Historicamente o sentido do termo tem sido utilizado por um lado para

se referir a manifestaccedilotildees negras como as brincadeiras (terno de reis

capoeira bumba meu boi maculelecirc entre outras) a expressotildees religiosas

(Congadas e rituais das religiotildees de matriz africana) e a formas

espetaculares propriamente ditas e por outro para designar um teatro de

reivindicaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da identidade negra poliacutetica ou culturalmente

(LIMA apud MENDES 2010 p 37)

Segundo Bastide (1983) o teatro negro folcloacuterico pode ser dividido em dois tipos

um folcloacuterico de duas faces (branca e negra) e o engajado O teatro folcloacuterico branco

reforccedila a ideia do branco superior belo e ideal em detrimento do negro inferior

irresponsaacutevel violento enquanto o teatro folcloacuterico negro traz as formas expressivas do

negro Jaacute o teatro engajado ldquoeacute aquele escrito pelos intelectuais de cor para o seu povo e

para o povo brancordquo (LIMA apud BASTIDE 2010 p38) orientado pelo vieacutes poliacutetico

Jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX com a Companhia Negra de Revistas do Teatro de

Revista2 a repressatildeo e discriminaccedilatildeo comeccedilam a ser temas de reflexatildeo no teatro brasileiro

2 O teatro de Revista um gecircnero popular no Brasil a partir do final do seacuteculo XIX

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

26

a maior referecircncia eacute o Teatro Experimental do Negro (TEN) relacionado as premissas do

teatro engajado

Diante destas definiccedilotildees ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-

brasileirardquo que seraacute discutido no segundo capiacutetulo vemos um trabalho que busca afirmar a

identidade negra poliacutetica e cultural poreacutem natildeo deixa de referir-se as manifestaccedilotildees

brincadeiras e rituais religiosos que fazem parte da arte e cultura afro-brasileira atraveacutes das

oficinas aplicadas

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

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67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

27

CAPIacuteTULO 2 ndash ldquoO TEATRO COMO DISCURSO POLIacuteTICO E SOCIAL DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRArdquo RELATO E ANAacuteLISE

O projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

comeccedilou a partir da experiecircncia com O Programa Mais Educaccedilatildeo3 que teve grande

influecircncia em sua concepccedilatildeo e desenvolvimento ao discutir as manifestaccedilotildees afro-

brasileiras no ambiente escolar

Em 2014 fiz parte do Programa Mais Educaccedilatildeo como orientadora Teatral na

Escola Municipal Messias Sodreacute no bairro de zona rural Pedra Branca na cidade de

Itarareacute No primeiro semestre realizei jogos teatrais e consciecircncia corporal No segundo

semestre a coordenadora Andreacutea Ferraz seguindo as orientaccedilotildees da Secretaria da

Educaccedilatildeo de Itarareacute que propocircs que no dia da Consciecircncia Negra fossem apresentadas

pelas escolas Municipais diversas linguagens artiacutesticas tais como danccedilas muacutesicas

dublagens teatro exposiccedilotildees que se referissem agrave cultura e produccedilatildeo artiacutestica afro-descente

Mediante proposta criei um texto teatral simples ldquoVozes da Liberdaderdquo (Anexo 1)

abordando a criaccedilatildeo do TEN (Teatro Experimental do Negro) aleacutem de apresentar

personalidades na peccedila tais como Abdias do Nascimento Elza Soares Maria Carolina de

Jesus Joatildeo Cacircndido Dr Ben Carson e Joaquim Barbosa

Contudo ao acompanhar o Evento ldquoII Com Ciecircnciardquo o que vi foram formas

inapropriadas de dar protagonismo aos negros com alunos brancos vestindo perucas black

power danccedilando ou cantando realizaccedilatildeo de imitaccedilotildees de cantores negros Dessa maneira

repete-se o protagonismo branco em detrimento do protagonismo negro fato este abordado

por Mendes (1982) em relaccedilatildeo ao negro e suas produccedilotildees Para Mendes atualmente a

expressatildeo dominante eacute a classe branca apesar do ator e atriz negros tenham conquistado

espaccedilo mais na televisatildeo e cinema do que no palco pois a classe branca ldquointeressada ainda

em manter a existecircncia de preconceito que alimentam a discriminaccedilatildeo social e racial

sofrida pelo negro brasileirordquo (p 201)

Percebi que pouco mudou esta realidade apoacutes os estudos de Mendes portanto eacute

essencial um trabalho que reflita a questatildeo racial junto aos alunos negros mesticcedilos e

3 O Programa Mais Educaccedilatildeo criado pela Portaria Interministerial nordm 172007 e regulamentado pelo Decreto

708310 constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induccedilatildeo da construccedilatildeo da agenda de

educaccedilatildeo integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas

puacuteblicas

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

28

brancos Como ao longo dos anos venho desenvolvendo a linguagem teatral dentro das

escolas vi a possibilidade em trazer as manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afro-

brasileiro como discurso social do teatro O resultado deste trabalho foi muito positivo

algumas crianccedilas deixaram de fazer comentaacuterios maldosos sobre a aparecircncia do colega Os

alunos que participaram da peccedila representando personalidades negras se sentiram notaacuteveis

aleacutem do prazer em representar a Escola em um evento Municipal

Este resultado positivo se estendeu mesmo apoacutes o encerramento do projeto relatado

pela professora Dynnaacute Alguns alunos perceberam que um professor tratava de forma

diferenciada alunos brancos e negros Como providecircncia a coordenaccedilatildeo em reuniatildeo com os

professores relatou as colocaccedilotildees destes alunos sem mencionar o professor Felizmente

houve mudanccedila de postura deste professor

ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo foi

desenvolvido a partir do desejo de trazer para a escola um lugar de reflexatildeo com accedilotildees que

permitam a livre expressatildeo dos alunos discussotildees em torno das experiecircncias do cotidiano

destes alunos e que promova um discurso social e poliacutetico do teatro enfatizando a questatildeo

do negro

Criado em 2015 na Escola Estadual Dr Herculano Pimentel a partir de um convite

aos alunos do ensino meacutedio com idade entre 15 a 17 anos a proposta aconteceu em sala de

aula Para atender a proposta do projeto a experiecircncia com o novo grupo iniciou-se

primeiramente com diaacutelogos foram dois encontros em que houve uma entrevista informal

conhecer a composiccedilatildeo familiar as atividades do dia-a-dia a visatildeo que eles tecircm sobre si

mesmo o que eles entendiam por teatro como achavam que se dariam nossos encontros

que temas gostariam que fossem abordados Foram relacionados temas como liberdade

profissatildeo conflito familiar conflito na escola preconceito

Os encontros aconteciam semanalmente com duraccedilatildeo aproximadamente de quatro

horas O planejamento dividi em duas partes a linguagem teatral a partir do corpo espaccedilo

jogos teatrais criaccedilotildees de cena e finalizava com discussotildees a segunda parte focada na

minha pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo

Assim criamos um grupo no Facebook para que pudeacutessemos nos organizar em

relaccedilatildeo aos encontros com postagens de peccedilas teatrais cenas performances monoacutelogos

filmes os quais tive o cuidado de selecionar trabalhos que tratassem do teatro do negro

Algumas leituras retiradas de biografias como de Joatildeo Cacircndido o marinheiro da

Revoluccedilatildeo da Chibata Carolina Maria de Jesus escritora e o ativista Abdias do

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

29

Nascimento Em relaccedilatildeo aos ritmos danccedilas e muacutesicas selecionados prevaleciam materiais

cujos artistas eram negros

Em todos os encontros houve espaccedilo para discussotildees troca de ideias e feedbacks

primeiramente em relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas agraves sensaccedilotildees agraves limitaccedilotildees aos

lugares em que se sentiram provocados agraves dificuldades agraves propostas de cenas Em um

segundo momento a discussatildeo era em torno de um filme uma peccedila ou cena um texto

dentro do contexto do teatro negro

As informaccedilotildees foram coletadas a partir das minhas observaccedilotildees levando sempre

em consideraccedilatildeo a percepccedilatildeo do grupo que representa uma pequena parte dos alunos do

Ensino Meacutedio

Esta pesquisa iraacute focar somente nas estrateacutegias de trabalho voltadas para as

questotildees raciais e a relaccedilatildeo feita com o teatro por compreender que a partir da delimitaccedilatildeo

dessa accedilatildeo seraacute possiacutevel analisar mais detidamente os procedimentos pedagoacutegicos e o

trabalho com a linguagem

Uma das motivaccedilotildees para trabalhar as discussotildees raciais por meio da linguagem

teatral se deu pela identificaccedilatildeo de que natildeo havia participaccedilatildeo significativa dos negros e

mesticcedilos nas festas eventos e comemoraccedilotildees tanto dentro quanto fora do ambiente escolar

Portanto identificou-se a carecircncia de projetos socioeducativos que valorizassem as

manifestaccedilotildees culturais e artiacutesticas do afrodescendente o reconhecimento da identidade

negra e sua autonomia no ambiente escolar Isso estimulou a accedilatildeo do projeto que

desenvolve um estudo da linguagem teatral com exerciacutecios e jogos cecircnicos como

elementos propulsores de discussatildeo trazendo agrave luz para a reflexatildeo da cultura negra a

identidade negra e a conquista de espaccedilo cultural no ambiente Escolar

Tomou-se como foco inicial a histoacuteria da formaccedilatildeo do povo brasileiro e a forma

como ignoramos a cultura afro-brasileira a ideia do ldquoembranquecimentordquo dentro do

ambiente escolar e portanto a necessidade de mudar tais concepccedilotildees e conhecer a

identidade brasileira levando em consideraccedilatildeo a cultura indiacutegena a branca e a negra

21- O contexto local e a influecircncia cultural

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

30

Neste capiacutetulo para compreender o trabalho desenvolvido pelo projeto ldquoO Teatro

como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo eacute importante contextualizar a

histoacuteria da cidade de Itarareacute e sua localizaccedilatildeo

A cidade de Itarareacute localiza-se na regiatildeo Sudoeste do Estado de Satildeo Paulo fazendo

divisa com o Estado do Paranaacute ressaltando que no uacuteltimo senso indicou que a populaccedilatildeo eacute

de 47934 habitantes 4em uma aacuterea de 1003860 km

2 sendo que desses 30 eacute formado por

negros e mesticcedilos A influecircncia cultural predominante vem do Rio Grande do Sul

A prevalecircncia do protagonismo do branco em relaccedilatildeo ao detrimento do

protagonismo negro ateacute os dias de hoje aleacutem do fator histoacuterico da escravidatildeo e as

consequecircncias mesmo poacutes libertaccedilatildeo deve-se ao fato de que nesta regiatildeo haacute a

predominacircncia de brancos em relaccedilatildeo aos negros e iacutendios A razatildeo disso se deve ao fato de

que no final do seacuteculo XVII esta regiatildeo que abrange as cidades aleacutem de Itarareacute

Itaporanga Riversul Itaberaacute Itapeva Bom Sucesso de Itarareacute era passagem dos tropeiros

que faziam seu trajeto entre o Rio Grande do Sul e a cidade de Sorocaba pernoitando nesta

regiatildeo que era habitada por iacutendios Guaianazes atualmente na cidade de Itaporanga

localiza-se uma reserva indiacutegena

Aleacutem do mais no iniacutecio do seacuteculo XX a cidade recebeu imigrantes vindos da

Alemanha Itaacutelia Holanda dentre outras nacionalidades europeias reforccedilando uma

identidade cultural eurocecircntrica Durante alguns anos realizava-se a tradicional Feira das

Naccedilotildees com comidas tiacutepicas danccedilas e muacutesicas dos paiacuteses europeus excluindo as

manifestaccedilotildees brasileiras das festividades Por questotildees poliacuteticas e culturais a verba

municipal destinada para este evento foi transposta para Festa do Peatildeo com exposiccedilatildeo de

gado de corte e leiteiro prova do laccedilo montaria aleacutem de atraccedilotildees artiacutesticas sertanejas e

gauacutechas Essa mudanccedila ocorreu por interesse eleitoral visando um maior nuacutemero de votos

jaacute que a Festa do Peatildeo agradaria um maior nuacutemero de pessoas uma vez que os

descendentes jovens europeus jaacute natildeo valorizavam as festas tradicionais

No final do seacuteculo XX e jaacute no seacuteculo XXI a influecircncia da cultura gauacutecha e

sobretudo a danccedila gauacutecha tem sido valorizada com bailes vestimentas a caraacuteter aleacutem de

escolas de danccedilas gauacutechas Nas chaacutecaras e fazendas satildeo comuns estes bailes

4 Segundo IBGE 2010 disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010

acessado em 07 de maio de 2016

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

31

acompanhados com churrascos e chimarratildeo Haacute influecircncias tambeacutem na linguagem

vocabulaacuterios e sotaque que lembram aos do gauacutecho

Eacute importante ressaltar que ocorrem algumas festividades anualmente em Itaporanga

da cultura indiacutegena nas quais as escolas da regiatildeo comparecem em visitas geralmente na

semana do dia do iacutendio Assim percebe-se que a cultura afro-brasileira e indiacutegena natildeo

apresenta visibilidades na mesma proporccedilatildeo que a cultua eurocecircntrica

A escola em que o projeto foi realizado fica no centro da cidade e eacute referecircncia na

Diretoria de Ensino de Itarareacute Frequentada por alunos de melhor condiccedilatildeo soacutecio

econocircmicas se comparados com os alunos das demais escolas estaduais Eacute considerada

uma escola de accedilotildees conservadoras com medidas disciplinares rigorosas A maioria dos

alunos eacute catoacutelica e participa ativamente de grupos de evangelizaccedilatildeo dos jovens e eventos

promovidos pela igreja Em segundo temos religiotildees evangeacutelicas e com pouca

representatividade as demais religiotildees aleacutem de ateus

Uma das dificuldades encontrada estaacute relacionada agrave Direccedilatildeo da Escola ser resistente

quanto agrave execuccedilatildeo de atividades extras sala seu posicionamento eacute controlador evitando

debates que tragam temas que possam tornar-se polecircmicos relacionado agrave diversidade

religiosa questotildees de gecircnero questotildees raciais e poliacuteticas Para realizar as atividades

utilizamos a quadra esportiva o paacutetio da escola e a sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica aleacutem de

espaccedilos em torno da escola como a praccedila Vincenzo de Donno Natildeo eacute um projeto relevante

para a Direccedilatildeo natildeo haacute preocupaccedilatildeo em definir um espaccedilo que seja mais adequado Diante

destes fatos observados o conservadorismo da direccedilatildeo escolar dificulta abordagens e

discussotildees mais promissoras das questotildees citadas acima

No ambiente escolar em relaccedilatildeo aos negros e mesticcedilos ainda natildeo se consolidou o

espaccedilo para suas produccedilotildees artiacutesticas e culturais que expressem a identidade do negro e

seu protagonismo Para ilustrar esta realidade comentei sobre o conto Pixaim de Cristiane

Sobral destacando aqui

Pela primeira vez foram violentadas as minhas raiacutezes senti muita dor e fiquei

fraacutegil mas adquiri tambeacutem uma estranha capacidade de regeneraccedilatildeo e de ter

ideias proacuteprias Eu sabia que natildeo era igual agraves outras crianccedilas E que natildeo podia ser

tratada da mesma forma Mas como dizer isso aos outros Minha matildee me amava

muito eacute verdade mas natildeo percebia como lidar com as nossas diferenccedilas

(SOBRAL 2005 p13)

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Acesso em 31052016

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Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

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PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

32

No conto a proacutepria matildee era sua opressora A famiacutelia reforccedilava a ideia de

ldquoembranquecimentordquo como forma de aceitaccedilatildeo e esta era reforccedilada na escola

Com todas estas inquietaccedilotildees e a necessidade de colaborar para amenizar este

quadro de ldquoembranquecimentordquo no contexto escolar a auto aceitaccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo

eacutetnica reiterou-me para o potencial deste projeto associando ao diaacutelogo criativo agrave cultura

Afro-brasileira com manifestaccedilotildees artiacutesticas diferente do que vem sendo realizado ao longo

destes anos

A partir dessas impressotildees mesmo com um nuacutemero menor do que supunha um

grupo de alunos entre negros mesticcedilos e brancos se engajaram neste projeto com potencial

para se trabalhar o discurso da autoafirmaccedilatildeo identificando com a linguagem teatral

questotildees raciais ldquoembranquecimentordquo reflexotildees e mudanccedilas quanto autonomia e a livre

expressatildeo do negro e do mesticcedilo na escola

22 ndash O trabalho com a cultura afro-brasileira na oficina

Desde 2003 entrou em vigecircncia a Lei nordm 106395 com o objetivo de ensinar aos

alunos conteuacutedos relacionados agrave cultura e histoacuteria afro-brasileiras Tais temas satildeo vistos

como um conteuacutedo a mais a ser estudado ainda natildeo estando integrado ao planejamento dos

professores Contudo seria possiacutevel utilizaacute-lo como ferramenta de combate ao racismo ou

de valorizaccedilatildeo da identidade negra Aleacutem de atitudes que sejam eficazes no cotidiano

escolar pois ainda o referencial do negro eacute sustentado na ideia da escravidatildeo e o

referencial de beleza eacute a branca Em uma exposiccedilatildeo na escola retratando o negro havia

um trabalho em que os cabelos foram representados por esponja de accedilo ldquoBombrilrdquo e outro

com colagens de tecidos surrados representando a questatildeo econocircmica

Ao observar esta exposiccedilatildeo realizada na Escola questionei a falta de acessoacuterios

femininos como o turbante com suas amarraccedilotildees diferenciadas brincos e colares que se

harmonizam com a mulher negra e ressaltei a falta de pesquisa em relaccedilatildeo a moda afro-

brasileira

5 Em marccedilo de 2003 foi aprovada a Lei Federal nordm 1063903 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e

Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Meacutedio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

33

As escolas em que observei ao longo de minha carreira como professora natildeo

atendem de maneira satisfatoacuteria a Lei nordm 1063903 pois como citado acima falta a

pesquisa com mais cuidado no que se refere agrave identidade negra a valorizaccedilatildeo

personalidades intelectuais da cultura brasileira como Machado de Assis Lima Barreto

Carolina Maria de Jesus Gilberto Gil Milton Nascimento Elza Soares Elisa Lucinda

Cartola Pixinguinha Chiquinha Gonzaga citando os claacutessicos aleacutem de muitos outros

Em alguns eventos escolares nas representaccedilotildees o negro eacute visto como escravo o

engraccedilado o malandro Assim como eacute descrito no livro A personagem Negra no Teatro

Brasileiro de Mirian Garcia Mendes (1982) vemos comentaacuterios de peccedilas teatrais desde

Luiacutes Carlos Martins Pena agrave Visconde de Taunay em que sempre a presenccedila do negro como

personagens de pouca ou nenhuma importacircncia retratando o negro escravo inculto

malandro mau ou ainda com qualidades positivas desde que sejam submissos Podemos

averiguar neste trecho

Nestes termos Lourenccedilo encarna com perfeiccedilatildeo a figura do ldquonegro de

alma brancardquo o protoacutetipo do ldquonegro lealrdquo devotado ao senhor agrave sua

famiacutelia e a proacutepria ordem social existente Preenchia integralmente os

requisitos necessaacuterios para ser incluiacutedo no estereoacutetipo mais positivo que o

branco criara para contrabalanccedilar o conceito mais negativo que

geralmente tinha do escravo principalmente quando o negro puro em

oposiccedilatildeo ao ldquonegro ruim quilombola peacuterfido frio cruel inexoraacutevelrdquo

estava o Pai Joatildeo trabalhador fiel ao seu senhor disposto a todos os

sacrifiacutecios por causa dele (MENDES 1982 p 82-83)

Nesta citaccedilatildeo Mendes comenta O escravo fiel de Carlos Antonio Cordeiro

(18121866) A peccedila retrata a fidelidade do escravo Lourenccedilo em relaccedilatildeo ao seu senhor

Esta devoccedilatildeo deve-se ao fato do senhor trataacute-lo bem nunca lhe aplicar castigos Reforccedila a

ideia de que os escravos satildeo reflexos dos seus senhores benevolentes jamais uma

qualidade inerente ao negro Segundo Mendes (1982) esta ideia do negro bom era

difundida para ajudar a manter a passividade dos escravos que aceitam sua condiccedilatildeo com o

miacutenimo de questionamento e o maacuteximo de resignaccedilatildeo

Na peccedila O inglecircs maquinista por exemplo de Luiacutes Carlos Martins Pena haacute um

trecho de uma cena em que qualquer fato negativo a culpa sempre recai no negro escravo

Neste trecho satildeo barulhos de louccedilas que se quebram a senhora da casa se retira da sala e

daacute chicotadas sem ao menos saber o que sucedera de fato

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

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Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

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69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

34

Eacute a ausecircncia de referecircncia positiva na vida da crianccedila e da famiacutelia nos

livros didaacuteticos esgarccedila os fragmentos de identidade da crianccedila negra que

muitas vezes chega agrave idade adulta com total rejeiccedilatildeo agrave sua origem racial

Positivar o lado negro da crianccedila o passado escravo atraveacutes da histoacuteria

de resistecircncia (ROSA MEHL apud CAVALEIRO 2004 p 122)

As peccedilas citadas acima aleacutem de outras projeccedilotildees artiacutesticas e literaacuterias reforccedilam

estereoacutetipos negativos como as citadas por Roger Bastide socioacutelogo francecircs em seus

Estudos afro-brasileiros onde ele cita alguns exemplos negro ndash figura sinistra e hedionda

feiticeiro maacutegico perigoso dotado de natural servilismo ao cativeiro sujo beberratildeo

(MENDES 1982 p 84) Com referecircncias tatildeo negativas presentes nas leituras em sala de

aula como isso natildeo encabular uma crianccedila ou adolescente Abordar questotildees e reflexotildees

pelo vieacutes do discurso social da linguagem teatral com o objetivo de valorizar a arte a

cultura as manifestaccedilotildees afro-brasileira e consequentemente diminuir o impacto de anos

de ldquoembraquecimentordquo

Diante desta visatildeo tatildeo negativa em abundantes materiais o projeto em questatildeo

prioriza romper com este paradigma promovendo a aceitaccedilatildeo da crianccedila ou adolescente

independente de suas origens atraveacutes de histoacutericos e referecircncias da luta do povo afro-

brasileiro Ressaltando sua resistecircncia em diversos movimentos poliacuteticos presentes

tambeacutem no teatro como o Teatro de Revista do Negro Teatro Experimental do Negro

Bando de Teatro Olodum que colaboram no desenvolvimento social e poliacutetico A

valorizaccedilatildeo eacutetnica acontece a partir do momento que haja auto aceitaccedilatildeo e contestaccedilatildeo a

ideia do ldquoembranquecimentordquo imposto pela sociedade

Vale destacar que o projeto como proposta da linguagem teatral na escola inclui o

desenvolvimento cultural e intelectual consequentemente o senso criacutetico a inclusatildeo e a

autoestima consideraccedilotildees estas identificadas por Japiassu em relaccedilatildeo ao teatro na escola

ldquoAs justificativas para o ensino do teatro e das artes da educaccedilatildeo escolar

inicialmente de caraacuteter contextualizado ou instrumental passaram a

destacar pouco a pouco a contribuiccedilatildeo singular das linguagens artiacutesticas

para o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal do ser humano

[] O objetivo do ensino das artes para a concepccedilatildeo pedagoacutegica

essencialista natildeo eacute formaccedilatildeo de artistas mas o domiacutenio a fluecircncia e a

compreensatildeo esteacutetica dessas complexas formas humanas de expressatildeo

que movimenta processos afetivos cognitivos e psicomotores (2006

p30)

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

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Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

35

Vemos que para Japiassu destaca-se a linguagem artiacutestica para o desenvolvimento

cultural e crescimento pessoal do ser humano mais especificamente o teatro que pode vir

a ser uma ferramenta importante nesta formaccedilatildeo e suporte no combate agrave discriminaccedilatildeo nas

escolas como prevecirc a Lei nordm 1063903

221 ndash Oficina teatral agosto de 2015 a maio de 2016

No periacuteodo o projeto contava com 9 alunos 4 brancos 5 negros com idades de 15

a 17 Nos moldes do projeto sempre comeccedilaacutevamos fazendo alongamentos depois

realizavam-se alguns jogos teatrais previamente selecionados em seguida criavam-se

cenas e finalmente discutia-se o encontro do dia aleacutem dos materiais selecionados durante a

semana como um filme uma cena uma peccedila ou um texto As atividades aconteciam nesta

sequecircncia para que tivessem num primeiro momento um corpo relaxado e preparaacute-los para

as atividades seguintes Na sequecircncia os jogos teatrais atividades de interaccedilatildeo consigo

com espaccedilo com o outro um treinamento para futuras encenaccedilotildees sair da zona de

conforto libertar-se dos movimentos do cotidiano as cenas natildeo aconteciam em todos os

encontros mas agrave medida que a espontaneidade e resoluccedilatildeo problematizada pelos jogos

foram tornando-se mais faacuteceis a criaccedilatildeo de cena foi uma consequecircncia A forma de avaliar

como se sentiram as dificuldades novas propostas aconteciam nas discussotildees finais

As propostas aconteciam em relaccedilatildeo a temaacutetica do projeto ao realizar jogos teatrais

e cenas que refletissem e levassem a novas propostas na questatildeo racial na produccedilatildeo de

uma arte afro-brasileira

Os objetivos dos encontros tinham a finalidade de experimentar teacutecnicas teatrais

que visavam agrave consciecircncia corporal e agrave ldquodesmecanizaccedilatildeordquo corporal ou seja libertar o

corpo do engessamento do cotidiano a interaccedilatildeo com o grupo a improvisaccedilatildeo a resoluccedilatildeo

de problemas em cena aleacutem das discussotildees e experiecircncias que levam ao conhecimento

crescimento pessoal e desenvolvimento cultural e sempre que possiacutevel norteado pelas

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras

Sendo assim as discussotildees do final do encontro partiam de uma reflexatildeo quais

produccedilotildees artiacutesticas e culturais eles tecircm mais contato ou quais produccedilotildees artiacutesticas e

culturais eles elaboram e protagonizam Diante das respostas observei que as produccedilotildees

que reconhecem satildeo focadas na danccedila gauacutecha As diversidades de outras produccedilotildees as

quais tecircm contato ocorrem apenas nas aulas de Artes

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

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BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

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Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

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68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

36

Nos primeiros encontros mantive-os focados na questatildeo do corpo o corpo espaccedilo

apenas questionando a cada atividade como se sentiam que lugares tinham tirado da aacuterea

de conforto Nas primeiras atividades os integrantes mostraram-se tiacutemidos Um deles

Lucas por vezes desconcentrava o grupo devido a sua proacutepria falta de concentraccedilatildeo e

comprometimento com a atividade Uma das maneiras que encontrei para solucionar sua

postura era realizar as atividades em duplas com ele ou ouvi-lo pois eacute um grande

contador de causos

A cada encontro o grupo tornou-se confiante mais espontacircneo nas accedilotildees nas

discussotildees nas propostas do jogo Mantive uma rotina em cada encontro iniciando com

alongamento consciecircncia do corpo espaccedilo jogos teatrais em dupla dois grupos ou todos

integrantes dependendo da proposta do jogo utilizando o fichaacuterio de jogos teatrais de

Viola Spolin Agrave medida que o grupo foi se desenvolvendo em relaccedilatildeo agrave espontaneidade agrave

concentraccedilatildeo agrave consciecircncia de corpo e espaccedilo o planejamento dos encontros seguintes

atendia as questotildees levantadas pelo grupo em relaccedilatildeo agrave linguagem teatral Segundo Spolin

(2005)

Satildeo as exigecircncias da proacutepria forma de arte que devem nos apontar o

caminho moldando e regulando o nosso trabalho e remodelando a noacutes

mesmo para enfrentar o impacto dessa grande forccedila Nossa preocupaccedilatildeo eacute

manter uma realidade viva e em transformaccedilatildeo para noacutes mesmos e natildeo

trabalhar compulsivamente para um resultado final (Spolin 2005 p 17-

18)

O planejamento deste projeto embora tivesse um fim especiacutefico atendia as

necessidades do grupo portanto estava aberto as reformulaccedilotildees mediante aos temas que o

grupo abordava para que este se mantivesse sempre em movimento com jogos mais

dinacircmicos criaccedilotildees de cenas ora proacuteximos ao cotidiano ora se arriscando com o novo

Desta forma o primeiro tema sugerido foi religiatildeo afro brasileira sobretudo o

Candombleacute e a Umbanda e consequentemente o sincretismo religioso

Lucas cuja matildee frequenta a Umbanda comentou sobre os rituais e a presenccedila de

instrumentos de percussatildeo Assim o grupo ficou motivado a criar para o proacuteximo encontro

ritmos e sons a partir do proacuteprio corpo e de materiais alternativos Deixei postado no grupo

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

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LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

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45

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

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Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

37

do Facebook um viacutedeo de danccedila e ritmos do grupo folcloacuterico afro-brasileiro do Centro

Cultural de Sucena6 para que pudessem criar suas percussotildees afro-brasileiras

Durante dois encontros foram realizadas atividades de reconhecimento de diversos

sons e produccedilotildees de sons com o corpo e materiais como colher caixinha de foacutesforo tampa

de panela latas etc Ao final aleacutem da produccedilatildeo de sons ritmados sentindo-se contagiados

com o viacutedeo do grupo folcloacuterico de Sucena realizamos atividades de movimento que nos

levaram a uma coreografia

A cada encontro o grupo aprimorava consciecircncia corporal sensorial a

concentraccedilatildeo e o entrosamento entre eles nos jogos propostos em dupla ou mais

participantes respeitando o limite do outro colaborando com o outro A partir daiacute para

finalizar os encontros levei duas biografias Joatildeo Cacircndido Felisberto O negro da Chibata

de Fernando Granato e Carolina Maria de Jesus Quarto de despejo - diaacuterio de uma

favelada Liacuteamos alguns trechos dos textos e traziacuteamos questotildees sobre a luta de

sobrevivecircncia principalmente dos negros cujo os pais foram escravos os primeiros tempos

poacutes liberdade uma liberdade que natildeo trouxe a miacutenimas condiccedilotildees de vida

Assim tomaram conhecimento da vida de Joatildeo Cacircndido o marinheiro negro liacuteder

da Revolta da Chibata (1910) que reivindicava melhores condiccedilotildees de trabalho para os

marinheiros negros cujas refeiccedilotildees eram inferiores aos marinheiros brancos aleacutem de

receberem castigos corporais e humilhaccedilotildees Apesar de tornar-se um heroacutei pela vitoacuteria de

suas reivindicaccedilotildees sofreu perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso internado em um manicocircmio e

quando teve a liberdade viveu na pobreza sem ser reconhecido pela Marinha Brasileira

como heroacutei ateacute os dias de hoje

Carolina Maria de Jesus escritora que morou na favela da cidade de Satildeo Paulo na

deacutecada de 50 narra sua vida em vinte cadernos que mais tarde viriam a ser publicado como

Quarto de despejo descoberta pelo jornalista Audaacutelio Dantas Seu destino natildeo foi muito

diferente de Joatildeo Cacircndido Teve um reconhecimento momentacircneo seu livro foi traduzido

em 14 paiacuteses e demais escritos natildeo obtiveram o mesmo sucesso Carolina terminou os seus

dias em um pequeno siacutetio isolada

A ideia de levar ao conhecimento do grupo estas duas personalidades histoacutericas

tem como finalidade despertar uma discussatildeo baseada em fatos reais em relaccedilatildeo agrave

6 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 060720016

38

violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

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Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

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ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

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ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

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52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

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Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

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Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

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Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

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Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

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Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

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Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

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ANEXO 4 Questionaacuterio

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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

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violecircncia de todo tipo em que os negros sofrem mas um despertar que os movimente para

transformar esta realidade

O que afirma Brecht eacute que nas peccedilas idealistas a emoccedilatildeo atua por si

mesma produzindo o que ele chama de orgias emocionais enquanto que

as poeacuteticas materialistas cujo objetivo natildeo eacute tatildeo-somente o de interpretar

o mundo mas tambeacutem de transformaacute-lo e tornar esta terra finalmente

habitaacutevel tecircm a obrigaccedilatildeo de mostrar como pode este mundo ser

transformado (BOAL 2009 p 160)

Esta eacute a proposta do projeto atraveacutes das accedilotildees provocar mudanccedilas Propus ao grupo

que fizeacutessemos um diaacutelogo entre Joatildeo Cacircndido e Maria Carolina adaptaccedilatildeo dos livros O

Negro da Chibata e Quarto de despejo e comeccedilamos por uma leitura dramaacutetica Fizemos

uma primeira montagem de cena com os ritmos criado pelo grupo a partir do grupo

folcloacuterico afro-brasileiro do Centro Cultural de Sucena e a leitura dramaacutetica por dois

integrantes Na produccedilatildeo do som utilizamos cabos de vassouras um atabaque chocalho o

figurino foi simples apenas atendemos aos personagens Joatildeo Cacircndido com calccedila branca de

capoeira chapeacuteu e Carolina Maria de Jesus com roupas simples Foram convidados para

apreciaccedilatildeo desta leitura dramaacutetica os alunos dos seacutetimos anos do Ensino Fundamental Esta

cena foi registrada por meio de viacutedeo7 Apoacutes apresentaccedilatildeo sentei-me no chatildeo com os

integrantes do grupo e questionei sobre esta experiecircncia de ensaiar com alguns colegas

observando

Foram discutidos preconceito natildeo soacute com relaccedilatildeo agrave cor mas tambeacutem agrave religiatildeo

africana aos instrumentos e ritmos afro-brasileiros a diferentes belezas entre negros

mesticcedilos brancos e iacutendios

Continuamos com os encontros e trouxe mais materiais um curta metragem com

um suposto encontro entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus chamado O Papel e o

Mar8 (2010) de Luiacutez Antocircnio Pilar e um curta metragem produzido por alunos da

Educaccedilatildeo Jovens e Adultos EJA do CEU EMEF Vila Atlacircntica baseado na obra literaacuteria

de Carolina Maria de Jesus intitulado Carolina Quarto de Despejo Homenagem9

Passamos a discutir a questatildeo das cotas de uma maneira geral Posteriormente

trabalhou-se jogos propostos por Augusto Boal sugestatildeo presente em seu livro ldquoteatro do

7 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=5HdAOEG3fNEgt Acesso em 06072016

8 Disponiacutevel em httpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

9 Disponiacutevel emhttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

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Papirus 2006

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Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

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45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

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MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

39

oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticasrdquo oportunizando as questotildees da opressatildeo diante das

diferenccedilas raciais O grupo trouxe a temaacutetica da escravidatildeo mas agora em relaccedilatildeo aos

bolivianos que vecircm para o Brasil em busca de melhores condiccedilotildees de vida e satildeo

explorados Esta perspectiva de anaacutelise que a escravidatildeo natildeo eacute algo que se limita ao povo

negro mas um jogo de opressor e oprimidos de quem deteacutem o poder e daquele que eacute

subjugado e buscar a soluccedilatildeo para mediar atraveacutes do jogo teatral demonstra o

amadurecimento do grupo

No final do ano a Escola Dr Herculano Pimentel promoveu a Semana Cultural

que faz parte do calendaacuterio da Diretoria de Ensino de Itarareacute cujo tema era Anos 80 O

subtema ldquocinemardquo foi desenvolvido com a turma do segundo ano do Ensino Meacutedio em

que a maioria faz parte do grupo de teatro e tem o maior nuacutemero de negros e mesticcedilos em

relaccedilatildeo agraves outras salas do periacuteodo da manhatilde Constatei que era mais uma oportunidade no

espaccedilo da comunidade escolar para discutir a autonomia e liberdade expressiva do negro

Propus aos alunos que pesquisaacutessemos os filmes da deacutecada de 80 em que pelo

menos um deles retratasse questotildees raciais Foram escolhidos trecircs filmes dentre eles A cor

puacuterpura filme baseado no romance afro americano de Alice Walker cuja temaacutetica eacute a

discriminaccedilatildeo racial e de gecircnero Em um primeiro momento apoacutes assistirmos ao filme

fizemos um debate em sala de aula e no dia do evento alguns alunos leram a sinopse do

filme e ressaltaram as cenas mais polecircmicas

Outro filme selecionado foi Pixote a lei do mais fraco produccedilatildeo brasileira dirigido

por Hector Babenco O filme retrata a situaccedilatildeo de um paiacutes de crimes prostituiccedilatildeo

violecircncia e abuso de autoridade cujo elenco conta com vaacuterios negros e mesticcedilos alvo ateacute

os dias de hoje da violecircncia No evento apresentei uma cena de trecircs minutos em que Pixote

morre ao fugir da poliacutecia fato este que aconteceu com ator Fernando Ramo da Silva que

fez a personagem Pixote A ironia da cena criada ficccedilatildeo (Pixote personagem morador da

favela mesticcedilo passagem pela FEBEM assassino mas apesar de tudo um sobrevivente) e

realidade (Fernando o ator que veio da favela conhece o sucesso atraveacutes da personagem

Pixote mas natildeo consegue novos trabalhos no cinema e retorna ao mundo da criminalidade

perseguido pela poliacutecia vem a falecer) se misturam em cena

Infelizmente natildeo surtiu o efeito esperado natildeo atendeu a expectativa do grupo de

teatro pois durante o debate o puacuteblico se dispersou aguardando as danccedilas muacutesicas da

deacutecada de 80 A cena realizada do filme Pixote teve o impacto da cena em si pela accedilatildeo

com tiros e a morte da personagem o efeito do sangue mas natildeo trouxe a reflexatildeo da

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

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31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

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Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

40

violecircncia e abusos ocorridos na deacutecada de 80 que perduram ateacute hoje sobretudo dos oacutergatildeos

de seguranccedila Identificaram que a diretora e vice-diretora estavam mais preocupadas com o

tempo mostrando a todo momento o reloacutegio do que incentivar o debate que estava aberto

a todos e a ausecircncia dos professores em participar da discussatildeo Isso fez perceber que

accedilotildees desse tipo soacute podem ser relevantes se houver a participaccedilatildeo e apoio da instituiccedilatildeo ou

seja a proacutepria instituiccedilatildeo natildeo entende a necessidade de trazer temas como violecircncia

discriminaccedilatildeo questatildeo de gecircnero e formas para serem abordadas que proporcione a

transformaccedilatildeo Privilegiaram as apresentaccedilotildees que natildeo geram reflexotildees conflitos que natildeo

trazem nenhuma provocaccedilatildeo como Brecht afirma ldquoproduzindo orgias emocionaisrdquo

contrapondo-se ldquoa emoccedilatildeo que nasce do conhecimentordquo (BOAL 2009 p 160) Com isso

ele quis dizer que deve se evitar emoccedilotildees que causam a ignoracircncia cita como exemplo a

peccedila Matildee Coragem que perde os filhos Neste caso a emoccedilatildeo tem que transcender a

fatalidade que seja uma emoccedilatildeo racional que seja provocada pela causa maior que na

peccedila trata-se do comeacutercio da guerra

Nas reuniotildees de ATPC (Aula de Trabalho Pedagoacutegico Coletivo) os professores

coordenadores e direccedilatildeo da escola ao comentarem sobre o evento relataram apenas a

esteacutetica das exposiccedilotildees das apresentaccedilotildees No entanto nada foi comentado sobre a

possibilidade de abrirmos espaccedilos para reflexotildees atraveacutes da arte Assim expus mais uma

vez o projeto ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura afro-brasileirardquo e a

necessidade de os eventos realizados nas escolas atenderem a todas as manifestaccedilotildees

culturais inclusive das minorias citando a Lei nordm 1063903 A tentativa de incluir essas

accedilotildees e buscar uma conscientizaccedilatildeo se deu durante todo o projeto Foi necessaacuterio reafirmar

a importacircncia e buscar um espaccedilo concreto para trabalhar a linguagem teatral e continuar

com as investigaccedilotildees propostas

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

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BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

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45

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MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

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MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

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ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

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31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

41

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O primeiro desafio para realizar esta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e

social da cultura afro-brasileirardquo trata-se da minha proacutepria cor branca Como realizar

abordagens delicadas em classificar a cor do outro a etnia do outro Entrar em contato

com a experiecircncia do outro em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo agrave violecircncia diaacuteria observada no

cotidiano e na miacutedia sendo que natildeo posso ignorar que minha condiccedilatildeo de branca me leva a

ter privileacutegios O colocar-se no lugar do outro eacute muitas vezes ouvir o que este outro tem a

dizer porque sentir como outro natildeo eacute possiacutevel A aprendizagem que a pesquisa me trouxe

ampliou a visatildeo que tinha em relaccedilatildeo agrave discriminaccedilatildeo sobretudo a racial

A realizaccedilatildeo desta pesquisa ldquoO Teatro como discurso poliacutetico e social da cultura

afro-brasileirardquo num contexto escolar trouxe outros desafios em razatildeo da arte natildeo ocupar

um lugar de prioridade na Educaccedilatildeo de maneira geral e a linguagem teatral ser a menos

pesquisada dentro das diversas linguagens da arte Por esta razatildeo os alunos entendem teatro

como decorar textos e fazer alguns gestos portanto este eacute o primeiro conceito a ser

revisto

A maior aprendizagem deste processo foi a improvisaccedilatildeo quanto ao espaccedilo e os

recursos disponibilizados para realizaccedilatildeo do projeto Buscando estrateacutegias que natildeo se

baseassem na estrutura disponiacutevel mas possibilidades de envolver e interessar os alunos

para que aprendessem natildeo somente a linguagem teatral mas como se expressar livremente

com posicionamento criacutetico

Os aspectos positivos satildeo observaacuteveis no proacuteprio grupo de alunos que acompanham

esta trajetoacuteria como a identificaccedilatildeo velada do racismo e da discriminaccedilatildeo a ideia de

ldquoembranquecimentordquo mas sobretudo entenderam que as conquistas vecircm acontecendo ao

longo do tempo desde os primeiros movimentos abolicionistas Por meio dos relatos destes

integrantes reconhecemos a relevacircncia deste projeto do processo como um todo as

transformaccedilotildees principalmente no que se refere a defender as suas opiniotildees e

comportamento

Andressa por exemplo uma das integrantes do grupo que veio participar do

projeto reconheceu que havia beleza em seus cabelos antes do alisamento em sua fala

demonstrava o seu descontentamento pois para mantecirc-lo precisa gastar o que natildeo

dispunha sem obter o resultado esperado Foi assim motivada a participar do projeto para

conhecer mais sobre sua afro descendecircncia

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

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DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

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IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

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Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

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MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

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MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

42

Jaacute Joseacute aluno da disciplina de matemaacutetica que veio participar do grupo de teatro

senta-se no fundo da sala vestia-se com blusotildees de gorro escondendo seu rosto de poucas

palavras natildeo falava em puacuteblico e pouco expressava sua opiniatildeo nos encontros das oficinas

Contudo embora continue sentando no fundo da sala natildeo se esconde mais atraacutes do gorro

conversa com os amigos sorri participa das oficinas com suas consideraccedilotildees e sugestotildees

Lucas se sobressai no grupo por ser inquieto indisciplinado agraves vezes tem

dificuldade de concentrar-se nas atividades propostas fala bastante um contador nato de

ldquocausosrdquo Relatou que jaacute foi abordado mais de uma vez por policiais e certa vez foi junto

aos amigos levados para delegacia por conta de um canivete pois vinham da chaacutecara ao

redor da cidade portanto o canivete era para descascar as frutas Lucas conta que sai agrave

noite e tem por perto um sarrafo pois teme ser agredido Com o trabalho da oficina

principalmente quando os jogos teatrais utilizados foram das propostas de Boal abre-se um

espaccedilo para contar fatos de opressatildeo como este relatado por Lucas oportunizando fazer

uma cena do fato e reelaborar de forma a se impor sem o uso da violecircncia

Uma das integrantes antes de convidaacute-la sofreu tentativa de abuso sexual ficando

internada Em seus relatos diz que aleacutem da agressatildeo fiacutesica sofreu com os comentaacuterios das

pessoas tanto de discriminaccedilatildeo da cor e sua condiccedilatildeo de mulher Aceitar o convite para

fazer teatro teve o incentivo da psicoacuteloga que vem acompanhando-a depois deste episoacutedio

Fazer parte do grupo de teatro deu-lhe a oportunidade de confiar novamente nas pessoas

mas sobretudo de entender a importacircncia de se valorizar

Matheus um aluno mesticcedilo classificado como ldquoaluno inclusatildeordquo devido ao deacuteficit

intelectual fez parte do grupo mas sem o mesmo comprometimento devido agrave sua

deficiecircncia intelectual mas esteve presente na leitura dramaacutetica fez parte da danccedila do

filme Footlloose na Semana Cultural coreografia coletiva com o segundo ano com minha

orientaccedilatildeo Segundo Matheus ldquoNunca me convidam para estas coisasrdquo

Destaco aqui ainda uma das alunas que interpretou Elza Soares no Programa Mais

Educaccedilatildeo dublando a muacutesica o Samba Brasileiro ao ser ovacionada e parabenizada pelo

puacuteblico em sua declaraccedilatildeo diz ldquofoi o dia mais importante da minha vida nunca imaginei

que eu ldquopudiardquo participar de algo assimrdquo

Satildeo frases como esta com olhinhos brilhando e com sorriso no rosto que indicam

pequenas mudanccedilas de comportamento em relaccedilatildeo a si mesmo o que me impulsiona a

continuar Acredito na arte no fazer teatral como forccedila propulsora de transformaccedilatildeo

assim a ideia de criar um projeto na escola em que leciono voltado para a discussatildeo do

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

lthttpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbssaopauloitararepdfgtAcesso em

31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

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Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

httpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itarare gt

Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

httpwwwufsjedubrportal2-

repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

43

papel social do negro no contexto escolar e na sociedade mostra a necessidade em dar

continuidade ao projeto assim como compartilhar os resultados e experiecircncias com as

demais escolas da rede estadual em capacitaccedilotildees cursos oferecidos on line onde temos

maior alcance

O alcance principalmente nas questotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito racial eacute um

pequeno passo para reflexatildeo na comunidade escolar mas pode representar o comeccedilo de

uma grande transformaccedilatildeo de convivecircncias de diferentes etnias culturas manifestaccedilotildees

artiacutesticas e a percepccedilatildeo de que a beleza estaacute na diversidade

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

lthttpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbssaopauloitararepdfgtAcesso em

31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

lthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itararegt

Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

httpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itarare gt

Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

httpwwwufsjedubrportal2-

repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

44

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALMADA Sandra Abdias do Nascimento ndash Retratos do Brasil Negro Satildeo Paulo -SP

Editora Selo Negro 2009

ARMILIATO V ARAUJO SCS O lugar do Poliacutetico no Teatro O Mosaico ndash Revista

de Pesquisa em Artes da Faculdade do Paranaacute n 5 p 134-145 jan jun 2011

BARBA E Aos cinquenta anos de carreira as crenccedilas de Eugecircnio Barba depoimento

[ 30122014] por Felipe Reis Disponiacutevel em lt httpogloboglobocomculturateatroaos-

50-anos-de-carreira-as-crencas-de-eugenio-barba-14930868gt Acesso em 31052016

BRECHT Bertold Estudos sobre Teatro Rio de Janeiro-RJ Editora Nova Fronteira

1978

BOAL Augusto Teatro do oprimido e outras poeacuteticas poliacuteticas 9 eds Rio de Janeiro-

RJ Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2009

CAROLINA Quarto de despejo homenagem Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=8TuEcEB5CcQ gt Acesso em 30052106

DOUXAMI Christiane Teatro Negro A realidade de um sonho sem sono AfroAsia

25-26 p 313-363 2001

Histoacuterico de Itarareacute Disponiacutevel em

lthttpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbssaopauloitararepdfgtAcesso em

31052106

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em

lthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itararegt

Acesso em 30052016

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica Disponiacutevel em lt

httpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=352320ampsearch=|itarare gt

Acesso em 31052016

JAPIASSU Ricardo Metodologia do Ensino de Teatro 5 ed Campinas-SP Editora

Papirus 2006

LIMA Evani Tavares Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do

Negro e do Bando do Teatro Olodum Tese Poacutes-Graduaccedilatildeo ndash Instituto de Artes

UNICAMP Campinas- SP 2010

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

httpwwwufsjedubrportal2-

repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

45

LINDOMAR Teatro Contemporacircneo ndash Fonte PAVIS Patrice Dicionaacuterio de Teatro

Satildeo Paulo Perspectiva 1999 Disponiacutevel em lthttpwwwinfoescolacomteatroteatro-

contemporaneo gt Acesso em 30052016

MACULELEcirc Sucena Ritmos e Manifestaccedilotildees Afro-Brasileira Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=DNX3RJ666Gwgt Acesso em 30052016

MENDES Miriam Garcia A personagem Negra no Teatro Brasileiro Brasiacutelia-GO

Fundaccedilatildeo Cultural Palmares 1993

MENDES Miriam Garcia O Negro e o Teatro Brasileiro Satildeo Paulo -SP editora Aacutetica

1982

MIRANDA Rita Alves Estudos sobre Bertold Brecht Existecircncia e Arte ndash Revista

Eletrocircnica do Grupo PET ndash Ciecircncias Humanas Esteacutetica da Universidade Federal de Satildeo

Joatildeo Del-Rei ndash ANO VII ndash Nuacutemero VI p 25-41 Jan dez 2011 Disponiacutevel em lt

httpwwwufsjedubrportal2-

repositorioFileexistenciaearteEdicoes6_EdicaoEstudos_sobre_Bertolt_Brechtpdf gt

Acesso em 31052016

MENDONCcedilA William Gente de Teatro Disponiacutevel em lt

httpwwwrecantodasletrascombrbiografias3149756 gt Acesso em 31052016

MOURA Christian Fernando dos Santos O Teatro Experimental do Negro ndash Estudo da

personagem negra em duas peccedilas encenadas (1947- 1951) Dissertaccedilatildeo de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Artes ndash UNESP Satildeo Paulo 2008

PILAR Luiz Antonio O Papel e o mar Disponiacutevel em

lthttpswwwyoutubecomwatchv=73cWnIOfZXMgt Acesso em 30052016

ROSA Daniele Cristina MEHL Ana Paula - IX CONGRESSO NACIONAL DE

EDUCACcedilAtildeO ndash EDUCERE A Escola como um dos espaccedilos de constituiccedilatildeo da

Identidade Negra Revisitando Histoacuterias de Estudantes Negros na Universidade PUCPR

2009 Disponiacutevel emlt

httpwwwpucprbreventoseducereeducere2009anaispdf3360_1941pdfgt Acesso em

31052016

RIBEIRO Naacutedia Cristina O Brasil em cena por meio de obras dramatuacutergicas de

Gianfrancesco Guarnieri Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de

Histoacuteria Poder Violecircncia e Exclusatildeo ANPUHSP ndash USP Satildeo Paulo 08 a 12 de setembro

de 2008 Cd-Rom Disponiacutevel em

httpwwwanpuhsporgbrspdownloadsCD20XIXPDFAutores20e20ArtigosNad

ia20Cristina20Ribeiropdf gt Acessado em 12062006

SOBRAL Cristiane Pixaim In (Orgs) RIBEIRO Esmeralda BARBOSA Maacutercio

Cadernos Negros contos afro-brasileiros Vol 28 Satildeo Paulo Quilombo 2005

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

46

ANEXOS

ANEXO 1

Esta peccedila foi escrita de forma a atender todos os alunos negros que aceitaram o

convite de participaccedilatildeo aleacutem de atender as necessidades especiacuteficas de cada um como o

ator que fez Benjamim Carson aluno inclusatildeo

Peccedila apresentada no Evento II Com Ciecircncia no dia 18 de novembro de 2014

dentro do Programa Mais Educaccedilatildeo

VOZES DA LIBERDADE

Safira Orus Eliane Egen

Em cena

Cartaz anunciando Imperador Jones ndash Eugene Orsquo Neill

Trecircs atores a maquiadora e o diretor

Atores se maquiando

Diretor nervoso

DIRETOR ndash Onde estaacute a atriz principal

MAQUIADORA Ainda natildeo chegou

DIRETOR ndash Vou ter uma siacutencope

MAQUIADORA ndash Calma me deixe trabalhar

DIRETOR ndash Natildeo me peccedila o que natildeo tenho

Entra as camareiras

DIRETOR (Cada vez mais aumenta o tom de voz) ndash Esta mancha aqui decirc um

jeito jaacute criatura

Saem as camareiras

Diretor olha insistente para o reloacutegio

Vai ateacute os atores que se maquiam Olha examinando cada detalhe

Chega a atriz principal

ATRIZ PRINCIPAL ndash Boa noite meus amores

DIRETOR ndash Eu natildeo quero nem ouvir suas desculpas Olha este cabelo

Maquiadora decirc um jeito nisso Vocecirc vai ser uma negra

ATRIZ PRINCIPAL ndash Para isso existe peruca

Senta e comeccedila a transformaccedilatildeo

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

47

O Diretor daacute as instruccedilotildees para as camareiras

Da plateia surge Abdias Nascimento

ABDIAS NASCIMENTO ndash Um momento por favor

Sobe ao palco examina os atores Tira a maquiagem de uma das atrizes

O diretor vai em sua direccedilatildeo

DIRETOR ndash O que significa isso

ABDIAS NASCIMENTO ndash Eu diria uma grande mentira

DIRETOR ndash Quem eacute o Senhor para vim falar do meu trabalho

ABDIAS NASCIMENTO ndash Desculpe-me Deixe apresentar-me Sou Abdias

Nascimento diretor de teatro

DIRETOR ndash Diretor de Teatro Um negro (Espantado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Com muito orgulho

DIRETOR ndash E onde estatildeo seus atores

ABDIAS NASCIMENTO ndash Estatildeo todos aiacute no meio do povo Olha eles estatildeo

vindo

DIRETOR Operaacuterios

ATRIZES E ATORES JUNTOS ndash Empregada domeacutestica

JUNTOS ndash Negros

ABDIAS NASCIMENTOS ndash Somos do Teatro Experimental do Negro

DIRETOR ndash Nunca ouvi falar Mas o que querem afinal

ABDIAS NASCIMENTO ndash Fazer teatro Tomar para si os papeis de negros Natildeo

essa mentira (Tira a peruca da atriz principal)

Os atores brancos vatildeo saindo um a um

DIRETOR ndash E quem iratildeo representar

(Muacutesica ndash O samba brasileiro ndash Elza Soares)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Elza Soares por exemplo futura grande voz do Brasil

E ganharaacute o Precircmio Melhor Cantora do Universo da BBC de Londres

Elza Soares O Samba Brasileiro

Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro

Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro

Foi por isto mesmo que tirou sua patente

Por ser diferente e tatildeo bom de se danccedilar

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

48

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Pam-pam-pam- pam-pam-padam

Ha-ha ha-ha

Agora minha gente me acompanhe

Ouccedila com sinceridade

A cuiacuteca e o pandeiro

Diga sem intuito de bondade

Se eacute possiacutevel haver no mundo

Requebrado igual

(Elza Soares se retira do palco)

DIRETOR ndash Uma cantora

ABDIAS NASCIMENTO ndash Teremos muito mais Uma escritora seu livro mais

conhecido Quarto de despejo diaacuterio de uma favelada

Num canto Carolina de Jesus sobre um caixote lendo seus relatos

CAROLINA MARIA DE JESUS ndash ldquoFiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se

porque eacute duro a gente vir ao mundo e natildeo poder nem comer Pelo o que observo

Deus eacute o rei dos saacutebios (Pensativa) Hum com acento ou sem acento Ele pois

os homens e os animais no mundo Mas os animais quem os alimenta eacute a Natureza

porque se os animais fossem alimentados igual aos homens havia de sofrer muito

Eu penso isto porque quando natildeo tenho nada para comer invejo os animais rdquo

DIRETOR ndash Hum hum eacute uma favelada metida a escritora

ABDIAS NASCIMENTO ndash No futuro teremos juiacutezes negros um dia a histoacuteria vai

querer contar de seus feitos nada mais justo um negro fazer este papel

Entra Joaquim Barbosa com a toga

DIRETOR ndash Juiz Quanta pretensatildeo (Sarcaacutestico)

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

49

ABDIAS NASCIMENTO ndash Veja o futuro por aqui

DIRETOR (toma-lhe o binoacuteculo oferecido por Abdias do Nascimento)

JOAQUIM BARBOSA ndash ldquoA minha concepccedilatildeo da vida puacuteblica eacute pautada pelo

princiacutepio republicano rdquo

DIRETOR ndash Isso eacute macumba eacute (Devolvendo o binoacuteculo assustado)

ABDIAS NASCIMENTO ndash Deixe disso Tenho mais a lhe mostrar Teremos um

famoso meacutedico Benjamim Carson americano

Entra Benjamim Carson todo de branco com um estetoscoacutepio observando um raio-x

DIRETOR ndash Assim eacute demais Um meacutedico negro famoso americano

(Muacutesica ao fundo ndash O mestre sala dos mares ndash Elis Regina)

DIRETOR Espera aiacute e este que vem todo maltrapilho Eacute um Zeacute ningueacutem

ABDIAS NASCIMENTO (Indo ao encontro de Joatildeo Cacircndido cumprimentando-o)

Joatildeo Cacircndido E a Marinha

JOAtildeO CAcircNDIDO ndash Natildeo quer saber de mim Sem trabalho muitos filhos para criar

Tempos difiacuteceis

DIRETOR ndash Quem eacute esse

ABDIAS NASCIMENTO ndash Vai dizer que natildeo sabe quem eacute Liacuteder da Revolta da

Chibata pelos marinheiros negros que eram maltratados mal alimentados enquanto

serviam o paiacutes

DIRETOR ndash Ouvi falar foi expulso da marinha

ABDIAS NASCIMENTO ndash Injustamente mas a histoacuteria ainda iraacute reconhececirc-lo como

heroacutei

DIRETOR ndash Isto aqui estaacute virando uma bagunccedila Agora quem vem laacute com a Elza

Soares Outra cantora escritora danccedilarina (Debochado)

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Professora Universitaacuteria Ativista poliacutetica e social

trabalharemos juntos num futuro proacuteximo

LEacuteLIA GONZALES ndash ldquo a gente nasce preta mulata parda marrom ldquoroxinhardquo dentre

outras mas tornar-se negra eacute uma conquistardquo

DIRETOR ndash Chega de conversa tenho um ensaio a realizar ou o senhor estaacute sugerindo

que seus atorezinhos faccedilam o Imperador Jones

ABDIAS DO NASCIMENTO ndash Mais do que isso Senhor Diretor

Neste momento os atores brancos entram e interrompem

TODOS JUNTOS ndash Natildeo temos o dia todo

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

50

ATRIZ PRINCIPAL ndash Tenho que fazer minha maquiagem

CAMAREIRAS ndash Vestir agraves atrizes estamos atrasados

Entram os atores negros respondendo a pergunta do Diretor e de Abdias avanccedilando

com andar marcado sobre o grupo branco

TODOS ndash Queremos contar nossa histoacuteria como nossa pele negra com nossa forccedila

negra a luta negra o pensamento do homem negro

DIRETOR ndash Natildeo me restando outra alternativa Saio de cena

Todos os atores brancos se retiram

ATORES NEGROS E ABDIAS DO NASCIMENTO ndash O palco eacute nosso a arte eacute

nossa eacute nossa histoacuteria que queremos contar com a nossa expressatildeo A liberdade eacute

nossa

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

51

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

52

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

53

ANEXO 2

Exerciacutecios Aplicados

Os encontros descritos abaixo tratam-se de algumas teacutecnicas da linguagem teatral

aplicadas no decorrer do projeto eacute uma pequena mostra dos encontros ao longo do periacuteodo

de agosto de 2015 a maio de 2016 todos encontros iniciavam-se com alongamentos e a

cada encontro propunha-se diferentes jogos teatrais e a medida que o grupo adquiria

consciecircncia corporal indicava-se criaccedilotildees de cenas Cada encontro abria possiblidades de

discussotildees sobre os exerciacutecios aplicados e as cenas criadas aleacutem de materiais como viacutedeos

e textos jaacute citados propiciando discussotildees sobre questotildees raciais ou ainda questotildees

levantadas pelo grupo

Seratildeo descritos trecircs encontros e os exerciacutecios aplicados em cada um desses

encontros pontuando a instruccedilatildeo do exerciacutecio objetivos ponto de concentraccedilatildeo

observaccedilotildees e avaliaccedilotildees Estes trecircs encontros aconteceram da seguinte maneira o

primeiro relatado foi realizado no quarto encontro do grupo apoacutes terem consciecircncia

corporal consciecircncia sensorial exploraccedilatildeo do espaccedilo exerciacutecios que promovessem a

relaccedilatildeo indiviacuteduo e grupo

O segundo encontro descrito foi quando surgiu a ideia de fazer uma leitura

dramaacutetica e o terceiro encontro uma criaccedilatildeo de cena a partir da metodologia do Teatro do

Oprimido de Boal

Todo encontro eacute iniciado com atividades de alongamentos tais como

1- Espreguiccedilar braccedilos pernas

2- Alongar o pescoccedilo para frente para traacutes para os lados girando sobre os

ombros

3- Elevar o braccedilo na lateral da cabeccedila e seguraacute-lo na regiatildeo do cotovelo

4- Cruzar os braccedilos frente ao toacuterax com um dos braccedilos e pressionar o cotovelo

junto ao peito

5- Fazer rotaccedilatildeo com os ombros nos dois sentidos

6- Entrelaccedilar os dedos atraacutes das costas e alongar ao maacuteximo

7- Separar as pernas e uma leve flexionada nos joelhos e levar o corpo para frente

colocando as matildeos no chatildeo voltar a posiccedilatildeo inicial lentamente

8- Esticar uma das pernas e inclinar o tronco para frente

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

54

Primeiro Encontro

A proposta deste encontro era a produccedilatildeo de sons a partir do proacuteprio corpo e

instrumentos natildeo convencionais

Instruccedilotildees Sentado e com os olhos fechados ouvir os sons a nossa volta o som da

respiraccedilatildeo das batidas cardiacuteacas do automoacutevel ao longe latidos de cachorros paacutessaros

vento etc

Perceber os diferentes sons produzidos pelas palmas parados depois caminhando

acelerando batidas dos peacutes batidas com as matildeos no peito na cabeccedila nas costas do outro

nas pernas matildeos e peacutes e a partir daiacute as mais diversas criaccedilotildees em posiccedilotildees diferentes

sentados em peacute deitados caminhando correndo

Utilizar dos diversos materiais que trouxeram de casa na produccedilatildeo de sons ou

encontrados no paacutetio da escola como caixa de foacutesforo chocalho sino latatildeo colher

pedaccedilo de madeira um bombo artesanal galhos de aacutervore laacutepis e caneta aleacutem de um

instrumento musical o violatildeo

Objetivo Explorar diversos sons ritmos associados aos sons produzidos pelo

corpo

Ponto de Concentraccedilatildeo Ouvir os sons a sua volta

Ponto de Observaccedilatildeo Finalizar formando dois grupos tinham o desafio de

compor ritmos com os instrumentos e corpo

Avaliaccedilatildeo Ao final das atividades relataram como se sentiram diante desta nova

experiecircncia Ao propor a composiccedilatildeo a princiacutepio pensaram que natildeo seria possiacutevel e

conseguiram elaborar sons que se harmonizaram o que foi uma surpresa para eles

Deixei-os livres para realizarem as atividades sem nada preacutevio para ver como se

saiam deixando para o proacuteximo encontro os ritmos produzidos afro-brasileiros Maculelecirc

Sucena

Segundo Encontro

Primeira Parte

Proposta do encontro era brincar de boneco cujo boneco seria um dos integrantes

Instruccedilotildees Um voluntaacuterio cada integrante poderia fazer um movimento com o

colega voluntaacuterio que seria um boneco nas matildeos dos demais

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

55

Objetivo Perceber o corpo como um instrumento de expressatildeo

Ponto de Concentraccedilatildeo Cada parte do corpo que sofre alteraccedilatildeo

Ponto de Observaccedilatildeo Propus algumas variaccedilotildees como deixar o seu boneco em

posiccedilatildeo de contemplaccedilatildeo de um atleta maacutertir religioso e eles proacuteprios fizeram algumas

sugestotildees como prostituta andarilho louco

Avaliaccedilatildeo Perceber movimentos mais sutis como a expressatildeo do rosto

percebendo que o corpo tem de estar entregue a uma situaccedilatildeo na sua totalizaccedilatildeo

Sentamos para conversar sobre esta nova experiecircncia a princiacutepio viram como uma

forma de ldquosacanearrdquo o outro mas depois entenderam com maior clareza o objetivo deste

trabalho que em cena a importacircncia de estar entregue a uma determinada situaccedilatildeo a

importacircncia dos detalhes na expressividade de uma personagem

Sentiram prazer em poder estar no lugar do outro como ldquoas personagensrdquo que

surgiram como louco andarilho o maacutertir e a prostituta

Segunda Parte

Retomei as reflexotildees das aulas anteriores cujo teor da discussatildeo era religiotildees afro-

brasileiras dando continuidade agraves pesquisas referentes agraves personalidades negras marcantes

da nossa histoacuteria e que foram esquecidas

Resumidamente contei sobre a vida de Joatildeo Cacircndido conhecido pela lideranccedila do

Movimento da Chibata e Carolina Maria de Jesus por escrever Quarto de despejo ndash o

diaacuterio de uma favelada em que narra seu cotidiano em uma favela de miseacuterias e suas

reflexotildees sobre a vida

Neste dia ficou decidido que a partir dos proacuteximos encontros fariacuteamos um diaacutelogo

entre Joatildeo Cacircndido e Carolina Maria de Jesus e poderiacuteamos apresentar uma leitura

dramaacutetica para alguns alunos da escola

Na cena da leitura dramaacutetica acrescentariacuteamos a danccedila e os ritmos

afrodescendentes que jaacute tiacutenhamos trabalhado anteriormente Cada um foi dando uma ideia

de como iriacuteamos improvisar os instrumentos e abri meus bauacutes de figurinos e acessoacuterios

para utilizarmos

Ficou definido que iriacuteamos usar ritmos afro-brasileiros ndash Maculelecirc Sucena e

usariacuteamos cabos de vassouras cortados um instrumento feito artesanal que parece um

pouco com atabaque e dois chocalhos indiacutegenas

Dividi as tarefas que cada um deveria trazer para o proacuteximo encontro

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

56

Terceiro Encontro

Retomo algumas atividades de conhecimento do corpo agora com exerciacutecios

proposto por Boal

Primeira proposta os movimentos que o corpo faz em seu cotidiano Ao levantar-se

a maneira de sentar-se nas carteiras da escola movimentos de escrita etc

Segunda proposta escolher um profissional e realizar os movimentos possiacuteveis que

sua profissatildeo exige

Terceira proposta Comparar os movimentos com os profissionais escolhidos

surgiram motorista de caminhatildeo dentista jardineiro fotoacutegrafo

Os objetivos eacute desfazer as estruturas musculares e analisaacute-las

Dando continuidade proponho uma corrida em cacircmera lenta e dou algumas

variaccedilotildees um becircbado um animal qualquer etc

Em duplas corrida com pernas cruzadas cada dupla deve se mover com uma uacutenica

pessoa

Variaccedilotildees formaccedilatildeo de trios que sejam um uacutenico corpo e vou acrescentado mais

integrantes ateacute que o grupo todo seja um soacute corpo

Finalizo utilizando um banquinho peccedilo que cada um crie uma cena em que o

banquinho pode ser qualquer objeto menos o banquinho

Percebo que realizam cenas do cotidiano Joseacute faz do banquinho um violatildeo Luiza

utiliza como uma pia Lucas carrega como se fosse seu skate etc

Proponho que o grupo construa uma cena juntos com o banquinho mas que saiam

do comum do cotidiano e o banquinho pode passar por vaacuterios outros objetos

Eles criaram a seguinte cena

Um navio e durante um momento de descontraccedilatildeo dos passageiros satildeo apanhados

por uma tempestade salvam-se num bote salva vidas e vatildeo parar em uma ilha

Eles tecircm que procurar por alimentos construir abrigo enfrentar uma fera

Os objetos com o banquinho leme remo lenha arma

Peccedilo que repitam a cena mas que haja disputa pelo bote salva vidas que tem espaccedilo

apenas para trecircs pessoas quais satildeo as pessoas que teratildeo a prioridade

Na cena eles colocaram os passageiros acima dos tripulantes

Apoacutes agrave cena analisamos cada experimento do corpo e depois da cena criada a ideia

de hierarquia disputa para salvar as vidas porque salvaram os passageiros e deixaram os

tripulantes

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

57

Os proacuteprios integrantes fizeram um paralelo com o dia-a-dia onde algumas pessoas

se colocam acima das outras pelo poder pelo dinheiro pelo cargo que ocupa por questotildees

raciais e ateacute mesmo religiosas Foi a introduccedilatildeo para falarmos do Teatro do Oprimido

sugerido por Boal

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

58

ANEXO 3

Registros das oficinas

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Foto na sala de Educaccedilatildeo Fiacutesica na Escola Dr Herculano Pimentel

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

59

Foto no paacutetio da Escola Dr Herculano Pimentel

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

60

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

61

Atividade do segundo encontro descrito no capiacutetulo 222

Ensaio aberto na Escola Dr Herculano Pimentel

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

62

ANEXO 4 Questionaacuterio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

64

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

65

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

66

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

67

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

68

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

69

70

71

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

70

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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

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1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

72

1- Quantas peccedilas teatrais vocecirc assistiu Quais

Matildee Coragem O Sonho do Cowboy Hermanoteu na Terra de Godah etc

2- Jaacute participou de alguma oficina teatral Onde Como se sentiu

Sim na escola Foi uma experiecircncia muito boa

3- Vocecirc leu alguma peccedila teatral Quais

Sim A menina e o Vento Eles Natildeo Usam Black-Tie

4- O que vocecirc entende por teatro e ou manifestaccedilotildees artiacutesticas Acha importante

desenvolver a linguagem teatral na escola Por que

Maneira de expressar os sentimentos do ser humano Sim a linguagem teatral ajuda

a liberar as energias e a se abrir mais ao mundo

5- Quais produccedilotildees culturais e artiacutesticas afro-brasileira vocecirc prestigiou em sua

escola

Apresentaccedilatildeo de capoeira

6 - A cultura a produccedilatildeo artiacutestica do negro eacute estudada Em quais disciplinas

Em partes geralmente na aacuterea das Linguagens (Arte) e Ciecircncias Humanas

(Histoacuteria Filosofia Sociologia)

7- As diferenccedilas entre grupos eacutetnicos satildeo abordadas em todas as disciplinas E

questotildees sobre discriminaccedilatildeo satildeo abordados em sala Em que momento

Natildeo geralmente essas questotildees satildeo tratadas em debates e discussotildees na maioria

das vezes quando pedidas em subsiacutedios didaacuteticos

8- Como foi participar das oficinas de teatro Vocecirc buscava algo em especiacutefico

Foi algo que me ajudou muito Perder a timidez

9- Quais foram as primeiras dificuldades encontradas para realizar os jogos teatrais

Me ldquosoltarrdquo mais deixar-me levar pelo que o jogo pede

10- Cite os momentos que mais trouxe prazer conhecimento aprendizagem durante as

oficinas

73

Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio

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Os momentos onde conversaacutevamos sobre o jogo e tiraacutevamos as conclusotildees em

grupo

11- O que pensa a respeito da temaacutetica abordada durante as oficinas questotildees raciais

conhecer personalidades negras no teatro

Temas que devem ser debatidos nos dias atuais especialmente quando ao negro

que ainda eacute tatildeo desrespeitado

12- O que mudou depois das oficinas teatrais

Consegui perder minha timidez e me conheci melhor

13- Qual a importacircncia de um projeto na escola voltado a linguagem teatral abordando

temas como discriminaccedilatildeo racial de gecircnero violecircncia drogas abusos

Esses temas merecem nossa atenccedilatildeo e precisam ser abordados principalmente na

escola para que os adolescentes se tornem adultos pensantes que saibam respeitar

aos outros e tenham consciecircncia que todos somos iguais

Como se classifica quanto a sua cor

Pardo

E quanto a sua etnia

Mesticcedilo

Em sua famiacutelia vocecirc considera que haacute uma miscigenaccedilatildeo Quais etnias

Sim Europeu (Itaacutelia Portugal) negro e iacutendio