o retorno do jovem principe

10
Tradução de Elsa T. S. Vieira A. G. ROEMMERS O REGRESSO DO JOVEM PRÍNCIPE

Upload: matheus-nunes

Post on 20-Nov-2015

93 views

Category:

Documents


10 download

DESCRIPTION

Uma história narrada em um cenário conturbador, uma guerra: Ciência ou Religião. Visão pessoal: Existe o "Retorno do Jovem Principe" mas também existe outro livro situado nas entrelinhas desta obra, mas isso, somente loucos para esse mundo poderão compreender.

TRANSCRIPT

  • Traduo de

    Elsa T. S. Vieira

    A. G. ROEMMERS

    O REGRESSO DO JOVEM PRNCIPE

  • 13

    Captulo I

    Ia de carro por uma estrada isolada na Patagnia (aquela terra que foi buscar o seu nome tribo nativa supostamente com gran-des ps ou patas) quando, de sbito, vi beira da estrada um volume de aspeto estranho. Instintivamente, abrandei e, para meu grande espanto, vi uma madeixa de cabelo loiro a espreitar

  • O REGRESSO DO JOVEM PRNCIPE

    14

    de baixo de um cobertor azul que parecia estar enrolado volta de um corpo humano. Parei o carro e, quando sa, fui comple-tamente apanhado de surpresa. Aqui, a centenas de quilme-tros da povoao mais prxima, no meio de uma faixa de terra deserta onde no se via qualquer casa, cerca, nem sequer uma rvore, um jovem dormia placidamente sem o mnimo indcio de preocupao no rosto inocente.

    Aquilo que eu confundira com um cobertor era, na realidade, uma grande capa azul com dragonas, sob a qual conseguia agora ver um forro encarnado e um par de calas brancas, como cal-as de equitao, enfiadas num par de botas de cabedal pretas e brilhantes.

    O conjunto dava -lhe um ar principesco, incongruente nestas latitudes. Um cachecol cor de trigo flutuava descuidadamente na brisa de primavera, confundindo -se, por vezes, com o seu cabelo e emprestando -lhe um ar melanclico e sonhador.

    Fiquei ali parado algum tempo, estupefacto com aquilo que era, para mim, um mistrio inexplicvel. Era como se at o vento, que soprava das montanhas em grandes redemoinhos, o tivesse poupado sua chuva de poeira.

    Era evidente que no podia deix -lo ali a dormir, indefeso, sem gua nem comida, naquele local isolado. Embora o seu aspeto no me despertasse qualquer medo, tive de ultrapas-sar uma relutncia adquirida em abordar um estranho. Com dificuldade, segurei -o nos meus braos e sentei -o no banco do passageiro.

    O facto de ele no ter acordado surpreendeu -me ao ponto de, por um momento, temer que estivesse morto. A pulsao fraca mas regular confirmou que no era esse o caso. Quando pou-sei a sua mo inerte no banco pensei que, se eu no estivesse tanto sob a influncia de imagens aladas, teria acreditado estar

  • A. G. ROEMMERS

    15

    na presena de um anjo descido Terra. Mais tarde, vim a saber que o rapaz estava exausto e no fim das suas foras.

    Durante muito tempo, fiquei a pensar em como os adultos, com os seus avisos para nossa prpria proteo, nos afastam dos outros, ao ponto em que tocar em algum ou fitar outra pessoa nos olhos causa uma sensao desagradvel de apreenso.

    Tenho sede disse o jovem de repente, sobressaltando -me, porque quase me esquecera de que no estava sozinho. Embora tivesse falado em voz baixa, o som lmpido tinha a qualidade transparente da gua que estava a pedir.

    Em viagens longas como esta, que pode levar at trs dias, trago sempre no carro comigo bebidas e sanduches, para no ter de parar seno para abastecer de combustvel. Dei -lhe uma garrafa, um copo de plstico e uma sanduche de carne e tomate embru-lhada em papel de alumnio. Ele bebeu e comeu sem dizer uma palavra. Entretanto, as perguntas cresciam na minha cabea. De onde vens? Como chegaste aqui? O que estavas a fazer ali dei-tado beira da estrada? Tens famlia? Onde esto? E por a fora. Tendo em conta a minha natureza ansiosa, cheia de curiosidade e de vontade de ser til, ainda hoje me congratulo por ter con-seguido ficar em silncio durante aqueles dez minutos intermi-nveis, espera de que o jovem recuperasse as foras. Ele, por outro lado, bebeu e comeu como se fosse a coisa mais natural do mundo que, depois de estar deitado, abandonado, num semi-deserto, aparecesse algum para lhe dar uma bebida e uma san-duche de carne.

    Obrigado disse, quando terminou, e encostou -se nova-mente janela, como se essa palavra fosse suficiente para clarificar todas as minhas dvidas.

    Aps um momento, percebi que ainda nem sequer lhe tinha perguntado qual era o seu destino. Uma vez que o encontrara

  • O REGRESSO DO JOVEM PRNCIPE

    16

    beira da estrada, partira simplesmente do princpio de que ele ia para sul, mas na verdade era mais provvel que estivesse a ten-tar chegar capital, que ficava para norte.

    espantoso como assumimos facilmente que os outros vo na mesma direo do que ns.

    Quando me virei novamente para ele, era tarde demais. Um novo sonho levara -o para muito, muito longe.

  • 17

    Captulo II

    Deveria t -lo acordado? Penso que no. Provavelmente estaria perdido e confuso por causa do cansao. De qualquer maneira, tnhamos de continuar viagem; teria sido impossvel ficarmos ali parados e era irrelevante se ele viajava para norte ou para sul.

    Acelerei. Esta era diferente das outras vezes, em que desper-dicei o meu tempo e a minha vida a pensar por que estrada devia seguir.

    Estava imerso nestes pensamentos quando, depois de muito tempo a conduzir, senti subitamente um par de olhos azuis cin-tilantes a fitarem -me com curiosidade.

    Ol disse, virando brevemente o rosto na direo do jovem misterioso.

    Que mquina esta onde viajamos? perguntou ele, percor-rendo o interior do carro com os olhos. Onde esto as suas asas?

  • O REGRESSO DO JOVEM PRNCIPE

    18

    Referes -te ao carro? Carro? No pode deixar a Terra? No respondi, com o meu orgulho de proprietrio um

    pouco ferido. E no pode sair desta faixa cinzenta? Ele apontou com

    o dedo para o para -brisas, tornando -me consciente das minhas limitaes.

    Esta faixa chama -se estrada expliquei, perguntando a mim prprio de onde teria vindo este mido. E se a deixar-mos, a esta velocidade, morremos.

    As estradas so assim to tiranas? Quem as inventou? As pessoas.Perante perguntas to simples, as respostas pareciam -me imen-

    samente difceis. Quem era este jovem, irradiando inocncia, que abalava at s fundaes o meu sistema de crenas adquirido?

    De onde vens? perguntei. Como vieste aqui parar? O seu aspeto parecia -me estranhamente familiar.

    H muitas estradas na Terra? perguntou ele, ignorando as minhas questes.

    Sim, incontveis. Eu estive num stio sem estradas disse o jovem misterioso. Mas assim as pessoas perdem -se observei, sentindo a

    curiosidade a aumentar de minuto para minuto, a vontade de saber quem ele era e de onde vinha.

    Mas quando no h estradas na Terra continuou ele, imperturbado , as pessoas no pensam em procurar orienta-o no cu? E olhou para cima, pela janela.

    noite respondi, pensativo possvel orientarmo -nos pelas estrelas. Mas quando a luz do sol demasiado forte, cor-remos o risco de cegar.

    Ah disse o jovem. As pessoas cegas veem o que mais

  • A. G. ROEMMERS

    19

    ningum se atreve a ver. Devem ser as mais corajosas de todas.No soube o que responder e o silncio abateu -se sobre ns

    enquanto o carro continuava a acelerar pela tirana faixa cinzenta.