o serviço social e as metodologias da ação - aparecida ramos

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O SERVIÇO SOCIAL 47 l l Novembro de 2000 CONCEITOS REVISTA DA ADUFPB-JP POR APARECIDA RAMOS O SERVIÇO SOCIAL e as metodologias da Ação - Praxis e Mediação no Método BH O presente artigo trata de um ligeiro fragmento de mi- nha Tese de Doutorado jun- to ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ - Crise Contemporânea e Serviço Social: Agre- gação e Dispersão do Projeto Profissi- onal de Ruptura -, onde passo em re- vista o principal da produção teórico- acadêmica do Serviço Social brasilei- ro no decênio de 1980, mas penso que ele pode ser útil também, pelo conjunto de questões que levanta, para o que denomino de disciplinas inter- ventivas, como certas áreas de Saú- de Coletiva, Educação Popular, Bibli- oteconomia, Psicologia Social e An- tropologia, conhecidas por fazer uso de instrumentais e técnicas de pesquisa e intervenção social genericamente intituladas de Metodologias da Ação. Vou investigar o complexo de problemas desatados pelas chamadas Metodologias da Ação pela análise do Método BH, uma formulação meto- dológica desenvolvida por algumas Assistentes Sociais mineiras no come- ço da década de 1970 e que foi um importantíssimo marco inaugural do projeto profissional de ruptura do Ser- viço Social com a tradição conserva- dora, ethos profissional dominante no Serviço Social brasileiro até a década de 1980. Não abordarei as vicissitu- des do projeto de ruptura, para o que recomendo a leitura de nossa Tese (Ramos, 2000), mas apenas obser- var - no que tem semelhança para o caso das outras disciplinas interventi- vas até hoje - que a alternativa global e de esquerda apresentada pelo Mé- todo BH à corrente conservadora do Serviço Social era bastante problemá- tica exatamente por conta da formu- lação do próprio método, que confun- dia pauta ou súmula de intervenção com teoria, passando o contrabando teórico de largo escopo, que a inter- venção prático-operativa de campo, per si, logra desenvolver teoria soci- al. É curioso notar, sobre isso, que o Método BH passou, suas elaboradas fizeram autocrítica (Santos, 1982; Quiroga, 1991), mas freqüentemen- te a mesma questão é retomada no Serviço Social e nas demais áreas dis- ciplinares afeitas à intervenção. Por isso, tratar do Método BH, ainda hoje, passados trinta anos, ainda guarda atualidade, não é uma questão me- ramente arqueológica. Com a formulação do Método BH, o marxismo chegou, finalmente, de maneira sistemática, ao Serviço Social brasileiro. Porém, a matriz de problematicidade do Método BH ad- vém, principalmente, da equívoca re- cepção do marxismo bastante proble- mático de Althusser (1999) e Mao Tsé- Tung (1982) - dois teóricos, aliás, em que pese diferenças, bastante próxi- mos -, principais influências teóricas na elaboração do Método BH. Devo parecer uma extraterrá- quia lembrando Althusser e Mao, tão famosos nos anos 60 quanto a sau- dosa música dos Beatles ou o cinema de Godard, e, hoje, absolutamente fora de moda, mas, nada mais enga- noso do que o enterro do marxismo estruturalista althusseriano ou o mar- xismo empiricista do velho timoneiro

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Crítica ao método BH

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CONCEITOS REVISTA DA ADUFPB-JP

POR APARECIDA RAMOS

O SERVIÇO SOCIALe as metodologias da Ação - Praxis

e Mediação no Método BH

OO presente artigo trata de um ligeiro fragmento de mi-nha Tese de Doutorado jun-

to ao Programa de Pós-Graduaçãoem Serviço Social da UFRJ - CriseContemporânea e Serviço Social: Agre-gação e Dispersão do Projeto Profissi-onal de Ruptura -, onde passo em re-vista o principal da produção teórico-acadêmica do Serviço Social brasilei-ro no decênio de 1980, mas pensoque ele pode ser útil também, peloconjunto de questões que levanta, parao que denomino de disciplinas inter-ventivas, como certas áreas de Saú-de Coletiva, Educação Popular, Bibli-oteconomia, Psicologia Social e An-tropologia, conhecidas por fazer usode instrumentais e técnicas de pesquisae intervenção social genericamenteintituladas de Metodologias da Ação.

Vou investigar o complexo deproblemas desatados pelas chamadasMetodologias da Ação pela análise doMétodo BH, uma formulação meto-

dológica desenvolvida por algumasAssistentes Sociais mineiras no come-ço da década de 1970 e que foi umimportantíssimo marco inaugural doprojeto profissional de ruptura do Ser-viço Social com a tradição conserva-dora, ethos profissional dominante noServiço Social brasileiro até a décadade 1980. Não abordarei as vicissitu-des do projeto de ruptura, para o querecomendo a leitura de nossa Tese(Ramos, 2000), mas apenas obser-var - no que tem semelhança para ocaso das outras disciplinas interventi-vas até hoje - que a alternativa globale de esquerda apresentada pelo Mé-todo BH à corrente conservadora doServiço Social era bastante problemá-tica exatamente por conta da formu-lação do próprio método, que confun-dia pauta ou súmula de intervençãocom teoria, passando o contrabandoteórico de largo escopo, que a inter-venção prático-operativa de campo,per si, logra desenvolver teoria soci-al. É curioso notar, sobre isso, que oMétodo BH passou, suas elaboradasfizeram autocrítica (Santos, 1982;Quiroga, 1991), mas freqüentemen-

te a mesma questão é retomada noServiço Social e nas demais áreas dis-ciplinares afeitas à intervenção. Porisso, tratar do Método BH, ainda hoje,passados trinta anos, ainda guardaatualidade, não é uma questão me-ramente arqueológica.

Com a formulação do MétodoBH, o marxismo chegou, finalmente,de maneira sistemática, ao ServiçoSocial brasileiro. Porém, a matriz deproblematicidade do Método BH ad-vém, principalmente, da equívoca re-cepção do marxismo bastante proble-mático de Althusser (1999) e Mao Tsé-Tung (1982) - dois teóricos, aliás, emque pese diferenças, bastante próxi-mos -, principais influências teóricasna elaboração do Método BH.

Devo parecer uma extraterrá-quia lembrando Althusser e Mao, tãofamosos nos anos 60 quanto a sau-dosa música dos Beatles ou o cinemade Godard, e, hoje, absolutamentefora de moda, mas, nada mais enga-noso do que o enterro do marxismoestruturalista althusseriano ou o mar-xismo empiricista do velho timoneiro

Mao Tsé-Tung. A impostação radical-revolucionária foi embora, mas, naverdade, as impostações teóricascomo as de Althusser e Mao sãomanifestações de um movimento maisprofundo no plano social e no planodo pensamento: o movimento de ex-purgo da razão moderna de qualquernegatividade, aplainando e reduzin-do o horizonte heurístico da mesmaao terreno da positividade e do cien-tismo. O empirismo, o cientismo, oepistemologismo, o racionalismo limi-tado, o funcionalismo e outras deri-vações não foram embora com Maoou Althusser, mas estão mais vivos quenunca, por exemplo, no marxismoanalítico de Elster (1980) e na Teo-ria da Regulação de Aglietta (1979) -este último, aliás, discípulo direto deAlthusser.

Especificamente à tradiçãomarxista, - como tive oportunidadede tratar exaustivamente no segundocapítulo de nossa Tese (O Capitalis-mo Tardio Como Revolução Passiva) -, é importante ressaltar que as impos-tações do positivismo não começamcom o estruturalismo althusseriano,mas deitam raízes na elaboração deautores como Kautsky (sd), Plekhanov(1980), Bukharin (1981) e Stalin(1982). Tomemos, agora, a principalquestão desatada por esse marxismopositivista - o da relação entre sujeitoe objeto do conhecimento -, para abor-dar a problemática das Metodologiasda Ação.

Em todas as formulações teóri-cas dos autores citados acima [Kautsky,Plekhanov, Bukharin, Stalin, Althusser],a perspectiva ontológica de totalidadenecessária para a apreensão da ordemdo capital - perspectiva originária daobra marxiana -, perde-se nas brumasda consideração da perspectiva de Marxcomo uma ciência social. Sociologiaem Bukharin, Concepção Materialistada História em Plekhanov, Diamat/Hist-mat em Stalin, Ciência da História emAlthusser etc. etc., com nomenclatu-ras diferentes, todos estão dizendo maisou menos a mesma coisa: o tipo dematerialismo fundando por Marx é umamais uma epistemologia, tem um focode análise (objeto) restrito ao campoparticular de observação do sujeito doconhecimento e um método, em seustraços principais, haurido de um mi-

metismo do método aplicado nas cha-madas ciências naturais. Curiosamen-te, no fundo, o materialismo dessescorifeus do marxismo ainda é o anti-go materialismo mecânico e o méto-do trata de uma reverberação da dé-marche clássica do positivismo no âm-bito da tradição marxista.

Não é o caso de fazer uma lon-ga explanação, mas o salto produzi-do por Marx em relação ao materia-lismo mecânico anterior (no caso, Marxchegou a essa crítica estudando omaterialismo de Fëuerbach) foi preci-samente a crítica de que “o principaldefeito de todo materialismo até aqui(incluindo o de Fëuerbach) consiste emque o objeto, a realidade, a sensibili-dade, só é apreendido sob a forma deobjeto objeto ou de intuiçãointuição , mas nãocomo atividade humana sensível,como atividade humana sensível,como práxis,práxis, não subjetivamente.”(Marx, 1984: 11). Ou seja: Marx estáquerendo, elementarmente, dizer que odefeito de todos os materialismos ante-riores era o fato de que eles representa-vam os objetos externos apenas namedida em que atuavam sobre a men-te, a qual permanecia passiva - daíporque se pode designar esse materia-lismo de mecânico. Por outro lado, “emoposição ao materialismo, o aspectoativo ativo foi desenvolvido pelo idealismo,que, naturalmente, desconhece a ati-vidade real, sensível, como tal.” Po-rém, há um grave problema com esseidealismo (por isso, aliás, idealismo),ele “não apreende a própria atividadehumana como atividade objetivaobjetiva.”(Marx, 1984: 11).

No cerne da disjuntiva materi-alismo de Fëuerbach e idealismo deHegel, crava-se a genial démarchemarxiana: o materialismo dialéticonão é uma epistemologia (relaçãoentre o sujeito e o objeto do conheci-mento) nem o princípio ativo da prá-xis somente subjetivação, mas tambémobjetivação. Ora, o princípio da obje-tivação da práxis humana não deveser confundido com o âmbito inelimi-nável da singularidade reflexionantedos indivíduos, mas deve ser buscadona universalidade do ser social, natotalidade chamada sociedade. Daí aimportância do trabalho como cate-goria ontológica fundante da práxishumana (Lukács, 1979).

Vale observar que denunciar oepistemologismo não é interditar aepistemologia como um campo váli-do de formalização. Porém, a visadaepistemológica, necessariamente,quando se trata de abordar a socie-dade, é restritiva, posto que parte deum princípio axiológico incompleto:considerar o conhecimento do social(a epistéme) produto de uma experi-ência social específica (a ciência), sen-do, portanto, a validação e a refuta-ção científicas o campo de excelênciade validação e/ou refutação das teo-rias sociais. Ora, uma experiênciasocial específica (um campo de conhe-cimento que adquire legalidade cien-tífica), em si mesma, não tem meiosde deslindar as formas de ser, produ-ção e reprodução da totalidade soci-al, suas esferas e legalidades particu-lares; ao contrário, tende a fragmen-tar a totalidade em esferas separadas,que não se referem uma à outra. Nodizer de Lukács (1969: 12): “(...) nanossa vida as diversas formas de serestão sempre unidas entre elas e ointerlacionamento constitui o dadoprimário. Por isso, não posso conside-rar séria a pergunta sobre o carátersociológico ou ontológico de uma dadacategoria. Hoje entre nós tornou-sehábito representar qualquer disciplinaque encontrou cidadania acadêmicacomo uma esfera autônoma do ser.”

Evidentemente, investigar a so-ciedade pelo prisma restritivo da epis-temologia, podando o necessário in-terlacionamento entre as esferas dosocial (nos casos da sociologia positi-vista e da economia vulgar, a opera-ção canônica é seccionar o social doeconômico, e vice-versa, através doesquizofrênico procedimento de re-meter a uma outra disciplina uma in-terligação ineliminável no plano doreal), é uma operação de profundasconseqüências teóricas, políticas e ide-ológicas.

A inquirição sistemática da so-ciedade pela via das teorias epistemo-lógicas compõe o espectro amplamen-te hegemônico no estudo da socieda-de na vigência da ordem burguesa(trata-se quase de um senso comumcientífico), e essa coincidência nãoocorre por obra do acaso. Por se tra-tar de uma visada necessariamenterestritiva de captura do real da socie-

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dade, esse tipo de visada correspondea uma manifestação particular - a maiselaborada formalmente -, da raciona-lidade fragmentária com que a burgue-sia vê o mundo. Quem quiser se diver-tir com isso, basta pegar qualquer fôl-der (eu diria que todos!) de divulgaçãode um Mestrado ou Doutorado em So-ciologia: lá teremos bizarrias do tiposociologia da saúde (!?)e não saúde esociedade, sociologia do esporte (!?)e não esporte e sociedade.

Este espectro amplo de teoriasinclui tendências tanto lógico-formaisquanto empiricistas; inclui desde o for-malismo da filosofia da linguagem deum neopositivismo lógico até as cha-madas metodologias da ação.

Profissão eminentemente inter-ventiva, evidentemente as problemá-ticas inerentes às metodologias daação (ou de intervenção social), per-passam toda a história do Serviço So-cial. Este, aliás, o caso do Método BH,na singular leitura que faz da relaçãoentre teoria e prática, onde, ao invésde romper a tradição do Serviço Soci-

al, o Método BH identificava-se comos elementos empiricistas da mesma.

O referido Método compõe-sede quatro partes:

l a primeira, uma sucinta in-trodução geral, intitulada, não por aca-so, “A Relação ‘Teoria-Prática’ no Tra-balho Social: método BH”, posto quea clássica preocupação do ServiçoSocial entre a relação teoria-prática éo fio condutor de toda a elaboração.(Santos, 1982: 11-68).

l a segunda, que glosaremoscom maior vagar mais adiante, cons-ta de um extensivo debate sobre o queas autoras do Método denominam de“Pressupostos Teóricos Fundamentais- Teoria do Conhecimento”;

l a terceira, intitulada “A Expe-riência”, diz respeito às áreas e objeti-vos prioritários de atuação do experi-mento e à efetivação do mesmo. A efe-tivação do experimento é dividida emvários momentos: 1o MOMENTO (pré-contato; contato global; organização);2O MOMENTO (investigação); 3o MO-

MENTO (diagnóstico); 4o MOMENTO(aproximação II - difusão do diagnósti-co); 5o MOMENTO (programação); 6o

MOMENTO (execução) . Vale a pena,de passagem, anotar algumas dessasprioridades, “atuação junto à popula-ção com maior potencial de transfor-mação”, especialmente “comunidadesoperárias e camponesas”; “interioriza-ção dos campos de estágio; “atuaçãosobre uma realidade mais ampla e nãoapenas sobre problemas isolados”;“áreas de atuação que permitam arealização dos objetivos definidos,quais sejam: elevação do nível deconsciência, organização e capacita-ção; e, last but not least, “a realiza-ção de uma prática teórica”(...) “umaprática através da qual os alunos, ins-trumentalizados por uma adequadametodologia e orientados por um con-junto de referência para análises darealidade, tivessem condições objeti-vas de questionamento e reformula-ção permanentes desses elementos,redefinindo-os para melhor adequa-ção à nossa realidade.”

l a quarta, chamada de “rees-truturação, na verdade, é um balançocrítico e auto-crítico do experimento.Nomear as autocríticas são importan-tes para nós, adiante, quando formosrealizar, também o balanço geral doMétodo BH. Segundo as autoras, nobalanço do que chamam de “teoria”,“verificou-se (...) que a utilização depressupostos teóricos genéricos semuma referência às condições específi-cas em tais pressupostos se dão, narealidade concreta, resultam insufici-entes para uma orientação e informa-ção da prática.” (Santos, 1982: 100);depois, vem o balanço a respeito do“objeto”, onde se verificou, em rela-ção ao visto acima, acerca da genera-lidade da teoria, que “a definição doobjeto profissional como prática socialdas classes trabalhadoras exigiria umestudo mais aprofundado sobre o mes-mo (...)”, desse modo, “verificou-seuma certa defasagem entre a defini-ção do objeto objeto (e a atuação concretaque tal definição exigia) e os fenôme-nos que constituíram a experiência pro-fissional realizada” (101); quanto àconsecução dos objetivos, o texto debalanço indica que, apesar de algunsêxitos parciais, os objetivos almejados(sintetizados na tríade conscientização-organização-capacitação), no essen-cial, não foram realizados; as autorasfazem o balanço também da “área deatuação” - que não nos interessa aqui;e, por último, o balanço chega à aná-lise do “processo metodológico”,quando afirmam que a avaliação e aação, conquanto apresentando errosnos dois planos, estiveram presentesem todo o processo, no que resulta umsaldo positivo.

O eixo articulador do MétodoBH encontra-se na teoria do conheci-mento (ou epistemologia). Seguindoo que postulam todos os manuais deteoria do conhecimento da época dostalinismo, a formulação do MétodoBH parte, visando à elaboração de co-nhecimentos científicos, de uma sepa-ração espaço-temporal dos momentossensível e abstrato do processo de co-nhecimento: o momento sensível dizen-do respeito a uma experiência singulare o momento abstrato dizendo respeitoao universal ou à teoria. Na verdade,em Marx, a passagem não é, precisa-mente, do momento sensível (prático)

ao momento abstrato (teoria), mascomo bom materialista (dialético) queera, entre o concreto idealizado e oconcreto pensado, este último consti-tuindo-se numa síntese de múltiplasdeterminações, no qual inclusive estáincluído - por ineliminável - o dadosensível.

A propósito dessa tão citada- e incompreendida - da passagemdo momento sensível (prática) aoabstrato (teoria), deve-se ver duasquestões:

i) A obra de Marx é avara emdissertações de método; um dos rarosmomentos em que ele explicita aber-tamente [seu] método é na famosaIntrodução à Crítica da Econo-Introdução à Crítica da Econo-mia Política. mia Política. O exemplo é por de-mais conhecido e, às vezes, incom-preendido em sua profundidade e con-seqüência. Marx parte do exemplo deum conceito genérico e indefinido (porisso idealizado) - o de população -porém, que remete ao conhecimentode uma totalidade, e não - isso é fun-damental mas poucos compreendem -de uma experiência singular, interven-tiva como a da “prática” do ServiçoSocial, da Educação Popular, da An-tropologia, da Psicologia Social, daSaúde Coletiva etc. O problema queapresenta o conceito de população, emuma primeira visada, é o grau de ge-neralidade do conceito - onde as me-diações se apresentam fluidas e inde-terminadas -, mas, através do movi-mento de conhecimento das media-ções, pode-se chegar a um conceitoenriquecido, expressão pensada domovimento da realidade. Escreve Marx(1991: 16): ‘a população é uma abs-tração, se desprezarmos, por exem-plo, as classes que a compõem. Porseu lado, estas classes são uma pala-vra vazia de sentido se ignoramos oselementos em que repousam, porexemplo, o trabalho assalariado, ocapital, etc. (...) Assim, começássemospela população, teríamos uma repre-sentação caótica do todo, e atravésde uma determinação mais precisa,através de uma análise, chegaríamosa conceitos cada vez mais simples: doconcreto idealizado passaríamos aabstrações cada vez mais tênues atéatingirmos determinações mais sim-ples. Chegados a este ponto, tería-mos que voltar a fazer a viagem de

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modo inverso, até dar de novo com apopulação, mas desta vez não comuma representação caótica de umtodo, porém, com uma rica totalidadede determinações e relações inversas(...) O último método é manifestamen-te o método cientificamente exato. Oconcreto é concreto porque é a sínte-se de muitas determinações, isto é,unidade do diverso. Por isso o con-creto aparece no pensamento comoo processo de síntese, como resulta-do, e não como ponto de partida efe-tivo e, portanto, o ponto de partidada intuição e da representação (...)”

ii) A segunda questão foi indi-cada algumas páginas atrás, quandomencionei as famosas Teses Sobre Feu-erbach a propósito de indicar a vira-gem radical do materialismo de Marxem relação aos materialismos predeces-sores, onde se afirma que “o objeto, arealidade, a sensibilidade, só é apre-endido sob a forma de objeto objeto ou deintuiçãointuição, mas não como atividadeatividadehumana sensívelhumana sensível, como práxis (...)”

Colocam-se, portanto, na dé-marche do Método BH de separaçãoespaço-temporal entre o momentosensível (prática) e o momento abs-trato (teoria) dois problemas coliga-dos mal resolvidos no Método BH - oda práxis e o das mediações.

No tocante à prática (práxis),evidentemente, o Método BH traba-lha com uma concepção rebaixada damesma, quando confunde as instân-cias de objetivação e subjetivação dapráxis universal humana - única ins-tância crível de fundamentação e ela-boração de categorias universais deconhecimento - com o âmbito ineli-minável da singularidade reflexionan-te dos indivíduos ou dos coletivos res-tritos, a que responde a chamada“prática” do Serviço Social.

Qualifiquemos essa prática re-clamada pelo Método BH. Ela advémdo conhecimento permitido por ummétodo interventivo, uma metodolo-gia da ação. Vale dizer: uma experi-ência singular, dada por uma açãointerventiva do Serviço em uma de-terminada comunidade. Ora, essetipo de experiência singular não pro-duz teoria, certamente uma pauta deintervenção, uma sistematização, ouquando muito, uma generalização da

experiência.

Quanto às mediações, criticacorretamente Montaño (1998: 151):“para los autores de Belo Horizonte,‘los conceptos’, magicamente, ‘refle-xam la essencia de los fenómenos’;entretanto, ‘los juicios, também ide-alisticamente, ‘revelam el contenidoobjetivo de los conceptos. Así, estepasaje de un momento para el ou-tro, mecánicamente, estaría señelan-do el pasaje de la práctica a la teo-ria, de la apariencia a la esencia.Como se el simple hecho de pensarla práctica, de relfexionar sobre losdatos sensibles generara mecánica-mente teoría, conocimiento de laesencia o, como ellos postulan, ‘elcontenido objetivo de los conceptos.”(Montaño, 1998: 151).

Do ponto de vista do ServiçoSocial, o tratamento equívoco dasquestões coligadas da práxis e dasmediações tem uma reverberação di-reta no Método BH: a confusão entremétodo científico e método profissio-nal. Assinala Netto (1991: 284), emcrítica a propósito da identidade méto-do científico - método social postuladano Método BH: “(...) a prática profissi-onal (‘como prática científica’) do Ser-viço Social se coloca como o locuslocusda emersão de uma cientificidade in-clusiva (teórica e prática) e sobre estarepousaria o estatuto profissional -numa reiteração, constata-se dos de-de-siderata siderata profissionais de encontraruma fundação e uma legitimação parao Serviço Social enquanto saber (‘ci-entífico’).”

Reside nesta identificação mé-todo profissional = ciência à inape-tência das formuladoras do Método BHquando partem, na quarta seção denarração do “experimento”, para re-alizar um balanço geral da aplicaçãodo aludido método profissional. Porpartir de um princípio equívoco - ométodo profissional como científico, obalanço geral não tem como encon-trar respostas corretas à questão dasmediações ou da prática.

Sobre as mediações, as formu-ladoras belo-horizontinas verificaramuma “defasagem entre a definição doobjeto (e a atuação concreta que taldefinição exigia e os fenômenos queconstituíram a experiência profissional

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realizada.” (Santos, 1982: 101). Con-forme Netto (1991, 286), “o que estáem jogo aqui, e não é tomado emconta na escala necessária pelos for-muladores mineiros, menos que umapotencial dimensão operativa das re-ferências teóricas, é o problema ca-pital das mediações mediações entre elas e omarco interventivo; salvo erro, a de-manda que dirigem às referências éimpertinente: mediações que orien-orien-ttem em o ‘processo crítico’, enquantointervenção determinada, localizadae datada, são uma questão atinenteao agente interventivo, que só podelograr respondê-la se operar referen-ciado por uma concepção teórico-me-todológica que (além de estar voca-cionada para a ação), ela mesmaela mesma,

contemple privilegiadamente a rele-vância das mediações crítico-analíti-cas (reflexivas) e a própria mediaçãocomo categoria ontológica central -algo que parece estranho ao viésmarxista que sustenta a proposta do‘Método de Belo Horizonte.’ Na ver-dade, a demanda contida na obser-vação da equipe belo-horizontina tão-somente sintomatiza o lastro empiris-ta que subjaz às suas colocações.”

Relativo à prática, a expectati-va é que da mesma surgisse o enri-quecimento proporcionado por novasteorizações; porém, o balanço geralbelo-horizontino é que essa renova-ção da teoria (na acepção de mo-mento abstrato de uma experiência

singular) não ocorreu. Conforme Netto(1991: 287), novamente as causasapontadas para esse malogro são ad-jetivas, “curiosamente, as causasapontadas para esta ausência nãonãocolocam em tela os supostos episte-mológicos que estão na raiz do fenô-meno, antes derivando para questõesadjetivas - vale dizer: mesmo reco-nhecendo que algo de problemáticooperava num constitutivo elementarda sua proposta, a equipe não tevecondições para identificá-lo correta-mente; não pôde perceber que oóbice principal residia, precisamen-te e apesar de todas as proclama-ções em contrário, no empirismopragmático que viciava a base dasua proposta.”

B I B L I O G R A F I A

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A U T O R AAparecida Ramos Aparecida Ramos é professora do Departamento de ServiçoSocial da UFPB. Doutora em Serviço Social (UFRJ), com uma teseintitulada Crise Contemporânea e Serviço Social - agregação e dis-persão do projeto profissional de ruptura.