o sentimento de segurança e sentido de comunidade numa comunidade terapêutica

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Este projecto de investigação exploratório-descritivo teve como objectivo principal conhecer se a percepção sobre sentimento de segurança na família se relacionava com a percepção do sentido de comunidade em utentes da Villa dos Passos - Centro de Tratamento e Recuperação de Toxicodependentes e Alcoólicos. O sentimento de segurança foi definido em torno de três dimensões, a familiar, a social e a emocional. A dimensão familiar subdividiu-se no sistema de valores da família e a sua funcionalidade, avaliada através do grau de exigência e disponibilidade de resposta parental e coesão e adaptabilidade familiar. Em termos da dimensão social, colocou-se o enfoque no apoio social percebido pelo utente no seu contexto familiar. A dimensão emocional enfatizou o apego, especificamente o apego com as figuras de ligação e as representações de apego do sujeito. No que diz respeito ao sentido de comunidade, este foi conceptualizado de acordo com a definição de McMillan e Chavis (1986), sendo composto por quatro dimensões, o estatuto de membro, as ligações emocionais partilhadas, a influência e a integração e satisfação de necessidades. Aplicou-se um questionário para avaliar o sentimento de segurança e a escala Sense of Community Index II a 25 utentes da Villa dos Passos, 21 do sexo masculino e 4 do sexo feminino, com idades entre os 17 e os 48 anos.Os resultados registaram que a percepção dos utentes da Villa dos Passos acerca do sentimento de segurança proveniente da sua família seria baixa na dimensão familiar e alta na dimensão emocional e social. Os resultados nestas duas últimas dimensões poderiam dever-se ao trabalho terapêutico exercido na comunidade. Estes utentes apontaram um forte sentido de comunidade pela comunidade terapêutica, demonstrando um forte sentimento de pertença a esta. Por último, registou-se inexistência de correlações significativas entre as variáveis em estudo, apontando, assim, para a eventual falta de relação entre a percepção do sentimento de segurança na família e construção do sentido de comunidade dos utentes da Villa dos Passos.

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  • UNIVERSIDADE DOS AORES

    Carolina da Encarnao Silva Ferreira

    Sentimento de Segurana e Sentido de Comunidade numa

    Comunidade Teraputica

    2 Ciclo de Estudos em Psicologia da Educao com

    Especialidade em Contextos Educativos

    Orientadora: Professora Doutora Suzana Nunes Caldeira

    Ponta Delgada

    2011

  • Carolina da Encarnao Silva Ferreira

    Sentimento de Segurana e Sentido de Comunidade numa

    comunidade teraputica

    Relatrio apresentado na Universidade dos

    Aores, para obteno do grau de Mestre

    em Psicologia da Educao, Especialidade

    em Contextos Educativos

    Orientadora: Professora Doutora Suzana Nunes Caldeira

  • 2

    RESUMO

    Este projecto de investigao exploratrio-descritivo teve como objectivo

    principal conhecer se a percepo sobre sentimento de segurana na famlia se

    relacionava com a percepo do sentido de comunidade em utentes da Villa dos

    Passos - Centro de Tratamento e Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos.

    O sentimento de segurana foi definido em torno de trs dimenses, a familiar,

    a social e a emocional. A dimenso familiar subdividiu-se no sistema de valores da

    famlia e a sua funcionalidade, avaliada atravs do grau de exigncia e disponibilidade

    de resposta parental e coeso e adaptabilidade familiar. Em termos da dimenso

    social, colocou-se o enfoque no apoio social percebido pelo utente no seu contexto

    familiar. A dimenso emocional enfatizou o apego, especificamente o apego com as

    figuras de ligao e as representaes de apego do sujeito. No que diz respeito ao

    sentido de comunidade, este foi conceptualizado de acordo com a definio de

    McMillan e Chavis (1986), sendo composto por quatro dimenses, o estatuto de

    membro, as ligaes emocionais partilhadas, a influncia e a integrao e satisfao

    de necessidades.

    Aplicou-se um questionrio para avaliar o sentimento de segurana e a escala

    Sense of Community Index II a 25 utentes da Villa dos Passos, 21 do sexo masculino

    e 4 do sexo feminino, com idades entre os 17 e os 48 anos.

    Os resultados registaram que a percepo dos utentes da Villa dos Passos

    acerca do sentimento de segurana proveniente da sua famlia seria baixa na

    dimenso familiar e alta na dimenso emocional e social. Os resultados nestas duas

    ltimas dimenses poderiam dever-se ao trabalho teraputico exercido na

    comunidade. Estes utentes apontaram um forte sentido de comunidade pela

    comunidade teraputica, demonstrando um forte sentimento de pertena a esta. Por

    ltimo, registou-se inexistncia de correlaes significativas entre as variveis em

    estudo, apontando, assim, para a eventual falta de relao entre a percepo do

    sentimento de segurana na famlia e construo do sentido de comunidade dos

    utentes da Villa dos Passos.

    Palavras-chave: Sentimento de segurana; Sentido de comunidade; Famlia;

    Comunidade relacional;

  • 3

    ABSTRACT

    This exploratory descriptive research project aims at knowing whether the

    perception of the sense of security within the family is, somehow, related to the

    perception of the sense of community in the patients of the therapeutic community

    Villa dos Passos a rehabilitation centre for alcoholics and drug addicts.

    The feeling of security was established according to three dimensions- family,

    social and emotional. The family dimension was divided into the family values system

    and its functionality, which was measured by the level of parental demand and

    availability of response and cohesion and family adaptability. The social dimension

    focused the social support perceived by the patient within his family context. The

    emotional dimension emphasized the attachment, specifically the attachment with the

    bonding figures and the representations of the subjects attachment. Regarding the

    sense of community, this was conceptualized according to the definition of McMillan

    and Chavis (1986), composed by four dimensions: membership, shared emotional

    connection, influence, integration and fulfillment of needs.

    A questionnaire to assess the feeling of security and the scale of Sense of

    community Index II was carried out on 25 patients of Villa dos Passos 21 male and

    4 female aged between 17 and 48 years old.

    The results showed that the perception of the patients of Villa dos Passos

    regarding the sense of security coming from their families was low in the family

    dimension and high in the social and emotional dimension. The results in these two

    dimensions might be related to the therapeutic work carried out in the community.

    These patients showed a strong sense of community for the therapeutic community,

    which demonstrates a strong feeling of belonging. Finally, there were no significant

    correlations among the variables under study suggesting, thus, the lack of relationship

    between the perceived feeling of safety within the family and the building of the sense

    of community of the patients from Villa dos Passos.

    Key-words: Sense of security; Sense of community; Family; Community of interest;

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Suzana Caldeira, minha orientadora, pelo seu inabalvel

    rigor e competncia cientfica. Tantas vezes encorajando-me a seguir em frente,

    orientando-me de maneira incansvel em todo este percurso.

    Professora Doutora Isabel Estrela Rego, que teve um contributo essencial

    neste trabalho, e por toda a fora e dedicao transmitida.

    Aos restantes Professores envolvidos no meu percurso acadmico pela

    transmisso de conhecimentos.

    Aos meus colegas de curso pela partilha de conhecimento, troca de sugestes

    e boa disposio. Em particular minha amiga Marlia por ser incansvel comigo, por

    todo o carinho, apoio incondicional, positivismo e amizade ao longo destes anos.

    equipa da Villa dos Passos pela colaborao, inteira disponibilidade, troca de

    ideias e importante contributo para o meu desenvolvimento profissional. Aos utentes

    desta comunidade teraputica que com um sorriso se disponibilizaram a participar, e

    me fizeram crescer profissionalmente mas acima de tudo pessoalmente.

    Aos meus pais que ao longo de todo o meu percurso acadmico e pessoal

    sempre acreditaram em mim, apoiando-me em todos os momentos e ajudando a

    tornar-me uma melhor pessoa. Ao meu pai, pela contnua transmisso de valores

    sbios, constante motivao e grande pilar da minha vida. minha me, tambm

    importante e grandioso pilar, meu exemplo de mulher de garra e de fora e que

    sempre caminha ao meu lado.

    Aos meus irmos, Bette por ser uma irm fantstica, apoiar-me em tudo e

    ainda ter contribudo estatisticamente para este trabalho; Tixa, de quem me orgulho

    muito por ser uma lutadora e encher a minha vida de melodia com a sua voz, e

    tambm se auto-baptizar de meu dicionrio de sinnimos; ao Eduardinho, meu

    irmozinho pequenino, grande guitarrista e rapaz repleto de perspiccia que me ajuda

    em tudo.

    tia Rosa, minha tia-me, fonte de apoio e de muito afecto que sempre me

    conforta em todas as ocasies.

    Sofia e Mnica (e Marlia novamente), minhas amigas, ouvintes, com quem

    partilho gargalhadas, choros, expectativas entre muitas outras coisas. Obrigada por

    todo o apoio, encorajamento em todos os momentos e pela confiana que depositam

    em mim.

  • 5

    ABREVIATURAS

    FACES III Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales

    IRP Inventrio de Resoluo de Problemas

    MSPSS Multidimensional Scale of Perceived Social Support

    PVQ Portrait Values Questionnaire

    RQ Relationship Questionnaire

    SCI-II Sense of Community Index II

    SPSS Statistical Packages for the Social Sciences

  • 6

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1: Correspondncia de cada valor motivacional aos itens na PVQ 41

    Quadro 2: Ligao entre os eixos do modelo de avaliao dos estilos de

    educao parental de Baumrind (1971) e os itens da escala

    42

    Quadro 3: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,

    desvio-padro e amplitude, em cada valor do modelo de

    Schwartz

    48

    Quadro 4: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,

    desvio-padro e amplitude, em cada dimenso bi-polar do

    modelo de Schwartz

    49

    Quadro 5: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,

    desvio--padro e amplitude, em cada dimenso do modelo de

    Schwartz

    50

    Quadro 6: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos

    Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e

    amplitude, em cada valor do modelo de Schwartz

    50

    Quadro 7: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos

    Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e

    amplitude, em cada plo do modelo de Schwartz

    51

    Quadro 8: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos

    Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e

    amplitude, em cada dimenso do modelo de Schwartz

    51

    Quadro 9: Relao entre os valores atribudos a si prprio e os valores

    atribudos famlia, nos utentes da Villa dos Passos

    52

    Quadro 10: Relao entre os plos atribudos a si prprio e os plos

    atribudos famlia, nos utentes da Villa dos Passos

    53

    Quadro 11: Relao entre as dimenses atribudas a si prprio e as

    dimenses atribudas famlia, nos utentes da Villa dos Passos

    53

    Quadro 12: Exigncia e disponibilidade de resposta atribuda pelos utentes

    da Villa dos Passos aos pais - Mdia, desvio-padro, mediana e

    amplitude, em cada parmetro

    54

    Quadro 13: Estilos educativos ao nvel da exigncia, disponibilidade de

    resposta e no global - Percentagens de famlias percepcionadas

    com cada estilo educativo

    55

    Quadro 14: Coeso e adaptabilidade percepcionada pelos Utentes da Villa 57

  • 7

    dos Passos no seu contexto familiar - Mdia, desvio-padro e

    amplitude da coeso e adaptabilidade familiar

    Quadro 15: Tipos de famlias em funo da coeso e adaptabilidade familiar

    percepcionada pelos utentes da Villa dos Passos - Percentagem

    de cada tipo de famlia

    58

    Quadro 16: Apoio social percebido pelos utentes da Villa dos Passos em

    relao famlia - Mdia, desvio-padro e amplitude do apoio

    social percebido

    59

    Quadro 17: Tipos de apego com a figura de ligao nos utentes da Villa dos

    Passos - Distribuio de frequncias e percentagens

    60

    Quadro 18: Tipos de apego com a figura de ligao nos utentes da Villa dos

    Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude

    61

    Quadro 19: Representaes de apego dos utentes da Villa dos Passos -

    Mdia, desvio-padro e amplitude das crenas declarativas de

    segurana

    61

    Quadro 20: Percepo do sentido de comunidade nos utentes da Villa dos

    Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude, por dimenso do

    sentido de comunidade

    64

    Quadro 21: Percepo do sentido de comunidade nos utentes da Villa dos

    Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude do valor global de

    sentido de comunidade

    65

  • 8

    NDICE

    Introduo 9

    Captulo I Reviso de Literatura 11

    1.1 - Sentimento de segurana 12

    1.2 - Sentido de Comunidade 30

    Captulo II Metodologia do Estudo 37

    2.1 - Objectivo e Questes de investigao 38

    2.2 - Design da investigao 38

    2.3 - Caracterizao dos participantes 39

    2.4 Instrumentos 40

    2.4.1 Questionrio 40

    2.4.2 - Sense of Community Index II 45

    2.5 - Procedimento de Recolha e Tratamento de Dados 46

    Captulo III - Anlise e Discusso dos Resultados 47

    Concluses 68

    Referncias Bibliogrficas 74

    Anexos

    Anexo 1 Questionrio

    Anexo 2 Sense of Community Index II

    Anexo 3 - Cotao linear da FACES-III adaptada de Farate (2000)

    Anexo 4 Quadros referentes correlao entre o sentimento de

    segurana e o sentido de comunidade

  • 9

    INTRODUO

    A presente investigao teve como objectivo principal conhecer se a percepo

    sobre sentimento de segurana na famlia se relacionava com a percepo do sentido

    de comunidade em utentes da Villa dos Passos - Centro de Tratamento e

    Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos. Durante o perodo de estgio

    curricular nesta comunidade teraputica incrementou-se o interesse pela rea das

    dependncias, condio que contribui para que esta investigao recasse sobre essa

    temtica.

    Na literatura, recorrentemente a famlia do adicto apontada como importante

    fonte de apoio ao longo do seu tratamento (e.g. Bernichon, Ellis, Herrell, Roberts, &

    Yu, 2004), sendo este um importante factor para que esta investigao se debruasse

    sobre a percepo acerca do seu contexto familiar. Ao explorarmos aspectos

    referentes a este contexto tenta-se contribuir para o conhecimento nesta rea como

    forma de criar mais oportunidades para se proceder, futuramente, a intervenes

    diferenciadas junto de famlias de adictos.

    Nesta investigao, o sentimento de segurana foi definido em torno de trs

    dimenses: a familiar, a social e a emocional. Por sua vez, a dimenso familiar foi

    descrita atravs de dois eixos: o sistema de valores e a funcionalidade da famlia. No

    quotidiano familiar, a famlia converte os valores em regras operacionalizadas atravs

    de comportamentos (Corzo, 2001). Relativamente funcionalidade da famlia

    consideram-se aspectos como a adaptabilidade, a coeso e os estilos educativos,

    pois, de acordo com estudos a que se teve acesso, estes tendem a influir na

    percepo de sentimento de segurana nestas famlias (Arajo, 2003; Chau, Choquet,

    Falissard, Hassler, & Morin, 2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus &

    Rezende, 2010; Paiva & Ronzani, 2009).

    No que diz respeito dimenso social, esta foi estudada em funo da rede de

    apoio, na medida em que o apoio social fornecido tem sido relacionado a um maior ou

    menor sentimento de segurana (Kruger et al., 2007; Ribeiro, s.d.).

    Quanto dimenso emocional enfatizou-se o apego, que surge, na reviso de

    literatura, associado ao desenvolvimento positivo do sentimento de segurana (e.g.

    Pontes, Silva, Garotti, & Magalhes, 2007).

    Por sua vez, o sentido de comunidade, ao longo da literatura (e.g. McMillan &

    Chavis, 1986), tido como importante na recuperao de sujeitos com doena mental,

    como o caso da toxicodependncia.

    No mbito desta investigao adoptou-se o modelo de sentido de comunidade

    de McMillan e Chavis (1986) composto por quatro dimenses, nomeadamente: o

  • 10

    Estatuto de Membro, as Ligaes Emocionais Partilhadas, a Influncia, e a Integrao

    e Satisfao de Necessidades (McMillan & Chavis, 1986).

    Averiguou-se que so escassos os estudos que deram foco a comunidades

    relacionais, no se tendo acedido a estudos especficos no contexto de uma

    comunidade teraputica (Obst, Smith, & Zinkiwicz, 2002).

    Em termos de estrutura, o relatrio composto por trs captulos, uma

    introduo e uma concluso (contando, ainda, com uma seco de anexos). O

    primeiro captulo diz respeito reviso de literatura acerca das variveis sentimento de

    segurana e sentido de comunidade, de modo a contextualizar as questes de

    investigao que se colocam. O segundo captulo refere-se metodologia, onde se

    expem as questes de investigao, o design desta, caracterizam-se os

    participantes, apresentam-se os instrumentos utilizados, e o procedimento de recolha

    de dados. No terceiro captulo so explicitados os resultados obtidos bem como

    realizada a discusso que estes suscitam. Por ltimo, na concluso reflecte-se sobre

    os principais aspectos emergentes do estudo, abordam-se limitaes do estudo e

    tecem-se propostas para futuras investigaes.

  • 11

    Captulo I

    Reviso de Literatura

  • 12

    Este captulo, relativo reviso de literatura efectuada nesta investigao,

    incide na conceptualizao das variveis sentimento de segurana e sentido de

    comunidade, constitudo por dois pontos. No primeiro expe-se o sentimento de

    segurana e o levantamento de estudos e teorias que contribuem para a sua

    construo. No segundo ponto abarca-se o sentido de comunidade, seus principais

    contributos tericos e estudos realizados, que se debruaram sobre esta varivel.

    1.1 - Sentimento de Segurana

    Diversas reas acadmicas, como a psicologia e a sociologia, tm pesquisado

    sobre segurana considerando-a uma necessidade bsica do ser humano (Maslow,

    1987). Nesta investigao pretende-se estudar a percepo do sujeito adicto acerca

    do sentimento de segurana proveniente da famlia. A famlia o agente mais

    importante de socializao, sendo tambm percebida como essencial na reabilitao

    de adictos em recuperao (Ribeiro, s.d.; Gideon, 2007).

    A famlia entendida como um sistema, um todo, (...) como emergncia dos

    elementos que a compem, definitivamente una e nica (Relvas, 2000). Dentro da

    famlia existem outras totalidades mais pequenas, ou seja, cada membro que visto

    como um subsistema (Relvas, 2000). necessrio ter em conta que a famlia uma

    instituio em permanente evoluo e que a sua estrutura, as suas funes e as

    relaes estabelecidas entre os seus membros sofrem modificaes ao longo do

    tempo (Amaro, 2006).

    Estas relaes estabelecidas asseguram a reproduo dos saberes, dos

    comportamentos, dos valores indispensveis vida individual e colectiva (Ribeiro,

    s.d.). A famlia ajuda aos seus membros a dar significado s suas experincias,

    transformando-as em conhecimento, permitindo um maior nmero de oportunidades

    de ateno individualizada (Tizard & Hughes, 1984 cit in Pedro, 1999). O contexto

    familiar constitui-se, assim, como um contexto educativo de aprendizagem

    diversificada, na medida em que desenvolve um vasto conjunto de actividades ligadas

    ao contexto social no sentido de viabilizar a tarefa de aprendizagem e socializao do

    sujeito (Tizard & Hughes, 1984 cit in Pedro, 1999). A par disto est o desenvolvimento

    da segurana visto que na rede de laos e de relaes ocorrem experincias de

    encontro e de reencontro (Ribeiro, s.d.).

    Durante a implementao desta tarefa de aprendizagem, anteriormente

    mencionada, torna-se indispensvel a transmisso de valores que no mbito da

    pesquisa do sentimento de segurana, parecem influenciar o desenvolvimento deste

  • 13

    sentimento no contexto familiar que abarca o seu prprio sistema de valores (Corzo,

    2001; Tornara, 2000; Portieles, 2007).

    Os valores so um fenmeno complexo e multifacetado que est relacionado

    com todas as esferas da vida humana. Presumimos que os valores so elementos

    centrais no sistema de crenas dos sujeitos e esto relacionados com ideais de vida

    que respondem s necessidades do sujeito, oferecendo critrios para avaliar os outros

    e a si prprio, bem como situaes (Corzo, 2001; Rokeach, 1973; Garcia, Ramirez &

    Lima, 1998 cits in Tornara, 2000). Este sistema de crenas, transmitido primariamente

    pela famlia, orienta e dirige a personalidade, concorrendo para que o sujeito incuta

    valores que serviro como mecanismo de auto-regulao do comportamento social e a

    assimilao do significado e importncia dos acontecimentos que lhes dizem respeito

    (Portieles, 2007).

    A famlia no o nico contexto onde se d a educao de valores, mas a

    atmosfera de proximidade e intimidade que se d neste contexto torna-o

    especialmente eficaz nesta tarefa (Tornara, 2000). No seio familiar, instrues

    relacionadas com o propsito fundamental de assegurar a sobrevivncia so os

    valores iniciais a serem instrudos ao sujeito, desde o que essencial fazer para

    garantir isso, e o que pode constituir uma ameaa sua segurana (Corzo, 2001).

    Posteriormente, o sujeito adquire as primeiras regras de conduta e de relacionamento,

    ligadas ao que considerado um comportamento moralmente adequado (Corzo,

    2001). Neste sentido, a definio de regras na famlia traduzir-se- como um

    importante canal de comunicao de valores que vai contribuir para a gesto da

    conduta dos membros da famlia (Corzo, 2001).

    As regras familiares provm das famlias de origem sendo transmitidas de

    gerao em gerao e podem funcionar como veculos de expresso de valores

    especficos, traduzindo a importncia deste valores constituindo, assim, determinada

    escala de valores, seja ela explcita ou no (Tornara, 2000). As regras na famlia so

    indicadores comunicacionais por excelncia. Atravs destes indicadores determina-se

    formas de apoio, competncias de tomada de deciso, de resoluo de conflitos,

    punies atribudas, relacionamento com os outros, padro de comportamentos, etc.

    (Tornara, 2000).

    Desta feita, a famlia no seu espectro de aco converte em regras certos

    valores que so operacionalizados atravs de comportamentos praticados no

    quotidiano, regulando a relao intrafamiliar e projectando uma determinada atitude

    para o contexto extrafamiliar (Corzo, 2001). Quando no seio familiar existe uma

    violao na sua escala de valores, os membros tm a tendncia a omitir o sucedido ao

  • 14

    contexto extrafamiliar pois tal revelao constitui um risco ao prestgio da famlia

    (Tornara, 2000).

    Devido elevada presena da famlia na formao de sistemas de valores no

    decorrer do desenvolvimento do sujeito, esta constitui um dos mediadores de todas as

    influncias de avaliao fundamental mas no a nica, pois o sujeito tambm est

    inserido em outros grupos recebendo outras influncias avaliativas (Corzo, 2001). A

    realidade social a que pertence, muda, evolui e isso tambm afecta as mudanas no

    seu sistema de valores subjectivo (Corzo, 2001). Mas o prprio indivduo no uma

    entidade passiva sob ditames de valores externos, estando capaz de assumir atitudes

    pessoais, criativas e diferenciadas em relao aos valores de todos os contextos onde

    est inserido (Corzo, 2001).

    Numa tentativa de aplicao do sistema de valores no mbito familiar de forma

    a se perceber que posio o individuo apresenta, estando mais ou menos aproximado

    do sistema de valores percepcionado na famlia, surge o modelo de valores de

    Schwartz (1992), frequentemente indicado como um dos modelos mais robustos

    teoricamente, (Bilsky, 2009; Campos & Porto, 2010; Porto & Tamayo, 2007).

    O modelo de valores de Schwartz (1992, cit. Campos & Porto, 2010)

    influenciado pela hierarquia de necessidades de Maslow (1954). Segundo Schwartz

    (1992, cit. Bilsky, 2009), valores so crenas e metas conscientes que guiam a

    seleco e avaliao de aces, objectivos, indivduos e situaes, podendo ser

    interpretados como constructos motivacionais que transcendem situaes e aces

    especficas.

    Neste modelo identificam-se diversos valores agrupando-os em duas

    dimenses bipolares bsicas: auto-promoo versus auto-transcendncia e abertura

    mudana versus conservao (Bilsky, 2009). Na primeira dimenso, o plo auto-

    promoo ressalva a busca de sucesso pessoal e poder sobre os outros indivduos em

    contraste com a auto-transcendncia, que representa o bem-estar alheio, ou seja, o

    altrusmo (Porto & Tamayo, 2007). Quanto segunda dimenso, a abertura

    mudana enfatiza a independncia do sujeito para a aco em confronto com o

    pensamento do indivduo auto-restrio e preservao da estabilidade em que se

    encontra, isto , o plo da conservao (Porto & Tamayo, 2007).

    Nestas duas dimenses, Schwartz (1992, cit. Bilsky, 2009) enquadra dez tipos

    motivacionais de valores divididos em termos de objectivos. Na dimenso auto-

    promoo versus auto-transcendncia situam-se, ligados auto-promoo: o poder

    (status social sobre as pessoas e recursos), o hedonismo (prazer e senso de

    gratificao para consigo) e a realizao (sucesso pessoal mediante a demonstrao

    de competncia segundo critrios sociais); por sua vez os valores relacionados com a

  • 15

    auto-transcendncia so: o universalismo (compreenso, apreciao, tolerncia e

    proteco do bem-estar de todas as pessoas e da natureza) e a benevolncia

    (preservao e intensificao do bem-estar das pessoas com quem mantm contactos

    pessoais frequentes) (Porto & Tamayo, 2007; Bilsky, 2009).

    No que diz respeito, dimenso abertura mudana versus conservao

    relativamente abertura mudana, d-se importncia novamente ao hedonismo,

    estimulao (entusiasmo, novidade e desafio na vida) e auto-determinao

    (pensamento independente e escolha da aco, criatividade e explorao). Quanto

    conservao, esto associados os seguintes valores: a segurana (segurana,

    harmonia e estabilidade, da sociedade, dos relacionamentos e de si mesmo), a

    conformidade (restrio das aces, inclinaes e impulsos que podem perturbar e

    ferir os outros ou violar as expectativas e normas sociais) e a tradio (respeito aos

    costumes e ideias providos pela cultura tradicional e pela religio, comprometimento

    com eles e sua aceitao) (Porto & Tamayo, 2007; Bilsky, 2009).

    Estudos realizados no mbito familiar procuraram perceber o sistema de

    valores na famlia, tendo-se verificado que quando se solicita s pessoas que

    associem o conceito de famlia com um conjunto de valores que se relacionam com

    bem-estar familiar destacam o valor da segurana, seguido pela tolerncia, respeito,

    solidariedade, responsabilidade, etc. (Salcedo, 1992; Orizo, 1996; Garca & Ramrez,

    1997; Garcia, Ramirez & Lima, 1998 cits in Tornara, 2000). Neste contexto familiar

    realizaram-se estudos interculturais, com adolescentes de Espanha, Polnia, Portugal,

    Inglaterra e Colmbia, sobre as representaes que aqueles formam dos valores dos

    pais. Na anlise de resultados verificou-se que lares onde predominam a harmonia, o

    bem-estar, o carinho reforam valores como a segurana, o universalismo, a

    benevolncia e o conformismo nos cinco pases estudados (Musitu & Fontaine, 1998

    cit in Tornara, 2000). A harmonia familiar, a compreenso e o apoio aparecem como

    dimenses centrais para a formao de sistemas de valores que se referem a estados

    finais de existncia e a comportamentos desejveis (Musitu & Fontaine, 1998 cit in

    Tornara, 2000). Estes resultados ilustram a relao entre os valores caractersticos de

    cada sociedade e os valores individuais dos seus membros (Musitu & Fontaine, 1998

    cit in Tornara, 2000).

    Outra varivel que na bibliografia surge ligada ao desenvolvimento do

    sentimento de segurana no contexto familiar a funcionalidade da famlia (e.g.

    Szymanski, 2004). A definio de famlia funcional emerge da considerao de famlia

    como um contexto de desenvolvimento, sendo funcional quando oferecer condies

    para que os seus membros desenvolvam o seu processo de socializao e identitrio

    (Szymanski, 2004).

  • 16

    A capacidade de coeso e de adaptabilidade da famlia so dois parmetros

    bsicos do funcionamento familiar que foram apontados por Olson e colaboradores

    (1985) sendo apontados frequentemente na bibliografia consultada (Olson e cols.,

    1985 cit in Aquino & Martinelli, 2010; Falceto, 1997).

    A coeso refere-se ligao emocional que os membros da famlia tm uns em

    relao aos outros (Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010; Bozetti, Busnello, &

    Falceto, 2000; Brs, 2009; Falceto, 1997; Green et al., 1991 cit in Symanski, 2004;

    Lomando, Mosmann, & Wagner, 2010; Jnior & Rabello, 2007; Lopes & Salgueiro,

    2010; Machado, 2008; Olson, 1985; Rodrigues, 2004). Tambm se distribui num

    continuum, desde o desligamento entre os membros at ao superenvolvimento, ou

    seja, estes laos emocionais resultam do equilbrio dinmico entre as necessidades de

    individualizao-autonomia e as de afiliao-identificao (Lopes & Salgueiro, 2010).

    O equilbrio est no meio-termo e l que as trocas afectivas fluem mais facilmente no

    ambiente familiar. Deste modo, o foco desta dimenso baseia-se em como os

    membros do sistema familiar se equilibram entre si, relativamente ao distanciamento e

    proximidade (Olson, 2000; Brs, 2009). Minuchin (1982, cit. Symanski (2004) aponta

    para a necessidade de limites bem estabelecidos entre os subsistemas (pais, filhos,

    irmos), com papis e funes claramente definidos para um ambiente propcio ao

    desenvolvimento. Algumas das variveis que podem ser utilizadas para avaliar a

    coeso familiar, envolvem os laos emocionais, a ligao, o tempo, o espao, a

    amizade, a tomada de deciso, os interesses e as actividades recreativas (Olson,

    2000; Brs, 2009).

    A adaptabilidade relaciona-se com a capacidade que o sistema familiar tem

    para mudar a sua estrutura de poder e as regras da relao face ao stress natural

    (relativo ao ciclo vital) ou acidental (Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010;

    Baptista 2005 cit in Machado, 2010; Bozetti et al., 2000; Brs, 2009 Falceto, 1997;

    Jnior & Rabello, 2007; Lomando et al., 2010; Lopes & Salgueiro, 2010; Machado,

    2008; Olson, 1985; Rodrigues, 2004). Os conceitos caractersticos desta dimenso

    envolvem o controlo, a disciplina, os papis e as regras (Olson, 2000 cit in Brs, 2009).

    O foco da adaptabilidade baseia-se em como o sistema familiar se equilibra entre a

    mudana e a estabilidade (Olson, 2000 cit in Brs, 2009).

    Para cada um dos parmetros bsicos da funcionalidade propostos por Olson

    (1985), a coeso e a adaptabilidade, formam-se 4 tipos diferentes de famlias que

    posteriormente se iro cruzar entre si e dar origem a 16 tipos distintos de famlias, que

    por sua vez so classificados em 3 categorias de famlias.

    Os quatro tipos inerentes dimenso de coeso so os seguintes:

    desmembrada (muito baixo), separada (baixo/moderado), ligada (moderado/alto) e

  • 17

    emaranhada (Olson, 2000). No tipo desmembrado, verifica-se um distanciamento

    emocional extremo e pouco envolvimento entre os membros familiares; a famlia

    enfatiza preferencialmente a independncia; no existe interajuda e apoio entre os

    elementos familiares (Olson, 2000). No tipo separada verifica-se algum grau de

    distanciamento emocional mas existe alguma partilha de momentos com a famlia;

    algumas das decises so tomadas em conjunto (Olson, 2000). No tipo ligado, existe

    uma proximidade emocional entre os membros; o tempo partilhado mais valorizado

    do que os momentos individuais; possuem interesses em comum, mas mantm

    algumas actividades individuais (Olson, 2000). No ltimo tipo, emaranhada, as

    relaes entre os membros caracterizam-se por uma proximidade emocional extrema

    e uma grande dependncia; o sentido de lealdade entre os indivduos exigido; o foco

    de interesse centra-se muito na famlia (Olson, 2000).

    Importa referir que a noo de coeso conotada como equilibrada/moderada,

    correspondendo a famlias do tipo separada e ligada, reflectem um funcionamento

    familiar mais estruturado e saudvel ao longo do ciclo de vida, sendo que, os

    indivduos so capazes de implementar um equilbrio entre a proximidade e o

    distanciamento emocional relativamente s suas famlias (Olson, 2000). Pelo contrrio,

    noes de coeso caracterizadas como desequilibradas, correspondendo a famlias do

    tipo desmembrada e emaranhada, espelham um funcionamento familiar disfuncional,

    na medida em que os membros da famlia no conseguem manter um tipo de coeso

    saudvel e equilibrada (Olson, 2000).

    Quanto dimenso adaptabilidade esto inerentes outros quatro tipos de

    caracterizao das famlias so eles: rgida (muito baixo), estruturada

    (baixo/moderado), flexvel (moderado/alto) e catica (muito alto) (Olson, 2000). O

    primeiro destes tipos caracteriza-se pela existncia de um lder fixo, pela rigidez de

    regras e papis e pela incapacidade de mudana extrema (Olson, 2000). O tipo

    estruturada descreve-se pela presena de um lder democrtico, pela possibilidade de

    negociao entre os membros da famlia, os papis so estveis, mas no rgidos e as

    regras firmes mas passveis de alterao (Olson, 2000). O tipo flexvel determina-se

    pela liderana igualitria e a democracia na tomada de decises, existe partilha de

    papis, que se caracterizam pela sua fluidez se necessrio. Do quarto e ltimo nvel

    subjacente a esta dimenso, o catico, caracterstica a ausncia total de liderana

    ou pela sua existncia limitada, a impulsividade na tomada de decises e a tnue

    definio de regras e papis (Olson, 2000).

    Perante isto, conclui-se que as famlias consideradas mais funcionais se

    inserem nos tipos estruturado e flexvel (Olson, 2000). Confirma-se que as famlias

    estruturadas e flexveis reflectem um funcionamento familiar estruturado e funcional,

  • 18

    contribuindo para um relacionamento conjugal e familiar saudvel. Todavia, as famlias

    que se inscrevem nos extremos podem ser consideradas rgidas ou caticas,

    afectando o desenvolvimento das suas relaes ao longo da transio no ciclo de vida

    (Olson, 2000).

    Como j se referiu quando os quatro tipos de famlia de cada parmetro da

    funcionalidade se cruzam entre si, obtemos um total de 16 tipos familiares diferentes,

    que por sua vez, so classificados em trs categorias de famlias: equilibradas, meio-

    termo, extremas. O tipo de famlia equilibrada pressupe nveis de coeso e

    adaptabilidade mdios; o tipo de famlia meio-termo pressupe uma das dimenses

    mdia e a outra extrema; o tipo de famlia extrema pressupe nveis de coeso e

    adaptabilidade extremos (Lopes & Salgueiro, 2010).

    Tendo em conta a funcionalidade no contexto familiar do ponto de vista da

    coeso e da adaptabilidade foram realizados diversos estudos em famlias com

    membros adictos (e.g. Jurich, et al., 1985 cits in Fleming, 2001).

    Fleming (2001) efectuou um levantamento de investigaes realizadas em

    famlias com adictos, e pde observar que muitas destas famlias so desarmoniosas,

    criam um vcuo e um isolamento emocional, no havendo suporte afectivo entre os

    seus membros. A coeso familiar fraca, sendo os membros pouco valorizados e

    reconhecidos (Cannon, 1976; Jurich, et al., 1985 cits in Fleming, 2001).

    Um estudo realizado por trs universidades internacionais, nomeadamente a

    Fundao Osvaldo Cruz (Brasil), a Universidade do Pas Basco (Espanha) e a

    Universidade de Los Andes (Colmbia), comparou adolescentes que usam drogas

    com os que no usam. Neste estudo os resultados obtidos revelaram que os

    adolescentes que no usam drogas possuem lares onde esto presentes aspectos

    como o dilogo, o afecto e o aconchego que proporcionam ao adolescente segurana,

    ou seja lares que manifestam maior coeso, contrariamente aos lares de dependentes

    que se verifica baixa coeso pois so marcados pela falta de apoio mtuo, de espao

    para expresso de sentimentos, alm de existirem menos interesses em comum

    (Dieguez, 2000 cit in Pratta & Santos, 2006).

    Stanton e Todd (1979, cit. Fleming, 2001) efectuaram um estudo no contexto

    familiar com membros adictos, em que concluram que existem fronteiras ou limites

    pouco claros entre os subsistemas familiares (membros da famlia), mas a existncia

    de uma fronteira rgida entre a famlia e a comunidade social, revelando o medo de

    separao entre os membros da famlia. Os autores supracitados referem uma

    inverso da hierarquia familiar, em que o subsistema filial aparece to ou mais

    influente do que o subsistema parental nas famlias de adictos. Confirmam ausncia

    de limites e elos claros na dade pai-filho, sendo as relaes emaranhadas, distantes

  • 19

    ou demasiado difusas ou equvocas. Destaca-se, ainda, uma proximidade importante

    entre um dos progenitores e o filho toxicodependente, mantendo o outro progenitor

    numa posio perifrica (Medanes et al., 1980; Stanton & Todd, 1982 cits in Fleming,

    2001). Este estudo demonstra que nas famlias de adictos existe grande dificuldade

    em manter a estrutura de poder e regras havendo falta de estabilidade, estes

    resultados revelam baixa adaptabilidade.

    Blum et al. (1970, cit. Fleming, 2001), numa pesquisa com 211 famlias de

    toxicodependentes de diferentes estatutos scio-econmicos verificam, a presena de

    padres caractersticos nestas famlias, marcados pelo alcoolismo e abuso de drogas

    pelos pais; separao precoce do meio familiar; antecedentes psiquitricos nos pais e

    conflitos intrafamiliares em grande escala. Santon et al. (1978, cit. Fleming, 2001), ao

    compararem famlias disfuncionais, encontram um padro familiar caracterstico em

    famlias de toxicodependentes. Constataram nestas famlias maior frequncia, em

    vrias geraes, de condutas de consumo e expresso arcaica e directa dos conflitos

    intrafamiliares com alianas claras e no secretas entre o toxicodependente e o

    progenitor mais prximo dele (Santon et al.,1978; Friesen, 1983 cits in Fleming, 2001).

    Em ambas as investigaes mencionadas observa-se a baixa coeso e adaptabilidade

    destas famlias.

    Prosseguindo no contexto de funcionalidade familiar enquadrando o sentimento

    de segurana, surgem estudos que se tm vindo a debruar sobre o estilo educativo

    levado a cabo pela famlia (Paterna, s.d.; Hutz, 2002; Silva, 2009). Baumrind (1971)

    citado por Paterna (s.d.) e Silva (2009) preconizou um modelo de avaliao dos estilos

    de educao parental. Estes podem ser definidos como um conjunto de atitudes e

    manifestaes dos pais relativamente aos seus filhos, que caracterizam a natureza da

    interaco entre eles (Hutz, 2002; Silva, 2009). Baumrind (1971) mencionado por

    Paterna (s.d.) e Silva (2009) usou duas dimenses psicolgicas: a exigncia e a

    disponibilidade de resposta. A dimenso exigncia diz respeito ao controlo do

    comportamento e ao estabelecimento de metas e padres de conduta (Silva, 2009).

    Por outro lado, a dimenso disponibilidade de resposta est relacionada a melhores

    ndices de bem-estar psicolgico, auto-estima e autoconfiana (Silva, 2009). A partir

    da conjugao destas duas dimenses bsicas a autora distinguiu o estilo dos pais em

    quatro categorias: autoritrio, democrtico, permissivo e negligente (Paterna, s.d.;

    Hutz, 2002; Silva, 2009).

    Os pais caracterizados como autoritrios manifestam a sua elevada exigncia

    face aos seus filhos, apreciam a obedincia como uma virtude e valorizam a punio

    quando o comportamento do filho no se conforma s suas normas (Silva, 2009). No

    encorajam o dilogo, limitando assim, a capacidade de auto-regulao dos filhos na

  • 20

    medida em que no lhes proporcionam a possibilidade de compreender as situaes e

    sentimentos vivenciados e a necessidade de modificao dos comportamentos

    socialmente inadequados (Silva, 2009). Os filhos criados sob este estilo de

    funcionamento familiar tendem a manifestar baixa auto-estima e auto-eficcia pessoal,

    porm, em geral, apresentam um bom rendimento nas avaliaes escolares. Aponta-

    se ainda, para sujeitos que se tornam dceis, disciplinados, mas pouco autnomos e

    pouco sociveis (Paterna, s.d.). Reagem mal s frustraes, so ansiosos, retrados e

    tristes (Silva, 2009). No entanto, as caractersticas positivas que os filhos desenvolvem

    so a curto prazo e desaparecem muitas vezes com a idade (adolescncia) havendo

    ambiguidade no sentirem-se (ou no) seguros nestas famlias (Paterna, s.d.).

    No que diz respeito ao estilo educativo classificado como democrtico, os pais

    manifestam um alto grau de disponibilidade de resposta e de exigncia. Estes pais

    encorajam o desenvolvimento da autonomia e da auto-estima ao mesmo tempo que

    impem disciplina e estabelecem limites (Silva, 2009). As famlias que seguem este

    padro de socializao promovem um espao de interaco e acreditam ser possvel

    modelar o comportamento dos filhos atravs de conselhos, regras e normas, mas no

    de um modo intrusivo (Silva, 2009). Dirigem as suas actividades de forma racional,

    encorajam a expresso verbal e discutem a disciplina (Silva, 2009). As implicaes

    deste estilo traduzem-se numa maior confiana na criana ou adolescente, que se

    reflecte na sua postura, na forma como se relaciona com os outros e como processa

    as suas emoes. Tornando-se sujeitos responsveis, com um auto-conceito positivo

    e manifestando segurana para com a famlia (Paterna, s.d.).

    Quanto a pais percebidos como permissivos, estes aceitam de forma pacfica a

    maneira de ser e os impulsos dos filhos e estes so consultados relativamente aos

    assuntos familiares, mantendo assim o dilogo e no a fora (Silva, 2009). Este

    padro familiar caracteriza-se pela ausncia de controlo, o que permite aos filhos

    orientarem as suas prprias actividades (Silva, 2009). Os pais funcionam como

    recursos para os desejos dos filhos, e no como modelos (Paterna, s.d.). Neste estilo

    existe a ausncia de normas, no encorajando qualquer obedincia (Silva, 2009). H

    geralmente calor afectivo e comunicao positiva, sem exigncias de maturidade

    (Silva, 2009). Os indivduos criados nesse tipo de estilo educativo tm uma boa auto-

    imagem e auto-confiana, mas falta-lhes exigncia prpria e auto-domnio (Paterna,

    s.d.). Frequentemente, fracassam na escola e so mais propensos a deixar-se levar

    pelo lcool e drogas do que os grupos anteriores (Paterna, s.d.).

    O estilo negligente caracterizado como pouco cuidadoso e esta falta de

    cuidado transmitida na assistncia emocional dada aos filhos (Hutz, 2002). Os pais

    tm dificuldade em controlar o comportamento dos filhos assim como atender s suas

  • 21

    necessidades e demonstrar afecto (Silva, 2009). Caracterizam-se como sendo pais

    pouco envolvidos, mais centrados nos seus prprios interesses (Silva, 2009). Desta

    forma, os filhos tendem a ser dependentes, temperamentais e a possuir baixas

    competncias sociais e de auto-controlo (Silva, 2009). Este estilo compromete o

    desenvolvimento psicolgico de crianas e adolescentes, prejudicando a sua

    competncia social e acadmica, e potencia a possibilidade de ocorrncia de

    episdios depressivos, de ansiedade e somatizaes, tornando-se indivduos muito

    vulnerveis dependncia de drogas e alcoolismo (Paterna, s.d.; Silva, 2009).

    Independentemente do estilo que cada um dos pais assume para educar os

    filhos, o objectivo principal perceber que quanto maior a autonomia, a exigncia e o

    apoio que os pais fornecem, mais confiantes, persistentes e positivamente orientados

    para o futuro os filhos se tornam (Silva, 2009). Desta feita, dos estilos educativos

    enunciados os que representaro menor funcionalidade parental e proporcionaro um

    menor desenvolvimento da segurana familiar sero o estilo negligente e o permissivo.

    Concretizaram-se investigaes em famlias com membros adictos no sentido

    de explorar os estilos educativos utilizados nestas, procurando perceber a forma como

    geriam a disciplina bem como a afectividade (e.g. Jesus & Rezende, 2010).

    Jesus e Rezende (2010) realizaram um estudo em que o objectivo era

    comparar um grupo de toxicodependentes e um grupo de no toxicodependentes, no

    que se refere interferncia dos estilos educativos parentais no aparecimento de

    sintomas psicopatolgicos associados toxicodependncia. Os autores

    supramencionados verificaram que os resultados dos grupos eram diferentes. No

    primeiro grupo percebe-se uma ligao emocional fraca e/ou ausente com os pais

    demonstrando, assim, baixa disponibilidade de resposta destes, e no que diz respeito

    ao estabelecimento de regras se encontravam nos extremos, ou seja, ou teriam uma

    imposio rgida ou ausente demonstrando inconsistncia na exigncia imposta,

    sendo assim todas estas caractersticas parecem ir ao encontro do estilo negligente e

    autoritrio (Jesus & Rezende, 2010).

    Paiva (2009) aponta para estudos em que se averiguou que os estilos

    educativos democrtico e no permissivo foram relacionados com o menor consumo

    de lcool e drogas entre os adolescentes, diferenciando os resultados encontrados

    entre os pais negligentes, autoritrios e indulgentes (Shucksmith, Glendlendinning &

    Hendrry, 1997; Simons-Morton et. al., 2004 cits in Paiva, 2009).

    Jurich et al. (1985, cit. Fleming, 2001), a partir de uma amostra emparelhada de

    adolescentes utilizadores (uso pouco frequente ou ocasional de drogas legais e

    ilegais) e abusadores (dependentes fsica ou psicologicamente de drogas

    psicoactivas) de droga apuraram que o primeiro grupo provm menos de famlias onde

  • 22

    existe dificuldades comunicacionais e mais de famlias que usam estilos educativos

    democrticos; o grupo de abusadores de droga deriva mais de famlias apresentando

    um fosso comunicacional, usando uma disciplina do tipo permissivo ou autoritrio e

    onde as pessoas fazem um recurso mais frequente aos comportamentos de

    evitamento da responsabilidade (uso de drogas, denegao etc.) como forma de lidar

    com o stress; constaram, ainda, no grupo de abusadores que o aspecto que lhes trazia

    mais dificuldades estava relacionado com a forma que a famlia colocava em vigor a

    disciplina, pois torna-se inconsistente (Jurich et al., 1985, cit. Fleming, 2001). Esta

    inconsistncia de disciplina resultaria quer da definio pobre de regras quer da rigidez

    de limites para os comportamentos, quer ainda do tipo de disciplina usado, na maior

    parte das vezes de tipo permissivo ou autoritrio, ou ambos. Raramente se encontra

    um estilo democrtico (Jurich et al., 1985, cit. Fleming, 2001).

    Em relao ao papel da me e do pai no que diz respeito ao estilo educativo

    usado por cada um, de acordo com Canetti et al. (1997, cit. Jesus & Rezende, 2010), a

    figura paternal capaz de proporcionar uma maior autonomia, enquanto a figura

    maternal percebida como mais prxima e protectora. Assim, os sujeitos esperam que

    os pais se importem menos e que as mes tenham um comportamento mais restritivo

    e de superproteco. A relao que o adicto mantm com a figura paternal

    caracterizada por um sentimento de perda ou abandono, uma relao distante e

    pouco segura, que dificulta a interiorizao de valores e normas de comportamento

    (Carrilho, 1995 cit in Jesus & Rezende, 2010).

    Outra das caractersticas frequentes do padro de ligao parental em sujeitos

    adictos parece ser o marcado envolvimento com um dos pais e o distanciamento do

    outro (Rezende, 1997 cit in Jesus & Rezende, 2010). Seldin (1972, cit. Fleming, 2001)

    indica que a me do consumidor frequentemente percebida como a figura

    dominante, conflituosa, imatura emocionalmente, muito indulgente e ambivalente

    quanto ao papel a desempenhar na famlia. A relao entre a me e o filho descrita

    como sendo altamente interdependente. Quanto ao pai ele aparece como uma figura

    ausente, emocional ou fisicamente (Seldin, 1972 cit in Fleming, 2001). Nos estudos

    realizados por Canetti et al. (1997) e Carrilho (1995) referidos por Jesus e Rezende

    (2010) percebeu-se que enquanto a me mais associada ao lado emocional, o pai

    visto como o agente responsvel pela excessiva imposio de regras.

    Prestando ateno ao contexto familiar do adicto e mais especificamente sua

    funcionalidade, ao longo da literatura verifica-se que aspectos como a adaptabilidade,

    coeso e os estilos educativos influenciam a percepo de sentimento de segurana

    nestas famlias (Arajo, 2003; Chau, Choquet, Falissard, Hassler & Morin, 2008;

    Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva & Ronzani,

  • 23

    2009). As investigaes mostram, de forma consistente, que relaes caracterizadas

    por insegurana, pouca proximidade emocional e estilos educativos parentais

    marcados por falta de apoio, interesse e carinho, se associam a perturbaes

    psicopatolgicas na idade adulta, como a toxicodependncia (Arajo, 2003; Chau et

    al., 2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva &

    Ronzani, 2009).

    Dando continuidade explorao da percepo do sentimento de segurana

    considera-se pertinente analisar este no panorama social pois de acordo com Brito e

    Koller (1999, cit. Mayer, 2002) e Griep (2003, cit. Magnilia, Santana, & Zanin, 2008) a

    famlia vista como a estrutura social atravs da qual o apoio poder ser fornecido,

    sendo assim concebida, como uma das redes de apoio do sujeito; e a bibliografia

    referente segurana em termos sociais demonstra que a rede de apoio de um

    indivduo influencia o sentimento de segurana deste (e.g. Kruger, Reischl & Gee,

    2007). O apoio social fornecido nesta rede de apoio familiar poder cumprir o objectivo

    de proporcionar segurana e bem-estar frente a determinada configurao e tem sido

    relacionado a um maior ou menor sentimento de segurana (Kruger et al., 2007;

    Ribeiro, s.d.).

    Visto que o apoio social apontado como relevante para o desenvolvimento do

    sentimento de segurana entende-se como essencial analisar este sentimento no

    sentido da percepo que o sujeito tem do suporte disponvel na rede em que est

    inserido, nomeadamente, a rede familiar. Esta percepo do suporte definida na

    literatura como apoio social percebido, em que uma mensagem ou experincia

    comunicativa no constitui suporte a menos que o receptor a veja como tal (Russell,

    Booth, Reed & Laughlin, 1997 cit in Gonalves, 2009; Barerra, 1986 cit in Schwartz,

    2005; Rizwan & Syed, 2010).

    O apoio percebido seria influenciado pelo significado que o apoio assume para

    a pessoa em uma dada situao, pela satisfao ou no com esse auxlio e pelo tipo e

    qualidade do relacionamento que o sujeito mantm com o fornecedor de apoio

    (Bandeira, Gonalves, Pawlowski & Piccinini, 2011).

    Pierce e colaboradores (1996, cit. Mayer, 2002) revelam que indivduos que

    tm relativamente bem formadas a percepo, as expectativas e as atribuies sobre

    as relaes de apoio com indivduos especficos, apresentam uma boa avaliao

    sobre os recursos e os indivduos disponveis nas suas vidas. Sarason, Shearin,

    Pierce e Sarason (1987, cit. Mayer, 2002) verificaram que sujeitos com alto ndice de

    apoio percebido atribuem a si mesmos mais qualidades positivas do que negativas,

    alm de se relacionarem positivamente com seus pais, amigos e pares. Afirmam que

    estes resultados contribuem para capacitar os sujeitos a desenvolver estratgias de

  • 24

    coping mais realistas e efectivas, sendo mais eficazes no confronto com desafios,

    mesmo em uma situao de stress (Pierce & cols., 1996; Sarason & cols., 1987;

    Sarason, Shearin, Pierce & Sarason, 1987 cits in Mayer, 2002). Desta forma, o apoio

    percebido relaciona-se com caractersticas de personalidade e modos de

    enfrentamento do indivduo, bem como com eventos de vida que podem afectar a

    habilidade de requerer e aceitar o apoio (Blain, Thompson, & Whiffen, 1993; Bandeira

    et al., 2011).

    Alguns estudos tentaram perceber o papel do apoio social percebido no

    tratamento e reinsero de adictos. Bernichon Ellis, Herrell, Roberts & Yu (2004)

    verificaram que o apoio social poderia desempenhar um papel diferente antes da

    entrada em tratamento de abuso de substncias do que durante ou aps. O contacto

    com a famlia antes do tratamento parece ter um impacto negativo sobre os resultados

    deste. Westreich, Heitner, Cooper, Galanter, e Guedj (1997, cit. Bernichon et al., 2004)

    averiguaram que a baixa percepo de apoio proveniente da famlia no incio do

    tratamento era levemente correlacionada com a concluso de um programa de

    dependncia, enquanto os utentes que apresentavam maior percepo inicial do apoio

    da famlia executavam menos bem o tratamento, havendo maior incidncia dos

    mesmos em programas de dependncia. Richardson (1999, cit. Bernichon et al., 2004)

    comprova que a presena de membros da famlia na rede social foi significativamente

    relacionada abstinncia um ano aps a desintoxicao.

    No estudo de Civita et al. (2000 cit. Souza, 2010) os membros da famlia, e

    amigos de pacientes adictos foram questionados sobre suas experincias como fontes

    de apoio e como poderiam participar no processo de tratamento. Os resultados desta

    pesquisa elucidaram que os membros da famlia eram os mais empenhados

    emocionalmente em proporcionar apoio permanente. Alm disso, identificaram que

    fornecer apoio social na situao de dependncia de drogas culmina em desgaste

    emocional devido s recadas que geram desesperana e frustrao influenciando os

    apoiantes a cessar o seu envolvimento com o processo de tratamento (Civita et al.,

    2000 cits in Souza, 2010).

    Fazendo a comparao entre dois grupos (de dependentes e no

    dependentes) acerca da percepo de disponibilidade de apoio social verificaram que

    os resultados foram semelhantes em ambos os grupos (Civita et al., 2000 cits in

    Souza, 2010). A percepo da existncia de pessoas que se interessam e tentam

    ajudar quando necessrio pode ser a chave da eficcia do apoio social na promoo

    da sade fsica e psicolgica. Tal percepo influencia o modo como as pessoas lidam

    com os diversos acontecimentos na vida, isto , o indivduo que sente que algum o

  • 25

    valoriza, o protege e se preocupa com ele, e se sente pertencente a uma rede social

    baseada na reciprocidade (Civita et al., 2000 cits in Souza, 2010).

    Por fim, o estudo levado a cabo por Gideon (2007) analisou o papel da famlia

    no processo de reabilitao e reinsero de adictos em priso e constatou que embora

    a famlia possa fornecer apoio positivo, se no for auxiliada e orientada correctamente,

    poder levar a conflitos com o adicto. Horwitz, McLaughlin e White (1998, cit. Gideon,

    2007) afirmam que os mesmos laos ntimos que servem como fontes de suporte

    social tambm podem ser fonte de misria, conflito, sofrimento e angstia. Mais

    problemtico o facto de que a maioria das famlias dos adictos considerada como

    parte do problema (Gideon, 2007). Sendo assim, constata-se que a relao do

    indivduo com a fonte de apoio pode ser ambgua, ou seja, esta pode proporcionar

    auxlio material, mas tambm stress emocional, ou ainda, apoio emocional, mas

    cobranas comportamentais e isso diz respeito ao modo de proporcionar o apoio

    (Civita et al., 2000 cits in Souza, 2010).

    Ao longo da reviso bibliogrfica sobre o sentimento de segurana percebe-se

    que a primeira base de segurana do sujeito para satisfazer necessidades evolui das

    relaes de apego iniciais com a famlia fazendo reflectir a esfera emocional neste

    contexto (e.g. Mayer, 2002). Desta forma, o conceito de apego aparece repetidamente

    associado ao desenvolvimento positivo deste sentimento (e.g. Pontes, Silva, Garotti, &

    Magalhes, 2007). De acordo com Bowlby (1990, cit. Yrnoz, Alonso-Arbiol, Plazaola,

    & Murieta, 2001), apego definido como uma conduta instintiva, dinmica e modelada

    atravs da interaco com os outros indivduos significativos por um longo perodo de

    tempo. Caracteriza, ainda, o apego como um sistema de controlo, ou seja, um

    mecanismo que favorece a adaptao de comportamentos com o objectivo de

    alcanar as suas principais necessidades (Yrnoz et al., 2001). Countreras, Kerns,

    Weimer, Gentzler e Tomich (2000, cit. Pontes et al., 2007) acrescentam que a teoria

    do apego caracteriza os estilos de regulao de emoes como processos intrnsecos

    e extrnsecos responsveis pela regulao, avaliao e modificao das reaces

    emocionais.

    A teoria supramencionada parte da proposio de que os seres humanos

    formam laos afectivos com determinadas figuras significativas, sendo nos primeiros

    anos de vida os pais, com quem desenvolvem um processo de aprendizagem por

    imitao (Heilbrun, 1973 cit in Pontes et al., 2007).

    Assim, as relaes de apego seguro concorrem para o desenvolvimento de

    modelos internos caracterizados por valorizao e apoio por parte das figuras de

    ligao. Nas relaes referidas, o indivduo apreende expectativas sociais positivas e

    um entendimento primordial de trocas recprocas. Por outro lado, nas relaes de

  • 26

    apego inseguro no predominam o sentimento de segurana e a valorizao (Pontes

    et al., 2007).

    Seguindo a linha do apego com as figuras de ligao, o modelo de

    Bartolomeu (1990) e Bartholomew e Horowitz (1991) surge consecutivamente na

    literatura como relevante para se conseguir perceber de que maneira o sujeito se liga

    s suas figuras de ligao deixando transparecer o nvel de segurana que sente

    perante estas (e.g. Yrnoz et al, 2001).

    Bartolomeu (1990) e Bartholomew e Horowitz (1991) citados por Yrnoz et al.

    (2001) identificaram duas componentes na teoria do apego: imagem dos outros

    (relacionada com a avaliao da figura de apego como algum que est disponvel e

    em quem se pode confiar), e a auto-imagem ou avaliao de si mesmo (como algum

    que vale a pena, ou no, e desperta, ou no, o interesse dos outros). Atravs do

    cruzamento destas duas componentes, Yrnoz et al (2001) distinguem quatro tipos de

    apego em relao figura parental: o seguro (que combina uma crena positiva de si

    mesmo e dos outros); o evitamento-rejeio (havendo a crena positiva de si mesmo

    mas uma imagem negativa dos outros indivduos); o preocupado (manifestando um

    auto-conceito negativo de si mas uma crena positiva dos outros), e o evitamento-

    temvel, (com a percepo de negatividade em relao a si e ao outro).

    Levy, Blatt, e Shaver (1998, cit. Yrnoz et al., 2001), examinam a relao entre

    os estilos de apego mencionados e as representaes que os filhos tm dos pais.

    Encontram caractersticas parentais de elaborao, benevolncia e de punio em

    sujeitos com apego seguro. Quanto aos pais dos sujeitos de tipo de apego evitamento-

    rejeio, estes foram caracterizados com maior grau de punio, de forma

    relativamente similar do tipo evitamento-temvel, enquanto os preocupados

    caracterizam seus pais tanto punitivos como benevolentes.

    Outro modelo terico que surge como estando conectado explicao do

    desenvolvimento da dinmica do sistema de apego contribuindo para o panorama

    conceptual do sentimento de segurana o modelo de Mikulincer e Shaver (2003).

    Mikulincer e Shaver (2003, cit. Mikulincer & Shaver, 2005) propem um modelo

    de funcionamento e dinmica do sistema de apego na vida adulta. Neste modelo de

    apego, a avaliao da figura de apego automaticamente activa representaes

    mentais de apego de segurana. Estas representaes incluem tanto o conhecimento

    declarativo bem como o processual em torno de um prottipo ou relacional script

    (Waters, Rodrigues, & Ridgeway, 1998 cit in Mikulincer & Shaver, 2005). Esse script

    inclui proposies do tipo se X ento Y: Se eu encontrar um obstculo e/ou tornar-me

    angustiado, eu posso abordar algum significativo para ajudar-me, ele ou ela

    provvel que esteja disponvel a apoiar-me, vou sentir um alvio e conforto resultado

  • 27

    da proximidade com essa pessoa, ento eu posso voltar para outras actividades. Uma

    vez activado este script servir como um guia para a regulao adaptativa dos

    prprios processos cognitivos e afectivos (Mikulincer & Shaver, 2005).

    Desta forma, como modo de verificar que representaes de apego o sujeito

    apresenta, Mikulincer e Shaver (2005) criaram trs conjuntos bsicos de crenas

    declarativas, que desempenham um papel central na manuteno da estabilidade

    emocional e ajustamento pessoal.

    O primeiro conjunto de crenas abarca a avaliao dos problemas da vida

    como administrveis, ajudando, assim, uma pessoa a manter uma postura optimista e

    esperanosa em relao gesto do stress. Estas crenas so o resultado de

    interaces positivas com figuras de apego sensveis e disponveis, durante as quais

    os indivduos aprendem que a angstia administrvel, obstculos externos podem

    ser superados, e o curso e o resultado dos eventos vistos como ameaadores so

    parcialmente controlveis. Estudos de apego no adulto fornecem amplo suporte para

    uma conexo entre as representaes mentais de apego seguro e crenas optimistas

    e esperanosos (Berant, Mikulincer & Florian, 2001, Mikulincer & Florian, 1995;

    Radecki-Bush, Farrell & Bush, 1993 cits in Mikulincer & Shaver, 2005).

    Especificamente, indivduos seguros, identificados atravs de medidas de auto-relato,

    apreciam uma grande variedade de eventos stressantes em termos menos

    ameaadores do que pessoas inseguras, ou ansiosas ou evitantes, e contm

    expectativas mais optimistas sobre a sua habilidade de lidar com fontes de angstia

    (Berant, Mikulincer & Florian, 2001, Mikulincer & Florian, 1995; Radecki-Bush, Farrell &

    Bush, 1993 cits in Mikulincer & Shaver, 2005).

    Quanto ao segundo conjunto de crenas declarativas includas nas

    representaes de apego de segurana, relacionam-se com a percepo das

    intenes e traos dos outros como positivos. Novamente, estas representaes

    positivas so o resultado da interaco com figuras de apego disponveis, durante a

    qual os indivduos aprendem acerca da sensibilidade, agilidade e boa vontade nos

    seus principais relacionamentos (Mikulincer & Shaver, 2005). Numerosos estudos tm

    demonstrado que indivduos que apresentam baixas pontuaes de ansiedade e

    padro de evitao, possuem uma viso relativamente positiva da natureza humana

    (Collins & Read, 1990; Hazan & Shaver, 1987 cits in Mikulincer & Shaver, 2005),

    descrevem os parceiros de relao enunciando caracterstica positivas (Feeney &

    Noller, 1991; Levy, Blatt & Shaver, 1998 cits in Mikulincer & Shaver, 2005),

    percebendo-os como parceiros de suporte (Davis, Morris & Kraus, 1998; Ognibene &

    Collins, 1998 cits in Mikulincer & Shaver, 2005), e sentem-se confiantes para estes

    (Collins & Read, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Simpson, 1990 cits in Mikulincer &

  • 28

    Shaver, 2005). Para alm disto, pessoas com apego seguro tm expectativas positivas

    quanto ao comportamento dos seus parceiros (Baldwin et al, 1993;. Baldwin et al,

    1996: Mikulincer & Arad, 1999 cits in Mikulincer & Shaver, 2005) e tendem a explicar o

    comportamento negativo deste em termos relativamente positivos (Collins, 1996;

    Mikulincer, 1998a cits in Mikulincer & Shaver, 2005).

    Por fim, o terceiro conjunto reporta-se a crenas sobre o prprio valor,

    competncia e mestria. Durante as interaces com figuras de apego sensveis e

    disponveis, os indivduos aprendem a ver-se como activos, fortes e competentes, pois

    podem efectivamente mobilizar o apoio de um parceiro e superar as ameaas que

    activam o comportamento de apego. Alm disso, podem facilmente percepcionar-se

    como valiosos, amveis e especiais - graas a serem valorizados, amados e

    considerados especiais por uma figura de apego carinhosa. A pesquisa tem mostrado

    consistentemente que essas auto-representaes positivas so caractersticas das

    pessoas com segurana nos apegos. Em comparao s pessoas com ligaes de

    ansiedade, as pessoas seguras relatam maior auto-estima (Bartholomew & Horowitz,

    1991; Mickelson, Kessler & Shaver, 1997), vem-se como competentes e eficazes

    (Brennan & Morris, 1997; Cooper, Shaver & Collins, 1998 cits in Mikulincer & Shaver,

    2005), descrevendo-se a si mesmas em termos positivos (Mikulincer, 1995 cit in

    Mikulincer & Shaver, 2005).

    Mikulincer e Shaver (2003, cit. Mikulincer & Shaver, 2005) afirmam que uma

    vez que o sistema de apego activado, o sujeito questiona o quanto uma figura de

    apego suficientemente disponvel e responde ao solicitado. Uma resposta afirmativa

    resulta no funcionamento adequado do sistema de fixao, caracterizada pelo reforo

    das representaes mentais do apego de segurana e a consolidao de estratgias

    de segurana baseadas na regulao das emoes (Mikulincer & Shaver, 2005). Estas

    estratgias visam aliviar a angstia, promovendo apoio em relacionamentos ntimos, e

    aumentando a percepo de ajuste real, pessoal e social.

    Percepes de figuras de apego indisponveis ou insensveis resultam em

    apego de insegurana, o que agrava o sofrimento j despertado pela ameaa

    percebida. Este estado de insegurana fora uma deciso sobre a viabilidade da

    proximidade como estratgia de proteco. Quando a busca de proximidade

    avaliada como vivel ou essencial, devido s anteriores experincias de apego, auto-

    conceito, temperamento, ou pistas contextuais, as pessoas adoptam estratgias de

    apego hyperactivating, as quais incluem intensos recursos para figuras de apego e

    contnua confiana nestas, sendo assim, vistas como uma fonte de conforto

    (Mikulincer & Shaver, 2005).

  • 29

    Tendo em conta a reviso de literatura apresentada acerca do sentimento do

    segurana e a preocupao fulcral desta investigao em compreender a percepo

    dos adictos sobre o sentimento de segurana proveniente da famlia, neste trabalho

    este foi definido em trs grandes dimenses a familiar, a social e a emocional.

    A dimenso familiar foi definida em termos do seu sistema de valores pois

    neste contexto que se do as primeiras aprendizagens de valor pertinentes para o

    desenvolvimento do sentimento de segurana (Corzo, 2001). Utilizou-se nesta vertente

    o modelo de valores de Schwartz (1992) frequentemente enunciado como um

    importante contributo para a compreenso da posio que o sujeito se coloca face ao

    sistema de valores familiar, estando mais ou menos prximo dele (Bilsky, 2009;

    Campos & Porto, 2010; Porto & Tamayo, 2007). Ainda nesta dimenso a

    funcionalidade da famlia parece contribuir para o crescimento do sentimento de

    segurana neste contexto (e.g. Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010; Bozetti et

    al., 2000). Deste modo surgem a coeso e a adaptabilidade como parmetros bsicos

    do funcionamento familiar propostos por Olson e cols (1985) sendo influentes para o

    sentimento de segurana bem como o modelo de avaliao dos estilos de educao

    parental de Baumrind (1971) que utiliza dois eixos como a exigncia e a

    disponibilidade de resposta de maneira a compreender este sentimento no contexto

    em foco (Silva, 2009; Paterna, s.d.). Ao longo da literatura encontra-se que aspectos

    como a adaptabilidade, coeso e os estilos educativos influenciam a percepo de

    sentimento de segurana nas famlias de adictos (Arajo, 2003; Chau, Choquet et al.,

    2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva &

    Ronzani, 2009).

    No que diz respeito dimenso social, visto que importa compreender a

    percepo do sujeito sobre o sentimento de segurana provindo da famlia, o apoio

    social percebido revelou ser o enquadramento mais adequado pois prope

    compreender a percepo que o sujeito tem do apoio disponvel na rede em que est

    inserido e o apoio social colabora para o aumento do sentimento de segurana (e.g.

    Bandeira et al., 2011). Em estudos concretizados junto de famlias de adictos

    percebeu-se que o papel do apoio da famlia pode ser ambguo, ou seja, poder

    fornecer apoio positivo ou tornar-se uma fonte de sofrimento (e.g. Gideon,2007).

    Do ponto de vista da dimenso emocional, o conceito de apego demonstrou-

    se relevante no desenvolvimento positivo do sentimento de segurana (e.g. Pontes et

    al., 2007), sendo assim, surgem modelos tericos consistentes no mbito do apego na

    bibliografia (Yrnoz et al., 2001; Mikulincer & Shaver, 2005). O modelo de apego de

    Bartolomeu (1990) e Bartholomew & Horowitz (1991) constitui-se pertinente nesta

    investigao pois procura explicar a forma como o sujeito se liga s pessoas que o

  • 30

    circundam e o modelo de apego de Mikulincer & Shaver (2003) que avalia as

    representaes mentais de apego de segurana activadas pela figura de apego

    (Yrnoz, Alonso-Arbiol, Plazaola, & Murieta, 2001; Mikulincer & Shaver, 2005).

    1.2 - Sentido de Comunidade

    Diversas pesquisas tm encontrado relao entre o sentido de comunidade e o

    bem-estar psicolgico, demonstrando que o sentido de comunidade contribui

    positivamente para a sade (Davidson & Cotter, 1991 cit in Ahern & Hendryx, 1997).

    Visto que, como j mencionado, a populao-alvo deste estudo um grupo de adictos

    em fase de tratamento na comunidade teraputica Villa dos Passos - Centro de

    Tratamento e Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos considerou-se

    pertinente compreender qual o sentido de comunidade destes sujeitos nesta

    comunidade.

    O consenso para uma definio de comunidade parece estar longe dadas as

    suas caractersticas e os processos que nela ocorrem (Marante, 2010). Sarason

    (1974, cit. Ornelas, 2008) utilizou o termo comunidade para se referir a vrios

    contextos e redes de relaes incluindo as localizaes, as organizaes comunitrias

    ou profissionais, as instituies religiosas ou grupos mais pequenos.

    Deste modo, possvel os sujeitos pertencerem a diversas comunidades em

    simultneo, podendo ter uma forte ligao com vrias (Carapinha, 2010).

    A proposta da definio de comunidade avanada por Gusfield (1975, cit.

    Amaro, 2007; Anis, 2009; Marante, 2010; Ornelas, 2008) frequentemente apontada

    por diversos autores. Gusfield (1975, cit. Ornelas, 2008) distingue comunidade

    geogrfica e a comunidade relacional.

    As comunidades geogrficas e as relacionais so semelhantes no sentido em

    que ambas so compostas por indivduos, instituies, recursos e meios para a sua

    divulgao (Amaro, 2007).

    As primeiras so definidas pelos seus limites em termos de espao remetendo-

    nos para uma noo territorial de cidade, zona ou bairro (Amaro, 2007; Anis, 2009;

    Marante, 2010). A comunidade geogrfica criada em funo de um territrio

    especfico e as relaes desenvolvem-se ao nvel da proximidade, no

    necessariamente da escolha (Dalton, Elias & Wandersman, 2001 cit in Ornelas, 2008).

    No que diz respeito a comunidades relacionais, definem-se pelos interesses,

    propsitos comuns ou marcas culturais e onde as relaes se desenvolvem com base

    na partilha de interesses e valores (Gusfield, 1975 cit in Ornelas, 2008). Actualmente,

    as comunidades mais significativas para os sujeitos, onde encontram as suas fontes

  • 31

    de apoio e pertena so as comunidades relacionais e no as definidas em termos

    geogrficos (Heller, 1989; Hunter & Riger, 1986; Rheingold, 1991 cit in Ornelas, 2008).

    Numa comunidade relacional o sentido de comunidade implica a ligao e o

    sentimento de pertena ao grupo (Ornelas, 2008). Os membros no contexto de uma

    comunidade relacional sentem-na como um espao seguro, onde podem aprender

    novas competncias, investem a sua energia e tempo na prossecuo dos objectivos

    comuns, sentindo que podem fazer a diferena, e estabelecem uma ligao afectiva

    com essa comunidade e com os seus membros (Ornelas, 2008).

    A investigao em questo debruou-se na comunidade teraputica Villa dos

    Passos que se enquadra na categoria de comunidade relacional, pois os membros

    partilham experincias significativas desenvolvendo relaes interpessoais com base

    na identificao de acontecimentos em comum.

    O conceito de comunidade teraputica foi utilizado pela primeira vez no incio

    dos anos 50 pelo psiquiatra Maxwell Jones, para assinalar um tipo especfico de

    tratamento no qual a responsabilidade deste no nica e exclusivamente da equipa

    mdica, mas tambm dos membros da comunidade (Borges & Filho, 2004; Fontaine,

    Herv & Morel, 1997). Assim, em termos de conceitos fundamentais e de acordo com

    Yaria (1992, cit. Borges & Filho, 2004), pode-se referir que a comunidade teraputica

    um sistema social que deve facilitar a aprendizagem que em si mesma teraputica e

    na qual ocorre a possibilidade de mudana. Neste sentido, e segundo o autor supra

    referido, a comunidade teraputica vista como uma microsociedade, da qual fazem

    parte normas de convivncia e de realizao de tarefas sendo os seus objectivos

    principais a abstinncia de drogas, o voluntariado e a aprendizagem. Deste modo,

    uma comunidade teraputica surge como um sistema social composto pelo poder da

    influncia da interactividade em cada um dos seus participantes (Maturana, 1980 cit in

    Perfas, 2004).

    Uma comunidade teraputica pode, ainda, ser considerada um contexto

    educativo pois o campo da educao pleno de possibilidades, no privilegiando

    apenas o meio escolar, mas tambm outros agenciamentos educacionais activos no

    mbito social (Maraschin, 2003 cit in Vieira, 2008). De acordo com Foulin e Mouchan

    (2000), todas as comunidades tm um sistema de educao, simples ou complexo,

    sistema este fundamental para que o ser humano prossiga com a mudana,

    alcanando a satisfao das suas necessidades fsicas e biolgicas, pois a educao

    visa modelar o comportamento, as atitudes, os saberes e os valores dos membros de

    uma determinada comunidade.

    A anlise psicolgica de todas as facetas da realidade educativa faz parte do

    domnio da psicologia educacional, que tem como objectivo constatar ou compreender

  • 32

    e explicar o que se passa no seio da situao de educao (Coll, Palacios & Marchesi,

    1996; Mialaret, 1999). A psicologia educacional vista como um campo de actuao

    que articula diversas dimenses: individual, social, institucional e cultural, na qual se

    encontram as necessidades identificadas em determinado universo. necessrio

    articular diversos campos tericos para que se desenvolva a capacidade de produzir

    respostas e intervenes que satisfaam as necessidades das diversas dimenses

    (Alves & Silva, 2006). Assim por se considerar o sujeito e as suas relaes visualiza-

    se um encontro da psicologia educacional com a psicologia social (Alves & Silva,

    2006).

    Nesta perspectiva, considera-se que o sujeito se constitui nas relaes com os

    outros, via actividade humana, em que o outro tido como essencial no processo de

    constituio do sujeito. De acordo com Ges (1993, cit. Andrada, 2002), a aco do

    outro conhecida como uma aco partilhada, que ajuda no estabelecimento de

    pontes, que d suporte ao sujeito da relao (Andrada, 2002). A mediao do outro

    serve como elo para conexo com o espao cultural (Silva, 2004). O sujeito , assim,

    concebido como um ser biopsicossocial que se desenvolve nas interaces

    estabelecidas com o mundo e com seus semelhantes (Silva, 2004).

    Deste modo, o que foi acima mencionado vai ao encontro dos objectivos

    preconizados por uma comunidade teraputica vista como sistema social e pelo

    prprio modelo utilizado pela Villa dos Passos, o modelo Minnesota, que se designa

    biopsicossocial existindo a necessidade de haver um foco multidimensional no sujeito

    e na aprendizagem de um novo estilo de vida. Nesta ligao entre a psicologia

    educacional com a psicologia social, a ltima por sua vez ramifica-se na psicologia

    comunitria que tem como um dos seus principais conceitos o sentido de comunidade,

    varivel em explorao nesta investigao.

    Sarason (1974, cit. Amaro, 2007; Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007;

    Carapinha, 2010; Gen & Pendola, 2008; Marante, 2010; Ornelas, 2008) foi o primeiro

    autor a avanar com a definio de sentido de comunidade que surgiu com a

    finalidade de explicar a natureza dos laos estabelecidos entre os indivduos e grupos

    sociais alargados, como a comunidade (Snchez-Vidal, 1991 cit in Carapinha, 2010).

    Nesta sequncia, Sarason (1974, cit. Amaro, 2007, p. 25) descreveu o sentido

    de comunidade como o sentimento de que somos parte de uma rede de

    relacionamentos de suporte mtuo, sempre disponvel e da qual podemos depender,

    ou seja, este conceito abarca o sentimento de pertena, em que o indivduo se

    percepciona como parte integrante e significativa de uma colectividade maior e de uma

    rede de relaes interdependentes e de suporte mtuo em que se pode confiar e da

    qual se pode depender. De acordo com esta definio, o sentido de comunidade um

  • 33

    importante ncleo em torno de interaco social entre os membros de uma

    colectividade, e complementado com a percepo de enraizamento territorial e uma

    sensao geral de mutualidade e interdependncia (Snchez-Vidal, 1991 cit in

    Carapinha, 2010). Sarason (1974, cit. Amaro, 2007), ainda, afirma que o sentido de

    comunidade pode ser um processo facilitador da participao dos cidados e assim

    prevenir sentimentos de anomia, isolamento e solido que potenciam dinmicas

    destrutivas na vida dos sujeitos e o empobrecimento das sociedades.

    Posteriormente, McMillan e Chavis (1986) criaram o modelo de sentido de

    comunidade, amplamente eleito pelos diferentes autores e aceite ao nvel da

    comunidade cientfica sendo por isso, o modelo adoptado neste estudo (Amaro, 2007;

    Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007; Carapinha, 2010; Gen & Pendola, 2008;

    Marante, 2010; Ornelas, 2008). Deste modo McMillan e Chavis (1986) definem sentido

    de comunidade como um sentimento de pertena que os membros possuem, de que

    os membros se preocupam uns com os outros e com o grupo, e uma f partilhada de

    que as necessidades dos membros sero satisfeitas atravs do compromisso de

    permanecerem juntos (p. 9).

    Este modelo delineado por McMillan e Chavis (1986) pretende descrever a

    dinmica do sentido de comunidade levando identificao dos vrios elementos

    envolvidos e ao processo pelo qual estes cooperam para produzir a experincia de

    sentido de comunidade (Marante, 2010). Os autores propuseram que este modelo

    fosse composto por quatro dimenses: Estatuto de Membro (Membership), Ligaes

    Emocionais Partilhadas (Shared Emotional Connection), Influncia (Influence), e

    Integrao e Satisfao de Necessidades (Integration and Fulfillment of Needs).

    O Estatuto de Membro o sentimento de pertena ou de partilhar um

    relacionamento pessoal fazendo parte de um colectivo (Amaro, 2007, p.26). Define-se

    como um sentimento de que se tem investido parte de si para se tornar membro e,

    portanto, com o direito de pertencer (Anis, 2009) Este estatuto de membro traz

    consigo direitos, mas tambm deveres ou responsabilidades, e disposio para os

    membros se sacrificarem mutuamente, procurando a definio de relaes de lealdade

    (McMillan & Chavis, 1986; Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007; Gen &

    Pendola, 2008; Marante, 2010).

    A dimenso Estatuto de Membro constituda por cinco atributos que

    contribuem para perceber quem faz parte da comunidade e quem no faz,

    designadamente: limites, segurana emocional, sentimento de identificao,

    investimento pessoal e um smbolo comum (Carapinha, 2010). O autor mencionado

    descreve os cinco atributos, da seguinte forma:

  • 34

    A pertena a um grupo define-se atravs de limites e critrios de

    incluso/excluso de pessoas, que providenciam um sentimento de

    segurana emocional, e que proporcionam s pessoas que estejam includas

    no grupo, sentimentos de identificao com outras pessoas, pois estas

    possuem caractersticas semelhantes. Estas caractersticas semelhantes so

    depois ampliadas atravs de um smbolo comum que as define e identifique

    perante outros grupos. Do mesmo modo, o investimento pessoal favorece a

    dimenso de pertena na medida em que a pessoa merece o seu lugar como

    membro do grupo devido ao esforo que encetou para alcanar esse

    objectivo (Carapinha, 2010, p.7).

    A dimenso Ligaes Emocionais Partilhadas destaca-se como sendo um

    elemento fundamental que caracteriza uma verdadeira comunidade. Refere-se ao

    sentimento de intimidade resultante do compromisso e crena de que os membros

    partilharam e iro partilhar histria, lugares comuns, tempo juntos, e experincias

    similares (McMillan & Chavis, 1986, p.9). Esta dimenso baseada, em parte, na

    partilha da histria, no necessariamente uma histria comum, ou seja a vivncia das

    mesmas situaes, mas uma histria na qual os sujeitos se identifiquem e incorporem

    na sua histria pessoal (McMillan, 1996 cit in Carapinha, 2010). Esta histria pessoal

    fundada na experincia, para a qual essencial o contacto com outros sujeitos

    (McMillan, 1996 cit in Armitage & Maya-Jariego, 2007).

    Dentro desta dimenso foram identificadas caractersticas como a quantidade e

    qualidade da interaco; o desfecho positivo de acontecimentos; a partilha de eventos;

    a importncia dos membros para a histria do grupo; o investimento no grupo; a

    recompensa dos membros; e ligao espiritual comunidade e aos seus membros

    (Anis, 2009; Marante, 2010).

    McMillan (1996 cit. Marante, 2010; Wright, 2004) acrescenta que a comunidade

    deve partilhar o destino das suas experincias comuns em algum sentido. Sugere-se,

    assim, que as ligaes so fortalecidas atravs dos contactos positivos e prximos

    entre os seus membros, e do reconhecimento e valorizao da participao dos

    membros pela comunidade (Ornelas, 2008).

    No que diz respeito Influncia, esta definida por McMillan & Chavis (1986)

    como um sentimento de importncia, de fazer a diferena para o grupo e de o grupo

    ser importante para os seus membros (McMillan & Chavis, 1986, p.9). Deste modo, a

    influncia corresponde a um conceito bidireccional, em que o grupo capaz de

    influenciar ou afectar os membros individualmente, assim como ser afectado pelos

    seus membros, havendo duas direces na dinmica da influncia, sendo

    representada por sentimentos de capacidade de afectao mtua (e.g. Wright, 2004).

  • 35

    Estas duas direces, apesar de contrrias, so compatveis e funcionam em

    simultneo mantendo a estabilidade do grupo (Carapinha, 2010). Verifica-se que a

    conformidade dos indivduos no grupo serve como fora de proximidade, bem como

    indicador de coeso do grupo (Carapinha, 2010).

    Deste modo, Influncia diz respeito a um processo de negociao entre a

    identidade do grupo e a identidade de cada membro do grupo, criando uma esfera de

    foras concorrentes (Marante, 2010). Nestas circunstncias actualizam-se funes e

    redefine-se a estrutura de poder (Marante, 2010). Os sujeitos que reconhecem que as

    necessidades dos outros, valores e opinies so importantes para eles, so

    geralmente, os membros mais influentes do grupo; enquanto aqueles que tentam

    dominar os outros e ignoram os desejos e as opinies deles so, muitas vezes, os

    membros menos poderosos (Wright, 2004).

    A ltima dimenso do sentido de comunidade a Integrao e Satisfao de

    Necessidades, ou seja o sentimento de que as necessidades dos membros sero

    satisfeitas pelos recursos recebidos pelo seu estatuto de membro no grupo (McMillan

    & Chavis, 1986 p.9). Neste contexto, McMillan & Chavis (1986 cit. Marante, 2010)

    referem que aps a satisfao das necessidades bsicas, no encontro com outros

    indivduos e na partilha de valores, que os sujeitos delineiam novos objectivos e

    prioridades. Desta forma, os indivduos ganham espao de integrao nas

    comunidades de maneira a poderem ser satisfeitos.

    Na Integrao e Satisfao de Necessidades destaca-se o conceito de reforo,

    considerado um elemento que impulsiona as dinmicas entre os sujeitos e o grupo,

    factor essencial para que se mantenha o sentimento de unio. O reforo, em conjunto

    com a satisfao de necessidades, torna-se essencial para uma comunidade forte

    (McMillan & Chavis, 1986 cit in Marante, 2010). Segundo a reviso de literatura

    efectuada por McMillan & Chavis (1986), status, competncia e valores partilhados so

    alguns dos reforos que favorecem um sentimento de Integrao e Satisfao de

    Necessidades. O sucesso do grupo e o consequente status que a pertena ao mesmo

    proporciona revela-se como um importante reforo (Anis, 2009; Carapinha, 2010).

    Quanto ao reforo de competncia, este relaciona-se com as habilidades e

    competncias especficas de um grupo e dos membros (Anis, 2009; Carapinha,

    2010). Por ltimo, os valores partilhados entre o grupo e os seus membros definem um

    espao de representao de necessidades e prioridades em comum. Este espao

    comum limita a aco do grupo e auxilia na organizao e no estabelecimento de

    prioridades para a realizao de actividades (Anis, 2009; Carapinha, 2010).

    Atravs do sentimento de satisfao das necessidades individuais, o

    sentimento de pertena ao grupo facilitado e os membros so motivados a manter o

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    seu envolvimento no grupo (Amaro, 2007). Desta forma, para McMillan e Chavis

    (1986, cit. Marante, 2010; Amaro, 2007) a satisfao de necessidades e o reforo so

    uma funo primria de uma comunidade forte. Esta deve ser capaz de enquadrar os

    sujeitos num conjunto em que se desenvolve uma dinmica de satisfao e reforo,

    onde algum satisfaz as necessidades de outros, enquanto satisfaz as suas prprias,

    num ciclo de progressiva actualizao (Amaro, 2007; Ornelas, 2008).

    Na reviso de literatura efectuada, observou-se que se realizou um nmero

    considervel de estudos acerca do sentido de comunidade em comunidades

    geogrficas, e so escassos os estudos que deram foco a comunidades relacionais

    (Obst, Smith, & Zinkiwicz