o retorno do pequeno rpíncipe

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1 O Retorno do Pequeno Príncipe Natan Sued.

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Livro continuação de O Pequeno Príncipe, porém escrito por outro autor.

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O Retorno

do Pequeno Príncipe

Natan Sued.

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PRIMEIRA PARTE.

Capítulo 1.

Tanya Sued e Natanael Cohen estavam a beira de um divórcio quando resolveram buscar através de um filho a reconciliação.

Quando o menino nasceu, passaram a discutir sobre qual nome lhe dar. Tânia que era professora de ciências e amava a filosofia, queria que o menino se chamasse Aristóteles ao passo que Natanael, que era teólogo, mas amava de igual maneira a filosofia, queria que o filho se chamasse Platão.

Por fim chegaram a um consenso. Doariam cada qual três letras de seus nomes, para que se formasse o nome da criança.

Surgiu uma nova discussão, pois Tânia queria que o menino se chamasse TANAT, ao passo que Natanael queria dar-lhe o nome de NATAN.

No sentido dos nomes estava a gravidade dos embates travados pelo casal, pois enquanto TANAT, raiz de TANATOS significava Morte em grego, NATAN significava no hebraico: Presente de Deus.

Tânia aceitou por fim, que o menino se chamasse Natan, contanto que o sobrenome fosse o seu.

Foi assim que eu, o filho da reconciliação, recebi o nome de Natan Sued.

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Capítulo 2.

Morávamos numa casa em forma de pirâmide com linda vista para o mar edificada sobre o Morro da Divisa entre Santos e São Vicente, litoral de São Paulo.

Mamãe que nascera em Santos, era professora de ciências numa Escola de São Vicente, ao passo que papai, nascido em São Vicente, era mestre de teologia numa Universidade em Santos.

Os conflitos irromperam quando papai, no esforço em doutrinar mamãe, afirmou ser a teologia superior à ciência. Isto pelo fato da teologia se ocupar das coisas espirituais, e a ciência das coisas materiais.

Mamãe que era uma profunda conhecedora da Física Quântica, não concordou. Surgiu então a contenda que por pouco os teria levado ao divórcio.

Eu tinha dois aninhos quando fui submetido a uma difícil prova.

Era uma noite fria e chuvosa, estando eu deitado entre meus pais em sua cama de casal, sob um cobertor bem quentinho. Papai que por causa de sua teologia se julgava superior a mamãe, pediu que eu desse um beliscãozinho em quem eu gostava mais.

Belisquei os dois ao mesmo tempo.

Enquanto papai, todo cheio de alegria se exaltava afirmando que era dele que eu gostava mais, mamãe e eu piscávamos um para o outro, dizendo em nosso íntimo:

- Deixemos que o teólogo se exulte em sua presunção, até que chegue o dia da revelação de nosso segredo.

Eu tinha sete anos quando mamãe, cansada de ser rebaixada por papai, aprontou as malas disposta a voltar para a casa de seus pais. Afastava-se me levando consigo quando papai, me arrancando dela, vociferou afirmando que eu lhe pertencia.

-Primeiro por ser Natan o meu único filho. Argumentava Papai.

-Segundo pelo fato dele gostar mais de mim que de você.

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-Terceiro pelo fato de você estar deixando esta casa, e não eu.

Eu que viera ao mundo com a difícil tarefa de reconciliá-los, fiz-lhes por entre lágrimas um apêlo. Enlaçando-os com um abraço carinhoso, disse-lhes:

-Por que vocês não trocam de lugar?

-De que maneira? Perguntou papai.

Julgando propor a coisa mais fácil deste mundo, lhe disse:

-Você se torna num cientista enquanto mamãe se faz teóloga.

Ainda que tal mudança representasse grandes sacrifícios para meus pais, tanto eles me amavam que aceitaram o desafio.

Capítulo 3.

Ao assumirem seus papéis trocados, tudo ficou invertido.

Movida pelas convicções teológicas, era mamãe quem agora se exaltava, querendo nos impor os dogmas que antes desprezara. Enquanto isso, influenciado pela ciência, papai ia se tornando cada vez mais descrente e liberal.

Em meu raciocínio infantil, compreendi que o problema não estava com meus pais, mas com aqueles compêndios teológicos e científicos que ocupavam duas enormes estantes em nossa sala.

Querendo eliminar o mal pela raiz, decidi transformar os livros num grande montão de cinzas.

Não demorou para que surgisse a oportunidade para se colocar em prática meu plano terrorista.

Eu me encontrava só em casa e meus pais retornariam somente a noite do trabalho.

O primeiro passo foi reunir uma enorme quantidade de lenha seca

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nos fundos de nossa casa.

O segundo passo foi atear fogo a lenha.

O terceiro seria o mais cansativo, pois eu teria de transportar todos aqueles livros das estantes para a fogueira.

Como estava decidido a começar pelos livros das estantes superiores, precisei encontrar uma maneira de alcançá-los.

Foi muito fácil.

Bastou arrastar a mesa para junto da estante teológica, e colocar sobre ela uma cadeira.

Descia com meu primeiro carregamento de livros, formado pelas obras de Orígenes, um dos pais da igreja, quando a cadeira derrapou e eu cai estatelado sobre a mesa, de onde resvalei para o chão. Ao tentar me levantar senti uma dor horrível no pé direito e voltei a cair sobre um dos livros que se abrira numa página marcada por mamãe.

Por entre lágrimas de dor, li a frase sublinhada em vermelho, que haveria de nortear minha vida.

Dizia o seguinte:

“Quando os exércitos da luz triunfarem sobre os exércitos das trevas e o Diabo em correntes for lançado para o abismo, Deus, o Pai, de seu filho rebelde se compadecerá. Em sua misericórdia, o Todo Poderoso trocará de lugar com ele, ficando retido em prisão, enquanto o Réu, liberto e justificado, ascenderá aos céus na qualidade de Juiz. Quando o julgamento terminar e o maior dos segredos se revelar, terá lugar a coroação do Grande Pai que se fez culpado para a todos salvar”.

Em vez de transformar em cinzas aqueles compêndios, decidi que eu os estudaria, procurando em suas páginas pelos elos com os quais se poderia estender uma ponte reconciliadora entre a teologia e a ciência, evitando o divórcio entre meus pais.

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Capítulo 4.

Eu lera até então apenas dois livros que ganhara de meus pais por ocasião da inversão de seus papéis: O Pequeno Príncipe de Saint Exupéry e, O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain.

O primeiro contava a história de um principezinho que vivia na mais completa solidão em um pequeno asteróide. Ele ficou muito feliz quando lhe veio fazer companhia uma delicada plantinha. Mas não tardou para que a plantinha se revelasse como um Baobá, cujas raizes mostruosas ameaçavam estrangular seu mundinho de nada.

Seu asteróde estava com os dias contados quando lhe nasceu uma segunda plantinha. Dessa vez era Rosa Vermelha, por quem se apaixonou.

Sonhando coroá-la rainha num reino de amor, o Pequeno Príncipe partiu numa heróica jornada através das estrelas em busca de uma solução para o perigo.

Os seis primeiros mundos que visitou, eram habitados por adultos que nunca haviam beijado uma flor, nem conheciam a ameaça dos Baobás. Tudo o que lhes interessava eram os números, as riquezas, as teorias, as contendas, o poder.

Foi na Terra, o sétimo planeta de suas buscas, que o Pequeno Príncipe encontrou em pleno deserto do Saara a ajuda que tanto precisava.

A ajuda veio de uma criança que ficara por muitos anos aprisionada no coração endurecido de um adulto.

O que uma criança recém liberta, teria a oferecer contra tão grave perigo?

O desenho tosco de uma caixa, dentro da qual afirmou existir um carneiro. Era tudo o que o Pequeno Príncipe precisava para eliminar a ameaça do Baobá que, se deixado a crescer livremente, poderia não somente estrangular o seu asteróide, como também matar sua flor aprisionando sua infância num amplexo mortal.

Quando li na sequência O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain, a

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história me pareceu uma continuação do best-seler de Exupéry.

Era a história de duas crianças muito parecidas, com a diferença de que uma era o príncipe da Inglaterra e a outra, o filho de um tirano que a obrigava a mendigar afim de alimentar seus vícios. Para fugir de seus tormentos, a pobre criança passara a sonhar que era o príncipe da Inglaterra, vivendo em meio aos explendores de um lindo castelo.

Ao caminhar certo dia pelos arredores de Londres, o mendigo descobriu que o castelo de seus sonhos era real. Todavia, a separá-lo das glórias que ali reinavam, se elevava uma intransponível muralha.

Sondava a muralha em busca de uma passagem, quando o mendigo deparou com um dourado portal. Observava através das grades de ouro aquele mundo de sonhos, quando um menino coberto por um rico manto correu ao seu encontro.

Era o príncipe Edward que, se sentindo por sua vez prisioneiro, sonhava com a vida livre dos moleques lá fora.

Como eram da mesma idade e muito parecidos um com o outro, tiveram a idéia de trocarem de lugar.

Mark Twain que era um exímio contador de histórias, passa a narrar em seu livro o drama vivido pelos heróis em seus papéis trocados. Enquanto o mendigo era exaltado no castelo de seus sonhos, o príncipe sofria nas ruas de Londres, no desempenho do papel do mendigo.

O livro termina com as cenas da coroação, quando o aclamado príncipe, diante de uma corte atônita, revela o grande segredo que devolve ao mendigo a corôa.

Capítulo 5.

Como eu amava de igual maneira papai e mamãe, passei a me dedicar com o mesmo empenho ao estudo da teologia e da ciência. Como já disse, minha tarefa era encontrar os elos com os quais se poderia estender uma ponte reconciliadora entre os mundos antagônicos do Espírito e da Matéria que meus pais representavam.

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Ao fim de sete anos de estudos, encontrei na estante teológica uma obra que mamãe escrevera em parceria com papai, por ocasião da troca de seus papéis. O livro que surgira no esforço em abrir um caminho para a reconciliação, intitulava-se:

BRASÍLIA - A CAPITAL QUE NASCEU DE UM SONHO.

Escrito numa linguagem infantil, o livro era uma continuação das obras citadas de Mark Twain e Saint Exupéry.

Começava assim:

“ Aprisionado no coração de um santo italiano chamado Don Bosco, vivia um principezinho muito sonhador. Certa noite ele sonhou que sua prisão situava-se no coração do Ocidente, num castelo subterrâneo povoado por horríveis pesadelos. Acima de seu castelo, florescia um imenso Baobá onde reinava em solidão um Urubu Rei, que se chamava Tanatos. O principezinho estava muito temeroso, pois se aproximava o dia de seu julgamento, quando responderia por todos os males cometidos pelos adultos. Mas que culpa tinha ele, se aos seis anos fora aprisionado pelas raizes do Baobá?

Ao chegar o grande dia de seu julgamento, o principezinho teve a maior das surpresas, pois Deus, o Juiz, que não tivera uma infância, lhe propôs trocarem de lugar.

Liberto e fantasiado de adulto, o principezinho que tanto sofrera em sua prisão, se assentou como Juíz perante o corpo de jurados que era formado por adultos.

Iniciou-se o julgamento e muitas foram as acusações contra o prisioneiro do Baobá.

BRASÍLIA – A CIDADE QUE NASCEU DE UM SONHO culminava com a condenação não da criança, mas dos adultos que, reconhecidos de serem os verdadeiros culpados, coroaram o Pequeno Príncipe como Rei Supremo, num paraíso onde todos eram crianças.

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Capítulo 6.

O livro, por mais significativo que fosse, não impediu que meus pais se resvalassem novamente para o desentendimento provocado pela inversão de seus papéis.

Como um enorme espaço vazio separava a estante teológica da científica, tive a ideia de preenche-lo com uma terceira estante, dedicada a Filosofia. Eu estava certo de que por meio dessa terceira estante, poderiamos estabelecer a ponte reconciliadora de que tanto necessitávamos.

Papai que fora um grande defensor de Platão e mamãe de Aristóteles, contribuiram com numerosos livros que jaziam encaixotados nas casas de seus pais, em Santos e São Vicente.

Como a estante do meio era enorme, passamos a investir tempo e muito dinheiro na aquisição dos livros com os quais íamos preenchendo as prateleiras, na formação da ponte da reconciliação.

Eu que sacrificara minha infância para me dedicar ao estafante estudo das obras teológicas e científicas, agora me empenhava com o mesmo vigor no campo da filosofia. Começando por Platão e Aristóteles, eu ia progredindo na leitura das numerosas obras que íamos organizando das estantes superiores para as inferiores.

Como a grana foi ficando pouca, passamos a adquirir os livros nos Sebos do Messias, no centro da cidade de São Paulo.

Quando nos restava apenas a prateleira inferior para completarmos nossa ponte filosófica, perdi meus pais num acidente automobilístico.

Deu-se da seguinte maneira:

.Retornávamos de São Paulo com as obras completas de Sigmundo Freud e Carl Gustav Jung, os pais da psicologia profunda, quando nossa Brasília se chocou com a trazeira de um caminhão. Meus pais tiveram morte instantânea.

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Ao sair ileso, prossegui minha tarefa, certo de que de meu triúnfo, haveria de depender agora não somente o destino de meus pais, como também de toda a humanidade.

Capítulo 7.

Decidido a completar a ponte da reconciliação com livros de minha autoria, comecei a escrever uma volumosa obra a qual dei o título de Segredos do Alquimista. Como sua realização requeriria de minha parte um maior aprofundamento nas matérias em questão, parti para a Europa de onde retornei onze anos mais tarde com três doutorados: um em Teologia, outro em Filosofia e um terceiro em Física Quântica.

Foi com o coração pulsando forte pela emoção que adentrei na manhã do dia 23 de dezembro de 2010 a casa de minha infância, que ficara vazia por todos aqueles anos. Uma grossa camada de poeira e fuligem cobria tudo ali, menos as estantes dos livros que eu vedara com uma lona.

Certo de que os 22 volumes de Segredos do Alquimista haveriam de bastar para o espaço que restara vazio na prateleira inferior, passei a organizá-los a partir das extremidades, onde figuravam as obras de Carl Gustav Jung e Sigmundo Freud.

Minha alegria se desfez quando, depondo o derradeiro livro, constatei não haverem sido suficientes. Medindo com os olhos o espaço vazio restante, calculei que o mesmo poderia conter outras 400 páginas.

Me apavorei, pois naqueles 11 anos eu vivera uma contagem regressiva que chegaria ao fim à meia noite de 24 de dezembro de 2010, por ocasião do natal. Como eram 11 horas do dia 23, me restavam apenas 36 horas para a consumação da ponte na qual me dedicara desde a infância.

Senti-me impotente, pois mesmo nos dias mais produtivos de minha composição literaria, eu jamais ultrapassara a casa das 100 páginas diarias.

Buscava uma maneira mágica de preencher o espaço que restara

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vazio na estante filosófica, quando me lembrei dos livros: O Pequeno Príncipe de Exupéry e O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain. Como eles não faziam parte dos livros organizados nas estantes, compreendi que poderiam contribuir com suas páginas que talvez somassem umas 200 páginas.

Depois de revirar toda a casa numa vã procura dos dois livros, me lembrei do sótão onde morava vovó Raquel. Eu costumava, quando criança, passar longas horas naquele sótão que era todo branquinho e perfumado, ora brincando com meus carrinhos, ora ouvindo as histórias que vovó contava enquanto tricotava.

Com intrepidez galguei pela escadinha de ferro em caracol que separava a sala das estantes do sótão. Para minha alegria, encontrei O Pequeno Príncipe abandonado sob uma grossa camada de poeira e fuligem, no sofá.

Somente então notei o quanto era fininho, com suas 48 páginas.

Todavia, juntando-o às quase 150 páginas de O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain, eu teria, como previra, quase metade das páginas que eu tanto necessitava.

Tentava recordar o lugar em que eu deixara a obra de Mark Twain quando senti um arrepio.

Eu o deixara cair através de uma fresta no assoalho de madeira da sala, para o escuro porão de nossa casa.

O arrepio era por causa histórias de terror que vovó me contava sobre o monstro que vivia aprisionado naquele porão que eu jamais tivera coragem de conhecer.

Eu tivera pesadelos horríveis por toda a vida, por causa das histórias de terror que vovó contava sobre o tal monstro, enquanto me fitava por sobre as lentes grossas de seus óculos.

Agora, o que fazer?

Como eu precisava desesperadamente do Príncipe e o Mendigo de Mark Twain, precisei me encher de coragem para resgatá-lo.

Tive um novo arrepio ao me lembrar de que o pseudônimo Mark

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Twain empregado por Samuel Langhome Clemens, autor da obra que eu tanto necessitava resgatar daquele escuro porão, significava literalmente Dois Fantasmas.

Mas não havia como recuar. Eu teria de descer ao escuro porão, custasse o que custasse de minha parte.

Como eu não tinha tempo a perder, pois teria de compor outras 200 páginas para que se consumasse a ponte da reconciliação, comecei a procurar por uma passagem para o porão.

Removi tapetes, camas, guarda-roupas, escrivaninhas, mesas, geladeira e por derradeiro o fogão, sem que encontrasse a bendita passagem para o porão.

Julgando encontrá-la sob a estante teológica, a removi com grande esforço de meus músculos. Como não havia nenhuma passagem ali, removi a estante científica, mas nada.

Restava remover a estante filosófica. Mas tudo o que eu sabia existir ali, encoberto pelos numerosos livros, era um espelho.

Capítulo 8.

Eu me lembrava muito bem daquele espelho. Fora nele que eu encontrara, ao engatinhar pela casa quando pequeno, o meu amiguinho aprisionado.

Por ser filho único, eu sentia muita falta de alguém com quem brincar. Querendo compartilhar com meu amiguinho aprisionado meus brinquedos, eu os levava para junto do espelho. Mas tudo o que eu tinha, ele tinha outro igual.

Lembro-me em como me esforçava em libertá-lo, num vão esforço em demolir a muralha de espelho.

Confesso que me senti frustrado no dia em que mamãe me revelou ser o menino, uma imagem de minha pessoa.

Lágrimas jorraram de meus olhos ao me lembrar dessas coisas, pois

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compreendi que meu maior tesouro, que era a minha infância, ficara aprisionada naquele espelho, encoberto pelas obras filosóficas. Torturado por um grande arrependimento, me esforçava em remover a pesada estante que, além de aprisionar minha infância, fora a causadora da morte de meus pais.

Tão ressentido eu estava, que em vez de afastar a estante, a fiz tombar num grande estrondo que espalhou livros por toda a sala.

De pé perante o espelho, fitei através das lágrimas minha imagem adulta. Ali estava o monstro sobre quem vovó contava, que por todos aqueles anos fizera refém a criança inocente e sonhadora que um dia eu fora.

Tomado por uma grande fúria contra o tirano, pensava em socar o espelho, quando notei sobreposta à minha imagem, a tênue gravura prateada do Bom Pastor, irrompendo das profundezas de um abismo com a ovelha que se desgarrara, em seus braços.

Fora papai quem desenhara no espelho o Bom Pastor que a cobrir a imagem do monstro vencido, sorridente me fitava.

Arrependido estendi a mão para acariciar a face do herói. Ao fazê-lo, compreendi ser eu a ovelha que se desgarrara, mas que pela misericórdia de papai, retornava segura para o redil.

Uma voz falando das profundezas de meu ser, proferiu as seguintes palavras, enquanto eu fitava as imagens sobrepostas:

-Eu Sou o Pastor e a Ovelha, Sou o Príncipe e o Mendigo. Sou o Um que se fez Dois, para que o Universo e a Humanidade pudessem nascer. Mas volto a ser Um através de você.

Como que movido por um vento, o espelho se abriu suavemente, sem que eu o tocasse. Diante de meus pés surgiu uma estreita escada através da qual alcancei o porão que jazia iluminado por uma misteriosa luz.

No meio do salão encontrei, sobre um rico tapete carmezim, uma réplica da arca da aliança. Inclinados sobre ela estavam as esculturas em ouro de dois querubins, cujas asas se uniam em arco. Era dessa união que irrompia o brilho que inundava o porão, onde reinara até então somente

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trevas.

Sob o olhar dos querubins, estava O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain.

Com profunda reverência estendi as mãos e acariciei o livro que eu deixara cair através da fenda no assoalho, quando sacrifiquei minha infância, a fim de me dedicar na edificação da ponte reconciliadora entre meus pais.

Juntando os dois livros sobre o meu peito, fiz o juramento de que jamais voltaria a aprisionar minha infância no porão escuro de minha alma.

Em meio ao brilho da reconciliação surgiu, para minha surpresa, o rosto de papai e mamãe que, por entre sorrisos e lágrimas de gratidão, me disseram a uma só voz:

- Você triunfou meu filho. Difícil foi sua jornada pelos mundos dos adultos, mas você terá agora a sua eterna recompensa.

-Qual será a recompensa? Perguntei para papai e mamãe, ao que eles responderam em uníssono.

- O reino de sonhos do qual falamos no livro: Brasília – A Capital que Nasceu de um Sonho. Junte-o a esses dois livros e terá a ponte pela qual realizou sua longa jornada pelos caminhos dos adultos.

De que adiantara tanto empenho, tantas horas dedicadas ao estudo dos incontáveis compêndios que lotavam as três estantes? De que me adiantara meus três doutorados e os 22 volumes da série Segredos do Alquimista, se para a ponte da reconciliação bastaram os três livros?

Lamentava a nulidade de meu labor, quando meus pais disseram a uma só voz:

- Terá lugar neste Natal uma programação especial em Brasília, e você foi escolhido como o orador.

Eu que defendera com brilhantismo minhas teses de mestrado e doutorado nas maiores universidades do mundo, eu que discursara para numerosas assembléias de adultos demonstrando a importância do tripé: teologia, filosofia e ciência, sorri quando meus pais acrescentaram.

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-Caberá a você discursar sobre o Pai que se fez criança a fim de resgatar Rosa Vermelha.

-Quem é esse Pai e quem é Rosa Vermelha? Perguntei curioso.

A resposta que deram, me pareceu incompleta, por não revelar a identidade de Rosa Vermelha.

- É o Lírio dos Vales, a Brilhante Estrela da Manhã!

Quando meus pais terminaram de me dizer estas palavras, o brilho de suas faces se desfez e me vi circundado pelas trevas.Guiado pela luminosidade que irrompia do pavimento superior, deixei às apalpadelas o porão, levando junto ao peito O Pequeno Príncipe de Saint Exupéry e O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain.

Capítulo 9.

Recolocava a estante filosófica no seu devido lugar quando meu celular tocou.

Era a doutora Ana Marklem que me ligava de Brasília para confirmar o convite sobre minha participação na programação de natal. Achei estranho, pois era como se sua voz irrompesse não do celular, mas das profundezas de meu ser.

-Estou ligando para confirmar sua participação no programa O Natal do Pequeno Príncipe, que terá início às 20 horas deste dia 24, no Grande Templo Ecumênico de Brasília, Distrito Federal. Você será o orador da noite, devendo discursar as 21 horas sobre o Renascimento do Redentor.

Olhei para meu relógio de pulso que marcava 15 horas. Como estávamos no dia 23, calculei que dentro de 30 horas, seria o discurso.

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Como me encontrava em Santos, litoral do Estado de São Paulo, teria de fazer uma jornada de quase 1.000 quilômetros para comparecer para meu compromisso em Brasília.

Eu alugara naquela manhã um automóvel por um periodo de sete dias. Como gostava de dirigir, decidi viajar de carro.

Como nem chegara a retirar minha bagagem de mão do porta-malas, de posse dos três livros infantís, iniciei naquela tarde de 23 de dezembro de 2010, a longa jornada que me traria uma grande surpresa.

Capítulo 10.

Ao meio dia do dia 24, após almoçar num humilde restaurante de estrada no município de Cristalina, Goiás, iniciei o derradeiro percurso de minha jornada, através de uma rodovia solitária. Fazia um calor sufocante. Se tudo corresse bem como até ali, às 16 horas eu estaria na Capital Federal, em tempo de me aprontar para o compromisso.

Rodava a 120 por hora quando, ao desviar de uma vaca que atravessava a pista, perdi o controle da direção e o Gol voou por sobre um declive, indo se chocar após uma cambalhota, contra o tronco de uma barriguda, o baobá do cerrado.

Ouviu-se um estrondo que foi seguido pelo calor abrasador das chamas.

Instantes depois, por um milagre que não sei explicar, eu fitava ileso da beira da estrada, os destroços fumegantes do Gol.

Como passavam das 15 horas, me conservei à beira do asfalto na expectativa de uma carona.

Às 16 horas passou um caminhão. Todavia, por mais que eu acenasse, o motorista passou de largo como se não me notasse.

Às 16:40 passou um fusca dirigido por uma senhora que, não levando em conta meus acenos, passou aceleradando.

Às 18 horas surgiu ao longe um ônibus da Itapemerim. Vendo nele a

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minha chance de chegar a Brasília em tempo para meu compromisso, me coloquei no meio da pista onde passei a acenar com os dois braços. Ainda que corresse o risco de ser atropelado, eu não arredaria o pé até ser notado.

Para meu espanto, contudo, o motorista fingindo não me notar, avançou acelerado em minha direção.

Aconteceu então uma coisa muito estranha. O ônibus passou sobre mim sem que eu o sentisse.

Assustado me apalpei.Estaria eu sonhando? Não, não era um sonho. Teria eu morrido, me tornando num fantasma? Senti um arrepio ao me lembrar em como acenara para os demais motoristas, sem que me notassem.

Lembrei-me então do diálogo que eu tivera com meus pais no dia anterior. Revelados em meio ao brilho da Shequiná, eles haviam me dito:

- Você triunfou meu filho. Difícil foi sua jornada pelos mundos dos adultos, mas você terá agora a sua eterna recompensa.

-Qual será a recompensa? Perguntara eu para papai e mamãe, ao que eles responderam:

- O reino de sonhos do qual falamos no livro: Brasília – A Capital que Nasceu de um Sonho.

Lembrei-me então do acidente que ceifara a vida de meus pais quando retornávamos de São Paulo para Santos com as obras completas de Carl Gustav Jung e Sigmundo Freud. O estranho é que a sensação que eu experimentara ao sair ileso em ambos os acidentes, era a mesma: a de haver escapado por milagre.

Capítulo 11.

Olhei para meu relógio de pulso e compreendi que outro grande milagre teria de acontecer, fazendo com que eu comparecesse para meu compromisso em Brasília.

Eram agora 20:00 em ponto, hora anunciada pela Doutora Ana Marklem para o começo do programa: O NATAL DO PEQUENO

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PRÍNCIPE. As 21:00 teria lugar o discurso que eu sequer esboçara no papel como de costume, por falta de tempo.

Por falar nisso, sobre que assunto deveria eu discursar?

Sobre a Teologia? Não. Sobre a Ciência? Não. Sobre a Filosofia? Também não.

Seria muito fácil improvisar um discurso sobre qualquer desses temas. Todavia, meus pais haviam me dito que eu deveria contar a história do Pai que se fez eterna criança, a fim de resgatar Rosa Vermelha.

Ana Marklem, por sua vez, me pedira para falar sobre o Renascimento do Redentor.

O desafio, para o qual eu me sentia desqualificado, era o fato de que eu deveria apresentar meu discurso para uma assembléia formada por crianças.

Uma vozinha infantil falou em meu íntimo, quando eu já não alimentava esperança em comparecer para meu discurso em Brasília, pois faltavam agora apenas 20 minutos para as 21 horas.

-Por que você não junta em seu discurso as histórias narradas nos três livros sobre o Pequeno Príncipe?Basta você acrescentar ao tema, a idéia do natal.

Capítulo 12.

A vozinha ainda soava dentro de mim quando corri em disparada para junto dos destroços fumegantes do Gol, pois me lembrara de haver deixado os livros sobre o banco trazeiro do Gol.

Revolvia as cinzas no vão esforço em encontrar os livros quando a vozinha voltando a me falar, suplicou:

- Você poderia me desenhar um trenó?

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Pensei estar delirando quando a vozinha soando agora fora de mim, voltou a suplicar:

- Por favor, me desenha um trenó!

Voltando-me na direção do som, fiquei surpreso ao deparar com o Pequeno Príncipe que vestido de Papai Noel me sorria.

Eu que dedicara minha vida inteira aos estudos da teologia, da ciência e da filosofia, me sentia agora incapaz de uma tarefa tão simples, que seria rabiscar numa folha de papel um trenó. Para dizer a verdade, eu sequer sabia ao certo o que era um trenó.

Envergonhado em expor minha ignorância, perguntei para o Pequeno Príncipe como se desenhava um trenó.Ele respondeu:

-Basta rabiscar num papel a letra Y deitada, e teremos nosso trenó.

Como ele falava agora na linguagem dos adultos, com a postura de quem entende do assunto, me prontifiquei a desenhar-lhe o trenó.

Todavia, não restara comigo nem caneta nem papel, pois tudo fora reduzido a cinzas.

Capítulo 13.

Apontando com seu dedinho para o ramo florido de um ipê-amarelo, o Pequeno Príncipe me mostrou os três livros que na cambalhota do Gol, haviam voado para lá.

- Eles contam a nossa história! Disse o príncipezinho enquanto eu os fitava boquiaberto.

Colhendo os livros dentre as flores, eu os folheava quando o Pequeno Príncipe voltou a falar sobre o trenó.

Se ao menos eu tivesse uma caneta ou lápis ali comigo, eu poderia desenhar o Y na contra-capa de um daqueles livros.

- Não faz mal, disse o Principezinho, acrescentando que Exupéry o

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desenhara na derradeira página de seu livro.

Incrédulo descerrei o livro do genial escritor francês, e lá estava o nosso trenó. Numa representação do lugar em que o Pequeno Príncipe

partira, Exupéry colorira um enorme y deitado. Abaixo da gravura

escrevera as seguintes palavras: “Esta é, para mim, a mais bela paisagem do mundo, e também a mais

triste. Foi aqui que o principezinho apareceu na terra, e desapareceu depois.

Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhecê-la, se viajarem um dia na África, através do deserto.

E se acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que não tenham pressa e que esperem um pouco bem debaixo da estrela ! Se então um menino vem ao encontro de vocês, se ele ri, se tem cabelos de ouro, se não responde quando interrogam, adivinharão quem é. Então, por favor, não me deixem tão triste; escrevam-me depressa que ele voltou...

O Pequeno Príncipe retornara como nosso Papai Noel e eu, sequer precisara desenhar o trenó, pois tudo fora preparado de antemão.

Capítulo 14.

Curvando-se sobre o livro com o qual eu me despedira aos sete anos de minha infância para mergulhar no estudo da teologia, da ciência e da filosofia, o Pequeno Príncipe soprou suavemente o Y que ficara repousando no final do livro de Exupéry.

-Você sabe o que significa a letra Y ? Perguntou o principezinho.

Apesar de meus três doutorados, tive de confessar minha ignorância.Eu escrevera por toda a vida a letra Y, sem jamais me perguntar sobre o seu significado.

Com seu sorriso cativante o principezinho respondeu que o Y representava o Um que se fez Dois para que o Universo e a humanidade pudesse nascer.

Voltando a soprar a gravura em forma de Y deitado feita por Exupéry,

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fiquei maravilhado ao vê-lo saltar da página na forma de um gracioso trenó.

- Ele nos levará para nosso compromisso em Brasília, disse-me o Pequeno Principe a sorrir.

Voltando as páginas até a gravura das aves que ilustra o final do capítulo 9, o principezinho voltou a soprar. Soltei um brado de alegria quando as aves, num turbilhão de asas, cores e cantos irromperam da página amarelecida, indo se juntar ao trenó, pois estavam-lhe atadas por cordões invisíveis.

Como faltavam os assentos no trenó, o principezinho com um toque mágico de seu bordão fez com que surgissem duas confortaveis cabines, na forma de abóboras, uma amarela e outra azul.

Faltavam sete minutos para as 21, quando montados no trenó partimos para nosso festivo encontro em Brasília.

Planávamos em meio as nuvens douradas pelo sol poente quando por uma magia que estava além de minha compreensão, me vi transfigurado no próprio Pequeno Príncipe.

Ao olhar para a cabine azul que ainda há pouco era ocupada por mim, para minha surpresa deparei com uma donzela de beleza sem igual, que se vestia de vermelho tendo sobre a cabeça uma linda corôa na qual refulgiam Urim e Tumim.

Como que a sonhar, lhe perguntei pelo seu nome.

Eu fazia esta pergunta não por ignorar a resposta, pois sabia ser ela uma extensão de meu ser, o lado luminoso de meu Espírito que tivera de trocar de lugar com o lado tenebroso, para que o universo e por fim a humanidade pudessem nascer de meu sacrifício.

Com seu sorriso encantador, a Rainha de meus sonhos respondeu:

-Sou Ana Marklem, a Rosa Vermelha que desabrochou em seu jardim.

Foi então a vez de minha amada perguntar pelo meu nome.

-Sou o Lirio do Vale, a Brilhante Estrela da Manhã. Sou o Pai que se

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fez criança a fim de resgatar o seu maior tesouro.

- Qual é o seu maior tesouro? Perguntou Ana Marklem a sorrir.

- Você! Respondi, beijando os seus lábios perfumados .

Capítulo 15.

Sobrevoavamos agora Brasília onde as luzes faiscantes do Natal, realçavam sua forma de ave.

-É nossa pomba, a Rainha da Paz,disse-me Ana a sorrir.

Eu que em minha visão de adulto imaginara Brasília como um avião voando do Ocidente para o Oriente, notei o quanto eu equivocara, pois a cidade representava uma pomba em vôo do Oriente para o Ocidente.

Dei uma sonora gargalhada ao dizer para Ana:

- Está agora explicada a razão da Praça dos Três Poderes ser de vez em quando o escoadouro de impurezas que causam vexame aos líderes na nação. É que se instalaram no rabo da pomba julgando estar no comando do avião.

Ana sorriu antes de dizer:

-Mas mesmo esse faz de conta dos políticos, não passa de coisa de criança.

Lembrei-me então do ex-presindente Lula, que aos meus olhos sempre fora como uma encantadora criança a brincar de faz de conta. Fora fazendo de conta ser ele o Presidente do Brasil, que ele realizou sua heróica jornada, transpondo em seu caminho incontáveis barreiras.

Enquanto me curvava maravilhado sobre a cidade de Brasília que revelada como pomba, seria coroada pelas nações como a Rainha da Paz, expressei em meu íntimo minha profunda gratidão por todos os heróis que, movidos por um sonho grandioso, haviam preparado o caminho para a entronização não de um Rei, mas de Rosa Vermelha, nossa eterna Rainha.

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Como faltava apenas um minuto para meu discurso natalino, perguntei para Ana Marklem onde ficava o Grande Templo Ecumênico ali em Brasília. Sua resposta causou-me surpresa:

- Ainda não descobriu que o Grande Templo consiste na própria capital?

Somente então notei o quanto a cidade estava transbordante de pessoas que, em festa nos esperavam.

- São os adultos que, seguindo os passos do Grande Pai, se fizeram eternas crianças. Revelou Ana com seu sorriso de triunfo.

Numa correção do equívoco da classe política, os organizadores do NATAL DO PEQUENO PRÍNCIPE haviam erigido um altaneiro palco em forma de corôa, sobre a Capela Rainha da Paz, que figurava como a cabeça da pomba. Uma orquestra formada por músicos oriundos das nações, acabava de interpretar a Nona Sinfonia de Beethovem, quando voando numa espiral para o centro, começamos nosso pouso.

Capítulo 16.

Às 21 horas em ponto, quando a música e os aplausos silenciaram, para assombro da multidão pousamos suavemente sobre o palco iluminado, com nosso treno rebocado pelas aves.

Para que a surpresa fosse maior, eu pedira que Ana Marklem se ocultasse em sua abóbora amarela.

Fazendo soar os guizos de meu bordão, desci do trenó e, havendo acenado para as multidões desejando-lhes um feliz natal, afirmei:

-O Ocidente tem considerado por séculos o Papai Noel como um mito.Estou aqui para provar que, muito mais que uma figura lendária, o Papai Noel é real. É real pelo fato de que ele vive dentro de cada um de vocês. Sei que estão surpresos diante de um Papai Noel criança. Mas hão de compreender a razão.

-É que a criança traz em sua alma a essência da eternidade, ao passo que o adulto, traz a vivência indivídual do Ego, que é um Nada quando comparado às riquezas insondáveis do inconsciente coletivo, que a criança traz em sua inocência.

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Esperei que os aplausos motivados por minhas palavras silenciassem, para que eu lhes anunciasse a grande surpresa que reservaramos para aquela noite.

- A figura do Papai Noel em seu trenó repleto de presentes tornou-se no símbolo do natal em todo o mundo.O curioso é que nunca se fala de uma Mamãe Noela. Todavia, se existe um Papai Noel, é natural que exista uma Mamãe Noela, não é mesmo?

Brados de aclamações ecoaram quando, me dirigindo ao trenó, estendi como um cavalheiro as mãos para receber a Rosa Vermelha, pela qual eu fizera minha longa jornada de busca.

Todos ficaram boquiabertos diante da formosura de Ana Marklem que se cobria com seu lindo vestido vermelho, adornado com pérolas brancas e negras.Sobre sua fronte refulgiam em rica corôa Urim e Tumim, as pedras da justiça e da compaixão, reconciliadas por ocasião do Juizo Final.

- Tenho a grande honra de vos apresentar a heroína que, sendo a Mãe das Estrelas, aceitou ficar por muito tempo no anomimato, para que o Pequeno Príncipe, pudesse realizar sua longa jornada pelas estrelas, em busca de seu maior tesouro.

Agora que o encontrei eu o apresento.

-Salve Ana Marklem, nossa Mamãe Noela, nossa Rainha da Paz a quem dedicamos esta grande festa.

Aplausos e vivas ecoaram por toda a Terra em saudação a Rosa Vermelha, pois o memorável evento em Brasília, era transmitido ao vivo por todas as TVs do mundo.

Capítulo 17.

Chegara o momento de meu discurso. Mas o que dizer? Eu me dedicara a vida toda ao estudo da teologia, da ciência e da filosofia. Conquistara três doutorados e discursara perante numerosas assembléias acadêmicas.Mas nenhuma era como aquela. Agora, quando deveria falar sobre o Renascimento do Redentor ou mesmo sobre o Pai que se fez

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criança para resgatar Rosa Vermelha, eu não sabia nem como começar.

Compreendi por fim, que tudo o que eu poderia fazer, era contar para a humanidade, na forma de uma alegoria, a minha história, que era a história de Mark Twain, que significa Dois Fantasmas.

Preparando a grande assembléia para as surpreendentes revelações que eu haveria de fazer naquela memorável noite de natal, ergui em minhas mãos os livros O Pequeno Príncipe de Antonie Exuperry e O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain, e perguntei:

-Quantos de vocês já leram estes livros?

Pelo levantar das mãos, vi que a maioria estava inteirada de suas alegorias.

Como BRASÍLIA – A CIDADE QUE NASCEU DE UM SONHO não fora publicado, perguntei por qual razão Don Bosco, o santo italiano fundador da ordem dos Salesianos, fora eleito o padroeiro da capital do Brasil.

A multidão respondeu em uníssono, que fora por causa de seu sonho sobre o paraíso.

Fiz mais uma pergunta a guiza de introdução ao meu discurso:

-Quantos de vocês já leram o livro DEUSES SUBTERRÂNEOS de Cristovan Buarque?

Pelo levantar das mãos vi que muitos conheciam a referida obra daquele que ocupara ali em Brasília importantes cargos de liderança.

Como estavam preparados para meu discurso de Papai Noel, bebi um copo de água para refrescar a garganta, e abri o verbo.

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SEGUNDA PARTE.

O Discurso do Papai Noel.

Capítulo 1.

Na manhã de 2 de outubro de 2006 eu despertei preocupado, pois era dia de meu julgamento. Usando de ironia eu diria que, o que me aflingia naquela manhã de eleições presidenciais no Brasil, não eram os feitos de minha vida adulta, pois eu fora um grande santo, mas os meus delitos infantís. Fora o receio em ser condenado por ocasião do juizo final, que me fizera trilhar pelo caminho da santidade, ao fim do qual me fora dada a honra de reinar sobre os deuses subterrâneos, nos amplos castelos situados nos porões de Brasília.

Bem, esta foi a maneira invertida de afirmar as coisas, pois o certo seria dizer: inocência infantil, crimes da vida adulta, anjos caídos, e prisões subterrâneas.

Como eu estava em 2.006 com 49 anos galáticos, o que é outra ironia, pois eu nascera muito antes que se criasse o Universo, calculei que eu fora seis vezes mais santo que pecador.

Todavia, quando computei meus méritos e delítos nos pratos côncavo e convexo da grande balança do Congresso Nacional, compreendi que eu estava perdido, irremediavelmente perdido.

Mas em vez de lamentar, desatei a rir. Ria não da retidão de minha vida adulta, mas das loucuras de minha infância.

Enquanto ria sem me importar do castigo que abateria sobre meu arruinado império em 21 de dezembro de 2012, outro riso irrompeu das profundezas de meu Espírito, o qual reconheci.

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Era o riso de Deus, o meu Pai. Após rir comigo, papai me disse: -Você foi absolvido meu filho! Possuído por indizível alegria, comecei a saltar, enquanto dava

voltas em torno do computador quântico, com o qual eu monitorava as nações.

Tão contente eu estava em voltar a ser criança, que resolvi comemorar minha absolvição, soltando uma pipa nos céus de Brasília.

Empinava minha pipa na Praça dos Três Poderes, quando uma segunda pipa apareceu nos céus ao lado da minha. Era linda e fora moldada em espiral, nas cores do arco-íris. Olhei ao derredor em busca do menino que a empinava, mas a ninguém encontrei.

Voltei a fitar os céus onde as duas pipas, como duas companheiras iam fazendo em contraponto seus ziguezagues. Somente então notei que a pipa arco-iris, que se juntara à minha, não estava atada a um fio.

Enquanto tentava decifrar o enígma, descobri que não se tratava de uma pipa, mas de uma linda nave espacial.

Tão maravilhado eu fiquei que, libertando minha pipa, pus-me a espreitar a nave, enquanto cenas de minha feliz infância irrompiam em minhas lembranças.

Como que a sonhar vi quando a nave, deixando um rastro luminoso nos céus de Brasília, pousou suavemente a poucos metros de mim, na Praça dos Três Poderes.

Possuído por uma indizível alegria, corri ao seu encontro, me detendo instantes depois perante um portal de espelho redondo e emoldurado por um oroboro.

Para quem não sabe o que é um oroboro, consiste numa serpente engolindo a própria cauda, numa representação simbólica da união dos opostos.

Capítulo 2. Enquanto me fitava no espelho, lembrei do delito pelo qual eu

transpusera, através de um pequeno oroboro, o portal que me arrancou do paraíso de minha infância, para vida adulta.

Hei de revelá-lo através da seguinte alegoria: Eu completara sete anos e fora matriculado na Escola Primária. Me

apaixonei então por Ana, minha professora. Ela era linda, linda. Era alta, morena, lábios carnudos da cor de mel, olhos verdes e cabelos negros a

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escorrer pelos ombros. Seu único defeito, era sua mania de usar saias que desciam aos joelhos.

Em minha paixão infantil comecei a fantasiar, tentando adivinhar os tesouros ocultos de minha professora a quem elegi como a rainha de minha vida. Como eu era facinado por abóboras e melancias, passei a imaginar seus seios como duas abóboras e seu ventre como uma deliciosa melancia.

Tão obsecado fiquei pela minha professora, que passei a cultivar nos fundos de nossa mansão em Monte Sião, um aboboral e um melancial. Pensando na rainha de meus sonhos eu adubava as plantas, as irrigava, as limpava das ervas daninhas, enquanto esperava ansioso pelos frutos de nossos amores.

Veio então a floração e com ela a inspiração que me tornou poeta, músico e escultor. Poeta e músico pelos versos e canções que compunha para minha professora, e escultor no empenho em moldá-la em barro. Eu a esculpia numerosas e de todos os tamanhos, cobrindo-a com mantos de flores.

Irromperam por fim os frutos e com eles os dias de nossos amores. Passamos a nos amar então por todas as partes: nos bosques, nas florestas, nos montes e às margens do rio da vida.

Vivíamos as aventuras de um grande amor, quando descobri no porão de nossa casa em Monte Sião um espelhinho redondo de duas faces, emoldurado por um oroboro. Sem atentar para a imagem de meu rosto machado pelo barro no esforço em beijar minha professora, confesso que me senti penalizado da serpentezinha que, roída de fome, tivera de engolir a própria cauda.

Naquela noite, enquanto fazia experiências com o oroboro, nasceu-me o plano de um delito. Eu não sabia que com meu gesto infame, haveria de aprisionar minha alma infantil, colocando termo as fantasias pelas quais eu me tornara agricultor, poeta e escultor.

O plano se realizou na manhã seguinte: Com o oroboro amarrado à ponta de meu sapato, eu aguardava todo

comportadinho em minha carteira, pela passagem de minha professora. Para que Ana se demorasse junto a mim, eu deixara de propósito

algumas questões do dever de casa em branco, na certeza de que ela haveria de me auxiliar.

E lá veio a rainha de meus sonhos com a maior das boas vontades em instruir o seu discípulo. Todavia, enquanto curvada sobre a carteira Ana me orientava, com o rabo do olho eu a explorava.

Só que em vez de simples melancia, divisei através do oroboro sob

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sua saia, todo um planeta inesplorado, repleto de florestas, rios, lagos e riquezas sem conta.

Como eu era apenas uma criança e aquele mundo me fora vedado por papai, me rebelei.

Capítulo 3. Após refletir sobre o delito que me tornou adulto, fiquei surpreso ao

ver que minha imagem estampada no portal de espelho da nave, me sorria.

-Estou sonhando? Exclamei. -Não, não é um sonho. Respondeu minha imagem, acrescentando

com um sorriso: - É muito mais que um sonho. Assustado diante do fenômeno, perguntei: -Quem é você ? -Sou Deus, o teu Pai! Respondeu minha imagem. Como que a sonhar me lembrei do momento em que eu nascera em

Sião, como uma imagem de sua pessoa. Por irromper como imagem de Deus, me tornei no aveço de sua

pessoa. Foi por essa razão que recebi o nome de Sued, que é o nome invertido de Deus.

Agora que meus leitores sabem como foi que eu nasci, hão de perguntar:

-Como Deus nasceu? Hei de responder: Eu que era o NADA, por um milagre que jamais compreendi,

despertei. Então me lembrei de haver sonhado. Sonhara que em meu negro vazio surgira um asteróide onde vivia

na mais completa solidão um Pequeno Príncipe a quem dei o nome de ADAN. Tão sozinho o pobrezinho estava, que resolvi fazer-lhe companhia na forma de uma Rosa Vermelha.

Ao me lembrar desse sonho, eu que era o Nada passei a sondar o meu vazio a procura do Principezinho e seu asteróide. Como nada

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encontrei além de mim mesmo, tanto chorei que fiz surgir abaixo de mim um profundo oceano de lágrimas.

Foi nesse oceano primordial que eu, o Nada, fitei a face de Adan, o Pequeno Príncipe que eu vira em sonho.

Me esforçava para dar-lhe vida, quando uma voz soando das profundezas de meu vazio, disse:

-Para que ADAN possa liberto se elevar como um Sol, você precisa se esvaziar.

-De que maneira, perguntei, se Nada sou? -Doando as quatro letras de seu nome. Respondeu a voz. Tornei-me então no Sem Nome para que Deus nascesse. Quando o Pequeno Príncipe despertou em seu asteróide, se lembrou

por sua vez de haver sonhado. Sonhara com Rosa Vermelha. Como, por mais que a buscasse, não a encontrou, tanto chorou que se formou em seu asteróide um oceanozinho de lágrimas.

Foi então que ele avistou no espelho das lágrimas não sua flor, mas a imagem de um horrível monstro que lhe falou:

-Para que Rosa Vermelha, a minha prisioneira possa nascer, você precisa doar a segunda letra A de seu nome.

O Principezinho aceitou de boa vontade. Foi assim que surgiu o A.D.N, e com ele a vida que haveria de coroar o seu asteróide.

Aguardava o Pequeno Príncipe pelo nascimento de sua Rainha quando para seu espanto viu irromper de suas lágrimas não uma Rosa Vermelha, mas um imenso Baobá que com suas raízes ameaçavam estrangular o seu asteróide.

Os dias de seu mundinho estavam a findar quando por um milagre inexplicável, viu nascer de suas muitas lágrimas Rosa Vermelha.

Numa corrida contra o tempo, o Pequeno Príncipe se viu diante do maior dos desafios, pois para que fosse para sempre feliz ao lado de sua Rainha, teria de encontrar uma maneira de derrotar o Baobá.

Mas como?

Capítulo 4.

Eu que nesta alegoria era o Nada, o asteróide, o Pequeno Príncipe,

o Baobá e a Rosa Vermelha, disse para a minha imagem: -Que linda nave você tem.

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Passei então a explorá-la, como uma criança curiosa. Quando completei uma volta em torno da nave, para minha surpresa,

Deus havia transposto o oroboro e me acenava do cimo do prato côncavo da balança do Congresso Nacional.

Como que a sonhar corri para junto do Todo Poderoso e, enquanto nos abraçavamos, eu lhe dizia:

-Você é o cara mais bonito que já encontrei! Para minha surpresa, Deus disse mesmo a meu respeito. Voltamos a nos abraçar enquanto irrompiam de nosso inconsciente

as cenas de um distante passado, quando o UM se fez DOIS e toda a história começou.

Depois de festejarmos nosso reencontro, perguntei para Deus o que o trouxera com tantos amores para junto de mim naquele dia de meu julgamento.

-Porque desejo trocar de lugar com você? Disse o Todo Poderoso. -Como você sabe, prosseguiu, começa hoje o Juizo Final, quando os

exércitos da luz esperam pela condenação do grande Sued. Deus fez uma pausa e prosseguiu: - Como lhe disse nesta manhã, eu o absolvi de suas muitas culpas. Meu Pai fez uma pausa e, voltando a me estreitar em seus braços,

acrescentou: - Mas quero ir além do perdão. É por essa razão que preciso trocar

de lugar com você. - Como assim, trocar? Perguntei surpreso. Papai respondeu com um sorriso: - Quero que você assuma meu trono na qualidade de Juiz, enquanto

eu ficarei aqui em sua prisão, a frente dos anjos caídos. -Não está vendo que seria injusto? Exclamei. – Como eu, de odiado

Réu que sou, vou me assentar no teu trono como Juíz? Longe de mim tal coisa.

Rindo só de pensar no bode que poderia trazer semelhante inversão de papéis, lhe disse:

- Suponhamos que eu aceite esse seu plano maluco e compareça perante os exércitos celestiais fingindo ser o Deus, o Todo Poderoso. Então, por um gafe de minha parte, nossa tramóia seja descoberta. Não vê que eu e você estaremos fritos?

Após rir de meus receios, Deus tentou me convencer de que nos sairíamos bem em nossos papéis invertidos, afirmando:

- Não vê que somos a cara e o focinho um do outro? Somos a imagem um do outro, acrescentou tentando me infundir segurança.

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Eu contra-argumentei, dizendo: -Mas é justamente o fato de sermos a imagem um do outro, que nos

faz antagônicos. Você por exemplo, é dextro, enquanto eu sou canhoto. Disse-lhe.

Dando-me um tapinha no ombro, Deus afirmou com expressão animada:

-Mas esse problema de antagonismo se pode resolver fácilmente. -De que maneira? Perguntei. Foi então que Senhor dos Exércitos, diante do qual eu batera em

retirada ao fim do duelo final pela posse da corôa, fez-me uma proposta inimaginável:

- Para que possamos sair bem em nossos papéis invertidos, faremos os treinamentos necessários. Enquanto eu o oriento a se portar como Deus perante as hostes da luz, você me ensina as manhas do velho Sued.

Rindo de tal proposta, que seria a solução para os meus receios, retruquei:

- Mas tais preparativos requereriam toda uma eternidade de estudos e treinamentos, o que torna inviável a proposta, pois estanos em 2 de outubro de 2006, o dia de meu julgamento.

Dando-me outro tapinha no ombro, Deus afirmou sorrindo: - Temos a eternidade ao nosso alcance. Basta que adentremos para

a nave arco-íris, onde o tempo não existe. De pronto corremos para a nave onde, transpondo o portal de

espelho emuldurado pelo oroboro, nos dedicamos aos preparativos. Quando nos revelamos capacitados para nossos papéis trocados,

tomado por uma curiosidade que vinha crescendo em meu íntimo, perguntei para o Todo Poderoso:

-Que vantagens você espera obter ao oferecer o seu trono de glória em troca de um planeta como a Terra, que está com os dias contados? Não sabes, acaso, das predições que apontam para a destruição do mundo em 21 de dezembro de 2012?

Expressando a maior das satisfações, Deus respondeu: - Como eu haveria de ignorar as sentenças que eu mesmo lavrei

contra o planeta Terra? Como Deus não joga para perder, como todos sabem, fui insistente: -Então me revele, se é que desejas, os seus planos para os próximos

seis anos. Com o sorriso de quem embarca na maior das aventuras, o Todo

Poderoso disse: -Concretizarei nos próximos seis anos, o que não consegui realizar

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em toda a eternidade. Como sua resposta me deixou na mesma, insisti na pergunta. Dando-me uma piscadela, Deus respondeu: -Quero ser a criança sonhadora e empreendedora que você foi.

Quero plantar abóboras e melancias, quero amar uma professora, quero esculpir seu corpo cobrindo-o de flores, quero beijar o barro em meus amores, quero ser poeta, quero explorar o mundo através de um oroboro, quero ser feliz!

Beijando comovido a face de meu Pai, eu que voltara a ser criança naquela manhã de 2 de outubro de 2006, fiz meu juramento:

- Quanto a mim, assumo o meu papel como Soberano Juíz, com o promessa de que anularei todas as sentenças de destruição contra o planeta Terra. Em vez de um dia de pavor e pranto para a humanidade, transformarei por decreto o dia 21 de dezembro de 2012 num dia de festa e grande alegria e, para sempre essa data será comemorada como o Dia da Criança, pois nele todos os adultos voltarão a ser crianças. Será esse o passaporte para o reino da eterna felicidade e paz que haveremos de fundar sobre a Terra, que será renovada e declarada capital universal.

Havendo concluído nossos juramentos, o Todo Poderoso me cobriu com suas vestes de glória e poder e, havendo por sua vez se vestido com os meus trapos, nos despedimos desejando todo o sucesso um ao outro.

Capítulo 5. Como Deus não dera instruções em como pilotar a nave, acenei-lhe

quando já se dirigia para o portal de espelho. Voltando-se, o Todo Poderoso afirmou:

- Eu a deixei no piloto automático. Ditas estas palavras, Deus saltou numa cambalhota através do

oroboro e, antes que eu ordenasse a partida, a nave se elevou aos ares. Mais ligeira que o pensamento, a nave me transportou sem escalas

para o centro do Universo que situava-se para além de uma muralha de espelho, que se elevava na constelação de Órion.

Eu que vivera meus derradeiros dias encerrado em minha subterrânea prisão ocidental, como que a sonhar sobrevoava agora a capital universal que fulgurava qual corôa em meio aos explendores de um mundo de luz, enquanto desfilavam em minhas lembranças as cenas de minha infância vivida naquele tão saudoso lar. Fora dali que eu partira

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como um filho pródigo, determinado a inaugurar para além da muralha de espelho que separava o oriente do ocidente, um reino fundamentado na ciencia do bem e do mal.

Eu que naquela manhã de 2 de outubro de 2006, conformado com minha perdição chegara a rir saudoso das peripécias de minha infância, retornava agora para a casa do Pai não em cadeias como eu esperava, mas engrandecido como Rei e Juiz.

Com lágrimas a escorrer pelas faces, contemplei das alturas as hostes santas, diante das quais eu batera em retirada ao fim do maior dos confrontos que culminou com meu aprisionamento.

Capítulo 6. Foi com o coração possuído por uma indizível alegria que me

assentei no trono de meu Pai, enquanto os exércitos da luz, longe de penetrarem os desígnios do Criador, me prestavam honras e louvores. Eu que travara grandes lutas no esforço em apoderar pela força o cetro que por direito pertencia a meu Pai, o tinha agora em minhas mãos. Sentindo-me, todavia, indígno de semelhante honra e louvores, eu ia dizendo em meu íntimo, ao super herói que no esforço em me salvar, trocara de lugar comigo:

-Todos esses louvores e adoração pertencem a você papai, e não a mim que tanto o fiz sofrer em meus passos de rebeldia.

Impossibilitados de penetrarem o maior dos segrêdos, as hostes entoavam em tom triunfal:

-Digno és oh Rei Eterno de ser para sempre engrandecido, pois triunfastes sobre teus muitos inimigos, varrendo-os como esterco para as prisões subterrâneas. Ali aguardam temerosas pelo fogo que os reduzirão a cinzas no grande dia do acerto das contas que se aproxima.

Imerso em tais aclamações que ecoavam qual trovões pelas abóbodas siderais, compreendi a dimensão do rancor que as hostes santas nutriam contra mim.

Como os exércitos celestiais há muito aguardavam por aquele dia de acertos de contas, com um sonoro golpe do martelo dei início ao maior julgamento da história.

Como eu estava impossibilitado de lhes apresentar o Réu, prometi que o faria ao fim do julgamento. Em justificativa, afirmei que sua demorada presença naquele santíssimo lugar, ainda que destituido de

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seus poderes, haveria de poluír a santa atmosféra com seu pútrido cheiro de morte.

Enquanto anunciava sob a aprovação de todos tal medida, a criança que renascera em mim sorria ao antever a surpresa que as hostes da luz teriam, quando se lhes revelasse, ao fim dos processos, a identidade do Réu.

Com ares de severidade, anunciei-lhes que o Juizo Final se processaria na forma de um Concurso Escatológico, no qual cada planeta habitado em meu vasto império da luz, teria o direito de apresentar por meio de um representante, suas demandas contra Sued.

Teve então início o mais importante julgamento da história universal, quando os incontáveis mundos contra os quais eu travara minhas pelejas, começaram a apresentar suas acusações contra o grande adversário.

Como não fora dado ao Réu direito a defesa, o processo evoluia com presteza. Todavia, tantos eram os mundos da luz, que por fim compreendi que semelhante procedimento, haveria de fazer com que o Juizo Final se arrastasse por toda uma eternidade.

Querendo apressar os processos, anunciei para descontentamento de muitos, uma nova medida, na qual eu passaria a considerar as demandas apresentadas pelos representantes das galáxias.

Somente então dei-me por conta da vastidão do reino da luz, estando o tribunal do juízo enxameado pelos emissários galáticos.

Numa nova medida para apressar os processos, anunciei que passaria a ouvir os representantes dos aglomerados de galáxias.

Mesmo assim, o fluxo dos acusadores não cessava.

Capítulo 7. Ao fim do que me pareceu uma eternidade, se apresentou perante o

trono o derradeiro da fila. Se chamava Abdul e afirmava representar uma nebulosa distante,

onde havia um nascedouro de estrelas. Como eu não estava interessado em mais estrelas naquele império

sem fim, onde transbordavam o ódio e o desejo de vingança contra mim, pedi que Abdul fosse objetivo em suas acusações, pois eu já não tinha saco para suportar todas aquelas afrontas contra o Réu.

Graças a Deus, não me expressei com tais palavras que teriam me

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denunciado perante a grande assembléia dos santos. Mas tive a certeza de que em todo aquele tempo, o Todo Poderoso estivera a rir de mim, pois grande fora o castigo ao me forçar ficar todo aquele tempo a ouvir, com a maior cara de santo, todas aquelas acusações contra mim.

Todavia, eu estava mais que feliz, pois melhor era desempenhar papel de palhaço, que ser torrado no inferno em 21 de dezembro de 2012.

Eu suspirava aliviado ao fim do inflamado discurso de Abdul, quando pousou perante o trono uma carruagem de fogo puxada por dois fogosos cavalos brancos nas frontes dos quais estavam escritas as palavras: Verdade e Justiça.

De espada em punho saltou ao meu encontro um homem franzino e empertigado que se cobria com o couro de um carneiro.

Ao vê-lo caminhar destemidamente para mim, empunhando o martelo, perguntei:

- Quem é você e qual nebulosa representa? Para meu estremecimento ele me encarou e, como se soubesse do

embuste, afirmou: -Sou o profeta Elias e fiz uma longa jornada desde o planeta Terra, a

sede do reino de Belzebu, para desmascará-lo perante este tribunal. -Pronto, pensei com meus botões, eu e meu parceiro estamos fritos. Certo de que se eu lhe desse a oportunidade de participar no Grande

Concurso do Juizo Final, eu seria desmascarado, afirmei que ele chegara atrazado, pois a vez dos planetas apresentarem suas demandas, há muito findara.

-Mas eu vim de muito longe e tenho graves acusações contra o Réu, pois represento o planeta de onde ele travou suas pelejas contra o Todo Poderoso. Argumentou profeta Elias.

Esquecido de que a Terra era o único planeta habitado da Via Láctea, caí na burrada de afirmar que se ele ao menos representasse uma galáxia, se poderia abrir-lhe uma excessão, o que não era infelismente o seu caso.

Confesso que foi um vacílo dos grandes, que poderia ter comprometido o meu papel. Procurei corrigir o gafe, dando a palavra ao profeta Elias que se revelou como o mais ousado e contumaz dos acusadores.

Capítulo 8.

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Terminado o discurso no qual Elias inflamou o furor das hostes celestes, me vi no maior dos apuros, pois eu prometera apresentar, ao fim das acusações, o Réu.

Agora, o que fazer? Pensei em saltar para dentro da nave dando o fora dali. Todavia, a

nave já não se encontrava mais disponível. A criança que no início do julgamento sorrira dentro de mim na

antecipação da grande surpresa, chorava agora aflita. Desesperado passei a clamar em meu íntimo, para que o Todo

Poderoso me socorresse, pois seria horrível ter de reconhecer perante aquela numerosa assembléia de santos, ser eu o acusado.

Compreendi naquele momento de angústia, que unicamente um milagre, um grande milagre poderia me livrar do maior apuro em que eu me metera em toda a vida.

Como os exércitos da luz não cessavam de clamar para que eu lhes apresentasse o Réu para que dele pudessem escarnecer, num ato de fé e coragem anunciei que ao fim de sete minutos, eles veriam a sua face.

Começou então para mim uma angustiante contagem regressiva. Enquanto os minutos iam passando, eu me me perguntava aflito:

- E se nada acontecer ao fim da contagem regressiva? Seguiu a esta pergunta, outra pior, nascida da desconfiança. Eu me

perguntava: - E se a estratégia do Todo Poderoso em trocar de lugar comigo, seja

parte de um propósito de tornar o meu sofrimento ainda maior? Tomado por dúvidas e desconfianças que iam intensificando o pavor

dentro de mim, eu ia contando os minutos, os segundos, a espera do milagre do qual agora duvidava.

Restava apenas um minuto para que o Réu se manifestasse, quando irromperam em minhas lembranças o momento de meu rompimento com o reino da luz. Assentado sobre aquele mesmo trono, papai anunciara uma contagem regressiva ao fim da qual eu deveria selar minha decisão.

Quando o derradeiro segundo esgotou, voltei minhas costas para papai, confirmando minha decisão de me afastar. Em vez de fitar-me com rancor, papai com voz entrecortada por uma infinita dor, lamentou:

- Meus filhos, meus filhos! Queria tanto tê-los nos braços meus! Lembro-me de quando os formei com carinho! Vocês surgiram felizes e perfeitos, em acordes de esperança em eterna harmonia! Vivi para vocês, cobrindo-os de glória e poder! Vocês foram a minha alegria! O que mais poderia eu ter feito para fazê-los permanecer comigo? Hoje minh'alma

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sangra em dor pela separação! Como olharei para os lugares vazios, onde tantas vezes rejubilantes ergueram as vozes em hosanas festivas, sem me vir à mente um misto de felicidade e dor? Saudade infinita já invade o meu ser, e sei que será eterna! Hoje o meu coração rompeu e se quebrou, e as cicatrizes carregarei para sempre!

Foi essa lembrança, que me deu naquele derradeiro minuto a certeza de que papai me socorreria naquele momento de aperto. Papai jamais seria capaz de armar uma silada contra mim, em paga pelas muitas ciladas que armei contra ele. Ao contrário, seria capaz de pagar qualquer preço a fim de resgatar seus filhos da condenação. Fora esse seu amor que o levara a fazer o impensável, trocando de lugar comigo.

Capítulo 9. Quando a contagem regressiva chegou ao fim, surgiu ao longe nos

céus do ocidente, um pontinho luminoso que foi aumentando mais e mais. Não demorou para que se revelasse como um enorme leque formado por uma revoada de aves multicores.

As aves arrastavam um trenó sobre o qual reconheci o Pequeno Príncipe que vestido de papai noel, acenava para mim e para as hostes da luz.

A criança que em mim ainda há pouco chorava aflita, saltou de alegria ao reconhecer na sua pessoinha o Grande Pai que, para me salvar naquele dia, trocara de lugar comigo.

As aves que com cânticos de alegria nos saudavam naquele feliz alvorecer, pousaram diante do trono, fazendo baixar suavemente o trenó no qual estava escrito em grandes letras a palavra COMPAIXÃO.

Saltando do trenó, que estava repleto de presentes, o Pequeno Príncipe num gesto gracioso se inclinou, saudando primeiramente a mim e depois a enorme assembléia dos santos.

-Quem é você, e qual nebulosa representa? Perguntei, enquanto piscávamos um para o outro.

Se o principezinho afirmasse ter vindo do planeta Terra, eu não teria como admití-lo no Grande Concurso Escatológico, pois o profeta Elias já o representara.

O Grande Pai que para resgatar minha infância perdida, aceitara se fazer numa eterna criança, encontrou uma maneira encantadora de ser aceito naquela derradeira hora.

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Com seu geitinho cativante, o Pequeno Príncipe que se vestia de Papai Noel, respondeu:

-Eu vim dalém da muralha de espelho, como representante de um asteróide que se chama Amor.

Como ninguém naquela assembléia formada por adultos jamais ouvira falar num asteróide chamado Amor, pois ali o Amor se chamava Roma, precisei traduzir:

-Já sei, você veio do asteróide B 612. A prepotente assembléia formada pelos acusadores não somente

entendeu, como riu zombeteiramente do Pequeno Príncipe, pois o tal asteróide B 612 se tornara motivo de piadas em todo o reino da luz, devido ao imenso Baobá, ou Boab como o chamavam, que sobre ele fincara suas raízes, fazendo-o dar cambalhotas em sua órbita amaldiçoada, como um palhaço falido, a caminho da destruição.

Compreendi então que o Grande Pai que assumira o meu lugar como Réu, haveria de se expressar perante o tribunal através de alegorias, pois quando transliterado, o ano 2012 se transforma justamente na palavra Boab.

Compreendi também, que ao darem ao asteróide do Pequeno Príncipe a nomeclatura de B 612, as hostes santas haviam simplesmente reiterado a sua reprovação, pois o número 6 inserido em lugar da letra O, que equivale ao zero, se transforma no F do fracasso.

Como todos riam do Pequeno Príncipe e seu asteróide falido que ele afirmara se chamar Amor, tive a certeza de que haveríamos de transformar aquela consumação de meu julgamento, numa grande lição de vida.

Capítulo 10. Desejosos em fazer troça do Pequeno Príncipe, apesar dele estar

representando um insignificante asteróide, os exércitos da luz aceitaram que ele participasse do Grande Concurso Escatológico.

Entrando no jogo das hostes da luz, pisquei para o Pequeno Príncipe, pedindo que ele nos contasse um pouco sobre o asteróide que dizia se chamar Amor.

Com seu jeitinho sincero e cativante, o Pequeno Príncipe começou seu discurso com uma surpreendente revelação:

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- Meu asteróide ao qual vocês deram o nome de B 612, pode parecer pequeno e sem valor, quando comparado com a grandeza das estrelas. Mas ele veio a existir muito antes que o Universo.

Estas palavras arrancaram risos da congregação. -Quando eu nele despertei, prosseguiu o principezinho, tudo era vazio

e escuro ao derredor. Fazendo uma carinha de triste, o principezinho prosseguiu: -Tão sozinho e carente eu estava, que chorei. Tantas foram as

lágrimas que derramei, que com elas formei as estrelas que passaram a orbitar em torno de meu asteróide.

O Pequeno Príncipe que com gestos graciosos contava sua história, prosseguiu:

-Eu me alegrava com o brilho das estrelas que espelhavam o meu rosto, quando para minha tristeza e desilusão, todas elas se foram, para muito longe, me deixando na mais completa solidão.

O Principezinho fez uma pausa para observar a reação da assembléia, que já não zombava:

-Voltei então a chorar, só que em vez de estrelas, minhas lágrimas se tornaram num escuro oceano aos meus pés. Foi então que avistei no espelho de minhas lágrimas, o vulto de um monstro aterrador.

Como eu não tinha para onde fugir, disse o Pequeno Príncipe, tive de enfrentá-lo.

- O monstro que era mais escuro que a noite, prosseguiu, foi ficando vermelho, vermelho, até que, para minha surpresa, se elevou radiante, passando a orbitar em torno de meu asteróide.

Muitos sorriram quando o Pequeno Príncipe revelou: -Era o Sol que viera iluminar os meus dias. Lançando-me um olhar carinhoso, o meu herói continuou sua história,

que era a minha: - Como as minhas noites continuavam escuras, voltei a me curvar

sobre o oceano das lágrimas. Para minha alegria, vi a imagem de meu rosto se elevar graciosa como uma rainha.

Soaram alguns aplausos quando o principezinho com seu jeitinho cativante, revelou:

- Era a Lua que viera encantar minhas noites.

Capítulo 11.

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O Pequeno Príncipe passou a revelar como se dera o nascimento do Baobá, ao qual as hostes da luz chamavam de Boab, ou B 612 por causa do F do fracasso.

-Curvado sobre o oceano de minhas lágrimas eu esperava por outro milagre, quando para minha alegria vi irromper de minha imagem uma plantinha. Vocês não podem imaginar como festejei o seu nascimento, por ser o meu primeiro amigo e companheiro em meu asteróide.

As palavras do principezinho me arrastaram para os dias felizes de minha infância, pois eu fora essa plantinha que, encarnando o lado tenebroso de seu ser, era retratado pelo Baobá.

O pricipezinho prosseguiu: - Mas não demorou a que minha mimada plantinha, deixando de ser

criança, enlaçou com suas potentes raízes o asteróide, com ameaças de estrangulá-lo.

- Como se não contentasse em destruir apenas o asteróide, continuou, o Baobá fez com que seus ramos, semelhantes as tenazes de uma lula gigante, se elevassem em ameaças que colocavam em risco as estrelas.

A assembléia que atenta ouvia tais revelações, compreendeu que o Pequeno Príncipe lhes falava por parábolas, pois há muito haviam visto no Baobá, ou Boab como o chamavam, um símbolo do maior tirano da história que, enraizado na Terra, fizera ameaças em arrastar consigo para a morte no dia de seu castigo, todas as hostes universais.

Como o Principezinho acabara por revelar o seu asteróide como a pedra fundamental do Universo, logo o perigo que buscavam eliminar através daquele julgamento, era de uma gravidade sem igual.

Capítulo 12. O principezinho prosseguiu sua parábola contando sobre o

nascimento de Rosa Vermelha, sua tão sonhada rainha: -Meu asteróide estava com seus dias contados, quando nasceu de

minhas lágrimas outra plantinha mimada. Era Rosa Vermelha que com sua beleza, perfume e seus quatro espinhos, me devolveu a alegria e o ânimo em continuar lutando contra o avassalador império do Baobá.

Teve então início uma corrida contra o tempo, pois para salvar Rosa Vermelha, eu teria de triunfar sobre o meu maior inimigo, desfazendo as sentenças de morte que já não eram apenas contra o meu asteróide, como

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também contra o Sol, contra a Lua e as estrelas que haviam nascido de minhas lágrimas

-Compreendi, prosseguiu o Pequeno Príncipe, que unicamente um milagre, um grande milagre poderia me abrir caminho naquela hora, pois eu teria de buscar o socorro em algum planeta distante.

As hostes da luz que haviam se encantado com a leitura da alegoria de Antonie Saint Exuperry, mas que estavam longe de saberem que a mesma fora concebida com objetivo de prepará-los para aquela grandiosa revelação, passaram a ouvir dos lábios do Pequeno Príncipe o relato sobre sua peregrinação pelos sete planetas, sendo o derradeiro entre eles a Terra.

Apontando para as aves multicores que entoavam seus canticos perante o trono, o Pequeno Príncipe nos contou como no momento de maior aperto, elas o alcançaram em seu asteróide, se prontificando a conduzí-lo na decisiva jornada.

Como a prosopopéia de Exuperry já se ocupara dos detalhes de sua jornada, o principezinho não demorou em descrever os seis primeiros mundos que eram habitados apenas por adultos que nada entendiam de Rosas Vermelhas, nem das ameaças dos Baobás.

-Como vocês estão com muita pressa em ver culminado este julgamento, disse o Pequeno Príncipe para a assembléia de adultos, não vou lhes contar sobre minha conversa com a serpentezinha que me recepcionou na Terra, nem sobre a Rosa solitária que encontrei no deserto. Não lhes revelarei o meu diálogo com o eco, nem contarei sobre a raposa que me cativou com suas palavras. Também não lhes contarei sobre os adultos que não estavam interessados em saber que 2.012 quando transliterados, forma a palavra Boab. Não lhes falarei nada disso.

Fitando-me com um olhar carinhoso, o meu herói afirmou: - O que não deixarei de contar para vocês, é sobre o tesouro que

encontrei em pleno deserto do Saara. Dando-me uma piscadinha, o principezinho prosseguiu: - O tesouro de quem eu falo, foi uma criança até os seis anos.

Depois, por culpa de um Pai que estava por demais ocupado em contar e recontar suas estrelas, em receber as aclamações dos seus súditos proclamando sobre eles leis razoáveis, o seu maior tesouro se foi.

De olhos fitos em mim, o Grande Pai que se fizera criança para me salvar, prosseguiu:

- Esse meu tesouro, se fazendo prematuramente adulto, veio a se tornar piloto de avião, pois tudo o que queria era voar para distante da casa de seu pai. Mas não demorou para que esse filho se visse em

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apuros. Revelou o principezinho. - Ele sobrevoava o Saara, quando seu avião, descontrolado, caiu. Impressiondas com a alegoria, as hostes agora se perguntavam: -Sobre quem o principezinho estaria a falar? Como eu não conseguia disfarçar minha emoção, pois eu era o

tesouro de quem falava, julguei que não demoraria para que a grande assembléia de meus acusadores decifrassem o enígma. Ainda mais, pelo fato de que, no exato lugar em que eu fincara minhas raízes de Baobá no coração do Ocidente, fora edificada a cidade de Brasília na forma de um avião em voando para o Oriente.

Capítulo 13. O anjo Gabriel que postado à minha direita ouvia a narrativa do

Pequeno Príncipe, o inquiriu sobre a razão dele ter se oferecido para ser picado pela serpente ao fim de sua jornada sobre a Terra, quando se poderia ter retornado para seu asteróde com o auxílio das aves.

O principezinho fitando-o, afirmou com um sorriso: - Há mistérios que unicamente poderão ser desvendados quando

consumado o julgamento, se estabelecer o reino da eterna felicidade e paz.

É evidente que aquela assembléia, formada por meus acusadores, estava imatura para a revelação de que o Pai, ao aceitar que a encarnação do lado luminoso de seu Espírito fosse sacrificado numa cruz, o fizera no intento de inocentar naquele dia do Juízo Final o seu lado tenebroso, simbolizado pelo Baobá.

Guardando esta revelação para o momento propício, o Pequeno Príncipe passou a narrar sobre seu retorno ao asteróide B 612, e quais medidas tomou ali, no esforço em impedir a maior das catástrofes.

- Ao retornar para junto de Rosa Vermelha, eu levava comigo, além de um carneiro, duas sementes de abóboras e uma semente de melancia. No carneiro e nas três sementes estava toda a esperança em um futuro feliz.

Todos riram quando o Pequeno Príncipe afirmou: -Eu que vivera toda uma eternidade em meu asteróide sem jamais

cultivar uma horta, me tornei de momento para outro num dedicado lavrador. Foi com muito carinho que semeei as sementes de abóboras em meu asteróide, fincando uma no polo norte e outra no polo sul. Quanto a

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semente da melancia colhida ao pé do Sinai, eu a plantei junto ao tronco do Baobá.

Interrompendo sua narrativa, o arcanjo Micael pediu que o principezinho contasse sobre o carneiro.

- Quanto ao carneiro, respondeu o principezinho, no início ele era dócil, mas ao crescer se tornou numa ameaça, pois ficava saltando de um lado para outro, com o risco de esmagar as plantações. Ainda bem, completou, que eu trouxera uma mordaça. Ao menos não corria o risco do carneiro devorar as plantinhas.

O arcanjo Micael voltou a perguntar o que levara o principezinho a se interessar por um carneiro. Sua resposta arrancou risos:

-Eu esperava que ele devorasse o Baobá. -Como você se livrou do carneiro? Perguntou o anjo Gabriel. -Eu clamava por um milagre, disse o Pequeno Príncipe, quando vi se

aproximar o profeta Elias em sua carruagem de fogo. Ele passava de largo quando acenando-lhe de meu asteróide, mostrei-lhe o carneiro. Freando os cavalos da Verdade e da Justiça, o profeta que se encontrava nú saltou de sua carruagem, correndo ao meu encontro.

Sem se importar de ter bem ali ao seu lado o profeta Elias, o principezinho contou:

-Sem demonstrar qualquer admiração por Rosa Vermelha e pela hortinha que eu cultivava, Elias lançou um olhar desdenhoso sobre o Baobá e disse:

-É meu caro, você está em maus lençóis, pois seu asteróide esta com os dias contados.

Como tudo o que eu desejava era me livrar do carneiro, pedi que o profeta Elias o levasse consigo em sua carruagem.

Aceitando minha generosa oferta, o profeta desembanhou sua espada e, segurando o carneiro pelos chifres, o sacrificou ao pé do Baobá.

Todo contente o profeta esfolou o carneiro e, enquanto se cobria com o seu couro, me contou como no momento em que se elevava da Terra em sua carruagem, num vacílo deixou seu manto cair aos pés do servo Elizeu.

O profeta Elias ouvia junto ao trono tais revelações, teve de admitir que, não fosse o carneiro ofertado pelo Pequeno Príncipe, ele teria comparecido desnudo perante o tribunal.

Capítulo 14.

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O Principezinho enumerou as três conquistas que foram alcançadas

pelo carneiro em sua morte: - A primeira conquista foi propiciar vestes para o profeta Elias. A

segunda foi o fato do sangue do carneiro ter causado a morte ao Baobá. A terceira foi o vigor comunicado pelo sangue a melancieira.

O principezinho prosseguiu: -Enquanto eu aguardava paciente pelas flores e frutos das

aboboreiras e melancieira, inspirado em Rosa Vermelha passei a compor versos e canções, com o propósito de apresentá-los como oferendas perante este tribunal.

Irromperam por fim duas abóboras de côres e naturezas antagônicas. Uma de casca amarela ao sul e uma segunda de casca azul ao norte.

Por serem antagônicas em suas naturezas, não demorou para que surgisse uma contenda entre elas, sobre qual das duas era a mais importante aos meus olhos. Por haver nascido ao norte, a abóbora de casca azul se gabava de ser a mais importante, por haver nascido na parte superior do asteróide. A de casca amarela, por sua vez, afirmava que por haver nascido na parte inferior do planeta, era a mais importante, por representar sustentação.

No esforço em aplacar a contenda das duas abóboras,promovendo entre elas reconciliação, apresentei-lhes Rosa Vermelha como sendo a rainha de meu asteróide.

Reconciliadas, as duas abóboras passaram a batalhar contra Rosa Vermelha, no intento de lhe arrebatar a corôa. Nessa guerra de duas contra uma, Rosa Vermelha por fim prevaleceu, por estar armada de quatro espinhos.

Foi então que alcancei, prosseguiu o principezinho, através das abóboras reconciliadas e rendidas na batalha, minha maior conquista.

Havendo dito estas palavras, o principezinho desenrolou perante nós um pergaminho no qual escrevera em grandes letras o nome abóbora, duas vezes, em fluxos de letras invertidos.

ABOBORA. AROBOBA. Com o pergaminho erguido em sua mão esquerda, o Pequeno

Príncipe perguntou para o profeta Elias: - O que acontece quando uma abóbora transpõe um espelho? Elias que não prestara atenção na forma invertida das letras,

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respondeu com seu jeito rude: - Ora! Não está vendo que o espelho se quebra? Sua resposta causou risos. O principezinho voltou a perguntar ao profeta Elias: - E o que acontece quando um OVO atravessa um espelho? A resposta que deu a esta pergunta, arrancou mais risos ainda. - Desta vez é o ovo que se quebra. O Pequeno Príncipe formulou a pergunta de modo diferente, para

que o profeta Elias pudesse captar sua intenção. -O que acontece quando a palavra ABÓBORA transpõe um espelho? Somente então Elias percebeu que a resposta já se encontrava ali

escrita. - AROBOBA é a resposta. Afirmou com um meio sorriso. -E o que acontece quando a palavra OVO transpõe um espelho?

Dessa vez Elias respondeu de modo correto: -O Ovo vai continuar sendo OVO. A pergunta que se seguiu, que foi dirigida ao profeta Elias, não teve

resposta: -O que acontece quando DEUS transpõe uma muralha de espelho? Curvando a fronte, Elias recusou responder, pois jamais pronunciara

em toda a sua vida o amaldiçoado nome de SUED, o adversário contra quem bradara graves acusações perante aquele tribunal.

Querendo livrar o profeta Elias do embaraço, que não era somente seu, mas de toda a assembléia dos acusadores, o principezinho fez outra pergunta:

-O que acontece quando ABA, Pai em hebraico, transpõe uma muralha de espelho?

Como Elias permaneceu mudo, eu respondi por ele, afirmando que ABA continuava sendo ABA.

Minha resposta teve o efeito de uma bomba, pois entre as hostes santas se cria que Deus era o Pai dos filhos da luz enquanto Sued era o Pai dos filhos das trevas.

Capítulo 15. O Pequeno Príncipe que vestido de Papai Noel preparava pouco a

pouco a grande assembléia de meus acusadores para a grandiosa revelação, prosseguiu:

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-Foi através das duas abóboras reconciliadas e rendidas ao fim da grande luta contra Rosa Vermelha, que consegui edificar pela combinação das suas 14 letras, o portal, o oroboro e meu novo nome, Aba, sem os quais eu não teria alcançado Sião em tempo de participar deste Grande Concurso Escatológico.

Todos ficaram curiosos para saber de que forma o principezinho conseguira formar o portal, o oroboro e seu novo nome, com o qual os alcançara com aquele seu trenó cheio de presentes.

Enquanto mantinha em sua mão esquerda o pergaminho com os nomes invertidos das abóboras, o principezinho elevou com a mão direita um segundo pergaminho, onde as 14 letras estavam reagrupadas na seguinte ordem:

BAAB, OROBORO, ABA. Depois de conferirem as letras para ver se não havia letra demais ou

de menos, todos se maravilharam com o resultado, pois BAAB, além de significar PORTAL em hebraico, quando transliterado forma a data em que se consumaria a contagem regressiva para o castigo: 21/12.

O mais incrível é que as três palavras, consistiam em palíndromos, conservando o mesmo sentido tanto numa leitura da esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda.

Capítulo 16. A numerosa assembléia dos filhos da luz se perguntava agora sobre

a identidade daquele principezinho que com suas alegorias e magia alcançada através das duas abóboras, fora capaz de causar-lhes tanto assombro. Como sua aparição se dera ao fim da contagem regressiva dos sete minutos, quando se esperava pela presença do Réu, todos se perguntavam, incrédulos:

-Seria acaso contra esse gracioso principezinho, que travamos nossas sangrentas pelejas? Serie esta eterna criança, o tirano que afrontou o Todo Poderoso?

Não, não poderia ser. Ou poderia? Não viera o principezinho dalém da muralha de espelho, daquele asteróide que se tornara no símbolo da maldição?

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Em vez de esclarecer o maior dos enígmas, o Pequeno Príncipe perguntou:

-Vocês querem saber que fim levou o Baobá? Todos queriamos saber, é claro. Apontando para o enorme trenó repleto com os presentes, o

principezinho respondeu: -Ali está o Boab como vocês o chamam do lado de cá do espelho. Mostrando-nos o seu volante, o principezinho nos revelou como

conseguira fazer com que se transformasse naquele trenó, apto a transpor a muralha de espelho, sem que sofresse alteração na ordem de suas letras.

- Como eu o nomeara BAOBÁ, aproveitei a letra O para o volante e em seu lugar, coloquei a derradeira letra A de seu nome. Foi assim que o Baobá deixou de ser uma maldição, tornando-se BAAB.

Maravilhados diante da alquimia que fora capaz de transformar tão grave ameaça em um símbolo da reconciliação entre Oriente e Ocidente, todos o aplaudiram aclamando-o como um super-herói.

Como chegara o momento para a grandiosa revelação, tomei o Pequeno Príncipe em meus braços e fazendo-o assentar no trono em que eu presidira o julgamento, declarei para espanto de todos, ser ele o Grande Pai que, para salvar-me naquele julgamento, trocara de lugar comigo.

Todo o reino da luz emudeceu, pois não esperavam por semelhante desfecho.

Capítulo 17. Saltando do trono, nosso Pai que se fizera criança para me salvar,

correu até o trenó de onde retornou arrastando um enorme saco de seda vermelho.

Com um amplo sorriso, nosso Papai Noel anunciou: -Vamos comemorar nosso triúnfo com um ato simbólico. Curvando-se sobre o saco, o Pequeno Príncipe retirou uma linda pipa

azul e colocando-a em minhas mãos, revelou: -Esta eu moldei para você. Voltou a se curvar e uma segunda pipa irrompeu, na cor amarela.

Correndo para o profeta Elias, disse: -Esta eu a moldei para você, que muito contribuiu para esta festa.

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Como havia pipas para todos, pedi que se formasse uma fila. Quando toda a assembléia dos acusadores receberam as pipas,

perguntei para nosso Papai Noel: -Como haveremos de empiná-las, se não temos as linhas? Com um sorriso de triúnfo, meu super herói respondeu: -Você se esqueceu de que é chegado o Grande Jubileu, quando os

cativos devem ser libertos de suas prisões? Havendo dito estas palavras, o Pequeno Príncipe fez surgir com o

sopro de sua boca um redemoinho muito suave e, soltando nossas pipas, elas começaram a se elevar numa linda espiral multicor, numa jornada rumo ao infinito.

Foi então que as hostes da luz, ao fitarem as pipas em sua ascensão, avistaram as hostes remidas que irrompiam com cânticos das alturas, para o feliz encontro da reconciliação.

E o que cantavam os cativos que haviam sido trazidos de volta ao lar por papai?

Cantavam a mais linda das profecias que fora composta por Guilherme Arantes, um músico e poeta brasileiro, que jamais deixou de ser criança:

Amanhã, será um lindo dia da mais louca alegria

Que se possa imaginar, Amanhã!

Redobrada a força pra cima que não cessa,

Há de vingar Amanhã,

Mais nenhum mistério Acima do ilusório

O astro rei vai brilhar. Amanhã,

A luminosidade Alheia a qualquer vontade

Há de imperar. Há de imperar.

Amanhã, Está toda a esperança, Por menor que pareça, Existe e é prá vicejar.

Amanhã,

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Apesar de hoje, Será a estrada que surge

Prá se trilhar. Amanhã,

Mesmo que uns não queiram, Será de outros que esperam

Ver o dia raiar. Amanhã!

Ódios aplacados, Temores abrandados,

Será pleno. Será pleno.

Capítulo 18. As hostes celestes que ainda há pouco, dominadas pelo furor e

desejo de vingança, haviam clamado pela presença do Réu, fitavam agora desconsertadas os céus que se fizera radiante com a presença daqueles que esperavam ver lançados no fogo do inferno.

E os redimidos não cessavam de repetir em retumbante cântico, a profecia de Guilherme Arantes:

Amanhã,

Mesmo que uns não queiram, Será de outros que esperam

Ver o dia raiar. O sentimento de que haviam sido traídos pelo Todo Poderoso, por

quem haviam travado suas heróicas batalhas, começou a se apossar do coração das hostes santas. Por que lhes ocultara por tanto tempo seus planos de salvação, insuflando nos exércitos da luz através dos profetas hebreus, a sêde de vingança contra os inimigos?

O Grande Pai que se fizera criança a fim de abraçar todos os seus filhos, trouxera em seu trenó um tonel repleto de livros que haveriam de esclarecer seus eternos desígnios. Ao lê-los, os filhos da luz haveriam de compreender que não teriam conseguido trazer de volta ao lar os rebelados, sem rendê-los nas decisivas batalhas que precederam o Juízo Final.

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Fora com o propósito de preparar os exércitos da luz para aquela hora de sua prova, que o Pequeno Príncipe lhes contara a alegoria das duas abóboras. Não teria surgido a ponte reconciliadora entre Oriente e Ocidente, formada pelos palindromos: BAAB, OROBORO e ABA, caso as duas abóboras não houvessem se rendido ao fim das cruentas batalhas contra Rosa Vermelha.

Isto significava que, para que o grande desafio representado pelo 21 de dezembro de 2012 fosse superado, sendo fundado sobre a Terra o reino da eterna paz, se esperava agora da parte das hostes da luz, uma rendição.

Todavia, para aquele formidável exército, acostumado às glórias de seu Norte, tal prova era por demais dolorosa. Reconhecer os antigos companheiros de infância, transformados em demônios pela queda, como filhos do mesmo Pai, era por demais insuportável. Mas quando o fizessem, teriam como prêmio a maior das revelações, ao reconhecerem que, muito mais que irmãos, eram todos a emanação do mesmo Pai, que haveria de reinar sobre eles a partir de agora, como uma criança.

As hostes remidas em seu avanço para o memorável reencontro, passaram a cantar outra canção de Guilherme Arantes, intitulada: Meu Lindo Balão Azul.

Eu vivo sempre no mundo da lua,

Porque sou um cientista o meu papo é futurista... Tenho alma de artista, sou um gênio sonhador e romântico,

Eu vivo sempre no mundo da lua, Porque sou aventureiro desde o meu primeiro passo pro infinito...

Eu vivo sempre no mundo da lua, Porque sou inteligente,

Se você quer vir com a gente, Venha que será um barato,

Pegar carona nessa cauda de cometa, Ver a Via Láctea estrada tão bonita,

Brincar de esconde-esconde numa nebulosa, Voltar prá casa, nosso lindo balão azul.

Capítulo 19. Eu que me rebelara no esforço em fundar sobre a Terra um reino

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onde todos pudessem ser para sempre crianças, mas que vira todos os meus esforços desfeitos pelos exércitos da luz, agora, como que a sonhar via meus heróicos soldados, que ao meu lado tanto haviam sofrido, a entoar das alturas o cântico de nosso triúnfo. Todavia, para que nossa conquista se completasse, aquela assembléia formada de adultos durões, contra as quais haviamos travado nossas pelejas desiguais, teria de se render, abraçando nossos planos para com o planeta Terra que, em vez de assolado pelos castigos, se tornaria na sede de nosso reino.

Para minha grande alegria, as sombras das grandes mágoas foram se arrefecendo no semblante dos filhos da luz, dando lugar a uma expressão juvenil.

Me emocionei quando senti em minhas mãos, os toques das mãos do arcanjo Micael e do anjo Gabriel. Com as faces banhadas pelas lágrimas, aqueles que haviam ocupados os principais postos de liderança na grande luta, agora, comovidos e com os lábios a tremer pela emoção, entoavam a canção que ia se avolumando cada vez mais, em ecos de triúnfos:

Se você quer vir com a gente, Venha que será um barato,

Pegar carona nessa cauda de cometa, Ver a Via Láctea estrada tão bonita,

Brincar de esconde-esconde numa nebulosa, Voltar prá casa, nosso lindo balão azul.

Estreitando-os em meus braços, os beijei enquanto, reconhecidos,

eles me diziam: -Perdoa-nos, pois somente agora reconhecemos que estivemos o

tempo todo lutando contra nosso Grande Pai, pois todo esse sonho nasceu na grandeza de seu Espírito.

Consolando-os, disse: -Quando despertei em meu vazio e me reconhecendo como o NADA

me lembrei de haver sonhado, todos vocês haviam despertado em mim. Eu Sou cada um de vocês, e se me portei de modo tão vil, fazendo intensificar as sombras sobre a Terra, foi para tornar o nosso alvorecer ainda mais lindo.

Com um sorriso em meio às lágrimas, o anjo Gabriel que fora o portador de muitas visões e profecias sobre os castigos, me disse:

-Esperávamos que fossemos nós os anjos da luz a pedra a cair sobre os pés da estátua, conforme relata o profeta Daniel em seu livro, e eis que as coisas se invertem por fim.Isso é difícil de se suportar.

Enxugando-lhes as lágrimas, afirmei:

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-Mas a dor logo passará e todos os filhos da luz compreenderão que tudo o que fiz, foi pensando no melhor para todos os meus filhos.

Capítulo 20. Quando as hostes remidas estavam prestes a pousar entre os seus

irmãos, papai que trocando de lugar comigo se revelara na pessoa do Pequeno Príncipe, colocando-se ao meu lado retirou do bolso e sua calça de veludo um pequeno espelhinho redondo emoldurado por um oroboro. Fiquei surpreso ao reconhecê-lo como aquele que eu encontrara oculto no porão de nossa casa, ali em Monte Sião. Fora por meio dele que eu desbravara todo aquele futuro de glória que agora se descortinava perante nós. Todavia, há muito eu não via.

Eu o perdera ao transpor a muralha de espelho que em Órion separa o Oriente do Ocidente. Seria através dele e de seus poderes mágicos, que eu pretendera criar o meu reino infantil.

Fora no esforço em encontrá-lo que eu revolvera toda a Terra até transformá-la numa completa ruína, enquanto mantinha minhas guerrilhas contra as hostes santas.

Eis que derrepente, como num passe de mágica, o oroboro reaparece nas mãos do Pequeno Príncipe.

Dando uma piscadela para mim, o principezinho fitou as hostes antagônicas que, a um passo de se reencontrarem, e disse enquanto lhes mostrava o oroboro:

- Eu lhes mostrei ainda há pouco como consegui formar mediante a reconciliação das duas abóboras antagônicas, o oroboro sem o qual eu não teria alcançado Sião em tempo de participar do Grande Concurso Escatológico.

-Vou contar agora para vocês, prosseguiu, como surgiu este pequeno oroboro através do qual me afastei de Sião, em busca de meu asteróide que jazia perdido em meio às trevas ocidentais, para além da muralha de espelho.

- Como vocês podem ver, disse o principezinho, o oroboro se formou no momento em que esta serpentezinha que estás em minha mão, no inento em devorar a Si Mesma, abocanhou sua própria cauda.

Pois vou contar para vocês a história desta serpentezinha, e o que a levou a abocanhar sua cauda.

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O Pequeno Príncipe com sua maneira cativante de contar histórias, principiou, dizendo:

Tudo começou quando esta serpentezinha que se chamava Nat, despertou em Sião. Ao abrir os olhos, se maravilhou ao se descobrir num reino de sonhos, povoado por numerosas serpentezinhas, semelhantes a ela, que a aclamavam como rainha.

O que a tornava soberana era Urim, uma pedrinha de grande brilho que simbolizando justiça, refulgia em sua corôa.

O reino da luz prosperava em sua paz quando Nat foi advertida em sonho, sobre uma ameaça.

No sonho, uma coruja lhe informava de que para além das divisas de seu império, havia um imenso deserto no meio do qual florescera um Baobá.

- O perigo não está no Baobá, dizia-lhe a coruja, mas em Tan, uma serpentezinha muito parecida com você, que fez de sua sombra a sua morada.

-Por qual razão hei de temer esta solitária serpentezinha? Perguntou Nat para a coruja.

- Pelo fato de que ela faz planos de se apossar de sua corôa. Respondeu a coruja, acrescentando com seus olhos bem arregalados: -Como eu a conheço e sei que é traiçoeira, quando menos se esperar ela vai dar o seu bote certeiro.

Atemorizada Nat perguntou para a coruja como poderia reconhecê-la entre as demais serpentes, para precaver-se.A coruja respondeu:

- Ela pode ser reconhecida pelo negror de Tumim, a Pedra da Culpa que a acompanha por onde quer que vai.

Quando Nat despertou pela manhã e se lembrou de seu sonho, a primeira coisa que fez, foi convocar seus súditos para advertí-las do perigo.

-Se acaso lhes aparecer uma serpentezinha muito parecida comigo, afirmando ser a rainha, muito cuidado.

-Contou-lhes então sobre Tan e seus planos, para arrebatar-lhe a corôa.

-Como haveremos de conhecê-la? Perguntaram as serpentes ao que Nat respondeu:

-Muito fácil. Basta observar sua corôa; Enquanto brilha sobre minha cabeça Urim, sobre sua cabeça se encontra o negror de Tumim, a pedra da culpa.

A paz que até reinara em Sião desapareceu, dando lugar ao mêdo. O pensamento de que a qualquer momento poderiam ser atacados por Tan,

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os enchia de um pavor crescente. Por fim compreenderam que, a ficarem ali acuados, o melhor seria

partirem para o ataque. Organizou-se então um formidável exército e tendo Nat a frente, partiram determinados a capturarem Tan.

Como a coruja não revelara a posição geográfica do Baobá, iniciaram a busca através de uma jornada em expiral, que ia se ampliando mais e mais, rumo ao infinito.

Quando avistaram por fim o Baobá em meio ao deserto,Nat no intento de insuflar coragem em seu exército fatigado, prometeu com juramento, engolir viva sua rival, quando a capturasse.

Quando se estreitou o cerco ao Baobá, em vez de serpente, tudo o que encontraram foi um velho Urubu Rei, pousado na copa da árvore.

- Bom Dia. Disse a serpentezinha para o Urubu Rei. -Bom Dia, respondeu a ave espantada diante de tantas serpentes

vorases. -O que busca na solidão de meu deserto?Perguntou Urubú Rei. Com voz irada, Nat afirmou: -Venho a procura de Tan, uma serpente que se parece muito

comigo, que reside no tronco deste Baobá. Temendo que Nat e seu exército roessem o Baobá em busca da

rival, Urubu Rei que jamais vira na solidão de seu deserto uma serpente sequer, inventou uma mentira, no intento de afastar o perigo.

-Eu conheço a serpente da qual falam. De fato ela residiu por muito tempo ao pé deste Baobá. Mas ela há muito que partiu para uma terra distante. Ela foi avisada em sonho por uma velha coruja sobre um tesouro que jáz oculto numa montanha chamada Sião,e para lá partiu.

Tomados de espanto, Nat e seu exército de serpentes bateram em retirada, deixando o Urubu Rei e seu velho Baobá em paz .

Como Tan não deixara rastros e não sabiam que rumo tomar para alcançar Sião, tiveram de repetir toda a expiral, em sentido contrário.

Quando lá chegaram, Nat já não era aquela corajosa rainha que prometera engolir viva sua rival.

Diante da fraqueza da rainha, o exército se dividiu, ficando dois terços do lado de Tan, a invisível rainha e um terço do lado de Nat, que foi forçada a fugir para o exílio, indo se instalar ao fim de longa jornada de fuga, ao pé do Baobá.

Somente então, em conversa com o Urubu Rei de quem se tornou amiga, Nat ficou sabendo de que jamais vivera ali qualquer serpente, e que tudo fora uma mentira.

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Animada pela certeza da vitória, Nat retornou a Sião onde desafiou a invisível Tan para um duelo de vida ou morte.

Maravilhadas diante de tamanha coragem, as serpentes daquele reino de luz aceitaram o desafio e Nat foi conduzida para junto do trono onde se assentavas Tan, a Rainha Invisível.

Sem revelar nenhum temor, Nat se encaminhou para o seu antigo trono em torno do qual formou com seu corpo o cêrco. Somente então descobriu a pedra negra que carregara o tempo todo na ponta de sua cauda. Era Tumim, a pedra da culpa.

Como a invisível Tan, mesmo encorajada pelos brados dos exércitos da luz, não reagia, Nat teve de ser readmitida como a soberana rainha do império da luz.

O Pequeno Príncipe que através desta alegoria preparava os exércitos para reconhecerem o Réu, como o Soberano Senhor e Rei Universal, prosseguiu:

-Como prometera a seus súditos que no dia que se capturasse sua rival, a engoliria viva, Nat abocanhou sua cauda. Foi assim que surgiu este oroboro primordial e seu espelho, através do qual o Nada se fez Adan, e Adan se fez Sued, e Sued se fez no Deus Invisível, de quem temeroso fugiu. Mas unidos pela aliança do oroboro, Sued e Deus se faz Um e seu nome será NATAN.

Capítulo 21. O Pequeno Príncipe lançou um olhar risonho para os céus de

Jerusalém, onde jazia a terça parte das hostes celestes que, em distante passado, seguira o Réu para o exílio. Voltando-se depois para a numerosa assembléia dos filhos da luz, consumou a alegoria do oroboro, dizendo:

-Ao ser reentronizada pelos seus antigos súditos, estes perguntaram para a rainha que, reconciliada com sua rival, se fizera Natan:

-Onde estão aquelas serpentes que permaneceram leais a você quando a forçamos ao exílio?

Erguendo os braços num gesto reconciliador, o principezinho concluiu a alegoria que deixara de ser uma alegoria:

- Apontando com Tumim para as alturas, Natan respondeu: -Elas retornaram comigo para o lar, e agora mesmo cobrem os

céus de Jerusalém aguardando vossa permissão para pousarem em vosso meio, voltando a ser completas ao vosso lado.

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As hostes da luz que ainda há pouco haviam ansiado pela destruição dos exércitos vencidos de Sued, se curvaram arrependidas perante o trono, reconhecendo o quanto as haviam feito sofrer.

Teve então lugar no seio da Jerusalém Celeste a reconciliação dos exércitos espirituais, sem a qual o 21 de dezembro de 2012 não teria um alvorecer feliz.

Capítulo 22.

Chegara o momento em que o Pequeno Príncipe haveria de oferecer aos exércitos reconciliados, os presentes que ele preparara com muito carinho.

Saltando para cima do trenó que fora talhado na madeira do Baobá, o Pequeno Príncipe retirou um manto acetinado azul que estivera o tempo todo a encobrir uma esfera gigante.

Para surpresa e risos de todos, era a melancia que ele colhera do ramo que plantara sob a sombra do Baobá, e que fora irrigado pelo sangue do carneiro.

Auxiliado pelo profeta Elias e pelos arcanjos Miguel e Gabriel, o Pequeno Príncipe a fez rolar para junto do trono.

- Haveremos de inaugurar nosso reino com um grande banquete para o qual vos trouxe esta deliciosa melancia. Afirmou radiante.

Dando-me a honra de partí-la, como eu não tinha sequer um canivete ao meu alcance, o profeta Elias me emprestou sua espada de ouro.

Erguia a espada em minhas duas mãos quando o principezinho com ar temeroso me fitou e disse:

-Se eu fosse você, eu a partiria com o maior cuidado possível.

Baixei então a espada e em vez de desferir-lhe um golpe, imaginando-a como um grande ovo, passei a romper cuidadosamente sua casca. Para minha surpresa e encantamento de todos, irrompeu da melancia Ana, a professora por quem eu me apaixonara em minha infância, a ponto de trocar as glórias de Sião pelas trevas e sofrimentos de meu mundo condenado.

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Tomando-a em meus braços em meio as aclamações de triunfo das hostes reconciliadas, a fiz assentar no trono universal onde lhe prestamos louvores de adoração, pois fora ela a Grande Mãe que tudo sacrificara para que aquele lindo alvorecer de seus sonhos se tornasse numa realidade.

E pensar que ao fim de tantas lutas e sacrifícios, num gesto descuidado de minha parte, eu poderia tê-la golpeado com a espada do profeta Elias.

Capítulo 23.

Retornando ao trenó, o Pequeno Príncipe retirou um segundo manto de cor dourada, deixando à mostra um enorme tonel de bronze.

O tonel estava repleto pelos originais da obra literária que estivera a compor na solidão de seu asteróide, enquanto esperava pacientemente pelos frutos.

-Ao ler estes livros, disse o Pequeno Príncipe, vocês conhecerão os grandes Segredos do Alquimista, preparando-se para o feliz alvorecer que nos espera.

Escritas sob diversos pseudônimos, suas obras traziam títulos significativos, como:

Duelo de Pipas nos Céus de Jerusalém.

O Mago do Espelho.

A Volta do Poeta.

Urim e Tumim – O Reencontro de Duas Pedras Preciosas.

O Rolo Levita.

O Codificador da Torah e os Desafios 5.760, e 5.766.

O Livro de Melquisedeque.

O Teólogo e o Palhaço.

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Yahwéh e Marduc – Duelo dos Titãs.

Revelações de um Vira-Lata.

Athanasios Y.

Capítulo 24.

Havendo nos confiado suas obras literárias, o Pequeno Príncipe pediu que se formasse uma fila, pois queria que todos fitassem através do oroboro o futuro risonho que preparara com tanto carinho para todos os seus filhos.

A começar pelo profeta Elias, formou-se numa imensa fila que parecia não ter fim. Postado entre Ana e eu, o principezinho pediu que Elias se curvasse, pois unicamente nessa posição se poderia contemplar as riquezas encerradas do outro lado da muralha de espelho, e que unicamente poderiam ser desvendadas através daquele diminuto oroboro.

Quando Elias curvado perante o Pequeno Príncipe fitou o oroboro, se maravilhou diante dos encantos de uma nova Terra que, qual noiva, jazia adornada a espera de seu esposo. Era o lindo balão azul sobre o qual profetizara Guilherme Arantes, o mais genial dos profetas que se revelara como o vencedor do Grande Concurso Escatológico, por haver adivinhado os secretos planos do Criador para a humanidade que passaria a ser criança.

Quando o derradeiro da fila desfrutou da visão, permiti que Ana fitasse o oroboro.

Com seu jeito sedutor de professora, Ana se curvou, enquanto eu me lembrara do dia em que explorando-a através do oroboro, eu deixara de ser criança.

Quando Ana se ergueu e me preparava para me curvar, ela me enlaçou o pescoço e nos unimos num beijo apaixonado. Então lhe disse:

- Saiba querida, que por você eu beijei o barro, lambi abóboras e melancias. Por você me enlouqueci de amores, e tão distante fui em sua procura, que me perdi.

Voltando a me beijar, Ana revelou:

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-Mas foi se perdendo que você me encontrou.Agora, de volta ao meu trono como Rainha, posso cumprir a promessa que fiz a mim mesma antes de me tornar Tan, ou melhor, Tanatos, a deusa da escuridão.

Voltamos a nos beijar enquanto as hostes, com brados de triúnfos nos aclamavam como soberanos.

-Agora fite o oroboro, ordenou Ana, e veja o reino que criei para nós.

Quando me prostrei, irromperam do oroboro as cenas de uma Terra renovada, cheia de encantos.

A visão se ampliou e me maravilhei ao ver que a região dos paralelos 15 e 20, onde eu fincara minhas raizes de Baobá, que é a cidade de Brasília, se encontrava agora o trono universal.

Vendo minha comoção, Ana se curvou, segredando ao meu ouvido:

-Tudo isso eu fiz para você.

Após fitar demoradamente o glorioso futuro que nos aguardava, me ergui e fitei os olhos meigos do Pequeno Príncipe que, com ternura, afirmou:

-Agora que cumpri minha missão entre vocês, posso retornar para o meu asteróide.

Espantado diante de suas palavras, perguntei:

-Você vai nos deixar logo agora que a festa começou, indo para a solidão de seu asteróide?

O principezinho que fora o nosso super herói, respondeu:

-É que ficou lá à minha espera Rosa Vermelha com seus quatro espinhos. Quando parti em minha jornada, eu lhe prometi que retornaria para ela assim que o julgamento terminasse.

Tomando-o nos braços o beijei, agradecendo por tudo o que fizera por nós.

Foi muito triste vê-lo partir em seu trenó vazio, sendo levado pelas aves. Mas ele estava muito feliz em poder abraçar brevemente sua

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Rainha.

Fizemos então um juramento, de que quando o reino da eterna felicidade e paz fosse inaugurado sobre a Terra, o Pequeno Príncipe seria o nosso Rei e Rosa Vermelha nossa Rainha. Estávamos certos de que sob seu governo, jamais deixaríamos de ser crianças.

Conclusão do Discurso

Quando de sua passagem pelo planeta Terra, o Pequeno Príncipe parou diante de um templo onde iniciava um culto evangelístico.

-Boa Noite, disse o principezinho ao diácono que recepcionava os convidados à porta do templo.

Como o diácomo pareceu não notá-lo, o Pequeno Príncipe repetiu sua saudação:

-Boa Noite.

Ocupado em recepcionar os adultos, o diácono mostrou-lhe com um aceno da mão esquerda o salão aos fundos da igreja onde se realizava uma programação especial para as crianças.

No salão fora montado um cenário especial no qual se destacava um enorme globo terrestre e sobre ele um descomunal gigante em posição de sentido. Ao fitá-lo, o Pequeno Príncipe se lembrou do Baobá.

De pé ao lado do globo estava Sara, uma linda missionária que com auxílio de um comprido bastão, explicava o significado da estátua.

Contou que certa vez Nabucodonosor, o rei de Babilônia, tivera um sonho do qual se esquecera. Convocando os sábios e advinhos a sua presença, prometeu cobrir de honras e riquezas aquele que se revelasse capaz de advinhar o sonho, desvendando o seu mistério.

Daniel, um exilado hebreu, foi quem o revelou.

-O rei sonhara com este gigante. Disse a missionária.

Com auxilio de um comprido bastão, Sara passou a revelar para as crianças o significado de cada parte da estatua.

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-A cabeça de ouro representa o império babilônico que se estendeu de 605 a 539 A.C.

-O peito de prata representa o império Medo- Persa que se estendeu de 538 a 331 A.C.

-Os quadrís de bronze, simboliza o império da Grécia que durou de 331 a 168 A.C.

-As pernas de ferro simbolizam Roma que dominou de 168 AC a 478 D.C.

Sara fez uma pausa antes de revelar o significado dos pés do gigante.

-Quanto aos pés, onde se observa uma mistura de ferro com o barro, eles simbolizam os reinos que se seguiram ao Império Romano, que perduram até hoje.

Fitando os pés da estátua, o principezinho lamentou:

- Seria tão bom se as raizes do Baobá fossem de barro! Assim, eu poderia derrubá-lo mais facilmente.

Sara preparara uma grande surpresa para as crianças naquela noite.

Ao som do Aleluia de Haendel, se despreendeu do teto a miniatura de um asteróide que caindo aos pés do gigante, o transformou em pedaçinhos.Para surpresa das crianças, Sara ocultara em cada pedacinho do gigante, um presentinho para as crianças.

Enquanto os meninos e as meninas se alegravam com as surpresas, o cenário foi transformado por uma equipe num parquinho de diversões, com muitos brinquedos.

-Vamos fazer de conta que este é o paraíso. Disse a missionária, acrescentando com um sorriso:

-Quero ver todos aqui no palco, brincando. Venham, venham, há lugar para todos vocês.

Não demorou para que as crianças, entre as quais se encontrava o Pequeno Príncipe, elegessem o escorrega como o brinquedo mais

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empolgante. Para descer por ele, as crianças que agora formavam uma enorme fila, tinham de galgar primeiro o Monte Sinai, que se elevava quase até o teto do salão.

Quando as crianças se cansaram de subirem e descerem, colocando perante elas uma enorme melancia, Sara disse:

-Vamos fazer de conta que esta melancia é o fruto da árvore da vida.

A melancia foi partida e distribuída entre as crianças.

De sua porção, que estava uma delícia, o Pequeno Príncipe retirou com todo cuidado uma semente, guardando-a em seu bolso.

Compreendendo a grandeza de seu gesto, Ana que se revelara a ele naquela noite disfarçada de missionária, piscando-lhe um olho, disse com um sorriso:

- Cuide muito bem de suas três sementes, pois delas irromperão os frutos que descerrarão para o mundo o reino de Deus.

Sete dias antes, num momento de muita fome, o principezinho fora obrigado a se servir dos restos de uma abóbora que fora lançada aos porcos. Fora daqueles restos que ele resgatara as duas sementes.

Correspondendo a piscadela de Sara, o Pequeno Príncipe prometeu que haveria de cultivar com muito amor suas três sementes.

O principezinho que ao retornar para o asteróide Amor se lembrava destas coisas, chorou ao pensar no quanto fizera Rosa Vermelha sofrer com suas abóboras.

Agora que consumara sua árdua e difícil tarefa, haveria de realizar o seu mais lindo sonho, que era o de servir para sempre sua Rainha, sendo-lhe um jardineiro dedicado e fiel.

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Epílogo

A numerosa platéia me aplaudia pelo discurso quando, chamando para junto de mim Ana Marklem, a rainha pela qual eu fizera minha longa jornada de busca, dei-lhe a palavra.

Com o mesmo charme com o qual ela me conquistara quando eu era seu aluninho lá em Monte Sião, Ana disse:

- O que vou lhes dizer, se resume em três palavras: EU SOU VOCÊ. Ou seja: SOMOS TODOS UM.

Ana fez-nos um pedido:

- Quero que cada um de vocês se volte para aquele que esta ao seu lado, e diga-lhe:

- EU SOU VOCÊ, VOCÊ É EU, SOMOS TODOS UM.

Após nos cumprimentarmos com esta saudação, Ana prosseguiu:

-Pense agora, em caso de os ter, nos seus adversários. Se não se encontram por perto, diga-lhe em seu íntimo:

-EU SOU VOCÊ, VOCÊ É EU, SOMOS TODOS UM.

Ana foi além:

-Pense em cada ser humano que já viveu sobre a Terra e naqueles que ainda irão nascer, e diga-lhes na grandeza de seu coração:

-EU SOU VOCÊ, VOCÊ É EU, SOMOS TODOS UM.

Ana Marklem nos conduziu por fim ao ponto culminante de sua revelação sobre nossa identidade:

-Pense agora no ser Supremo a quem voce costuma dirigir seus louvores de adoração, e diga na grandeza de seu coração:

-EU SOU VOCÊ, VOCÊ É EU, SOMOS TODOS UM.

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Fitando a multidão reunida em Brasília para o maior natal da história, Ana Marklem disse:

-Agora que vocês afirmaram a essência do EGO que habita em cada ser, estão preparados para conhecerem as revelações contidas na série Segredos do Alquimista que Natan Sued, o Filho da Reconciliação, compôs na solidão de seu asteróide chamado Amor.

-Mas antes de apresentá-los, prosseguiu Ana Marklem, hei de resumir através de uma alegoria, a história de nossa grandiosa busca.

“Tudo começou quando o maior dos alquimistas, cansado da solidão de seu deserto, resolveu criar réplicas de Si Mesmo.

Ao fim de uma eternidade de buscas infrutíferas, o Alquimista conseguiu criar através dos espelhos côncavo e convexo de um oroboro, os cosmos espiritual masculino e material feminino, aos quais deu os nomes de ZEN e ID.

O até então solitario Alquimista que se chamava EGO, se alegrava na expectativa dos frutos desse feliz casamento, quando surgiram as contendas que colocaram em riscos seus planos de povoar o Universo com miniaturas de seu ser.

Tomando-me em seus braços, Ana Marklem causou grande surpresa ao revelar:

-Aquele que em sua grandeza fizera nascer os cosmos antagônicos, sustentando-os nas palmas das mãos, compreendeu haver apenas uma maneira de conciliar o casal em luta. Tal passo, todavia, requereria dele um grande sacrifício, pois teria de abrir mão de sua condição de Super Gigante, tornando-se no filho unigênito do casal.

-Foi então que teve lugar o Big Bang do Amor que o Universo do EGO fez nascer, e nele o Alquimista encarnado em cada ser humano.

Terminado o seu revelador discurso, Ana Marklem empunhando sua varinha mágica, fez se materializar sobre o palco uma réplica da ponte JK, um dos mais belos monumentos de Brasília.Sob os seus três arcos entrelaçados, dos quais jorravam raios de luz, Ana Marklem escreveu com

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sua varinha mágica as 8 letras da reconciliação. Sob o primeiro arco da ponte, à esquerda da platéia delirante, escreveu em cor dourada o nome ZEN; Sob o arco do meio escreveu em côr verde o nome EGO, enquanto sob o terceiro arco, escreveu em azul o nome ID.

Com um sorriso de triunfo, a Rainha da Paz afirmou:

-Esta é a ponte da reconciliação na qual todos nós trabalhamos, para que se concretizasse neste dia festivo, o Natal do Pequeno Príncipe.

Eu que chegara a considerar vãos os meus esforços em compor a série Segrêdos do Alquimista, tive a maior das surpresas quando Ana dirigindo-se trenó, nos mostrou um enorme tonel de bronze, na curvatura do qual estava escrito em alto relevo as 8 letras da reconciliação: ZENEGOID.

Enquanto a rainha o fazia rolar suavemente para o centro do palco, sobre uma passarela de veludo vermelho, notei que as letras em alto relevo do tonel iam sulcando o nome de DIOGENEZ.

Comovido me lembrei que em muitos de meus livros, eu empregara a figura do filósifo grego, Diógenes, o Cínico, como uma ilustração da longa jornada de Deus ( Dio) através do Genes (Vida), em busca de Si Mesmo. Segundo a lenda, Diógenes que morava na solidão de um tonel, se lançou em busca de um tesouro oculto.

Eu que vivera o drama de Diógenes em minha busca, somente encontrei meu tesouro quando, abrindo mão das conquistas de minha vida adulta, reconheci ser minha infância há muito esquecida, o tesouro pelo qual eu fizera tão longa jornada. Fora resgatando a criança que eu fora um dia, que alcançara toda a riqueza daquele natal.

Num gesto de triúnfo, Ana Marklem descerrou o tampo do tonel de bronze, fazendo dele jorrar, para a minha alegria, milhares de cópias dos livros da série Segredos do Alquimista que eu dera por perdida, por considerá-las frutos de minha vida adulta.

Antes de distribuí-los graciosamente para as multidões, Ana Marklem disse em tom triunfal:

-Estes livros consistem no presente de natal que preparamos para todos vocês. Leiam-nos com carinho, inteirando-se de suas grandiosas

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revelações, pois por meio delas a humanidade terá ciência das boas novas sobre o reino da eterna felicidade e paz que nos está nascendo.

Sobre a data 21 de dezembro de 2012 que eu introduzira em meu discurso, Ana Marklem alertou:

-Quando esse dia chegar e olhando ao derredor, você não notar nada incomum, saiba que na alma do mundo, tudo mudou, pois a muralha de espelho que por uma eternidade manteve separados o espiritual do material, terá para sempre ruído.Em outras palavras: o casulo terá rompido, para que a borboleta possa alçar livremente seu vôo para as alturas. Então, reconhecido e grato, diga naquele dia, e mesmo agora para a alma do mundo:

- EU SOU VOCÊ, VOCÊ É EU, SOMOS TODOS UM.

FIM

A Série Segredos do Alquimista serão disponibilizados através do seguinte endereço na internet: