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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Tania Maria Lopes Torres O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade de Cura Religiosa na Igreja Adventista do Sétimo Dia DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo 2017

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Page 1: O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade de ... · A unção dos enfermos com propósitos de cura tem sido praticada pelos cristãos desde a era medieval, caindo,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Tania Maria Lopes Torres

O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade

de Cura Religiosa na Igreja Adventista do Sétimo Dia

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo

2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Tania Maria Lopes Torres

O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade

de Cura Religiosa na Igreja Adventista do Sétimo Dia

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação

da Professora Doutora Maria Helena Villas Bôas Concone.

São Paulo

2017

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BANCA EXAMINADORA

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Page 4: O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade de ... · A unção dos enfermos com propósitos de cura tem sido praticada pelos cristãos desde a era medieval, caindo,

para Milton, Kérix, Krícis, Ana, Leonor, Sônia, Vânia e Getúlio (in memoriam)

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Aluna bolsista CAPES-Taxa

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela saúde e disposição para estudar e compreender os mistérios do ser humano.

À Profa. Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone, pelas sábias orientações durante o processo

de construção deste trabalho.

Aos professores da PUC-SP, pelo maravilhoso exemplo de dedicação ao ensino e tolerância às

diferenças, que me proporcionaram durante meus anos de estudo nesta Universidade.

À administração do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), pela concessão de

tempo e apoio financeiro para a realização desta pesquisa.

Aos colegas e alunos dos cursos de Arquitetura, Engenharia Civil, Letras e Tradutor &

Intérprete do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), pelo companheirismo e

incentivo.

Aos filhos, nora, irmãs, cunhadas, cunhados, sobrinhos, sobrinhas e demais familiares, pelo

apoio constante e incondicional.

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Quando honestamente nos indagamos que pessoa tem

mais significado em nossa vida, descobrimos que é

quem, em vez de dar conselhos, soluções ou curas,

preferiu partilhar nossa dor e tocar nossas feridas com

mãos carinhosas e ternas. O amigo que consegue ficar

em silêncio conosco durante um momento de

desespero ou confusão, que consegue ficar ao nosso

lado na hora do luto e da perda, que consegue

aguentar não saber, não curar, não resolver, senão

encarar conosco a realidade da nossa impotência, esse

é um amigo de verdade.

Henri J. M. Nouwen, Out of solitude

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RESUMO

Esta investigação se propôs a pesquisar qualitativamente o sucesso ou o fracasso da unção de enfermos como meio de alterar estatisticamente a história natural previsível de uma enfermidade. Sua metodologia consistiu de um estudo de resultados (outcome study), conforme proposto por Finkler (1985), voltado para uma comunidade rural, no bairro Lagoa Bonita, município de Engenheiro Coelho, onde os residentes são, em sua maioria, fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas com vinte e dois participantes. Constituiu-se a amostra ou com respondentes (90% dos quais eram adventistas) que se submeteram ao ritual da unção (denominados “sujeitos”) ou, no caso de sua impossibilidade, com respondentes que satisfizessem os dois critérios ad hoc de inclusão (denominados “informantes”): (1) parentesco próximo; e (2) presença durante a ministração do rito. Pelo menos 14 (isto é, 63%) dos sujeitos podiam ser descritos como em estado grave ou terminal. Para a análise dos dados, empregou-se o método da análise de conteúdo de Bardin (1977). Confirmou-se, no final da investigação, a tese que o rito da unção é sociologicamente eficaz e antropologicamente justificável, pois pertence à dimensão da regulação simbólica, razão pela qual os cuidadores espirituais conseguem ministrar aos pacientes com dor crônica em aspectos geralmente negligenciados pela biomedicina, daí a necessidade de sua institucionalização como possibilidade de tratamento.

Palavras-chave: Religião e saúde; Estudo de resultados; Regulação simbólica.

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ABSTRACT

This research set out to qualitatively investigate the success or failure of the anointing of the sick as a means of statistically altering the predictable natural history of a disease. Its methodology consisted of an outcome study, as proposed by Finkler (1985), aimed at a rural community, in the Lagoa Bonita district, in Engenheiro Coelho, Brazil, where most of the residents profess Seventh-Day Adventistism. The data were collected by means of semi-structured interviews with twenty-two participants. The sample was formed either with respondents (90% of whom were Adventists) who underwent the ritual of anointing (referred to as “subjects”) or, in case they were not available, with respondents who met the two ad hoc criteria for inclusion (referred to as “informants”): (1) close kinship; and (2) being present during the ministration of the rite. At least 14 (i.e., 63%) of the subjects could be described as being in severe or terminal condition. For the analysis of the data, Bardin’s content analysis method was used. At the end of the investigation, it was confirmed that the anointing of the sick is sociologically effective and anthropologically justifiable, since it belongs to the dimension of symbolic regulation, which is why spiritual caregivers can minister to patients with chronic pain in aspects often neglected by biomedicine, hence the need for its institutionalization as a possibility of treatment.

Palavras-chave: Religion and health; Outcome study; Symbolic regulation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Comparação do rito da unção em três denominações cristãs....................................56

Figura 2 – Estrutura interna do sistema local de cuidado da saúde............................................59

Figura 3 – Avisos gerais (Abadiânia)............................................................................................61

Figura 4 – Nota de intervenção (Abadiânia)................................................................................62

Figura 5 – Belvedere (Abadiânia)................................................................................................62

Figura 6 – Farmácia (Abadiânia).................................................................................................63

Figura 7 – Cristais (Abadiânia).....................................................................................................64

Figura 8 – Fiéis (UNASP)..............................................................................................................65

Figura 9 – Culto (UNASP).............................................................................................................66

Figura 10 – Coral angolano (UNASP)...........................................................................................66

Figura 11 – Oração de cura (UNASP)...........................................................................................67

Figura 12 – Complexo do CEVISA.................................................................................................68

Figura 13 – Ambulatório do CEVISA.............................................................................................68

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Motivação para a unção............................................................................................78

Tabela 2 – Sintomas/diagnósticos antes da unção......................................................................79

Tabela 3 – Melhora após a unção...............................................................................................81

Tabela 4 – Importância da unção................................................................................................82

Tabela 5 – Papel do diabo............................................................................................................85

Tabela 6 – Papel de Deus/Jesus...................................................................................................87

Tabela 7 – Percepção de cura......................................................................................................90

Tabela 8 – Percepção de sucesso.................................................................................................91

Tabela 9 – Papel do cuidador espiritual.......................................................................................93

Tabela 10 – Papel da igreja.........................................................................................................96

Tabela 11 – Papel do médico.......................................................................................................97

Tabela 12 – Papel do hospital....................................................................................................101

Tabela 13 – Papel da família.....................................................................................................103

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Dispersão idade/ano.................................................................................................75

Gráfico 2 – Dispersão duração/ano.............................................................................................76

Gráfico 3 – Dispersão duração/idade..........................................................................................77

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................12

O Problema............................................................................................................................13

Os Objetivos...........................................................................................................................23

A Metodologia.......................................................................................................................24

Estudo de Resultados.............................................................................................................26

Etapas da Pesquisa................................................................................................................27

Critérios Subjetivos de Percepção.........................................................................................29

Análise de Conteúdo..............................................................................................................30

CAPÍTULO I - BREVE HISTÓRICO DA UNÇÃO CRISTÃ DOS ENFERMOS......................................34

1.1 Breve História da Unção..................................................................................................35

1.2 Uma Definição Operacional de Unção dos Enfermos.....................................................39

CAPÍTULO II. ASPECTOS CULTURAIS DA VISITA PARA UNÇÃO..................................................42

2.1 A Visita do Cuidador Espiritual como Parte do Rito da Unção.......................................42

2.2 O Significado Social e Cultural da Visita do Cuidador Espiritual.........……......................47

2.3 Conclusão..................................................................................................……..................50

CAPÍTULO III. O RITO DA UNÇÃO...............................................................................................51

3.1 A Unção na IASD..............................................................................................................51

3.2 Comparação com a Unção em Outras Denominações....................................................56

3.3 Conclusão...............................................................................................…….....................58

CAPÍTULO IV – COMPARANDA E CONSTITUIÇÃO DA AMOSTRA...............................................60

4.1 Casa Dom Inácio de Loyola..............................................................................................60

4.2 Igreja do UNASP e CEVISA...............................................................................................64

4.3 Constituição da Amostra.................................................................................................69

4.4 Conclusão...............................................................................................…….....................69

CAPÍTULO V – ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS......................................................71

5.1 Pré-Análise.......................................................................................................................71

5.2 Análise..............................................................................................................................73

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5.2.1 Os Participantes.............................................................................................................73

5.2.2 Os Informantes..............................................................................................................75

5.2.3 A Duração da Unção......................................................................................................76

5.2.4 A Análise das Dimensões...............................................................................................77

5.2.4.1 A Dimensão Motivos................................................................................................77

5.2.4.2 A Dimensão Sintomas.................................................................................................79

5.2.4.3 A Dimensão Melhora..................................................................................................80

5.2.4.4 A Dimensão Importância............................................................................................82

5.2.4.5 A Dimensão Diabo......................................................................................................84

5.2.4.6 A Dimensão Deus........................................................................................................86

5.2.4.7 A Dimensão Cura........................................................................................................89

5.2.4.8 A Dimensão Sucesso...................................................................................................91

5.2.4.9 A Dimensão Pastor.....................................................................................................93

5.2.4.10 A Dimensão Igreja.....................................................................................................95

5.2.4.11 A Dimensão Médico..................................................................................................96

5.2.4.12 A Dimensão Hospital..............................................................................................100

5.2.4.13 A Dimensão Família................................................................................................102

5.3 Conclusão.......................................................................................................................104

CAPÍTULO VI – SUCESSOS E FRACASSOS..................................................................................105

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................109

REFERÊNCIAS............................................................................................................................117

Anexos.......................................................................................................................................123

Percentual de ADIAs perdidos............................................................................................. 123

Termo de consentimento livre e esclarecido...................................................................... 124

Entrevista sobre a realização da unção............................................................................... 125

Fases da pré-análise............................................................................................................ 126

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INTRODUÇÃO

A unção dos enfermos com propósitos de cura tem sido praticada pelos cristãos desde

a era medieval, caindo, mais tarde, em desfavor por ter se tornado cada vez mais associada à

“extrema unção” e aos rituais que antecediam a morte (SENN, 1997, p. 353). Contudo, tal

prática tem recuperado o vigor desde o início do século XX, principalmente por causa do

interesse por ela despertado nas igrejas episcopais (SENN, 1997, p. 671).1 A unção dos

enfermos passou a ser considerada como prática oficial dos episcopais a partir da edição

revisada de seu Livro de orações comuns, em 1928, nos Estados Unidos, e 1929, na Escócia.

Desde 1962, quando a Igreja Anglicana adotou o rito, muitas outras denominações

protestantes o fizeram (RAHNER, 1970; GUSMER, 1984).

A unção é definida pela igreja adventista do sétimo-dia (IASD) como uma “cerimônia

solene” (ASSOCIAÇÃO, 1987, p. 104). Embora também creia nas formas convencionais de

tratamento e saliente a importância dos conhecimentos médicos, a IASD adotou a prática da

unção por razões de cunho espiritual, como uma forma de demonstrar que aceita que Deus é,

em última instância, o verdadeiro mantenedor da vida, tendo, portanto, o poder de curar e

restaurar a saúde. Os adventistas reconheçam que “nem todos os que são ungidos sejam

curados posteriormente”, mas os que praticam esse ritual têm essa intenção. Seu Manual para

ministros assim descreve o ritual:

Geralmente deve haver dois ou mais que participem da oração. Antes de entrarem no quarto do doente, deve haver um entendimento quanto à ordem em que vão orar os participantes. O que ora por último é comumente o que unge o doente. Antes das orações deve ter-se um vidrinho de azeite de oliva para o ungimento. Perto do fim da última oração, o azeite é aplicado à fronte daquele por quem se ora. Isto pode ser feito umedecendo o ministro as pontas dos dedos com o azeite derramado previamente num pires, ou vertendo suavemente algumas gotas de um vidrinho... Se o doente não está em estado crítico, pode-se dedicar breve espaço de

1 Há quatro formas principais de governança eclesiástica: a episcopal (a exemplo da igreja anglicana), na

qual os bispos administram paróquias; a presbiteriana (a exemplo da igreja presbiteriana), na qual o governo da igreja fica sob a tutela de um grupo de administradores (presbitério); a congregacional (a exemplo da igreja batista), na qual cada igreja local é independente das demais e toma as próprias decisões sem a interferência de instâncias superiores; e a representativa (a exemplo da igreja adventista do sétimo-dia), na qual as diferentes igrejas elegem representantes que votam em assembleias mais amplas do que a igreja local. Tendo adotado desde sua fundação um modelo representativo de governança, a igreja adventista do sétimo-dia não se filia às igrejas episcopais nem em termos históricos, nem de governança, nem de doutrina, mas partilha com aquelas a prática da unção.

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tempo, antes da oração, à leitura das Escrituras para animar a fé,2 e

também a recordar os aspectos principais da experiência cristã pessoal e a apresentar exemplos do poder e da graça de Deus em curar... No fim da oração de ungimento, ou pouco antes da despedida dos pastores, deve haver uma breve oração de agradecimento a Deus por ter ouvido a prece de intercessão (ASSOCIAÇÃO, 1987, p. 105-106).

O locus classicus para os princípios que norteiam a aplicação da unção aos enfermos

por parte dos adventistas do sétimo-dia é o capítulo “Oração pelos doentes” do livro A ciência

do bom viver, uma tradução da obra original, em inglês, The ministry of healing, escrita por

Ellen G. White, uma co-fundadora da Igreja nos Estados Unidos (WHITE, 1990 [1905], p. 225-

233). De acordo com ela, “ao termos orado pela restauração de um enfermo, seja qual for o

desenlace do caso, não percamos a fé em Deus... sendo a saúde restituída, não se deveria

esquecer que o objeto da misericordiosa cura se acha sob renovada obrigação para com o

Criador” (WHITE, 1990 [1905], p. 233). Outras denominações evangélicas têm, contudo, ritual

muito mais complexo, podendo, por exemplo, chegar a exigir que se aplique o azeite à parte

do corpo onde exista a doença. Ocorre também, esporadicamente, a indução ao transe (se não

daquele que se encontra enfermo, pelo menos do oficiante ou seus atendentes).

O Problema

O rito da unção é administrado a pessoas enfermas, geralmente em estado terminal,

com a finalidade de preparar essas pessoas para a morte ou operar um tipo miraculoso de

cura. Embora se trate de uma prática tradicional da Igreja Católica (RAHNER, 1970), algumas

denominações evangélicas adotaram o costume, especialmente a partir da década de 1920,

com base em sua leitura de São Marcos 6:13 e São Tiago 5:14-15 (SENN, 1995, p. 671).

Pretendeu-se, com este estudo, a partir de relatos de fiéis da IASD, avaliar qualitativamente o

sucesso ou o fracasso deste agente em alterar a história natural previsível de uma

enfermidade. A própria compreensão da cura é passível de interpretações e reinterpretações

múltiplas e sucessivas uma vez que a transição da enfermidade para o bem-estar físico e

emocional depende, muitas vezes, da articulação existente em diferentes processos de

convencimento (CSORDAS, 1983; SCHIEFFELIN, 1985; GEERTZ, 1978). Pergunta-se, entre outras

coisas: que fatores contribuem para a percepção de cura após a unção? Qual é o impacto

psicossomático e social da unção? Que fatores levam um indivíduo a abrir mão do papel de

2 As passagens recomendadas para tal leitura são: Nm 21:8-9; Sl 103:1-5; Is 53:4-5; Mt 8:14-17; Mr 6:12-

13; 16:15-20; At 3:1-16; Ti 5:14-16 (Associação Geral 1987:106).

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“doente”? Que relações existem entre crença religiosa, comportamento e saúde? Quais seriam

os critérios determinantes para a obtenção de um resultado considerado satisfatório por

aqueles envolvidos no ritual?

O estudo da cura pelo ritual da unção, conforme praticado pelos adventistas do sétimo

dia, é de interesse antropológico. Há, de fato, certas semelhanças entre a prática dos

adventistas e o fenômeno de cura no xamanismo, o que aponta para o pedigree antropológico

deste tipo de estudo. Guardadas as devidas proporções, os dois fenômenos são comensuráveis

no âmbito teórico, embora apresentem diferenças bastante evidentes quando considerados

em seu meio social mais imediato. Entretanto, não é às diferenças que reportamos as

considerações a seguir, mas a três aspectos fundamentalmente análogos: a sustentação por

uma cosmovisão pautada numa concepção do conflito entre o bem e o mal no universo, o foco

psicossomático e a natureza performativa dos dois sistemas. O xamanismo é, por si só, um

fenômeno bastante complexo, e é entendido, aqui, como um sistema que emprega, entre

outros, um tipo principal de especialista religioso, caracterizado por empreender cura religiosa

por meio de ritos que não obedecem a um calendário litúrgico ou sazonal (NIDA, 1954, p. 160;

TURNER, 1985, p. 81-88).3 Em muitas partes da África, há geralmente uma nítida distinção

entre o xamã invocado para curar os efeitos mortais da magia negra e o feiticeiro, culpado de

usá-la. “Um xamã é um membro altamente respeitado da sociedade, mas o feiticeiro é temido

com medo mortal” (NIDA, 1954, p. 160). Assim, segundo Martins e Martini (2012, p. 60),

No correr do processo histórico, interpretações sobre a doença e a morte surgiram associadas a algum tipo de culpa, à ira de algum deus tribal ou nacional que teria sido desobedecido ou insultado individualmente, pelo grupo ou pelos ancestrais, donde deriva a noção de punição ou castigo pessoal ou comunitário, a ideia de possessão por algum tipo de espírito maligno ou demônio, ou à predestinação. Nestes casos, faz-se necessário reverter este estado de coisas através de oferendas para agradar a divindade, de ritos de exorcismo para afastar os maus espíritos, algum tipo de autopunição, abstinência, submissão aos tabus locais etc. Quando se trata de dor ou doença individual, o sujeito afetado busca a cura recorrendo aos poderes do mago ou do feiticeiro local. Em casos onde pestes atingem a comunidade, surge a figura do sacerdote encarregado do culto e sacrifícios rituais, com a finalidade de intermediar os favores e aplacar a ira das entidades ofendidas. Uns e outros aconselham comportamentos para acabar com a doença, ligados em primeiro momento a práticas ritualistas e

3 Segundo Nida (1954, p. 160), “os especialistas religiosos pertencem a cinco tipos principais: (1) os que

praticam magia negra (bruxos ou feiticeiros); (2) os que predizem o futuro (videntes, adivinhadores, vates); (3) os que usam a magia para curar ou proteger, detectar bruxos e feiticeiros, ou reconciliar os espíritos ou deuses ofendidos (encantadores, pajés, xamãs); (4) os que representam o povo na condução dos rituais religiosos (sacerdotes); e (5) os que falam ao povo em favor do poder sobrenatural (profetas). Naturalmente, a mesma pessoa pode praticar várias dessas especialidades religiosas [...]. Alguns desses especialistas religiosos podem ser profissionais no sentido de que ganham seu sustento com seu trabalho religioso, outros são amadores, mas, mesmo assim, especialistas”.

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posteriormente combinadas à normatização dos comportamentos pautados por valores éticos.

Desta forma, o conceito de cura no âmbito da religião guarda relações íntimas com a

ideia de rito sagrado. Morin (2012, p. 43) afirma que “os ritos sagrados constituem sequências

rígidas de operações verbais ou gestuais que colocam o praticante em transe”. Aplicada ao

campo da cura religiosa, a definição de Morin aponta para o fato de que as “condutas

miméticas”, os “gestos simbólicos” e os sacramentos inserem o enfermo numa “ordem

transcendental” (MORIN, 2012, p. 43). O autor está, de fato, transitando no mesmo arcabouço

conceitual que levou Neher (1969, p. 68) a se referir a uma vocação ritualista e cósmica do

homem. Para Morin (2012, p. 43), não há como menosprezar a descoberta de Neher, uma vez

que os ritos operam “uma ressonância, uma harmonia entre o indivíduo que os realiza e as

esferas nas quais efetua a sua integração ritual”. Apesar de extremamente valiosa, descarto,

aqui, a definição de Morin por causa da dificuldade que teria de objetivamente confirmar o

estado de transe e/ou integração ritual de um ou mais participantes. Opto, por isso, por uma

definição mais comensurável com a natureza limitada desta pesquisa e alinhada com estudos

voltados para os aspectos dinâmicos da ritualização (TURNER, 1974; BELL, 1992; 1997),4 em

que esta é vista como a prática de uma ação realizada para se destacar de outras ações por

causa dos gestos ou pronunciamentos que a acompanham, quer pela forma como é

demarcada no tempo e no espaço, quer por sua repetição, quer, ainda, pela alegação de que

se conecta a outras ações do passado, desta forma transcendendo o próprio tempo e espaço.

Esse tratamento do ritual se aproxima, pois, da definição que lhe é dada por Tambiah

(1985, p. 128), segundo a qual “o ritual é um sistema culturalmente construído de

comunicação simbólica”, que é “constituído de sequências padronizadas e ordenadas de

palavras e atos, com frequência expressa em mais de um meio, cujo conteúdo e arranjo são

caracterizados, de várias maneiras, pela formalidade (convenção), esteriotipação (rigidez),

condensação (fusão) e redundância (repetição)”, e cuja ação é essencialmente performativa.

Por essa razão, considera-se, nesta tese, rito e ritual como sinônimos, como o faz o próprio

Turner (1985, p. 146), que considera os ritos como loci privilegiados para se detectarem as

dimensões sociais de ruptura, crise, separação e reintegração social, com a ideia de que os

4 Segundo Penn-Strah (2002, p. 77), uma das vantagens da abordagem do rito como perfomance

dinâmica (quase teatral) é que se podem empregar, na discussão do comportamento ritual humano, expressões como “papel” e “script”. Segundo ela, “quando tomo parte de um drama social, compreendo que meu comportamento se encaixa em expectativas pertinentes a determinados papéis. A analogia do drama dá conta de meu comportamento contínuo como, de certa forma, codificado e, de algum modo, influenciado por um conjunto de pressuposições anteriores, isto é, socializado”. Elaborando a imagem do ritual como performance teatral, autores como Bateson (1972), Goffman (1974) e Smith (1987) chegam a fazer referência ao rito como “tomada cinematográfica” (frame).

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ritos seriam dramas sociais fixos e rotinizados, no sentido próximo ao de peças teatrais, razão

pela qual haveria, no céu, abóbadas perfeitas, mas, na terra, apenas arcos despedaçados,

assim reconhecendo que, “em nenhuma sociedade concreta os sistemas simbólicos se

realizam em sua perfeição” (PEIRANO, 2000, p. 7).

É tampouco necessário alongar demasiadamente, aqui, uma discussão sobre a

natureza holística dos processos que produzem, no ser humano, a sensação de bem-estar e de

saúde. De acordo com Martins e Martini (2012, p. 61),

Em âmbito religioso a relação entre saúde e salvação é encontrada em várias expressões linguísticas. Em sânscrito, o termo svastha encontra equivalente tanto em “bem-estar” como em “plenitude”, o mesmo acontecendo em formas nórdicas e anglo-saxônicas. Em grego, sotér refere-se tanto àquele que cura como àquele que salva. Na língua latina, o significado de salus é indicativo tanto de saúde física como de salvação do ser humano em sua plenitude. Também no hebraico termo shalom designa “paz”, “bem”, “prosperidade”, “integridade física e espiritual”. Axé, expressão comum nas tradições afro-brasileiras, exprime “paz”, “harmonia interior e cósmica”, “equilíbrio”, “força vital”, “saúde”. O mesmo vale para shalam na tradição islâmica. Muitas outras referências poderiam ser aqui apresentadas demonstrando articulação e dinamismo entre dimensões físicas, psicológicas, espirituais, sociais que caracterizam a cosmovisão holística do homem religioso...

Fato amplamente estabelecido na literatura pertinente, o desfrute de saúde passa

obrigatoriamente por várias dimensões. O próprio Morin (2012, p. 53-54) enfatiza

suficientemente esse ponto:

As doenças corporais não são apenas corporais. As doenças psíquicas não são apenas psíquicas. Têm todas três entradas: a somática, tratada por médicos com medicamentos e intervenções cirúrgicas; a psíquica, tratada por feiticeiros e xamãs, depois por confessores e gurus, hoje por psicoterapeutas e psicanalistas; a ecológica e/ou social, penetrada pelas perturbações do meio, urbano, por exemplo, que deveriam ser tratadas por uma política de civilização. É possível curar através de uma dessas entradas, atingir o psíquico pelo químico, atingir o bioquímico pelo psíquico, às vezes, atingir um e outro mudando as condições de vida. A conversão histérica, tão frequente, indica que podemos inconscientemente fixar e exibir um mal da alma num órgão do corpo. O enfraquecimento imunológico pode vir de uma perda ou de uma mágoa. Uma vontade selvagem ou uma intervenção aparentemente mágica podem levar à cura de um câncer.

Além disso, a antropologia reconhece, de modo geral, que os ritos sagrados têm impacto, de

fato, não apenas na percepção humana da saúde, mas também em suas manifestações mais

físicas e mensuráveis.

O desafio, aqui, é, portanto, não sucumbir a distanciamentos insuplantáveis ou à

subjetividade excessiva. É necessário, por isso, conjurar, em sentido amplo e conjugado, a

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complementaridade da sociologia, antropologia, etnologia e etnografia. Para Laplantine

(1988), a apreensão da sociedade como seus atores sociais a percebem é que torna a “prática

etnológica” uma “prática de campo”, diferente da do historiador ou do sociólogo. O

historiador nem entra em contato direto com os homens e mulheres das sociedades que

estuda. Prefere testemunhos a testemunhas. A sociologia também difere da prática etnológica

pelo distanciamento em relação a seu objeto, por sua tendência solucionista e explanatória e

por sua utilização de protocolos rígidos. A etnografia, em contraste, “tem algo de errante”,

sabendo apreciar igualmente os sucessos e os fracassos. Sendo assim, a antropologia opta pela

descoberta etnográfica que Laplantine (1988, p. 149-199) compara a uma “aventura pessoal”.

Para Laplantine (1988, p. 169), “o estudo da totalidade de um fenômeno social supõe a

integração do observador no próprio campo de observação”:

Se é possível, e até necessário, distinguir aquele que observa daquele que é observado, parece-me, em compensação, impensável dissociá-los. Nunca somos testemunhas objetivas observando, e sim sujeitos observando sujeitos. Ou seja, nunca observamos os comportamentos de um grupo tais como se dariam se não estivéssemos ali ou se os sujeitos da observação fossem outros. Além disso, se o etnógrafo perturba determinada situação, e até cria uma situação nova, devida a sua presença, é por sua vez eminentemente perturbado por essa situação (LAPLANTINE, 1988, p. 169).

Por isso, para ele, “a antropologia é também a ciência dos observadores capazes de

observarem a si próprios”. Esses observadores buscam se tornar, numa situação de interação

particular, absolutamente conscientes. É necessário, por assim dizer, que o etnólogo controle

“as armadilhas frequentemente inconscientes da projeção e do etnocentrismo”.

Embora não seja o xamanismo que constitua o objeto da análise aqui proposta, sua

menção como comparandum se justifica por duas razões. Em primeiro lugar, serve de analogia

imparcial, capaz de conferir o grau desejado de distanciamento dos aspectos sob estudo. A

mente científica pode até conceber que um pajé conheça ervas misteriosas na profundeza da

selva amazônica; no entanto, continuará provavelmente cética se for informada de que um

pastor adventista do sétimo dia esfregou óleo na testa de um enfermo que, então, se

restabeleceu.5 Em segundo lugar, confirma que, como se procura mostrar aqui, a cura religiosa

merece atenção antropológica.

5 Apesar disso, a tradição judaico-cristã abunda em relatos de cura espiritual: Miriã foi supostamente

curada de lepra, através da oração do seu irmão Moisés (Números 12:13). O rei Ezequias foi curado de uma úlcera fatal pela intercessão e cuidados do profeta Isaías (Isaías 38). Naamã, general sírio, foi tratado pelo profeta Eliseu com banhos de rio, talvez o primeiro relato antigo sobre os benefícios da hidroterapia (2 Reis 5:14).

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Ao abordar as questões de cura pertinentes ao xamanismo, não se trata de

condescender com crenças primitivas e superstições. A atuação de um xamã depende de uma

cosmovisão ampla que provê explicações tomadas como satisfatórias para vários dos aspectos

relativos aos fenômenos sociais da saúde e da doença. Segundo Lévi-Strauss (2003, p. 206-

207),

A psicologia do feiticeiro não é simples. Para tentar analisá-la, inclinar-nos-emos inicialmente sobre o caso do velho xamã que suplica ao seu jovem rival de dizer-lhe a verdade, se a doença colocada no côncavo de sua mão como um verme rubro e viscoso é real ou fabricada, e que soçobrará na loucura por não ter obtido resposta. Antes do drama, estava na posse de dois dados: de uma parte, a convicção de que os estados patológicos têm uma causa e que esta pode ser atingida; de outra parte, um sistema de interpretação onde a invenção pessoal desempenha um grande papel e ordena as diferentes fases do mal, desde o diagnóstico até a cura. Esta fabulação de uma realidade em si desconhecida, feita de procedimentos e de representações, é afiançada numa tripla experiência: a do próprio xamã que, se sua vocação é real (e, mesmo se não o é, somente pelo fato do exercício), experimenta estados específicos, de natureza psicossomática; a do doente, que experimenta ou não uma melhora; enfim, a do público, que também participa da cura, e cujo arrebatamento sofrido, e a satisfação intelectual e afetiva que retira, determinam uma adesão coletiva que inaugura, ela própria, um novo ciclo.

6

Em muitos sentidos, o universo desenhado pelo xamanismo é real bem como são as

evidências objetivas do poder explanatório de sua cosmovisão. De acordo com Nida (1954, p.

161-162),

Se um homem fica doente e atribui sua enfermidade à magia negra lançada sobre ele por um inimigo, o ritual realizado pelo xamã para convencer o homem de que o perigo passou serve para curar o paciente na maioria dos casos. O xamã não sabe que não há valor terapêutico real em fingir sugar uma erva ou em perfurar o doente com longas agulhas de osso a fim de expulsar os espíritos, mas ele aprendeu pela experiência que isso já curou outras pessoas. Os resultados confirmam sua própria crença nos métodos e aumentam seu prestígio entre as pessoas. Embora essas práticas estejam cedendo rapidamente às drogas e cirurgias ocidentais, não se deve imaginar que os aborígenes mudaram suas atitudes com respeito à doença e aos remédios. É que, para eles, o homem branco tem espíritos mais fortes que podem prover remédios espiritualmente mais poderosos.

Os adventistas também contam com uma cosmovisão ampla que fundamenta sua

crença no caráter divino da cura. Schaefer (1977, p. 21) recapitula como essa crença se

encontra ligada aos escritos de Ellen G. White, pioneira e fundadora da denominação:

6 De acordo com Lévi-Strauss (2003, p. 207), “estes três elementos daquilo que poderia denominar de

complexo xamanístico são indissociáveis. Mas vê-se que eles se organizam em torno de dois polos, formados, um pela experiência íntima do xamã, o outro pelo consensus coletivo”.

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Os adventistas creem que Deus revelou, de forma especial, o seu cuidado amoroso pelo conforto, felicidade e longevidade da raça humana por intermédio de uma série de visões que deu a Ellen White com respeito ao assunto da saúde. Segundo ela (manuscrito 1, de 1863), “temos o dever de falar, de nos pronunciar contra qualquer forma de intemperança, seja no trabalho, na dieta, no consumo de bebidas ou no uso de drogas [...]. Eu vi que não deveríamos ficar calados quanto ao tema da saúde; em vez disso, deveríamos acordar nosso intelecto para o assunto”.

O próprio Schaefer (1977, p. 261-262) apresenta o que considera cinco razões fundamentais

por que, apesar disso, tão poucos adventistas norte-americanos acreditem em curas

espirituais.7 Segundo ele, em primeiro lugar, as ações de Deus são complexas e é difícil analisá-

las de forma inteiramente objetiva. Em segundo lugar, o cérebro humano não é

essencialmente um órgão de razão, mas de sobrevivência. Por isso, sua atuação se limita, em

certa medida, a descobrir o que é imediatamente vantajoso. Em terceiro lugar, o tema da

saúde humana é complexo, podendo incluir dimensões tão variadas quanto, entre outras

coisas, profilaxia, tratamento, impacto social e milagres. Em quarto lugar, o impacto negativo

da presunção de certos adventistas que se recusaram a consultar os médicos, preferindo

depender exclusivamente da cura religiosa. Schaefer (1977, p. 263-264) lamenta que a

tendência atual, entre os adventistas, seja crer exclusivamente em médicos. De fato, faz pouco

tempo, um teólogo adventista indagou: “precisamos mesmo de milagres, diante do fato de

que eles podem nos encorajar a evitar a responsabilidade pessoal e produzir expectativas

pouco realistas?” (LARSON, 1988, p. 13). Finalmente, em quinto lugar, Schaefer aponta para o

papel importante desempenhado pela experiência: só se dispõem a crer em milagres aqueles

que já os vivenciaram.

De qualquer forma, o desempenho, em saúde, dos adventistas, em comparação com

outros segmentos da sociedade norte-americana,8 é bastante positivo, destacando-se,

principalmente, por sua baixa incidência de câncer (COOK, 1984, p. 4). Segundo um artigo

7 Schaefer (1977, p. 271) reclama ainda do que ele chama de medicalização dos adventistas do sétimo

dia. Ele cita o exemplo da comunidade de Loma Linda, uma das mais longevas e saudáveis do mundo, que tem dependido cada vez mais do complexo hospitalar ao redor do qual se instalou para manter seus elevados índices de longevidade. Segundo Schaefer, essa medicalização resultou principalmente de (1) a ética cristã ter sido identificada, de maneira crescente, com a ética médica; (2) a liderança financeira das instituições de saúde, que transformaram os profissionais da saúde na elite da igreja; (3) a influência da legislação secular sobre a saúde; e (4) a crescente influência dos hospitais adventistas sobre o sistema educacional patrocinado pela IASD. 8 Infelizmente, não há dados confiáveis para o Brasil. Atualmente, Everton Padilha Gomes, cardiologista

do Incor do Hospital das Clínicas da USP e chefe da UTI do Hospital Adventista de São Paulo, coordena o Estudo ADVENTO (Análise de Dieta e Hábitos de Vida na Prevenção de Eventos Cardiovasculares em Adventistas do Sétimo Dia), financiado pela Universidade de São Paulo, Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Incor (Instituto do Coração), e apoiada institucionalmente pela organização adventista. Os resultados ainda são preliminares. Apesar disso, o estudo já mostrou menores níveis de colesterol, glicose, creatinina e marcadores inflamatórios nos adventistas.

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publicado pelo The Saturday Evening Post, jornal que há cerca de trezentos anos comenta os

aspectos mais interessantes da vida nos Estados Unidos,

não apenas os adventistas são menos propensos às doenças do coração, pulmões, cólon, reto, entre outras, mas também desfrutam de maior longevidade do que as outras pessoas. A expectativa de vida do homem adventista típico é de 6,2 anos a mais do que o homem típico da população em geral; a estimativa é de 3,1 anos a mais para as mulheres adventistas (COOK, 1984, p. 4).

A cosmovisão adventista depende de cinco princípios fundamentais que incidem sobre

a questão da saúde, conforme sua literatura amplamente divulga: Deus como a fonte de saúde

e cura; a conexão íntima entre saúde física e mental; o amor próprio como base da saúde

física; os relacionamentos sociais como importantes para a saúde física; e o dogma de que o

corpo é o “templo do Espírito Santo”, conforme 1 Coríntios 10:31 (SCHAEFER, 1977, p. 270).

Essa cosmovisão, contudo, não somente afirma que Deus é fonte de saúde e cura, mas

também apresenta sua disposição favorável e seu desejo de conceder saúde e cura ao ser

humano:

Cristo é agora o mesmo compassivo médico que era durante Seu ministério terrestre. Nele há bálsamo curativo para toda moléstia, poder restaurador para toda enfermidade. Seus discípulos de nossos dias devem orar pelos doentes tão verdadeiramente como os de outrora. E seguir-se-ão as curas; pois “a oração da fé salvará o doente” […]. Os servos de Cristo são os instrumentos de Sua operação, e por meio deles deseja exercer Seu poder de curar. É nossa obra apresentar o enfermo e sofredor a Deus, nos braços da fé. Devemos ensinar-lhes a crer no grande Médico (WHITE, 1990, p. 226).

Por isso, a cura ocupa lugar de destaque na vida religiosa e nos esforços sociais dos

adventistas:

Os ensinamentos sobre saúde dos adventistas do sétimo dia, lançados por Ellen G. White, em 1863, com seu conselho para uma vida saudável, se tornaram o esforço mais complexo da igreja, além do trabalho pastoral e do evangelismo. Dentro da denominação, havia um pensamento corrente de que o movimento em prol da saúde fosse o braço direito da mensagem adventista (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 478).

No entanto, a cosmovisão adventista é ainda mais abrangente quando contempla a

existência do ser humano no mundo. Da forma semelhante ao modo como o xamanismo

encara a origem da doença, proveniente da magia negra praticada por um inimigo, os

adventistas entendem que a doença não é necessariamente oriunda dos azares da

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constituição genética ou da contaminação por meios diversos, mas das consequências de um

estilo de vida prejudicial ou da ação de entidades demoníacas que se opõem à vontade de

Deus e de seus anjos. Essas explicações, embora não isomórficas, são comensuráveis,

respectivamente, com os postulados de Laplantine (2004, p. 227-230) quanto aos dois

modelos interpretativos da doença: a doença como punição e a doença como maldição. A

literatura adventista identifica a oposição entre esses poderes divinos e demoníacos como

permeando a história da humanidade e afetando todas as dimensões da vida humana. Trata-

se, de fato, de uma metanarrativa, identificada pela expressão grande conflito, que explica os

eventos da história bem como os vários aspectos do comportamento humano (WHITE, 2008).

O grande conflito é, nessa perspectiva, uma disputa entre Deus e o diabo, que se trava, na vida

e no coração do ser humano, por sua adesão. A doença assume, nele, a função de artimanha

demoníaca para afastar o ser humano de Deus ou a consequência das escolhas pecaminosas

do indivíduo. Em alguns casos, o doente pode ser ainda confortado com a explicação de que, a

exemplo da narrativa encontrada no livro de Jó, na Bíblia Hebraica, a doença pode ser uma

forma de Deus concretizar sua vontade ao estabelecer um plano mais amplo para a vida da

pessoa enferma ou para o destino da raça humana.

Apesar das avaliações negativas que chegam a considerar a religião como fator

patogênico, em que “a neurose é elevada à condição de santidade” (ALVES, 1978, p. 27-45), as

evidências apontam para o fato de que “maior nível de religiosidade organizacional e

intrínseca são preditores de uma melhor qualidade de vida física e mental nos idosos”

(ABDALA, 2013, p. 111). Obviamente, a pesquisa mencionada se refere especificamente ao

caso dos idosos. Entretanto, é possível extrapolar as conclusões para outras faixas etárias, se

considerarmos o tratamento dado ao tema na literatura antropológica. “Levando em

consideração que em toda sociedade uma alta percentagem de pessoas sofre de enfermidades

psicossomáticas, o curandeiro que se especializa nesse tipo de mal tem um grande percentual

de sucesso” (NIDA, 1954, p. 161).

Conforme discutido brevemente, o interesse antropológico no ritual da unção, do

modo como este é praticado pelos adventistas do sétimo dia, se justifica por razões

comensuráveis àquelas que atraíram os antropólogos para o estudo dos rituais de cura no

xamanismo. Os dois tipos de prática ritual dependem do suporte de uma cosmovisão

amplamente explanatória; trafegam principalmente na dimensão psicossomática e têm caráter

essencialmente performativo. Considerando essas afinidades, estudar um fenômeno e

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negligenciar o outro faria o antropólogo incorrer em um tipo imperdoável de “etnocentrismo

inverso”.9

Além disso, a importância de se fazer uma análise do papel da cura religiosa como

elemento que transcende a moldura medicocêntrica (isto é, o jargão e os modelos conceituais

baseados em termos clínicos modernos) advém do fato de que médicos e antropólogos da

saúde têm sentido cada vez mais a necessidade de compreender a manutenção da saúde e a

prevenção de doenças como uma função dos “sistemas médicos” (ALLAND, 1970; DUNN, 1976;

KLEINMAN, 1980, p. 83-84). Tais sistemas têm geralmente esbarrado no obstáculo de imporem

categorias clínicas estranhas às culturas que investigam, ou de deixarem de compreender as

semelhanças interculturais existentes nos diferentes interesses e práxeis clínicas. De fato, a

moderna pesquisa sociológica tem verificado que o sofrimento humano pode ser apropriado

tanto pelo discurso político quanto pelo doutrinamento religioso. De acordo com Das (1994, p.

162-163), mecanismos como paradoxo, auto-ocultação, conotações múltiplas e distensões

metafóricas agem como instrumentos através dos quais o sofrimento é alienado da vítima e

apropriado pelo autor do discurso. A passagem da aflição ao bem-estar depende, muitas

vezes, da tensão existente em diferentes esquemas interpretativos e de certa dinâmica de

persuasão, o que sugere que a própria compreensão da cura é passível de interpretações e

reinterpretações múltiplas e sucessivas (CSORDAS, 1983; SCHIEFFELIN, 1985; GEERTZ, 1978).

Quanto mais se fala de sofrimento, mais se extingue o sofredor. O protetor pode se

transformar em perpetrador, o que leva a uma segunda vitimização daqueles que padecem

das patologias sociais e comportamentais.10 Isso é especialmente verdadeiro em uma época

quando, em muitos casos, aqueles que assumem oficialmente a responsabilidade de zelar pela

saúde da população tomam decisões, que a afetam, com base em argumenta ad crumenan,

isto é, movidos por interesses pecuniários. Daí, a sabedoria de não se confiar exclusivamente

no modelo oficial de saúde e a necessidade de se investigar qualquer alternativa viável.

Em sentido mais amplo, esta tese se justifica sob o ponto-de-vista do potencial e da

utilidade da pesquisa sociológica para informar e influenciar o atendimento à saúde das

9 Na comunidade cientítica, infelizmente, o “etnocentrismo inverso” é mais comum do que se pensa.

Bourdieu (2011, p. 41) alertava que, por exemplo, “a recusa ética do evolucionismo e das ideologias racistas dele socialmente solidárias [...] conduz certos etnólogos ao etnocentrismo inverso”. Para ele, o fenômeno consiste em atribuir a todas as sociedades, mesmo as mais “primitivas”, “formas de capital cultural que só podem constituir-se a um nível determinado do desenvolvimento da divisão do trabalho”. 10

Para um tratamento das questões epistemológicas associadas ao cuidado do corpo material em íntima relação com uma certa preocupação pelas dimensões morais do sofrimento e da enfermidade, veja-se Good, 1990 (especialmente o Capítulo 1, que aborda o problema da crença e sua relação com a antropologia médica).

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populações carentes, especialmente aquela dos países em desenvolvimento.11 As ciências

sociais ora se encontram na encruzilhada que determinará se elas desempenharão papel de

destaque na melhoria da saúde humana ou se ficarão contentes apenas com uma atuação

marginal e periférica. A importância de estudos sobre a cura religiosa se torna, então,

indiscutível na medida em que situam análises em diversos discursos acadêmicos, ilustram a

utilidade de teorias interdisciplinares e podem promover a complementaridade de abordagens

alternativas e tratamentos biomédicos (KLEINMAN, apud FINKLER, 1985, p. vii-viii).

Finalmente, esta tese se justifica porque, como afirma Bourdieu (2011, p. 48), a

sociologia se interessa pela religião por causa da importância que um grupo ou classe atribui a

“um tipo determinado de prática ou crença religiosa e, sobretudo, na produção, difusão e

consumo de um tipo determinado de bens de salvação”.

Os Objetivos

O objetivo deste estudo é, portanto, analisar a prática da unção de enfermos pela IASD

como desencadeadora de cura religiosa, prestando atenção especial aos casos em que a

medicina convencional considerou como terminais. O que se objetiva, portanto, é o estudo da

unção de enfermos como desencadeadora de cura porque, em certo sentido, a unção também

se presta a outros fins. Ela se tornou, por exemplo, uma parte integral do rito do batismo como

este é praticado por muitos cristãos (MITCHELL, 1966, p. 25; SENN, 1997, p. 92-93). Há, ainda,

casos de unção pós-batismal como, por exemplo, a que ocorre no ritual católico da crisma,

praticado desde os dias de Tertuliano. Há, de fato, inúmeros registros, no cristianismo

primitivo, de ocasiões em que a unção acompanhava o ritual do batismo: há evidência de

unção antes, depois e, às vezes, antes e depois do batismo. A unção pré-batismal teria

conotação de exorcismo, enquanto aquela realizada após o batismo teria efeito semelhante ao

uso de perfume após o banho (SENN, 1997, p. 150).

Este estudo se limitou à abordagem da unção como desencadeadora de cura religiosa

entre os adventistas do sétimo dia. Embora se reconheça que a possessão e os rituais com ela

associados sejam elementos importantes no processo de cura religiosa (como desenvolvido,

por exemplo, pelas igrejas pentecostais, pelos adeptos do espiritismo e do candomblé),12 a

11

Para uma discussão do impacto da pesquisa sociológica na prestação de serviços na área de saúde nos países em desenvolvimento, veja-se Mosley, 1992. Veja-se, também, Eisenberg; Kleinman 1981. 12

O papel da possessão no processo de cura religiosa vem sendo estudado recentemente, na Universidade Federal da Bahia, pelo ECSAS – Núcleo de Estudos em Ciências Sociais, Ambiente e Saúde. Para exemplos recentes da produção científica desse grupo com relação à interação entre religião e cura, vejam-se Rabelo (1994) e Cravalho (1998).

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preocupação desta pesquisa não esteve voltada tanto para o processo em si, quanto para o

impacto da unção sobre os que a ela se submetem. Tratou-se, portanto, de uma investigação

do impacto psicossomático e social da unção, com certa propensão para a análise dos aspectos

ritualísticos, etno-psiquiátricos e psicodinâmicos do processo da cura religiosa, seguindo os

moldes do trabalho desenvolvido por Finkler (1985), mas sem incorporar o modelo conceitual

de possessão, uma vez que muitos evangélicos não o associam à cura oriunda da unção. Isso

não significa, contudo, que tais igrejas vejam a cura pela unção como sendo outra coisa senão

uma forma de exorcismo. Com efeito, de acordo com Laplantine (2004, p. 188),

É cientificamente difícil, para não dizer impossível, falar de adorcismo em uma cultura moldada por uma religião que, a partir de suas funções institucionais, chega a desconfiar de seus próprios místicos, uma medicina que, a partir de Galeno, nos ensina que a doença é um mal absoluto que deve ser combatido por seu contrário, e uma lógica que, a partir do século de Descartes, nos ensina desde nossa infância a operar uma discriminação sem equívocos entre o real e o imaginário, o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, o normal e o patológico.

Por isto, esta pesquisa pretendeu obter resultados, principalmente, na modalidade de

cura conhecida como “informal” ou “tradicional” (ou folk healing),13 isto é, aquela realizada

por determinados indivíduos que se tornam especialistas em métodos de cura, que podem ser

sagrados, seculares ou uma combinação de ambos. Em nosso caso, é a cura sagrada que

interessa. Esses curandeiros não fariam, portanto, parte do sistema médico, dito “oficial”, e

ocupariam uma posição intermediária entre a cura informal e a profissional (KLEINMAN, 1980,

p. 49-70; HELMAN, 1994, p. 74). A esfera popular envolve, por sua vez, uma matriz com vários

níveis: o indivíduo, a família e a rede social. A atenção ao setor popular é plenamente

justificável uma vez que esse setor, apesar de ser o mais abrangente em qualquer sistema de

cuidado da saúde, é o que tem recebido menos atenção dos investigadores da antropologia

médica e o que menos tem sido compreendido até agora (KLEINMAN, 1980, p. 50). Além disso,

é na esfera popular que as atividades de saúde são, geralmente, definidas e iniciadas. O setor

informal ou tradicional também carece de atenção, uma vez que acaba preterido, nos estudos

científicos, em favor do setor profissional.

13

Kleinman (1980, p. 49-70) contrasta o que ela chama de professional sector, folk sector e popular

sector. Em português, é difícil estabelecer uma diferença significativa entre os adjetivos folk e popular. Por isso, preferi traduzir folk como “tradicional”, numa referência simples ao fato de que pertence à esfera da tradição popular, em contraste com a profissionalização do cuidado à saúde. No entanto, quando falo de folk medicine, opto por traduzir a expressão como “medicina popular”, mesmo ciente de que isso possa causar certa confusão, pois a alternativa de traduzir essa expressão como “medicina tradicional” daria um sentido oposto ao que se pretende.

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A Metodologia

Esta investigação se concentrou na avaliação qualitativa da apreciação que a

população sob estudo tem de sua saúde e das implicações sociais dela resultantes, bem como

da apreciação que esta tem da contribuição de seus cuidadores espirituais no alívio ou

agravamento de sua condição. Embora a abordagem qualitativa de conceitos como

“tratamento religioso” e “cura” envolva certa subjetividade, o uso de uma dose adequada de

subjetividade pode ser conveniente na busca do tipo relevante de objetividade nos diferentes

contextos e graus em que esta ocorre. O conceito de “posicionalidade”, conforme

desenvolvido por Sen (1994), é um bom exemplo de como a percepção de certa subjetividade

é construtiva para o processo de aproximação objetiva. Não se pode dizer que uma pessoa seja

subjetiva quando esta afirma que um objeto localizado a certa distância lhe pareça pequeno.

Contudo, sua objetividade estaria seriamente comprometida caso afirmasse categoricamente

que tal objeto fosse, de fato, pequeno. A depender de posicionamentos intermediários, uma

pessoa pode ser mais objetiva ou menos objetiva. Essa postura está em consonância com o

trocadilho de Bourdieu (apud MICELI, 2011, p. xxiv), segundo o qual “uma antropologia total

não pode restringir-se a uma descrição das relações objetivas porque a experiência das

significações faz parte da significação total da experiência”.

Na avaliação do estado de saúde ou morbidez de uma pessoa, as percepções do

próprio paciente são de importância central, e é preciso que se reitere a necessidade de ouvir

queixas, sensações e preocupações, por mais subjetivas que estas pareçam (SEN, 1994, p.

122). Estudos sobre a dor e sua mitigação têm revelado que a dor, o medo e a ansiedade são

abertos à influência da cultura, em seu sentido antropológico (ZBOROWSKI, 1952; BEECHER,

1959; LEWIS, 1981, p. 157ss). Não se pode negar ou contradizer a realidade subjetiva do

sofrimento com referências dogmáticas ao fato objetivo. Ao contrário disso, qualquer tentativa

de lidar com o comportamento humano exige que nos ocupemos de seus aspectos subjetivos.

Com efeito, a concepção que um indivíduo tem de seu sofrimento depende, em grande parte,

das pressuposições de seu meio cultural quanto ao modo em que lhe é permitido atentar para

si mesmo. Assim, Montaigne (1980, livro III, § 556) afirmou, em um de seus ensaios, que “no

ramo da medicina aquilo por que uma pessoa passa é, por assim dizer, um galo em seu

terreiro, pois a razão se submete inteiramente a tal experiência.” Porque há restrições sociais à

expressão do estado de enfermidade ou morbidez, e há, ao mesmo tempo, uma interação de

respostas voluntárias e involuntárias em tal processo, é necessário que a observação do

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impacto da cura religiosa não se limite apenas ao “paciente”, mas que se estenda também

àqueles com quem convive. De acordo com Lewis (1981, p. 160), “o comportamento social na

doença é, por definição, uma interação com outrem: esquecer os outros cega-nos às

influências que podem ter moldado e motivado grande parte do comportamento exibido

durante a enfermidade.” Por isto, a avaliação qualitativa do “paciente” e seu contexto social

imediato (família, igreja, trabalho, amigos) foi muito importante para os objetivos desta

pesquisa.

Estudo de Resultados

A metodologia escolhida para a pesquisa se inspirou naquela aplicada por Finkler

(1985) em seu estudo sobre as curas espíritas no ambiente rural mexicano. Tal metodologia é,

às vezes, empregada pelos antropólogos preferencialmente nos estudos de casos (EPSTEIN,

1969; NOGUEIRA, 1984, p. 4). Em última instância, trata-se de um “estudo de resultados”

(outcome study) da prática da unção. “Resultado” (outcome) é entendido, aqui, como o

sucesso ou o fracasso, demonstrável e mensurável, de um agente em alterar estatisticamente

a história natural previsível de uma enfermidade (PELLEGRINO, 1979, p. 256; FINKLER, 1985, p.

117). Segundo Kleinman (apud FINKLER, 1985, p. vii), os estudos de resultados são ainda pouco

comuns entre os antropólogos que se ocupam dos processos de cura religiosa. Uma das razões

por que isso ocorre é a notória dificuldade que se encontra para realizá-los,14 uma vez que

exigem metodologias múltiplas e amplo arcabouço teórico (KLEINMAN, apud FINKLER, 1985, p.

vii). A questão, por exemplo, da computação do tempo decorrido entre a manifestação de uma

enfermidade e seu suposto desfecho curativo pode dar ensejo a inúmeros resultados

(outcomes). Se essa tarefa é um grande desafio para os profissionais da área médica, ela se

torna formidavelmente hostil para os antropólogos, especialmente quando estes lidam com

regimes terapêuticos dissociados da biomedicina e, além disso, procuram fazê-lo de forma

científica.

Esta pesquisa não teve, por isso, o objetivo de comunicar uma verdade sobre a unção

que a pesquisadora já sabia de antemão, mas pretendeu que, na própria escrita, fosse

afirmando certa relação com o fenômeno. Trata-se do que Foucault chamou de “escrita-

experiência” (KOHAN, 2011, p. 143-144; MACEDO; DIMENSTEIN, 2009, p. 153-166). Apesar

disso, buscou-se uma metodologia rigorosa a fim de conferir aos resultados algum nível de 14

Cf. entrevista particular com Cravalho, em 2008, na Universidade Federal da Bahia. Semelhantemente, de acordo com Finkler (1985, p. 118), “any measure of medical treatment outcomes has its pitfalls”. Segundo ela, mesmo os pesquisadores que tentam estabelecer a eficácia dos tratamentos terapêuticos da biomedicina encontram-se em um impasse acerca do critério a ser usado em tal avaliação.

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certeza. Na medida do possível, como já se afirmou, a tentativa se inspirou nos procedimentos

empregados por Finkler (1985) em seu estudo seminal sobre os curandeiros mexicanos.

Infelizmente, porém, a diversidade dos objetos sob estudo impediu que seus procedimentos

fossem exatamente repetidos nesta pesquisa. No caso de Finkler, foi possível entrevistar os

sujeitos antes e depois da terapêutica por eles recebida da parte dos curandeiros mexicanos,

pois as queixas dos pacientes, em sua maioria, não contemplavam condições de risco extremo

à vida. Em nosso estudo, porém, os sujeitos foram pacientes que, em geral, estavam ou

estiveram em estado final, cujo recurso à unção pudesse refletir o impacto da unção diante da

proximidade da morte ou da aceitação de sua inevitabilidade. Na situação estudada por

Finkler, foi possível reencontrar tais pacientes certo tempo depois de sua consulta inicial e

verificar o grau de sucesso do tratamento. No caso da unção, há um gradiente bastante

reduzido, pois mormente se constata apenas a sobrevivência ou não do sujeito.

No caso da pesquisa de Finkler, a primeira etapa contemplava a seleção aleatória,

entre os frequentadores dos templos espíritas estudados, de pacientes aos quais era

imediatamente aplicado um questionário socioeconômico. Logo em seguida, ainda nessa

mesma fase, um assistente de pesquisa aplicava a cada paciente selecionado o questionário

Cornell Medical Index (C.M.I.), um instrumento de minucioso levantamento de dados sobre a

saúde do indivíduo, com 195 perguntas a serem respondidas de forma afirmativa ou negativa.

Esse questionário é aplicado por pesquisadores (com ou sem treinamento médico formal) e

usado, desde 1949, em inúmeras pesquisas sobre saúde na área das ciências sociais

(BRODMAN; ERDMANN; WOLFF, 1949). Depois disso, em uma segunda etapa realizada no

mesmo dia, a pesquisadora acompanhava, no templo, a consulta dos pacientes selecionados.

Em um terceiro momento, a pesquisadora visitava os pacientes selecionados e repetia, em

seus lares, as questões respondidas afirmativamente na primeira aplicação do questionário

C.M.I. Na quarta fase, a pesquisadora retornava aos lares dos pacientes e lhes aplicava um

questionário de perguntas abertas sobre seu estado de saúde. Finalmente, na última etapa, a

pesquisadora acompanhava cada paciente em sua visita a um hospital ou clínica para uma

consulta médica convencional.

Etapas da Pesquisa

Em nossa pesquisa, a metodologia contou com apenas três etapas: a seleção da

amostra, nos meses de março e abril de 2016; a aplicação do questionário semiestruturado,

nos meses de maio a outubro de 2016, com sua transcrição nos meses de novembro de 2016 a

fevereiro de 2017; e a análise dos dados, nos meses de março a abril de 2017. Durante a

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escolha da amostra, alguns assistentes de pesquisa, alunos das disciplinas de sociologia e/ou

antropologia, principalmente dos cursos de Letras e Tradutor & Intérprete, no Centro

Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), ficaram encarregados de, em alguns dias de

culto, abordar os frequentadores do templo adventista do campus do UNASP, em Engenheiro

Coelho, antes do início e após o encerramento dos cultos, a fim de identificar, naquela

comunidade, as pessoas que já tinham se submetido ao rito da unção ou as pessoas que já o

presenciaram e, assim, convidá-las a participar do presente estudo. No caso dos participantes

que se submeteram ao ritual, não houve critério de corte. Todos os que se voluntariaram

foram, na medida do possível, incluídos na pesquisa. No caso daqueles que simplesmente

presenciaram a aplicação do ritual, estes foram selecionados para participar da pesquisa se

satisfizessem às seguintes exigências: o ritual ter sido realizado com parente próximo, isto é,

pai, mãe, padrasto, madrastra, avô, avó, cônjuge, irmão, irmã, filho ou filha (primeiro critério)

e esse parente não ter sobrevivido a seu estado terminal ou ter ficado incapacitado de

conceder a entrevista (segundo critério). O primeiro critério se justifica porque, como o

participante não se submeteu ele próprio ao ritual, é necessário que ele estivesse tão

envolvido emocionalmente e tivesse tanta proximidade com a pessoa que recebeu a unção

que fosse capaz de relatar os eventos pertinentes com vividez. O segundo critério se justifica

porque, se a pessoa ungida tivesse sobrevivido à enfermidade, obviamente seria melhor

entrevistar a própria pessoa e não um parente. Nessa fase, o parente só foi admitido como

participante da pesquisa se a pessoa que participou do ritual estava fisicamente impedida de

participar da pesquisa.

A comunidade de Lagoa Bonita, em Engenheiro Coelho, São Paulo, foi escolhida não

apenas pelo critério da conveniência, já que a pesquisadora reside na mesma localidade, mas

pelo fato de ser composta por um grande número de aposentados, cuja idade avançada os

coloca na população geralmente acometida por doenças terminais. A referida igreja, sita à

Estrada Municipal Pr. Walter Boger, s/no., no município de Engenheiro Coelho, estado de São

Paulo, é pastoreada pelo Pr. Edemilson Alves Cardoso, possui mais de três mil membros

assíduos e se reúne para dois cultos matutinos aos sábados, com início previsto para as

8h30min e 10h30min. O primeiro desses cultos atende as famílias adventistas daquela

comunidade, enquanto que o segundo culto se volta para os jovens, especialmente os

estudantes do UNASP. Por essa razão, o trabalho de seleção de participantes aconteceu nas

datas previamente acertadas com o pastor, no horário dos dois cultos.

Uma vez identificados os participantes e recebida sua anuência, a pesquisadora fez

contato mediante email ou telefone para marcar uma visita a seu lar ou outro lugar de sua

conveniência. No caso dos participantes que já se submeteram ao ritual da unção, a

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pesquisadora lhes aplicou, na visita, um questionário semiestruturado (Anexo 3) dividido em

três partes principais. Do cabeçalho, a primeira parte, constaram dezenove perguntas

objetivas, não numeradas, de natureza predominantemente socioeconômica e identitária. Da

segunda parte, constaram três perguntas numeradas com o no. 2, 3 e 5, de caráter objetivo,

especificamente destinadas ao tema da unção e versando sobre motivo, horário, maneira e

duração do ritual. Da terceira parte constaram dez perguntas numeradas com o no. 1, 4 e de 6

a 13, de caráter subjetivo, sobre as impressões dos participantes acerca do ritual. Os

participantes que apenas testemunharam a aplicação da unção sem a ela se submeter,

responderam as mesmas perguntas que foram respondidas por aqueles que se submeteram

ao ritual. Obviamente, as entrevistas com parentes de pessoas falecidas não tiveram o mesmo

grau de exatidão que aquelas realizadas com as próprias pessoas que participaram do ritual,

mas, na falta daquelas, contribuíram, mesmo assim, para que se estabelecessem hipóteses

relativas aos sucessos e fracassos da unção.

Os participantes no estudo de Finkler (1985), ainda acometidos por um estado de

saúde desfavorável, vinham ao templo espírita na intenção precípua de se consultar com um

cuidador espiritual e, então, participar do ritual. No caso deste estudo, os participantes vinham

ao templo adventista, após já terem participado do ritual sob estudo. Além disso, aquela

pesquisadora acompanhou a realização de todos os rituais de cura que estudou e fez contato

com os médicos encarregados do tratamento convencional, quando este foi também

realizado. No caso desta pesquisa, a pesquisadora não acompanhou a realização do ritual, nem

fez contato posterior com profissionais de saúde que pudessem, após exame dos

participantes, validar suas observações.

Critérios Subjetivos de Percepção

Apesar de as pessoas, com frequência, fazerem uso simultâneo de mais de um tipo de

tratamento, um dos aspectos principais desta investigação é o fato de ela se voltar para a

percepção que o indivíduo desenvolve acerca de seu estado de saúde e como esta molda suas

atitudes para com o mesmo. Ou seja, colheram-se dados concernentes aos critérios subjetivos

que levam um indivíduo a abrir mão do papel de “doente”. Finkler (1985, p. 119-120) lista os

principais critérios subjetivos geralmente empregados pelos antropólogos para medir eficácia

terapêutica: a satisfação final do paciente; a remissão dos principais sintomas; e o nível de

funcionalidade recuperado pelo paciente. Ela nos lembra (p. 120), contudo, que

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a renovação das capacidades comportamentais e a restauração do estado de saúde subjetivamente percebido pelo paciente, inclusive o seu bem-estar [...], podem se realizar sem haver necessariamente a remoção total dos sintomas, mas pela reestruturação da percepção do paciente quanto a sua disfunção e condição.

Assim sendo, critérios “subjetivos” como a autoavaliação do paciente não chegaram a

representar um impedimento insuperável à condução deste estudo. Além disso, critérios

externos (como os da biomedicina) puderam ser evocados, quando necessários, para um

controle mais objetivo dos aspectos sob investigação. Destarte, a atenção desta pesquisa

voltou-se principalmente para a relação entre crença religiosa, comportamento e saúde,

focalizando questões como, por exemplo, a relação entre o grau de elaboração do ritual e seu

sucesso ou fracasso, a tensão entre imagens adorcistas e exorcistas na conceituação da doença

como fenômeno espiritual, a verificação de quais seriam os fatores determinantes para a

obtenção de um resultado considerado satisfatório por aqueles envolvidos no ritual, etc.

Análise de Conteúdo

A técnica de análise de dados escolhida foi a da análise de conteúdo, amplamente

empregada nas pesquisas de saúde, especialmente as de caráter psicológico, na área da

comunicação e nas ciências sociais. Como primeira definição, propõe-se aquela fornecida por

Bardin (1977, p. 9) que, embora um tanto subjetiva e bastante antiga, representa

adequadamente a natureza polimorfa e polifuncional da técnica, inclusive seus perigos

latentes:

conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas - desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até à extração de estruturas traduzíveis em modelos - é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não-dito), retido por qualquer mensagem. Tarefa paciente de “desocultação”, responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar-se e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico. Analisar mensagens por esta dupla leitura onde uma segunda leitura se substitui à leitura “normal” do leigo, é ser agente duplo, detetive, espião... Daí a investir-se o instrumento técnico enquanto tal e a adorá-lo como um ídolo capaz de todas as magias, fazer-se dele o pretexto ou o alibi que caucione vãos procedimentos, a transformá-lo em gadget inexpugnável do seu pedestal, vai um passo... que é preferível não transpor.

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De acordo com Caregnato e Mutti (2006, p. 683), a análise do conteúdo se ocupa muito bem

de “textos produzidos em pesquisa, através das transcrições de entrevista e dos protocolos de

observação, e os textos já existentes, produzidos para outros fins, como textos de jornais”. De

fato, a análise de conteúdo é uma técnica ideal para a análise dos dados coletados em

entrevistas, tendo a vantagem de caber tanto nas pesquisas de caráter quantitativo, quando se

preocupa mais com a frequência da ocorrência de certas palavras, quanto nas de caráter

qualitativo, quando se volta para a análise de ideias e significados revelados por padrões

existentes no texto.15

Para Krippendorff (2004, p. xiii), a análise de conteúdo tornou-se, em seus 70 anos de

existência formal, numa das mais importantes técnicas de pesquisa nas ciências sociais, pois

não apenas “leva os significados a sério, mas também é um método poderoso e discreto”. Uma

definição mais precisa da técnica é oferecida pelo próprio Krippendorff (2004, p. xiv) com base

em seu uso já dicionarizado: trata-se da “análise do conteúdo manifesto e latente de um corpo

de material comunicado... por meio de classificação, tabulação e avaliação de seus símbolos e

temas-chave para explicitar seu significado e efeito provável”. O mesmo autor (p. 17) atribui a

origem da abordagem qualitativa da análise de conteúdo à teoria literária, às ciências sociais,

às abordagens críticas (especialmente as teorias marxistas e feministas) e aos estudos

culturais, e articula as seguintes características como definidoras da ênfase qualitativa: leitura

minuciosa de uma quantidade reduzida de material textual, rearticulação (reinterpretação) e

hermenêutica interativa (uma descrição que aborda o próprio processo da interpretação). Para

não limitar a análise de conteúdo ao tipo escrito de material, Krippendorff (2004, p. 18) a

redefine como “uma técnica de pesquisa que busca inferências válidas e replicáveis de textos e

outros materiais que portam significado, em relação aos seus contextos de uso”. A

epistemologia que justifica e ampara essa definição advém principalmente de seis

considerações: um texto não possui qualidades independentes do leitor, um texto tampouco

tem um significado único que pode ser “descoberto”, os significados não precisam ser

necessariamente compartilhados, o conteúdo fala a algo além do próprio texto, o significado

de um texto varia conforme seu contexto ou propósito e as inferências devem se conectar a

seus contextos (as correlações estáveis e as condições que afetam essas correlações de

maneira previsível).

Berelson (1952) lista 17 objetivos da análise de conteúdo: (1) descrever tendências na

comunicação, (2) traçar o desenvolvimento de uma ciência, (3) revelar diferenças em

15

Isso não significa que a análise de conteúdo esteja imune às críticas contra ela dirigidas, especialmente por aqueles que preferem a análise do discurso. A esse respeito, veja-se Rocha e Deusdará (2005, p. 305-322).

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comunicação, (4) comparar mídias ou níveis de comunicação, (5) verificar o conteúdo da

comunicação em relação a seus objetivos, (6) definir e aplicar padrões de comunicação, (7)

auxiliar operações de pesquisa técnica, (8) expor técnicas de propaganda, (9) medir a eficácia

de materiais de comunicação, (10) descobrir aspectos estilísticos, (11) detectar as intenções ou

outras características dos comunicadores, (12) determinar o estado psicológico de pessoas ou

grupos, (13) detectar a presença de propaganda, (14) obter informações políticas ou militares

(inteligência), (15) refletir as atitudes, interesses e valores (padrões culturais) de grupos de

população, (16) revelar o foco de atenção e (17) descrever atitudes e comportamentos como

respostas à comunicação. Vários desses objetivos acompanharam, nesta pesquisa, a aplicação

da análise de conteúdo aos dados obtidos nas entrevistas com os sujeitos que participaram do

rito da unção, ou o testemunharam, conforme praticado pelos pastores adventistas nos

membros da comunidade estabelecida, em Engenheiro Coelho, nas imediações do Centro

Universitário Adventista de São Paulo, ou seus parentes e amigos.

As etapas da análise de conteúdo não são rigidamente segmentadas, uma vez que, de

acordo com Silva, Gobbi e Simão (2005, p. 75), a reconstrução é simultânea às percepções do

pesquisador. De fato,

um longínquo trabalho de análise já foi iniciado com a coleta dos materiais e a primeira organização, pois essa coleta, orientada pela questão da hipótese, não é acumulação cega ou mecânica: à medida que colhe informações, o pesquisador elabora sua percepção do fenômeno e se deixa guiar pelas especificidades do material selecionado (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 215).

Em nosso caso específico, optamos por não explicitar a hipótese antes da realização da análise

de conteúdo, preferindo o tipo de análise que Bardin (1977, p. 98) denomina de “às cegas”, em

que, segundo ela, “não é obrigatório ter-se como guia um corpus de hipóteses, para se

proceder à análise”.

A análise de conteúdo constitui, assim, uma boa técnica para a análise de dados nos

estudos de resultado, uma vez que depende, para atingir certo grau de certeza no

desenvolvimento de construtos analíticos, justamente de, entre outras coisas, sucessos e

fracassos. Opções para fontes alternativas de certeza, segundo Krippendorff (2004, p. 173),

seriam a experiência de peritos, as teorias estabelecidas e as práticas consagradas, que são,

obviamente, mais subjetivamente complexas. No presente trabalho, optou-se pelo assim-

chamado modelo aberto de análise de conteúdo, no qual as categorias analíticas não são

decidias a priori, mas no curso da análise (SILVA; GOBBI; SIMÃO, 2005, p. 76).

A metodologia adotada neste estudo foi, portanto, a da pesquisa qualitativa e, para a

análise das entrevistas, utilizou-se a técnica da análise de conteúdo, optando-se por uma

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amostra não probabilística, intencionalmente selecionada de acordo com a conveniência da

pesquisa. Seguindo a estratégia da “entrevista focada” (focused interview), cujo roteiro não

fazia nenhuma restrição ao aprofundamento dos temas que emergissem durante a conversa

(conforme Anexo 3), as entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas.

Espera-se que a combinação da metodologia do estudo de resultado com a análise de

conteúdo aplicada a entrevistas focadas contribua para uma melhor compreensão da

percepção de cura após a unção e do impacto psicossomático e social desse rito, explicando

por que um indivíduo abre mão de seu papel de “doente” quando, através dele, obtém um

resultado por ele considerado como satisfatório.

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CAPÍTULO I. BREVE HISTÓRICO DA UNÇÃO CRISTÃ DOS ENFERMOS

Como o processo de globalização tem contribuído de forma considerável para o

aumento das patologias sócio-comportamentais, nossa sociedade tem se tornado mais

susceptível ao influxo de tratamentos alternativos. De acordo com um estudo recente do

Banco Mundial, as patologias sócio-comportamentais se tornaram, comparativamente, as

principais causas de diminuição na qualidade de vida das pessoas (veja-se Apêndice, Fig. 1). Os

problemas mentais são responsáveis pela perda de 8,1% de ADIAs, enquanto que os

problemas sócio-comportamentais, tais como violência, doenças sexualmente transmissíveis e

acidentes de trânsito, são responsáveis pela perda de 34% de ADIAs.16 Segundo Sugar et al.

(1994, p. 51), as patologias sócio-comportamentais são os comportamentos com implicações

para a saúde (tais como tabagismo, alcoolismo, dependência de drogas), as doenças mentais

(tais como a esquizofrenia, a depressão e outras desordens afins), as manifestações

comportamentais de outras enfermidades (tais como epilepsia e AIDS) e os problemas do ciclo

vital (tais como retardamento mental, deficit de atenção e demência). Combinações de classe

social, gênero, idade, etnia e afiliação política contribuem para que alguns grupos sejam mais

afetados do que outros mesmo dentro de uma mesma comunidade. Embora o fardo

ocasionado pelas patologias sócio-comportamentais seja enorme, elas são grosseiramente

menosprezadas nas estatísticas convencionais dos órgãos de saúde, pois estas se ocupam da

mortalidade e não da morbidez e da disfunção (DESJARLAIS et al., 1995, p. 4-5). A mortalidade

é associada à sua causa imediata e não à causa última que subjaz aos estados que levam à

morte.17 Assim sendo, uma morte é, por exemplo, geralmente atribuída a uma falha hepática,

em vez de ao alcoolismo. Como agravante, em muitos países subdesenvolvidos, a opção mais

viável é buscar a redução da mortalidade sem se preocupar com a redução equivalente dos

estados de morbidez que prejudicam a qualidade de vida. Finalmente, o aumento da

expectativa de vida tem gerado um número maior de patologias sócio-comportamentais

devido à maior incidência destas sobre a faixa etária acima dos 65 anos. Ao mesmo tempo,

problemas como a depressão estão sendo identificados em uma faixa etária cada vez mais

jovem (CAUDILL; LIN, 1969).

Os cientistas sociais estão convencidos de que a saúde humana encontra-se em um

período de “transição”. Com efeito, o termo “transição” tem se tornado uma forma favorita de

16

Sugiro, aqui, o termo ADIA (ano de deficiência inabilitante) como equivalente à sigla DALY (disability-

adjusted life year), usada pelos sociólogos norte-americanos, para medir a perda de qualidade de vida em um ano de vida de um indivíduo (DESJARLAIS et al., 1995, p. 4). 17

Para um tratamento sucinto da morbidez, sua mensurabilidade e sua relação com a mortalidade, veja-se Murray; Chen, 1994.

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descrever as diversas teorias que têm procurado explicar a melhoria das condições de saúde

nas diversas sociedades humanas (MURRAY; CHEN, 1994). Primeiramente, a assim-chamada

“Teoria da Transição Demográfica” (TTD) procurou explicar este processo com referência às

mudanças históricas ocorridas na fertilidade, mortalidade e dinâmica populacional, nos séculos

XIX e XX, nos países industrializados (STOLNITZ, 1964; TEITELBAUM, 1975). Tais sociedades

passaram de índices elevados de fertilidade e mortalidade a níveis bastante baixos de ambos.

Depois, a “Teoria da Transição Epidemiológica” (TTE) postulou que as mudanças ocorridas na

saúde humana fossem explicadas por meio da simultaneidade do declínio das doenças

infecciosas e a emergência das enfermidades crônicas (OMRAN, 1971). Assim, enquanto as

doenças infecciosas, reprodutivas e nutricionais predominam em populações com elevado

índice de mortalidade, as doenças crônicas e degenerativas predominam em populações com

reduzidos índices de mortalidade. Ambas as teorias têm sido criticadas recentemente pelos

adeptos da “Teoria da Transição de Saúde” (TTS) por causa de sua excessiva simplificação dos

fatos (MURRAY; CHEN, 1994, p. 6-7). Tais teorias postulam que a mortalidade esteja

diminuindo em um ritmo monotônico e linear, sem levar em consideração possíveis processos

de desaceleração, reversão e outros desvios. A TTS defende uma abordagem mais completa

dos problemas de saúde que considere, por exemplo, os problemas das patologias sócio-

comportamentais e os níveis de morbidez e incapacitação. É precisamente dentro deste

arcabouço teórico que esta tese se insere e sua preocupação principal é aplicar um conceito de

saúde afim com a definição da Organização Mundial de Saúde, segundo a qual, a saúde é

muito mais do que a ausência de doença, mas “um completo estado de bem-estar social e

mental” (WORLD, 1984).

1.1 Breve História da Unção

Nos primeiros oitocentos anos da história cristã, a unção era feita em aposento

privado, geralmente o local onde o enfermo convalescia. Essa pode ser a razão por que, nessa

época, tão pouca coisa foi escrita acerca do ritual, que podia ser realizado por qualquer

devoto, conforme prescreve, no início do século V, a carta do papa Inocêncio ao bispo

Decêncio (GUSMER, 1984, p. 15). Martos (1991) e Cormier (1999) estudaram as orações

proferidas durante a unção e que foram preservadas nos antigos documentos do cristianismo

primitivo, principalmente a Didaquê, a Tradição apostólica (de Hipólito de Roma, que a

escreveu por volta do ano 215 A.D.), o Livro das orações (de Serapião, bispo no Egito durante

o século IV), chegando à conclusão de que seu teor envolvia ação de graças e a santificação do

óleo. Por essa razão, consideram a oração pela unção como sendo anamnética e epiclética.

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Isto é, a oração recordava algum motivo de gratidão e, além disso, invocava a presença do

Espírito Santo.

No período carolíngio (800-1100), a igreja faz um esforço para diferenciar, por meio da

regulação e do foco nos efeitos espirituais, a unção e outros sacramentos da feitiçaria e da

magia (CAVANAUGH, 2009, p. 35). Assim, o Concílio de Chalon, na França, em 813, altera

drasticamente a compreensão cristã da unção. A partir daí, o ritual passa à jurisdição exclusiva

dos clérigos, uma vez que os leigos estariam supostamente usando o óleo em conexão com os

rituais de magia, e se torna uma forma de penitência para obter o perdão dos pecados em vez

de para obter cura física (POSCHMANN, 1964, p. 242-243). No séc. VIII, o bispo Teodolfo de

Orleans descreve, como testemunha ocular, um ritual de unção em Constantinopla, no qual

três presbíteros realizam o ritual, sendo que cada um deles derrama alternadamente o óleo

sobre o enfermo, da cabeça aos pés e da mão direita até a mão esquerda, em forma de cruz

(MEYENDORFF, 1991, p. 242).

Nessa perspectiva, enfermidade e pecado estariam intrinsecamente relacionados

(CORMIER, 1999, p. 48). O Sínodo de Pávia, em 850, estipula, além disso, que o ritual sirva

também o propósito de preparar os moribundos para a morte (POSCHMANN, 1964, p. 245).

Como resultado, os fiéis ficam proibidos de levar óleo bento para casa.18 Dessa forma, no

século X, a ordem muda de penitência, unção e viaticum para penitência, viaticum e unção

(CORMIER, 1999, p. 49).19 A unção deixa, então, de refletir uma preocupação com a cura física

e fica limitada ao preparo para a morte, sendo adiada até o último minuto a fim de garantir a

eficácia do rito.

É do período carolíngio que nos chegou a mais antiga exposição de um ritual completo

de unção dos enfermos (CAVANAUGH, 2009, p. 35-36):

A pessoa doente ficava em pé na igreja enquanto se-lhes impunham as mãos e se proclamavam antífonas e orações. A celebração começa com um exorcismo à influência de qualquer poder demoníaco que esteja causando a enfermidade da pessoa. Seguem seis preces curtas e uma oração mais longa. A oração cita Tiago e, então faz uma invocação a Jesus, no poder do Espírito, para curar a enfermidade, sarar feridas, perdoar pecados e restaurar a saúde interior e exterior a fim de que o indivíduo pelo qual se ora possa retornar às suas boas obras. O doente se ajoelha, então se levanta, enquanto o sacerdote lhe impõe as mãos. Orações são proferidas e cânticos são entoados. A pessoa doente recebe, então, a unção na parte posterior do pescoço, na garganta,

18

O estudo de Cuschieri (1993, p. 23-24) fornece evidência documental de que, se um sacerdote ou diácono fornecesse óleo bento a um leigo, nesse período, podia sofrer mutilação, flagelação ou encarceramento. 19

O viaticum é definido pelos católicos como o último sacramento e tem por finalidade oferecer “alimento para a jornada” da morte, em contraste com a unção, vista como sacramento final (CORMIER, 1999, p. 57).

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entre os ombros, no peito e nas partes onde a dor é mais intensa. A oração de unção (com o óleo temperado e aquecido pelo Espírito) invoca a Trindade para exorcizar o espírito imundo e habitar o enfermo: “Eu te unjo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo para que nenhum espírito imundo possa permanecer em teus membros, medula ou juntas e para que, em vez disso, pela operação deste mistério, o poder de Cristo, do Altíssimo e do Espírito Santo possa habitar em ti, e que, pela unção com o óleo bento e nossa oração, curado ou consolado pelo poder da Santíssima Trindade, tu mereças a restauração e a melhora da tua saúde”. O rito era concluído com mais oração e a comunhão, podenso ser repetido sete dias depois, se necessário.

No período escolástico (1100-1500), a crescente confiança na investigação intelectual

da fé provocou outras transformações no ritual da unção, cujo objetivo exclusivo, embora não

unanimemente,20 passa a ser a remissão dos pecados e não a cura física (CAVANAUGH, 2009,

p. 41). Poschmann (1964, p. 244) apresenta várias razões para o desuso da unção como ritual

de cura, incluindo a preguiça e a indiferença do clero, que teria parado de visitar os fiéis. Além

disso, a exigência comumente estabelecida, para os moribundos que se recuperavam, de que

se abstivessem, pelo resto da vida, das relações sexuais e do consumo de alimento cárneo,

parece ter sido um desincentivo a que aceitassem a unção. Outras limitações (como, por

exemplo, a exclusão das crianças, dos insanos e das pessoas inconscientes ou excessivamente

débeis) vieram a diminuir seu alcance. Finalmente, a cobrança de uma taxa pelos serviços do

sacerdote acabou acrescentando ao rito um fardo econômico. Tudo isso levou ao seu

abandono gradativo. Cuschieri (1993, p. 23-24) entende que a unção foi uma espada que a

igreja desembainhou para combater a feitiçaria e pôs de volta na bainha quando esta passou a

corromper a pureza da fé, ao se contaminar com o paganismo. De acordo com Martos (1991,

p. 380-382) e Cormier (1999, p. 52-53), por volta do século XIII, a unção se tornou um ritual

bastante simplificado do qual apenas um sacerdote participava e cuja única finalidade era o

preparo do enfermo, pelo perdão de seus pecados, para a morte.21 Mesmo assim, essa

“extrema unção”,22 oferecida em substituição ao viaticum, podia ter o efeito de apressar a

convalescência e restaurar a saúde, caso a doença tivesse sido causada por algum pecado e

caso a pessoa assim ungida colaborasse com o ritual por meio da introspecção e

arrependimento.

20

Houve vários escritores desse período que protestaram contra a ideia de que a unção tivesse sequer a capacidade de conceder perdão para os pecados (GUSMER, 1984, p. 29; MARTOS, 1991, p. 383; CAVANAUGH, 2009, p. 42). 21

No processo de simplificação do ritual, os frades franciscanos do século XIII separaram a unção de outros rituais como a visitação ao enfermo, o viaticum e o rito de encomendar os mortos. A unção continua a ser aplicada depois do viaticum. No entanto, ela deixa de vir em último lugar por causa do acréscimo do ritual com o qual se encomendam os mortos, e passa fazer uma separação ainda mais pronunciada entre o viaticum e a hora da morte (GUSMER, 1984, p. 27; CAVANAUGH, 2009, p. 44). 22

A expressão “extrema unção” foi criada por Pedro Lombardo, autor do período escolástico, que morreu em 1160 (GUSMER, 1984, p. 30; CAVANAUGH, 2009, p. 42).

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Suspende-se, no século XVI, a cobrança da taxa associada à unção e questiona-se se o

ritual era uma invenção humana ou divina (MARTOS, 1991, p. 102; CORMIER, 1999, p. 54).

Especialmente Calvino argumenta que o dom miraculoso de curar os enfermos através da

unção, durante a pregação inicial do evangelho, não havia sido transmitido às gerações

posteriores. O reformador critica os católicos por sucumbirem à superstição de benzer o óleo

para ungir corpos semimortos, o que ele considera um abuso da unção de Tiago (GUSMER,

1984, p. 140; CAVANAUGH, 2009, p. 49). Além disso, os demais reformadores protestantes

objetam principalmente contra a ideia de que a unção devesse ser uma prerrogativa do clero

(CAVANAUGH, 2009, p. 49). Como reação a essas objeções, os católicos organizam, então, o

concílio de Trento (1545-1563). Bausch (1983, p. 210) e Empereur (1986, p. 64-70) estudaram

os documentos do concílio e observam que, embora suas decisões desencorajem a unção de

pessoas no momento da morte, sua administração continuou restrita a pessoas em estado

terminal.

Os processos cada vez mais intensos de urbanização acabaram contribuindo para a

“racionalização” e “moralização” da religião. Segundo Weber (apud BOURDIEU, 2011, p. 35),

isso só foi possível porque “a religião favorece o desenvolvimento de um corpo de

especialistas incumbidos da gestão dos bens de salvação”. Para Bourdieu (2011, p. 35),

Os processos de “interiorização” e de “racionalização” dos fenômenos religiosos e, em particular, a introdução de critérios e imperativos éticos, a transfiguração dos deuses em poderes éticos que desejam e recompensam o “bem” e “punem” o mal, de modo a salvaguardar também as aspirações éticas, e mais o desenvolvimento do sentimento do “pecado” e o desejo de “redenção”, eis aí alguns dos traços que desenvolveram, via de regra, paralelamente ao desenvolvimento do trabalho industrial, quase sempre em relação direta com o desenvolvimento urbano.

Ou seja, os processos que se mostravam incipientes no início da história do cristianismo,

ganharam efeitos cada vez mais acentuados durante o desenvolvimento industrial devido a

suas caracteríticas precominantemente urbanas. A “monopolização da gestão dos bens de

salvação por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os

detentores exclusivos da competência específica necessária” impediu que o ritual da unção

jamais fosse liberado para que os leigos o ministrassem, ficando estes “destituídos do capital

religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado)” (BOURDIEU, 2011, p. 39).23

23

Para Bourdieu (2011, p. 43), além disso, “a oposição entre os detentores do monopólio da gestão do sagrado e os leigos, objetivamente definidos como profanos, no duplo sentido de ignorantes da religião e de estranhos ao sagrado e ao corpo de administradores do sagrado, constitui a base do princípio da oposição entre o sagrado e o profano e, paralelamente, entre a manipulação legítima (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou feitiçaria) do sagrado”.

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Quanto à restrição da aplicação da unção aos casos terminais, o embargo prevaleceu,

segundo Cormier (1999, p. 56) e Cavanaugh (2009, p. 52), até o Concílio Vaticano II, que

alterou o nome oficial do rito de “extrema unção” para “unção dos enfermos” e, além disso,

decidiu voltar a inserir o viaticum após sua administração bem como permitir que os que

padecem de velhice mórbida também se tornem seus beneficiários, com a prescrição restritiva

de que, em nenhuma hipótese, fosse administrado aos mortos. A mudança de nome pretendia

dirimir o medo, a morbidez e o fatalismo associados com a prática (EMPEREUR, 1986, p. 81).

Segundo Rahner (1965, p. 294), a unção seria, na perspectiva do Concílio Vaticano II, um ato de

fé da igreja, uma atitude escatológica, para trazer, ao moribundo, a esperança de superar a

escuridão da morte.

Um dos objetivos do Concílio Vaticano II foi o de estabelecer um diálogo entre a

experiência religiosa e as ciências humanas, sem reduzir aquela aos relatórios descritivos

destas (CAVANAUGH, 2009, p. 92). Para isso, o Concílio aceitou a definição de saúde proposta

pela comunidade científica: vida abundante experimentada em integridade física, bem-estar e

alegria de viver, uma construção cultural que é socialmente aprendida e sancionada,

pertinente às dimensões física, mental e espiritual (MALOOF, 1991, p. 21; PHILIBERT, 1998, p.

1). Por essa razão, a ênfase do ritual sofreu nova e drástica reformulação. Segundo Cavanaugh

(2009, p. 92-93), ocorreu

uma mudança de cosmovisão da destruição de heresias pela explicação da forma, tipo e conteúdo dos sacramentos por meio da qual se pratica a verdadeira justiça para uma cosmovisão que abraça os gozos e a esperança, as dores e as ansiedades dos enfermos que são fiéis e de toda a raça humana. Essa mudança concede poder à pessoa enferma como aquela que invoca, um participante ativo e testemunha de Cristo no ministério dos enfermos e não apenas um recipiente passivo do ministério aos enfermos. Os enfermos são vistos como crentes ativos, participantes do ministério e missão da igreja bem como em sua adoração litúrgica. [...] A imposição de mãos e a unção com o óleo sobre a cabeça e as mãos se tornam uma espécie de consagração na qual Deus abraça o enfermo.

1.2 Uma Definição Operacional de Unção dos Enfermos

Para os propósitos desta pesquisa, é necessário, em primeiro lugar, que se proponha

uma definição operacional de unção dos enfermos. Essa definição operacional precisa partir,

porém, de uma definição fenomenológica tanto da doença quanto da unção que sejam

predicadas no modo como seus praticantes compreendem hoje o ritual. Heidegger (1962, p.

58) descreve a fenomenologia como um processo pelo qual “se deixa que aquilo que se mostra

seja visto a partir de si mesmo exatamente do mesmo modo em que se mostra a partir de si

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mesmo”. Sendo assim, duas dimensões precisam ser exploradas: o aspecto manifesto daquilo

que se mostra e seu aspecto não manifesto.

A fenomenologia da doença apresentada por Glen (1987) lança luz sobre o papel da

expectativa na construção humana do significado, sendo que um futuro esperado se torna, em

sua forma de ver, o horizonte a partir do qual avaliamos e interagimos com o presente. Por

isso, ela entende que a esperança é um “lançar da imaginação” (cast of imagination) em

direção a um futuro possível e desejável. Entretanto, a doença interfere na expectativa

esperançosa. Dessa forma, é como se a doença enevoasse a expectativa, revelando, em seu

lugar, a espreita da morte. Segundo ela, um diagnóstico de câncer borra os projetos e planos

que fazem parte de uma vida saudável, paralisando a imaginação. Segundo Cavanaugh (2009,

p. 140),

Os sociólogos falam do abandono do papel social costumeiro de pessoa autônoma e responsável e da adoção do “papel de doente”, o papel de paciente no sentido etimológico de uma pessoa que passivamente se submete à ação dos outros. O “papel de doente” é caracterizado por uma regressão, em que o paciente entrega, pouco a pouco, todo o poder para os cuidadores. É um papel em que passa a requerer cuidados paternais dos cuidadores e solicita a presença dos pastores da igreja ao seu lado. O mundo do enfermo é interrompido e transformado à luz de uma ampliação de significado que abraça a realidade da morte.

Diante dessa vulnerabilidade, a pessoa enferma anela por um retorno da esperança. Por isso,

se esforça “para contar a história de sua vida, para refletir sobre o que deu significado a sua

vida e para tecer uma autobiografia que contém meadas de integridade e desespero”

(CAVANAUGH, 2009, p. 143).

A enfermidade afeta várias dimensões, não sendo apenas biológica, mas pessoal, social

e espiritual. De acordo com Davis (2004, p. 38-39), ela é pessoal porque afeta a autoestima da

pessoa; é social porque interfere no papel que a pessoa desempenha na família e em sua

comunidade; é espiritual porque pode impactar a forma como a pessoa compreende e se

relaciona com Deus. Por isso, o ritual da unção, quando eficazmente celebrado, leva em

consideração as várias dimensões afetadas pela doença, envolvendo as pessoas (familiares,

membros da igreja, amigos, colegas de trabalho, médicos, enfermeiras e até os membros da

comunidade que tenham a reputação de praticar a cura naturalista), remédios (farmacêuticos

e caseiros),24 símbolos e terapias. Sendo assim, a doença é vista, aqui, como uma crise de

24

É comum que se enfatize a natureza complementar da unção e dos medicamentos receitados pelos profissionais da saúde, uma vez que os cristãos geralmente entendem que Deus é a fonte de toda cura. Nessa concepção, é Deus quem cura, quer seja através de medicamentos, quer seja de forma sobrenatural (WENGER, 2000, p. 188-189).

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implicações várias, na qual o paciente pode se sentir abandonado pela família, comunidade e

Deus, tendo a sensação de estar isolado. Além disso, como afirma Davis (2004, p. 39), se a

doença é terminal, isso pode levar o paciente a uma verdadeira luta pela integridade pessoal,

enquanto reflete sobre a vida e a morte. Sucesso nesse processo pode depender, inclusive, de

uma conversão pessoal, por meio da qual o paciente recupera e reinterpreta seus valores

religiosos e entende que a morte faz parte de um processo natural também capaz de revelar

um Deus bom e amoroso, interessado tanto no fluxo da vida quanto na cessação da dor.

Da mesma forma, a unção é vista, aqui, como um importante ritual entre outros (como

a consulta médica, o preenchimento de prontuários, o exame dos sinais vitais) que ajudam a

reorganizar e reinterpretar a ruptura que a doença produz, de modo que a pessoa enferma

sinta que sua integridade está sendo restaurada; suas relações pessoais, reforçadas; e seus

valores religiosos, respeitados, tornando-se novamente relevantes (DAVIS, 2004, p. 39).

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CAPÍTULO II. ASPECTOS CULTURAIS DA VISITA PARA UNÇÃO

Os seres humanos, desde o início de sua história, deram várias provas de que não

conseguem aceitar a factualidade da morte. Seu sentimento de abandono indefeso diante da

pavorosa constatação de que são finitos, os levou a desenvolver rituais e a idear mitos capazes

de auxiliá-los a colocar ordem no caos causado pela doença e pela morte.25 Como forma de

abstrair significado da dura realidade do sofrimento, doença e morte, as sociedades antigas,

mesmo as pré-cristãs, praticaram o rito da unção com óleo. O óleo, que já tinha um uso secular

e mundano, principalmente na cozinha (Lv 2:7; 9:4; Nm 11:8; 1 Re 17:12; Ez 16:13) e como

combustível (Êx 35:8, 14 e 28) e bronzeador, passou, então, à dimensão do uso religioso,

servindo para preparar o corpo morto para o sepultamento, coroar reis (1 Sm 10:1; 15:17; 2

Sm 2:4, 7; 12:7; 1 Re 1:39; 2 Re 23:30; Sl 89:20), consagrar sacerdotes (Êx 40:15; Lv 7:35) e

profetas (Is 61:1), dedicar locais para a adoração (Gn 28:18; Lv 8:10; Dn 9:24), oficiar

matrimônios (Ez 16:9), ungir os enfermos antes da morte e os cativos prestes a serem libertos

(2 Cr 28:15), e preparar o corpo para o sepultamento (2 Cr 16:14). Para os primeiros cristãos,

Jesus, a quem o Novo Testamento apresenta como capaz de curar os enfermos pelo toque e

pela palavra, era o Messias ou o Cristo, palavras que significam “ungido” em hebraico e grego,

respectivamente. Por isso, os próprios discípulos de Jesus praticavam a unção em busca da

cura física e exorcismo para as pessoas com quem entravam em contato (Mt 4:23-24; Mr

6:13). Gusmer (1984, p. 7), entre outros, acredita que, na prática dos discípulos, encontra-se a

origem da unção como costume cristão (Ti 5:14-15). Mesmo não havendo indícios, no Novo

Testamento ou na história da igreja cristã, de que a unção tenha sido usada para a

evangelização, para os cristãos, a realidade física se torna, com frequência, uma alegoria da

realidade espiritual.

2.1 A Visita do Cuidador Espiritual como Parte do Rito da Unção

Numa tentativa de situar a unção dos enfermos a partir de uma cosmovisão pós-

moderna, Cavanaugh (2009, p. 3) propôs recentemente que o ritual deve compreender três

elementos fundamentais: a visitação, a cura e a reconciliação. Ao fazer isso, a estudiosa

reconhece o papel fundante de Tiago 5:14-15, passagem da Bíblia que faz essa estipulação:

25

Contrasta com essa explicação essencialmente antropológica, a visão teológica, conforme epitomizada por Rahner (1965), segundo a qual, como não conseguem escapar de sua mortalidade, os cristãos se voltam para a introspecção quanto ao significado de sua existência e para a expectativa escatológica da esperança e da coragem de transcender este mundo e os limites de seu sentido até uma dimensão espiritual.

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E quando alguém estiver doente, mande chamar os responsáveis da igreja, para orarem por ele, derramando óleo sobre ele, em nome do Senhor. Esta oração, feita com fé, dará a saúde ao doente e o Senhor há de restabelecê-lo. E, se cometeu algum pecado, será perdoado.

Na Bíblia Hebraica, Deus visita os velhos, os enfermos e os inférteis; no Novo Testamento,

Jesus “visita” os enfermos (Mt 8:14-15; 9:27-31; 20:29-34; Mr 1:29-31; 5:25-34; 7:31-37; 8:22-

26 e Jo 9:1-7), em sua missão itinerante, chamando a si mesmo de médico (Mt 9:12; Mr

2:17;Lc 4:23 e 5:31). Na perspectiva de unção que tem por base a fórmula estabelecida na

passagem fundante de Tiago 5:14-15, o oficiante e seus auxiliares visitam o enfermo com o

propósito de orar por ele e o ungir de modo a que receba o benefício duplo de ser curado e se

reconciliar com Deus. É muito comum que um doente terminal questione por que Deus

permite que ele se encontre nessa situação angustiante, o que produz baixa autoestima e dor

espiritual, tornando a reconciliação com Deus um tema antropológico tanto quanto dogmático

e teológico (YAMADA, 2001, p. 28 e 36). Nesse sentido, a reconciliação é bastante diferente da

aceitação da morte, emanando, em vez disso, de um sentimento de paz produzido pela

convicção de que somos compreendidos e aceitos pelo outro e de que o compreendemos e

aceitamos (YAMADA, 2001, p. 38).26

Em realidade, quem visita o enfermo também exerce um papel simbólico. Sua

influência sobre a pessoa visitada é significativa. Para Young (1954, p. 61-62),

A influência do pastor não se limita a seu apelo pessoal, mas sofre o acréscimo de um poder figurativo que é tão antigo quanto a própria religião. Os pacientes atribuem ao pastor todos os tipos de papéis emocionais. Uma ampla gama de sentimentos e interpretações é invocada desde o contato inicial com o indivíduo. Essa reação resulta necessariamente da natureza simbólica do papel do pastor porque ela ocorre geralmente antes que uma boa relação interpessoal tenha sido estabelecida.

É nesse contexto que Holst (1985, p. 46) afirma que “todo cuidado pastoral tem um papel

básico, primário, definível e fundamental”. Papel, nessa declaração, tem o sentido de tarefa ou

objetivo básico que se determina pelo cargo, profissão ou posição, sendo, além disso, uma

combinação de expectativas internas e externas. A isso Yamada (2001, p. 10) acrescenta que o

papel pastoral tem uma dimensão desejada e outra que é dada como tal. De qualquer forma,

durante a visita ao doente, em muitos casos, o cuidador espiritual se torna, para ele, um

representante de Deus e da igreja. “Quando o pastor visita o doente, o pastor não recebe

26

Nesse contexto, o “outro” deve ser entendido como Deus, o cônjuge, os familiares, os amigos, os desafetos e, segundo Yamada (2001, p. 38), até “a doença, o destino e o tempo”.

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nenhuma outra credencial senão o endosso dessa autoridade” (YAMADA, 2001, p. 13). Nesse

sentido, como documentou Foulcault (1979, p. 99-128) a respeito da origem do hospital, o

papel do médico, o principal responsável pelo cuidado físico prestado ao doente, se reveste de

uma aura de respeitabilidade semelhante à que se percebe em relação ao cuidador espiritual:

“a tomada de poder pelo médico se manifesta no ritual da visita, desfile quase religioso em

que o médico, na frente, vai ao leito de cada doente seguido de toda a hierarquia do hospital:

assistentes, alunos, enfermeiras, etc.” (FOUCAULT, 1979, p. 110).

O rito da unção lança, portanto, o cuidador espiritual em meio a um torvelinho de

emoções fortemente afetadas pela condição do doente terminal,27 sendo que, em muitos

casos, considerável responsabilidade recai sobre a atuação do cuidador espiritual, em quem o

doente deposita suas últimas esperanças de salvação ou de um pouco de alívio e paz. A teoria

clássica de Kübler-Ross (1997) situa o paciente terminal numa progressão de estágios em

relação à morte que avança desde a negação e o isolamento.28 Ele passa, então, pela raiva,

negociação e depressão, até a aceitação.29 “Não se deve confundir, porém, a aceitação com

uma etapa feliz. Ela é quase destituída de sentimentos. É como se a dor acabasse, a luta

terminasse e tivesse chegado o momento de um pequeno descanso antes da longa jornada”

(KÜBLER-ROSS, 1997, p. 124).

Segundo Cavanaugh (2009, p. 3),

A visitação aponta para a natureza dialógica da unção, um ponto de partida que permite observar a dinâmica e a interação social entre poder e vulnerabilidade. Colocar esse componente em primeiro lugar é olhar o milieu concreto das realidades humanas que definem a enfermidade.

Assim, segundo os que a praticam (YAMADA, 2001, p. 5), a visitação pastoral àqueles que

estão gravemente enfermos tem por motivação o precedente das Escrituras, o anseio de

27

Emprega-se, aqui, a expressão “cuidador espiritual” em referência a qualquer cuidador profissional que, dentro da tradição cristã, tenha como preocupação principal os aspectos espirituais do doente, incluindo, sem distinção de gênero, pastores, sacerdotes, padres, freiras, conselheiros espirituais, diáconos, diaconisas, presbíteros e presbíteras, bispos e bispas, entre outros. 28

Nem sempre se passa por todas essas etapas, pois a pessoa pode vir a falecer antes ou pode ficar estagnada em uma delas. Nem sempre esses estágios se apresentam de forma inteiramente sequencial. O paciente terminal pode pular etapas durante o processo ou, então, voltar a estágios anteriores (KÜBLER-ROSS, 1975, p. 116). 29

Segundo Kübler-Ross (2005) e Stüewer e Baade (2016), essas fases geralmente progridem de uma maneira consistente. A fase de negação e isolamento funciona como um “pára-choques”, no momento da recepção da notícia, para proteger o paciente da realidade que o aguarda. A fase da raiva faz dos médicos, enfermeiras e familiares o alvo direto da impaciência do paciente terminal. A fase da negociação ou barganha é o momento em que o doente começa a fazer promessas para Deus. Na depressão, as circunstâncias não permitem mais que se negue a gravidade da situação e, portanto, aparece um sentimento de perda. A fase de aceitação é a fase do consentimento. Nesse estágio, segundo Leloup (2001, p. 56), “tudo se passa como se a pessoa já tivesse ressuscitado antes de morrer”.

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seguir o exemplo estabelecido por Cristo, o desejo de conformidade com a tradição cristã, a

vontade de ajudar o próximo, o interesse em dar testemunho da própria fé, a aspiração ao

crescimento espiritual e o objetivo clínico de prover algum tipo de consolo e certeza em meio

ao cansaço, dor, isolamento e sofrimento provocados pela doença. Por essa razão, o cuidador

espiritual vai até o leito da pessoa e se esforça para demonstrar empatia por meio do toque

físico e para reafirmar a fé do enfermo por meio da leitura da Bíblia e da oração. Segundo

Yamada (2001, p. 6), esses objetivos não são alcançados se o cuidador espiritual se atém à

própria agenda e não leva em consideração as expectativas daquele que está enfermo,

embora estas sejam verbalizadas apenas raramente. Johnson e Spilka (1991) relatam, por

exemplo, que, em seu estudo com pacientes de câncer de mama, uma mulher mencionou sua

indignação diante da recusa de um cuidador espiritual em orar por um milagre em seu caso.

O texto de Tiago e, por extensão, o próprio ritual da unção contribuem para a

concessão de poder ao enfermo, já que é por sua decisão que o rito lhe deve ser ministrado. É

o enfermo quem, de fato, manda chamar os oficiantes. Além disso, por sua solicitação, os

oficiantes vêm a sua presença e não o contrário.30 Segundo Cavanaugh (2009, p. 11), a prática

de visitar e cuidar dos enfermos, viúvas e órfãos é vista pelos primeiros cristãos como uma

continuação do ministério de Cristo (Ti 1:27; At 6:1-2). De acordo com o Novo Testamento,

Jesus tinha encontros com os enfermos nas estradas (Mt 8:13; Lc 17:12-14) e permitia que eles

lhe fossem trazidos onde quer que estivesse (Mt 9:6-7). Além disso, ensinava que a visitação

aos enfermos era um dever de seus seguidores (Mt 25:36; Lc 16:19-31). De fato, Borobio

(1991, p. 45ss) coletou referências a inúmeras fontes antigas que fazem menção ao costume

cristão de visitar os enfermos e que o sancionam, dentre as quais se pode mencionar, a título

de exemplificação, a hipérbole de Atanásio, em meados do século IV, de que os enfermos

lamentavam mais a falta de visitas do que a própria presença da enfermidade.31

Nem sempre, porém, se respeitou a regra de visitar o doente em seu lar. Com a

emergência dos hospitais, no período carolíngio (800-1100), o local de visitação acaba

transferido para as dependências de hospitais e mosteiros (CAVANAUGH, 2009, p. 35). Há

30

Cuenin (1987, p. 75) levanta, por isso, algumas questões culturais e sociais associadas com a visitação para a administração da unção no antigo contexto em que Tiago escreveu sua epístola: que nível de isolamento mantinha os enfermos separados dos sãos? como se enxergava o toque físico a um corpo que podia ser fonte de contágio e que podia proporcionar uma experiência de contato com o mal corporificado pela doença? Cavanaugh (2009, p. 4) também indaga: que diferença faziam gênero e idade? como a ocorrência de epidemias afetava a prática? Apesar de legítimas, essas perguntas só podem receber respostas parciais, uma vez que a evidência documental a elas pertinente é bastante exígua. 31

Apesar da hipérbole, o apreço à visita pastoral por parte da pessoa enferma é real. Johnson e Spilka (1991, p. 30) relatam que, em seu estudo com pacientes cancerosos, uma mulher revelou que se sentiu “abandonada” quando seu pastor não a visitou durante seu período de tratamento.

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evidência de que, nesse período, surgiu, além disso, a prática nada cristã de deixar o enfermo

perto de um altar a fim de constranger Deus a que o curasse. Caso a cura não ocorresse, o

enfermo era deixado ali para morrer (POSCHMANN, 1964, p. 248; CAVANAUGH, 2009, p. 36).

Cuenin (1987, p. 74) interpreta, por outro lado, que o advento dos hospitais e o enorme

contingente de homens e mulheres dedicados ao cuidado pastoral dos enfermos acabam

alterando a forma como as doenças são entendidas depois desse período e contribuem para a

concessão de um contexto de fé à realidade da doença.

Entre os católicos, o Concílio Vaticano II recomenda o retorno à prática da visitação

aos enfermos em seu próprio lar (CAVANAUGH, 2009, p. 52). Seu conselho, além disso, é que o

clérigo elabore uma lista de pessoas enfermas a fim de que possa visitá-las periodicamente.

Como parte da visita, o padre deve admoestar o enfermo a confiar em Deus, arrepender-se de

seus pecados, implorar a misericórdia divina, ter paciência com o sofrimento causado pela

doença e considerar a visita como uma visitação divina capaz de lhe confirmar a salvação e

como uma oportunidade para que reforme sua vida. A visitação aos enfermos, na perspectiva

do Concílio Vaticano II,

não apenas muda o foco para a concessão de poder à pessoa enferma que o invoca, mas também para a família, a comunidade e os cuidadores que lhe dão apoio. A pesquisa psicológica e sociológica sobre a doença enfatiza o poder da doença de “infectar” não apenas o indivíduo, mas também a família e a rede social à qual a pessoa pertence (CAVANAUGH, 2009, p. 93).

Por isso, Collins (1991, p. 4) afirma que a visita pastoral, conforme recomendada pelo Concílio

Vaticano II, concede uma extraordinária oportunidade para que os cuidadores espirituais

coloquem a fé da igreja em diálogo com as esperanças, aspirações e temores humanos tão

comuns aos enfermos e suas famílias. Nesse sentido, Fink (2005, p. 29) analisa o impacto da

visita pastoral em termos de seu valor como liame social. Segundo ele, a simples visita do

cuidador espiritual simbolicamente conecta toda a comunidade eclesiástica ao processo de

cura. Trata-se, de fato, de um convite ao envolvimento da comunidade, um apelo a que a

comunidade se veja como parte importante na cura de seus membros. Um procedimento

comum na visita do cuidador espiritual é a garantia ao enfermo de que outras pessoas estão

orando por ele (VANDECREEK, 1998, p. 198). Com isso, apesar do confinamento que a doença

grave lhe impõe, o doente recorda, por sua vez, dos vínculos que ainda mantém com os

amigos e conhecidos. Isso é especialmente evidente quando o doente costuma frequentar a

congregação do cuidador espiritual.

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47

2.2 O Significado Social e Cultural da Visita do Cuidador Espiritual

A perspectiva predominante da pós-modernidade aponta para a experiência humana

como sendo localizada socialmente. Isto é, apesar de suas vozes geralmente múltiplas e de seu

reconhecimento do potencial hermenêutico da linguagem,32 a pós-modernidade inclui alguns

posicionamentos quase que consensuais, dentre os quais está o ponto de vista de que gênero,

raça, classe e etnia informam a compreensão que as pessoas têm de sua realidade

(CAVANAUGH, 2009, p. 104). De acordo com Cavanaugh (2009, p. 145-146), a unção, por

exemplo, tem pouco significado cultural nos Estados Unidos; ainda assim, é praticada porque,

naquele país, os enfermos dão grande valor ao toque pelo cuidador espiritual, que consegue,

de certa forma, atravessar as barreiras impostas pela vergonha, medo e constrangimento às

pessoas que residem no casulo inamistoso que a doença fatal constrói ao seu redor.

Segundo Cavanaugh (2009, p. 143), durante uma visita, a pessoa enferma se esforça

“para contar a história de sua vida”, para refletir sobre o que lhe deu significado à vida. Por

isso, acaba tecendo “uma autobiografia que contém meadas de integridade e desespero”.

Quem a visita se esforça, por sua vez, para puxar a linha dos fiapos de esperança, abstendo-se

de desenrolar a linha tingida com as cores berrantes do desespero. O doente é, nesse sentido,

uma espécie de “vivo documento humano” (living human document), na expressão cunhada

por Boisen (1936). O cuidador espiritual eficiente presta atenção nesse relato de vida e

procura participar da experiência nele contida a fim de encontrar o significado que dele

emerge (YAMADA, 2001, p. 8).33 Em momentos de dor física e espiritual, “qualquer pergunta

tem significado”, e o cuidador espiritual reúne nas perguntas as condições adequadas para

compreender a dor espiritual do doente e se unir a ele na exploração de seu significado

(YAMADA, 2001, p. 28). De acordo com Gerkin (1984, p. 38), “cada vivo documento humano

tem integridade própria que requer compreensão e interpretação, em vez de categorização e

estereotipização”. Segundo Yamada (2001, p. 8), sem essa busca de significado, qualquer

propósito de uma visita pelo cuidador espiritual perde seu valor. Uma confirmação desse fato

32

Segundo Scanlon (1999, p. 231), isso “não leva ao relativismo. Através do cultivo da sensibilidade hermenêutica e da imaginação, diferentes linguagens e tradições podem ser comparadas e avaliadas racionalmente. Linguagens e tradições incomensuráveis não são mônadas sem janelas que não têm nada em comum. Há sempre pontos que debordam e se entrecruzam. Nossos horizontes linguísticos estão sempre abertos. Podemos até falhar em compreender as tradições que nos são alheias, mas nossa resposta a essa falha deveria ser ética: ouvir com mais atenção e ampliar nossa imaginação. É muito difícil, mas precisamos aprender a viver com a mente aberta, de forma crítica, ao pluralismo cultural de nossa época. Precisamos aprender que somente mediante encontros nos quais nos engajamos com o ‘outro’, seremos capazes de entender, de forma mais profunda, nossas próprias tradições”. 33

Becker (1985, p. 32) sugere que “presença e compreensão” são os dois aspectos mais importantes do cuidado pastoral aos enfermos.

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vem de uma pesquisa voltada para pacientes com câncer de mama (JOHNSON; SPILKA, 1991,

p. 24).34 As pacientes expressaram sua satisfação por ter recebido a visita de um cuidador

espiritual no ambiente hospitalar principalmente porque se disseram compreendidas pelo

cuidador espiritual.

Outra preocupação dos enfermos, geralmente expressa por ocasião da visita de um

cuidador espiritual, tem que ver com a forma como a vida das pessoas a quem amam e com

quem se importam vai prosseguir sem sua presença ativa (CAVANAUGH, 2009, p. 143). No

estudo de Johnson e Spilka (1991), 43,1% das pacientes de câncer de mama visitadas por um

pastor ou capelão revelaram que um dos temas da conversa durante a visita foi sua

preocupação com membros da família. De acordo com Yamada (2001, p. 19), até a oração

proferida pelo cuidador espiritual reproduz os temas sobre os quais conversou com a pessoa

enferma a quem está visitando e agrega a impressão de que lhe compreendeu o estado e as

preocupações que derivam dele.35

Percebe-se, portanto, que a visitação é uma parte intrínseca e indissociável do rito da

unção, sem a qual não somente a aplicação do rito seria impossível, mas muito de sua eficácia

social, cultural e espiritual se perderia. A visita continua, inclusive, a ter valor cultural mesmo

nas condições em que o doente terminal não partilhe da cosmovisão do cuidador espiritual,

desde que este não ignore suas expectativas. A visita provê a oportunidade para a reflexão

sobre temas ponderais e é essencial para a compreensão da factualidade da mortalidade

humana, para a aceitação da morte e para a reconciliação com o outro.

2.3 Conclusão

A visita de um cuidador espiritual faz parte de uma antiga tradição cristã praticada

ininterruptamente ao longo dos séculos, sendo, além disso, uma importante etapa

preparatória para que o rito da unção seja ministrado a um doente em estado terminal. Por

ser uma prática socialmente localizada, a visita provê a oportunidade para a negociação de

papéis sociais. Durante ela, ao recorrer a uma fonte de autoridade que precede e transcende

sua condição final, o doente recupera momentaneamente o poder sobre sua própria vida, um

34

O estudo de Johnson e Spilka (1991) incluiu 103 voluntárias da Sociedade Americana de Câncer, sendo que mais de 90% das pacientes se disseram satisfeitas por terem recebido a visita de um pastor ou capelão no hospital ou em casa. O estudo demonstrou, portanto, que, em geral, as mulheres americanas apreciam visitas pastorais quando enfrentam problemas de saúde. Além disso, 53,4% dessas pacientes expressaram a opinião de que, durante a visita, o cuidador espiritual compreendeu sua dor e sentimentos. 35

De acordo com Johnson e Spilka (1991, p. 29), “o ‘poder da oração’ não deve ser subestimado. Ela [a oração] representa uma forma de controle que identifica o indivíduo com fontes últimas de poder”.

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poder do qual, na maioria dos casos, já havia abdicado. Além dessa dinâmica de negociação de

papéis, a visita também abre espaço para o questionamento das expectativas sociais em

pauta. Como “vivo documento humano”, o doente proporciona à comunidade representada

pelo cuidador espiritual e seus acompanhantes bem como aos familiares e amigos presentes

durante a visita uma abertura para novas interpretações de sua história de vida e do

significado último de sua condição. Dessa forma, a razão por que os envolvidos no processo se

dizem beneficiados pode muito bem emanar da percepção que passam a ter de que, de

alguma forma, a visita do cuidador espiritual contribui para a criação de uma nova

sensibilidade hermenêutica na comunidade.

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CAPÍTULO III. O RITO DA UNÇÃO

As diferentes denominações religiosas praticam o ritual da unção de formas

obviamente diversas e por razões distintas: desconforto mental ou emocional, condição

terminal ou enfermidade que ameaça a vida da pessoa e cuja possibilidade de cura é remota,

remorso e necessidade de consolo espiritual, temor de possessão demoníaca, doença ou dor

crônica e incapacitante, relacionamento fraturado e doloroso, necessidade de confiança diante

da iminência de uma cirurgia importante, preparação para a morte iminente, consternação

diante de aparente infertilidade, perda de um ente querido, apreensão diante de uma nova

responsabilidade que se afigura extremamente desafiadora, uma crise na vida, entre outras

(WENGER, 2000, p. 173-174). Nas variadas formas em que o ritual é ministrado, o sucesso da

prática depende, porém, em grande medida, da perspicácia do cuidador espiritual, que precisa

estar ciente quanto aos aspectos culturais pertinentes ao ritual na concepção do próprio

paciente. Davis (2004, p. 35-36) faz um trocadilho para dar conta desse fato:

Aqueles que ministram aos enfermos, embora bem intencionados, podem, de fato, afligir [annoy], em vez de ungir [annoint], se não conseguirem apreciar de forma plena a cultura da pessoa enferma. Isso ocorre porque, através da externalização simbólica da ansiedade, o ritual bem feito conforta a pessoa enferma com a ideia de que ela tem algum controle do destino. Entretanto, esse “psicodrama”, na linguagem da psicologia moderna, essa “cura ritual”, só é eficaz se compartilha o idioma cultural da pessoa doente. Do contrário, ela só é mais um evento confuso, na verdade, incômodo, na vida da pessoa já afligida pela doença.

Para ter sucesso, portanto, a unção tem que levar em consideração mais do que a disfunção

biológica. Ela precisa principalmente tratar do desequilíbrio social e espiritual causado pela

doença. Por isso, o mesmo autor sugere que a melhor forma de praticar a unção em

comunidades onde predomina a cultura latino-americana é dentro do escopo do naturalismo.

Muitos adventistas do sétimo dia se encaixam bem nesse perfil, uma vez que compreendem a

saúde como um equilíbrio holístico dos aspectos físicos, sociais, mentais e espirituais da

pessoa. O termo naturalismo é facilmente reconhecido por muitos membros da IASD, que

geralmente se dizem adeptos dessa prática.

Como o interesse, neste capítulo, é “ver” a unção a partir da ótica dos ungidos e

praticantes, deu-se espaço, aqui, a escritores afinados com a questão, entre os quais

historiadores da religião, teólogos e clérigos. Essa opção é, portanto, uma escolha

epistemológica.

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3.1 A Unção na IASD

Os adventistas veem seus sentimentos negativos como causadores potenciais de

enfermidade. Nesse sentido, aquilo que consideram como práticas pecaminosas afeta

diretamente as diferentes dimensões de sua saúde. Por isso, a cura não pode prescindir de

oração, comunhão com Deus, perdão dos pecados e reconciliação com Deus e com o próximo.

No entanto, a unção está longe de ser o primeiro expediente a que recorrem. De certa forma,

o processo até a unção é longo e comporta algumas fases bem demarcadas. Em primeiro lugar,

a pessoa doente deve ser avaliada por um membro da família, geralmente a mãe, que decide

se o problema é de sua competência e se pode ser curado com chás e outros remédios

caseiros. Esgotadas as possibilidades de uma cura caseira, procura-se um membro da

comunidade conhecido como naturalista. Em outras culturas, o naturalista seria o equivalente

do curandeiro. Como membro da IASD, o naturalista prescreve tarefas espirituais, dietas, mais

chás, práticas higiênicas, entre outras coisas. Do ponto de vista do paciente, o tratamento

naturalista tem várias vantagens: não é rígido, não inclui consultas cuja marcação envolva filas

ou interferência abrupta no dia-a-dia da pessoa, não há necessidade de preencher os

formulários do seguro de saúde, não é caro e não ocorre em ambiente profissional e frio. De

certa forma, o procedimento seguido pelo naturalista adventista se assemelha àquele seguido

pelo curandeiro típico, conforme descrito por Kiev (1968, p. 138):

O paciente recebe, assim, uma atividade ritualística significativa e complexa que deve praticar. Pede-se que se concentre em um tipo especial de oração e isso faz com que se concentre menos em seus problemas. [Os pacientes] recebem alívio de suas ansiedades pelo apoio que lhes é dado pelo curandeiro e, ao mesmo tempo, recuperam a confiança por assumirem responsabilidade pelos próprios problemas.

Depois disso, se a doença persiste, busca-se auxílio médico. Se o diagnóstico médico é

desfavorável ou se o paciente não está satisfeito com o resultado ou com a forma do

tratamento, ele envia um familiar em busca do cuidador espiritual para que este o unja.

O membro típico da IASD não deve estranhar a inclusão da unção nos ensinamentos da

igreja como opção a seu dispor para lidar com uma enfermidade penosa ou até mortal, uma

vez que Ellen G. White, a própria fundadora da IASD, era uma mulher de saúde frágil que

recebeu o rito da unção, que lhe foi ministrado pelos pastores A. G. Daniels e G. C. Tenney,

acompanhados das respectivas esposas, em 21 de maio de 1892, conforme relata em uma

carta, conhecida como manuscrito 19, conservada no volume 2 de sua obra Mensagens

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escolhidas. Ela não descreve o rito propriamente dito, mas fala de sua angústia quando

percebeu que não havia sido curada:

Fiquei aliviada, mas não curada. Fiz agora tudo o que podia, para seguir as instruções da Bíblia, e esperarei pela operação do Senhor, crendo que a Seu tempo oportuno Ele me curará. Minha fé apega-se à promessa: “Pedi, e recebereis” (João 16:24). Creio que o Senhor ouviu nossas orações. Eu esperava que meu cativeiro fosse volvido imediatamente, e a meu juízo finito pareceu que assim Deus seria glorificado. Fui muito abençoada durante nosso período de oração, e apegar-me-ei à certeza que então me foi dada: “Eu sou teu Redentor; Eu te curarei.” (p. 235)

Mesmo sem relatar nenhuma evidência de melhora física, Ellen G. White, que ainda terá mais

17 anos de vida, reflete sobre o modo como se sentiu aliviada pelas orações e, por

conseguinte, pela ministração do ritual, o que contribuiu para o fortalecimento de sua fé e,

deduz-se, sua vontade de viver.

Em seus muitos livros, Ellen G. White usa a palavra “unção” (anointing) 334 vezes,

geralmente de forma metafórica para se referir à escolha de um sacerdote, rei ou líder por

Deus ou para se referir ao batismo de Jesus ou ao episódio em que uma mulher lhe derramou

óleo sobre a cabeça e os pés, enxugando-os com os cabelos (um dos poucos eventos da vida

de Cristo relatados nos quatro evangelhos: Mt 26:6-13; Mr 14:3-9; Lc 7:36-50 e Jo 12:1-8). No

entanto, em alguns casos, ela recomenda o ritual da unção aos membros da igreja. Ao pedir,

portanto, para ser ungida, a fundadora da IASD não estava fazendo nada além de optar por um

curso de ação que ela mesma recomendara à igreja: “quando a ajuda humana falha, Deus será

o ajudador de Seu povo”. Ela cita, então, a passagem de Ti 5:14-15 e conclui: “se os professos

seguidores de Cristo exercitassem, com pureza de coração, tanta fé nas promessas de Deus

quanto a que eles depositam nos agentes satânicos, eles perceberiam, na alma e no corpo, o

poder vivificante do Espírito Santo” (Conselhos sobre saúde, p. 457).

Em uma carta de 1890, Ellen G. White elabora acerca do ritual:

Eu entendo que a orientação de Tiago deve ser seguida quando uma pessoa está enferma sobre o leito, se ela manda chamar os anciãos da igreja, e eles cumprem as instruções de Tiago, ungindo o doente com óleo em nome do Senhor, orando pela pessoa a oração da fé... Não pode ser nossa obrigação chamar os anciãos da igreja por cada pequeno incômodo que temos, pois isso imporia um fardo nos anciãos. Se todos fizessem isso, seu tempo se consumiria nisso e eles não fariam nada mais... (Medical ministry, p. 16).

Outro aspecto surpreendente da relação de Ellen G. White com a unção é que ela

mesma ministrava o rito, mesmo numa época de inegável preconceito em relação à

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participação das mulheres na liderança da igreja. As pessoas chegavam a considerá-la uma

espécie de curandeira, atribuindo-lhe poderes que ela mesma negava:

Alguns indagam: - A irmã White cura os enfermos? Eu respondo: - Não, não. A irmã White é geralmente chamada para orar pelos enfermos e para ungi-los com óleo em nome do Senhor Jesus. Nesses momentos, ela cobra a promessa: “a oração do justo salvará o doente”. Nenhum poder humano pode salvar os enfermos, mas, pela oração da fé, o Poderoso Médico tem cumprido Sua promessa àqueles que invocam Seu nome (Mensagens escolhidas, v. 3, p. 295).

De fato, Ellen G. White relata, em sua obra Pastoral ministry (p. 234) que, certa vez, num só

dia, realizou dois rituais de unção em que duas pessoas enfermas da mesma família

melhoraram: a esposa e um sobrinho de certo irmão Meade, cujos primeiros nomes não são

mencionados.

A unção é essencialmente um ritual tátil. De acordo com Wenger (2000, p. 199), o

toque na unção é íntimo, mas não privado; é simbólico, mas não artificial; é suplicante, mas

não manipulativo. Não se pode, portanto, enfatizar excessivamente a importância do toque

para uma pessoa que está enferma. Em um longo parágrafo, Davis (2004, p. 46) faz um

excelente levantamento das implicações do toque na prática da unção:

A medicina científica depende da tecnologia [hi-tech], mas a medicina popular [folk] depende do toque [hi-touch]. E, talvez, tocar seja uma das coisas essenciais em um ritual naturalista justamente porque o toque é um sentido humano que é necessariamente mútuo. Alguém pode ver sem ser visto e pode ouvir sem ser ouvido, mas ninguém pode tocar sem ser tocado. Embora os profissionais da saúde sejam melhores para curar o contágio biológico e o trauma físico, o toque de um curandeiro reconhecido pode ser mais eficaz para curar a fragmentação psíquica e a alienação social dos quais uma pessoa enferma geralmente padece. O toque demonstra aceitação da pessoa cuja vergonha devido à fraqueza pessoal pode lhe prejudicar a integridade. Já que se trata de uma interação necessariamente mútua entre dois seres humanos, o toque supera o isolamento social. E, quando acompanhado de um símbolo bíblico como o óleo, o toque santifica o sofrimento e o conecta a Cristo, que permitiu ser tocado e ungido porque experimentou a mesma luta em busca de intergridade pessoal que nós, suportando a vergonha do isolamento social e lidando com a questão derradeira que os saudáveis conseguem evitar, mas que os enfermos têm que enfrentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?”

Por isso, Wenger (2000, p. 199) conclui que uma pessoa procura a unção para ser tocada

“interna e externamente”.

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Meyendorff (1991, p. 250-251) observa que uma das razões por que o ritual da unção

está caindo em desuso em nossa época é que, quando uma pessoa se envolve com uma

religião, ainda o faz do ponto de vista de indivíduos. Dessa forma, vai à igreja para satisfazer a

uma necessidade individual e, muitas vezes, nem se dá conta de que a pessoa que se senta no

mesmo banco pode estar afligida por uma enfermidade. Por isso, recomenda que, sem causar

mal-estar para o enfermo, o rito envolva tantas pessoas quantas forem possíveis. Segundo ele,

o poder da unção reside no fato de ser um rito eclesiástico. Isto é, envolver os membros da

igreja como um todo. Além disso, é um rito de incorporação, uma vez que a enfermidade causa

alienação e isolamento. De acordo com Glen (1980, p. 397-411), “a energia física e emocional

bruta necessária para a sobrevivência e adaptação à doença pode deixar [o paciente] com

poucos recursos com os quais se relacionar com [outras pessoas]”. A unção, quando

ministrada da forma adequada, consegue patentear para o doente que ele é aceito e acolhido

por sua comunidade e que esta deseja sua presença e companhia. Além disso, a unção tem

elevado valor para a própria comunidade, uma vez que se transforma em testemunho do

poder curador de Deus ou da paz que uma pessoa pode desfrutar mesmo diante de uma

enfermidade debilitante.

Por outro lado, é preciso frisar que a IASD não deve ser entendida como “movimento

de cura” (healing movement). Ou seja, a cura de enfermidades não ocupa uma posição central

entre as doutrinas da igreja, nem tampouco a prática da unção se coloca entre suas principais

atividades. É importante esclarecer isto porque, se pertencesse a um movimento de cura, as

implicações para esta pesquisa seriam inteiramente outras, uma vez que os participantes

desses movimentos acabam sendo, por assim dizer, treinados para mascarar os efeitos da

doença em sua rotina diária. De acordo com Curtis (2004, p. iv-v), para eles,

superar a doença e seus efeitos no corpo requeria certa habilidade de traduzir crença em comportamento. Ser curado, eles diziam, era crer que Deus tinha eliminado a doença do corpo, a despeito de qualquer evidência sensória em contrário, e agir de acordo com essa crença. A prática da cura envolvia, portanto, o treinamento dos sentidos para que ignorassem a presença da dor ou dos sintomas da enfermidade e a disciplina do corpo para “agir com fé”, saindo da cama e servindo a Deus pela interação ativa com outras pessoas. Para as mulheres e homens enfermos que abraçavam essa perspectiva, participar em práticas como meditação, oração, imposição de mãos e unção ajudava a produzir os necessários hábitos mentais, comportamentos corporais e disposições espirituais que a fé na cura divina exigia.

Ao contrário disso, a IASD não privilegia a cura pela unção, preferindo os métodos científicos

convencionais. Os adventistas veem os profissionais da saúde e os cuidadores espirituais como

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aliados no processo de cura. Por causa desse posicionamento equilibrado, seus clérigos não se

eximem da responsabilidade de prover cuidado espiritual para aqueles que foram

diagnosticados com enfermidades incapacitantes ou doenças terminais. Além do cuidado

espiritual rotineiramente exigido pelos enfermos, estes podem ainda solicitar, esgotadas as

possibilidades de cura pelos métodos convencionais, a prática da unção. Nenhum esforço

especial é feito, porém, para que o resultado do ritual, se bem sucedido, seja publicado.

Além disso, mesmo no caso de o paciente não sobreviver aos tratamentos

convencionais, a própria presença do cuidador espiritual para realizar a unção tem

repercussões que incluem o conforto e a consolação do moribundo. De acordo com Doyle

(2014, p. 28),

É preciso que alguém esteja lá no momento final. Alguns têm até alguém que gostariam que fosse a última pessoa a tocá-los e a lhes dizer que estão perdoados, purificados, em paz, para que possam ir com o Senhor. Infelizmente, a maioria não tem. As pessoas geralmente ficam sozinhas. Nunca admitimos isso. Eu acho que é por isso que temos religião no final das contas, porque nos sentimos sozinhos e as religiões nos aproximam em momentos que todos reconhecemos como sagrados; mas raramente admitimos isso.

Aliás, a necessidade da presença também se estende à pessoa enferma. A despeito de certa

tradição de fazer a unção in absentia, especialmente por parte dos anglicanos e episcopais

norte-americanos (LARSON-MILLER, 2006, p. 361-374), a maioria das denominações exige a

presença literal do paciente. Por isso, Coffman (1916, p. 258) chama a unção de “privilégio

pessoal do enfermo”. Do ponto de vista mais tradicional, o ritual da unção, como qualquer

outra prática litúrgica,

é, por natureza, dialógica, às vezes entre grupos, às vezes entre o indivíduo e o grupo, às vezes entre indivíduos e, mais frequentemente, entre Deus e a comunidade humana. Esse diálogo permite que falemos e ouçamos, gesticulemos e presenciemos, iniciemos e respondamos. Nos rituais de cura, nem todos serão ungidos, nem todos ungirão; alguns podem orar pelo enfermo; outros podem rodeá-lo a fim de deter a alienação que a enfermidade provoca de formas diferentes (LARSON-MILLER, 2006, p. 368-369).

Nesse sentido, tanto o enfermo quanto os demais participantes no rito dele se beneficiam.

Assim, pode-se dizer que se exerce um ministério em benefício de todos os envolvidos. O ritual

acaba sendo uma lembrança do batismo e há uma renovação dos laços que unem a pessoa à

igreja e a sua comunidade. Por essa razão, Larson-Miller (2006, p. 369) chega à conclusão de

que a realização do ritual de unção in absentia “parece um oxímoro, particularmente quando

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encontros como a unção dos enfermos têm por foco o toque humano como veículo para o

encontro com o Divino”.

3.2 Comparação com a Unção em Outras Denominações

Quem se submete ao ritual da unção o faz na convicção de que Deus pode intervir e,

de fato, o faz, para restaurar a saúde das pessoas por meios que excedem o conhecimento e a

capacidade dos seres humanos. Para Wenger (2000, p. 124), “por definição, o ato da unção

declara que circunstâncias que parecem além da influência ou remediação humanas, não o

são, de fato, quando Deus é incluído na equação”. Durante quatro meses em 1999, Wenger

(2000) enviou questionários com questões abertas sobre a prática da unção para cerca de 10%

das congregações menonitas nos Estados Unidos (88 de 890 congregações), 42 dos quais

foram respondidos. Após a análise dos questionários, o pesquisador chegou à conclusão de

que os menonitas norte-americanos praticam a unção no ambiente do lar ou na liturgia da

igreja. Os elementos comuns aos dois contextos incluem: cânticos, leitura das Escrituras,

testemunhos, aplicação do óleo na fronte da pessoa enferma, imposição de mãos e orações,

incluindo uma bênção especial sobre o doente.

Figura 1 – Comparação do Rito da Unção em Três Denominações Cristãs

Igreja Católica Igreja Menonita IASD

RITO INTRODUTÓRIO LITURGIA INTRODUTÓRIA LITURGIA INTRODUTÓRIA

Saudação Boas-vindas Preliminares

Aspersão de água benta Cântico(s)

Instrução Instrução

Penitência Testemunho do enfermo

LITURGIA DA PALAVRA LITURGIA DA PALAVRA LITURGIA DA PALAVRA

Leitura da Bíblia Leitura da Bíblia Leitura da Bíblia

Resposta dos participantes Homilia

LITURGIA DA UNÇÃO LITURGIA DA UNÇÃO LITURGIA DA UNÇÃO

Ladainha Pedido do recipiente

Imposição de mãos Confissão

Oração pelo óleo Oração

Unção Unção Unção

Oração Imposição de mãos

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Pai Nosso Oração voluntária

LITURGIA DA COMUNHÃO

Comunhão

Oração silenciosa

Oração audível

RITO DE CONCLUSÃO RITO DE CONCLUSÃO

Bênção Hino

(FONTE: Rito católico e menonina: Wenger, 2000, p. 202; Rito adventista: Associação, 1987)

Obviamente, o quadro dá conta das recomendações oficiais das três igrejas acerca de um ritual

de unção ideal e pode não corresponder à prática exata daqueles que o realizam. Ainda assim,

percebe-se que as estipulações da IASD são relativamente mais simples do que as das duas

outras denominações.

A liturgia introdutória recomendada pela IASD para a unção contém apenas três partes

e, talvez, por ser geralmente praticada apenas para membros em plena comunhão com a

igreja, dispensa saudações, apresentações e boas-vindas, embora tais coisas possam estar

contempladas sob o título genérico de “preliminares”. Faltam-lhe também os cânticos

comumente entoados, nesse momento, por membros de outras denominações. Depois das

“preliminares”, a liturgia introdutória recomenda a instrução do enfermo e demais

participantes quanto aos propósitos da unção. O enfermo é, então, “encorajado a fazer um

autoexame... sendo-lhe garantidos o amor, a graça e o perdão de Deus” (ASSOCIAÇÃO, 1987,

p. 190). Depois da instrução, abre-se a oportunidade de que o enfermo dê um testemunho de

sua fé, não sendo exigido que, durante o mesmo, revele detalhes de sua enfermidade nem que

faça a confissão pública de seus pecados.

Na IASD, durante a liturgia da Palavra, não se recomenda a pregação de uma homilia

propriamente dita, nem se estimula a participação dos que são testemunhas do ritual. Em vez

disso, o oficiante solenemente faz a leitura de passagens bíblicas que mostram que Deus pode

curar, que os pecados devem ser confessados e abandonados, “que Deus pode escolher curar

através daqueles a quem Ele concedeu dons de cura” (ASSOCIAÇÃO, 1987, p. 190), e que a

oração da unção sempre tem resposta positiva, quer imediatamente, quer com o tempo, quer

na segunda vinda de Cristo. Os textos recomendados incluem Tiago 5:14-16; Salmo 103:1-5;

107:19-20; e Marcos 16:15-20.

Na liturgia da unção propriamente dita, só cabem duas coisas: a oração e, logo após o

seu término, o toque com óleo na fronte da pessoa enferma. Mais de uma pessoa pode orar,

inclusive o enfermo, mas o oficiante deve ser o último a fazê-lo. Imediatamente depois de sua

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oração, o óleo, geralmente de oliva, deve ser aplicado à fronte e não à parte do corpo onde

possa residir a enfermidade. Aconselha-se que a oração seja feita, se possível, com todos os

participantes ajoelhados, à exceção do enfermo. Não obstante, quando as circunstâncias o

impedirem, a oração pode ser proferida enquanto todos os participantes, exceto o enfermo, se

põem em pé.

Diferentemente do que acontece em outras denominações, a IASD não recomenda

nenhuma liturgia específica para a conclusão do ritual. Embora não recomende, a igreja

permite que, se o enfermo assim o desejar, lhe seja ministrado concomitantemente o ritual da

comunhão.

3.3 Conclusão

A literatura parece sugerir que o rito da unção é mais complexo na Igreja Católica e

menonita do que na IASD. Tendo observado, porém, algumas vezes a aplicação do rito de

unção por pastores adventistas, inclusive a ministração do mesmo ao meu irmão mais velho,

enquanto este lutava bravamente contra um câncer de pulmão com metástase para a coluna,

o que percebi é que, embora o rito seja, em geral, relativamente simples, podem acontecer

elaborações a depender do estado do enfermo, do número de participantes e do local onde o

rito é realizado. A tendência é que, quanto mais gente envolvida e quanto mais participante o

enfermo se demonstre, mais elaborado se torna o ritual. Então, o que pode ocorrer, de fato,

não é que o rito seja menos complexo na IASD em comparação com o de outras denominações

religiosas, mas que a literatura adventista seja menos específica quanto aos procedimentos,

dando, assim, mais liberdade para o oficiante definir que aspectos incorporar ou não ao ritual.

Do ponto de vista antropológico, pode-se falar da cura como um “produto” da relação

do enfermo com o grupo (profissional, tradicional ou popular) que lhe presta auxílio de saúde

(RABELO; ALVES; MINAYO, 1994; RABELO; ALVES; SOUZA, 1999; GOMBERG, 2011; PUTTINI,

2011). É possível, portanto, que, por meio da pertinência ou inclusão em um grupo, se

estabeleça uma crença comum na capacidade mútua de cura. O gráfico a seguir procura

explicitar, proporcionalmente, as relações do enfermo com esses grupos:

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Figura 2 – Estrutura Interna do Sistema Local de Cuidado da Saúde

(Adaptado de KLEINMAN, 1980, p. 50)

Como se percebe no gráfico, o setor ou sistema popular prevê que o indivíduo se relacione

com a família e a comunidade, tendo como liame o nexo social. O sistema profissional é

burocrático e tem por base a consulta com especialistas. O sistema informal ou tradicional

(folk) também inclui consultas com especialistas, mas tem a vantagem de não ser burocrático.

Existe a possibilidade de interação entre todos os setores, mas ela é mais abrangente quando

ocorre entre o sistema popular e um dos outros dois sistemas. A própria participação do

sistema popular garante, além disso, uma maior interação entre os sistemas profissional e

tradicional (ou informal), que é mínima em sua ausência.

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CAPÍTULO IV. COMPARANDA E CONSTITUIÇÃO DA AMOSTRA

A palavra comparanda, plural de comparandum, é um termo do latim que significa

“coisas que devem ou podem ser comparadas”. Este capítulo tem o propósito de relatar minha

visita a dois ambientes religiosos distintos nos quais se anuncia a possibilidade da cura

espiritual para pessoas que padecem de enfermidades crônicas ou terminais. O segundo

desses ambientes está ligado ao objeto principal desta investigação, enquanto que o primeiro

deles é aqui analisado com o propósito precípuo de oferecer uma base de comparação.

4.1 Casa Dom Inácio de Loyola

A Casa Dom Inácio de Loyola é um centro mediúnico em que as pessoas são atendidas,

em Abadiânia, no estado de Goiás, por João Teixeira de Faria, o médium conhecido como João

de Deus. De acordo com uma reportagem publicada pela revista Veja, em 29 de agosto de

2014, cinco mil pessoas visitam semanalmente a cidade de 14 mil habitantes para se consultar

com o curandeiro, 20% das quais vêm do estado de São Paulo.

A aparência geral do santuário é a de um hospital, de acomodações simples e dieta

frugal, da qual se excluem ovos, condimentos e bebidas alcoólicas. Hospedar-se nos hotéis

associados à Casa Dom Inácio, como na época da “incubação” nos santuários da antiga Grécia,

faz parte do tratamento, cuja duração varia de uns poucos meses a alguns anos. Durante esse

tempo, o médium insiste em que os pacientes não abandonem os tratamentos convencionais,

inclusive a medicação alopática. Ao serem atendidos, os pacientes devem vestir roupas

brancas e manter os olhos fechados. Todas as cirurgias sem corte obedecem ao mesmo

protocolo e modus operandi, sendo irrelevante, por exemplo, se o paciente sofre de câncer ou

AIDS. As cirurgias com corte são realizadas com recurso a facas, tesouras e bisturis, mas sem

anestesia. Na reportagem de Batista Jr (2014), o jornalista descreve, com detalhes, essas

operações:

As mais impressionantes são aquelas em que uma tesoura é inserida dentro dos orifícios do nariz até chegar perto da testa. Também há as feitas com bisturi na região das costas e abaixo do peito. O sangue escorre do corpo dos pacientes até o chão. De todas as cirurgias que presenciei nos quatro dias em Abadiânia, a que mais me chocou foi a de raspagem da córnea com uma faca simples. Nenhum paciente se submete à anestesia, e todos disseram não sentir dor durante os procedimentos. Nessas ocasiões, João de Deus me chamava para acompanhar de perto a sua performance e perguntava: “Isso vai te ajudar na reportagem?”

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61

Na minha própria visita, na tarde chuvosa de um domingo, dia 17 de janeiro, em 2016,

João de Deus não estava atendendo. Observei, ainda assim, a presença de inúmeras pessoas,

principalmente estrangeiras, no complexo, o que exigia que os avisos fossem postados

também em alemão, francês e, principalmente, inglês. Estranhamente, isso não acontecia,

porém, com as orientações de triagem:

Figura 3 – Avisos Gerais (Abadiânia)

(Foto da Autora)

Por outro lado, a orientação para o preenchimento do formulário de encaminhamento para a

consulta tinha sido postada em inglês. Outros anúncios convidavam os presentes para orações

e banhos de cristais, prontamente atendidos por alguns:

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Figura 4 – Nota de Intervenção (Abadiânia)

(Fotos da Autora)

Também eram oferecidos passeios até a cachoeira nas imediações do complexo e se convidava

para a contemplação da natureza a partir de um belvedere para isso construído:

Figura 5 – Belvedere (Abadiânia)

(Foto da Autora)

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A vista que se tem daquele ponto de vista privilegiado contribui para a atmosfera de paz e

sossego que prevalece em todo o complexo.

Além disso, havia invocações à Divindade como Deus Pai/Mãe e senhora da medicina.

De modo geral, as pessoas mantinham uma atitude reverente. O som das conversas abafadas

por sussurros dava a impressão de um misto de hospital e igreja barroca. Naquele dia, a sala

de esperava encontrava-se praticamente vazia. É fácil, entretanto, imaginá-la cheia em um dia

de muito movimento. A farmácia também estava fechada; contudo, possuía guichês por onde

até três pessoas poderiam ser atendidas ao mesmo tempo:

Figura 6 – Farmácia (Abadiânia)

(Fotos da Autora)

Segundo Batista Jr. (2014),

O ponto mais concorrido do centro, no entanto, é a farmácia, na qual são fabricados e comercializados os “remédios” de passiflora, feitos da planta do maracujá. Cada recipiente com 180 cápsulas custa 50 reais — para algumas pessoas, a receita dada pela entidade vem acompanhada de um “gratuito”.

No dia da visita, a livraria, onde eram comercializados livros e cristais, era um ponto bastante

concorrido. Avisos explicavam que todos os cristais vendidos já tinham sido abençoados pelas

entidades:

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Figura 7 – Cristais (Abadiânia)

(Foto da Autora)

O que se percebe da Casa Dom Inácio é que ela foi construída e aparelhada especialmente

para essa função de santuário e hospital, cuja atividade é fonte de renda e geradora de

empregos na região.

4.2 Igreja do UNASP e CEVISA

Minha primeira visita, como pesquisadora, à Igreja Adventista do Sétimo Dia do Centro

Universitário Adventista de São Paulo aconteceu no sábado, 26 de março de 2016. Nesse dia, o

Pr. Edemilson Alves Cardoso fez a preleção espiritual nos dois cultos que se realizaram pela

manhã. O primeiro deles, que teve início às 8h30min da manhã, foi de maior interesse para os

objetivos desta pesquisa porque é especialmente destinado à comunidade idosa, muitos

membros da qual enfrentam problemas de saúde.

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Figura 8 – Fiéis (UNASP)

(Fotos da Autora)

De fato, há vários condomínios habitacionais nas imediações do templo, cujos residentes são

primordialmente pessoas idosas e aposentadas. Dentre tais condomínios, destacam-se o Lagoa

Bonita, o Portal do Lago, o Recanto dos Pássaros e o Jacarandá. A presença, no bairro, do

Centro de Vida Saudável (CEVISA), uma clínica mantida de acordo com os princípios de saúde

da IASD, atrai essa grande população de aposentados e idosos. Um estudo realizado por

Machado e Cabral (1997) apontou para um aumento na taxa de mudança de religião durante

uma doença, especialmente entre os idosos, o que é concomitante com a percepção de um

aumento na religiosidade das pessoas à medida que envelhecem (SANTOS; SOUSA, 2012).

A programação de ambos os cultos versou, nessa manhã, especialmente sobre o tema

da cura espiritual. O Pr. Edemilson Alves Cardoso intitulou sua preleção de “Jesus cura e Jesus

salva”, na qual fez o relato da cura de sua esposa, que, até recentemente, travara uma

ferrenha batalha contra o câncer de mama. O auditório o ouviu com atenção.

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Figura 9 – Culto (UNASP)

(Fotos da Autora)

Em preparação para a mensagem do pastor, os presentes participaram de um serviço de

cânticos com duração aproximada de vinte minutos, cuja seleção musical também incluiu

hinos que anunciavam o poder curador dos agentes espirituais. Imediatamente antes da

mensagem espiritual, um coral angolano fez uma tocante apresentação musical sobre o

mesmo tema:

Figura 10 – Coral Angolano (UNASP)

(Foto da Autora)

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Toda a programação foi gravada e transmitida ao vivo pela internet. No final, o Pr. Edemilson

Alves Cardoso ofereceu a possibilidade de cura àqueles que estivessem enfrentando

problemas de saúde. Várias pessoas se levantaram e algumas delas foram até a frente do

santuário para que o pastor orasse por elas:

Figura 11 – Oração de Cura (UNASP)

(Foto da Autora)

O Centro Médico de Vida Saudável (CEVISA) fica a aproximadamente 2 km de distância

da entrada do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP-EC), onde se situa a Igreja

Adventista, no município de Engenheiro Coelho. Trata-se de uma clínica especializada em

tratamentos naturais, que incluem programas de saúde emocional, desintoxicação,

reabilitação de problemas ósteo-musculares, redução de estresse (relaxamento), exercícios

físicos e dieta.

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Figura 12 – Complexo do CEVISA

(Foto do Site do CEVISA)

O ambulatório contempla as seguintes especialidades: cardiologia, clínica geral, dermatologia,

fisioterapia, fonoaudiologia, gastroenteologia, ginecologia, neurocirurgia, nutrição,

odontologia, pediatria, psicologia e psiquiatria, com vários planos e convênios.

Figura 13 – Ambulatório do CEVISA

(Foto do Site do CEVISA)

Diferentemente do que ocorre em Abadiândia, o CEVISA não deve sua existência ao propósito

de acomodar pacientes que estão em busca de cura religiosa. Os métodos ali empregados

incluem principalmente os tratamentos convencionais. Apesar disso, o elemento religioso faz

parte integral dos esforços médicos ali envidados. O CEVISA se incumbe de transportar seus

pacientes para a igreja, onde são convidados a participar dos cultos religiosos e são

encorajados a orar pelo próprio restabelecimento. Durante os momentos de adoração, os

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pacientes do CEVISA recebem atenção especial da parte dos pastores e demais líderes da

igreja, sendo comum que estes lhes dirijam uma saudação especial antes do início da

pregação.

4.3 Constituição da Amostra

No sábado, dia 11 de abril, retornei à Igreja Adventista do UNASP-EC a fim de começar

o processo de seleção da amostra incluída na pesquisa. Comigo veio uma equipe de nove

alunos das disciplinas de sociologia e ética dos cursos de Letras e Tradutor & Intérprete. Os

alunos ficaram com a responsabilidade de, nos dois cultos daquela manhã de sábado, abordar

os adoradores e convidá-los a participarem da pesquisa. Na primeira abordagem, somente

cerca de sete pessoas se dispuseram a participar, mas duas delas eram visitantes de Águas de

Lindoia e uma cidade no interior de Minas Gerais, e sua participação foi, por isso, descartada.

Foi necessária outra visita para constituição da amostra, que ocorreu no dia 18 abril, com a

participação dos alunos e com sua abordagem aos adoradores.

O Pr. Edemilson Alves Cardoso continuou escolhendo temáticas pertinentes à cura

espiritual para suas preleções, mesmo depois de a equipe de alunos ter abordado os

adoradores. Além disso, o pastor incentivou algumas pessoas que ele conhecia e sabia terem

sido ungidas a procurarem a equipe de seleção de amostra a fim de voluntariarem sua

participação. Finalmente, no dia 23 de abril, o Pr. Edemilson Alves Cardoso contou, durante o

culto, experiências de unção das quais havia participado e insistiu que os membros da igreja

dessem a devida importância ao ritual. Com a ajuda do pastor, conseguimos agendar cerca de

trinta entrevistas, das quais vinte e duas foram efetivamente gravadas e incluídas no corpus

para análise. Cerca de oito entrevistas tiveram que ser descartadas porque os participantes

não atentaram para os critérios de seleção: serem residentes na comunidade do entorno da

igreja, terem sido objeto de um ritual de unção por conta de uma enfermidade grave, ou

terem testemunhado um rito de unção ministrado a um parente próximo (pai, mãe, filho, filha,

irmão, irmã ou cônjuge) nos últimos cinco anos, ou terem atuado, na condição de oficiante, no

ritual.

4.4 Conclusão

A união do elemento religioso aos processos convencionais de tratamento médico fez

com que o complexo formado pela universidade, a igreja e o centro médico se tornasse um

ambiente ideal para o estudo do papel da crença religiosa nos processos de cura. Essa

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constatação foi ainda reforçada pelo alto índice de população idosa que reside nos

condomínios nas proximidades do complexo e que tem maiores propensões às graves

enfermidades que geralmente acometem as pessoas de mais idade. Por isso, a formação de

um corpus de vinte e duas entrevistas com pessoas que se submeteram ao ritual de unção ou

que o testemunharam acabou não sendo uma tarefa tão difícil quanto teria sido se a pesquisa

tivesse focado sujeitos dispersos por outras regiões. Na formação do corpus, buscou-se seguir

as recomendações de Bardin (1977, p. 96-98) para a constituição de um corpus ideal para a

análise de conteúdo: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Os

respondentes tenderam a ser pessoas mais velhas, residentes numa mesma comunidade e

quase todos (90%) pertencentes a uma mesma filiação religiosa. Entende-se que essa

homogeneidade do corpus requereu uma amostra menor do que teria exigido um universo

mais heterogêneo (BARDIN, 1977, p. 97).

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CAPÍTULO V. ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS

O questionário foi montado de modo que sua organização das perguntas contemplasse

a presença de oito palavras ditas “indutoras” para estimular o respondente a considerar certos

aspectos de interesse da pesquisa. As oito palavras indutoras escolhidas foram: por quê

[motivos da unção], sintomas [associados às queixas do sujeito anteriormente à unção],

melhora [percebida ou não após a unção], importância [da unção], diabo, Deus, cura e

sucesso [da unção]. Trata-se de palavras que pretenderam desencadear afirmações quanto à

percepção do sujeito em relação ao sucesso ou fracasso do rito da unção e sobre sua

compreensão do papel do elemento sobrenatural nesse processo. As respostas obtidas em

função das palavras indutoras (estímulos) são denominadas, por Bardin (1977, p. 52), de

respostas induzidas.

Apesar do valor considerável dessas respostas induzidas, estabelecidas por ocasião da

montagem do questionário, a análise não pretendeu contemplar apenas esse tipo de resposta,

mas abriu espaço também para uma pré-análise de certos índices.

5.1 Pré-Análise

De acordo com Bardin (1977, p. 65), “o recurso à análise de conteúdo com o objetivo

de tirar partido de um material dito ‘qualitativo’ (por oposição ao inquérito quantitativo

extensivo), é frequentemente necessário na prática habitual do psicólogo ou do sociólogo”.

Antes de se empreender a análise propriamente dita do conteúdo, foi necessária a realização

de uma pré-análise (cf. Anexo 4), cuja primeira fase correspondeu ao que se convenciona

chamar de “leitura flutuante” e que consistiu em “estabelecer contato com os documentos a

analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN,

1977, p. 96). Nessa fase, a leitura inicial contribuiu para que emergissem hipóteses e as teorias

fossem adaptadas e projetadas sobre o material, conforme a recomendação de Bardin (1977,

p. 96).

Na segunda fase da pré-análise, empreendeu-se a referenciação dos índices. Como o

método da análise de conteúdo considera os textos como uma manifestação de índices, um

trabalho preparatório precisou ser feito para escolhê-los. Bardin (1977, p. 100) sugere que o

índice pode ser, por exemplo, “a menção explícita de um tema numa mensagem”, sendo que o

tema “possui tanto mais importância para o locutor, quanto mais frequentemente é repetido”.

No caso desta pesquisa, cinco índices foram escolhidos à revelia das palavras indutoras. Trata-

se dos temas mencionados, com grande frequência, pelos respondentes, além daqueles

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selecionados pela pesquisadora por meio das oito palavras indutoras estabelecidas durante a

elaboração do questionário. Foram, portanto, selecionados os índices: pastor, igreja, médico,

hospital e família.

Na terceira fase, estabeleceram-se os indicadores, isto é, a frequência de cada tema de

maneira relativa ou absoluta em relação uns aos outros. Para isso, montaram-se tabelas em

que constaram as palavras indutoras ou índices (unidades de registro); as respostas induzidas;

a frequência de sua ocorrência; e exemplos de falas (unidades de contexto).

Na quarta fase, foi feita a codificação para o registro de dados. Segundo Bardin (1977,

p. 103),

A codificação corresponde a uma transformação, efetuada segundo regras precisas, dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices.

Para a codificação, foi necessário fazer o recorte, isto é, a escolha das unidades de registro e

de contexto. A unidade de registro é definida, primeiramente, como o “segmento de conteúdo

a considerar como unidade de base, visando à categorização e à contagem frequencial”. Entre

as unidades mais comuns, geralmente é possível encontrar a palavra, o tema, o personagem, o

acontecimento, etc. De fato, segundo Bardin (1977, p. 107), “a unidade de registro existe no

ponto de interseção de unidades perceptíveis (palavra, frase, documento material,

personagem físico) e de unidades semânticas (temas, acontecimentos, indivíduos). Já as

unidades de contexto correspondem aos segmentos da mensagem, cujas dimensões são

superiores às das unidades de registro, como, por exemplo, a frase o é em relação à palavra ou

o parágrafo, em relação ao tema. Nesta pesquisa, optou-se pela palavra como unidade de

registro e a frase como unidade de contexto. Depois disso, fez-se a enumeração, isto é, a

escolha das regras de contagem. No caso desta pesquisa, privilegiou-se, para a enumeração, o

conjunto de regras com a seguinte distribuição: presença (ou ausência) e frequência.

Finalmente, procedeu-se à classificação e à agregação, isto é, à escolha das categorias

para cada dimensão. Essa categorização teve o objetivo de “fornecer, por condensação, uma

representação simplificada dos dados brutos” (BARDIN, 1977, p. 119). Uma vez que o

questionário havia sido montado com essa preocupação em mente, optou-se pela

categorização em função da própria organização das perguntas, que já contemplava a

presença de palavras indutoras para estimular o respondente a considerar certos aspectos de

interesse da pesquisa. Dessa forma, foi possível selecionar as dimensões com base nas oito

palavras indutoras usadas nas questões 1, 4 e 6 a 13 do questionário. A essas oito dimensões

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acrescentaram-se mais cinco, selecionadas a partir dos índices, totalizando treze dimensões.

Para cada dimensão, foram, então, escolhidas as categorias.

5.2 Análise

5.2.1 Os Participantes

Antes de passar à análise de conteúdo propriamente dita, faz-se necessário considerar

as informações socioeconômicas prestadas pelos participantes em suas respostas às perguntas

não numeradas do questionário e a respeito das características objetivas por eles observadas

no ritual da unção. Trata-se, portanto, das respostas a algumas das perguntas não numeradas

e das respostas às perguntas 1, 2, 3 e 5 do questionário.

Com base nessas informações, é possível apresentar dois conjuntos de dados, o

primeiro pertinente às informações socioeconômicas e o segundo pertinente às características

objetivas da unção. São, obviamente, dados objetivos concernentes aos aspectos que

antecedem as informações de natureza qualitativa que constituem o cerne das entrevistas.

Observados os cuidados relativos à ética em pesquisa, essas informações objetivas de

ordem socioeconômica e aquelas pertinentes à identidade dos participantes podem ser

expressas, em relação a cada sujeito, da seguinte maneira:

Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4* Sujeito 5* Sujeito 6

*

Idade 57 Idade 1 Idade 33 Idade 0,5 Idade 61 Idade 75 Gênero F Gênero M Gênero M Gênero M Gênero M Gênero F EC casada EC casado EC solteiro EC solteiro EC casado EC viúva N

o. Filhos 4 N

o. Filhos 4 N

o. Filhos 0 N

o. Filhos 0 N

o. Filhos 4 N

o. Filhos 5

Ocup. aposent. Ocup. pastor Ocup. estudante Ocup. criança Ocup. engen. Ocup. doméstica Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig católica Sujeito 7 Sujeito 8* Sujeito 9* Sujeito 10* Sujeito 11* Sujeito 12* Idade 14 Idade 51 Idade 48 Idade 79 Idade 88 Idade 67 Gênero F Gênero M Gênero F Gênero F Gênero F Gênero M EC solteira EC casado EC solteira EC casada EC casada EC casado N

o. Filhos 0 N

o. Filhos 2 N

o. Filhos 1 N

o. Filhos 3 N

o. Filhos 3 N

o. Filhos 2

Ocup. estudante Ocup. pastor Ocup. correio Ocup. profess. Ocup. secretária Ocup. motorista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Sujeito 13 Sujeito 14* Sujeito 15 Sujeito 16* Sujeito 17* Sujeito 18 Idade 59 Idade 76 Idade 34 Idade 92 Idade 72 Idade 39 Gênero M Gênero F Gênero M Gênero F Gênero M Gênero M EC casado EC casada EC casado EC casada EC casado EC casado N

o. Filhos 2 N

o. Filhos 2 N

o. Filhos 2 N

o. Filhos 3 N

o. Filhos 7 N

o. Filhos 4

Ocup. pastor Ocup. do lar Ocup. aux. adm. Ocup. do lar Oc. empresária Ocup. dentista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista

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Sujeito 19* Sujeito 20* Sujeito 21* Sujeito 22* Idade 87 Idade 94 Idade 76 Idade 27 Gênero F Gênero F Gênero M Gênero M EC casada EC viúva EC casado EC casado N

o. Filhos 1 N

o. Filhos 1 N

o. Filhos 4 N

o. Filhos 4

Ocup. do lar Oc. enfermeira Oc. aposentado Ocup. professor/pastor Relig adventista Relig adventista Religião católico Religião adventista

(o asterisco indica quando o informante apenas testemunhou a unção; os dados, porém, são do sujeito) (o item idade se refere à idade do ungido por ocasião da unção)

Por sua vez, as informações quanto às características objetivas do rito da unção podem

ser expressas, em relação a cada sujeito, da seguinte maneira:

Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4* Sujeito 5

* Sujeito 6

*

Ano 2016 Ano 1966 Ano 2016 Ano 2005 Ano 2015 Ano 2012 Hora noite Hora noite Hora noite Hora noite Hora tarde Hora manhã Local PG Local hospital Local em casa Local hospital Local hospital Local hospital Doe. taquicardia Doença infecção Doença odontol. Do. traumatismo Doença coração Doença coração Duração 2 min Duração ? Duração 30 min Duração ? Duração 15 min Duração 10 min Sujeito 7 Sujeito 8* Sujeito 9* Sujeito 10* Sujeito 11* Sujeito 12* Ano 2005 Ano 2015 Ano 2010 Ano 2011 Ano 2016 Ano 2001 Hora tarde Hora tarde Hora tarde Hora noite Hora tarde Hora tarde Local hospital Local clínica Local ? Local hospital Local em casa Local hospital Doença dengue Doença câncer Doença leucemia Doença infecção Doe. Alzheimer Doe. Alzheimer Duração 30 min Duração 30 min Duração ? Duração 20 min Duração 25 min Duração 15 min Sujeito 13 Sujeito 14* Sujeito 15 Sujeito 16* Sujeito 17* Sujeito 18 Ano 2013 Ano 2015 Ano 2016 Ano 2012 Ano 2006 Ano 2014 Hora manhã Hora noite Hora tarde Hora tarde Hora noite Hora manhã Local hospital Local hospital Local igreja Local hospital Local hospital Local em casa Doença câncer Doença câncer Doença cálculo Doença várias Doença câncer Doença câncer Duração ? Duração 40 min Duração 25 min Duração 10 min Duração 20 min Duração 20 min Sujeito 19* Sujeito 20* Sujeito 21* Sujeito 22* Ano 2011 Ano 2015 Ano 2008 Ano 1951 Hora tarde Hora manhã Hora noite Hora ? Local em casa Local em casa Local hospital Local hospital Doença coração e pulmão Doença várias Doença câncer Doença câncer Duração 30 min Duração 15 min Duração 30 min Duração ?

(o asterisco indica quando o sujeito apenas testemunhou a unção)

Sendo assim, a dispersão da idade do sujeito por ocasião da unção em relação ao ano da

realização do rito pode ser representada no Gráfico 1:

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Gráfico 1 - Dispersão Idade/Ano

Como se percebe pelo gráfico 1, apenas três vezes a unção ocorreu antes de 2005, o restante

tendo ocorrido entre 2005 e 2016, quando a maioria dos sujeitos tinha entre 45 e 90 anos de

idade, só seis dos quais tinham menos de 40 anos e só quatro, mais de 80 anos.

5.2.2 Os Informantes

É necessário apresentar os dados pertinentes aos informantes que testemunharam o

rito, mas não se submeteram a ele:

Informante 4 Informante 5 Informante 6 Informante 8 Informante 9 Informante 10

Idade 38 Idade 18 Idade 18 Idade 54 Idade 23 Idade 60 Gênero F Gênero F Gênero F Gênero F Gênero F Gênero F Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Parent filha Parent filha Parent neta Parent esposa Parent filha Parent filha

Informante 11 Informante 12 Informante 14 Informante 16 Informante 17 Informante 19

Idade 88 Idade 78 Idade 52 Idade 73 Idade 59 Idade 90 Gênero M Gênero F Gênero F Gênero F Gênero F Gênero M Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Relig adventista Parent esposo Parent esposo Parent filha Parent filha Parent filha Parent esposa

Informante 20 Informante 21 Informante 22

Idade 83 Idade 52 Idade 63 Gênero F Gênero M Gênero M Relig adventista Relig adventista Relig adventista Parent enferm Parent filho Parent filho

Obviamente, esses dados só se referem às testemunhas, o que explica a numeração irregular.

Trata-se de 15 informantes, de idades que variam de 18 a 90 anos, quatro (26%) dos quais

pertencem ao sexo masculino, enquanto onze são mulheres (74%). Seis informantes do sexo

feminino (40%) relataram a experiência de sujeitos também do sexo feminino. Outros cinco

1940

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

2020

0 20 40 60 80 100

Série1

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informantes do sexo feminino (34%) relataram a experiência de sujeitos do sexo masculino.

Dois informantes do sexo masculino (13%) relataram a experiência de sujeitos do sexo

feminino. Finalmente, dois informantes do sexo masculino (13%) relataram a experiência de

sujeitos também do sexo masculino. Quanto ao grau de parentesco, nove informantes (60%)

eram filhos dos sujeitos; quatro (26%), cônjuges; um (6%), neto; e, em um caso (6%), o

informante era uma enfermeira, de 83 anos de idade, que tem dedicado uma boa parte de sua

vida a cuidar do sujeito, uma viúva agora com 96 anos de idade, cujo filho falecera há vários

anos em um acidente de automóvel, e que agora sofre, entre outras coisas, de um incipiente

mal de Alzheimer. Todos os informantes são membros da IASD, embora dois dos sujeitos (6 e

21) não o fossem.

5.2.3 A Duração da Unção

Nem todos os sujeitos e informantes puderam, por causa de lapsos de memória,

informar a duração exata do rito de unção. Vários deles ofereceram estimativas aproximadas,

embora quatro não fossem capazes de oferecer nem mesmo tal estimativa. O gráfico 2, a

seguir, apresenta a dispersão da duração do rito em função do ano de sua realização:

Gráfico 2 - Dispersão Duração/Ano

O gráfico 2 mostra que uma duração inferior a 10 minutos ou superior a 30 é excepcional. Em

geral a unção dura entre 20 e 30 minutos. Não se percebeu, inclusive, nenhuma variação dessa

tendência ao longo dos anos. A dispersão no Gráfico 3, a seguir, também nos mostra que a

duração do rito não é influenciada pela idade do participante:

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

1940 1960 1980 2000 2020

Série1

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Gráfico 3 - Dispersão Duração/Idade

5.2.4 A Análise das Dimensões

Com base nas categorias nomeadas em função da ocorrência e da frequência de certos

grupos de falas, será analisado agora o conteúdo das treze dimensões selecionadas, na pré-

análise, a partir das reações às palavras indutoras e a partir dos índices. Os parâmetros de

inserção das falas incluem os depoimentos do próprio sujeito ou do respondente, conforme os

critérios de inclusão explicitados na metodologia.

5.2.4.1 A Dimensão MOTIVOS

A primeira dimensão contempla a motivação que levou o participante a se submeter

ao rito da unção. A dimensão foi previamente selecionada com base nas reações à palavra

indutora “por quê”. A partir dessas reações, foram nomeadas as categorias: “desespero”;

“incentivo ou decisão de outra pessoa”; “experiência anterior”; “esperança ou fé em um

milagre”; “costume bíblico ou convicção religiosa”; e “reconciliação”. Vários respondentes

mencionaram mais de uma motivação. Por isso, a tabulação dos dados se refere à

porcentagem de respondentes que fazem menção à determinada motivação e não à

quantificação de uma menção em relação às outras.

0

20

40

60

80

100

0 10 20 30 40 50

Série1

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Tabela 1 – Motivação para a Unção

Dimensão 1: MOTIVOS

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Desespero 2 3 “um momento de

bastante desespero” (4). “um dia assim, de

desespero, ela gritou a

Deus” (9); “ela estava

perdida” (20); “eu fiquei

desesperada” (20).

Incentivo ou decisão de outra pessoa

7 5 “a esposa do pastor”(2 e

15); “uma amiga da

minha mãe” (5); “minha

irmã... porque ele estava

se apagando” (12); “o

pastor” (15); “ninguém

pediu; na realidade, o

pastor chegou lá e, além

de conversar, ele ungiu”

(21); “a esposa” (22).

“minha mãe decidiu

chamar o pastor” (6);

“achei que ela tava

morrendo” (10); “o meu

marido sempre dizia que,

quando uma pessoa está

passando mal, que a

gente vê que não tem

mais condições, a gente

tem que chamar o

pastor e mandar ungir; e

eu achei que ela devia

ser” (20).

Experiência anterior 3 0 “aconselhamento da

esposa do pastor que

tinha passado por uma

experiência de unção”

(2); “tinha passado pela

experiência da minha

avó” (5).

Esperança ou fé em um milagre

7 5 “foi para dar esperança”

(8); “Deus pode fazer

esse milagre” (13); “fé

que Deus vai operar, de

alguma maneira, algum

milagre” (15).

“acordei com esperança”

(1); “não que fosse me

salvar, mas que daria

esperança” (7); “porque

nós cremos no milagre

ou no descanso” (14). Costume bíblico ou convicção religiosa

1 2 “é praxe, né?” (8).

“a gente crê na Bíblia”

(11).

Reconciliação 0 3 “ela teve um concerto

com Deus; foi o tempo

certinho que foi a

oportunidade que Deus

deu pra ela de consertar

a vida dela” (9); “pra me

[se] colocar nas mãos de

Deus” (18 e 19).

Diante da palavra indutora “por quê”, doze menções (54%) atribuíram a decisão de

participar do rito ao incentivo de outras pessoas, principalmente do cônjuge ou pais, mas

também de amigos, do pastor e até da esposa do pastor. Outras 12 menções (54%) se

referiram à esperança ou fé em um milagre. Cinco menções (22%) se referiram ao desespero

como motivação para a unção. Trata-se, neste caso, de pessoas em estado grave, como

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79

traumatismo craniano (4) e leucemia (9), ou pessoas acometidas simultaneamente de várias

enfermidades (20). Três menções (13%) aludiram à experiência anterior de outra pessoa. O

respondente 5, por exemplo, havia testemunhado, anos antes, a unção da própria avó. Outras

três menções (13%) apontaram para o costume ou tradição religiosa como motivação. É

interessante que, nesses casos, a avaliação da cura ou do sucesso da unção ocorreu de forma

bastante vaga, pois a unção era vista principalmente como uma obrigação que precisava ser

cumprida. Finalmente, três outras menções (13%) se fizeram ao desejo de se alcançar uma

reconciliação com Deus, o que implica que o elemento espiritual era entendido, pelo menos

por alguns respondentes, como aspecto importante na preparação para a morte.

5.2.4.2 A Dimensão SINTOMAS

A segunda dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram quanto

aos sintomas anteriores à unção. A dimensão foi previamente selecionada com base nas

reações à palavra indutora “sintomas”. A partir dessas reações, foram nomeadas três

categorias: “sintomas emocionais ou espirituais”; “sintomas físicos”; e “nenhum sintoma”. Em

geral, os respondentes fizeram menção aos sintomas relativos às dificuldades de saúde com as

quais foram diagnosticados. Por isso, a dimensão sintomas equivale, em termos práticos, ao

diagnóstico que os sujeitos receberam de seus respectivos médicos ou, em um caso (3),

dentista.

Tabela 2 – Sintomas/Diagnóstico antes da Unção

Dimensão 2: SINTOMAS

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Sintomas emocionais ou espirituais

3 1 “aquela preocupação”

(3); “uma grande

mágoa” (8).

“Deus talvez me limitou”

(1).

Sintomas físicos 11 12 “desidratação” (2);

“problema

odontológico” (3);

“parada cardíaca” (5);

“câncer” (8, 13, 20 e

22); “Alzheimer” (12);

“cálculo renal” (15);

“pernas inchadas” (21);

“enfraqueceu e

emagreceu muito” (22).

“essa taquicardia não tá

me deixando ser livre”

(1); “insuficiência

cardíaca” (6); “dengue”

(7); “leucemia” (9);

“Alzheimer” (10 e 11);

“câncer” (14, 17 e 18);

“AVC” (16); “coração e

pulmão” (19); “coluna”

(20).

Nenhum 1 0 “sintoma nenhum... foi a

queda” (4).

(0).

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80

Apenas quatro respondentes (18%) fizeram menção simultânea a “sintomas

emocionais ou espirituais” e “sintomas físicos”. Segundo o respondente 1, por exemplo, sua

taquicardia era espiritualmente limitante, quase que como produzida pelo próprio Deus. No

caso do respondente 3, acometido de um grave problema dentário, o que o incomodava era a

preocupação que isso produzia. O respondente 8 se referiu a “uma grande mágoa” que o

sujeito teve antes de contrair o câncer. Essa declaração nos remete de volta à citação de Morin

(2012, p. 54), que aparece no início desta tese: “o enfraquecimento imunológico pode vir de

uma perda ou de uma mágoa. Uma vontade selvagem ou uma intervenção aparentemente

mágica podem levar à cura de um câncer”. Infelizmente, no caso do sujeito 8, a segunda parte

da citação não se cumpriu e ele acabou mesmo sucumbindo ao câncer, precocemente, aos 51

anos de idade.

Apenas o respondente 4 alegou que o sujeito não teve “nenhum sintoma”, pois, como

se tratava de uma queda que produziu traumatismo craniano, entendeu que a pergunta não se

aplicava. Os sintomas físicos compuseram a maioria esmagadora das queixas. Foram 19

menções (86%), dentre as quais predominou o câncer (inclusive a leucemia), com oito

ocorrências (42%), o que atesta quanto à gravidade dos casos que requereram unção. Em

segundo lugar, ficaram as doenças do coração, com quatro ocorrências (21%), inclusive uma

em que o sujeito sofreu uma parada cardíaca; em terceiro lugar, a síndrome de Alzheimer, com

três ocorrências (15%). Pode-se explicar essa incidência da síndrome de Alzheimer pelo fato de

a população da pesquisa ser constituída, principalmente, de idosos.

5.2.4.3 A Dimensão MELHORA

A terceira dimensão diz respeito à percepção que os respondentes relataram quanto à

melhora experimentada pelos sujeitos após a unção. A dimensão foi previamente selecionada

com base nas reações à palavra indutora “melhoras”. A partir dessas reações, foram nomeadas

as categorias: “melhora física”; “melhora emocional ou espiritual”; “nenhuma melhora”; e

“piora”.

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81

Tabela 3 – Melhora após a Unção

Dimensão 3: MELHORA

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Melhora física 7 4 “os sintomas

desapareceram” (2);

“um coração novo” (5);

“as dores diminuíram”

(9); “uma melhora

gradativa” (13); “tive um

grande alívio da dor”

(15); “alguma coisa

melhorou por causa da

oração poderosa do

pastor” (15); “as febres

começaram a baixar”

(22).

“ela não ficou mais

entubada, diminuiu a

quantidade de remédios

e as feridas também

foram aliviadas” (6); “a

infecção” (10); “uma

melhora incrível: ela

recebeu o alta e veio pra

casa... Ela trabalhava,

fazia tudo, não sentia

nada, nada, nada... ela

subia, descia,

trabalhava, lavava,

passava, cozinhava,

fazia tudo normal, não

tinha dor, não tinha

nada, nada, nada” (14).

Melhora espiritual ou emocional

1 7 “melhora espiritual” (3);

“a preocupação passou”

(3); “tranquilidade de

que Deus ‘tá’ dirigindo”

(18); “ficou animada,

mais confiante” (19).

“está mais disposta”

(11).

Sem melhora 1 5 “no outro dia, a gente

percebeu que ele não

melhorou e que a

doença continuava” (8).

“eu não vou dizer que eu

melhorei depois da

unção” (1); “não houve

alteração no quadro”

(17); “ela continuou do

mesmo jeito” (20). Piora 2 0 “até a data da unção os

exames dele estavam

todos bons... agora está

tudo alterado e ele está

morrendo” (12); “na

manhã seguinte, ele já

faleceu” (21).

Onze respondentes, isto é, a metade (50%), relataram melhora física, que incluiu,

entre outras coisas, alívio da dor, diminuição da febre, desaparecimento de alguns sintomas e

alta hospitalar. Oito menções (36%) relataram melhora emocional ou espiritual, percebida por

um aumento de confiança e disposição e uma maior tranquilidade diante das dificuldades de

saúde. Em seis menções (27%), os respondentes admitiram que os sujeitos não

experimentaram nenhuma melhora. O respondente 17, por exemplo, relatou que “não houve

alteração no quadro” de uma empresária septuagenária que lutava contra o câncer. Em duas

menções (9%), os respondentes constataram uma piora no quadro de saúde após a unção,

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82

inclusive com o óbito do sujeito 21 no dia seguinte à realização do rito. Tratava-se de um

aposentado septuagenário que se encontrava acometido por um câncer. A outra menção se

referia a um motorista sexagenário que sofria da síndrome de Alzheimer. Segundo o

respondente 12, “até a data da unção os exames dele estavam todos bons”. Depois da unção,

no entanto, ficou “tudo alterado” e o sujeito deu evidências de que estava morrendo.

5.2.4.4 A Dimensão IMPORTÂNCIA

A quarta dimensão se voltou para a percepção que os respondentes relataram quanto

à importância atribuída pelos sujeitos à unção. A dimensão foi previamente selecionada com

base nas reações à palavra indutora “importância”. A partir dessas reações, foram nomeadas

as categorias: “expectativa de um milagre”; “esperança de cura”; “auxílio emocional ou

espiritual”; “separação para uma função espiritual”; “entrega ou resignação diante da morte”;

e “apoio para a família e amigos”.

Tabela 4 – Importância da Unção

Dimensão 4: IMPORTÂNCIA

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Expectativa de um milagre

1 3 “naquele momento, eu

acho que você fala

assim: ‘Senhor, eu

conduzi o carro até

agora, então agora é

sua vez’, e acho que

você permite que ele

faça os milagres” (4).

“a unção seria o ponto

[em] que Deus ia abrir o

meu caminho” (1); “sem

a unção eu não sei se

estaria aqui, porque foi

um milagre” (7); “a

gente ungiu porque ela

estava muito mal e o

médico deu dias de vida

pra ela” (14).

Esperança de cura 1 2 “a unção foi o momento

da virada na vida do

meu pai: ele não tinha

esperança, porque

ninguém mais dava

esperança p/ele porque

ele ia de mal a pior e,

quando foi ungido, sem

fazer nenhum novo

procedimento médico,

ele começou a melhor e

nunca mais teve isso”

(22).

“eu confio, eu não fui à

toa para essa unção, eu

fui na certeza, eu fui

confiando” (1); “é um

pedido nosso pra Deus”

(12).

Auxílio emocional ou espiritual

2 6 “uma forma de nós

reconhecermos nossa

dependência de Deus”

(2); “para ele, foi o

“Deixar Deus ser Deus”

(1); “um recurso a mais

que a gente tem por ser

filhos de Deus” (3);

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83

sentimento de estar com

Deus em espírito e em

verdade” (5).

“confiança em

Deus”(11); “a gente

acabou ficando mais

tranquilo” (17); “a parte

emocional, espiritual da

gente é que recebe a

cura aí nesse momento”

(18).

Separação para uma função especial

1 0 “a gente é separado

para uma função

especial” (15).

Entrega/resignação 5 8 “você entrega o seu

problema pra Deus

então você fica aliviado

ciente de que você fez

tudo o que podia” (3); “a

unção eu acho que é o

ato físico, ou material,

ou visível, da entrega. E

você fala assim: ‘não

não tem mais o que

fazer, não tem mais pra

onde recorrer’; então, é

só Deus” (4); “eu acho

que a unção faz a gente

aceitar, entender e se

aproximar um pouco

mais da morte não como

uma coisa tão pesada”

(8); “está dizendo a Deus

o seguinte: ‘faça-se a

Tua vontade’” (13).

“porque assim, nós

estaríamos preparados

para as duas possíveis

situações, se ela

melhorasse ou se ela

falecesse” (6 e 20); “a

certeza de que Deus te

perdoou, que você pode

ir em paz, que os seus

pecados estão

perdoados” (9); “dá a

tranquilidade pra sentir

que, se eu for agora, ‘tô’

indo nas mãos de Deus”

(16); “procurei colocá-la

nas mãos de Deus

porque ela não podia

mais continuar como

estava, ela tinha que

descansar, precisava do

descanso divino” (19).

Apoio para a família e amigos

1 2 “meus pais

desenvolveram uma

profunda amizade com

Deus” (2).

“ajudar o enfermo e

aqueles que se

relacionam com ele”

(11).

Não sabe 0 1 “não entendi direito

ainda” (1).

Quatro respondentes (18%) disseram que a unção foi importante porque lhes

proporcionou a “expectativa de um milagre”. Trata-se de respondentes que lidavam com

situações críticas como doença cardíaca (1), traumatismo craniano (4), dengue (7) e câncer

(14). Três respondentes (13%) relataram que a unção trouxe um aumento no nível de

esperança ou confiança. Segundo o respondente 22, “a unção foi o momento da virada na vida

do meu pai: ele não tinha esperança, porque ninguém mais dava esperança para ele porque

ele ia de mal a pior e, quando foi ungido, sem fazer nenhum novo procedimento médico, ele

começou a melhor e nunca mais teve isso”. Diante de um quadro de câncer terminal, essa

declaração constitui um reconhecimento patente de que a esperança de cura constitui

importante fator contribuinte para a recuperação de um indivíduo que luta contra a morte.

Oito respondentes (36%) relataram que a unção proporciona cura emocional e espiritual. De

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84

acordo com o respondente 18, “a parte emocional, espiritual da gente é que recebe a cura aí

nesse momento”. Um respondente (4%) sentiu que a unção foi uma separação para uma

função espiritual. Trata-se de um auxiliar administrativo de 34 anos de idade que estava às

voltas com um cálculo renal (15). Treze respondentes (59%) afirmaram que a unção contribuiu

para que os sujeitos se resignassem diante da morte ou do sofrimento. O sujeito 3, estudante

de 33 anos de idade, que não corria risco de vida, afirmou que a unção lhe deu a sensação de

“que fez tudo o que podia”. O sujeito 4 corrobora essa declaração com a afirmação de que “a

unção é o ato físico, ou material, ou visível, da entrega. E você fala assim: ‘não não tem mais o

que fazer, não tem mais pra onde recorrer’; então, é só Deus”. Essas são as palavras de um

pastor adventista, que foi ungido na infância, por causa de uma infecção generalizada. Elas

equivalem à lembrança do sujeito, agora com aproximadamente 50 anos de idade, de como a

família tratou sua experiência com a unção ao longo de sua vida. Não é de admirar que tenha,

eventualmente, escolhido uma carreira eclesiástica. O respondente 19 se refere à situação

crítica de uma senhora octogenária com uma grave deficiência cardíaca: “procurei colocá-la

nas mãos de Deus porque ela não podia mais continuar como estava, ela tinha que descansar,

precisava do descanso divino”. Pelo menos cinco outros respondentes (6, 8, 9, 16 e 20)

enfatizaram que a unção ajuda na aceitação da morte. O respondente 8, falando de um pastor

adventista de 51 anos de idade que sofria de câncer, afirmou: “eu acho que a unção faz a

gente aceitar, entender e se aproximar um pouco mais da morte não como uma coisa tão

pesada”. Além disso, três respondentes (13%) viram a unção como uma forma de apoio para a

família e amigos. O respondente 11, por exemplo, afirmou que ela ajuda “o enfermo e aqueles

que se relacionam com ele”. Apenas um respondente (4%), uma senhora aposentada de 57

anos de idade (sujeito 1), afirmou não entender a importância da unção.

5.2.4.5 A Dimensão DIABO

A quinta dimensão se voltou para a percepção que os respondentes relataram quanto

ao papel do diabo no processo de enfermidade. A dimensão foi previamente selecionada com

base nas reações à palavra indutora “diabo”. A partir dessas reações, foram nomeadas as

categorias: “a enfermidade como presença maligna”; “o diabo como causa da enfermidade”;

“a enfermidade como um ataque pessoal do diabo”; “a enfermidade como uma oportunidade

de tentação para o diabo”; “o diabo como participante indireto por causa do conflito entre o

bem e o mal”; e “a enfermidade como um processo natural sem o envolvimento do diabo”. A

inclusão da dimensão se justifica pela hipótese inicial de que a cosmovisão adventista do

sétimo dia guarde semelhanças com a crença animista de que a vida e os processos de

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85

saúde/enfermidade consistam numa constante luta entre as forças do bem e os poderes do

mal.

Tabela 5 – Papel do Diabo

Dimensão 5: DIABO

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Presença maligna 0 1 “o diabo sempre está

presente” (1).

Causa da enfermidade 3 4 “ele é o causador do

pecado no planeta terra

e o pecado degenera a

vida; a enfermidade é

parte desse processo,

pois a doença é

resultado do pecado”

(2); “a enfermidade é

obra dele” (21).

“ele traz enfermidade”

(10); “o diabo colocou

esta doença nela” (14);

“toda doença que vem é

interferência do pecado,

o diabo querendo fazer

com que a gente sofra”

(18); “o diabo é

causador do sofrimento,

é o culpado da morte, é

o causador da maldade;

então, está sempre

próximo para atacar,

para trazer a doença, a

maldade e a morte, pois

o diabo é causador de

todo mal neste mundo”

(19).

Ataque pessoal 3 2 “o inimigo não queria

que ele trabalhasse” (5);

“satanás estava

atuando ali com ele,

tentando derrotar a

pessoa no último

momento” (8); “o

inimigo tenta realmente

destruir aquilo que

alguém faz de bom”

(13).

“é como se ela fosse

jogada numa moita de

espinhos por Satanás”

(10); “ele quer derrubar

a gente” (16).

Tentação 2 1 “tá acusando,

apontando: ‘você não

vale nada, fez tudo

errado, vai pro inferno’”

(12); “o inimigo fica

tentando... zombando:

‘não vale a pena’” (13).

“o diabo traz obstáculos

pra gente nos afastar de

Deus ou deixar de

acreditar nos planos de

Deus, deixar de acreditar

que Deus é um Deus de

amor, pra fazer com que

a gente se afaste de

Deus” (18).

Participação vaga 1 3 “em 2013 quebrou um

cristal dentro dele” (8).

“faz parte do conflito

entre o bem e o mal”

(17).

Sem envolvimento 3 4 “a atuação do ‘inimigo’

assim direta, não creio

“eu não posso falar do

diabo em si, mas da

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que tenha... muitas das

nossas enfermidades

vêm pelos nossos

próprios pecados

(negligência)” (3).

minha negligência em

vários pontos” (1); “não

sei se chegamos a

perceber alguma coisa

assim” (11). Sem menção 1 0 (22).

Apenas uma menção (4%) foi feita à enfermidade como resultado de uma presença

maligna e sobrenatural na vida da pessoa. Trata-se da declaração do sujeito 1, uma senhora de

57 anos, com problemas cardíacos. Sete respondentes (31%) foram mais enfáticos, apontando

o diabo como causa da enfermidade. Trata-se de declarações gerais que consideram o diabo

como causador de pecado, sofrimento, doença e morte no mundo. Outras cinco menções

(22%) foram ainda mais enfáticas considerando que a enfermidade era um ataque pessoal do

diabo à pessoa que foi ungida. Três menções (13%) consideraram a enfermidade como uma

oportunidade de tentação para o diabo. Ou seja, não tanto que ele se preocupe em infligir

problemas físicos à pessoa, mas que usa isso para conseguir o seu verdadeiro intento que é a

perdição da pessoa por seu afastamento de Deus. Quatro menções (18%) re referiram a uma

participação mais vaga do diabo, apenas como resultado indireto do conflito entre o bem e o

mal. O respondente 17 chegou a usar literalmente essa expressão: “faz parte do conflito entre

o bem e o mal”. Por outro lado, sete respondentes (31%) fizeram menção à enfermidade como

um processo natural sem o envolvimento do diabo. O mesmo sujeito 1, que reconheceu uma

associação entre o mal e os processos de enfermidade, logo em seguida declarou que a doença

era o resultado natural de suas próprias escolhas e decisões. Essa senhora de 57 anos de idade

afirmou: “eu não posso falar do diabo em si, mas da minha negligência em vários pontos”.

Finalmente, um respondente (22) não fez nenhuma menção ao diabo. Infelizmente, essa foi a

entrevista mais curta do corpus, com duração pouco superior a cinco minutos, realizada no

saguão de um hotel em Águas de Lindoia, interior de São Paulo e a entrevistadora, na pressa,

não usou a palavra indutora “diabo”. Por essa razão, é impossível afirmar que o respondente

não considerasse importante a participação do diabo nos processos de enfermidade.

5.2.4.6 A Dimensão DEUS

A sexta dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca do

papel de Deus nos processos de enfermidade e cura. A dimensão foi previamente selecionada

com base nas reações à palavra indutora “Deus”. A partir dessas reações, foram nomeadas as

categorias: “a cura como resultado da presença de Deus”; “Deus como causa da enfermidade”;

“a cura como resultado de um relacionamento pessoal com Deus ou de um propósito de vida

por Ele conferido”; “a cura como resultado da paz, consolo e/ou proteção concedidos por

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Deus”; “a crença em Deus como auxílio para a família do enfermo”; “Deus como propiciador

de cura”; “Deus como operador de milagres”; “Deus como fonte de instrução para a unção e

para a cura”; e “Deus como outorgador do descanso da morte”.

Tabela 6 – Papel de Deus/Jesus

Dimensão 6: DEUS

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Presença 2 4 “eu vi a mão de Deus

nos pequenos detalhes”

(4); “na unção, Jesus

desceu naquela noite,

em algum momento, e

visitou meu filho”.

“Deus esteve e está

presente” (1 e 14);

“Deus esteve o tempo

todo com ela” (9).

Causa da doença 1 1 “Deus permitiu essa

doença na minha

família” (2).

“a doença foi um meio

de Deus tirar ela da vida

que ela tinha, da vida

que ela tava, de

sofrimento, de angústia,

de problema, de querer

chegar até Deus” (9).

Relacionamento pessoal e propósito de vida

4 2 “a participação de Deus

é muito mais profunda

do que só curar a

doença, Deus acabou

dando um ministério na

minha vida” (2); “Ele

usou essa situação pra

ter uma nova história

conosco” (2); “tinha um

quadro de Jesus no

quarto, e ele se

encurvou todo, meio de

ponta cabeça pro

quadro e começou a

conversar com Jesus”

(4); “Deus tinha um

plano para ele” (22).

“O Deus que eu adoro é

um Deus de propósito na

nossa vida, Ele quer o

céu pra nós” (1); “ter

intimidade com Deus é o

que eu tenho pedido pra

Ele” (1).

Paz, consolo e proteção 5 3 “Deus traz um alívio,

uma paz” (3); “Jesus

desceu e pôs a mão no

meu filho” (4); “o curou

da mágoa” (8); “me fez

forte, se não eu ia cair

no choro” (12);

“transformou a

maldição em bênção”

(21).

“é como se ela fosse

jogada numa moita de

espinhos por Satanás e

Deus pusesse uma

coberta para os espinhos

não machucarem muito” (10); “nós ficamos tão

conformados, eu só

chorei no dia do funeral”

(16). Ajuda para a família 1 2 “Deus pegou na mão da

gente e orientou a

gente” (21).

“Ele cuidou muito bem

da nossa família” (6);

“sabe o que que nós

fizemos, eu com a minha

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88

filha e minha neta e meu

neto e o meu genro?

cantamos os hinos de

que ela gostava” (16). Cura 0 3 “Deus não precisa que

eu tome oito copos de

água, que eu caminhe,

Ele pode me curar

imediatamente” (1);

“Deus deu primeiro uma

cura pra ela sentir que

realmente estava com

ela, na primeira crise da

doença, quando ela

achou que não tinha 15

dias de vida, mas viveu

mais de três meses” (14).

Milagre 0 3

“Deus ouve e pode

operar um milagre” (1);

“não tem como ter sido

outra coisa a não ser

Deus” (7); “o maior

milagre é que tinha

muito medo de sofrer,

ela pedia muito a Deus

que não sofresse, e

minha mãe não sentiu

dor em momento

nenhum” (14).

Instrução 0 1 “Deus disse que,

havendo alguém doente,

procure os presbíteros

da igreja para que

venham e orem (11)”.

Morte (descanso) 1 1 “ele sabe quando a

pessoa deve descansar”

(21).

“Deus deu descanso pra

ela” (19).

Não sabe 1 0 “eu ainda não

compreendi” (15).

Seis respondentes (27%) entenderam a cura como resultado da presença genérica de

Deus. Eles não especificaram exatamente como Deus atua para conceder cura, mas disseram

ver “a mão de Deus nos pequenos detalhes” (respondente 4). Dois respondentes (9%) não

concebem necessariamente os processos de enfermidade e cura como fazendo parte de um

conflito cósmico entre as forças do bem e do mal. Para eles, Deus permite a enfermidade a fim

de que um bem maior seja alcançado. É como se Deus usasse a doença para conseguir a

atenção do enfermo: “a doença foi um meio de Deus tirar ela da vida que ela tinha, da vida

que ela tava, de sofrimento, de angústia, de problema, de querer chegar até Deus”. O

informante 9 fez essa declaração em relação a uma funcionária dos correios, de 48 anos de

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idade, solteira, que sofria de leucemia. Por outro lado, outras seis menções (27%) fizeram

referência não ao fato de que Deus causa ou permite a enfermidade para alcançar seus

objetivos, mas que se aproveita da enfermidade para, por intermédio da cura, se aproximar

das pessoas em seu momento de vulnerabilidade e desenvolver um relacionamento mais

íntimo com elas, dando-lhes um propósito de vida. Oito respondentes (36%), o maior

percentual, entendem que o papel de Deus não é tanto promover a cura por meio de meios

sobrenaturais, mas conceder paz e consolo aos enfermos, mitigando um pouco do seu

sofrimento. O informante 10, por exemplo, usou um símile bastante descritivo para explicar

sua perspectiva. Ao se referir à situação de uma professora de 79 anos de idade, que lutava

contra uma infecção, afirmou: “é como se ela fosse jogada numa moita de espinhos por

Satanás e Deus pusesse uma coberta para os espinhos não machucarem muito”. Mesmo nessa

perspectiva mais humanista, que atribui a Deus um papel secundário no processo de cura, é

possível, porém, perceber a presença de uma cosmovisão de conflito cósmico. Três

respondentes (13%) assinalaram a importância da crença em Deus como fator de auxílio para a

família do enfermo. Outros três respondentes (13%) compreendem que Deus é quem opera a

cura, mas não se referiram especificamente à necessidade de milagres para que isso aconteça.

Entretanto, três respondentes (13%) foram enfáticos em atribuir a Deus a capacidade de

operar milagres, entendendo que a cura, quer definitiva, quer temporária, que os sujeitos

haviam experimentado era o resultado direto de uma intervenção miraculosa do poder divino.

Apenas um respondente (4%), o informante 11, entende que a participação de Deus inclui

conceder instrução para que o sujeito recorra à unção como forma de obter a cura. Dois

respondentes (9%) entendem que o papel de Deus é conceder o descanso da morte, a unção

sendo instrumental para isso. Nos dois casos, os informantes 19 e 21 se referem a sujeitos que

não sobreviveram à enfermidade que os debilitava. O sujeito 19 lutava contra uma grave

enfermidade cardíaca e o sujeito 21 sofria de câncer. Finalmente, apenas um respondente

(4%), o sujeito 15, um homem de 34 anos de idade que padecia de um cálculo renal, não soube

explicar que papel atribuía a Deus no processo.

5.2.4.7 A Dimensão CURA

A sétima dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca da

cura que os sujeitos experimentaram ou desejaram experimentar. A dimensão foi previamente

selecionada com base nas reações à palavra indutora “cura”. A partir dessas reações, foram

nomeadas as categorias: “a cura como processo físico, emocional e espiritual”; “a cura como

vontade de Deus”; “a cura como independente da melhora”; “a cura como perdão”; “a cura

como mudança no estilo de vida”; e “a cura como milagre”.

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Tabela 7 – Percepção de Cura

Dimensão 7: CURA

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Processo físico, emocional e espiritual

1 2 “oramos p/o perdão dos

pecados e a cura do

enfermo” (11).

“se você não está bem

emocionalmente, o seu

físico reage o contrário

e, espiritualmente, aí

pronto, você precisa de

Deus, eu creio nisso em

todo o processo de cura

físico e espiritual” (1); “a

parte emocional,

espiritual da gente é que

recebe a cura” (18).

A vontade de Deus 1 1 “a cura física é resultado

da vontade de Deus” (3).

“a cura vem de Deus; eu

temo que as pessoas

falem que [a morte] foi

vontade de Deus, eu não

acredito nisso: pra mim,

Deus queria que a gente

vivesse eternamente”

(17).

Independente da melhora

1 1 “eu não vejo a cura pela

melhora; eu vejo assim:

meu filho tem uma

responsabilidade, que é

responder o chamado de

Deus pro que for,

quando for e pra onde

for” (4).

“o objetivo da unção

não é só a cura” (6).

Perdão 1 0 “foi curado da mágoa”

(8).

Mudança de estilo de vida

1 0 “envolve uma mudança

no estilo de vida: depois

que eu sarei, minha mãe

nunca mais me deu

alimento cárneo” (2).

Milagre 3 1 “o milagre da cura” (13);

“um milagre, mas não

exatamente do jeito que

a gente queira” (15);

“até hoje não há cura

p/essa doença, mas

Deus operou um

milagre” (22).

“Deus deu a cura p/ela

na primeira crise da

doença quando ela

achou que não tinha 15

dias de vida, mas ainda

viveu mais de 3 meses”

(14).

Sem menção 1 5 (12). (5, 7, 9, 10 e 20).

Três respondentes (13%) conectaram a cura a um processo espiritual e emocional com

impacto físico. Nessa perspectiva, a cura espiritual e emocional antecede a cura física e é

imprescindível para ela. Outros dois respondentes (9%) conectaram a cura à vontade expressa

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91

de Deus. Nessa perspectiva, Deus quer que o doente fique curado, dependendo deste a

apropriação da vontade com a decisão de permitir que o poder divino atue em seu caso. Dois

respondentes (9%) desvincularam a cura da melhora física. Em sua opinião, a cura espiritual é

que se torna importante, pois ela permite que o doente cumpra o propósito de Deus para sua

vida. Sendo assim, o objetivo da unção deixa de ser exclusivamente a melhora física. Em outro

caso (4%), o respondente 8 mencionou que a cura foi o perdão, que o sujeito conseguiu

estender àqueles que o magoaram. Um respondente (4%) enfatizou que a cura envolve

mudanças no estilo de vida. Quatro respondentes (18%) entendem a cura como um milagre

realizado por Deus. Desses, o sujeito 13 relatou um caso verdadeiramente extraordinário, em

que várias circunstâncias inusitadas contribuíram para que sua vida fosse preservada diante de

um câncer agressivo com algumas metásteses. Por outro lado, seis respondentes (27%) não

fizeram qualquer menção à cura, mesmo quando a entrevistadora usava a palavra indutora.

No entanto, em um caso, a entrevista com o respondente 5, a entrevistadora se esqueceu de

empregar a palavra indutora “cura” e, possivelmente por essa razão, o respondente tampouco

fez referência a ela.

5.2.4.8 A Dimensão SUCESSO

A oitava dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca do

sucesso do rito da unção. A dimensão foi previamente selecionada com base nas reações à

palavra indutora “sucesso”. A partir dessas reações, foram nomeadas as categorias: “sucesso

emocional”; “sucesso em alterações no estilo de vida”; “sucesso espiritual”; “sucesso na cura

física total ou parcial”; “sucesso para a família”; “sucesso como milagre”; e “fracasso”.

Tabela 8 – Percepção de Sucesso

Dimensão 8: SUCESSO

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Sucesso emocional 2 6 “a partir do momento

que você tem essa paz

que Deus dá, isso pra

mim já funcionou,

entendeu?” (3);

“funcionou: depois da

unção, era como se

tivessem dado um

calmante pra ele” (21).

“agora eu tô me

libertando” (1); “todos

os dias eu acordo com

esperança agora” (1); “a

paz que eu senti depois

da unção já me

capacitou a enfrentar o

resultado” (1); “ela

sentiu essa paz de estar

perdoada, que Deus

pode me levar, se Ele

quiser, agora” (9).

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92

Sucesso em alterações no estilo de vida

1 0 “a unção não é somente

para a cura física

imediata, mas ela

também abre

orientação, abre

tratamentos, abre o

despertar pra uma

mudança de estilo de

vida” (2).

Sucesso espiritual 2 1 “Deus deixou a unção

como uma forma

didática de mostrar que

você está entregando

esse caso nas minhas

mãos, eu quero que você

tenha ciência desse dia

pra você lembrar que,

nesse dia, ao você ser

ungido, começou uma

manifestação

sobrenatural na sua

vida” (2); “ele despertou

para estar mais ligado a

Deus e apegado, de

fato” (5).

“porque reforça a fé da

pessoa, a confiança da

pessoa, e a pessoa se

coloca nas mãos de Deus

e, como Deus queira, vai

acontecer” (19).

Sucesso na cura física total ou parcial

3 4 “no meu caso funcionou

para a vida; a unção

sempre funciona, em

alguns casos, para a

vida e, em outros, para o

descanso” (13); “não

posso dizer que estou

100% curado, mas que

não tenho problemas

hoje” (15); “não precisou

nunca mais tomar

remédio nenhum e hoje

está c/92 anos e nunca

mais teve problema de

sangue, nem doença

nenhuma até hoje” (22).

“não estaria viva se não

fosse a unção, talvez”

(10); “saúde física o

médico disse que ela

tem” (11); “porque eu

‘tô’ aqui ainda [risos]”

(18); “porque a unção é

oito ou oitenta [risos]”

(20).

Sucesso para a família 0 2 “funcionou para a

família” (16).

Sucesso como milagre 3 2 “foi um milagre: a

ciência não conseguiu

explicar essa melhora

surpreendente” (5);

“muita gente orou pelo

meu padrasto e, quando

ele melhorou, o milagre

foi visto” (5); “o médico

estava irritado porque a

unção estava atrasando

a cirurgia; depois, ele

reconheceu, diante de

outro médico, que valeu

a pena esperar pela

“se eu não tivesse

recebido a unção, eu

não teria recebido a

transfusão e, sem a

transfusão, eu teria

morrido” (7).

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93

unção porque, enquanto

isso, ele descobriu a

verdadeira causa que

estava me levando a

óbito” (13).

Fracasso 1 0 “acho que não

funcionou” (12).

Oito respondentes (36%) afirmaram que a unção proporcionou algum tipo de apoio

emocional aos sujeitos. Um respondente (4%) afirmou que a unção o ajudou a fazer mudanças

em seu estilo de vida. Três respondentes (13%) relataram benefícios espirituais. Sete

respondentes (31%) compreenderam que a unção contribuiu para a cura física, total ou

parcial, dos sujeitos. Dois respondentes (9%) relataram benefícios para a família. Cinco

menções (22%) atribuíram à unção a capacidade de realizar milagres na vida dos sujeitos.

Apenas um respondente (4%) considerou que a unção fracassou, não trazendo nenhum

benefício ao sujeito. Trata-se do caso de um motorista de 67 anos de idade que estava

acometido pelo mal de Alzheimer.

5.2.4.9 A Dimensão PASTOR

A nona dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca do

papel do cuidador espiritual no processo de unção e cura dos sujeitos. A dimensão foi

previamente selecionada com base no índice “pastor”, termo pelo qual os participantes

geralmente se referem à pessoa que tem essa atuação. O questionário da entrevista não

continha nenhuma palavra indutora que levasse os respondentes a mencionar o papel do

cuidador espiritual. Contudo, na pré-análise, ficou evidente que esse tema recebeu destaque

da parte dos respondentes e, por isso, acabou incluído como dimensão de análise. A partir das

menções ao seu papel no rito da unção e cura, foram nomeadas as categorias: “convite”;

“orientações sobre o rito”; “promessa de cura”; “oficiação do rito”; “amizade”; “fornecimento

do óleo”; “confidência”; “acompanhamento no hospital ou no funeral”; “comunicação do

falecimento”; e “papel negativo”.

Tabela 9 – Papel do Cuidador Espiritual

Dimensão 9: CUIDADOR ESPIRITUAL

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Convite à unção 2 1 “o pastor foi lá e disse

que ele tinha que fazer

uma oração se

entregando a Deus” (5);

“o pastor falou na

unção” (1).

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“o pastor disse que,

quando se está com uma

doença, precisa ser

ungido” (15).

Orientação sobre o rito 1 3 “o pastor me deu uma

apostila” (3).

“o pastor me orientou”

(1); “o pastor falou bem

pertinho do ouvido,

porque o último sentido

que a pessoa perde é a

audição” (16); “foi muito

bem explicado pra nós

pelo pastor” (17).

Promessa de cura 0 1 “o pastor foi tão

enfático em falar que

Deus pode me curar

imediatamente” (1).

Presença ou oficiação da unção

5 16 “o pastor colocou óleo...

mas nem me lembro

qual era o pastor” (12);

“depois da explicação, o

pastor fez uma oração

especial e derramou um

óleo” (15).

“três pastores fizeram a

unção” (7); “tinha cinco

pastores” (8); “o pastor

executou a unção” (11);

“o pastor fez um

sermonete e passou óleo

na testa dela” (14); “o

pastor que ungiu não

era nem pastor nosso,

pois foi em janeiro e o

pastor ‘tava’ de férias”

(16); “foi ungida por dois

pastores, conforme a

igreja recomenda” (19).

Amizade 1 0 “minha mãe tinha

chamado um pastor que

era muito amigo deles”

(5).

Fornecimento do óleo 0 3 “o pastor fulano levou o

óleo” (6, 8 e 17). Confidência 1 2 “os pastores

perguntaram se, mesmo

debilitado, ele queria

conversar sobre essas

mágoas e ele disse que

sim” (8).

“o pastor foi lá e ela

contou tudo da vida

dela” (9).

Acompanhamento durante cirurgia ou funeral

1 1 “o pastor desceu até o

centro cirúrgico” (13).

“o pastor que ungiu ela

me deu a sugestão do

túmulo” (19).

Comunicação do falecimento

0 1 “o pastor teve que dizer,

infelimente” (20).

Menção negativa 1 0 “ele não gostava de

pastor” (21).

Sem menção 1 2 (22). (10 e 18).

Três respondentes (13%) relataram que foi o cuidador espiritual que convidou os

sujeitos a participarem do rito da unção. Isso corresponde, de fato, a um percentual

relativamente baixo, sugerindo que, em geral, a unção não é ministrada em função da

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iniciativa do clero, mas dos enfermos ou de seus amigos e familiares. Quatro respondentes

(18%) mencionaram que, antes ou durante o rito, o cuidador espiritual deu orientações a

respeito da forma como a cerimônia deveria ser realizada. O sujeito 1 declarou que recebeu do

cuidador espiritual o equivalente a uma promessa de que seria curado; entretanto, a grande

maioria das menções (95%) apontou que o papel do pastor era simplesmente oficiar o rito.

Como três respondentes (13%) nunca fizeram menção ao cuidador espiritual (18, 18 e 22), isso

significa que os demais respondentes o mencionaram mais de uma vez. Um respondente (4%)

fez referência à amizade existente entre o sujeito e o cuidador espiritual. Três respondentes

(13%) atribuíram ao cuidador espiritual a responsabilidade de fornecer o óleo para a unção.

Três outros respondentes (13%) se referiram ao fato de que os sujeitos usaram a oportunidade

para fazer confidências ao cuidador espiritual, desabafando com respeito às mágoas e os

problemas por eles enfrentados. O informante 8 afirmou que, mesmo debilitado por conta do

estado terminal do câncer que o acometia, o sujeito optou por conversar a sós com o cuidador

espiritual e lhe falar acerca de uma grande mágoa que o afligia. O respondente 19 afirmou que

o cuidador espiritual que havia realizado a unção compareceu também ao funeral, inclusive

ajudando a cuidar dos preparativos para o mesmo. O respondente 13 disse que ele esteve

presente no hospital no momento de uma importante cirurgia. O informante 20 relatou que a

família passou ao cuidador espiritual a responsabilidade de comunicar aos amigos a notícia do

falecimento do sujeito. Apenas o respondente 21 fez uma menção negativa ao cuidador

espiritual. Nesse caso, o sujeito, um aposentado de 76 anos de idade que sofria de câncer,

disse que não gostava de pastor. Trata-se, porém, de uma menção ao primeiro contato que o

sujeito teve com o cuidador espiritual, essa atitude tendo sofrido uma drástica alteração após

a unção. Outro atenuante para essa menção negativa é o fato de que o aposentado era um dos

dois únicos sujeitos da pesquisa a não pertencer à religião adventista. Deve-se levar em

consideração que todos os cuidadores espirituais envolvidos no rito de unção investigado

nesta pesquisa (que variam de um a cinco por rito) eram credenciados pela IASD.

Naturalmente, era de se esperar que uma pessoa à beira da morte tivesse restrições ao

contato com um clérigo de uma religião que não era a que professava.

5.2.4.10 A Dimensão IGREJA

A décima dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca do

papel da igreja no processo de unção e cura dos sujeitos. A dimensão foi previamente

selecionada com base no índice “igreja”. O questionário da entrevista não continha nenhuma

palavra indutora que levasse os respondentes a mencionar o papel da igreja. Contudo, na pré-

análise, ficou evidente que esse tema recebeu destaque da parte dos respondentes e, por isso,

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96

acabou incluído como dimensão de análise. A partir das menções ao seu papel no rito da

unção e cura, foram nomeadas duas categorias principais: “ensinamentos, hierarquia e

autoridade” e “apoio espiritual”.

Tabela 10 – Papel da Igreja

Dimensão 10: IGREJA

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Ensinamentos, hierarquia e autoridade

3 3 “eu resolvi levar o

problema pra Deus

porque é um projeto que

a igreja tem” (3); “a

doutrina de saúde da

igreja” (3); “ele foi

ungido com óleo,

exatamente como a

igreja recomenda” (22).

“Deus disse que,

havendo alguém doente,

procure os presbíteros

da igreja para que

venham e orem (11)”;

“conforme a igreja

recomenda” (19); “é

uma cerimônia da

igreja” (20).

Apoio espiritual 1 2 “chamei a igreja” (12).

“a igreja estava orando”

(16); “pedi muita oração

na igreja” (16).

Menção incidental 3 4 “parentes que estavam

fora da igreja” (13); “ia

à igreja com a gente”

(21).

“eu me dediquei demais

pra filhos, pra casa, pra

igreja” (1).

Sem menção 4 4 (2, 4, 8 e 15). (9, 10, 14 e 18).

Embora com várias menções à igreja, as categorias dessa dimensão foram muito

menos significativas do que a da dimensão “cuidador espiritual” a ela análoga. Oito

respondentes (36%) sequer mencionaram a igreja durante as entrevistas. Sete respondentes

(31%) fizeram menções apenas incidentais, como, por exemplo, o fato de a família do sujeito

frequentar a igreja. Isso ocorre, por exemplo, com o sujeito 21, que não era adventista, mas ia

ocasionalmente àquela igreja, acompanhando a família que, por sua vez, era adventista. Seis

menções (27%) se referiram à autoridade da igreja, cuja doutrina os sujeitos seguiam. Isto é,

vários sujeitos foram ungidos porque desejaram cumprir a recomendação da igreja de que os

enfermos devem ser ungidos. Três respondentes (13%) observaram que receberam apoio

espiritual da igreja, principalmente por meio das orações dos membros e sua disponibilidade

para conversar com eles.

5.2.4.11 A Dimensão MÉDICO

A décima primeira dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram

acerca do papel do médico no processo de cura dos sujeitos. A dimensão foi previamente

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selecionada com base no índice “médico”. O questionário da entrevista não continha nenhuma

palavra indutora que levasse os respondentes a mencionar o papel do médico. Contudo, na

pré-análise, ficou evidente que esse tema recebeu destaque da parte dos respondentes e, por

isso, acabou incluído como dimensão de análise. Além disso, com a inclusão do papel do

cuidador espiritual como nona dimensão, fez-se necessário, a título de comparação, incluir

também uma dimensão acerca da participação do médico. A partir das menções a esse papel

no cuidado e cura dos sujeitos, foram nomeadas seis categorias principais: “papel secundário”;

“insegurança”; “instrumento de Deus”; “sensação de impotência”; “insensibilidade” e

“diagnóstico e medicação”.

Tabela 11 – Papel do Médico

Dimensão 11: MÉDICO/DOUTOR

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Papel secundário 2 2 “não foi remédio e nem

cirurgia que o fez

melhorar” (5); “Deus é

que dá sabedoria para

os médicos” (13).

“roguei que Deus

dirigisse a minha vida,

mostrasse um caminho

mais excelente do que o

caminho que eu tô

seguindo de médicos”

(1); “os médicos não

sabem de nada” (14).

Insegurança 1 1 “os médicos estavam

perdidos” (13).

“eu não estou segura

com o médico da minha

cidade” (1).

Instrumento de Deus 3 1 “o médico já estava lá

pronto, com a equipe

pronta, ele ia para a UTI

e não precisou... Então

assim, eu vi a mão de

Deus” (4); “os médicos,

concordaram que foi um

milagre” (5); “todos os

médicos que cuidaram

do meu caso são

unânimes em dizer que

algo sobrenatural

ocorreu... foi Deus quem

agiu” (13).

“foi Deus que colocou o

doutor Fulano no meu

caso” (1);.

Sensação de impotência 7 1 “o médico decretou pra

minha mãe que eu não

tinha mais como viver

por causa do estado de

coma” (2); “o médico

disse que não tinha

muito o que fazer” (2);

“os médicos se reuniam

todos os dias para ver o

“em momento nenhum

ela acreditava que ela

estava com câncer. Ela

falava: - “Que nada! Os

médicos não sabem de

nada” (14).

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98

que iam fazer com ele”

(5); “a médica voltou

para conversar com a

minha mãe e disse que

não sabia o que tinha

acontecido” (5); “os

médicos não sabiam o

que fazer” (5); “os

médicos não sabem

explicar como aquilo

aconteceu” (5); “o

médico demorou 12 dias

p/descobrir” (13).

Falha em procedimentos ou diagnósticos

7 1 “os médicos não deram

um bom diagnóstico”

(3); “não tinha médico

disponível” (4 e 19); “a

médica não viu a fratura

de crânio dele” (4); “o

médico sem perceber

cortou o ureter” (13); “o

médico implantou

errado: o cateter foi p/o

fígado em vez de para a

porta do coração” (13);

“o gás mostarda é um

gás usado usado na

primeira guerra mundial

p/matar pessoas; mas

eles achavam que podia

matar o câncer do

sangue, então eles

chegaram a aplicar isso

no meu pai, mas nada

disso deu resultado”

(22).

“os médicos me

passaram na frente da

fila, mas os médicos não

podem fazer isso” (7).

Diagnóstico e medicação 6 5 “o médico disse que ele

ia ter que ir p/a cirurgia”

(4); “o médico disse que

talvez ele teria que

entrar numa fila de

transplante de coração”

(5); “o médico falou: -

Esse câncer tem cara de

meses e o câncer

acontece por três

razões: decepção, susto

ou estresse” (8); “o

médico dava bastante

[medicamento]” (13); “o

médico disse: - O câncer

é mais agressivo do que

a gente imaginava” (13);

“o médico deu uma

expectativa de vida de

um mês” (21).

“disse que não

acreditava que ela sairia

daquela quadro” (10); “o

médico deu dias de vida

p/ela” (14); “o médico

tinha desenganado”

(14); “o médico disse: - O

AVC foi isquêmico” (16);

“o médico viu e falou: -

Vai precisar internar”

(16).

Insensibilidade 5 1 “a médica até usou uma “o médico veio e contou

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99

expressão que a minha

mãe ficou bem triste”

(5); “ele está morrendo;

como, doutor, o senhor

me fala uma coisa

dessas?” (12); “o médico

não diz o que ele tem”

(12); “o médico dizia que

já tinha passado o

tempo dele ficar no

hospital, como se fosse

um hóspede” (12).

pra mim, eu não sei o

termo, não é eutanásia,

é um termo parecido

com eutanásia... que se

ela precisasse ser

socorrida, que eles não

socorreriam que ela

teria uma morte digna”

(10);.

Menção incidental 2 3 “eu argumentava muito

c/os médicos algumas

coisas c/as quais eu não

concordava” (13); “hora

marcada c/o médico”

(19).

“fomos ao médico” (11);

“ia pro médico” (16);

“ele era médico” (20).

Sem menção 1 4 (15). (6, 9, 17 e 18).

O que espanta nas menções à participação do médico no processo de cura é a forma

negativa como os respondentes se referem a ela. Isso pode até ser injusto para esse

profissional da saúde, mas, nesses casos de pacientes em geral às portas da morte, o médico é

muito menos favoravelmente apreciado como personagem positivo na promoção do bem-

estar e cura dos sujeitos, em comparação com as menções ao cuidador espiritual. Quatro

respondentes (18%) lhe atribuíram um papel nitidamente secundário. Um desses

respondentes declarou que o sujeito 14, uma senhora de 76 anos de idade que lutava contra

um câncer, chegava a afirmar que “os médicos não sabem de nada”. Não é de admirar que

dois respondentes (9%) em outra categoria tenham dito que não sentiam segurança nos

médicos. Mesmo quando se trata de uma menção positiva em relação à atuação médica, esse

profissional é descrito simplesmente como um “instrumento de Deus”. Para os quatro

respondentes (18%) que sugeriram isso, “foi Deus quem agiu”, conforme afirma o sujeito 13.

De modo geral, parece que os respondentes entendem que o papel do médico se limita ao

diagnóstico e à medicação, a cura dependendo quase que totalmente da atuação de Deus e da

fé do doente. Geralmente isso envolve um diagnóstico ou prognóstico de cura e uma

estimativa do tempo de vida restante, fatos sentidos como desagradáveis pelos respondentes.

De fato, onze menções (50%) se situam exatamente nessa categoria. Além dessas, oito outras

menções (36%) criticam os médicos justamente por falharem em seus diagnósticos,

procedimentos e prognósticos. São queixas graves que incluem a indisponibilidade de médicos

(4 e 19), mas se referem a aspectos ainda mais negativos: “a médica não viu a fratura de crânio

dele” (4); “o médico, sem perceber, cortou o ureter” (13); “o médico implantou errado: o

cateter foi para o fígado em vez de para a porta do coração” (13). Uma dessas queixas se

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100

refere a uma prática, antes comum, que agora é condenada. Falando de um tratamento de

câncer na década de 50, o informante 22 afirmou: “o gás mostarda é um gás usado usado na

primeira guerra mundial para matar pessoas; mas eles achavam que podia matar o câncer do

sangue, então eles chegaram a aplicar isso no meu pai, mas nada disso deu resultado”. Por

isso, pode-se dizer que predominam as menções negativas em relação aos médicos. Seis

respondentes (27%) reclamaram da insensibilidade da equipe médica e oito (36%) disseram

que os médicos transmitiam uma sensação de impotência. Cinco menções (22%) foram

meramente incidentais e se referem principalmente a declarações de que os sujeitos

procuraram auxílio médico. Uma delas revela, porém, que, mesmo incidentalmente, algumas

atitudes médicas podem causar antipatia: o sujeito 13, em luta contra um câncer de cólon com

métastese no fígado, afirmou que argumentava muito com os médicos em relação a

procedimentos com os quais não concordava. De fato, por uma falha médica, ele acabou

sofrendo uma colostomia desnecessária. Conforme ele explica, os médicos não notaram que,

após a primeira cirurgia do câncer, a urina estava passando para o abdome, o que causou uma

peritonite, que levou à septicemia, que causou a anasarca que exigiu a colostomia. Desde que

foi ungido, ele já sobrevive ao câncer há quatro anos, mas carrega consigo a desagradável

sensação de que os médicos cometeram falhas que tornaram sua luta ainda mais difícil. Só

cinco respondentes (22%) não fizeram menção ao médico ou a sua equipe em momento

nenhum da entrevista. Ou seja, os respondentes não negam, nem poderiam negar, o papel de

protagonistas aos médicos que cuidaram dos sujeitos. No entanto, sobre o cuidador espiritual

incide uma luz muito mais benigna do que aquela que repousa sobre o médico.

5.2.4.12 A Dimensão HOSPITAL

A penúltima dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca

do papel do hospital no processo de cura dos sujeitos. A dimensão foi previamente

selecionada com base no índice “hospital”. O questionário da entrevista não continha

nenhuma palavra indutora que levasse os respondentes a mencionar o papel do hospital.

Contudo, na pré-análise, ficou evidente que esse tema recebeu destaque da parte dos

respondentes e, por isso, acabou incluído como dimensão de análise. Além disso, com a

inclusão do papel da igreja como décima dimensão, fez-se necessário, a título de comparação,

incluir também uma dimensão acerca da participação do hospital. A partir das menções a esse

papel no cuidado e cura dos sujeitos, foram nomeadas três categorias principais: “menção

negativa”; “espaço de pregação”; e “local de infecção”.

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101

Tabela 12 – Papel do Hospital

Dimensão 12: HOSPITAL

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Ambiente negativo 0 6 “acabou fugindo do

hospital” (6); “ela não

queria ir p/o hospital”

(14); “não quero voltar

p/o hospital” (14);

“faleceu no hospital”

(16); “cada vez que eu ia

p/o hospital, as crianças

ficavam naquela

incerteza se eu ia voltar”

(18).

Espaço de pregação 3 0 “ele começou a pregar

no hospital” (5); “e Deus

lhe falou: - Faça desta

cama de hospital o seu

púlpito” (8); “faça

acontecer alguma coisa

no hospital que não

ocorre durante todo este

tempo que eu estou

aqui” (12).

Local de infecção 1 1 “estava c/uma bactéria

hospitalar

multirresistente” (13).

“ela pegou infecção

hospitalar” (6).

Menção incidental 5 5 “fiquei uns três meses no

hospital” (2); “no

hospital, fizeram os

exames” (22); “nunca

mais voltou p/o

hospital” (22).

“eu recebi alta do

hospital” (7).

Sem menção 3 2 (3, 11 e 15). (1 e 9).

Compreensivelmente, quando mencionado, o hospital foi citado pelos respondentes,

em geral, num contexto negativo. Dois respondentes (9%) o mencionaram como um local onde

os sujeitos adquiriram algum tipo de infecção. Outras seis menções (27%) o consideraram um

ambiente negativo, expressando seu desejo de voltar para casa ou de não retornar ao hospital.

O respondente 6 relata, inclusive, que o irmão do sujeito 6 (uma senhora católica de 75 anos

de idade), que estava internado no mesmo hospital que a irmã, chegou a fugir de lá, depois

que esta faleceu por causa de um grave problema cardíaco. Cinco respondentes (22%) nunca

mencionaram a palavra “hospital” curante as entrevistas (1, 3, 9, 11 e 15). Dez menções (45%)

ocorreram de modo meramente incidental, referindo-se ao edifício, duração da internação ou

ocasião da alta hospitalar. As únicas três menções (13%) que podem ser consideradas como

tendo algum conteúdo relativamente positivo se referiram ao hospital como espaço de

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pregação. Esses três sujeitos sentiaram que fazia parte de sua recuperação o dever de pregar o

evangelho aos outros pacientes. Se compararmos os resultados da categoria hospital com os

da categoria igreja, percebemos que o número de respondentes que nunca mencionaram a

igreja (8, isto é, 36%) é comensurável ao dos que não mencionaram o hospital (5, isto é, 22%).

As sete menções incidentais à igreja (31%) são equiparáveis às dez menções incidentais ao

hospital (45%). Consta também exatamente o mesmo número de respondentes a mencionar

positivamente o papel da igreja e a se referir ao hospital como espaço de pregação (3, isto é,

13%). A grande diferença na forma como os respondentes mencionam um e outro vem da

categoria que resta. As seis menções restantes à igreja (27%) ocorrem em um contexto

relativamente neutro, no qual as pessoas simplesmente expressam seu desejo de se submeter

a sua autoridade, realizando o ritual da unção ou outro comportamento por ela prescrito. Ao

contrário disso, as oito menções restantes ao hospital (36%) não demonstram neutralidade,

mas o veem como um local de infecção, que, se possível, deve ser evitado. Obviamente as

pessoas ficam internadas no hospital e não na igreja. É naquele ambiente que elas travam a

derradeira batalha contra a morte. É ali que elas são espetadas, drogadas, cortadas e

submetidas a regimes pouco dignificantes. Ainda assim, emana das falas dos respondentes a

sensação de que eles entendem que o cuidador espiritual e a igreja estão com eles nessa

batalha, ajudando-os a recuperar um pouco da dignidade que a luta contra a morte lhes rouba.

É como se comportassem como prisioneiros de um exército inimigo, geralmente vestido de

branco; como se o hospital fosse o campo de concentração macabro onde esperam ser

lançados, a qualquer momento, na câmara de gás. A presença do cuidador espiritual e a

presença dos “irmãos”, seus correligionários, evocam a sensação de que o socorro está a

caminho, de que alguém se importa com o que vai ou pode acontecer.

5.2.4.13 A Dimensão FAMÍLIA

A última dimensão contempla a percepção que os respondentes relataram acerca do

papel da família no processo de cura dos sujeitos. A dimensão foi previamente selecionada

com base no índice “família”. O questionário da entrevista não continha nenhuma palavra

indutora que levasse os respondentes a mencionar o papel do hospital. Contudo, na pré-

análise, ficou evidente que esse tema recebeu destaque da parte dos respondentes e, por isso,

acabou incluído como dimensão de análise. Além disso, com a inclusão das dimensões

referentes ao papel da igreja e do hospital, fez-se necessário, a título de comparação, incluir

também uma dimensão acerca da participação da família. A partir das menções a esse papel

no cuidado e cura dos sujeitos, foram nomeadas três categorias principais: “envolvimento na

enfermidade”; “envolvimento na unção”; e “oração”.

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Tabela 13 – Papel da Família

Dimensão 13: FAMÍLIA

Categorias Frequência Exemplos de Fala Masc. Fem. Masc. Fem. Envolvimento na enfermidade

2 1 “Deus permitiu essa

doença na minha

família” (2); “a família

estava muito

preocupada” (13).

“vieram parabenizar a

família de tão bem que

estava” (10).

Envolvimento na unção 0 5 “foi importante a unção

para a nossa família

porque, assim, nós

estaríamos preparados

para as duas possíveis

situações, se ela

melhorasse ou se ela

falecesse; conseguimos

digerir melhor a

situação dela” (6); “foi a

família que pediu a

unção” (14); “a família

ficou hiper conformada”

(16); “p/família foi bom

pela reação que ela teve

na unção, pois quando

terminou a oração, ela

começou a cantar ‘Deus

é tão bom’, então a

gente ficou aliviado”

(17).

Oração 1 0 “oração que a família

está fazendo” (12).

Menção incidental 3 0 “avise amigos e

familiares que ele está

morrendo” (12).

Sem menção 6 5 (3, 4, 5, 8, 15 e 22). (1, 7, 9, 11 e 20).

Onze respondentes (50%) não fizeram nenhuma menção à família durante as

entrevistas. Três menções (13%) foram meramente incidentais como, por exemplo, o

comunicado aos familiares acerca da morte do sujeito 12. A categoria “envolvimento na

enfermidade” contou com três menções (13%). O sujeito 2 relatou que teve a sensação de que

a doença pertencia a toda a família e não apenas a ele mesmo. O respondente 10 contou que a

melhora do sujeito equivaleu a uma vitória da família. Um respondente (4%) mencionou

positivamente as orações que a família fazia em prol do sujeito, um motorista de 67 anos de

idade acometido pelo mal de Alzheimer. A categoria, porém, que mereceu mais menções foi

aquela que descreveu o envolvimento da família no rito da unção. Foram cinco menções

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104

(22%), que enalteceram o valor da unção como forma de conforto para a família e de melhora

na disposição dos sujeitos. Não houve nenhuma menção negativa à família nas 22 entrevistas

analisadas, o que sugere que a família ainda se mobiliza positivamente diante de um quadro

grave de enfermidade.

5.3 Conclusão

A análise de conteúdo aqui realizada aponta para as impressões dos respondendes

acerca do rito da unção. Antes de emitir suas opiniões sobre o tema, os respondentes não

tiveram a oportunidade de depurá-las e organizá-las num todo coeso e coerente. Isso não

invalida, todavia, sua contribuição, pois essa subjetividade integra, de modo geral, as intuições

dos religiosos em relação às crenças que entretêm. Por isso, Durkheim (2003, p. x-xi) faz a

seguinte declaração, endossada por Bourdieu (2011, p. 41):

As superstições populares estão mescladas aos dogmas mais refinados. Nem o pensamento, nem a atividade religiosa encontram-se igualmente distribuídos na massa de fiéis; conforme os homens, os meios, as circunstâncias, tanto as crenças como os ritos são experimentados de formas diferentes.

Não obstante, espera-se que o fato de que os respondentes pertenciam à mesma

denominação religiosa e residiam numa área geográfica limitada tenha contribuído para

atenuar as discrepâncias relativas à heterogeneidade de um corpus tão diverso, em que um

sujeito foi ungido por um problema dentário, outro porque tinha dengue, outro porque estava

com um traumatismo craniano resultante de um acidente e outro porque sofria de câncer

terminal.

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105

CAPÍTULO VI. SUCESSOS E FRACASSOS

Por trás de quase toda discussão acadêmica da unção paira a pergunta pragmática se

ela funciona ou não. De acordo com Wenger (2000, p. 204), “o modelo médico, com seus

avanços tecnológicos e sua linguagem de tratamento ‘bem-sucedido’ e ‘mal-sucedido’ pode

também tender a pôr o foco na questão da ‘confiabilidade’, o que funciona e o que não

funciona”. Em um estudo que contou com a participação de clérigos da igreja menonita, o

pesquisador descobriu que a resposta mais comum desses cuidadores espirituais para explicar

por que a unção pode não dar certo era que eles não se interessavam por essa questão.

Segundo eles, o maior fracasso ocorre quando o membro da igreja menonita opta por não

solicitar a unção. Ainda assim, as três outras principais explicações para o fracasso da unção

foram: falta de fé do participante, resistência em se entregar à vontade de Deus e amargura

por se encontrar numa situação terminal.

Do ponto de vista antropológico, Kleinman (1980) declara que a principal dificuldade

nos estudos interculturais da cura, muito em função da liminaridade observada entre

antropologia, medicina e psiquiatria, é justamente como avaliar o sucesso terapêutico. No

caso específico da medicina científica, seu objetivo é “remover totalmente a causa da doença”

(FINKLER, 1985, p. 117). Contudo, a própria Finkler fala de critérios mais subjetivos: a

satisfação do paciente, a remissão de alguns sintomas e uma melhora nos índices de

funcionalidade. Por essa razão, ela mesma avaliou sucesso como sendo uma percepção de

bem-estar e satisfação expressa, mesmo quando o tratamento ou rito não consegue remover

disfunções clínicas perceptíveis, pois, segundo ela, o que é mais importante não é a remoção

dos sintomas, mas a restruturação da percepção do paciente quanto a sua disfunção ou

condição (FINKLER, 1985, p. 120).

No caso de minha pesquisa sobre a unção, onze sujeitos (1, 2, 3, 4, 7, 11, 12, 13, 15, 18

e 22), exatamente a metade do corpus, continuam vivos. No entanto, de um ponto de vista

estritamente científico, dois deles (11 e 12) não podem ser considerados sucessos, uma vez

que se trata de pacientes com o mal de Alzheimer que nem conseguiram participar da

entrevista, as informações sendo obtidas de respondentes com parentesco próximo. Isso

reduziria o índice de sucesso para 40%. Além disso, é preciso considerar também que, em

cinco casos, esses sujeitos são justamente aqueles que não padeciam de enfermidades

necessariamente terminais ou de difícil tratamento: taquicardia (sujeito 1), infecção (sujeito 2),

problema odontológico (sujeito 3), dengue (sujeito 7) e cálculo renal (sujeito 15). Por essa

razão, fica difícil estimar se houve, de fato, uma alteração estatística na história natural

previsível dessas enfermidades, conforme definição de Pellegrino (1979, p. 256) e Finkler

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106

(1985, p. 117). Em realidade, em apenas quatro casos (sujeitos 4, 13, 18 e 22), a unção parece

ter contribuído para essa alteração. O sujeito 4, uma criança que sofreu um traumatismo

craniano que lhe ofereceu um grave risco de vida, teve sua história narrada pela própria mãe.

Os outros três sujeitos tinham câncer terminal: câncer no cólon com metástese no fígado

(sujeito 13), câncer no intestino (sujeito 18) e leucemia (sujeito 22). Trata-se de três histórias

que impressionam pela natureza longa da batalha travada contra a doença, com um número

elevado de tratamentos e procedimentos cirúrgicos. No caso do sujeito 22, o tratamento e a

unção ocorreram há 66 anos, quando a medicina tinha ainda dificuldades maiores para lidar

com a leucemia. Mesmo assim, não houve qualquer reincidência da doença e ele continua vivo

em bom estado de saúde. Sem querer insinuar que a sobrevivência desses pacientes se deveu

exclusiva ou principalmente à unção, em termos rigorosos poderíamos dizer que a unção

funcionou em 18% dos casos. Não se trata, portanto, de um dado estatístico muito animador...

Em sua pesquisa, Finkler (1985, p. 121) tinha estipulado que “fracasso” se referia a

indivíduos que buscaram cura no templo, mas relataram que não foram curados; “sucesso” se

referia a pacientes que haviam seguido o tratamento do templo e relatado, no momento da

entrevista, que tinham se recuperado dos sintomas em razão dos quais haviam procurado o

templo; e, finalmente, “inconclusivo” se referia a pacientes que relataram cura, mas que

haviam também seguido algum tipo de tratamento da medicina convencional. Contudo, esses

critérios são excessivamente objetivos e rigorosos, pois ignoram importantes aspectos

sociológicos e antropológicos relacionados com a cura religiosa. Embora os respondentes

desta pesquisa sobre unção sejam, em geral, capazes de relatar os sintomas que os sujeitos

tinham e de avaliar sua melhora, conforme sugerido pelas Tabelas 2 e 3, a limitação da

conclusão a esses dados é insatisfatória, pois o rito da unção engloba muito mais do que a

melhora de uma dificuldade física, incluindo, além disso, a sensação de bem-estar por parte do

sujeito e sua negociação do papel de doente.

De acordo com Penn-Strah (2002, p. 97), “a conexão com o passado pode também

conceder poder aos participantes de modo a que construam novos futuros que se estribam no

senso de tradição. A eficácia da cura ritual, como tal, pode ir, portanto, além da pergunta: -

Este rito cura, de fato?” Desta forma, o fato de um sujeito ter buscado auxílio da medicina

convencional não invalida a importância de sua participação no rito da unção. Pelo contrário,

isso garante que o sujeito sofria de desconforto real e estava disposto a recorrer a todos os

meios necessários para recuperar seu bem-estar integral. A dificildade para avaliar isso não

impede que consideremos que a unção colabora com a medicina convencional para auxiliar, de

diversas formas, a recuperação do paciente ou sua preparação para a morte, aliviando, em

sentidos além da possibilidade dos tratamentos convencionais, seu sofrimento, medo,

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107

angústia e sentimento de negação.36 Kübler-Ross (2005, p. 43) fala de um aspecto positivo da

negação, pois ela serve como um “pára-choques” depois da notícia inesperada. Nesse sentido,

a negação é uma espécie de mecanismo temporário de defesa. Entretanto, a fuga temporária

da realidade é positiva, mas a pessoa não deve permanecer em uma fantasia, pois isso lhe será

prejudicial. A unção a ajuda, nesse caso, a transcender, então, a negação de forma construtiva

para levá-la à aceitação da morte, o que Leloup (2001, p. 56) chama de ressurreição antes da

morte. Segundo Martins e Martini (2002, p. 73),

instigados pela realidade da doença, da dor, do sofrimento e da morte, os homens, em contextos culturais vários, elaboram profundas reflexões sobre a condição humana expressas em chave mitológica, filosófica, antropológica, sociológica e teológica. Nesse sentido, são acionados o desejo e a leitura da realidade, a emoção e a razão, a constatação do que é que poderia ou deveria ser nosso existir, [...] são descortinadas possibilidades menos sofridas para a vida humana.

De fato, apenas o respondente 12, 4% da amostra, considerou que a unção fracassou, não

trazendo nenhum benefício ao sujeito, um motorista de 67 anos de idade, acometido pelo mal

de Alzheimer. Todos os outros 21 respondentes (96%) relataram algum tipo de benefício físico,

espiritual, social ou emocional, quer para o participante do rito, quer para a família do mesmo.

Sociologicamente, a pesquisa mostra que outra dimensão de sucesso da unção advém

de sua contribuição para que o sujeito negocie seu papel de doente. A Tabela 3 mostra que

vários respondentes observaram que houve uma diminuição considerável nas queixas de dor e

uma melhora proporcional na disposição dos sujeitos. Isto não significa que, necessariamente,

as dores tenham diminuído, mas que os sujeitos, a partir da unção, se tornaram menos

propensos às queixas e menos desanimados em função de sua condição.

Fenomenologicamente, pode-se dizer que se consideravam em melhor estado e, portanto, se

comportavam de modo compatível com essa nova avaliação.

Em sentido amplo, então, 21 dos 22 participantes (96%) atribuíram algum benefício à

unção, o que sugere, portanto, que, em sua avaliação, a unção funciona. No âmbito da

enfermidade, especialmente na desesperadora situação de uma doença grave ou terminal,

nenhum esforço deve ser poupado a fim de prover alívio e conforto para os pacientes e seus

36

De acordo com Stüewer e Baade (2016, p. 136), “o filósofo Jacques Choron distinguiu três tipos de medo em relação à morte relacionados com os seguintes temas: a) o que vem depois da morte, b) o ‘evento’ do morrer, e c) ‘deixar de ser’. Uma pessoa pode ter todos esses medos e não apenas um deles [...]. Frente ao evento do morrer, os pacientes terminais temem ter uma morte dolorosa e em serem uma carga para outras pessoas. Em relação ao que vem depois da morte, [...] as pessoas que sabem que vão morrer em breve mostram a preocupação pelos seus entes queridos, em como eles viverão após a sua morte. Já em relação ao medo do “deixar de ser”, os pacientes terminais temem a possibilidade de serem separados dos seus familiares.

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familiares. Esta pesquisa demonstrou que a unção proporciona certo nível de alívio e conforto

a essas pessoas, sendo relativamente fácil de realizar e de baixo custo. Por conseguinte, a

adoção da unção como forma alternativa e complementar de terapia é um procedimento de

natureza humanitária que deve ser permitido e incentivado pelas instituições de saúde quando

solicitado ou cogitado pelas famílias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perguntou-se, na introdução, entre outras coisas: que fatores contribuem para a

percepção de cura após a unção? Qual é o impacto psicossomático e social da unção? Que

fatores levam um indivíduo a abrir mão do papel de “doente”? Que relações existem entre

crença religiosa, comportamento e saúde? Quais seriam os critérios determinantes para a

obtenção de um resultado considerado satisfatório por aqueles envolvidos no ritual?

De modo geral, os respondentes reconheceram que a compreensão religiosa do

sofrimento desempenhou um papel importante na reflexão da maioria dos sujeitos e em sua

decisão de aceitar sua condição terminal, alterar o estilo de vida ou buscar uma melhora,

senão a cura. Isso confirma que

A experiência da dor, como lei da existência, pode assim ser considerada como fator estimulante para que o ser humano transcenda aos eventos próprios de sua condição. [...] Resulta dessa compreensão que à dor corpórea provocada pela doença soma-se o sofrimento que advém do sentimento de culpa. Em tais avaliações pautadas por uma justiça retributiva, em última instância, o ser humano é o responsável maior pelos males que o afligem. Restam-lhe duas atitudes: aceitar passivamente a doença tida como merecida ou procurar, em caso de cura, pautar a vida pelos critérios dados por Deus (MARTINS; MARTINI, 2012, p. 63 e 66).

Sendo assim, a primeira e a segunda dessas perguntas podem ser respondidas com uma

explicação análoga à de Lévi-Strauss (2003, p. 211) com referência ao xamanismo:

Graças às suas desordens complementares, o par feiticeiro-doente encarna para o grupo, de modo concreto e vigoroso, um antagonismo próprio a todo pensamento, mas cuja expressão normal permanece vaga e imprecisa: o doente é passividade, alienação de si mesmo, como o informulável é a doença do pensamento; o feiticeiro é atividade, extravasamento de si mesmo, como a afetividade é a nutriz dos símbolos. A cura põe em relação esses polos opostos, assegura a passagem de um a outro, e manifesta, numa experiência total, a coerência do universo psíquico, ele próprio projeção do universo social.

37

A recomendação de Bourdieu (2015, p. 161) é que não se deve buscar “o princípio da eficácia

da operação ritual” no próprio ritual, “mas nas condições sociais que produzem a fé no ritual”.

Nesse contexto, a explicação de Lévi-Strauss (2003, p. 228) para o processo de cura é bastante

satisfatória e, grosso modo, pode se aplicar à cura religiosa observada no rito da unção

adventista:

37

É preciso lembrar, aqui, que, para Lévi-Strauss, “o psíquico é ao mesmo tempo elemento de significação para um simbolismo que o ultrapassa e único meio de verificação de uma realidade cujos múltiplos aspectos só podem ser captados sob forma de síntese fora dele” (MICELI, 2011, p. xxiii).

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A cura consistiria, pois, em tornar pensável uma situação dada inicialmente em termos afetivos, e aceitáveis para o espírito as dores que o corpo se recusa tolerar. Que a mitologia do xamã não corresponda a uma realidade objetiva, não tem importância; a doente acredita nela, e ela é membro de uma sociedade que acredita. Os espíritos protetores e os espíritos malfazejos, os monstros sobrenaturais e os animais mágicos fazem parte de um sistema coerente que fundamenta a concepção indígena do universo. A doente os aceita, ou, mais exatamente, ela não os pôs jamais em dúvida. O que ela não aceita são dores incoerentes e arbitrárias, que constituem um elemento estranho a seu sistema, mas que, por apelo ao mito, o xamã vai reintegrar num conjunto onde todos os elementos se apóiam mutuamente [...]. Mas a doente, tendo compreendido, não se resigna apenas; ela sara. E nada disto se produz em nossos doentes, quando se lhes explica a causa de suas desordens, invocando secreções, micróbios ou vírus. Acusar-se-nos-á talvez de paradoxo, se responderemos que a razão disto é que os micróbios existem e que os monstros não existem. E não obstante, a relação ente micróbios e doença é exterior ao espírito do paciente, é uma relação de causa e efeito; ao passo que a relação entre monstro e doença é interior a esse mesmo espírito, consciente ou inconsciente; é uma relação de símbolo à coisa simbolizada, ou, para empregar o vocabulário dos linguistas, de significante a significado.

Assim, os adventistas que se submeteram ao rito da unção creem no rito e fazem parte de uma

sociedade que também crê nele. Não deveria nos surpreender, então, que, algumas vezes, em

vez de se resignar à morte, eles tenham sarado da enfermidade e retomado a vida. Em muitos

sentidos, sua necessidade era lidar com aspectos psicossomáticos. Encontrando apoio para

fazê-lo, eles conseguiram, em alguns casos, driblar mesmo impedimentos de ordem física. Os

milagres aconteceram.

Que fatores, então, levam um indivíduo a abrir mão do papel de “doente”? A resposta

a essa pergunta diz respeito ao que se convencionou chamar de “fala performativa”, cuja

definição clássica se encontra em Austin (1981): linguagem em que a simples enunciação de

um fato cria aquele fato.38 É o que acontece, por exemplo, no ritual do casamento, quando o

oficiante afirma: - Eu os declaro marido e mulher. Penn-Strah (2002, p. 79) se refere ao

interesse religioso na fala performativa, justamente pelo papel importante que ela

desempenha nos rituais. No batismo, o oficiante declara: - Eu o batizo em nome do Pai, do

Filho e do Espírito Santo. Algo que reforça a crença e ajuda na credibilidade associada ao rito é

a realização de alguma ação que acompanhe a fala performativa. Para Bourdieu (2015, p. 162),

“o poder das palavras não reside nas próprias palavras, mas nas condições que dão poder às

palavras criando a crença coletiva, ou seja, o desconhecimento coletivo do arbitrário da criação

de valor que se consuma através de determinado uso das palavras”.39 No caso do batismo, por

38

O locus classicus para o estudo da aplicação da teoria performativa ao ritual é Tambiah (1979, p. 113-169). 39

Para von Humboldt (apud BOURDIEU, 2011, p. 27), a “linguagem desenha um círculo mágico em torno do povo a que pertence, um círculo de que não se pode sair sem saltar para dentro de outro”.

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exemplo, Penn-Strah (2002, p. 82) afirma que não é suficiente fazer o pronunciamento

batismal. É também necessário fazer a aspersão da água ou a imersão daquele que se submete

ao rito. Igualmente, na unção, não é suficiente orar para que o doente sare ou mesmo declarar

que o poder de Deus o cura. É preciso, além disso, de uma ação simbólica que acompanhe a

fala performativa: o ato de ungir a fronte com azeite.

De acordo com Penn-Strah (2002, p. 82),

Talvez as ações corporificadas que acompanham essas falas que são atos contribuam para a eficácia da fala performativa ao distrair os participantes do fato de que a agência da ação é derivada.

40 Aqueles que participam da cura

ritual nessas igrejas recebem bênçãos verbais; eles também são ungidos e recebem a imposição de mãos. Agimos na cura ritual como se não apenas o que dizemos produzisse resultados, mas, além disso, como se o que fazemos também os produzisse. Corajosamente avançando com o rito mesmo em face do sofrimento, agimos como se nossa performance fizesse a diferença. Também agimos como se todos os presentes se importassem com a cura. Nossas ações têm sua própria força [...]. Quando uma pastora abençoa uma pessoa, a eficácia da bênção depende parcialmente da aceitação de sua autoridade pelos participantes. Não obstante, a força de agir como se a ação produzisse resultados é bastante poderosa, e há casos em que “o fazer” parece transcender a fragilidade do agente humano [...]. A ritualização comunica de forma expressiva. Do mesmo modo que a fala performativa produz resultados, as ações ritualizadas de ungir e impor as mãos provêm um contexto que coloca sua realização em consonância com a pressuposição de que elas produzem aquilo que realizam.

Os antropólogos também já chegaram a uma compreensão semelhante dos processos

envolvidos nos rituais de cura. Por meio do conceito de “predicação metafórica”, Fernandez

(1977, p. 100-131) fala que a realização de rituais oferece um movimento estratégico em uma

localidade social autopercebida por meio de metáforas aplicadas a si mesmo. Para Penn-Strah 40

Entenda-se, aqui, por corporificação a referência que a autora faz às experiências, sensações, posturas, gestos, movimentos e emoções dos participantes em rituais (PENN-STRAH, 2002, p. 89). A autora dá como exemplo dessa corporificação um fato que ocorreu após oficiar o funeral de Judith, uma de suas melhores amigas. O marido da amiga pediu-lhe que fosse até o quarto do casal e escolhesse lembranças que pudesse guardar como souvenir. A autora escolheu uma joia e uma jaqueta preta. Ao chegar em casa, na privacidade de seu quarto, experimentou a jaqueta. Ao fazer isso, colocou as mãos nos bolsos exatamente como a amiga fazia quando queria dizer que estava pronta para enfrentar o mundo. Segundo ela, isso a ajudou a lidar com o sentimento de perda: “com a jaqueta preta de Judith, eu ritualizei a minha perda dela e quem ela tinha sido para mim. Eu me lembrei dela com o próprio corpo [...]. Por vários meses após sua morte, eu pegava a jaqueta preta, vestia-a e ensaiava ser Judith. Pouco a pouco, eu a corporifiquei mais. A natureza determinada de Judith se tornou parte de meu caráter de modo que eu a podia evocar quando eu precisava. Eu ritualizei a minha perda publicamente durante o funeral; porém, em particular, eu não ritualizei apenas a minha lembrança dela, mas me apropriei de partes dela. Cada vez que eu vestia aquela jaqueta era como se eu vestisse a Judith” (PENN-STRAH, 2002, p. 91). Menciono esse episódio porque eu mesma vivenciei algo semelhante quando, por coincidência, depois de oficiar a cerimônia fúnebre de minha mãe, que faleceu de câncer em 2000, também passei pela experiência de escolher uma peça de vestuário e outras lembranças dela. Posso atestar, por isso, que esse tipo de corporificação tem enorme peso quando associado a algum tipo de ritual.

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112

(2002, p. 85), quando os participantes de um ritual de unção que está sendo realizado numa

igreja

andam até a frente do santuário a fim de participar do rito, eles demonstram e comunicam algo para aqueles que estão com eles (e, segundo eles, para Deus também). Eles dizem que revelam sua “vulnerabilidade”, seu “quebrantamento”, sua “humildade” e sua “necessidade”. Referir-se às ações realizadas como comunicação é compreendê-las, então, como espelhamento ou dramatização de algo.

Por isso, Fernandez (1977), que se interessa muito pelas ações da pessoa que se submete ao

ritual, percebe que um ritual de cura se transforma em um veículo capaz de conceder certa

quantidade de poder ao que dele participa. Por isso mesmo, deve-se compreender que

aqueles que participam de rituais não são apenas atores que seguem scripts; eles não meramente dramatizam ideias preconcebidas; eles não são simplesmente os receptáculos passivos da comunicação. Eles são agentes que se engajam plenamente na criação, negociação e apropriação de significado, experimentando e sentindo o que praticam [...]. A prática não apenas retrata uma ideia gerada previamente. Ela cria algo novo. A prática atende ao fato de que os participantes, como agentes, ajudam a gerar o que acontece (PENN-STRAH, 2002, p. 88-89).

41

Por outro lado, é preciso lembrar, com Laplantine (2004, p. 219), que, pelo menos no caso das

medicinas populares (folk),

a ideia de que o paciente aí seria “responsável” está totalmente ausente das práticas em questão, que são, pelo contrário, fundamentadas em uma dependência total do “paciente” em relação à pessoa que cura, a qual com frequência declara ao final de uma consulta: “não se preocupe com nada, tenha confiança em mim”. Vamos mesmo mais longe e afirmamos que esses recursos terapêuticos são tanto mais eficientes quanto o doente aceita receber do exterior um conteúdo cultural ao qual adere sem restrição.

Ou seja, quer estejamos falando do xamanismo, da medicina popular (e, por que não, também

da convencional?) ou do rito religioso da unção, é preciso considerar, de fato, um nível elevado

de integração ritual, instrumental para o sucesso do processo de cura. O participante tem que

“comprar” a ideia de que pode ser curado.42 Ele tem que aderir. E o ritual religioso tem a

41

Penn-Strah (2002) chega a essa conclusão com base em sua pesquisa de doutorado, nos estudos de Bell (1992) e na pesquisa de Csordas (1990, p. 5-47) sobre o movimento carismático católico. 42

Para Bourdieu (2011, p. 55), contudo, “isto não significa apenas que aquele que pede para que acreditem em sua palavra deve fazer a mímica de acreditar em sua palavra, ou então, que aquele que faz questão de impor a fé por seus discursos deve manifestar em seu discurso ou em sua conduta a fé que tem em seu discurso [...]. O princípio da relação entre o interesse, a crença e o poder simbólico, deve ser buscado no que Lévi-Strauss denomina ‘o complexo xamanista’, isto é, na dialética da

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vantagem de facilitar essa adesão. Na cosmovisão adventista, o rito da unção coloca “à

disposição” do participante os poderes de um Deus onipotente, compassivo e desejoso de

ajudá-lo.

Que relações existem entre crença religiosa, comportamento e saúde? À luz desta

pesquisa sobre a unção, a pergunta faz mais sentido se sofrer uma pequena alteração: que

relações existem entre crença religiosa, comportamento e cura? O sujeito 2 foi o único

respondente que mencionou essa relação de forma explícita. Segundo ele, a unção e o

restabelecimento à saúde foram acompanhados de uma profunda mudança de

comportamento: por orientação e insistência da mãe, ele se tornou vegetariano. Sem as

experiências de adoecimento, unção e cura, talvez lhe faltasse motivação para adotar um

estilo mais saudável de vida; diante do rito, porém, essa motivação lhe surgiu. Com frequência,

um paciente retorna de um exame médico com a recomendação expressa de que, para

sobreviver, precisa fazer profundas mudanças em seu estilo de vida. Alguns conseguem;

outros, não. Esta pesquisa sugere que o rito vira um elemento adicional que concede poder ao

paciente para realizar essa transição. Ou seja, as relações entre crença, comportamento e cura

são estreitas e, em muitos casos, poderosas. Para Bourdieu (2015, p. 165), porém, “a alquimia

social só obtém pleno sucesso porque a verdade do sistema escapa àqueles que participam de

seu funcionamento, portanto, da produção da energia social mobilizada pela enunciação

performativa”.43 Isso sugere, por exemplo, que o rito da unção pode, em certos sentidos,

trazer menos benefícios para um profissional de saúde ou clérigo que esteja em luta contra o

câncer, do que para uma pessoa que não esteja familiarizada, como no caso do primeiro, com

os processos de tratamento convencional ou, como no caso do segundo, com as

funcionalidades da religião. No caso desta pesquisa, três clérigos e um profissional da saúde

receberam a unção. Dois dos três clérigos se recuperaram de um câncer com metástese e

leucemia, continuando vivos até a presente data, enquanto que o outro faleceu de um câncer

bastante agressivo. O único profissional de saúde a integrar a amostra desta pesquisa é uma

enfermeira nonagenária, que sobrevive até a presente data, mas que não conseguiu deter o

avanço do mal de Alzheimer. O que Bourdieu parece sugerir com sua ideia de “verdade do

sistema” talvez possa ser interpretado, no contexto da unção e “da produção da energia social

mobilizada pela enunciação performativa” é que saber detalhadamente como uma

experiência íntima e da imagem social, circulação quase mágica de poderes no curso do qual o grupo produz e projeta o poder simbólico que será exercido sobre ele”. 43

Entre Lévi-Strauss e Bourdieu há, todavia, uma clara distinção entre a forma de apreensão da “verdade objetivada dos sujeitos” e da “relação vivida que os sujeitos mantêm com sua verdade objetivada”: para o primeiro, “tem-se o inconsciente como campo de conciliação entre o eu e o outro”; para o segundo, “tem-se o princípio de não-consciência segundo o qual ‘existem relações exteriores, necessárias, independentes das vontades individuais e conscientes’” (MICELI, 2011, p. xxiv).

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enfermidade terminal evolui pode produzir desânimo e prostração, o que acaba acelerando a

própria progressão da enfermidade. É muito mais fácil subir, pouco a pouco, a montanha

quando não sabemos exatamente a quantidade de esforço que isso vai requerer.

A ideia de “verdade do sistema” não implica, porém, que a operação da fé seja algo

objetivo e mecânico. No epílogo de seu livro, Robert Baker, professor de ciências que foi

curado após ser ungido, faz a seguinte declaração:

Meu respeito pela ciência, meu envolvimento nela, minha aceitação dos métodos que ela representa, me ajudam a entender a relutância de pessoas altamente treinadas em admitir a possibilidade de uma cura divina. Estou convencido, entretanto, que, na cura divina, temos algo diferente, algo autêntico, que vai além de E = mc

2 (BAKER, 1974,

p. 15-16).

Sem querer especular demasiadamente quanto ao significado da expressão “algo que vai além

de E = mc2”, pode-se lembrar que a pesquisa de Finkler (1985, p. 196) constatou algo que

minha própria pesquisa sobre unção revela: os pacientes geralmente buscam formas

alternativas de cura porque os médicos prescindem, muitas vezes, de elementos valorizados

por eles: compaixão, compreensão e, quando secamente reconhecem a natureza terminal da

doença, foco na cura. Pode-se dizer, conclusivamente, que os enfermos tendem a receber

esses três benefícios, de forma muito mais espontânea, dos cuidadores espirituais. Quando

isso acontece em conjunto com sua capacidade de responder aos símbolos religiosos, os

pacientes se sentem muito mais seguros com relação à forma como lidam com a enfermidade.

Quais seriam os critérios determinantes para a obtenção de um resultado considerado

satisfatório por aqueles envolvidos no ritual? O tratamento médico convencional pertence à

dimensão da regulação técnica, enquanto que a unção pertence à dimensão da regulação

simbólica. Conforme afirma Finkler (1985, p. 196-197), os cuidadores espirituais conseguem

ministrar aos pacientes com dor crônica em formas que a biomedicina não consegue alcançar

porque, ao contrário daqueles, lhe faltam “símbolos emocionalmente carregados que derivam

da experiência coletiva de quem sofre”. Os símbolos conseguem, de fato, atenuar, senão

eliminar, a dor psicológica e bioquímica de quem sofre e fazem com que sua vida se torne mais

tolerável no contexto da cultura, “que só existe efetivamente sob a forma de símbolos, de

onde provém sua eficácia própria” (MICELI, 2011, p. xiii).

Obviamente nem sempre o rito funciona. No caso da cura religiosa, por exemplo, os

resultados podem ser até catastróficos, conforme demonstra Grimes (1990, p. 191-209). Isso

ocorre especialmente quando o participante detecta algum tipo de insinceridade ou

indignidade da parte do oficiante. Segundo Penn-Strah (2002, p. 82), “algumas pessoas que se

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voluntariam para a unção prestam bastante atenção no agente enquanto este realiza o ritual.

Essas pessoas querem crer que as ações realizadas por aqueles que as ungem se originam de

sentimentos genuinamente positivos em relação a elas”. Nas entrevistas desta pesquisa,

nenhum respondente atribuiu um maior ou menor sucesso do rito ao cuidador especial que o

oficiou. No entanto, pesquisas sobre a regulação simbólica sugerem que aspectos

extraordinários presentes na personalidade do produtor do símbolo operam em níveis

importantes. Segundo Bourdieu (2015, p. 154), por exemplo,

o poder mágico do criador é o capital de autoridade associado a uma posição que não poderá agir se não for mobilizado por uma pessoa autorizada, ou melhor ainda, se não for identificado com uma pessoa e seu carisma, além de ser garantido por sua assinatura.

Isso é obviamente verdadeiro em relação à atuação de João de Deus nas circunstâncias da

Casa Dom Inácio de Loyola, mas não menos verdadeiro com respeito aos cuidadores espirituais

que o representam e, no caso desta pesquisa sobre unção, em relação aos oficiantes do rito.

No entanto, isso vai muito além da questão do carisma de certas pessoas, os criadores de

poder simbólico.44 Para Bourdieu (2015, p. 155), o criador de poder simbólico

limita-se a mobilizar, em graus e por estratégias diferentes, a energia da transmutação simbólica (isto é, a autoridade ou a legitimidade específica) que é imanente à totalidade do campo porque este a produz e a reproduz por meio de sua própria estrutura e de seu próprio funcionamento.

Nesse sentido, pode-se falar, com Bourdieu (2015, p. 157-156), de uma alquimia simbólica,

que favorece ao que chama de “ilusão carismática”, isto é, no caso da unção, a crença em que

o cuidador espiritual consegue realizar a ação que alega ser capaz de efetivar.

Além disso, como afirmam Martins e Martini (2012, p. 73), a pessoa humana não é

“redutível à matéria estritamente biológica”,

sendo constituinte do humano a dinâmica integrada de dimensões corpóreas, psíquicas, espirituais, sociais, cósmicas, ultrapassando limites da radicalidade empírica, abrindo horizontes onde imanência e transcendência se conjugam. Sem negar a dor e seu mistério, as religiões recusam-se à inércia; pelo contrário, oferecem possibilidades de experiências menos traumáticas e até mesmo curativas.

44

Bourdieu (2011, p. 55) define “carisma” como sendo o “poder simbólico” (“as propriedades simbólicas” ou “a eficácia simbólica”) que confere aos agentes religiosos “o fato de acreditarem no próprio poder simbólico”. Bourdieu (2016, p. 193) define, também, o que é “poder simbólico”: “o poder simbólico é um poder que existe porque aquele que lhe está sujeito crê que ele existe”.

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Sendo assim, conclui-se, com Finkler (1985, p. 195), que, principalmente no caso de

doenças terminais, a unção pode servir de complemento aos tratamentos convencionais.

Pode-se propor, portanto, que, para benefício dos pacientes e seus familiares, bem como para

auxílio aos profissionais da saúde, a prática seja institucionalizada. Para isso, é necessário que

médicos e enfermeiras sejam devidamente instruídos quanto à natureza cultural da saúde e da

doença. No modelo ideal, médicos e enfermeiros reconheceriam as limitações da medicina

convencional e, em certos casos, recomendariam que o paciente experimentasse a unção

realizada, de preferência, fora das dependências do hospital e, portanto, além do guarda-

chuva da biomedicina. Note-se que, em nenhuma das vinte e duas entrevistas realizadas por

esta pesquisadora durante esta investigação, a recomendação da unção partiu de um

profissional da saúde como tal.

Para Bourdieu (2011, p. 49), “as teodiceias são sempre sociodiceias”. Isso significa,

para ele, que a religião cumpre funções sociais e é passível de análise sociológica porque “os

leigos não esperam da religião apenas justificações de existir capazes de livrá-los da angústia

existencial da contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da

morte” (BOURDIEU, 2011, p. 48). Eles desejam também que ela lhes forneça “justificações de

existir em uma posição social determinada”. A análise sociológica e antropológica da unção

entre os adventistas do sétimo dia constitui, porém, uma instância em que a segunda

preocupação mencionada por Bourdieu parece fortemente enfraquecida pela primeira. Nesse

contexto, cabe a declaração de Peirano (2000, p. 11) de que, “como sistemas culturalmente

construídos de comunicação simbólica, os ritos deixam de ser apenas a ação que corresponde

a (ou deriva de) um sistema de ideias, resultando que eles se tornam bons para pensar e bons

para agir”. Isto é, eles se tornam socialmente eficazes. À guisa de fechamento destas

considerações finais, faço uso da declaração de Miceli (2011, p. xxvi), referindo-se à

compreensão de Bourdieu sobre os sistemas simbólicos: “um determinado sistema simbólico é

sociologicamente necessário porque deriva sua existência das condições sociais de que é o

produto, e sua inteligibilidade da coerência e das funções da estrutura das relações

significantes que o constituem”. Mas, concomitantemente com isso, tal sistema simbólico

pode justamente prover alívio para a “angústia existencial da contingência e da solidão, da

miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da morte”. Correndo a temeridade de apenas

reiterar o óbvio, arrisco-me a dizer, portanto, que o rito da unção é sociologicamente eficaz e

antropologicamente justificável.

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123

ANEXO 1

Figura 1 Distribuição Global de Perda de ADIAs

(Adaptada do Relatório do Banco Mundial 1993)

8,1

9,5

9

5,8

4,4

3,2

2,6

34

23,3

Percentual de ADIAs Perdidos

Problemas Mentais

Maternal e Perinatal

Problemas Respiratórios

Câncer

Problemas do coração

Problemas do cérebro

Malária

Problemas comportamentais

Outros problemas

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124

ANEXO 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a) Sr/Srª

Convido o(a) Sr(a) para participar como voluntário(a) na pesquisa que tem o título de “O RITO

DA UNÇÃO: SUCESSOS E FRACASSOS EM UMA MODALIDADE DE CURA RELIGIOSA NA IASD”, que tem

como objetivo geral analisar a prática da unção de enfermos pela Igreja Adventista do Sétimo Dia como

desencadeadora de cura religiosa, prestando atenção especial aos casos em que a medicina

convencional considerou como terminais. No caso de aceitar fazer parte desta pesquisa, sua

participação consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob a forma de um questionário

semiestruturado, com um cabeçalho e treze perguntas abertas.

A sua opinião será importante para que a pesquisadora tenha uma melhor compreensão da

percepção que um indivíduo desenvolve acerca de seu estado de saúde e como esta molda suas

atitudes para com o mesmo. Até onde podemos avaliar, não haverá riscos relacionados a sua

participação, pois esforços serão feitos para garantir o anonimato dos participantes, cujos nomes não

serão, em hipótese alguma, mencionados.

O(a) Sr(a) terá liberdade para pedir esclarecimentos sobre qualquer questão, bem como para

desistir de participar da pesquisa a qualquer momento que desejar, mesmo depois de ter respondido às

questões, e não será, por isso, penalizado de nenhuma forma. Caso desista, basta avisar ao pesquisador

e todas as respostas e informações dadas pelo Sr(a) serão destruídas. Além disso, sua participação na

pesquisa não lhe acarretará nenhum custo financeiro. Pelo contrário, a pesquisadora se dispõe a

indenizá-lo(a) caso este termo de compromisso seja, de alguma forma, descumprido.

Informo que o resultado deste estudo poderá servir para contribuir com futuras pesquisas por

parte de estudantes e pesquisadores da área.

Como responsável por este estudo comprometo-me a manter sigilo de todos os seus dados

pessoais.

Pesquisadora Responsável: Tania Maria Lopes Torres

Telefones para contato: (+5519) 3858 1063 / 98155-5009

Caso deseje, você pode ainda entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, sito à Rua Ministro

Godói, 969 – Sala 63-C (Andar Térreo do E.R.B.M.) - Perdizes - São Paulo/SP - 05015- 001 Fone (Fax): (11) 3670-8466

– e-mail: [email protected].

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ao aceitar responder a esta pesquisa, declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE

CONSENTIMENTO e que estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei

desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer penalidade.

Data: ______/______/___________

ASSINATURA ou RUBRICA

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ANEXO 3

ENTREVISTA SOBRE A REALIZAÇÃO DO RITUAL DA UNÇÃO

Cabeçalho

Data: ______________ Horário: ___________________ Local: __________________________

Nome da pessoa que foi ungida: __________________________________________________

Idade: __________ Gênero: ___________ Estado Civil: ______________ No. de Filhos: ____

Ocupação: _____________________ Religião: _______________ Doença: ______________

Nome do familiar: _____________________________________________________________

Idade: __________ Gênero: ___________ Estado Civil: ______________ No. de Filhos: ____

Ocupação: _____________________ Religião: _______________ Parentesco: ___________

Perguntas sobre a unção (na perspectiva de quem foi ungido):

1. Por que foi ungido(a)?

2. Quando foi ungido(a)?

3. Como foi ungido(a)?

4. Que sintomas tinha?

5. Quanto tempo durou aproximadamente o ritual?

6. O que aconteceu depois da unção?

7. Caso isso tenha ocorrido, que sintomas foram aliviados?

8. Quando sentiu que tinha melhorado e/ou piorado?

9. Como avalia o resultado da unção?

10. Fale sobre a importância da unção.

11. Como percebe ou percebia a participação do diabo no processo de enfermidade?

12. Como descreve ou descreveria a participação de Deus no processo de cura?

13. Por que acha que a unção funcionou ou não?

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ANEXO 4

FASES DA PRÉ-ANÁLISE

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