o requerimento de falÊncia fundado na regra do art

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART. 94, INCISO II, DA LEI Nº 11.101/2005 (LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE EMPRESAS), FRENTE ÀS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nº 11.232/2005 E 11.382/2006 Nova Lima 2009

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Page 1: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART. 94, INCISO II, DA LEI Nº 11.101/2005 (LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE EMPRESAS), FRENTE ÀS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nº

11.232/2005 E 11.382/2006

Nova Lima 2009

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1

GUILHERME CARVALHO MONTEIRO DE ANDRADE

O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART. 94, INCISO II, DA LEI Nº 11.101/2005 (LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE EMPRESAS), FRENTE ÀS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nº

11.232/2005 E 11.382/2006

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação Strictu Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Nova Lima 2009

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2

ANDRADE, Guilherme Carvalho Monteiro de

A553 r O requerimento de falência fundado na regra do art. 94, inciso II, da lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência de Empresas), frente as modificações introduzidas pelas Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006./Guilherme Monteiro de Andrade. – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2009.

166 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos

Bibliografia: f. 154 - 165

1. Caracterização. 2. Execução Frustrada. 3. Prova Insolvência. 4.

Desnecessidade. 5. Conservação de Empresa. I. Brasileiro, Ricardo Adriano Massara. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347. 736 (043)

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

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3

Dedico a alegria desta conquista às

mulheres da minha vida: Veroca,

Tina e Helena.

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4

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelos milagres que tem concedido a mim e aos meus.

Ao Professor Ricardo Brasileiro, pela paciência e pela ajuda valiosa e

enriquecedora que permitiram a elaboração e conclusão deste trabalho.

À minha amada mulher Tina, pela compreensão que teve com a minha ausência,

pelo apoio irrestrito a este projeto e por todo o seu amor.

Ao meu saudoso pai e à minha amada mãe, por terem me concebido, amado tanto

e me ensinado as coisas mais importantes da vida.

Aos meus irmãos, pelo amor e carinho que sempre me destinaram e pelo

companheirismo.

Aos meus diletos e queridos parceiros de escritório, pelo auxílio que me deram

durante as minhas muitas ausências, permitindo a realização deste projeto.

Aos professores, amigos, familiares, colegas e a todas as outras pessoas que

contribuíram para tornar este momento possível.

Page 6: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

5

Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial Dissertação intitulada” “O requerimento de falência fundado na regra do art. 94, inciso ii, da lei nº 11.101/2005 (lei de recuperação e falência de empresas), frente às modificações introduzidas pelas leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006”, de autoria do Mestrando GUILHERME CARVALHO MONTEIRO DE ANDRADE , para exame da banca constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Orientador

Prof. Dr.

Prof. Dr.

Nova Lima, setembro de 2009 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

Page 7: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

6

RESUMO

A Lei de Recuperação e Falência de Empresas (LRE) adota uma forma

presumida de caracterização da insolvência do empresário, para fins de decretação de

sua falência. Uma das hipóteses previstas na nova Lei de Quebras é conhecida como

execução frustrada ou tríplice omissão (art. 94, inciso II), pela qual será considerado

falido o empresário que frustrar a execução civil individual movida pelo credor, quando

o devedor deixar de pagar o débito exequendo, de depositar o equivalente em dinheiro

e de nomear bens à penhora em valor suficiente. As recentes modificações introduzidas

no Código de Processo Civil (CPC) na parte da execução individual contra devedor

solvente criam um novo modelo de execução. A execução fundada em título judicial

(execução de sentença) pode ser impugnada somente com a garantia prévia do juízo,

ao passo que, na execução baseada em título executivo extrajudicial, os embargos do

executado independem de penhora ou depósito. O objetivo desta dissertação diz

respeito a esse aparente conflito de normas. O que será investigado é se a

interpretação do citado dispositivo da nova Lei de Falências, frente às modificações

produzidas na execução individual, sofreu alguma alteração. Diante das modificações

introduzidas no Direito Processual e no Direito Concursal, especialmente pela

preferência dada à recuperação do empresário, bem assim tendo-se em vista os

demais princípios e normas do Ordenamento Jurídico que exigem a proteção da

unidade produtiva e o uso racional da propriedade privada, surge a dúvida quanto à

adequada interpretação do citado dispositivo. Para solucionar esse aparente conflito, o

intérprete deve fazer uma interpretação sistemática e axiológica da norma contida na

Lei de Quebras, levando-se em conta os valores e características específicas do Direito

Falimentar e os demais princípios adotados pelo Ordenamento Jurídico brasileiro. Por

meio desse método hermenêutico, conclui-se que não houve alteração na forma de

interpretar o dispositivo do art. 94, II, da Lei de Recuperação e Falência de Empresas,

devendo ser declarado falido o empresário que pratica as omissões previstas nessa

Page 8: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

7

norma, vez que essa conduta é indicativa do estado de precariedade do patrimônio do

devedor.

Palavras-chave: Falência. Caracterização. Execução Frustrada. Prova Insolvência.

Desnecessidade. Conservação da Empresa.

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8

ABSTRACT

The Bankrupcy Law uses a fictitious way to characterize entrepreneur’s

insolvency with the purpose of recognize his collapse. One of the hypothesis created by

the Banckrupcy Law is known by frustrated execution or triple omition (art. 94, II) witch

considers broken the entrepreneur that frustrate de civil individual execution promoted

by the creditor, when the debtor does not pay his debt, does not deposit the equivalent

amount of money, and does not offer enough heritage for guarantee the execution. The

recent changes made on the Civil Procedure Code at the part of the individual execution

against solvent debtor created a new model of execution. The execution founded on

judicial title (sentence’s execution) can be resisted only after the previous guarantee of

the execution, and the resistance of execution based on extrajudicial executive title does

not depend of pawn or deposit. The objective of this dissertation is related to this conflict

of norms. What will be investigated is if the interpretation of the mentioned norm of the

new Bankrupcy Law, compared to the changes made on the individual execution was

modified any how. In consequence of the transformations occurred at the Procedure

Law, and Bankrupcy Law, especially after the preference for the entrepreneur’s

recuperation, and towards the other principles and norms of the Legal Order that

requires the protection of the productive unity and the rational use of the private

property, emerges the doubt about the proper interpretation of the mentioned norm. To

solve this apparent conflict the interpreter must do a systematic and axyological

interpretation of the reported norm of the Bankrupcy Law, considering the values and

special characteristics of the Banckrupcy Right, and the other principles adopted by the

Brazilian Legal Order. By using this hermeneutics method we conclude that did not

happen any modification on the way of interpretation the norm of the art. 94, II, of the

Bankrupcy Law, which means that will still consider broken the entrepreneur that

practices the omissions predicted on this norm, because this action indicates the

precarious situation of the debtor’s heritage.

Page 10: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

9

Keyword: Bankrupcy. Characterization. Insolvency proof. Frustration of execution.

Needless. Conservation of the enterprise.

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10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 10

2 A REGULAMENTAÇÃO SOBRE AS FORMAS DE

CARACTERIZAÇÃO DA INSOLVÊNCIA........................................

2.1 Evolução histórica do instituto no direito brasileiro...........................

2.2 Os diversos sistemas de caracterização de insolvência...................

2.3 A dicotomia do direito brasileiro quanto ao tratamento da

insolvência – empresarial e civil........................................................

2.4 A importância do instituto da caracterização da insolvência para a

eficiência do Direito Concursal..........................................................

12

15

27

46

55

3 A REGULAMENTAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO

CIVIL..................................................................................................

3.1 A execução civil contra devedor solvente na ótica do Código de

Processo Civil de 1973......................................................................

3.2 A onda de reformas na lei processual civil brasileira.........................

3.3 O panorama da novel execução civil contra devedor solvente..........

3.3.1 A execução (ou cumprimento) de sentença.......................................

3.3.2 A execução baseada em título executivo extrajudicial.......................

60

62

75

81

82

93

4 O CONFLITO DAS NORMAS DA LEI DE FALÊNCIA E DO

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.......................................................

4.1 A natureza e classificação das normas jurídicas da Lei de................

Falências e do Código de Processo Civil...........................................

4.2 A noção de unidade e de completude do ordenamento jurídico........

4.3 O problema da lacuna e da antinomia no ordenamento jurídico.......

4.4 A regra para a solução desses problemas de aplicação do Direito...

4.5 Solução da antinomia que envolve o tema-problema deste trabalho

104

106

117

124

132

160

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11

5 CONCLUSÃO....................................................................................

167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

170

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12

1 INTRODUÇÃO

O esclarecimento que o presente trabalho pretende apresentar refere-se à forma de se

interpretar o dispositivo do art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, diante das

modificações introduzidas na Lei Processual Civil na execução civil individual.

Embora a regra contida na referida norma contenha redação clara, no sentido de

estabelecer uma forma objetiva e presumida de apuração do estado de falência do

empresário, houve uma mudança recente da legislação processual brasileira que

levanta a dúvida sobre a maneira adequada de interpretar esse comando legal.

A justificativa dessa pesquisa reside no fato de a forma presumida de caracterização da

insolvência para fins de falência possibilitar a eficiência do processo falimentar, nova

proposta da lei concursal em vigor.

Caso fosse necessário investigar o patrimônio do empresário devedor para saber se ele

possui mais dívidas do que seus ativos podem cobrir, estar-se-ia desprestigiando o fim

modificar o processo de falência para imprimir maior agilidade e eficiência na

realocação dos fatores de produção, daí a importância da pesquisa em tela.

A fim de encontrar uma resposta para o tema-problema, será feita uma análise, no

primeiro capítulo, sobre a regulamentação da insolvência empresarial, passando-se

pela evolução histórica do instituto no direito brasileiro, examinando-se os diversos

sistemas de caracterização de insolvência, bem como a dicotomia existente entre a

disciplina da insolvência civil e empresarial. Feito esse exame, poder-se-á,

posteriormente, trabalhar a adequada interpretação da norma contida no art. 94, inciso

II, da Lei nº 11.101/2005.

No segundo capítulo, verificar-se-á a regulamentação do processo de execução civil,

discorrendo-se sobre as regras da execução civil individual no Código de Processo Civil

de 1973, tratando da onda de reformas da legislação processual brasileira, bem como

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estudando as mudanças trazidas à tona com a entrada em vigor da Lei nº 11.232/2005

(que trata da execução por título judicial) e da Lei nº 11.382/2006 (que disciplina a

execução por título extrajudicial). O objetivo central do exame proposto nesse tópico é

encontrar a exata compreensão dessas novas regras processuais, de modo a

estabelecer em que medida elas se relacionam com o dispositivo do art. 94, inciso II, da

Lei nº 11.101/2005, influenciando a sua interpretação.

Conjugando os elementos obtidos e apresentados nos capítulos primeiro e segundo,

pretende-se verificar, no capítulo terceiro, qual é a natureza das normas jurídicas

envolvidas no aparente conflito entre as regras contidas no Código de Processo Civil e

a norma existente na Lei de Recuperação e Falências de Empresas, para estabelecer

uma forma de se interpretar adequadamente o citado dispositivo do art. 94, inciso II, da

Lei de Quebras. Para tanto, objetiva-se fazer um exame da noção de antinomia jurídica,

a sua classificação e dos critérios de solução, tudo a fim de permitir uma adequada

compreensão do tema-problema.

Em conclusão, será apresentada uma sistematização das propostas apresentadas

neste trabalho, a fim de oferecer o sentido geral da evolução da Lei de Falências, frente

às modificações surgidas no Código de Processo Civil, para permitir a apropriada

compreensão da norma contida no art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005.

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14

2 A REGULAMENTAÇÃO SOBRE AS FORMAS DE CARACTERIZAÇÃO DA

INSOLVÊNCIA

Uma das grandes dificuldades que envolve a ação de execução coletiva falimentar

movida contra o devedor em crise diz respeito à caracterização de sua insolvência, uma

vez que a apuração desse estado é tarefa bastante complexa.

Para a economia, considera-se insolvente o agente que está com o patrimônio inferior

ao valor de suas dívidas1.

Veja-se que o conceito econômico de insolvência pressupõe a incapacidade patrimonial

do devedor para se caracterizar o estado deficitário que autorizará a deflagração do

processo de execução coletiva falimentar e permitirá a abertura do concurso de

credores.

Essa investigação sobre o verdadeiro estado patrimonial do devedor pode revelar-se

tormentosa e perigosa demais. Isso porque, a apuração do estado do patrimônio do

devedor envolve uma série de atos que demandam tempo e dinheiro dos credores (e

dos demais agentes que interagem com o devedor, tais como trabalhadores,

fornecedores, clientes, Estado arrecadador de tributos etc.).

Esses gastos podem ser injustificáveis em grande parte das vezes se se considerar que

o credor pode não querer mais investir seus recursos no recebimento de um crédito que

se apresente de satisfação duvidosa.

Além disso, a apuração do estado patrimonial do devedor pode demandar muito tempo,

já que essa investigação envolve a busca de bens e o levantamento dos débitos do

devedor.

1 Esse conceito foi adotado pelo Código de Processo Civil, em seu art. 7481, para a caracterização da insolvência do devedor civil: “Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”.

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15

Se não forem localizados todos os bens, ou se não forem encontrados todos os

credores do devedor, pode haver a frustração dessa apuração (patrimônio versus

dívidas), o que inviabilizaria a configuração do estado de falência. Quanto mais tempo

se leva para deflagrar o processo de execução coletiva falimentar contra o devedor,

mais risco existe de os credores não conseguirem receber seus créditos e de o

patrimônio do empresário ser dilapidado ou perecer.

DARCY BESSONE chama a atenção para os problemas envolvidos na utilização do

sistema designado de “desequilíbrio econômico”:

O sistema de desequilíbrio econômico pretende que a falência se declare quando se verifica que a empresa entre em desequilíbrio, por ser o passivo superior ao ativo. Teoricamente, o sistema é bom, mas a sua prática é difícil. A apuração do desequilíbrio requer verdadeira devassa na vida da empresa o que logo repercute no seu crédito. A conclusão favorável ao comerciante não impede que as desconfianças, suscitadas no período de verificação, a arrastem ao desequilíbrio e, portanto, à falência, neste caso provocada pela própria averiguação. Se fosse possível apurar-se o equilíbrio ou desequilíbrio sem tal inconveniente, o sistema seria merecedor de aplausos, porque evitaria falências fundadas em dificuldades transitórias, às vezes apenas de caixa. (...) Apurar-se o desequilíbrio por via do cotejo do ativo com o passivo não é método seguro. Por isso, o sistema se acha virtualmente abandonado.2

Para mais desses inconvenientes, na hipótese de o Legislador utilizar o critério que

estabelece a necessidade de se proceder ao exame da situação patrimonial do

devedor, criar-se-ia uma situação arriscada, já que um credor pode tomar conhecimento

de dados sigilosos que envolvem o exercício da atividade empresarial de seu

concorrente e utilizá-los de forma indevida.

Como se sabe, o segredo do empresário não pode ser desvelado por qualquer motivo,

uma vez que os concorrentes do agente econômico podem valer-se das informações

obtidas para fraudar a livre concorrência que deve existir nas relações entre

2 BESSONE, Darcy. Instituições de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 30/31. No mesmo sentido, conferir também o magistério do espanhol HUMBERTO NAVARRINI, citado por MARIA CELESTE MORAIS GUIMARÃES (in Recuperação judicial de empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, 1ª edição, pág. 71).

Page 17: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

16

empresários, tal como consagra a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, no art. 170, inciso IV.

Assim, se a legislação concursal utilizasse a insolvência econômica como pressuposto

do estado de falência, haveria um claro risco de o processo de execução falimentar ter

sua eficiência comprometida.

Por essas razões, o Legislador entendeu por bem criar um sistema de caracterização

da insolvência, aferido por presunção, para fins de promoção da execução coletiva

falimentar.

Nesse sistema elaborado pelo Legislador, existem alguns atos e fatos que revelam, de

forma presumida, que o devedor está insolvente.

Veja-se, pois, como se deu a criação do referido sistema no Direito Brasileiro e como o

instituto foi sendo desenvolvido ao longo dos anos.

1.1 Evolução histórica do instituto no direito brasileiro

No período colonial, o Brasil adotava as ordenações portuguesas (Afonsinas,

Manuelinas e Filipinas) no trato das questões envolvendo o comerciante, sendo

relevante destacar que as Ordenações Afonsinas foram revogadas pelas Ordenações

Manuelinas em 1521, tendo estas regulado o concurso de credores que se instaurava

diante da insuficiência de bens do devedor. O devedor quebrado era mantido preso até

que se pagasse o débito3. As Ordenações Filipinas é que vão instituir regras severas

para a falência fraudulenta, distinguindo-a da quebra culposa e sem culpa4.

3 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar: 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 1986, 10ª edição, pág. 14. 4 A propósito, conferir RICARDO NEGRÃO (in Manual de direito comercial e de empresa: volume 3. São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª edição, pág. 08/11).

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17

Como o inadimplemento sempre foi muito mal visto, em função dos graves efeitos

sociais que trazia consigo, é natural que a legislação tivesse preocupação em sancionar

a conduta do agente que deixasse de honrar seus compromissos de forma pontual.

Com o desenvolvimento da atividade comercial, especialmente a partir da entrada em

vigor do Alvará de 13 de novembro de 1756, promulgado pelo Marquês de Pombal, o

Brasil passa a ter um processo de falência original e mais próximo do modelo hoje

vigente. Foi criado um órgão para tratar exclusivamente dos conflitos entre os

comerciantes – Junta de Comércio -, no qual o devedor comparecia e entregava seus

bens para que esses fossem utilizados no pagamento dos credores. Se a crise fosse

oriunda de comportamento fraudulento do devedor, este era submetido à pena prisão.

A propósito, AMADOR PAES DE ALMEIDA ressalta que foi:

com o Alvará de 13 de Novembro de 1756, promulgado por Marquês de Pombal, que tivemos um “originalíssimo e autêntico processo de falência, nítida e acentuadamente mercantil, em juízo comercial, exclusivamente para comerciantes, mercadores ou homens de negócio”, como bem observou Waldemar Ferreira.5

Posteriormente, a legislação aplicável aos problemas comerciais passou a ser o Código

Comercial Francês de 1807 (Código Napoleônico), tendo em vista a edição da Lei da

Boa Razão (1769) que mandava utilizar as legislações dos povos cultos na solução de

litígios brasileiros.

DARCY BESSONE ensina que:

enquanto colônia, o Brasil observou, no assunto como em todos os outros, a legislação da Metrópole. Já depois de proclamada a independência, observou-a, juntamente com as de outros países da Europa, porque uma lei de 30 de outubro de 1823, combinada com outras de 18 de agosto de 1769, determinou a observância, no Império, das leis das nações civilizadas da Europa relativas aos negócios

5 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresas: de acordo com a Lei 11.101/2005. São Paulo, Saraiva, 2008, 24ª edição, pág.08.

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18

mercantis e marítimos.”, ressaltando que “as incertezas produzidas pela aplicação de normas assim indeterminadas tornaram fáceis e freqüentes as quebra que, passaram a acobertar arranjos desonestos.6

Ainda assim, não havia um tratamento sistematizado elaborado pelo Legislador

Brasileiro, visando a disciplinar o exercício da atividade econômica – comércio – e os

conflitos daí oriundos, especialmente, aqueles envolvendo a insolvência do

comerciante.

Então, no período que antecedeu a Proclamação da República, o Legislador editou o

Código Comercial Brasileiro de1850 (Lei nº 556, de 25 de junho de 1850) que trouxe um

capítulo destinado exclusivamente à falência, intitulado “Das Quebras” (arts. 797 e

seguintes do citado dispositivo legal).

Pode-se dizer, portanto, que o Direito Falimentar genuinamente brasileiro somente vai

ter origem com a edição do Código Comercial de 1850.

Naquele mesmo ano, foi editado o Decreto nº 737, em 25 de novembro de 1850, que

disciplinou o processo judicial envolvendo o comerciante.

Como definido pelo art. 798 do Código Comercial de 1850, a falência poderia ser

caracterizada como casual, culposa ou fraudulenta, o que demonstra que, embora o

Legislador tenha distinguido o comportamento do devedor, manteve o caráter punitivo

do instituto.

Após o Código Comercial de 1850, outras leis foram editadas no Brasil, sendo digno de

registro que elas trataram de mudanças pontuais no instituto, todas promovidas para

tentar permitir que a insolvência do comerciante trouxesse menor conseqüência para os

demais agentes que interagiam com o devedor. À exceção do Decreto nº 917, de 24 de

outubro de 1890, as demais alterações não cuidaram de mudar a essência do Direito

6 BESSONE, Darcy. Instituições de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 13.

Page 20: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

19

Concursal, especialmente a forma de caracterização de insolvência do comerciante,

razão pela qual elas não serão objeto deste estudo.

Sobre essa característica do Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, LUIZ

TZIRULNIK ensina que:

foram realizadas diversas tentativas de reformar a legislação falimentar brasileira e o primeiro êxito nestas tentativas foi alcançado em 24 de outubro de 1890, quando o Decreto 917 instituiu uma mudança importante: a falência passou a ser caracterizada pela impontualidade e não mais pela cessão de pagamentos. Além disso, esse decreto promoveu uma reforma em toda a terceira parte do Código Comercial, inaugurando, assim, a segunda fase da história do instituto da falência no Brasil: além de caracterizar o estado de falência por atos e fatos previstos em lei e na impontualidade do pagamento de obrigação mercantil líquida e certa, também instituiu meios preventivos da falência: a moratória, a cessão de bens, o acordo extrajudicial e a concordata preventiva.7

A seu turno, LINCOLN PRATES ressalta que:

o que há de mais interessante nesse decreto (recebido, aliás, com aplauso pelo comércio, que depois contra ele se voltou) é que a quebra em vez de resultar, como anteriormente, da insolvência do devedor, passou a estribar-se em sua impontualidade.8

Em 21 de junho de 1945, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 7661, revogando o Código

Comercial de 1850 e as demais leis que cuidavam da insolvência do comerciante,

quando, então, operou-se uma mudança significativa no Direito Concursal Brasileiro.

A concordata9 (preventiva e suspensiva) sofreu algumas alterações para imprimir maior

garantia de viabilizar a superação do estado de crise. Este favor legal10 serviria para

7 TZIRULNIK, Luiz. Recuperação de empresas e falência: perguntas e respostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 5ª edição, pág. 28. 8 PRATES, Lincoln. Manual de direito comercial. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1954, pág. 04. 9 DARCY BESSONE, citando TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, conceitua a concordata como “uma demanda, tendo por objeto a regularização das relações patrimoniais entre o devedor e seus credores quirografários, e, por fim, evitar a declaração da falência, ou fazer cessar os efeitos dela, se já foi declarada”. (in Instituições de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 179).

Page 21: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

20

ajudar o comerciante a superar uma crise passageira. Além dessa mudança, houve

transformação no procedimento do concurso falimentar, instituída para tentar eliminar a

ineficiência do instituto criado pelo Código Comercial de 1850.

Em síntese, essa nova lei introduziu alterações no Direito Concursal Brasileiro, com o

objetivo de permitir que o agende econômico fosse preservado diante de uma crise

momentânea ou que a sua liquidação ocorresse de modo menos demorado e

complexo, como acontecia na vigência do direito revogado.

O Decreto-Lei de Falências de 1945 não conseguiu alcançar suas altas metas, sendo

muito criticado pela doutrina desde a sua concepção, que defendia mudanças em suas

bases, possibilitando que houvesse a separação da sorte do empresário do destino da

empresa.

WALDO FAZZIO JÚNIOR chamou a atenção para esse fato:

O Decreto-lei nº 7661/45, produzido logo após a guerra mundial concluída em 1945, concebia um modelo de empresa próprio da economia nacional defasada que refletia as coordenadas da ordem capitalista instaurada, em 1944, a partir da Conferência de Bretton Woods. Concebia o crédito como, simplesmente, mais uma espécie de relação obrigacional, desconsiderava a repercussão da insolvência no mercado e concentrava-se no ajustamento das relações entre os credores e o ativo do devedor. Por meio de uma sistemática processual que prestigiava a morosidade e condenava ao relento os créditos não públicos, e enfatizando o componente punitivo do concurso coletivo, a LFC (Lei de Falências e Concordatas) já não dava conta dos intrincados problemas diuturnos gerados pelos processos de concordata e de falência, cada vez mais complexos, burocratizados e inócuos.11

10 NELSON ABRÃO manifestou sua crítica ao sistema de concordata instituído pelo Decreto-Lei 7661/1945, ensinando que “implantada como favor legis, concedido sem, e até contra a vontade dos credores, teve o seu pionerismo, nesse particular apontado pelos doutrinadores: “Mas, sobretudo, a atual Lei de Falências introduziu, pela primeira vez ao que parece na legislação universal, a ação de concordata, que pode ser julgada procedente pelo magistrado, sem, e até como contra a vontade manifesta dos credores, o que provocou as iras de Waldemar Ferreira (“concordata fascista”).” (in O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, pág.172).

Page 22: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

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No mesmo sentido, NELSON ABRÃO também afirmava a defasagem do sistema de

insolvência empresarial brasileiro previsto no revogado Decreto de Quebras:

Promulgado ainda quando se assentava o pó da Segunda Guerra Mundial, o Dec.-Lei 7.661, de 21.6.45, não pode refletir, evidentemente, as conseqüências sócio-econômicas que o conflito provocou universalmente, inclusive em nossa economia.

(...) No que concerne ao Direito Concursal, a necessidade de proteção à empresa, que se manifestara como ponto de partida de concepção de seus próprios procedimentos, não logrou sensibilizar nossos legisladores por ocasião da promulgação do Dec.-Lei 7.661.12

E arremata o citado autor:

Hoje, mais que ontem, a separação do Direito e da Economia desaparece. Um fenômeno importante é característico desse movimento irreversível. É a elaboração de um verdadeiro Direito Econômico, do qual a empresa é, ao mesmo tempo, objeto e o critério.

(...) O grande problema do Direito Falimentar brasileiro está na sua índole eminentemente processual e repressiva. A ênfase de nossa legislação recai sobre questões de ordem puramente técnico-jurídica, quando o fundamental nessa matéria é o econômico. Procura-se hoje por termo à gradual processualização e ao absurdo de confiar a administração e a liquidação de uma grande empresa a juízes e advogados, em lugar de “managers”.13

Sustentava-se que o agente econômico viável deveria ser recuperado por meio de um

processo de reestruturação mais dinâmico e que envolvesse maior participação dos

credores na superação do estado de crise.

Do contrário, caso ficasse configurado que o devedor estava vivenciando uma crise

insuperável, fosse por conta da má-administração de seus negócios, pelo atraso

tecnológico de sua empresa ou pelo incorreto fluxo de despesas e receitas, o melhor a

11 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. pág. 17. 12 ABRÃO, Nelson. O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, págs.160/161. 13 ABRÃO, Nelson. O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, págs.166/167.

Page 23: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

22

se fazer deveria ser a liquidação desse agente e o afastamento dele do mercado de

maneira rápida e eficiente, para que os demais interessados que gravitavam em torno

dessa atividade econômica não viessem a sofrer com a crise.

Após muitos anos de vigência do Decreto-Lei de Falências de 1945, depois de vários

países europeus e dos norte americanos terem percebido a necessidade de adequar as

bases de seu Direito Concursal aos novos paradigmas econômicos e sociais14, o

Legislador Brasileiro atentou para essa questão e, então, foi elaborado o Projeto de Lei

4.376, no ano de 1993, visando a modificar consideravelmente o Direito Falimentar

pátrio.

AMADOR PAES DE ALMEIDA, citando o parecer do Senador Ramez Tebet acerca do

referido Projeto de Lei, destaca os princípios que orientaram o Legislador na elaboração

na nova Lei Falimentar Brasileira:

1. Preservação da empresa; 2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário; 3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis; 4. Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; 5. Proteção aos trabalhadores; 6. Redução do custo de crédito no Brasil; 7.Celeridade e eficiência dos processos judiciais; 8. Segurança jurídica; 9. Participação ativa dos credores; 10. Maximização do valor dos ativos do falido; 11. Desburocratização da recuperação de micro-empresas e empresas de pequeno porte; 12. Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial.15

14 Os Estados Unidos da América, em 1978, editam Edwards Act, consolidando o Código de Bancarrota de 1938, modificado depois 1994; O Japão, em 1992, cria a Lei nº 72, que trata de recuperação de empresas; Na França, em 1984, é editada a Lei Reguladora da Prevenção e Composição Amigável das Dificuldades das Empresas, modificada em 1985, pela Lei de Redressement et Liquidation Judiciaires (saneamento e reorganização das empresas em crise), alterada depois em 1994 pela Lei nº 94.475 (reforça os meios preventivos da insolvência). 15 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresas: de acordo com a Lei 11.101/2005. São Paulo, Saraiva, 2008, 24ª edição, págs. 09/10.

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Depois de longa tramitação no Congresso Nacional Brasileiro, foi aprovado o texto da

Nova Lei de Falências, Lei nº 11.101, tendo ela sido publicada em 09 de fevereiro de

2005 e entrado em vigor em junho do mesmo ano.

A partir de então, houve um verdadeiro rompimento de paradigma no Direito Concursal

pátrio, que passou a adotar um caráter recuperatório, ao invés do espírito liquidatório

presente nas leis anteriores. Essa mudança ocorreu principalmente em função de a

experiência ter demonstrado, ao longo dos tempos, que inexistia eficiência econômica

nas regras do Direito Concursal Brasileiro. Nem os credores alcançavam seu objetivo

de receber seus créditos, pois o processo de falência era moroso demais, nem o

empresário (comerciante) conseguia superar a crise momentânea.

WALDO FAZZIO JÚNIOR fala sobre a metamorfose instrumental instituída no Direito

Concursal Brasileiro, sintetizando com muita propriedade a mudança de enfoque

promovida no instituto:

O direito das concordatas e falências era um instrumento do atávico princípio romano, segundo o qual quem deve tem que pagar. Também de outros menos clássicos, especialmente apreciados pelos liberalismo, que nunca hesitaram em implementar o sacrifício de empresas insolventes em homenagem à segurança do mercado. Nessa direção, as leis concursais amparavam os credores, garantia os haveres públicos, incriminavam os empresários malsucedidos, menosprezavam o desemprego e aniquilavam as empresas em crise.

(...) O direito concursal é, hoje, o direito da empresa em crise. Superou a fase primitiva da vindita dos credores, ultrapassou os estreitos limites da liquidação falitária e, dia após dia, apresentada-se como solução jurídica mais pragmática, mais sintonizada com o direito econômico e, acima de tudo deixou de ser um mero complexo regulador de relações estritamente privadas para encampar o interesse público e as repercussões sociais das isquemias das empresas.

(...) O direito da empresa em crise é, na realidade, um conjunto de medidas de natureza econômico-administrativa, acordadas entre o agente econômico devedor e seus credores, supervisionadas pelo Estado-juiz, como expediente preventivo da liquidação. Ampara-se na convicção haurida na experiência histórica de que, mediante procedimentos de soerguimento da empresa em crise, os credores têm melhores

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24

perspectivas de realização de seus haveres, os fornecedores não perdem o cliente, os empregados mantêm seus empregos e o mercado sofre menos (impossível não sofrer) os impactos e as repercussões da insolvência empresarial.16

Ainda sobre a transformação promovida pela nova Lei de Quebras, FÁBIO ULHOA

COELHO assinala o seguinte:

Em 1993, o Poder Executivo enviou ao Congresso um projeto de reforma da Lei de Falências que vigia desde 1945. O projeto era bastante tímido em termos de alterações. Em 2004, o Poder Legislativo aprovou, depois de longa tramitação, um projeto bem diferente, com alterações mais significativas. Ele foi sancionado como Lei 11.101/2005 (LF). Além de atualizar a lei falimentar, a reforma teve o objetivo de contribuir em duas frentes importantes para a economia brasileira do início do século XXI: a luta contra o desemprego e a retomada do desenvolvimento econômico. Na primeira, procurou-se desacelerar a elevação do nível de desemprego por meio da introdução do instituto da recuperação judicial. Na medida em que empresas viáveis possam se reorganizar, mantêm-se os postos de trabalho a ela correspondentes. Na segunda frente, medidas como a venda dos bens do devedor independentemente da verificação dos créditos e investigação de crime falimentar ou alterações na classificação dos credores foram introduzidas como o objetivo de reduzir o risco associado à insolvência do devedor e, consequentemente, os spreads bancários.17

MARCOS DE BARROS LISBOA [ET ALL] ressaltam a importância dessas alterações

para economia:

A nova Lei cria dispositivos que estimulam a negociação entre devedor e credores, de forma a encontrar soluções de mercado para empresas em dificuldades. O objetivo central é viabilizar a continuidade dos negócios da empresa enquanto unidade produtiva, mantendo assim a sua capacidade de produção e de geração de empregos, oferecendo condições para que as empresas com viabilidade econômicas encontrem os meios necessários para sua recuperação, a partir de negociação com seus credores.

(...) O modelo adotado foi calibrado de forma a gerar incentivos concretos à reorganização dos negócios, mas preocupado em coibir problemas de risco moral, que normalmente acompanham a condução ineficiente dos negócios e uma administração desvinculada dos interesses dos

16 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. págs. 19/20. 17 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: volume 3: direito de empresa. São Paulo, Saraiva, 2009. 10ª edição. pág. 240.

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25

credores. A nova Lei de Falências busca evitar o quadro observado no regime anterior, em que a ausência de um ambiente de negociação entre credores e devedor e processos falimentares extremamente morosos levavam à deterioração dos ativos tangíveis e intangíveis da empresa. 18

Em função dessa mudança finalística do instituto, o novel Direito Concursal introduziu

algumas significativas transformações tanto na parte que trata da recuperação do

empresário como na matéria que envolve a liquidação do devedor pela via da falência,

podendo ser sintetizadas essas alterações da seguinte forma:

I - Recuperação:

a) mudou-se o nome do instituto que visa a combater a crise empresarial, em razão do

estigma negativo carregado pela expressão “concordata”;

b) a recuperação passa agora a ser forma de o empresário viável superar o estado de

crise, no lugar da abolida concordata;

c) dentre as formas de enfrentamento de crise previstas pelo legislador, há a

recuperação judicial ordinária e a especial (para as microempresas e as empresas de

pequeno porte) e a recuperação extrajudicial, todas servindo somente para prevenir e

evitar a falência;

d) a utilização do instituto da recuperação depende da anuência dos credores atingidos

pelo projeto de reestruturação, ao contrário do que acontecia na concordata, que se

revelava como um “favor legal” - com exceção do instituto conhecido como cram down

(art. 58, § 1º, LRE) e do plano especial (art. 72. LRE);

d) os meios de recuperação e a abrangência do instituto são amplos, não se limitando a

um rol taxativamente imposto pelo legislador;

f) a participação dos credores deve ser mais intensa do que ocorria no antigo instituto

da concordata;

18 MARCOS DE BARROS LISBOA [ET ALL], no artigo intitulado “A racionalidade econômica da Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas” (in PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito Falimentar e nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo, Quartier Latin, 2005, pág. 42).

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26

II – Falência:

a) deixa de ser a preferência da Legislação, para servir de exceção, dada a

necessidade de o empresário recuperar-se;

b) o procedimento torna-se mais célere na medida em que as fases de verificação do

passivo e de realização do ativo são concretizadas ao mesmo tempo pelo administrador

judicial;

c) a alienação de bens independe de exaurimento da verificação do passivo e de sobre

a responsabilidade penal do devedor, passando a ser feita segundo uma ordem de

preferência estabelecida pelo legislador e os meios de realização do ativo passam a ser

ampliados e otimizados;

d) a verificação do passivo passa a ser feita pelo administrador judicial, exclusivamente,

sem a interferência do Judiciário, num primeiro momento. Se as partes não

concordarem com a solução dada pelo administrador judicial, aí sim, poderão submeter

a análise da questão ao juiz;

III - Alterações comuns à Recuperação e à Falência:

a) o síndico e o comissário são substituídos pelo administrador judicial, que passa a ser

indicado conforme critério definido na Lei;

b) a administração da empresa em recuperação e/ou da massa falida é

profissionalizada e são criados dois órgãos para ajudar na execução dos processos: o

comitê de credores e a assembléia geral de credores;

c) o ministério público tem a sua participação reduzida nos procedimentos concursais

para diminuir-se a morosidade da tramitação dos feitos e dar-lhes mais eficiência

econômica;

d) foi abolida a sucessão do arrematante, quanto às obrigações do falido e do devedor

em recuperação, para incentivar a aquisição dos bens em processos concursais.

WALDO FAZZIO JÚNIOR assevera que essa mudança de enfoque criou para o Direito

Concursal um regime eficiente de insolvência. Confira-se:

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Eficiência, sob o pondo de vista dos processos de insolvência, não é noção simples. Não está restrita à simples celeridade procedimental; não se confina nos domínios da satisfação creditícia; não se exaure, singelamente, no atendimento das prioridades e privilégios legais; não se cifra na especial atenção dedicada ao pessoal da empresa insolvente; e não pode ser, apenas, um expediente sancionatório da má administração empresarial. Sem ser nada disso em especial, é a síntese de todas essas facetas. Um processo de insolvência eficiente é aquele capaz de atender a todas essas metas.

(...) De um lado, proteger o crédito público não implica, necessariamente, a eliminação da empresa em crises. De outro lado, de nada adianta garantir a sobrevivência de uma empresa inviável ou imprestável. Combinar, de forma eficiente, as infinitas possibilidades que se abrigam entre essas duas verdades é, justamente, o papel colimado pelas alternativas contidas nas grãs da LRE. De resto, a eficiência não deve ser medida a partir do famigerado “pagar todos os credores”. Sem prejuízo do óbvio fito, urge resolver a situação de insolvência com o mínimo possível de efeitos residuais para o mercado e para os interesses sociais paralelos.19

A partir da Lei nº 11.101/2005, o Direito Falimentar Brasileiro sofreu profundas

modificações em sua estrutura e finalidade, a fim de permitir que a atividade econômica

seja melhor regulamentada, visando a que hoje e no futuro sejam oferecidas soluções

eficientes para o problema da insolvência empresarial.

2.2 Os diversos sistemas de caracterização de insolvência

A insolvência que é pressuposto do estado de falência do devedor empresário não é

aquela adotada pela Economia, tendo o Legislador brasileiro preferido adotar um

sistema presumido de aferição da insolvência do devedor.

19 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. págs. 29/30. No mesmo sentido, conferir o artigo de autoria de MARCOS DE BARROS LISBOA [ET ALL] intitulado “A racionalidade econômica da Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas” (in PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito Falimentar e nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo, Quartier Latin, 2005).

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A forma de caracterização de insolvência para fins de falência se diferencia conforme a

tradição jurídica do país, existindo basicamente quatro critérios para identificação desse

estado, conhecidos como: (a) patrimônio deficitário, (b) cessação de pagamentos, (c)

impontualidade e (d) atos e fatos definidos em lei.

O primeiro critério é chamado de patrimônio deficitário20 ou desequilíbrio econômico

exige que o autor da ação de falência faça prova do estado de incapacidade do devedor

de solver suas obrigações regularmente. É o caso em que o ativo do empresário revela-

se menor do que o passivo.

Conforme explica RUBENS REQUIÃO:

Esse sistema fazer derivar o estado de falência da verificação da situação econômica deficitária do patrimônio do devedor, que por isso não paga suas obrigações. É a impotência do empresário comercial para satisfazer seu passivo. Quando evidente a dificuldade da demonstração ou prova, pelo credor, dessa situação deficitária, teria este que ingressar no âmago dos negócios do devedor, inquisitoriamente, para avaliar sua insolvabilidade, comprovando preliminarmente o fato de ser o seu patrimônio, isto é, o seu ativo, insuficiente para cobrir suas dívidas, ou seja, o passivo.21

Pelo critério do patrimônio deficitário, somente seria admitida a decretação de falência

mediante a prévia comprovação documental do estado de incapacidade do devedor de

cumprir suas obrigações.

É importante registrar que essa demonstração de impotência patrimonial deve ser feita

contabilmente, o que possibilita a manobra do devedor para superestimar seu

patrimônio com objetivo de impedir a sua falência. Ou seja, sem a confissão do

devedor, a deflagração da quebra segundo esse critério somente ocorrerá mediante

20 Esse critério foi usado pela Lei Italiana de 1942, em seu artigo 5º. 21 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar: 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 1986, 10ª edição, pág. 57.

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29

comprovação feita pelo autor da ação, fato que revela a dificuldade de implementação

prática desse sistema e mostra a sua inadequação22.

Além desse critério, há também o chamado de cessação de pagamentos, de

impontualidade e de atos e fatos definidos em lei. Nesses três sistemas, a falência é

apurada de forma presumida, segundo alguma forma objetivamente prevista por lei.

Nessas três últimas hipóteses, portanto, não é preciso investigar a insolvência,

configurando-se o estado de falência do empresário de forma presumida. Essa tarefa

se revela bastante complexa, conforme anota RUBENS REQUIÃO:

Esse estado pode ser confessado pelo empresário comercial, como pode ser presumido por atos que exteriorizem a ruína da empresa. Quando a insolvência é confessada pelo devedor, perante o magistrado, este a acolhe como incontestável; quando as dificuldades econômicas se apresentam na empresa, resistindo o empresário comercial a admiti-las, surge então a necessidade de caracterizá-las por atos externos.

(...) Não é fácil, entretanto, a demonstração do estado de insolvência, se o devedor não o confessa. Este, geralmente, procura por todos os meios disfarçá-lo ou encobri-lo, esperando que melhores dias o salvem da ruína, ou um milagre o venha redimir da desconcertante situação de fracasso comercial. O direito, todavia, formula diversos sistemas jurídicos para revelar e determinar esse estado de fato, a fim de dar ensejo à declaração judicial da falência.23

Muitas vezes o empresário atravessa crises econômico-financeiras que não são agudas

a ponto de deflagrar a execução coletiva falimentar, tendo condições de conseguir

viabilizar a superação do estado crítico com a reorganização de sua atividade.

Diferenciar a crise transitória da crise insuperável nem sempre é possível, a priori,

porque a dificuldade do empresário pode revelar complexidade que aparente um

panorama diverso da realidade.

22 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. pág. 192. 23 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar: 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 1986, 10ª edição, págs. 56/57.

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30

Esse estado de crise vivenciado pelo devedor no momento que antecede a decretação

judicial de falência pode caracterizar insolvabilidade (dificuldade temporária de cumprir

as obrigações) ou insolvência (incapacidade patrimonial para fazer frente aos

compromissos). A propósito da distinção entre esses dois estados, PONTES DE

MIRANDA se manifesta da seguinte forma:

Insolvabilidade é o estado econômico em que a pessoa não pode satisfazer as dívidas, porque o ativo é menor do que o passivo, computando-se também como parcela do passivo o que seria de mister para as despesas de prestar. A insolvabilidade é um dos estados de dificuldade dos devedores; não é o único. Por outro lado, o ativo pode ser, no momento, maior do que o passivo, porém faltarem disponibilidades para a satisfação dos credores: há aí, a insolvência ocasional, que pode ser de sérias conseqüências. As leis, ao tratarem das liquidações, das falências e do concurso de credores civil, não se referem sòmente à insolvência duradoura ou definitiva, e, por vêzes aludem às simples dificuldades.

(...) A insolvência pode caracterizar-se antes de ocorrer inadimplemento. Inadimplemento pode dar-se sem que haja insolvência. Dá ser possível a abertura de concurso de credores ou de falência por se não haver adimplido, verificando-se, após, que o insolvente não se achava em estado de insolvabilidade. Deixa-se de solver, por vêzes, sem se estar insolvente (objetivamente insolvente = em situação de não poder solver); está-se insolvável, não raro, sem se deixar, por enquanto, de solver.24

Dadas às dificuldades e às complexidades de se proceder à investigação sobre a real

situação patrimonial do devedor empresário, foi desenvolvido no Brasil um sistema de

configuração desse estado apurado por meio de presunções, para os casos em que

não se confessa a insolvência25.

Analisando o sistema concursal brasileiro, INGLÊS DE SOUZA adverte que o estado de

falência não pressupõe a insolvência econômica do devedor:

24 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXVIII. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1960. págs. 05/07. 25 O sistema da cessação de pagamentos foi usado no Brasil com o Código Comercial de 1859, critério depois substituído pela impontualidade e pelos atos e fatos previstos em lei, hoje vigorando um sistema misto de caracterização de insolvência.

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31

A’ primeira vista e de um modo geral, a falencia parece confundir-se com a insolvencia. Semelhante confusão originou-se, talvêz, de ter-se querido filiar a falencia do direito moderno ao concursus creditorum do direito romano, que tinha lugar exatamente quando o devedor comum se tornava insolvável. No direito moderno, porém, a falencia não implica a idéa de insolvencia, porque o negociante póde não ter um patrimonio suficiente para pagar todos os credores e não estar falido; ao passo que póde acontecer que outro, tendo embora um patrimonio maior que a sua divida venha a falir. Assim não é licito confundir falencia e insolvencia sob pena de praticar-se grave erro jurídico e prático.

(...) A falencia é um estado correspondente a uma situação de direito, classificada e qualificada pelas legislações de modo diverso.26

No mesmo sentido, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA assevera que:

O estado de falência manifesta-se pela impossibilidade de pagar, fenômeno resultante na falta de valôres pronta e imediatamente realizáveis para que o devedor solva a obrigação no dia do vencimento.

(...) O excesso do passivo sôbre o ativo, a simples desproporção aritmética, ou o deficit não passa de um fato apreciável no domínio da contabilidade. O ativo pode estar ao nível ou apresentar-se superior ao passivo; o devedor, entretanto, incorre em falência se, em virtude de circunstâncias extraordinárias, não dispõe de valôres realizáveis bastantes para satisfazer obrigações líquidas no momento exato da prestação. Ao contrário, o passivo pode ser maior que o ativo e o devedor dispor de meios para a execução das suas obrigações a tempo e hora, devido isso a sua habilidade de empresário, a sua capacidade de trabalho, etc., em suma ao seu crédito. A insolvência, ainda que verificada pelas cifras do balanço, não autoriza a declaração judicial da falência, se o devedor valendo-se da sua aptidão em diligenciar recursos honestos, sana pelo seu crédito, os efeitos da insolvência, mantendo o pontual pagamento das suas dívidas.27

SYLVIO MARCONDES explica, ainda, que:

26 INGLÊS DE SOUZA. Preleções de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Editora Jacintho Ribeiro de Souza dos Santos, 1934, págs. 348/350. 27 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume VII, Livro V – Da falência e da concordata preventiva – Parte I – da Falência. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1964, 7ª edição posta em dia por ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA, págs. 191/193.

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O direito falimentar, todavia, por influência de princípios informativos próprios, formula de modo diferente o problema do fato gerador da “ação concursal”. No ordenamento jurídico brasileiro, desde o Código Comercial de 1850, o estado de insolvência não constitui fator único, ou principal da execução coletiva.28

Não importa ao Direito Concursal se o empresário está insolvente de fato, porque

inexiste relação de identidade entre insolvência e falência segundo o modelo adotado

no Brasil. O empresário pode estar insolvente e não ter a sua falência decretada e vice-

versa.

A propósito dessa distinção, WALDO FAZZIO JÚNIOR anota que:

A insolvência não nasceu jurídica. É um fenômeno econômico. Por isso não existe identificação plena entre a insolvência jurídica e a insolvência econômica. No direito concursal, a lei presume a insolvência. No universo econômico, a insolvência é ou não é; não se presume. Sob a perspectiva econômica, existe insolvência sem descumprimento. Lá, a insolvência não está ligada ao ato de cumprir ou descumprir. Por outro lado, para o direito, importante é o descumprimento do dever de pagar. Pode existir descumprimento sem insolvência. Assim, quando ocorre o descumprimento, interessa perguntar “por que descumpre?”. Se a resposta é “porque não pode”, tem-se a incapacidade de cumprir. Para o direito, a insolvência está para a incapacidade e para o descumprimento. O devedor pode ter capacidade de pagar, mas se descumpre a obrigação de pagamento, presume-se insolvente. De outra parte, pode descumprir essa obrigação e, no entanto, ter aptidão de pagar, ou seja, não estar insolvente. Quer dizer, embora economicamente solvente, o devedor pode se apresentar juridicamente insolvente. Para o direito concursal, a insolvência interessa como presunção de um descumprimento. A ação de falência promovida pelo credor emerge de uma presunção que, se não desfeita, cria o estado jurídico processual de falência. Em resumo, a presunção jurídica serve para deslindar as relações derivadas da inobservância do dever de cumprir obrigações de pagar. Todo o processo de falência está assentado, pois, numa presunção e num descumprimento. Afora o caso de pedido de falência formulado pelo próprio devedor, a causa da falência será sempre presumida, com maior ou menor grau de certeza.29

28 MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, págs. 128/129. 29 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. pág. 188.

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33

Para que o devedor seja declarado falido, portanto, basta que ele incorra num dos atos

ou fatos previstos na lei, sendo indiferente a prova da insolvência do empresário.

Sobre esse aspecto, FÁBIO ULHOA COELHO registra que:

Não é necessário ao requerente da quebra demonstrar o estado patrimonial de insolvência do requerido, para que se instaure a execução concursal falimentar, nem, por outro lado, se livra da execução concursal a sociedade empresária que lograr demonstrar eventual superioridade do ativo em relação ao passivo.

(...) Para fins de decretação de falência, o pressuposto da insolvência não se caracteriza por um estado patrimonial, mas pela ocorrência de um dos fatos previstos em lei como ensejadores da quebra.

(...) Se a sociedade empresária é solvente – no sentido de que os bens do ativo, se vendidos, alcançariam preço suficiente para pagamento das obrigações passivas -, mas está passando por problemas de liquidez, não tem caixa para pagar os títulos que se vencem, então ela não se encontra em insolvência econômica, mas jurídica. Se ela não conseguir resolver o problema (através de financiamento bancário, securitização ou capitalização), sua quebra poderá ser decretada.30

CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO explica porque a insolvência não foi

adotada como pressuposto do estado de falência no direito brasileiro:

O fato concreto é que, na maioria dos casos, se apresenta extremamente difícil provar a insolvência, exigindo, inúmeras vezes, perícia contábil e outros meios de provas, o que acarreta a morosidade do processo pré-falencial. A dificuldade na comprovação da insolvência propiciou que determinadas legislações, como a Lei 11.101/2005, adotasse o critério da insolvência presumida.31

Como se demonstrou, o Direito Brasileiro sempre adotou a presunção de insolvência

para fins de decretação da quebra. E assim o fez, porque a comprovação da impotência

30 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: volume 3: direito de empresa. São Paulo, Saraiva, 2009. 10ª edição. págs. 251/252. 31 CASTROS, Carlos Alberto Farracha de. Fundamentos do direito falimentar. Curitiba: Juruá, 2008, 2ª edição, 3ª tiragem, pág. 92.

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patrimonial do empresário é complexa demais e, consequentemente, contamina a

eficiência do processo de falência.

É importante ressaltar, todavia, que algumas vozes na doutrina sustentam que a

declaração de falência somente deveria ocorrer diante da comprovação cabal do estado

de insolvência do empresário.

Nesse sentido, HÉLIO DE OLIVEIRA BARBOSA, no artigo intitulado “A falência e a

insolvência civil”, defende que:

No Direito Concursal contemporâneo, buscou-se uma nova idéia para insolvência, não bastando a impontualidade para caracterizá-la, havendo a necessidade da percepção do estado crítico da vida financeira e econômica da empresa. 32

FREDERICO AUGUSTO SIMIONATO comunga deste pensamento também, afirmando

que:

a nova Lei institui o pressuposto da inviabilidade econômica para decretação da falência. É muito interessante porque de maneira reflexa é como se tivesse retornado o antigo sistema da cessão de pagamentos, sistema clássico do século IXX na disciplina das leis falimentares na Europa, decisivamente influenciadas pelo ordenamento jurídico francês.33

Concordando com esse entendimento, ROBSON ZANETTI é mais incisivo em sua

argumentação, ao sustentar que:

A falência é um ato pelo qual o juízo declara que um devedor comerciante não tem mais condições de se recuperar, sua empresa é inviável, ele não tem mais condições de continuar com suas atividades, ele é insolvente. A insolvência revela que a situação do devedor

32 BARBOSA, Hélio de Oliveira. Novos estudos em homenagem a Celso Barbi Filho. Coordenador Theophilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 1ª edição, pág. 97. 33 SIMIONATO, Frederico Augusto. Tratado de Direito Falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008, 1ª edição, pág. 261.

Page 36: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

35

comerciante é irreversível, sua dificuldade não é mais temporária e sim definitiva.34

Apesar do respeito que merecem as opiniões louváveis desses autores citados acima, é

preciso esclarecer que a legislação brasileira jamais exigiu a prova da insolvência para

a decretação de falência do comerciante ou do empresário.

Desde a criação do genuíno Direito Falimentar brasileiro com o Código Comercial de

1850, o Legislador adotou o critério presunção de insolvência para fins de deflagração

do concurso de credores falimentar.

Segundo disposto no referido Diploma, a caracterização do estado de falência era

aferida pela cessação de pagamentos, como demonstra a regra do revogado art. 797,

transcrita a seguir: “todo o comerciante que cessa os seus pagamentos, entende-se

quebrado ou falido”.

Conforme dispunha o revogado Código Comercial de 1850, o devedor tinha a obrigação

de apresentar-se à Secretaria do Tribunal do Comércio, para declarar-se falido (art.

805), permitindo-se também aos credores particulares do devedor requerer a falência

deste e ao Tribunal do Comércio era autorizado declará-la ex officio (art. 807).

Sobre o significado do conceito de cessação de pagamentos, a doutrina jurídica

brasileira nunca chegou a um consenso, sendo digno de registro o magistério de

JORGE PEREIRA ANDRADE a respeito, abaixo transcrito:

Etimologicamente, cessação vem do latim cessatio, onis, e significa parada (Aulo Gelio – 1, 25, 8) (Faria) enquanto suspensão vem de suspensio, onis significando interromper, interrupção (Oliveira). A suspensão de pagamentos pressupõe a inadimplência, devendo o credor exercitar seu direito à cobrança pela ação de execução contida no CPC, art. 646.

34 ZANETTI. Robson. A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2860 – acesso em 19.05.2009.

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36

(...) A cessação de pagamentos pressupõe a insolvência, devendo o credor exercitar seus direitos pela ação falimentar, que, embora geralmente iniciada por um credor, dela os demais participarão, desde que decretada a quebra, pois é característica sua ser concursal (art. 23 da LF).35

Esse critério de apuração do estado de falência deu origem a intermináveis debates, na

medida em que o conceito de cessação de pagamentos é bastante impreciso, conforme

anota JOSÉ CÂNDIDO SAMPAIO DE LACERDA:

Esse sistema gera muitas dúvidas, por se tratar de uma questão de fato e que fica ao arbítrio judicial. Que significará cessão de pagamentos? Será não fazer pagamento algum? Será uma suspensão momentânea? Será a impossibilidade de pagar?36

Por causa dessa ambiguidade, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA destaca que a

cessação de pagamentos foi confundida pela jurisprudência com insolvabilidade,

desvirtuando-se a lei da finalidade para a qual legislador a concebeu. Confira-se:

sem regra legal que os orientasse, os nossos tribunais nunca precisaram definitivamente o conceito de cessação de pagamento e, na generalidade, reconheciam o estado de falência somente quando a ruína do comerciante se apresentava patente, notória. A obra de 40 anos de jurisprudência pátria mostrou simplesmente que a tendência nela predominante foi explicar o conceito de cessação de pagamentos pelo da insolvência, doutrina errônea, que importava aceitar em nosso Direito o velho sistema, que ele repeliu, do desequilíbrio econômico. E como as provas dêstes último eram grandemente difíceis, o devedor à sombra dêsses escrúpulos judiciais, ficava com a liberdade de desviar o ativo, garantia dos credores, ou então de sobrecarregá-lo de novos compromissos para sair de embaraços, que reputava momentâneos, porém, na realidade, os prenúncios, quiçá a expressão da sua crise econômica.37

35 ANDRADE, Jorge Pereira, Manual de Falências e Concordatas. São Paulo: Atlas, 1996, 5ª edição, pág. 19. 36SAMPAIO DE LACERDA, José Cândido. Manual de direito falimentar. 14. ed. Atualizada por Jorge de Miranda Magalhães. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1982, pág. 44. 37 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume VII, Livro V – Da falência e da concordata preventiva – Parte I – da Falência. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1964, 7ª edição posta em dia por ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA, pág. 194. No mesmo sentido, ver também OTÁVIO MENDES. Fallencias e Concordatas (De acordo com o Decreto n. 5746, de 9 de Dezembro de 1929). São Paulo: Saraiva, 1930, págs. 31/32; WALDEMAR MARTINS FERREIRA. Instituições de Direito Comercial – Quarto Volume – A Falência. São Paulo: Editora Freitas Bastos, 1948, 2ª edição, págs. 56/57; MARIA CELESTE MORAIS GUIMARÃES. Recuperação judicial de empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, 1ª edição, pág. 55

Page 38: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

37

Portanto, diante da falta de parâmetro legal preciso, acabou prevalecendo o

entendimento de que a verificação da cessação de pagamentos deveria ser

acompanhada da apuração da insolvabilidade do comerciante, o que significa dizer,

noutras palavras, que o sistema de presunção criado pelo Legislador não foi adotado tal

como havia sido concebido. Ou seja, a presunção criada para tornar mais objetiva e ágil

a instauração do concurso de credores falimentar não foi respeitada e o instituto

concebido pelo Legislador não alcançou seu objetivo.

A propósito, impende registrar que a preocupação com a elaboração de um sistema de

presunção caracterizador do estado de falência traz benefícios para todos os agentes

que interagem com o comerciante (hoje, empresário), uma vez que a exigência de

investigar a insolvabilidade do devedor gera uma série de inconvenientes

(complexidade, demora da instauração do concurso de credores, possibilidade de os

dados sigilosos do devedor serem obtidos para fins indevidos, etc.).

Para tentar evitar essa busca tormentosa, o Legislador, através do Decreto 917/189038,

promoveu mudanças no sistema de caracterização do estado de insolvência para

incluir, além de certos atos e fatos previstos em lei, a impontualidade como reveladora

do estado de falência.

A respeito do sistema da impontualidade criado pelo Decreto 917/1890, OTAVIO

MENDES destaca o seguinte:

Este critério é de incontestável superioridade sobre o da cessação de pagamentos, porque acabou com a chicana a que se prestava a verificação do estado de insolvabilidade do devedor, e assentou a fallencia sobre base certa e indiscutivel, qual seja ou o protesto por falta de pagamento de um dos titulos enumerados no § único do art. 1º da lei 2024, ou a verificação de um dos factos descriminados no art. 2º da lei, que é em tudo egual ao art 2º do Dec. n. 5746.39

38 Este critério foi mantido na Lei nº 859, de 1902, na Lei nº 2024, de 1908, bem como no Decreto nº 5746, de 9 de dezembro de 1929. 39 OTÁVIO MENDES. Fallencias e Concordatas (De acordo com o Decreto n. 5746, de 9 de Dezembro de 1929). São Paulo: Saraiva, 1930, pág. 33.

Page 39: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

38

Posteriormente, esse sistema foi desenvolvido pelo Decreto-Lei nº 7.661 de 1945,

conforme disposto no art. 1º, que considerava falido o comerciante que, sem relevante

razão de direito, deixasse de pagar, no vencimento, obrigação líquida, constante de

título que legitimasse a ação executiva (comportamento conhecido como

impontualidade injustificada).

Segundo essa norma legal, bastava que o devedor deixasse de cumprir alguma

obrigação pecuniária constante de título executivo, no dia do vencimento, que estava

configurada a sua insolvência (jurídica).

Esse novo critério de aferição de insolvência não conseguiu, porém, encerrar a

discussão em torno da necessidade de perquirir-se a situação patrimonial do devedor.

Isso se deveu, especialmente, ao fato de a ação falimentar ter sido utilizada

indevidamente por muitos credores, que se valiam desse instituto para coagir o devedor

a pagar a dívida em aberto.40 Esse uso desvirtuado ocorria principalmente porque

inexistia na legislação um valor mínimo para pedidos de falência fundados na

impontualidade, fato que permitia ajuizamento dessas ações com o único objetivo de

recuperar um crédito individual do credor de pequena monta.

Além desse critério, o art. 2º do citado Decreto de Falências de 1945 trazia outras duas

hipóteses de configuração da insolvência do comerciante, a saber, a execução

frustrada (ou tríplice omissão)41 e a prática de atos de falência42.

40 WALDO FAZZIO JÚNIOR ressalta que o pedido de falência não é meio judicial de cobrança (in Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição. págs. 198/199). 41“ Art. 2º: I - executado, não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora, dentro do prazo legal;” 42“Art. 2º: II - procede à liquidação precipitada, ou lança mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos; III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens; IV - realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o fito de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócios simulado, ou alienação de parte ou da totalidade do seu ativo a terceiro, credor ou não;

Page 40: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

39

No que toca à hipótese de caracterização do estado de falência pela frustração da

execução civil individual, convém registrar que esse comportamento do devedor era

visto como um indicativo de que o comerciante estava com dificuldades de quitar seus

compromissos de forma regular, ou seja, significava que a capacidade de o devedor

honrar suas dívidas estava comprometida43.

Naturalmente, no processo de falência, o devedor tinha a oportunidade de elidir essa

presunção relativa (tanto a oriunda da impontualidade injustificada como a decorrente

da execução frustrada), com a realização do depósito elisivo44 ou por meio do

acolhimento dos argumentos jurídicos de sua defesa pelo judiciário45.

Quanto ao depósito elisivo, após muito se debater sobre o modo de realizá-lo, o

Superior Tribunal de Justiça resolveu pacificar o assunto, ao editar o verbete da Súmula

nº 29, cuja redação é a seguinte: “no pagamento em juízo para elidir falência, são

devidos correção monetária, juros e honorários de advogado”. Assim, para que fosse

afastada a presunção relativa de insolvência, o devedor deveria depositar, no prazo

V - transfere a terceiro o seu estabelecimento sem o consentimento de todos os credores, salvo se ficar com bens suficientes para solver o seu passivo; VI - dá garantia real a algum credor sem ficar com bens livres e desembaraçados equivalentes às suas dívidas, ou tenta essa prática, revelada a intenção por atos inequívocos; VII - ausenta-se sem deixar representante para administrar o negócio, habilitado com recursos suficientes para pagar os credores; abandona o estabelecimento; oculta-se ou tenta ocultar-se, deixando furtivamente o seu domicílio.” 43 Nesse sentido, conferir FÁBIO ULHOA COELHO. (in Curso de Direito Comercial: volume 3: direito de empresa. São Paulo, Saraiva, 2009. 10ª edição. pág. 252). 44 “Decreto-Lei 7.661/45. Art. 11, parágrafo 2º: § 2º Citado, poderá o devedor, dentro do prazo para defesa, depositar a quantia correspondente ao crédito reclamado, para discussão da sua legitimidade ou importância, elidindo a falência.” 45 “Decreto-Lei 7.661/45. Art. 4º: Art. 4º A falência não será declarada, se a pessoa contra quem fôr requerida, provar: I - falsidade do título da obrigação; II - prescrição; III - nulidade da obrigação ou do título respectivo; IV - pagamento da dívida, embora depois do protesto do título, mas antes da requerida a falência; V - requerimento de concordata preventiva anterior à citação; VI - depósito judicial oportunamente feito; VII - cessação do exercício do comércio há mais de dois anos, por documento hábil do registro de comércio o qual não prevalecerá contra a prova de exercício posterior ao ato registrado; VIII - qualquer motivo que extinga ou suspenda o cumprimento da obrigação, ou exclua o devedor do processo da falência.”

Page 41: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

40

legal para apresentação de defesa, o montante principal e os acessórios citados acima,

pois, do contrário, tinha-se por não elidida a falência.

Fora essas duas hipóteses (impontualidade injustificada e execução frustrada), o

Legislador estabeleceu (taxativamente) algumas condutas reveladoras da insolvência

jurídica do comerciante, conhecidas como atos de falência.

O devedor que praticasse o ato descrito na Lei tinha a sua insolvência caracterizada, de

forma presumida, sendo importante ressaltar que tal presunção era absoluta, ou seja,

não cabia nesse caso a efetivação do depósito elisivo para afastar esse estado criado

pelo direito.

Muito embora o sistema introduzido pelo Decreto-Lei nº 7661/1945 representasse um

avanço em relação aos regimes anteriores, o que se viu ao longo da vigência da

revogada Lei de Falências foi a manutenção da discussão em torno da necessidade de

investigar a insolvabilidade do devedor empresário (antes, comerciante), nos casos de

caracterização de falência, com base no art. 1º e no art. 2º, inciso, do referido diploma

legal.

Para tentar, mais uma vez, evitar esse tipo de debate, o Legislador Brasileiro, por meio

da publicação da Lei nº 11.101/2005, manteve esse critério tripartido de caracterização

da insolvência jurídica, inserindo, contudo, algumas modificações.

A transformação mais sensível foi introduzida no inciso I, do art. 94, da nova Lei de

Falências, que trata da caracterização da insolvência baseada na impontualidade

injustificada.

Percebendo a má utilização do instituto ao longo dos anos; verificando que a falência

era usada como ação de cobrança mascarada; constatando que o credor valia-se da

medida excepcional para alcançar interesses meramente privatísticos, o Legislador

Page 42: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

41

houve por bem introduzir um valor mínimo para autorizar pedidos promovidos por

credores.

Assim, de acordo com a redação do citado dispositivo do art. 94, inciso I, da Lei

11.101/200546, o credor pode pleitear a decretação de falência do devedor empresário,

se este revelar-se impontual quando ao pagamento de obrigação materializada em

título executivo protestado, de valor que supere o correspondente a 40 (quarenta)

salários mínimos.

Com essa medida de inserir um piso na lei, foram afastados os pedidos de falência

baseados em títulos de importâncias singelas. Esse fato contribui para melhor utilização

do instituto, uma vez que as conseqüências de um processo de execução concursal

são experimentadas por toda a sociedade, não se podendo permitir que um credor se

valha do processo de falência para coagir o devedor a realizar o depósito elisivo,

visando à satisfação de apenas aquele compromisso.

A propósito desse critério e das alterações implementadas pela nova Lei de Quebras,

MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO que:

O pedido de falência apenas é possível se o valor do título executivo ultrapassa o correspondente a 40 salários mínimos, o que é medida salutar, pois evita o aviltamento do instituto da falência, que passou a ser utilizado como simples ação de cobrança, havendo casos de requerimento de falência nos quais o valor era inferior a um único salário mínimo. Atendeu a nova Lei ao clamor que já se fazia sentir, especialmente na primeira instância do Judiciário, que vinha negando seguimento a requerimentos de falência, de valor insignificante, sob diversos argumentos, especialmente de que a grandeza do instituto falimentar não se prestava a permitir seu acionamento para valores insignificantes, o que aliás, por outro lado, encontraria também respaldo na preservação do Judiciário para que possa operar em causas de verdadeiro interesse para a sociedade, entendimento consagrado pelo brocardo de minimus non curat praetor.47

46 “Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;” 47 BEZERRA FILHO. Manuel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 4ª edição, pág. 247. No mesmo sentido, verificar também WALDO FAZZIO JÚNIOR. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005, 1ª

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42

Espera-se, com essas mudanças inseridas na regra que trata da impontualidade

injustificada, que o instituto passe a ser utilizado exclusivamente para o fim que o

Legislador lhe destinou. Noutras palavras, o objetivo dessa alteração foi dificultar o

desvirtuamento da ação de falência para que ela não fosse relegada à condição de

mera ação de cobrança.

Além do critério da impontualidade injustificada, existe o sistema de apuração do estado

de falência conhecido como execução frustrada ou tríplice omissão. Esse sistema é

previsto no inciso II, do art. 94 da novel Lei de Falências, norma pouco alterada em

relação à regra constante inciso I, do art. 2º, do Decreto-Lei nº 7.661/45.

O legislador modificou essa norma apenas em dois pontos, com o fim de tentar evitar as

longas discussões travadas por advogados e juízes. O primeiro aspecto modificado diz

respeito ao título. Somente o título líquido é que dá ensejo à propositura de ação de

falência, pela nova Lei de Quebras. Em relação ao outro ponto, alterou-se o citado

dispositivo legal para obrigar que o devedor faça a nomeação de bens à penhora na

execução individual em valor suficiente à garantia do débito. Logo, não basta ao

devedor indicar qualquer bem quando for executado individualmente por seu credor,

mas fazê-lo tal como estabelece o dispositivo da novel Lei de Falências, sob pena de

ficar sujeito à quebra.

Sobre essa regra, vale citar o comentário de TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE

acerca do dispositivo do art. 2º do Decreto-Lei nº 7.661/1945, que se aplica

perfeitamente à hipótese do art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005. Confira-se:

Enumera o artigo certos atos ou fatos que, independentemente da impontualidade no pagamento de obrigação líquida, caracterizam a falência do comerciante. No primeiro caso, todavia, pressupõe a lei a impossibilidade de pagar (nº 5), já que o comerciante executado, que

edição, págs. 202/212; JOÃO TEIXEIRA GRANDE, no artigo intitulado “Considerações sobre os antecedentes legais da falência” (in PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito Falimentar e nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, págs. 365/366);

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43

não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora, no prazo legal, está, provàvelmente, falido.48

Veja-se também o pensamento de PONTES DE MIRANDA sobre a norma do Decreto

de Quebras, absolutamente atual:

No art. 2º, I, do Decreto-lei n. 7.661, o que se leva em conta não é o inadimplemento de dívida certa e líquida, com o protesto, mas sim o fato de, tendo ocorrido propositura de ação executiva, qualquer que seja, ou eficácia executiva imediata de alguma sentença, não haver o executado pagou, depositado a quantia, ou nomeado bens á penhora. Com essa omissão tripla – de solver, de depositar e de nomear bens à penhora – o devedor revela que está insolvável, ou, pelo menos, que procedeu como se estivesse.49

Comentando o dispositivo do inciso II, do art. 94, da Lei de Recuperação e Falência de

Empresas, WALDO FAZZIO JÚNIOR demonstra o sentido e a extensão dessa hipótese

legal de caracterização presumida de insolvência:

Execução frustrada é, pois, a improdutiva, insatisfatória. É a tentativa infrutífera encetada pelo credor, no sentido de dar atuação à sanção, de densificar a exigibilidade do título. É a falta de prestação do agente econômico devedor em face da exigência do credor. É a não-obtenção do bem devido. A presunção de insolvência, aqui, repousa na idéia de que o agente econômico devedor não obedece ao comando executivo porque não pode fazê-lo.

(...) Nesse ponto, o que se leva em conta não é o inadimplemento de dívida líquida e certa, mas o fato de, tendo ocorrido propositura de ação executiva, qualquer que seja, ou eficácia executiva imediata de alguma sentença, não ter o empresário pago, depositado a quantia reclamada ou nomeado bens à penhora. “Com essa omissão tripla – de solver, depositar, ou nomear bens à penhora – o devedor demonstra que está insolvente, ou pelo menos, procede como se estive.”

(...) 48 MIRANDA VALVERDE, Trajano de. Comentário à Lei de Falências (Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945). Rio de Janeiro: Forense, 1948, pág. 37. 49 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXVIII. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1960, pág.83. No mesmo sentido, verificar DARCY BESSONE. Instituições de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 36; WALTER T. ÁLVARES. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Sugestões Literárias, 1979, 7ª ed., pág. 91.

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44

Assim é que, para o aperfeiçoamento da figura em tela, não há necessidade de que, no executivo individual, haja certidão do oficial de justiça atestando a inexistência de bens para penhorar, posto que a lei fala em “nomear bens à penhora”, e a nomeação de bens à penhora é ato do executado.50

Como se percebe, então, o empresário que é executado por não solver amigavelmente

uma dívida constante de título executivo, deve estar ciente de que o seu credor poderá

requerer uma certidão de fatos e instruir pedido de falência contra ele. A presunção de

insolvência, nesse caso, é muito mais forte do que na hipótese de impontualidade

injustificada.

Finalmente, em relação à norma que trata da caracterização da insolvência baseada na

prática dos chamados atos de falência, convém registrar que o sistema adotado no

inciso II, do art. 2º, do Decreto-Lei nº 7.661/45 foi reproduzido de forma praticamente

idêntica no dispositivo do art. 94, inciso III, da nova Lei de Falências.

Os seis atos configuradores da insolvência jurídica do devedor empresário constantes

da revogada Lei de Quebras foram reproduzidos na vigente legislação e, além desses,

foi acrescentada outra ação do devedor que caracteriza a prática de ato falimentar, a

saber, o descumprimento de obrigação contida no plano de recuperação (alínea “g”, do

inciso III, da Lei nº 11.101/2005).

Acerca desses atos falimentares, WALDO FAZZIO JÚNIOR pontifica que:

Outro critério indicativo de insolvência, admitido pela LRE como baldrame para o pedido de falência, reside em ato ou atos cuja prática, pelo agente econômico, revela grave depressão patrimonial, suscetível de colocar em risco os direitos dos credores. A lei os considera indutores do estado de falência.

50 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005. 1ª edição, págs. 213/214. Ver também FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial: volume 3: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2009. 10ª edição. pág. 254; JOÃO TEIXEIRA GRANDE, no artigo intitulado “Considerações sobre os antecedentes legais da falência” (in PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito Falimentar e nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pág. 368); JOSÉ DA SILVA PACHECO, Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência: em conformidade com a Lei nº 11.1101/05 e a alteração da Lei nº 11.127/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006, 1ª edição, págs. 231/232.

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45

Não é raro suceder que os administradores de sociedades empresárias, premidos por insuportáveis pressões obrigacionais, enveredem para o cometimento de atos dissipatórios do patrimônio social, prejudicando os credores pela diminuição e, quiçá, consumição de sua garantia comum. Outras vezes, convictos de sua insuficiência patrimonial, em relação ao montante do passivo, relegam ao abandono o estabelecimento empresarial, refugiando-se na clandestinidade, no sentido de evitar os reclamos dos credores. Em outras ocasiões, ainda, tentando satisfazer a um ou algumas dívidas de exigibilidade imediata, são levados a lançar mão de expedientes civilmente ilícitos (às vezes, até ilícitos penais), a fim de esquivar-se de um eventual pedido de falência. É de condutas desse naipe que se ocupam as alíneas do art. 94, inciso III.51

Como ficou demonstrado, portanto, a legislação falimentar pátria sempre adotou uma

forma presumida para apuração do estado de falência, conforme critérios definidos

objetivamente em lei. Jamais exigiu o legislador concursal brasileiro a prova da

insolvência para abertura da execução coletiva falimentar.

Veja-se, a seguir, a dicotomia da legislação brasileira no que se refere ao tratamento

dado à insolvência do devedor civil e à do empresário.

2.3 A dicotomia do direito brasileiro quanto ao tratamento da insolvência – empresarial

e civil

O direito brasileiro não aproveitou o exemplo e as influências do direito estrangeiro para

unificar o processo de execução concursal, destinando-o tanto para o devedor civil

como para o empresário (individual ou coletivo).

A propósito dessa tendência do direito estrangeiro, HUMBERTO TEODORO JÚNIOR

ressalta que:

51 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005, 1ª edição, págs. 216/222.

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46

não há no direito comparado um consenso sobre a unificação do direito concursal. Nota-se, no entanto, uma tendência, entre as legislações mais modernas, de adotar um mesmo procedimento para a falência e a insolvência civil. É, v. g., o que se passa, na América, com o Chile, Argentina e Peru, e, na Europa, com Portugal, Espanha e Alemanha.52

No mesmo sentido, VERA HELENA DE MELLO FRANCO e RAQUEL SZTAJN ensinam

que:

nos sistemas chamados germânicos, de que são exemplos o Direito alemão, austríaco e suíço, sujeito passivo é o empresário, civil ou comercial, e, inclusive, a pessoa natural. Atente-se que esta é a tendência atual do Direito Comparado, no qual a grande maioria dos países optou por estender a falência, igualmente, para os não comerciantes e, inclusive, pessoas físicas não comerciantes.53

Embora essa seja a tendência dos países europeus, como se percebe das lições acima

transcritas, o Brasil ainda não realizou a unificação da execução contra devedor

insolvente.

Não obstante, há muito tempo, vários autores têm defendido a necessidade de se criar

apenas um processo de execução coletiva, que alcance tanto o devedor empresário

como o civil, sustentando inexistirem razões lógicas para o tratamento diferenciado da

insolvência civil e empresarial.

Acerca dessa unificação, JOÃO EUNÁPIO BORGES pontifica que:

tal separação, que não pertence à história mais antiga do direito comercial, não corresponde evidentemente à realidade e à natureza das coisas. Pelo contrário, não é apenas possível, mas é de toda conveniência, a extensão da falência a quantos recorrerem ao crédito, qualquer que seja sua profissão.

52 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns Aspectos Processuais da nova lei de falências. Caxias do Sul, RS: Editora Plenum, Revista Juris Plenum (CD ROM). Setembro/Outubro de 2007. Edição 96, vol. 1.

53 FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Raquel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, págs.10/11.

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47

O processo falimentar poderá diferenciar-se, para distinguir grandes e pequenas falências, conforme maior ou menor o passivo. A profissão do devedor não influiria, porém para qualquer distinção.54

TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE adotava a mesma posição, ressaltando, contudo,

que a criação de um código de insolvência geral deveria ser precedida de profundas

mudanças:

No estado atual do nosso direito, regulada que se acha a atividade econômica por leis civis e leis comerciais, por mais íntima que seja a ligação entre elas, inconfundíveis são, sem dúvida nenhuma, em pontos importantíssimos, as situações jurídicas resultantes dos atos regidos por um ou outro direito. Ora, a unificação da insolvência civil e da insolvência comercial não se pode operar, no Direito brasileiro, sem radicais transformações na legislação civil. A unicidade, por isso, do processo de concurso, ou há de pressupor, senão já um Código Geral das Obrigações, pelo menos a supressão das diferenças acentuadíssimas que assinalam os limites da atividade civil e da atividade comercial, individual, ou associativa, a instituição de regras mais amplas de ligação ou passagem de um a outro direito.55

A explicação para essa unificação assenta-se na necessidade de se eliminarem as

dúvidas que se apresentam diante dos casos concretos, evitando que se verifique,

primeiramente, se o agente é empresário ou devedor civil (não-empresário) para,

somente depois, concluir pela escolha do procedimento de insolvência (civil ou

empresarial).

Sobre esse problema, ARAKEN DE ASSIS pondera que:

A regulamentação paralela provoca, em alguns casos extremos e difíceis, dúvidas sérias sobre o regime aplicável a certo devedor em particular. E a questão se agrava considerando que a qualidade de “civil” do devedor se obtém por exclusão, ou seja, o rótulo cabe a quem não for comerciante, a despeito de a própria noção de comerciante flutuar em notórias imprecisões.

(...) Entre os exemplos de atividade intercalar se encontra na figura do artesão, que, em princípio submetido ao concurso civil, facilmente se

54 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1991, 5ª edição, pág. 75. 55 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2, e 3, págs. 08/09.

Page 49: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

48

transporta ao gabarito de comerciante, se estruturando de forma empresarial.56

Logo, em razão do tratamento dicotômico adotado pelo Brasil, para que se defina sobre

a incidência do concurso civil ou do falimentar, torna-se necessário examinar o conceito

de empresário previsto no art. 966, do Código Civil57, tendo em vista que o art. 1º, da

Lei 11.101/200558, faz remissão a ele.

No que se refere à insolvência do devedor civil, o procedimento rege-se pelo disposto

no art. 748 e seguintes do Código de Processo Civil.

Pelo sistema adotado pelo Código de Processo Civil, dar-se-á a insolvência toda vez

que o patrimônio do devedor for inferior ao valor das dívidas (art. 748, CPC), donde se

percebe que o critério usado para a caracterização da crise é o do patrimônio

deficitário, meio extremamente complexo para a deflagração da execução coletiva.

A esse respeito desse critério, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA ensina que:

o conceito insolvência, ministrado pelo art. 748, é econômico, refletindo uma situação de desequilíbrio no patrimônio do devedor. Não basta, porém, a ocorrência de tal situação para automaticamente submetê-lo à execução universal. Faz-se necessária a declaração judicial de que a insolvência está configurada.59

ARAKEN DE ASSIS chama a atenção para o rigor desse sistema, ao dizer que:

o art. 748 emprega critério objetivo na compreensão da insolvabilidade do obrigado. Ele é essencialmente econômico, consoante se depreende

56 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 8ª edição, pág. 1.004. 57 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.” 58 “Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.” 59 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 1ª edição. pág. 276.

Page 50: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

49

do texto legal, e assaz rigoroso, porque sua configuração reclama, no mínimo, balanço do ativo e do passivo do devedor.60

Para atenuar esse dificultador criado pelo citado dispositivo legal, o art. 750, do Código

de Processo61 estabelece um sistema de caracterização da insolvência por presunção,

semelhante ao existente na novel Lei de Falências.

Sobre esse critério de aferição de insolvência civil presumido, ARAKEN DE ASSIS

ensina que:

O art. 750 cataloga algumas situações em que se presume a insolvabilidade do devedor. Cuida-se, é evidente, de presunção juris tantum. Também aqui se afigura lícito ao obrigado provar sua solvência através de embargos (retro, 331). Mas o credor expõe fatos mais palpáveis e transparentes na inicial, que lhe permitem supor, sem exageros censuráveis, o déficit patrimonial.62

OVÍDIO ARAÚJO BATISTA DA SILVA adverte, todavia, que a insolvência econômica é

pressuposto do concurso civil de credores. Confira-se:

O processo de execução civil contra devedor insolvente assemelha-se à falência, que é instituto reservado aos devedores comerciantes, ao ponto de encontrar-se, frequentemente, alusão à “falência civil”, quando se queira fazer referência ao concurso universal de credores. A semelhança, no entanto, não é absoluta, como veremos a seguir.

(...)

60 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 8ª edição, pág. 999. 61 “Art. 750. Presume-se a insolvência quando: I - o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora; Il - forem arrestados bens do devedor, com fundamento no art. 813, I, II e III.” “Art. 813. O arresto tem lugar: I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II - quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV - nos demais casos expressos em lei.” 62 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 8ª edição, pág. 1.001.

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50

Enquanto a falência, em nosso direito, tem lugar tanto nos casos de impontualidade quanto nas hipóteses de insolvência, o concurso universal de credores, tal como ele vem disciplinado no Código, somente será admissível quando haja insolvência do devedor.63

No processo de execução concursal previsto no Código de Processo Civil, o devedor

também fica sujeito à perda da posse e da administração de seus bens (art. 751, II e III,

e art. 752, do CPC), que passam às mãos do administrador da massa (nomeado pelo

Juiz – art. 761, I, CPC), que irá utilizá-los no pagamento dos credores concursais.

Para que seja formado o concurso de credores, é antecipado o vencimento de todas as

obrigações do devedor (art. 751, I, CPC), suspendendo-se as execuções individuais em

curso e atraindo-se todos os credores para a execução coletiva (art. 762, CPC), a fim

de que lhes seja dado tratamento paritário (par conditio creditorum do Direito

Falimentar).

A extinção das obrigações do devedor depende do pagamento integral dos débitos (art.

752, in fine, e art. 774, CPC) ou da ocorrência da prescrição dos créditos (art. 777,

CPC).

Registre-se, finalmente, que, no processo de insolvência civil, o devedor pode obter a

concordata suspensiva64, após a verificação do passivo, visando ao acerto amigável

com seus credores (art. 783, CPC).

Essas são as linhas gerais traçadas pelo Código de Processo Civil, para a execução

contra o devedor civil insolvente.

Por sua vez, o processo de execução coletiva falimentar tem um sistema muito parecido

com o adotado pela lei processual civil, uma vez que também reúne todos os credores

numa disputa paritária pelo patrimônio deficitário do devedor.

63 SILVA, OVÍDIO ARAÚJO BATISTA DA. Curso de Processo Civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais, volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, 3ª edição, pág. 170. 64 Este instituto não possui correspondência na nova Lei de Falências, vez que a recuperação revogou antiga concordata, tanto a preventiva como a suspensiva.

Page 52: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

51

Contudo, há algumas diferenças no tratamento da crise empresarial65 que são dignas

de destaque.

A primeira distinção refere-se à possibilidade de o devedor ter à sua disposição o

instituto da recuperação judicial (arts. 47 a 72, da Lei nº 11.101/2005) e o da

recuperação extrajudicial (arts. 161 a 167, da nova Lei de Falências), mecanismos que

permitem ao devedor viabilizar a superação do estado de crise (art. 47, da Lei nº

11.101/2005), o que inexiste na insolvência civil66.

Outrossim, o Legislador Falimentar estabelece que o prazo de prescrição se suspende

na falência (arts. 6º e 157, Lei nº 11.101/2005) voltando a correr quando do

encerramento do processo falimentar, ao passo que, na execução contra devedor

insolvente civil, a prescrição é interrompida (art. 777, do CPC), para recomeçar a contar

na data do encerramento do feito. Essa diferença é bastante significativa, pois no caso

de interrupção, a prescrição reinicia-se novamente, quando alcançada a sua condição,

enquanto na suspensão, o prazo recomeça a correr de onde parou. Portanto, o curso

da prescrição no processo de execução falimentar é mais benéfico ao devedor, vez que

extingue mais rapidamente as obrigações do devedor.

Todavia, a diferença talvez mais sensível entre os dois institutos diz respeito à forma de

extinção das obrigações. Enquanto na insolvência civil o devedor somente se desonera

com o pagamento integral dos débitos (art. 752, in fine, e art. 774, CPC), na falência é

possível haver a extinção das obrigações do falido com o pagamento de pelo menos

50% (cinqüenta por cento) do passivo quirografário (art. 158, inciso II, nova Lei de

Falências). Aqui também se percebe uma clara tentativa de favorecer o empresário que

vive uma crise de insolvência, dando-se-lhe um tratamento mais benéfico do que

aquele concedido ao devedor civil.

65 A propósito dessas diferenças, confira-se o artigo de HUMBERTO TEODORO JÚNIOR, intitulado “Alguns Aspectos Processuais da nova lei de falências” (in Caxias do Sul, RS: Editora Plenum, Revista Juris Plenum (CD ROM). Setembro/Outubro de 2007. Edição 96, vol. 1).

Page 53: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

52

A reflexão que essa dicotomia de tratamento provoca diz respeito ao porquê de se dar

tratamento diferenciado ao devedor civil e ao empresário. Existe algum interesse ulterior

e coletivo em privilegiar o devedor empresário que caia em insolvência? A resposta a

essas dúvidas não é simples.

Um dos argumentos que se poderia utilizar na defesa do tratamento diferenciado

concerne à nova tendência de priorizar a proteção da atividade econômica empresarial,

uma vez que os fatores de produção são escassos e tendo em vista que a sociedade

depende dos bens e serviços postos à disposição pelos empresários. Ademais, pode-se

defender que os empresários estão mais expostos à situação de insolvência porque o

exercício da atividade empresarial é mais arriscado do que a prática dos atos da vida

civil.

O argumento em sentido contrário assenta-se no princípio da isonomia previsto na

Constituição da República Federativa do Brasil 1988, o qual estabelece que não se

pode dar ao devedor civil tratamento distinto daquele dado aos empresários67.

Enfim, não há consenso sobre a conveniência dessa dicotomia tanto no direito

brasileiro como nos ordenamos jurídicos estrangeiros.

O regramento escasso do tema no Código de Processo Civil acaba provocando a

aplicação analógica dos mecanismos da falência ao processo de execução concursal

promovido contra o devedor civil insolvente, tarefa que se revela bastante complexa e

traz insegurança jurídica a todos.

Talvez seja melhor que o legislador brasileiro, seguindo a tendência de vários países

estrangeiros, crie um código de insolvência único. Mas, isso não é objeto do presente

trabalho.

66 A concordata suspensiva prevista no art. 777, do CPC, é bem diferente do instituto da recuperação judicial, tanto na sua essência como na sua finalidade.

Page 54: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

53

2.4 A importância do instituto da caracterização da insolvência para a eficiência do

direito concursal

O desenvolvimento constante da atividade econômica e as mudanças na forma pela

qual ela é exercida provocam permanentes necessidades de o Direito oferecer soluções

aos novos questionamentos que vão surgindo nas relações entre os diversos agentes

que participam desse processo.

Desde a fase menos desenvolvida do comércio nas cidades italianas medievais, os

problemas oriundos das relações entre os comerciantes e entre estes e os demais

agentes sempre trouxeram reflexões sobre a necessidade de se criar um sistema de

regras que se adequasse melhor à realidade e dinamicidade do exercício da atividade

econômica.

Essa necessidade revelava-se ainda mais imperiosa quando se tratava de coibir o

inadimplemento e de enfrentar os nefastos efeitos por ele gerados.

As primeiras leis sistematizadas que surgiram no período medieval com o fim de

regulamentar o exercício da atividade comercial preocuparam-se em romper com o

paradigma do Direito Romano e tentaram priorizar o direito de os credores receberem a

importância inadimplida pelo devedor. Mesmo diante da mudança, o inadimplemento

continuou sendo mal visto pelo direito, permanecendo nas legislações sanções pesadas

contra o devedor que deixasse de honrar pontualmente seus compromissos, como a

manutenção da pena de prisão, por exemplo.

67 Sobre esse pensamento, conferir o artigo “A falência e a insolvência civil”, de autoria de HÉLIO DE OLIVEIRA BARBOSA. (in Novos estudos em homenagem a Celso Barbi Filho. Coordenador Theophilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 1ª edição, pág. 121).

Page 55: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

54

Assim, criou-se um processo específico para o credor mover contra o devedor

comerciante inadimplente – execução coletiva concursal -, estabelecendo-se a

necessidade de se reunirem os credores numa única execução e de se operar uma

inversão de princípios para que todos recebessem um tratamento paritário e

disputassem o deficitário patrimônio do devedor em situação de igualdade (na medida

de suas desigualdades, como é curial).

A fim de que esse sistema funcionasse bem, para que a deflagração do processo de

execução coletiva ocorresse oportunamente, sem retardamentos, estabeleceu-se um

mecanismo de caracterização de insolvência por presunção, com o objetivo de se evitar

a investigação sobre a insolvabilidade do devedor.

O princípio prior in tempore, potior in jure, que orienta a execução civil individual, não

pode ser adotado quando os bens do devedor são insuficientes para satisfazer todas as

obrigações contraídas junto aos credores, motivo pelo qual se instituiu a par condictio

creditorum, que privilegia o tratamento paritário entre os credores, para essas

situações.

Como já foi mencionado, a configuração da insolvência econômica pode trazer sérios

danos à eficiência do processo de execução coletiva falimentar, tendo em vista que a

demora no seu início e desenvolvimento acarreta depreciação dos bens que serão

submetidos à arrecadação e posterior alienação. Além disso, também há a

possibilidade de os credores correrem o concreto risco de o devedor, os

administradores e os sócios da sociedade falida, desviarem parte do patrimônio afetado

ao exercício da atividade empresarial.

Logo, para que houvesse um processo de execução coletiva falimentar eficiente era

preciso que o Direito conseguisse criar um sistema de presunção, para fins de

caracterização do estado de insolvência.

Page 56: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

55

Então, estabeleceu-se em lei que alguns atos e comportamentos do devedor

comerciante que eram reveladores do seu estado de insolvência (jurídica), sendo

indiferente a real situação patrimonial do agente.

Muito embora a legislação brasileira tenha sido bastante clara e objetiva ao presumir a

forma de caracterização de insolvência, desde o Código Comercial de 1850 até a Lei nº

11.101/2005, sempre houve quem sustentasse a necessidade de comprovar a

deficiência patrimonial do empresário.

Esses argumentos, entretanto, menosprezam os interesses coletivos que gravitam em

torno do devedor em crise e o risco que a investigação acerca da insolvência

econômica pode trazer para o processo de falência.

A propósito da necessidade de respeitar-se o sistema de presunção de insolvência para

fins de decretação de falência, WALDO FAZZIO JÚNIOR ressalta que:

talvez outros critérios mais seguros de aferição da insolvência pudessem ser adotados, mas o perigo que emerge de sua natural demora pode afetar profundamente os direitos dos credores, empregados e dos próprios créditos públicos, em virtude da dispersão dos bens do ativo. A demonstração real de um ativo insuficiente para fazer frente às obrigações sujeita-se ainda a valorações contábeis que, por vezes, não refletem uma posição exata do agente econômico, conforme as condições de maior ou menor estabilidade do mercado.68

Por essa razão, o Legislador Falimentar estabeleceu que, no caso de inexistir

viabilidade para a superação do estado de crise pelo instituto da recuperação, a

falência deve ser realizada de forma célere (art. 75, Lei nº 11.101/200569).

68 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo, Atlas, 2005, 1ª edição, pág. 204. 69 “Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual.”

Page 57: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

56

E assim o fez, porque a agilidade na abertura e na tramitação do processo de falência

permite que os fatores de produção organizados pelo empresário no exercício da

atividade econômica não se desvalorizem demais.

Essa prévia disposição da Lei Falimentar sobre a forma de caracterização do estado de

falência possibilita aos agentes que interagem com o empresário tomar a decisão de

continuar fazendo negócio com ele, ou não.

A respeito da importância da criação de um sistema falimentar seguro, MARCOS DE

BARROS LISBOA [ET ALL] destacam que:

do ponto de vista econômico, a legislação falimentar tem como objetivo criar condições para que situações de insolvência tenham soluções previsíveis, céleres e transparentes, de modo que os ativos, tangíveis e intangíveis, sejam preservados e continuem cumprindo sua função social, gerando produto, emprego e renda. Com isso, busca-se minimizar os impactos de insolvências individuais sobre a economia como um todo e, dessa forma, limitar prejuízos gerais e particulares.70

Para que o instituto da falência alcance esses objetivos de obter celeridade e eficiência

econômica, é necessário que o sistema de presunção de caracterização da insolvência

seja claro, previamente estabelecido e adequadamente aplicado.

Isso porque, a demora na deflagração do processo de falência pode acarretar muitos

prejuízos a todos os agentes que gravitam em torno do empresário tais como o Estado,

credores, trabalhadores, clientes e fornecedores.

Ao mesmo tempo em que instituiu a recuperação do empresário como princípio a servir

de orientação à interpretação da nova Lei de Quebras, o Legislador estabeleceu

também que o Direito Concursal deve se preocupar com a utilização eficiente dos

fatores de produção.

70 MARCOS DE BARROS LISBOA [ET ALL], no artigo intitulado “A racionalidade econômica da Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas” (in PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito Falimentar e nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo, Quartier Latin, 2005, pág. 33).

Page 58: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

57

Logo, é preciso priorizar a recuperação do empresário sempre que possível e viável.

Mas quando ficar caracterizada a insolvência jurídica do devedor, a preocupação do

aplicador do Direito deve voltar-se para a otimização do uso dos fatores de produção,

impondo-se que a atuação da lei no caso concreto tenha como finalidade a proteção do

crédito e dos recursos econômicos manejados pelo agente falido.

Com efeito, a interpretação da norma contida no inciso II, do art. 94, da Lei nº

11.101/2005 deve ser feita em consonância com os princípios que orientam o novel

Direito Concursal Brasileiro, sem menosprezar que o Legislador criou um sistema de

presunção exatamente para evitar o retardamento na deflagração do processo de

falência.

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58

3 A REGULAMENTAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO CIVIL

Quando alguém deixa de honrar o compromisso assumido, o credor tem o direito de

exigir que o Estado obrigue essa pessoa a pagar o débito, ainda que seja por meio da

entrega de bens destacados do patrimônio do devedor. Então, o direito material do

credor será realizado forçadamente, por meio de sanção imposta ao devedor pelo

Estado através do processo de execução.

Para que o credor se utilize da execução civil, é preciso, todavia, que o direito esteja

definido no título executivo, assim reconhecido pela lei, devendo este ser líquido, certo

e exigível.

A execução civil tem por objetivo a materialização de direitos consubstanciados em

título executivo judicial ou extrajudicial, sendo os primeiros oriundos de

pronunciamentos proferidos em processos judiciais de conhecimento (art. 475-N, CPC)

e os segundos, documentos aos quais a lei reconhece força executiva (art. 585, CPC).

Na ação executiva, não se discute a existência do direito, mas, tão-somente, realizam-

se os atos necessários à satisfação do crédito consubstanciado no título executivo.

Embora a posse de um título executivo confira ao credor um direito de crédito e lhe

outorgue a possibilidade de invadir a esfera patrimonial do devedor para satisfazer a

sua pretensão, o processo de execução brasileiro não tem conseguido, muitas vezes,

permitir que o exequente tenha êxito no recebimento de seu crédito, uma vez que o

procedimento a ser percorrido (citação, penhora, avaliação, alienação, arrematação, e

pagamento) enseja discussões intermináveis.

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59

Para tentar otimizar o processo de execução civil e dar mais eficiência à concretização

do direito do credor, o Código de Processo Civil de 1973 (instituído pela Lei no 5.869, de

11 de janeiro de 1973) vem sofrendo várias modificações nos últimos anos71.

Dentre essas mudanças, chamam a atenção as recentes alterações promovidas pela

Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 e pela Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de

2006, que modificaram a execução baseada em título judicial e a fundada em título

extrajudicial, respectivamente.

Com a entrada em vigor dessas duas leis, houve uma separação do tratamento dado a

um e a outro instituto. A execução por título judicial deixa de ser um processo autônomo

e passa a ser uma fase do processo de conhecimento. Por sua vez, a execução

baseada em título extrajudicial altera dispositivos legais que atrapalhavam a sua célere

tramitação, como, por exemplo, os concernentes à defesa do executado.

Veja-se, então, como estava disposta a execução civil no Código de Processo Civil de

1973.

3.1 A execução civil contra devedor solvente na ótica do Código de Processo Civil de

1973

O Código de Processo Civil, na parte que tratava da execução civil contra devedor

solvente, sofreu grande modificação, conforme já foi dito anteriormente.

A razão principal dessas alterações foram as consequências nefastas da morosidade

da tramitação do feito e a ineficiência do processo em dar ao credor a satisfação

buscada através da prestação jurisdicional executiva.

71 Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994; Lei nº 10.358, de 27 de dezembro de 2001; Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002; Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005; Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006.

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60

No sistema anterior, o devedor era citado para pagar ou nomear bens à penhora, no

prazo de 24 (vinte e quatro) horas, nos termos do revogado art. 652, do Código de

Processo Civil72.

Isso ocorria tanto na execução baseada em título executivo judicial como nas

execuções fundadas em título extrajudicial, estando o devedor/executado, pois,

obrigado a adotar uma das duas opções oferecidas pelo Legislador.

Embora o pagamento devesse ser – e ainda continua devendo ser – a primeira escolha

do executado, era muito comum que o credor encontrasse resistência por parte do

devedor, que não aceitava pagar a quantia materializada no título executivo, quando

chamado a fazê-lo.

Esse comportamento do executado dava-se em razão da incompreensão sobre a

finalidade do ato citatório no processo de execução, muitas vezes entendido

equivocadamente como simples chamamento do executado para se defender da

pretensão do exequente.

Sobre o efeito da citação do executado, ENRICO TÚLIO LIBMAN ensina que:

Este é o ato constitutivo da relação processual executória. A citação não é feita, como no processo de cognição, para que o citado compareça e se defenda, mas, para oferecer-lhe uma última oportunidade de cumprir sua obrigação e, na falta, submetê-lo imediatamente à atuação dos órgãos judiciários que procedem à execução.73

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR esclarece a distinção entre o ato citatório realizado

na ação de conhecimento e o efetivado na execução. Confira-se:

Há, todavia, uma grande diferença entre os termos com que o réu é convocado a participar da relação processual, conforme se trate de cognição ou execução forçada. No processo de conhecimento, cujo

72 Revogado pela Lei nº 11.382/2006. 73 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1986. 5ª edição, pág. 120.

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provimento final se dá por meio de uma sentença de acertamento ou definição da situação jurídica controvertida, a citação é feita como um chamamento do réu para se defender, antes que o juiz dite a solução para o litígio. No processo de execução, o título executivo já contém o acertamento necessário da relação jurídica material existente entre as partes. Sabe-se de antemão que o autor é credor de determinada obrigação e que o réu é sujeito passivo dela. O chamamento do devedor a juízo, por isso, não é para se defender, mas para cumprir a prestação obrigacional inadimplida, sobe pena de iniciar-se a invasão judicial em sua esfera patrimonial, para promovê-la de maneira coativa. A citação executiva, nessa ordem de idéias, é para pagar e não para discutir a pretensão do credor.74

Como se verifica, portanto, a citação no processo executivo é para quitar sua dívida,

devendo o executado comparecer aos autos e satisfazer o crédito estampado no título

executivo, a menos que este apresente algum defeito material ou formal que impeça o

cumprimento da obrigação tal como exigida pelo exequente.

Na regra anterior (bem como na atual), embora a citação do executado fosse para

pagar a dívida, caso não se quitasse a quantia reclamada pelo exequente, abria-se a

oportunidade para que o devedor, no mesmo prazo estipulado para o pagamento,

oferecesse bens à penhora, visando a garantir o juízo executivo.

Se o executado não pagasse o débito nem oferecesse bens à penhora75, o credor

passava a ter o direito de indicar bens passíveis de constrição judicial. Isso também

ocorria quando o devedor apresentava bem que não obedecesse à gradação legal do

art. 655, do CPC, que fosse de difícil alienação, localizado em Comarca diversa do

Juízo da execução ou já penhorado noutra ação executiva.

A respeito da indicação de bens à penhora na ação executiva, MOACYR AMARAL

SANTOS ensina que:

A nomeação de bens, pelo devedor, é direito e ônus seu: direito, por ter a escolha dos bens a serem penhorados: ônus, porque não está

74 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 36ª edição, pág. 19. 75 A indicação de bens à penhora era um direito do devedor, nos termos do revogado dispositivo do art. 655, do CPC.

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obrigado a usar desse direito, mas, não o usando, suportará as conseqüências, pois lhe serão penhorados os bens encontrados. Subordina-se a nomeação de bens pelo devedor: a) a que seja feita no prazo de vinte e quatro horas, contadas da citação (Cód. Proc. Civil, art. 652); b) a que se faça conforme a ordem e respeitadas as condições estabelecidas em lei para a nomeação de bens (Cód. Proc. Civil, arts. 655, 656).

(...) A nomeação devolver-se-á ao credor quando o devedor não a fizer ou a que fizer for declarada invalidada por decisão do juiz. Portanto, transfere-se ao credor o direito de nomeação de bens a serem penhorados: a) se o devedor não a fizer no prazo de vinte e quatro horas, contadas da citação (Cód. Proc. Civil, art. 652); ou se a nomeação feita pelo devedor for declarada inválida ou ineficaz, na forma do art. 656 (Cód. Proc. Civil, arts. 657, in fine).76

O direito do executado de ter preferência quanto à nomeação de bens deveria, então,

ser exercido conforme estabelecia a lei processual, para evitar que ele fosse transferido

ao credor. Essa preferência originava, com muita freqüência, discussões acaloradas,

pois a nomeação tinha de priorizar a gradação legal do art. 655, da Lei Processual, o

que nem sempre isso ocorria. Como o art. 620 do Código de Processo Civil77

estabelece que a execução deve ser promovida do modo menos gravoso para o

executado, este nomeava à penhora bens cuja alienação muitas vezes não se

apresentava possível.

Alguns fatos, portanto, traziam morosidade ao processo de execução, sobressaindo,

entre eles, a citação (o devedor/executado furta-se ao comparecimento nos autos com

muita frequência) e a dificuldade em formalizar o ato de penhora.

As questões envolvendo a citação do executado e a concretização da penhora eram

responsáveis pelo significativo retardamento na tramitação dos feitos executivos, uma

vez que as partes agravadas pelo posicionamento tomado pelo Juízo de primeira

76 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1978, 3ª edição, págs. 279 e 281/282. 77 “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”

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instância utilizavam-se sistematicamente de agravo de instrumento para os Tribunais

Estaduais ou Federais e, posteriormente, de recursos às Instâncias Superiores.

Essas discussões muitas vezes atrasavam o desenvolvimento da execução, pois a

marcha do processo ficava suspensa até a conclusão dos atos de citação e de penhora,

fato que retardava a satisfação do credor.

Suplantados esses debates, caso o devedor não realizasse o pagamento do débito em

24 (vinte e quatro) horas, ele tinha o direito de oferecer embargos de devedor, com o

fim de discutir a legitimidade da ação executiva (dispositivo do revogado art. 736, do

Código de Processo Civil78), depois de garantido o Juízo da execução (dispositivo do

revogado art. 737, do Código de Processo Civil79), devendo exercer esse direito no

prazo de 10 (dez) dias, contados da juntada aos autos da prova da intimação da

penhora ou do termo de penhora (regra do revogado art. 738, inciso I, do CPC80), com o

objetivo de evitar que seu patrimônio fosse utilizado na satisfação de títulos executivos

viciados.

Embora fosse (e ainda continue sendo) permitido ao executado defender-se da

execução injusta, esse debate travado nos embargos não era irrestrito, como adverte

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

não é a execução um processo dialético. Sua índole não se mostra voltada para o contraditório. Quando se cumpre o mandado executivo, a citação do devedor é para pagar a dívida representada no título do credor e não para se defender. Dessa maneira, o transcurso do prazo de citação tem como eficácia imediata a confirmação do inadimplemento, em lugar da revelia que se registra no processo de conhecimento. Esse caráter específico do processo executivo, todavia, não impede que interesses do devedor ou de terceiro sejam prejudicados ou lesados pela execução. Daí a existência de remédios especiais para defesa de tais

78 “Art. 736. O devedor poderá opor-se à execução por meio de embargos, que serão autuados em apenso aos autos do processo principal.” 79“Art. 737. Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo: I - pela penhora, na execução por quantia certa; II - pelo depósito, na execução para entrega de coisa.” 80 “Art. 738. O devedor oferecerá os embargos no prazo de 10 (dez) dias, contados: I - da juntada aos autos da prova da intimação da penhora;”

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interesses e, através dos quais, pode-se atacar o processo de execução em razão de nulidades ou de direitos materiais oponíveis ao do credor.81

Com maior ou menor amplitude de discussão, uma vez apresentados os embargos pelo

executado, a tramitação da execução era suspensa, necessariamente, em função da

dicção taxativa da regra revogada do parágrafo 1º, do art. 739, do estatuto processual

civil82, que estipulava o efeito suspensivo automático para essa ação do devedor.

Acerca desse efeito suspensivo automático previsto no revogado dispositivo do Código

de Processo Civil, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR esclarece que:

A eficácia suspensiva dos embargos decorre não do simples enunciado da referida norma legal, pois encontra sua razão de ser num princípio lógico jurídico que atuaria por si, na ausência de lei expressa. É que, na essência da atividade jurisdicional, a cognição precede necessária e logicamente à execução. Assim, “o processo de cognição de impugnação do título é prejudicial à execução forçada, posto que se a impugnação vem a ser acolhida e o título fica sem efeito, a execução não se pode realizar” (citando FRANCESCO CARNELUTTI).

(...) A suspensividade dos embargos quer dizer que, uma vez recebidos, não se praticarão na execução, até final julgamento do incidente, os autos de expropriação, de levantamento das coisas apreendidas ou de realização da obra a que se refere o título da obrigação de fazer ou não fazer.83

Assim, a suspensão da execução era uma medida de cautela do Legislador, para evitar

que a esfera patrimonial do devedor fosse invadida e seus bens expropriados com base

num título que poderia ser declarado viciado.

Com efeito, o direito do credor materializado num documento ao qual a lei conferia força

executiva passava a depender do exaurimento dessa discussão travada na ação de

embargos de devedor, que tinha natureza cognitiva.

81 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 36ª edição, pág. 267. 82 “Art. 739. (...) § 1o Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo.” 83 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. São Paulo: Leud, 2005. 23ª edição, págs. 452/453.

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A amplitude do debate encerrado nos embargos à execução dependia do título em que

se fundava a pretensão do exequente, revelando-se mais restrita a possibilidade de

discussão nas execuções amparadas por títulos executivos judiciais.

Isso porque o título executivo judicial é obtido numa ação ordinária de conhecimento em

que ambas as partes – credor e devedor – têm a possibilidade ampla de discutir as

matérias que entenderem cabíveis para defender o direito supostamente existente, sob

o crivo do contraditório.

Logo, depois de passada em julgado a sentença condenatória proferida na ação de

conhecimento, após o acertamento do direito, fica evidente que o devedor não pode

trazer à tona, de novo, as questões já debatidas e superadas pela decisão tomada, em

função do que prevê o art. 468, do Código de Processo Civil84.

Nessas circunstâncias, a revogada lei processual civil estabelecia no art. 741 quais

eram as matérias invocáveis pelo executado na ação de embargos contra execução de

título judicial, sendo digno de registro que os argumentos poderiam limitar-se a vícios

formais do processo de conhecimento ou vícios materiais do crédito85.

Diversamente, a resistência do executado, na ação de embargos à execução de título

extrajudicial, admitia discussão ampla quando à validade da pretensão do credor86.

84 “CPC. Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.” 85 “CPC. Art. 741. Quando a execução se fundar em sentença, os embargos serão recebidos com efeito suspensivo se o devedor alegar: I– falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia do demandado; II - inexigibilidade do título; III - ilegitimidade das partes; IV - cumulação indevida de execuções; V - excesso da execução, ou nulidade desta até a penhora; Vl - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação; Vll - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz; VIII – inconstitucionalidade da sentença.” (este dispositivo foi revogado).

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Essa abertura para a defesa do executado na ação executiva amparada no título

extrajudicial tem origem na maneira de formação desse documento ao qual a lei atribui

eficácia executiva.

Dada a necessidade de oferecer ao comércio maior agilidade na cobrança de dívidas, o

Direito atribuiu força executiva para alguns atos jurídicos, suprindo um vácuo existente

até então.

A propósito da criação dos títulos executivos extrajudiciais, HUMBERTO THEODORO

JÚNIOR ressalta que:

O Direito Romano não conhecia outro título executivo que não fosse a sentença judicial. Observava-se com todo rigor o princípio, segundo o qual “deviam conhecer-se as razões das partes antes de fazer-se a execução”.

(...) Mais tarde, e ainda por influência do direito germânico, atendendo às necessidades da grande expansão do comércio e procurando contornar os inconvenientes e delongas do procedimento de cognição, passou-se a admitir que os negócios particulares, em determinadas condições, pudessem conduzir diretamente à execução, dispensando-se a sentença condenatória. Eram os chamados instrumenta guarentiagiata ou confessionata (espécies de escritura pública de confissão de dívida), dos quais se dizia que tinham eficácia de execução aparelhada. Depois, igual força foi estendida, também à letra de câmbio. Baseados na força que atribuíam à confissão do devedor solenemente manifestada em tais documentos, o resultado prático a que se chegou foi a equiparação, para efeitos executivos, dos instrumentos à sentença condenatória. Notava-se, entretanto, uma diferença: na execução promovida com base em sentença, as possíveis defesas do devedor eram muito reduzidas, graças à coisa julgada que amparava o pedido do credor. Cogitava-se apenas da nulidade da sentença e do pagamento posterior a ela. Já na execução fundada em título negocial assegurava-se ao executado ampla possibilidade de defender-se por todos os meios.87

86 “CPC. Art. 745. Quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer outra que Ihe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento.” (este dispositivo foi revogado). 87 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. São Paulo: Leud, 2005, 23ª edição, págs. 35 e 37; No mesmo sentido, conferir o ensinamento de MOACYR AMARAL SANTOS (in Primeiras Linhas de

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Como se depreende da lição trazida à baila, o direito estrangeiro foi responsável pela

elaboração deste instrumento – título executivo negocial (ou extrajudicial) -, que surgiu

para preencher a demanda dos comerciantes.

Inicialmente, a confissão de dívida solene surgiu como o primeiro título executivo

extrajudicial e, depois, outros atos jurídicos ganharam força executiva, como os títulos

de crédito.

Sobre essa ampliação do número de títulos extrajudiciais existentes, LUIZ GUILHERME

MARINONI ressalta que:

com o passar do tempo e a sofisticação das relações comerciais, novos documentos foram qualificados como títulos executivos extrajudiciais, sempre com o objetivo de facilitar a execução, tornando-a algo que, ao invés de se basear em uma declaração judicial posterior a verificação do direito, fundava-se apenas em um documento que, visto em abstrato (letra de câmbio, nota promissória, etc.), era suficiente para fazer crer que existia um direito de crédito”88.

Em razão de a formação do título executivo judicial ser feita dentro do processo de

conhecimento, sob o crivo do contraditório, nada mais natural e evidente que o

ordenamento jurídico estipule que a resistência do executado à pretensão do credor

seja restrita a matérias de maior gravidade (nulidade de citação, ausência de título,

pagamento, prescrição, etc.).

A seu turno, no se refere à constituição do crédito decorrente de título extrajudicial, por

se tratar de ato jurídico que a lei equipara os efeitos ao de sentenças condenatórias,

revela-se bastante prudente permitir que, numa ação executiva movida contra o

devedor, este possa deduzir todas as defesas que tiver contra a pretensão do credor.

Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1978, 3ª edição. pág. 193) e de MARINONI, Luiz Guilherme (in Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 425). 88 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 28.

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No caso da execução fundada em sentença, o credor já percorreu o contraditório dentro

do processo ordinário de conhecimento para obter o título executivo judicial. Logo, não

pode ser autorizada a ampla discussão na ação de embargos e nem o reexame de

questões debatidas na ação originária e já superadas pelo efeito da coisa julgada.

De outro lado, na execução de título extrajudicial, não há prévio acertamento do direito

no processo judicial de conhecimento, para que a ação executiva tenha início.

Diversamente, o credor obtém o direito de executar o devedor por meio do ato jurídico a

que a lei confere força executiva.

Assim, fica evidenciado que a possibilidade de a pretensão do credor ser ilegítima nas

execuções fundadas em títulos extrajudiciais é bem superior àquela fundada em

sentenças, na medida em que a criação do título é feita sem a intervenção do

Judiciário.

Sobre a amplitude do debate possível nos embargos movidos contra execução fundada

em sentença e contra a baseada em título executivo extrajudicial, MOACYR AMARAL

SANTOS esclarece:

na execução fundada em título judicial, tem ela por pressuposto a certeza do direito do credor, porquanto tem por pressuposto a sentença que o declarou. A eficácia abstrata do título executivo, nesse caso – observa LIEBMAN – “permite promover e percorrer a execução sem depender de demonstração da execução do direito”. Donde, nesse processo de execução, não mais se admitir controvérsias sobre o direito do credor, isto é, sobre a causa do título. Por outras palavras, aqui não mais se reagita a questão da certeza do direito. Pode ocorrer, todavia, que ao título executivo, isto é, à sentença exeqüenda sobrevenham atos, ou fatos, de natureza a tirar-lhe a eficácia: a dívida foi paga e extinguiu-se; operou-se a novação; foi decretada a falência do devedor etc. A ocorrência desses fatos ou atos, e de outros análogos, extintivos ou modificativos do direito do credor, retira àquele título o seu efeito específico, não mais sendo legítima ou admissível a execução. No caso de execução fundada em título extrajudicial, como se não se ampara numa sentença que haja declarado a certeza do direito do credor, poderá esta ser impugnada pelo devedor. Por isso, nessa espécie de execução, ao devedor será permitido impugná-la não só por fundamentos que poderia alegar na execução baseada em título judicial

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como ainda por fundamentos que poderia aduzir, como defesa, no processo de conhecimento.89

Portanto, é mais que necessário autorizar a discussão ampla na execução amparada

em título extrajudicial, bem como é preciso restringir o debate na execução baseada em

título judicial.

Seja num debate mais aberto ou mais limitado, o devedor pode discutir a pretensão

executiva deduzida pelo credor, sendo certo que, no regime revogado do Código de

Processo Civil, esse debate travado na ação de embargos de devedor acarretava,

automaticamente, a suspensão do andamento da ação executiva.

Com efeito, mesmo nas execuções fundadas em título judicial, o credor era obrigado a

esperar a discussão incidental proposta nos embargos de devedor, muitas vezes

claramente improcedentes e de objetivo notoriamente procrastinatório, sendo

submetido a uma espera interminável e injustificável.

Depois de encerrado definitivamente o debate nos embargos à execução, a ação

executiva tinha seguimento e os atos de expropriação se iniciavam.

Mais uma vez, o exeqüente era submetido a vários percalços, na medida em que

inúmeras discussões processuais surgiam em torno da prática dos atos executivos,

como na avaliação dos bens penhorados, adjudicação, arrematação e no pagamento

ao credor.

Como o tema-problema deste trabalho relaciona-se com a frustração do credor na ação

executiva, os aspectos da lei processual civil a serem considerados limitam-se à

citação, penhora e defesa do executado.

89 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1978, 3ª edição. págs. 378/379. Ver também o ensinamento de LUIZ GUILHERME MARINONI (in Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 29).

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No regime anterior, como foi dito, o executado somente poderia apresentar seus

embargos à execução depois de oferecer bens à penhora ou depositar a quantia

exigida pelo credor, medida que tinha como finalidade garantir o juízo e resguardar que

o transcurso do tempo não significasse maiores perdas ao exequente.

Segundo dispunha o revogado dispositivo do art. 652, do CPC, após a citação, o

Executado poderia pagar ou nomear bens à penhora, para apresentar seus embargos.

Mas, havia a possibilidade também de o executado quedar-se inerte, deixando de

adotar uma das opções dada pelo citado art. 652, do CPC.

No caso de omissão do executado quanto ao depósito do valor executado ou à

indicação de bens à penhora (ou da ineficácia dessa apresentação), o exequente

passava a ter o direito de procurar bens do devedor, para conseguir satisfazer seu

crédito.

Porém, com muita frequência, o exequente via-se impedido de prosseguir com a

execução, diante da frustração na busca de bens do executado.

Em razão disso, o credor tinha duas opções: suspender a execução (art. 791, inciso III,

do CPC) ou requerer a insolvência do devedor90.

A opção que interessa a este trabalho é o requerimento de insolvência dirigido contra o

empresário ou sociedade empresária.

3.2 A onda de reformas na lei processual civil brasileira

90 Insolvência civi – art. 748 e seguintes do CPC; Insolvência falimentar – art. 2º do Decreto Lei nº 7.661/1945 e art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2205.

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Segundo foi demonstrado anteriormente, o direito processual pátrio necessitava de

mudança urgente na execução civil, que surtisse efeito na prestação jurisdicional, na

medida em que a morosidade do processo executivo revelou grandes prejuízos para

todos – judiciário e jurisdicionados.

Esse movimento de transformação ganhou mais vigor a partir da edição da Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, que alterou o inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição da

República Federativa do Brasil de 198891, para estabelecer que o processo deve ter

uma duração razoável.

Era necessário fazer com que o direito material do credor pudesse ser alcançado

concretamente e que essa providência não fosse demorada, pois a espera significava a

frustração da prestação jurisdicional. Além de fornecer à parte um título executivo, o

judiciário deve realizar a sanção contida nesse título, materializando o direito buscado

pelo interessado (entregando o bem, na execução de entrega de coisa certa ou

entregando o dinheiro, na execução por quantia certa).

Tanto na execução de título judicial, que era precedida pela ação ordinária de

conhecimento, como na execução por título extrajudicial, o grande desafio do processo

civil sempre foi oferecer resposta rápida e eficiente ao credor, sem se descuidar de

disponibilizar ao devedor meios de se defender da execução injusta.

Daí porque há muito tempo vem sendo sustentado que o processo civil brasileiro

carecia de transformação que pudesse equacionar melhor o tratamento dos interesses

envolvidos no litígio – direito de receber do credor, contrapondo-se ao direito de

defender-se do devedor92.

91 “Art. 5º. Inciso LXXVIII. a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” 92 JOÃO BATISTA LOPES adverte, contudo, que não é tão simples essa tarefa de harmonizar a celeridade do processo civil com o respeito às garantias do executado. Primeiro, porque uma execução célere não significa efetividade na satisfação da pretensão do credor, necessariamente. Além disso, devido ao fato de a sumarização indiscriminada do processo civil poder servir de fonte de injustiça para o executado. (in Aspectos polêmicos da nova execução / coordenação, Scarpinella Bueno e Teresa Arruda

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HUMBERTO THEODORO JÚNIOR comenta essa necessidade de mudança da

legislação processual civil da seguinte forma:

O direito processual civil do final do século XX deslocou seu enfoque principal dos conceitos e categorias para a funcionalidade do sistema de prestação da tutela jurisdicional. Sem desprezar a autonomia científica conquistada no século XIX e consolidada na primeira metade do século XX, esse importante ramo do direito público concentrou-se, finalmente, na meta da instrumentalidade, e, sobretudo, da efetividade.

(...) Em lugar, portanto, de afastar-se e isolar-se do direito material, o que cumpre ao bom direito processual é aproximar-se, cada vez mais, daquele direito a que deve servir como instrumento de defesa e atuação.

(...) Nessa ótica de encontrar a efetividade do direito material por meio dos instrumentos processuais, o ponto culminante se localiza, sem dúvida, na execução forçada, visto que é nela que, na maioria dos processos, o litigante concretamente encontrará o remédio capaz de pô-lo de fato no exercício efetivo do direito subjetivo ameaçado ou violado pela conduta ilegítima de outrem. Quanto mais cedo e mais adequadamente o processo chegar à execução forçada, mais efetiva e justa será a prestação jurisdicional. Daí por que as últimas e mais profundas reformas do processo civil têm-se voltado para as vias de execução civil. Seu maior objetivo tem sido, nessa linha, a ruptura com figuras e praxes explicáveis no passado, mas completamente injustificáveis e inaceitáveis dentro das perspectivas sociais e políticas que dominam o devido processo legal em sua contemporânea concepção de processo justo e efetivo.93

O processualista mineiro destaca que o tempo demonstrou não oferecer o processo civil

arcabouço necessário para a realização da Justiça ao credor, na medida em que

práticas ultrapassadas ainda permaneciam orientando o funcionamento do

procedimento executivo.

Seguindo nessa linha de pensamento, ao tratar das transformações impostas pela Lei

nº 11.232/2005 e pela Lei nº 11.382/2006, EDUARDO CAMBI assevera que:

Alvim Wambier. Execução civil: a difícil conciliação entre celeridade processual e segurança jurídica. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008 – Aspectos polêmicos da nova execução, v. 4). 93 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2006, 1ª edição, págs. 92/93.

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Ambas as leis buscam a concretização dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, da CF), e ao prazo razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, inserido pela EC 45/2004). Partem da premissa de que o direito de ação, visto pela perspectiva constitucional, não se resume ao mero acesso à justiça, mas assegura todas as garantias e técnicas processuais adequadas, céleres e efetivas para a obtenção do direito material pretendido. Logo, o direito de ação também não se restringe às situações processuais favoráveis (contraditório, ampla defesa, direito à prova etc.) ao convencimento judicial. Para que o direito seja, efetivamente, concretizado, não basta um título executivo que afirme que o demandante tem razão.

(...) Não adianta obter uma decisão favorável se isto não representa nenhuma situação concreta favorável ao consumidor do Judiciário. Com efeito, o direito fundamental de ação assegura todas as técnicas processuais adequadas à efetiva realização do direito material, o que permite concluir que a adequação dos meios executivos é um dos corolários mais importantes da dimensão constitucional da ação, pois ela está voltada ao efetivo cumprimento das posições jurídicas de direito material a serem reconhecidas nas decisões judiciais.94

Ao ensejo, é importante consignar que essa falta de efetividade da execução civil causa

enorme insegurança jurídica e aumenta em muito os custos dos negócios, na medida

em que os interessados em investir no Brasil avaliam também a demora na tramitação

dos processos judiciais, para decidirem alocar ou não recursos nas empresas

nacionais.

Com efeito, o Direito não pode menosprezar esses aspectos econômicos da demanda,

pois um processo judicial que não dá às partes litigantes resposta eficiente do ponto de

vista econômico não se presta a seu verdadeiro objetivo de servir de meio adequado

para a entrega do direito material reclamado.

Discorrendo sobre esse moderno papel do judiciário, ARMANDO CASTELAR

PINHEIRO e JAIRO SADDI ensinam que:

94 Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernane Fidélis dos Santos ... [et all]. Apontamentos sobre a reforma da execução de títulos extrajudiciais (Lei 11.382, de 06.12.2006) - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 732.

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O judiciário é uma das instituições mais fundamentais para o sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir direitos de propriedade e fazer cumprir contratos. Não é de surpreender, portanto, que há vários anos o Congresso Nacional venha discutindo reforma que possam tornar o Judiciário brasileiro mais ágil e eficiente. O que se verifica, não obstante, é que apenas recentemente se começou a analisar e compreender as relações entre o funcionamento da justiça e o desempenho da economia, seja em termos dos canais através dos quais essa influi no crescimento, seja em relação às magnitudes envolvidas.95

Como demonstram as lições trazidas à baila, o legislador e o judiciário devem estar

atentos à influência do direito processual na tomada de decisões de investimentos no

Brasil. Quando mais moroso e complexo se revelar o sistema jurídico nacional, menor

quantidade de recurso ingressará na economia brasileira.

Portanto, não se pode permitir que o direito material das partes seja visto como mera

ficção. De nada adianta prestar jurisdição ao demandante no processo de

conhecimento, fornecendo-lhe o direito material em tese, sem entregar-lhe o objeto

concreto dessa prestação reclamada, na execução do julgado.

Há que se buscar, então, um judiciário mais ágil e que dê resposta eficiente do ponto de

vista econômico a seus jurisdicionados.

Nesse cenário, surgiu a “onda” de reforma do Código de Processo Civil, em que se

buscou eliminar os entraves da execução civil que impediam que o credor recebesse a

sua tutela jurisdicional em tempo e modo esperados.

É importante ressaltar que as mudanças legais não trarão um resultado melhor para o

processo de execução, sem que haja participação efetiva de juízes, promotores de

justiça, advogados e das partes nesse sentido.

A esse respeito, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO se manifesta com muita propriedade:

95 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2003, pág. 53.

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Cumpre, enfim, reafirmar, ante críticas surgidas (e o debate e a crítica são sempre bem-vindos), que o imobilismo seria a pior atitude, ante a evidência de que nosso lerdo e complicado processo de execução precisa ser reformulado, a fim de acompanhar o dinamismo da vida humana. Aonde vamos? Não esperem milagres, pois o processo está inserido em uma realidade social em vários aspectos lamentável. Mas necessitamos melhorar nossos procedimentos processuais, depositando esperanças no futuro.96

Com efeito, o aprimoramento da execução civil realizado pela mudança nas regras do

procedimento da execução de sentença e da execução de título extrajudicial somente

alcançará seu propósito de tornar o processo civil mais ágil e eficiente se houver

comprometimento e envolvimento de todas as partes envolvidas.

Veja-se, pois, como se desenvolve a execução civil, diante dessas transformações

implementadas recentemente.

3.3 O panorama da novel execução civil contra devedor solvente

Antes das reformas promovidas pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 e pela

Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, a execução baseada em título judicial e a

fundada em título extrajudicial seguiam ritos semelhantes.

Com a entrada em vigor dessas duas leis, ocorreu uma mudança no procedimento das

duas execuções, tendo a ação baseada em título extrajudicial mantido a sua autonomia

e a fundada em título judicial se transformado numa mera fase do processo de

conhecimento.

Essas modificações implicaram uma série de alterações na forma pela qual o executado

deve exercer seu direito de defesa tanto numa como noutra execução.

96 CARNEIRO, Athos Gusmão. Nova Execução. Aonde Vamos? Vamos Melhorar. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, Revista de Processo, volume 123, pág. 122.

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76

Confira-se, então, como ficou disciplinado o novel procedimento da execução – por

título judicial e por título extrajudicial.

3.3.1 – A execução (ou cumprimento) de sentença

Na vigência das revogadas regras de processo civil, em se tratando de execução de

título judicial, o credor tinha de percorrer dois processos judiciais autônomos, um de

conhecimento, para acertar o direito postulado previamente e, somente depois de

resolvida a questão controvertida, com trânsito em julgado da decisão, outorgava-se ao

credor a possibilidade de exigir o cumprimento forçado da sanção contida no título

judicial, no processo de execução.

Acerca da ineficiência da execução de título judicial, contemplada anteriormente pelo

Código de Processo Civil, LUIZ FUX destaca o seguinte:

A conseqüência, inspirada no princípio da efetividade, não poderia ser outra senão o surgimento da denominada “crise da condenação”, passando a sentença condenatória a ostentar a pecha da forma mais imperfeita de prestação jurisdicional, tanto mais que as decisões declaratórias e constitutivas concediam à parte, quando quanto poderiam esperar do judiciário, ao passo que a sentença condenatória, apesar do nomen juris, representava um “nada jurídico”, posto que seguida por um processo frustrante, como se revelava a execução do julgado.97

A existência desses dois processos – de conhecimento e de execução -, trazia,

evidentemente, morosidade para a concretização do direito do credor, fato que

acarretava manifesta ineficiência econômica à realização de sua pretensão.

Isso porque, depois de o devedor ter sustentado todas as alegações plausíveis e as

protelatórias na ação de conhecimento, para evitar a formação do título executivo

judicial, abria-se a possibilidade de deduzirem-se novas defesas (mais restritas, é bem

97 FUX, Luiz. O novo processo de execução (cumprimento da sentença e a execução extrajudicial). Rio de Janeiro: Forense, 2008, 1ª edição, pág. 15.

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77

verdade) no processo de execução, quando citado o devedor para cumprir a obrigação

constante da sentença passada em julgado.

De acordo com as antigas regras processuais, essa defesa do executado – antes

chamada de embargos - tinha o condão de suspender automaticamente o andamento

da execução (dispositivo do revogado parágrafo 1º, do art. 739, do CPC, já citado

alhures), o que significava, em termos práticos, submeter o credor a uma espera nem

sempre justificável.

A reforma das regras de execução de sentença, promovida pela Lei nº 11.232/2005,

extingue os dois processos, tornando a execução do julgado uma mera fase do

processo originário.

Nesse novo sistema, o credor que promove a ação de conhecimento, caso se sagre

vencedor ao final do litígio, não precisa instaurar uma nova ação, visando à satisfação

do direito consagrado no título executivo judicial.

Por oportuno, colhe-se a lição do processualista mineiro ERNANI FIDÉLIS DOS

SANTOS que ressalta com propriedade as características dessa reforma da execução

de sentença. Confira-se:

A grande transformação que sofre, agora, a execução, é que, com relação ao título judicial, desaparece a figura do processo autônomo, passando a sentença (ou o título equivalente) a ser considerada executiva e a ter força executiva por si própria, ou seja, no próprio processo de conhecimento, bem como a relação processual formada perdura e se desenvolve na fase específica de realização do direito reconhecido. É de observar, porém, que o desaparecimento do processo executório para títulos judiciais não se deve à supressão dele próprio, mas ao fato de a Lei criar nova forma executiva complementar no processo de conhecimento, de modo tal que a execução já passa a ter integração na própria pretensão de conhecimento.98

98 SANTOS, Ernani Fidelis dos. As reformas dos de 2005 do Código de Processo Civil: Execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2007, 1ª edição, págs. 26/27.

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78

Com efeito, a partir de agora, o devedor que participou da ação de conhecimento, (a

qual suscitou todas as defesas que havia no processo originário), que tomou ciência da

decisão proferida no julgamento do mérito da demanda e foi comunicado sobre o

trânsito em julgado dessa decisão, deve cumprir espontaneamente a sentença que se

tornou definitiva no prazo de 15 (quinze) dias (art. 475-J, do Código de Processo

Civil99).

ATHOS GUSMÃO CARNEIRO ressalta que a sentença condenatória passou a ter

eficácia executiva também. Confira-se:

pelo novo ordenamento, destarte, as sentenças ‘condenatórias’ não terão apenas eficácia ‘declaratória’ – no afirmar a existência e validade da relação jurídica que impõe ao réu um prestação, e eficácia constitutiva – pois a sentença é sempre uma ‘novidade’ no plano jurídico. A sentença condenatória, pela Lei 11.232, passou a ter também uma atuante eficácia executiva, ou seja, autoriza o emprego imediato dos meios executivos adequados à efetiva ‘satisfação’ do credor, sem que a parte vencedora necessite ajuizar nenhum outro processo, sucessivo e autônomo... a unidade processual, no magistério de Ada Pellegrini Grinover, ‘é determinada pelas disposições segundo as quais a provocação do juízo para as medidas de cumprimento da sentença se fará mediante um requerimento do credor (arts. 461, § 5, e 475-J, do CPC, na redação da Lei) e não mais pelo exercício de uma ação (ação executiva)’.100

Assim, pela nova regra processual relativa à execução de título judicial, ao devedor é

imposto o dever de acatar a decisão tomada no processo de conhecimento, obrigando-

se o perdedor da ação originária a cumprir a obrigação determinada na sentença

condenatória proferida pelo juiz.

Se o devedor não adimplir espontaneamente a obrigação que lhe foi imposta pela

sentença condenatória, no prazo de quinze dias, ele deverá arcar com uma multa de

10% (dez por cento) do valor do débito atualizado, como previsto no citado art. 475-J,

do CPC.

99 “Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.” 100 CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento de sentença civil. Rio de Janeiro: Forense [s.d.], pág. 44.

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79

A introdução dessa multa101 na execução de sentença vem bastante a calhar, pois

faltava, na legislação revogada, medida de coerção, apta a inibir o inadimplemento da

parte derrotada na ação originária. Como o Legislador não desestimulava o devedor a

descumprir a sentença condenatória proferida na ação de conhecimento, devido à falta

de sanção, frequentemente não se cumpria, espontaneamente, a obrigação constante

do título executivo judicial. O inadimplemento de condenações judiciais tende a diminuir

a partir de agora, uma vez que o débito pode aumentar em 10% (dez por cento), caso o

perdedor não atenda voluntariamente à sanção prevista na sentença condenatória

passada em julgado, no tempo e modo devidos.

Além da inclusão dessa multa pelo descumprimento de sentença, outra mudança foi

introduzida na sua execução, qual seja, a realização de penhora a pedido do credor em

face da inércia do executado em cumprir a sentença amigavelmente. O Exequente

passa, então, a ter direito de pedir a expedição de mandado de penhora e avaliação

dos bens do executado, para que o oficial de justiça diligencie na busca de patrimônio

penhorável, bem como pode o credor indicar na inicial da petição de cumprimento de

sentença os bens que pretende sejam constritos judicialmente (art. 475-J, § 3º, do

CPC102).

Fora essas duas possibilidades de realização de penhora - indicação pelo credor ou

pedido de busca de bens dirigido ao Oficial de Justiça -, o exequente pode pugnar seja

101 LUIZ FUX afirma que “a letra da lei deixa entrever de forma inequívoca que a multa tem natureza de meio de coerção e reverte em favor do credor” (in O novo processo de execução (cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008, 1ª edição, pág. 245); Em sentido diverso, LUIZ GUILHERME MARINONI pontifica que “a multa em exame tem natureza punitiva, aproximando-se da cláusula penal estabelecida em contrato. Porém, diversamente desta última, a multa do art. 475-J não é fixada pela vontade das partes, mas, imposta – como efeito anexo da sentença – pela lei. Esta multa não tem caráter coercitivo, pois não constitui instrumento vocacionado a constranger o réu a cumprir a decisão, distanciando-se, desta forma, da multa prevista no art. 461, § 4º, do CPC. O conteúdo coercitivo que pode ser vislumbrado na multa do art. 475-J é comum a toda e qualquer pena, já que o devedor, ao saber que será punido pelo descumprimento, é estimulado a observar a sentença.” (in Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 28); A seu turno, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA sustenta que “a cominação tem o intuitivo escopo de incentivar o executado a pagar desde logo” (in O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 25ª edição, pág. 196). 102 “Art. 475-J. (...) § 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.”

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intimado o devedor a apresentar os bens que possui, no prazo de cinco dias, sob pena

de sua inércia ser considerada ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 600, inciso V,

do CPC) 103 e de ser-lhe imposta multa de até 20% (vinte por cento) do débito em

função da prática desse comportamento processual desleal (art. 601, do CPC)104. Na

vigência do sistema revogado, não existiam mecanismos eficientes para coagir o

devedor a indicar bens penhoráveis, a cumprir a decisão passada em julgado105.

Como se percebe, o Legislador modificou as regras processuais que envolvem o

cumprimento de sentença, exatamente para obrigar o devedor a acatar o comando da

sentença condenatória passada em julgado, impelindo-o a realizar o pagamento

espontâneo do débito ou a indicar bens à penhora, sob pena de o crédito do exequente

sofrer majoração significativa. Essas sanções somente surtirão os efeitos desejados

pelo Legislador quando o devedor possuir bens passíveis de penhora, pois a inclusão

de pesadas multas na legislação não coage o executado sem patrimônio a acatar a

decisão passada em julgado. Esse devedor não irá sentir-se pressionado a cumprir o

comando do título executivo judicial, na medida em que o aumento do débito

exequendo não irá modificar a sua situação de devedor, servindo apenas para majorar

o tamanho da dívida que ele não conseguirá pagar.

Uma vez realizada a penhora, após a formalização desse ato, o devedor será intimado,

na pessoa de seu advogado (constituído na ação originária) ou pessoalmente (por carta

ou mandado), a apresentar impugnação à execução de sentença, se assim o desejar,

no prazo de quinze dias (art. 475-J, § 1º, do CPC)106. Nesse caso, a penhora é pré-

103 “Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: (...) IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.” 104 “Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.” 105 A propósito desse dever de cooperação do executado, conferir artigo intitulado “Da não apresentação de bens passíveis de penhora e das multas”, de autoria de MÁRCIO LOUZADA CARPENA (in Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernane Fidélis dos Santos ... [et all]. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007). 106 “Art. 475-J.

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requisito para que o executado se utilize da impugnação, o que significa dizer que o

devedor somente poderá resistir à execução de sentença após a garantia prévia do

juízo executivo107. A propósito, andou bem o Legislador nesse aspecto, uma vez que a

discussão envolvendo um título executivo judicial deve ser inibida tanto quando

possível, pois o executado se vale desse expediente apenas para tentar procrastinar a

solução do litígio, na maioria das vezes.

Conforme se verifica, o Legislador aboliu a utilização de ação de embargos de devedor

no procedimento de cumprimento de sentença, instituindo a possibilidade de o

executado resistir-se à execução injusta por meio de simples impugnação. Nada mais

lógico e racional que eliminar a possibilidade de o executado instaurar uma nova e

autônoma ação para manifestar sua objeção à pretensão executiva baseada em título

judicial (com citação do exequente, oferecimento de resposta, realização de instrução

probatória, prolatação de decisão de mérito de primeiro e segundo graus de jurisdição

etc.), cujo objetivo era tão somente debater questões sem qualquer procedência, o que

impunha ao credor uma espera angustiante e ilegítima.

Se o executado tiver alguma discussão a ser travada na via executiva, não se pode

impedir que ele o faça, em razão do que estabelece a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 5º, inciso XXXV108. Porém, nessa hipótese, o

executado deve resistir à execução por meio do incidente de impugnação, que será

processado dentro do bojo do feito executivo.

(...) § 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.” 107 A doutrina processualista não comunga da mesma opinião, divergindo sobre a obrigatoriedade de segurança prévia do juízo para a impugnação ao cumprimento de sentença, como é muito bem exposto por MIRNA CIANCI, no artigo intitulado “A derrogação sistemática operada pela Lei 11.382/2006 no regime de defesa do executado”. (in Aspectos Polêmicos da nova execução / coordenação Cássio Scarpinella Bueno e Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008 (aspectos polêmicos da nova execução. V. 4.)). 108 “Art. 5º. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

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Sobre essa natureza incidental da impugnação, ALEXANDRE FREITAS CÂMARA

ensina que:

a Lei nº 11.232/2005 criou, no sistema processual civil brasileiro, um novo mecanismo de defesa do executado, cuja utilização é adequada quando a execução for fundada em título executivo judicial (ressalvados, apenas, os casos de execução contra a Fazenda Pública e da insolvência civil, quando permanece cabível o oferecimento de embargos do executado). A impugnação é mero incidente processual da fase executiva de um processo sincrético, não levando à instauração de processo autônomo (o que a distingue dos embargos do executado).”109

Naturalmente, a amplitude do debate possível nesse caso é mais restrita, tendo em

vista que as partes já se submeterem previamente ao processo ordinário de

conhecimento, já tiveram a oportunidade de realizar a discussão ampla sobre seus

pretensos direitos, tendo o Juiz proferido sua decisão, que passou livremente em

julgado. Por essa razão, apenas matérias que envolvem o aspecto formal do título

executivo judicial e questões referentes à realização dos atos executivos podem ser

objeto de discussão na impugnação, tal como prevê o art. 475-L, do CPC110.

A propósito da restrição dessa discussão no incidente de impugnação, HUMBERTO

THEODORO JÚNIOR registra que:

Uma vez que a dívida já foi acertada por sentença, não cabe ao executado reabrir discussão sobre o mérito da condenação. Sua impugnação terá de cingir-se ao terreno das preliminares constantes dos

109 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iures, 2007, 14ª edição, pág.450. 110 “Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; II – inexigibilidade do título; III – penhora incorreta ou avaliação errônea; IV – ilegitimidade das partes; V – excesso de execução; VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença. § 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. § 2o Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.”

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pressupostos processuais e condições da execução. Matérias de mérito (ligadas à dívida propriamente dita), somente poderão se relacionar com fatos posteriores à sentença que possam ter afetado a subsistência, no todo em parte, da dívida reconhecida pelo acertamento judicial condenatório, como o caso de pagamento, novação, remissão, compensação, prescrição etc., ocorridos supervenientemente.111

Como a impugnação é um mero incidente da execução de sentença, o Legislador

entendeu por bem alterar a regra prevista no revogado art. 739, § 1º, do CPC, abolindo

a atribuição automática de efeito suspensivo à resistência do executado. Na nova

sistemática, a impugnação será recebida no efeito suspensivo apenas quando ficar

comprovada a relevância dos seus fundamentos e demonstrado concretamente que a

continuidade da execução possa resultar em grave dano ao executado, de difícil e

incerta reparação (art. 475-M, do CPC)112.

Isso significa dizer que o cumprimento de sentença, em regra, não se paralisa com o

oferecimento de impugnação pelo executado. A menos que o executado consiga

comprovar que a execução poderá lhe causar danos concretos, a pretensão do credor

deve ser realizada sem interrupção. Mesmo quando o Juiz concede efeito suspensivo à

impugnação do executado, o exequente pode postular a continuidade da marcha

processual, devendo, nessa hipótese, oferecer caução idônea para garantir o

ressarcimento de prejuízos eventuais que a tramitação da execução possa causar ao

executado (art. 475-M, § 1º, do CPC)113.

Acerca dessa ausência de efeito suspensivo automático, LUIZ GUILHERME MARINONI

ensina que:

111 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. São Paulo: Leud, 2005, 25ª edição, págs. 577/578. 112 “Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.” 113 “Art. 475-M. (...) § 1o Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.”

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O sistema executivo instituído pelas Leis 11.232/2005 e 11.382/2006 eliminou a regra da suspensividade da execução diante da apresentação de reação – agora impugnação ou embargos do executado (art. 475-M e 739-A do CPC). O art. 475-M objetivou permitir o prosseguimento da execução, não obstante a apresentação de impugnação. A impugnação não paralisa o curso da execução, nem impede a adoção de atos expropriatórios ou satisfativos do crédito exeqüendo. Embora a admissão da impugnação não suspenda a execução, a norma do art. 475-M, confere ao juiz o poder de atribuir-lhe o efeito de suspender a execução quando “relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”.

(...) Como existe presunção legal em favor do direito do exeqüente e da execução, a suspensão da execução faz com que os fundamentos da impugnação e a possibilidade de dano ao executado sejam gravados pelo ônus da argumentação. Ou seja, a suspensão da execução só é legítima quando é possível ao juiz demonstrar, através de raciocínio argumentativo, que a relevância dos fundamentos da impugnação de a possibilidade de dano se sobrepõem à sentença condenatória e à normal produção de seus efeitos.114.

De todo o relatado, fica evidenciado que o propósito do Legislador, ao instituir essas

mudanças no procedimento da execução de sentença condenatória passada em

julgado, foi tornar a satisfação do crédito da parte vitoriosa em ações de conhecimento

mais rápida e efetiva, reduzindo as hipóteses que ensejavam a perda de tempo na

tramitação do feito executivo.

Para sintetizar as transformações promovidas pela Lei nº 11.232/2005 e contextualizá-

las com o tema-problema desta pesquisa, assim ficou a situação do executado na

execução de sentença:

1- o executado passou a ser obrigado a cumprir espontaneamente a condenação

imposta na ação de conhecimento, independentemente do ajuizamento de nova

e autônoma ação de execução;

114 MARINONI, Luiz Guilherme.Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, págs. 299/300.

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2- caso não haja o cumprimento voluntário, o credor deve pedir a expedição de

mandado de penhora contra o executado, podendo indicar, no seu requerimento

inicial, os bens a serem penhorados, que servirão à satisfação do crédito;

3- o credor pode requerer ao juiz que intime o executado a apresentar bens à

penhora, sob pena de sua omissão caracterizar a prática de ato atentatório à

dignidade da Justiça e autorizar a aplicação de multa pelo comportamento

desleal;

4- para o executado oferecer impugnação ao cumprimento de sentença, é preciso

garantir previamente o juízo da execução;

5- essa impugnação somente será recebida no efeito suspensivo quando ficar

demonstrado que o prosseguimento da execução possa resultar em danos

concreto ao executado;

6- se o executado não pagar o débito quando intimado para cumprir a sentença,

não fizer o depósito da quantia discutida, nem oferecer bens à penhora em valor

suficiente à garantia do juízo, ficará caracterizada a sua insolvência para fins

falimentares.

Percebe-se, portanto, que as mudanças introduzidas no cumprimento de sentença

condenatória criaram um procedimento que exige um comportamento pró-ativo do

devedor, estipulando regras que obrigam o executado a respeitar a autoridade da coisa

julgada, tornando efetiva a sanção contida no título executivo judicial.

Na hipótese de frustração da execução de sentença, restará caracterizada a insolvência

do executado, autorizando-se o credor a pedir a falência do devedor, nos termos da Lei

nº 11.101/2005.

3.3.2 – A execução baseada em título executivo extrajudicial

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No que toca às alterações introduzidas pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006,

o sistema implantado para o procedimento da execução baseada em título extrajudicial

também visou a agilidade e eficiência ao processo executivo.

Em função da transformação criada por essa reforma na Lei Processual Civil, passou o

executado a ser citado para pagar o débito em 03 (três) dias, (art. 652, do CPC115).

Diversamente do que ocorria no regime revogado, em que o executado era citado na

execução para pagar ou nomear bens à penhora, o Legislador estabeleceu que o

executado tem agora a obrigação de pagar o débito constante do título executivo

extrajudicial. Ou seja, aquele documento a que a lei atribui eficácia de sentença

condenatória deve ser cumprido pelo executado, quando instaurado o processo de

execução pelo credor.

Como já foi dito anteriormente, ao contrário do que acontece na ação ordinária de

conhecimento, a finalidade da citação do executado na ação de execução é para pagar

a dívida materializada no título, no prazo estipulado em lei, e não para se defender da

execução. Isso porque o crédito estampado no título extrajudicial gera para o credor o

direito de executar o devedor, sem a necessidade de acertamento prévio na via da ação

judicial de conhecimento. Assim, a citação no processo executivo tem o condão de

constituir em mora o executado (art. 219, do CPC)116 e de formalizar seu

inadimplemento quanto à obrigação consignada no título executivo.

Outra questão importante diz respeito ao prazo dado ao devedor para pagamento, que

sofreu uma majoração de 24 (vinte e quatro) horas para 03 (três) dias, fato que contribui

para que se encerrem as discussões envolvendo a contagem de prazo em horas ao

mesmo tempo que oportuniza ao devedor tempo suficiente para a reunião dos recursos

necessários para pagar o débito, se assim o desejar. Para estimular o executado a

quitar sua dívida no prazo estipulado no art. 652, do CPC, o Legislador estabeleceu que

115 “Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.” 116 “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.”

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os honorários por ele devidos na execução serão reduzidos pela metade (art. 652-A, do

CPC117).

Discorrendo sobre essas mudanças, o sempre citado HUMBERTO THEODORO

JÚNIOR professa que:

duas novidades advieram da reforma do art. 652, caput: a) o prazo para pagamento, na execução por quantia certa, passou de vinte e quatro para três dias; b) não se inclui mais no ato citatório a convocação para nomear bens à penhora, visto que na disciplina implantada pela Lei nº 11.382/2006, faculdade de indicar os bens à penhora foi atribuída ao credor, que pode exercer na propositura da execução, ou seja na própria petição inicial (art. 652, § 2º). Exercida a faculdade, constarão do mandado de citação os bens a serem penhorados, caso o devedor não pague a dívida nos três dias fixados pelo art. 652. É claro, outrossim, que o credor não dispõe de um poder absoluto para definir o objeto da penhora. Tem a iniciativa, mas ao devedor cabe o direito de impugnar a nomeação se não obedecer à gradação legal (art. 655) ou s e não respeitar a forma menos gravosa (art. 620).118

Além dessas alterações, foi concedido ao executado o direito de, no prazo para

oferecimento de embargos (agora de 15 (quinze) dias, como se verá adiante), parcelar

o débito exequendo, desde que reconheça a legitimidade do crédito e que faça um

depósito inicial equivalente a 30% (trinta por cento) do valor devido (incluindo custas e

honorários de sucumbência), comprometendo-se a pagar o restante em 06 (seis)

parcelas mensais, iguais e consecutivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de

juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 745-A, do CPC119).

117 “Art. 652-A. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários de advogado a serem pagos pelo executado (art. 20, § 4o). Parágrafo único. No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, a verba honorária será reduzida pela metade.” 118 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da Execução do Título Extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 1ª edição, pág. 60. 119 “Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês. § 1o Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito.

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A respeito desse parcelamento, é preciso destacar que se trata de direito potestativo120

do executado, que pode ou não exercê-lo. Noutros termos, ao executado é facultado

pagar a dívida executada à vista ou pleitear o parcelamento do débito. Ao credor,

portanto, não é permitido impugnar essa faculdade do executado de parcelar o

pagamento, uma vez que o Legislador concedeu ao devedor esse direito. Como

consequência de impor ao credor a hipótese de ter de ser obrigado a aceitar o

parcelamento do débito, o Legislador instituiu, como requisito para a utilização dessa

faculdade (pelo executado), o reconhecimento do crédito exigido e a renúncia ao direito

de embargar a execução. Com efeito, ao mesmo tempo que incentiva o pagamento do

débito ao facilitar a satisfação da execução, essa nova regra elimina a utilização dos

embargos de devedor no processo executivo.

Sobre essa inovação, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR anota que:

O novo art. 745-A instituiu uma espécie de moratória legal, como incidente da execução do título extrajudicial por quantia certa, por meio do qual se pode obter o parcelamento da dívida. A medida em o propósito de facilitar a satisfação do crédito ajuizado, com vantagens tanto para o executado como para o exeqüente. O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos percalços dos embargos do executado.

(...) O parcelamento deve ser requerido em petição simples, no bojo dos autos da execução. Ouvido o exeqüente, para cumprir-se o contraditório, verificará o juiz a observância das exigências do caput do art. 745-A. Estando satisfeitas, proferirá decisão interlocutória, com que deferirá o parcelamento. Não se trata de ato discricionário do juiz.

(...)

§ 2o O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.” 120 ADRIANO PERÁCIO DE PAULA usa a expressão “direito premial” do devedor, referindo-se a esse parcelamento (in Execução de títulos extrajudiciais reformada. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pág. 180).

Page 90: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

89

Presentes os requisitos legais, é direito do executado obtê-lo.121

Ao aumentar o prazo para pagamento e ao facilitar a quitação da dívida, o Legislador

instituiu medidas para estimular o adimplemento e incentivar o encerramento célere das

ações de execução.

Mas não se pode deixar de considerar que nem sempre a execução de título

extrajudicial é justa, uma vez que o documento que aparelha esta ação é constituído

pelas partes, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa. Como a eficácia executiva

desse título é outorgada por uma presunção legal, é possível que algumas pretensões

executivas sejam ilegítimas. Por essa razão, o executado pode optar pelo oferecimento

de embargos, ao invés de pagar prontamente o débito.

Diversamente do que ocorreu com a execução de sentença, nas ações de execução

baseadas em títulos executivos extrajudiciais, o Legislador manteve autônoma a ação

incidental de embargos como forma de o executado insurgir-se contra a pretensão

inidônea do exequente.

A propósito disso, LUIZ FUX assinala que:

Na execução extrajudicial o executado pode opor-se ao crédito, ao título executivo ou mesmo infirma o processo por vícios formais, introduzindo na execução de título extrajudicial, de um processo de conhecimento, que se denomina “embargos”. Os embargos na novel reforma da Lei nº 11.382/2006 podem sustentar-se em razões de ordem formal ou questões de fundo, como a invalidade da obrigação. Por essa razão correta é a denominação de “embargos do executado”, porquanto, como afirmado alhures, a execução também ostenta uma relativa abstração, características das ações em geral, mitigada sobremodo pela energia do título executivo.122

121 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da Execução do Título Extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 1ª edição, págs. 216 e 218/219. 122 FUX, Luiz. O novo processo de execução (cumprimento da sentença e a execução extrajudicial). Rio de Janeiro: Forense, 2008, 1ª edição, págs. 405/406. Ainda sobre este aspecto, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR assevera que “o fato, porém, de o processo de execução não se endereçar a uma sentença (ato judicial de acertamento ou definição) não quer dizer que o devedor não tenha defesa contra os atos executivos que atingem seu patrimônio. Todo que qualquer processo está sujeito aos ditames do devido processo legal, dentre os quais ressalta o direito ao contraditório. Durante toda a sequência de atos que vão da propositura da execução até a expropriação de bens e o pagamento

Page 91: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

90

As duas formas de resistência do executado passam agora a seguir procedimentos

bastante diversos – impugnação, para a execução de sentença, e embargos, para a

execução de título extrajudicial.

A primeira distinção que marca essas duas formas de oposição do executado refere-se

à exigência de garantia prévia do juízo, para o oferecimento de resistência. Enquanto

na execução de sentença a utilização da impugnação é feita após a realização da

penhora (art. 475-J, § 1º, do CPC), tal como ocorria no sistema revogado (art. 737,

CPC), na execução de título extrajudicial, a utilização dos embargos passa a ser

possível independentemente da segurança prévia do Juízo (art. 736, do CPC123).

Pela facilidade com que discorre sobre esse assunto, novamente invoca-se o magistério

de LUIZ FUX, para quem:

a primeira novidade pertine à dispensa de penhora para oferecimento de embargos. Consoante a exposição de motivos, “nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá de ‘segurança do juízo’ – far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação), seguindo-se a instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparece qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) ‘exceção de pré-executividade’, de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções” O que o legislador pretendeu foi oferecer ao executado a possibilidade de alegar tudo quanto aduziria no processo de conhecimento, conforme dicção do art. 745, inciso V, independentemente de penhora e sem criar embaraços procedimentais.124

Essa é uma mudança importantíssima, uma vez que a marcha da execução agora é

iniciada e continuada, sem se esperar a realização de penhora e a apresentação de

forçado, o direito de ser ouvido e de controlar a regularidade de todos os atos deliberações judiciais não pode ser subtraído ao executado.” (in A reforma da Execução do Título Extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 1ª edição, págs. 174/175). 123 “Art. 736. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos.” 124 FUX, Luiz. O novo processo de execução (cumprimento da sentença e a execução extrajudicial). Rio de Janeiro: Forense, 2008, 1ª edição, pág. 409.

Page 92: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

91

embargos pelo executado. O credor não precisa ficar aguardando por anos a

localização de bens do executado, para que tenha início a discussão proposta na ação

de embargos. De outro lado, não necessita o devedor indicar bens à penhora para

poder oferecer resistência à execução injusta. Ao mesmo tempo que facilita a oposição

de defesa pelo devedor, essa mudança permite que o processo de execução seja mais

célere.

Todavia, é imperioso consignar que o fato de o executado poder resistir à execução

sem a exigência de segurança prévia do juízo não descaracteriza seu inadimplemento.

Uma vez citado na ação executiva e não realizado o pagamento, fica configurada

formalmente a mora do devedor. Apenas se a pretensão esboçada na ação de

embargos for julgada procedente, ao final, é que o inadimplemento do executado ficará

descaracterizado na medida em que, nessa hipótese, restará demonstrado que o

descumprimento da obrigação ocorreu por alguma relevante razão de direito

(pagamento do título, prescrição etc.).

É digno de registro, ainda, que o Legislador retirou dos embargos a atribuição

automática de efeito suspensivo, atento para o fato de que essa antiga regra acarretava

morosidade enorme ao andamento da ação de execução. Nesse novo panorama, para

que a resistência do executado tenha o condão de paralisar a marcha do processo

executivo, é preciso que haja requerimento do executado a esse respeito, em que fique

comprovado o atendimento dos seguintes requisitos (concomitantemente): (i) segurança

prévia do juízo; (ii) relevância dos fundamentos dos embargos e (iii) perigo de

ocorrência de dano grave de difícil e incerta reparação ao executado, no caso de a

execução prosseguir em sua regular tramitação (art. 739-A, do CPC125).

125 “Art. 739-A.Os embargos do executado não terão efeito suspensivo. § 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. § 2o A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram. § 3o Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.

Page 93: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

92

A idéia do Legislador é permitir que o executado possa resistir à execução, em respeito

à garantia constitucional de ampla defesa que possui o devedor, mas sem se descuidar

do interesse maior do processo de execução que é a sua efetividade. Ao implementar

essa mudança, o Legislador estipulou que a concessão de efeito suspensivo para os

embargos deixa de ser a regra e passa a ser a exceção, utilizável apenas em casos

especiais.

Essa norma que altera os efeitos decorrentes do ajuizamento da ação de embargos

permitiu que o debate travado pelo executado seja realizado sem prejudicar o curso da

ação de execução, em regra. Após o exaurimento dessa discussão, a execução já

estará em fase avançada, se não tiver sido concluída ainda, o que dá ao processo

maior efetividade.

Outro ponto importante modificado no procedimento da execução de título extrajudicial

diz respeito ao prazo para oferecimento de embargos e o termo inicial para a contagem

desse prazo. Anteriormente, o prazo do executado era de 10 (dez) dias, contados da

intimação da penhora (regra revogada do art. 738, inciso I, do CPC). A partir de 2006, o

prazo passa a ser de 15 (quinze) dias, contados da juntada do mandado de citação do

executado aos autos do processo de execução (art. 738, do CPC126). Embora o prazo

tenha sido majorado em 5 (cinco) dias em relação ao procedimento revogado, a

alteração do marco inicial para o momento da citação ocorrida no processo de

execução permite um ganho de tempo significativo. Antes, a discussão dos embargos

somente se iniciava após a realização e formalização da penhora, ou seja, depois de

algum tempo de tramitação do feito executivo. Agora, o executado tem o prazo para

§ 4o A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante. § 5o Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento. § 6o A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.” 126 “Art. 738. Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação.”

Page 94: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

93

defender-se contado da sua citação, vale dizer, no começo do curso da marcha

processual.

Em relação à amplitude do debate possível nos embargos propostos contra execução

de título extrajudicial, não houve grandes alterações se se comparar a norma atual com

o sistema anterior, conforme demonstra a regra do art. 745, do CPC127. Uma das

matérias de defesa do executado que sofreu modificação foi a tese de excesso de

execução, que agora depende de o devedor apresentar a planilha indicativa do valor

correto, sob pena de rejeição liminar dos embargos (art. 739-A, § 5º, do CPC128). Assim,

caso o executado entenda que há excesso de execução (art. 743, do CPC129), deverá

demonstrar discriminadamente a sua pretensão.

É valioso lembrar que a apresentação de defesas protelatórias, intempestivas ou

ineptas, sujeita a pretensão do embargado à rejeição liminar (art. 739, do CPC130) e

acarreta a sua condenação nas multas processuais cabíveis. Sobre as sanções

aplicáveis ao executado, merecem registro a multa pela apresentação de embargos

manifestamente protelatórios (art. 740, parágrafo único, do CPC131) e a já citada sanção

127 “Art. 745. Nos embargos, poderá o executado alegar: I - nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa (art. 621); V - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.” 128 “Art. 739-A. (...) § 5o Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.” 129“Art. 743. Há excesso de execução: I - quando o credor pleiteia quantia superior à do título; II - quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no título; III - quando se processa de modo diferente do que foi determinado na sentença; IV - quando o credor, sem cumprir a prestação que Ihe corresponde, exige o adimplemento da do devedor (art. 582); V - se o credor não provar que a condição se realizou.” 130 “Art. 739. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: I - quando intempestivos; II - quando inepta a petição (art. 295); ou III - quando manifestamente protelatórios.” 131 “Art. 740.

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94

pelo comportamento desleal do executado, que fere a dignidade da Justiça (art. 601, do

CPC). Ao instituir essas penas pecuniárias, pretendeu o Legislador inibir o executado a

utilizar-se da ação de embargos ilegitimamente, com a finalidade exclusiva de

procrastinar a satisfação da pretensão executiva.

Outra questão que sofreu modificação significativa diz respeito ao procedimento de

penhora. Como já foi destacado no tópico anterior, pelas novas regras, o credor pode

indicar, no requerimento inicial de execução, os bens a serem penhorados pelo oficial

de justiça, devendo este proceder imediatamente à constrição de bens, caso o devedor

não pague o débito no prazo de três dias nem solicite o parcelamento que lhe é

fraqueado (art. 652, §§ 1º e 2º, do CPC132).

Como se verifica, portanto, o procedimento foi significativamente otimizado, para

permitir que a indicação de bens seja feita prioritariamente pelo credor (e não mais pelo

executado), bem assim para autorizar que a realização da penhora seja concretizada

imediatamente após a configuração do inadimplemento do executado. Se o devedor

não pagar o débito no prazo legal (à vista ou a prazo), ficará o exequente autorizado a

pedir a penhora dos bens do executado, de acordo com a preferência legal (art. 655, do

CPC133). Embora essa ordem estabelecida pelo Legislador não seja absoluta, em

Parágrafo único. No caso de embargos manifestamente protelatórios, o juiz imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior a 20% (vinte por cento) do valor em execução.” 132 “Art. 652. § 1o Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado. § 2o O credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art. 655). § 3o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento do exeqüente, determinar, a qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis de penhora.” 133 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis; V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades empresárias; VII - percentual do faturamento de empresa devedora; VIII - pedras e metais preciosos; IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI - outros direitos.”

Page 96: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

95

função do princípio da menor onerosidade estatuído no já citado art. 620, do CPC, é

preciso observar que o processo de execução tramita no interesse do credor.

Com efeito, diante dessas alterações no procedimento de penhora, na ocasião da

apresentação de embargos pelo executado, o inadimplemento do devedor já terá sido

caracterizado pela citação válida ocorrida na execução, bem como já terão sido

promovidas as diligências para localização de bens passíveis de constrição.

Não sendo quitada a dívida no prazo que a lei processual franqueia ao executado; não

sendo depositado o respectivo valor em discussão ou não sendo nomeado bens à

penhora pelo devedor, ficará caracterizada a hipótese de caracterização de insolvência

prevista no art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005.

Assim, se restar frustrada a execução em função da falta de patrimônio para adjudicar

ao credor, mesmo diante da resistência do embargado, abrem-se duas opções para o

exequente: (i) suspender a execução diante da inexistência de bens penhoráveis ou (ii)

requerer a declaração de insolvência ou de falência do executado.

Como se verifica da análise das mudanças realizadas na execução baseada em título

extrajudicial, o verdadeiro objetivo do Legislador foi otimizar a marcha do processo de

execução.

4 O CONFLITO DAS NORMAS DA LEI DE FALÊNCIA E DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

A partir dos elementos obtidos e apresentados nos capítulos antecedentes, pretende-se

verificar, neste tópico, a adequada interpretação da norma contida no art. 94, inciso II,

da Lei nº 11.101/2005, diante das alterações implementadas no procedimento da

Page 97: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

96

execução civil individual contra devedor solvente (baseada em título judicial ou

extrajudicial), a partir das mudanças introduzidas no Código de Processo Civil.

A pergunta que se pretende esclarecer é se a caracterização da hipótese de execução

frustrada ou tríplice omissão prevista na nova Lei de Quebras para configuração da

insolvência jurídica reclama a presença de outros elementos, além daqueles descritos

no corpo da norma do citado inciso II, do art. 94, da Lei de Recuperação e Falência de

Empresas.

Noutras palavras, a finalidade da discussão posta neste capítulo é investigar a

possibilidade de um devedor empresário poder ser considerado em estado de

insolvência jurídica pelo simples fato de não pagar a dívida executada pelo credor, não

depositar a respectiva quantia, nem nomear bens à penhora em valor suficiente.

Em síntese, o objetivo da pesquisa doravante articulada centra-se na busca de resposta

às seguintes indagações:

a) seria o estado de insolvência jurídica do devedor apurado mediante a reunião

dos três requisitos (não pagar, não depositar o valor executado, nem oferecer

bens à penhora em quantia suficiente à garantia da execução) revelados na

execução civil individual (baseada em título extrajudicial ou judicial) ou haveria a

necessidade de apurar-se a insolvência econômica do empresário, para fins de

decretação de sua falência?

b) o empresário poderia ser declarado falido baseando-se apenas no

reconhecimento da situação hipoteticamente configurada na regra disposta no

citado inciso II, art. 94, da Lei de Quebras ou seria preciso que o intérprete

cotejasse essa norma com outras regras e princípios jurídicos? Em caso positivo,

quais?

Para que se possa chegar às respostas aos questionamentos levantados, será preciso

investigar a relação do sistema criado pela nova Lei de Falências com os demais

Page 98: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

97

princípios e normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente com

aqueles previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Assim, será feito um estudo sobre a natureza das normas jurídicas previstas na Lei de

Quebras e no Código de Processo Civil, a fim de identificar possíveis lacunas e

antinomias na conjugação das regras postas nesses dois sistemas, bem como para

apurar o método (ou métodos) para o entendimento da aplicação da norma contida no

citado inciso II, art. 94, da novel Lei de Falências.

4.1 A natureza e classificação das normas jurídicas da Lei de Falências e do Código de

Processo Civil

O tema-problema deste trabalho diz respeito à aparente incoerência do sistema jurídico

ao estabelecer uma forma de caracterização de insolvência jurídica presumida na Lei

de Recuperação e Falências de Empresas, que prescinde de exaurimento sobre a

investigação do verdadeiro estado patrimonial do devedor empresário e, de outro lado,

e conferir ao devedor empresário executado a hipótese de embargar a execução civil

individual134, sem pagar o débito, sem depositar o respectivo montante cobrado pelo

credor e sem nomear bens à penhora em valor suficiente135.

A fim de apurar se existe ou não incoerência do sistema ou conflito de normas, será

necessário desenvolver alguns conceitos antes de proceder ao exame do tema-

problema.

134 Execução baseada em título extrajudicial apenas. No cumprimento de sentença (execução por título judicial), a impugnação do executado depende da segurança prévia do juízo. Como já foi demonstrado anteriormente, se o executado frustrar a execução de sentença, também ficará caracterizada a sua insolvência para fins falimentares. 135 Esses atos são previstos na Lei de Quebras como forma de caracterização hipotética do estado de insolvência jurídica.

Page 99: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

98

Como se sabe, o homem não vive isolado no mundo. Ao contrário, interage com os

seus semelhantes, o que o leva a realizar cotidianamente uma série incontável de atos

que afetam não apenas a sua vida, mas também a de outras pessoas. Essas ações

humanas variadas têm um papel importante na dinâmica e no desenvolvimento das

relações sociais.

É impossível a convivência dos homens em sociedade sem que haja um padrão de

conduta pré-estabelecido, que dirija o comportamento humano. Do contrário, cada um

pensaria e agiria apenas e exclusivamente no seu próprio interesse, buscando sempre

a maior satisfação pessoal, sem levar em consideração os danos e prejuízos que

pudesse causar a outras pessoas.

A partir dessa necessidade, criaram-se normas de comportamento a fim de permitir ou

proibir a prática de ações ou de omissões, impondo sanções àqueles que

desacatassem esses comandos. Essas normas de condutas, que podem ter origem

moral, religiosa e/ou jurídica, devem estabelecer previamente qual é o bem protegido e

qual deve ser a sanção pelo desacato ao dispositivo nela contido136.

A norma de conduta estabelece padrões de comportamento desejados pela

coletividade, que servirão para a melhoria da convivência entre os homens. Dentre

essas normas, pode-se citar, como exemplo, a que determina o “respeito ao próximo”,

fundamental ao convívio em sociedade. Dada, porém, a sua generalidade e a falta de

imposição de sanção, pode acabar não sendo cumprida por todos.

Então, com o desenvolvimento da sociedade e com a intensificação das relações

humanas, as normas de condutas sociais revelaram-se incapazes de orientar sozinhas

o comportamento dos homens, não logrando alcançar a finalidade buscada –

manutenção da paz social. Como consequência disso, surgiu a necessidade de erigir

esses padrões de conduta a um patamar distinto.

136 Nem toda norma possui uma sanção respectiva. Existem normas que apenas definem ou conceituam determinados institutos que representam valores sociais a serem protegidos, bem como normas que criam o procedimento ou forma de exercício de direitos.

Page 100: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

99

Assim, o Estado cria normas jurídicas em que são previstas sanções, concessão de

direitos e imposição de obrigações para as pessoas que vivem em determinado

território, visando a inibir comportamento indesejado para a coletividade.

LUIS RECASÉNS SICHES, citado por NELSON ABRÃO, ensina que uma norma

jurídica:

é um pedaço da vida humana objetivada. Seja qual for sua origem concreta (consuetudinária, legislativa, regulamentar, judicial, etc.) uma norma jurídica encarna um tipo de ação humana que, depois de ter sido vivida, ou pensada pelo sujeito ou sujeitos que a produziram, deixa um rastro ou queda na lembrança como um plano que se converte em pauta normativa apoiada pelo poder jurídico, isto é, pelo estado.137

MARIA HELENA DINIZ pondera, entretanto, que a norma jurídica deve pautar-se nos

valores sociais relevantes para as pessoas para as quais é endereçada. Confira-se:

a norma jurídica, às vezes, está sujeito não à decisão arbitrária do poder mas à prudência objetiva exigida pelo conjunto das circunstâncias fático-axiológicas em que se acham situados os respectivos destinatários. Se assim não fosse, a norma jurídica seria, na bela e exata expressão de Rudolf von Ihering, um “fantasma de direito”, uma reunião de palavras vazias; sem conteúdo substancial, esse “direito fantasma”, como todas as assombrações, viveria uma vida de mentira, não se realizaria, e a norma jurídica foi feita para se realizar. 138

Pode-se dizer, então, que a norma é uma direção dada pelo Estado aos cidadãos com

a finalidade de orientar a convivência dos homens em sociedade, evitando-se que a

esfera privada de um indivíduo invada à de seu concidadão. Mas, como chama atenção

MARIA HELENA DINIZ, a decisão do Estado de criar padrões de conduta a serem

seguidos obrigatoriamente pelos súditos não pode ser arbitrária. Deve a escolha do

Poder Legislativo, muito diversamente, pautar-se nos valores havidos pela sociedade

como relevantes e desejáveis.

137 ABRÃO, Nelson. O novo direito falimentar: nova disciplina jurídica da crise econômica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, pág. 03. 138 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, pág. 244.

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100

É bom esclarecer, por oportuno, que essas normas jurídicas criadas pelo Estado não

são as únicas formas de regular as ações dos homens. Além delas, coabitam as

normas morais, religiosas, os princípios, os costumes, todos reunidos para formar o

Direito.

Conceituando Direito, MIGUEL REALE ensina que:

aos olhos do homem comum o Direito é Lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros”, complementando o saudoso professor que “o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem de direção e solidariedade”.139

MARIA HELENA DIINIZ ressalta, entretanto, que “poder-se-á definir direito como uma

ordenação heterônoma das relações sociais baseada numa integração normativa de

fatos e valores”140.

Portanto, o Direito não é apenas um conjunto de normas jurídicas concebidas e

impostas pelo Estado, desligadas dos fatos sociais para as quais são dirigidas. As

normas jurídicas são, sem dúvida, importantes paredes de sustentação do Direito;

contudo, não se pode menosprezar a existência dos outros elementos orientadores da

conduta humana, que também ajudarão a compor esse edifício – sistema jurídico.

Feito esse registro, torna-se importante para este estudo conhecer a natureza e a

classificação das normas jurídicas141, especialmente as da Lei de Recuperação e

139 REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, págs. 02/03. 140 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, pág. 246. 141 Embora classificar normas não seja uma tarefa de fácil execução, como adverte TERCIO SAMPAIO FERRAR JÚNIOR: “A profusão de normas não permite a sua organização teórica na forma de uma definição genérica que se especifica lógica e rigorosamente em seus tipos. As diversas classificações e seus critérios surgem ao sabor dos problemas que a dogmática enfrenta da decidibilidade, os quais exigem distinções sobre distinções.” (Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, pág. 127). Portanto, a classificação adotada neste trabalho procurou utilizar apenas as divisões que interessam à presente discussão.

Page 102: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

101

Falência de Empresas e as do Código de Processo Civil envolvidas no aparente conflito

mencionado.

As normas jurídicas, quanto à sua natureza, dividem-se em normas substantivas ou

adjetivas, assim compreendidas na expressão de RIZZATO NUNES:

a) Normas jurídicas substantivas. b) Norma jurídica adjetivas. As primeiras, as substantivas ou materiais, são as que criam declaram e definem direitos, deveres e relações jurídicas. São, por exemplo, as normas do Código Civil, Código Penal, Código Comercial, Código de Defesa do Consumidor. As outras, as adjetivas ou processuais, são as que regularam o modo e o processo, para o acesso ao Poder Judiciário. São por exemplo, as normas do Código de Processo Civil, do Código de Processo Penal, as normas processuais da Lei do Inquilinato, as normas processuais da Consolidação das Leis do Trabalho etc.142

Dentre as normas substantivas ou materiais, está a regra contida no inciso II, do art. 94,

da nova Lei de Falências143. Segundo estabelece o legislador, o devedor empresário

terá a sua falência decretada quando, “executado por qualquer quantia líquida, não

paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal”.

Noutras palavras, o Legislador Falimentar criou uma forma presumida de aferir a

insolvência do empresário, visando à declaração de sua falência. Essa norma de direito

material contém uma prescrição que visa a proteger o crédito coletivo, inibindo o

inadimplemento. A Lei de Quebras busca, por meio do citado dispositivo, evitar que as

execuções civis individuais (baseadas em título judicial ou extrajudicial) sejam

frustradas pela inércia ou omissão do devedor executado, intencional ou casual.

142 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. pág. 197. 143 È importante registrar que a Lei de Recuperação e Falência de Empresas possui tanto normas de natureza substantiva como adjetiva. Isso se deve porque o Direito Concursal é um microssistema que necessita de adaptações processuais, a fim de permitir que o procedimento atinja as suas finalidades, nos processos de recuperação judicial e nos de falência. Apenas para ilustrar, veja a seguinte norma de natureza processual prevista na Lei de Quebras: ”Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias”.

Page 103: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

102

A seu turno, o Código de Processo Civil traz no art. 652 uma regra adjetiva ou

processual que prescreve que “o executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias,

efetuar o pagamento da dívida”. Na execução de sentença, o Código de Processo Civil

estabelece outra regra processual ou adjetiva no art. 475-J, que obriga o devedor a

cumprir a obrigação fixada no título judicial no prazo de 15 (quinze) dias. Essas normas

processuais apenas regulamentam a forma pela qual o devedor será chamado à ação

judicial de execução civil para pagar o débito materializado no título executivo.

Por outro lado, o Código de Processo Civil atual faculta ao devedor executado, tanto na

execução baseada em título judicial como naquela fundada em título extrajudicial, a

possibilidade de apresentar impugnação (art. 475-J, § 1º, c/c art. 475-L, do CPC) ou

embargos (art. 736 c/c art. 745, do CPC), respectivamente, a fim de defender-se de

uma execução injusta. Essas normas restringem-se a estabelecer a forma pela qual

será feito o exercício do direito de defesa144 do executado, o que acarreta a conclusão

de que essas normas possuem natureza processual ou adjetiva.

Assim, é possível perceber que o aparente conflito objeto do presente estudo (forma de

caracterização da insolvência jurídica na hipótese de execução frustrada ou tríplice

omissão) está assentado na conjugação de normas processuais (Código de Processo

Civil) com regra de direito material (Lei de Recuperação e Falência de Empresas).

Para melhor compreensão do problema, é relevante distinguir também direito objetivo

de direito subjetivo.

Conforme ensina MARIA HELENA DINIZ:

O direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est norma agendi).

144 Relembre-se que a citação no feito executivo tem a finalidade de constituir em mora o executado, ao contrário do que ocorre no processo de conhecimento, em que o réu é chamado para se defender da pretensão inicial posta pelo autor da demanda. Nesse sentido, fineza conferir item 3.1 retro.

Page 104: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

103

O direito subjetivo, para Goffredo Telles Jrs., é a permissão, dada por meio de norma jurídica válida, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou através dos processo legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a preparação do mal sofrido. P. ex: (...) exigir pagamento do que lhe é devido.

(...) O direito subjetivo é subjetivo porque as permissões, como base na norma jurídica e em face dos demais membros da sociedade, são próprias das pessoas que as possuem, podendo ser ou não usadas por elas.145

Discorrendo sobre essa divisão do Direito, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR diz

que:

A dicotomia pretende realçar que o direito é um fenômeno objetivo, que não pertence a ninguém socialmente, que é um dado cultural, composto de normas, instituições, mas que, de outro lado, é também um fenômeno subjetivo, no sentido de que faz, dos sujeitos, titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles relações. Assim, quando falamos no direito das sucessões significamos algo objetivo, quando mencionamos o direito à sucessão de um herdeiro, mencionamos algo que lhe pertence. Para clarificar, lembramos que o inglês tem duas palavras diferentes para enunciar os dois termos: law (direito objetivo) e right (direito subjetivo).146

RIZZATO NUNES sintetiza dizendo que o direito objetivo “é o conjunto, em si, das

normas jurídicas escritas e não-escritas, independentemente do momento do seu

exercício e aplicação concreta”, enquanto o direito subjetivo “é a prerrogativa colocada

pelo direito objetivo, à disposição do sujeito de direito”147.

Considerando-se a distinção feita acima e aplicando-a às normas envolvidas neste

trabalho, é possível constatar que o direito à satisfação do crédito é um direito objetivo

do credor, enquanto a obrigação de pagar as dívidas é um dever objetivo do devedor.

145 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs. 246/247. 146 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, pág. 139. 147 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. págs. 134/135.

Page 105: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

104

De outro lado, a faculdade conferida pela lei ao credor de executar o devedor

inadimplente caracteriza-se como um direito subjetivo de buscar o recebimento da

dívida não quitada amigavelmente, tal como também o será o direito do devedor de

opor-se à ação executiva através de embargos ou de impugnação (direito de defesa),

conforme a execução seja baseada em título extrajudicial ou judicial.

O direito do credor de pedir a falência do devedor empresário que não paga, não

deposita, nem nomeia bens à penhora em valor suficiente, quando demandado por

meio de ação de execução individual, revela-se um direito subjetivo. Isso porque se

trata de uma faculdade que a lei põe à disposição do credor de buscar a satisfação do

seu crédito148.

A seu turno, o direito à postulação do benefício da recuperação judicial também se

caracteriza como um direito subjetivo do devedor empresário149 de viabilizar a

superação do seu estado de crise.

Além dessas classificações da norma jurídica quanto à sua natureza, pode-se também

subdividi-la em norma geral-abstrata, norma especial e norma excepcional, como

ensina TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR:

A matéria da norma como critério semântico de classificação corresponde à facti species. A descrição da hipótese da situação de fato, sobre a qual incide a conseqüência, pode ser abstrata, na forma de um conteúdo excepcionado. A distância entre o genérico e o singular, tomados como termos mutuamente relativos, admite gradações. Dependendo do grau de abstração podemos então distinguir entre normas gerais-abstratas (isto é, gerais pela matéria), normas especiais e normas excepcionais.

148 Embora a ação de falência não possa ser utilizada como ação de cobrança, porque isso descaracteriza a natureza do instituto, a execução coletiva falimentar também almeja a satisfação do credor. Porém, leva em considera não apenas o interesse individual do requerente. O que interessará à execução coletiva falimentar é a satisfação da massa de credores, que será atendida por meio da divisão paritária do patrimônio deficitário do devedor empresário. 149 A recuperação do empresário não interessa somente a ele, tendo em vista os múltiplos atores que gravitam em torno do exercício da atividade empresarial, seja diretamente (empregados, credores, fornecedores, consumidores, Estado arrecadador de tributos) ou indiretamente (outros empresários que dependem do produto desenvolvido pelo devedor em crise, por exemplo). Em função disso, o interesse na recuperação passou a ser uma prioridade do Direito Concursal.

Page 106: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

105

A norma geral-abstrata tem por facti species um tipo genérico. Por exemplo a vedação constitucional da prisão civil por dívida, multa ou custa. Nesta norma, porém, está contida outra que lhe abre uma importante exceção: a prisão civil para a obrigação de alimentar (pensões alimentícias para os filhos ou para o cônjuge) e para o depositário infiel. A distinção tem uma repercussão prática na interpretação do direito. Uma conhecida regra hermenêutica exige que a excepcionalidade seja interpretada restritivamente quando se refere a um direito genericamente garantido. Entre a norma geral-abstrata e a excepcional coloca-se a norma especial. Esta não excepcional, propriamente, o tipo genérico, pois não o disciplina de forma contrária, mas apenas de forma diferente, adaptada às circunstâncias e às suas exigências. Assim, por exemplo, inúmeras normas do Direito Comercial, embora disciplinem obrigações de modo geral, o fazem de modo especializado em face da disciplina genérica que encontramos no Código Civil. A obrigação comercial não é contrária à obrigação civil, mas apenas adaptada à circunstância e às exigências de segurança e certeza dos negócios comerciais. A distinção é importante, com um repercussão relevante na relação entre normas do mesmo escalão hierárquico: uma regra nos diz que a Lei geral não revoga a especial.150

Essa subdivisão também é muito relevante para a presente discussão, tendo em vista

que o objetivo desta pesquisa é concluir se as normas postas no Código de Processo

Civil para disciplinar a execução civil individual contra devedor solvente podem

influenciar o entendimento e a interpretação das normas referentes à execução coletiva

falimentar, previstas na Lei de Recuperação e Falência de Empresas.

A propósito, é necessário frisar que as duas leis – Código de Processo Civil e nova Lei

de Quebras – regulamentam a execução civil do credor contra o devedor que não

adimpliu sua obrigação de forma voluntária. O Estado franqueia ao credor a

possibilidade de obrigar o devedor a cumprir a obrigação não atendida amigavelmente,

por meio da responsabilização patrimonial (art. 591, CPC151).

No caso da execução civil contra devedor solvente, a ação poderá ser promovida tanto

contra o empresário como em desfavor do não-empresário. Essa ação de execução é

individual, ou seja, haverá apenas um credor e um devedor, sendo realizada na

150 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, págs. 33/34. 151 “Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

Page 107: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

106

satisfação de interesses meramente privados das partes. Por isso, a execução

individual orienta-se pela regra prior in tempore, potior in jure (“primeiro no tempo,

melhor no direito”).

De outra face, quanto à execução coletiva falimentar, trata-se de ação de execução

extraordinária dirigida exclusivamente contra o empresário que se encontra em estado

especial de insolvência. Nessa ação de execução, existe pluralidade de partes no polo

ativo e o empresário no polo passivo. Em função da necessidade de reunirem-se os

credores para divisão do patrimônio deficitário, opera-se uma inversão de princípios,

passando, então, a informar a execução coletiva falimentar o princípio da par conditio

creditorum (“paridade de tratamento entre os credores”).

Como se percebe, a execução civil individual tem como pressuposto a presença de um

credor somente no polo ativo e a existência de bens no patrimônio do devedor em valor

suficiente para liquidação de todos os débitos que se encontrem em aberto. A seu

turno, a execução coletiva falimentar tem como pressuposto a pluralidade de credores

no pólo ativo e a ausência de bens na esfera patrimonial do devedor empresário para

solver todas suas obrigações.

Portanto, as regras da nova Lei de Falências que disciplinam o procedimento da

execução coletiva falimentar são especiais e diferentes das normas do Código de

Processo Civil que orientam o funcionamento da execução civil contra devedor

solvente, uma vez que as realidades são diversas.

Veja-se, então, como essas normas diferentes convivem no ordenamento jurídico.

4.2 A noção de unidade e de completude do ordenamento jurídico

Page 108: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

107

Enquanto disciplina que visa a orientar a convivência dos homens em sociedade, o

Direito é composto de vários enunciados e proposições (normas), escritas e não-

escritas (as leis, os princípios, os costumes e a jurisprudência), todas comungando do

objetivo comum de permitir que a ordem social seja estabelecida e preservada.

No Brasil, a tradição jurídica é o sistema o romano-germânico, pelo qual o Direito é

escrito e positivado em normas, desde as regras estabelecidas na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 às leis infraconstitucionais (ordinária,

complementares etc.), princípios e costumes jurídicos. Existe também o sistema de

tradição anglo-saxônica, utilizado na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, por

exemplo.

Discorrendo sobre os tipos de ordenamento jurídico, MIGUEL REALE ensina o

seguinte:

o de tradição romanística (nações latinas e germânicas) e o da tradição anglo-americana (common law). A primeira caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (civil law), acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser considerada a única pressão autêntica da Nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseu, Du Contrat Social.. Ao lado dessa tradição, que exagera e exacerba o elemento legislativo, temos a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial.152

É preciso ressaltar que, mesmo no sistema romano-germânico como o nosso, o Direito

não é somente a lei, considerada em abstrato, sendo também (e principalmente) a

interpretação (ou as várias interpretações) que os operadores lhe conferem na análise

concreta.

152 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, págs. 141/142.

Page 109: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

108

Sobre essa característica do ordenamento jurídico brasileiro, ALEXANDRE

PASQUALINI ensina que “o sistema jurídico, em última análise, não é apenas a

totalidade das normas, dos princípios e dos valores, mas, acima de tudo, a totalidade

hermenêutica do que tais normas, princípios e valores, como conexões de sentido,

podem significar”153.

Discorrendo sobre o conceito de ordenamento jurídico, MIGUEL REALE adverte:

O que cumpre desde logo desfazer é o equívoco da redução do ordenamento jurídico a um sistema de leis, e até mesmo a um sistema de normas de direito entendias como simples “proposições lógicas”. Mais certo será dizer que o ordenamento é o sistema de normas jurídicas in acto, compreendendo as fontes de direito e todos os seus conteúdos e projeções: é, pois, o sistema de normas em sua concreta realização, abrangendo tanto as regras explícitas como as elaboradas para suprir lacunas do sistema, bem como as que cobrem os claros deixados ao poder discricionário dos indivíduos (normas negociais).154.

Como bem destacam os autores citados acima, o Direito não se reduz aos comandos

estáticos previstos nas normas. Ao contrário, como Ciência Social, o Direito deve estar

sempre sendo criado e recriado, atento para os valores apreciados no momento da

história em que a norma tem a sua aplicação invocada e realizada, uma vez que não se

pode aceitar como jurídica a interpretação que não atinja a função social para a qual a

regra foi prevista.

Essa perspectiva da interpretação da norma como um movimento permanente, que visa

a buscar materialização da justiça social na aplicação do Direito à vida real, revela-se

bastante complexa.

Para que as pessoas tenham segurança jurídica, é preciso que esse sistema impeça

que o aplicador do Direito possa, para atender a sua vontade pessoal ou ao seu

capricho, interpretar a lei conforme sua conveniência. Em razão disso, não se concebe

153 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado 1999, pág. 54.

Page 110: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

109

a operação de interpretar o Direito como um ato de arbítrio do aplicador da lei, seja ele

o próprio interessado ou as pessoas que participam da prestação jurisdicional (juiz,

promotor, advogado etc.).

Essa segurança faz com que o ordenamento jurídico possua métodos de controle para

evitar a interpretação do Direito de forma desvirtuada e abusiva. Como exemplo, pode-

se citar a norma que determina que as decisões judiciais devem ser fundamentadas

(art. 93, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e art.

458, inciso II, do Código de Processo Civil).

Algumas vezes, as normas constantes do ordenamento trazem dispositivos que

aparentam contradizer a si próprias, como também ocorre de o ordenamento não

possuir regras para a solução de um caso concreto específico.

Noutras palavras, a extensa produção legislativa do Brasil torna o ordenamento jurídico

pátrio extremamente complexo, especialmente considerando-se a possibilidade de

essas inúmeras normas que tratam de temas diversos acabarem entrando em conflito.

O que fazer diante dessa realidade?

O ordenamento jurídico não deve possibilitar conflito entre os comandos de suas

normas, o que dificultaria a aplicação do Direito e diminuiria a segurança jurídica que

deve existir no sistema. Atento a esse problema, o Legislador criou regras de

convivência entre as normas, para que o aplicador do Direito possa melhor

compreendê-lo.

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR define ordenamento jurídico de uma maneira

elucidativa, citando exemplo que permite compreender os problemas citados acima:

154 REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, pág. 190.

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110

A noção de ordenamento é complexa. Em princípio, um ordenamento é um conjunto de normas. O ordenamento jurídico brasileiro é o conjunto de todas as suas normas, em que estão incluídas todas as espécies que mencionamos ao classificá-las.

(...) Um ordenamento, cuja relação de pertinência é importante para identificar a norma válida, além de ser um conjunto de elementos normativos (normas) e não-normativos, é também uma estrutura, isto é, um conjunto de regras que determinam a relação entre os elementos. Note-se bem a diferença: uma sala de aula é um conjunto de elementos, as carteiras, a mesa do professor, o quadro-negro, o giz, o apagador, a porta etc.; mas estes elementos, todos juntos, não formam uma sala de aula, pois pode tratar-se de um depósito da escola; é a disposição deles, uns em relação aos outros, que nos permite identificar a sala de aula; esta disposição depende de regras de relacionamento; o conjunto destas regras e das relações por elas estabelecidas é a estrutura. O conjunto dos elementos é apenas o repertório. Assim, quando dizemos que a sala de aula é um conjunto de relações (estrutura) e de elementos (repertório) nela pensamos como um sistema. O sistema é um complexo que se compõe de uma estrutura e um repertório.155

Todos os elementos (normas) do ordenamento jurídico devem relacionar-se de acordo

com as regras de aplicação e interpretação (estrutura), para que haja sistematicidade,

que dará ao ordenamento unidade.

Isso não é tão simples, é bom que se diga.

NORBERTO BOBBIO chama a atenção para os problemas do ordenamento jurídico,

destacando a questão da unidade, das antinomias e das lacunas. Confira-se:

Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, disso advém que os principais problemas conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem da relação das diversas normas entre si. Em primeiro lugar se trata de saber se essas normas constituem uma unidade, e de que modo a constituem. O problema fundamental que deve ser discutido a esse propósito é o da hierarquia das normas.

(...)

155 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, págs. 164/165.

Page 112: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

111

Em segundo lugar, trata-se de saber se o ordenamento constitui, além da unidade, também um sistema. O problema fundamental que é colocado em discussão é o das antinomias jurídicas.

(...) Todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático, pretende também ser completo. O problema fundamental que aqui é discutido é o das assim chamadas lacunas do Direito.156

Conforme destaca o autor italiano, o ordenamento jurídico deve ter unidade, mesmo

diante da existência de inúmeras normas, sendo que essa característica será conferida

pela relação posta através do sistema criado.

Todas as normas do ordenamento jurídico, escritas e não escritas, originadas das leis,

dos princípios ou dos costumes, devem relacionar-se de forma harmoniosa, para que

exista sistematicidade e unidade.

Com efeito, é preciso criar uma hierarquia de convivência entre as normas, sendo

necessário estabelecer que a Magna Carta seja a base para a validade da relação entre

as demais regras e entre estas e a Constituição.

Atento a essas questões, MIGUEL REALE afirma que o ordenamento jurídico brasileiro

possui unidade e plenitude:

De todos os sistemas de normas o que, em nosso Direito, se põe como fundamental, é o sistema das leis ou das normas legais; porém, por mais minuciosa e previdente que possa ser a obra legislativa, haverá sempre lacunas na lei. Mas se o sistema legal pode ter casos omissos, o ordenamento jurídico não pode deixar de conter soluções para todas as questões que surgirem na vida de relação. É o princípio da plenitude da ordem jurídica positiva.

(...)

156 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição. págs. 34/35.

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112

Donde se conclui que o “ordenamento jurídico”, que é o sistema das normas em sua plena atualização, não pode ter lacunas e deve ser considerado, em seu todo, vigente e eficaz.157

A questão da plenitude do ordenamento jurídico é assunto que desperta polêmica na

doutrina e não passou despercebido por TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR. Confira-

se:

A concepção do ordenamento como sistema dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar normativamente todos os comportamentos possíveis ou se, eventualmente, podem ocorrer condutas para as quais o ordenamento não oferece qualificação. Veja-se um exemplo clássico, o furto de energia elétrica que, quando passou a representar um problema para a ordem jurídica, não era configurado por nenhum tipo penal (que falava em furtar coisa móvel, não se enquadrando energia elétrica como tal, devendo, então, por força do princípio nullun crimen nulla poena sine lege, ser admitido como comportamento penalmente admissível). Trata-se da questão da completude (ou incompletude) dos sistemas normativos também conhecida como problema das lacunas do ordenamento. Nos quadros da dogmática analítica, que elabora a sistematização do ordenamento, a questão é controvertida. Há autores que afirmam ser a plenitude lógica dos ordenamentos uma ficção doutrinária de ordem prática, que permite ao jurista enfrentar os problemas de decidibilidade com um máximo de segurança. Trata-se de uma ficção porque o ordenamento de fato é reconhecido como lacunoso (cf. Geny, 1925: 193). Há outros que afirmam ser a incompletude uma ficção prática, que permite ao juiz criar direito quando o ordenamento, que, por princípio, é completo, lhe parecer insatisfatório no caso em questão (assim Kelsen, 1960:35).158

É imperioso esclarecer que o fato de o ordenamento jurídico brasileiro ser completo ou

pleno não significa que possua normas para disciplinar cada situação concreta, tarefa

impossível de realizar-se.

157 REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, pág. 192. 158 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, págs. 195/196. Ver também NORBERTO BOBBIO. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição. págs. 119/126. Ver também MARIA HELENA DINIZ (in Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs. 441/448); e PAULO NADER ( in Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 23ª Edição, pág. 188).

Page 114: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

113

Bem diversamente, o ordenamento jurídico admite a ausência de normas para prever e

disciplinar todas as condutas, tendo criado a regra posta no art. 4º da Lei de Introdução

ao Código Civil159 e a norma do art. 126, do Código de Processo Civil160, para impedir

que o juiz se recuse a julgar o caso concreto complexo161.

Esse é o reconhecimento do Poder Legislativo acerca da sua incapacidade de positivar

todo o Direito, bem como o método fornecido ao intérprete para completar o

ordenamento jurídico nos casos concretos, quando houver conflito de normas ou

quando existir omisso legislativa.

Passar-se-á, agora, ao exame das lacunas e antinomias do ordenamento jurídico.

4.3 O problema da lacuna e da antinomia no ordenamento jurídico

No ordenamento jurídico que segue o modelo de tradição romanística, o sistema é

criado a partir do trabalho abstrato de congressistas, que possuem atribuição para

legislar, variando a competência de cada membro desse Poder conforme a matéria.

Entretanto, mesmo que senadores e deputados (estaduais e federais) e vereadores

trabalhem dia e noite, sem parar um minuto sequer, a meta de normatizar todas as

condutas humanas é simplesmente inatingível. Provavelmente a produção será enorme

e a qualidade péssima, uma vez que o trabalho de criação de leis deve ser metódico,

cuidadoso, obtido através de pesquisa, debate e muita reflexão.

159 “LICC. Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 160 “CPC. Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.” 161 Essas ferramentas foram instituídas para evitar o julgamento non liquet, isto é, o ordenamento jurídico estabeleceu que o juiz não pode se escusar de decidir o caso concreto por inexistir disposição legal

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114

Ainda assim, não seria possível ter um ordenamento jurídico com normas para

disciplinar todos os casos, embora o sistema pudesse abarcar maior número de

situações concretas. Haveria menos lacunas e mais antinomias nesse processo

legislativo hipotético citado acima.

Mas o que são as lacunas e antinomias jurídicas?

O sentido etimológico da palavra lacuna é dado pelo Dicionário Aurélio162 como “falha,

falta, omissão”. Portanto, o ordenamento jurídico é lacunoso quando lhe falta a norma

para disciplinar determinada conduta.

É importante esclarecer que as lacunas nem sempre serão caracterizadas pela

ausência de norma no ordenamento, como adverte TERCIO SAMPAIO FERRAZ

JÚNIOR:

Esta idéia de falta pode sugerir que uma lacuna é sempre um menos no todo. Na verdade, a lacuna pode ser um mais, indesejável, não satisfatório. Fala-se, assim, em lacunas patentes ou latentes. Patente é uma lacuna resultante da falta de uma norma que regule uma situação, sento latente a lacuna que nasce do caráter muito amplo da norma. No primeiro caso, não há norma específica. No segundo, ela existe, mais deixa de fazer um restrição considerada necessária.163

Poderá haver, portanto, ausência de norma no ordenamento jurídico, bem como existir

norma que contenha um comando que menospreze ou despreze algum valor social

relevante.

Embora a lacuna mais comum seja a decorrente de ausência de regra para

determinado caso concreto, é preciso esclarecer que a falta está na norma e não no

ordenamento. A esse respeito, confira-se o ensinamento de RIZZATO NUNES:

expressa para a solução da demanda posta sob análise ou nas hipóteses em que as normas aplicáveis se mostrem aparentemente contraditórias. 162 Dicionário Aurélio Século XXI – Versão CD ROM. 163 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, pág. 198.

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115

As lacunas não estão no sistema jurídico, mas nas normas jurídicas. Isto porque, através dos meios de integração, o intérprete colmata as lacunas, preenche os vazios. Pode existir falha na norma jurídica, mas, observando-se interpretando-se o sistema jurídico, consegue-se suprir tal falha, de modo que o sistema se apresente preenchido.164

MARIA HELENA DINIZ destaca que a compreensão das lacunas está relacionada com

a forma como se vislumbra o sistema (completo ou incompleto, fechado ou aberto).

Confira-se:

O fenômeno da “lacuna” está correlacionado com o modo de conceber o sistema. Se se fala em sistema normativo como um todo ordenado, fechado e completo, em relação a um conjunto de casos e condutas, em que a ordem normativa delimita o campo da experiência, o problema da existência das lacunas ficaria resolvido, para alguns autores, dentre eles Kelsen, de forma negativa, porque há uma norma que diz que “o que não está juridicamente proibido, está permitido”, qualificando como permitido tudo aquilo que não é obrigatório, nem proibido. Essa norma genérica abarca tudo, de maneira que o sistema terá sempre uma resposta, daí o postulado da plenitude hermética do direito. Toda e qualquer lacuna é uma aparência nesse sistema que a manifestação de uma unidade perfeita e acabada, ganhando o caráter de ficção jurídica necessária.

(...) Se se conceber o sistema jurídico como aberto e incompleto, revelando o direito com uma realidade complexa, contendo várias dimensões, não só normativa, como também fática e axiológica, aparecendo como um critério de avaliação, em que “os fatos e as situações jurídicas devem ser entendidas como um entrelaçamento entre a realidade viva e as significações do direito, no sentido de que ambas se prendem uma a outra”, temos um conjunto contínuo e ordenado que se abre numa desordem, numa descontinuidade, apresentando um “vazio”, uma lacuna, por não conter solução expressa para determinado caso.165

Conclui a citada autora que as lacunas devem ser divididas da seguinte forma:

Três são as principais espécies de lacuna: 1ª) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretam o ancilosamento da norma positiva; 3ª) axiológica, ausência

164 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. pág. 281. 165 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, pág. 444.

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de norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta.166

Seguindo-se essa proposta de divisão, deve-se vislumbrar o tema-problema ora

examinado, para aferir se o aparente conflito do Código de Processo Civil com a Lei de

Recuperação e Falência de Empresas caracteriza-se como lacuna do sistema jurídico.

A configuração da insolvência jurídica pelo critério adotado no inciso II, do art. 94, da

Lei 11.101/2005 num determinado caso concreto poderia representar uma hipótese de

lacuna axiológica? Estaria essa norma alcançando a sua finalidade social ao

reconhecer falido um devedor empresário simplesmente porque não pagou, nem

depositou o valor executado, tampouco indicou bens à penhora?

Antes de responder a essas perguntas, é preciso analisar o conceito de antinomia

jurídica, para investigar se o tema-problema deste trabalho revela-se como lacuna ou

antinomia do sistema.

Segundo definição do Dicionário Aurélio167, antinomia é “contradição entre duas leis ou

princípios; oposição recíproca; paradoxo”. Noutras palavras, a antinomia é a

coexistência de duas normas válidas que trazem comandos auto-excludentes.

Discorrendo sobre o assunto, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR desenvolve

pormenorizadamente o conceito de antinomia, com o raciocínio a seguir transcrito:

É preciso distinguir entre mera contradição e a antinomia, pois, embora toda antinomia envolva uma contradição, nem toda contradição envolve uma antinomia. Duas normas podem contradizer-se, mas só teremos antinomia quando esta contradição está acompanhada de outros fatores.

(...)

166 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, pág. 448. Para uma visão mais abrangente do problema das lacunas, conferir NORBERTO BOBBIO (in Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição. págs. 139/145). 167 Dicionário Aurélio Século XXI – Versão CD ROM.

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A primeira condição exclui de antinomia os casos em que a relação entre receptor e emissor de uma mensagem não é complementar. Mais ainda, porém, estão excluídos também os casos em que há complementaridade, mas válida em contextos diferentes. Assim, num certo sentido, não se pode falar estritamente em antinomia entre normas jurídico-positivas e normas morais, desde que suponhamos tratar-se, para cada uma elas, de autoridades diferentes.

(...) Podemos, portanto, concluir que para que haja antinomia jurídica é primeira condição que as normas que expressem ordens ao mesmo sujeito emanem de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo.

(...) A segunda condição exige que as instruções dadas ao comportamento do receptor se contradigam, pois, para obedecê-las, ele deve também desobedecê-las. Esta condição é lógica. É preciso, pois, determinar-se quando duas normas, formalmente, se contradizem.

(...) Determinados os casos de contradição, temos uma segunda condição necessária, mas não suficiente para que haja antinomia jurídica (entendida como antinomia pragmática). É preciso, pois, considerar a terceira hipótese: o sujeito tem de ficar numa posição insustentável, isto é, não terá qualquer recurso para livrar-se dela.

(...) A terceira condição é satisfeita quando: 1. faltam critérios, como ocorre quando a antinomia é composta por normas cronológica, hierárquica e especialmente semelhantes; 2. por inconsistência dos critérios existentes, como é o caso da meta-regra lex posterior generalis non derogat priori speciali, que é parcialmente inefetiva, e do conflito entre os critérios hierárquico e de especialidade.168

A antinomia somente ocorrerá, portanto, quando duas normas forem emanadas da

mesma autoridade competente e estiverem dirigidas a um único receptor, causando a

indefinição total ou parcial da regra a ser aplicada.

Percebe-se, logo, que a antinomia gera um problema de interpretação do Direito,

porque a sua existência se dá quando falta norma no ordenamento jurídico ou critério

para solução de um conflito de normas num determinado caso concreto.

168 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, págs. 187/188.

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Por oportuno, é relevante trazer à baila a classificação de antinomias utilizada por

MARIA HELENA DINIZ, proporcionará melhor compreensão do tema-problema.

Confira-se:

Podem classificar as antinomias quanto: 1) Ao critério de solução. Hipótese em que se terá: A) Antinomia aparente, se os critérios para a sua solução forem normas integrantes do ordenamento jurídico. B) Antinomia real, quando não houver na ordem jurídica qualquer critério normativo para solucioná-la, sendo, então, imprescindível à sua eliminação a edição de uma nova norma. (...) antinomia real seria aquela em que a posição do sujeito é insustentável porque há: a) lacuna de regras de solução, ou seja, ausência de critérios para solucioná-la, ou b) antinomia de segundo grau, ou melhor, conflito entre os critérios existentes;

(...) 2) Ao conteúdo. Ter-se-á: A) Antinomia própria, que ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida. (...). B) Antinomia imprópria, a que ocorrer em virtude do conteúdo material das normas, podendo apresentar-se como: a) antinomia de princípios, se houver desarmonia numa ordem jurídica pelo fato de dela fazerem parte diferentes idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito. (...); b) antinomia valorativa, no caso de o legislador não ser fiel a uma valoração por ele próprio realizada, como, p. ex., quando prescreve uma pena mais leve para delito mais grave; (...) c) antinomia teleológica, se se apresentar incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outros para a consecução daqueles fins.

(...) 3) Ao Âmbito. Poder-se-á ter: A) Antinomia de direito interno, que ocorre entre normas de um mesmo ramo do direito ou entre aquelas de diferentes ramos jurídicos. B) Antinomia de direito internacional, a que aparece entre convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, decisões judiciárias, opiniões dos publicistas mais qualificados como meio auxiliar de determinação de normas de direito (Estatuto da Corte Internacional de Justiça, art. 38), normas criadas pelas organizações internacionais e atos jurídicos unilaterais. (...). C) Antinomia de direito interno-internacional, que surge entre a norma de direito interno e norma de direito internacional, e resume-se no problema das relações entre dois ordenamentos, na prevalência de um sobre o outro na sua coordenação. 4) À extensão da contradição. Segundo Alf Ross, ter-se-á: A) Antinomia total-total, se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra. B) Antinomia total-parcial, se uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra, que tem um campo de aplicação conflitante com a anterior apenas em parte. C) Antinomia parcial-parcial,

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quando as duas normas tiverem um campo de aplicação que, em parte, entre em conflito com o da outra e em parte não.169

Como demonstram as lições citadas, as antinomias variam conforme o tipo de conflito

que as normas contraditórias apresentam. Isso significa dizer que o operador do Direito

terá de analisar no caso concreto a natureza das normas, a especificidade de cada

uma, a data em que elas foram produzidas, o âmbito de incidência dessas regras, tudo

a fim de definir o melhor método para enfrentar esse problema hermenêutico.

A respeito dessa intrincada questão, CARLOS MAXIMILIANO destaca que o intérprete

deve ficar sempre atento para saber se existe, de fato, lacuna ou antinomia no caso

concreto. Confira-se:

Não se presumem antinomias ou incompatibilidades nos repositórios jurídicos; se alguém alega a existência de disposições inconciliáveis, deve demonstrá-la até a evidência. Supõe-se que o legislador, e também o escritor do Direito, exprimiram seu pensamento com o necessário método, cautela, segurança; de sorte que haja unidade de pensamento, coerência de idéias; todas as expressões se combinem e harmonizem. Militam as probabilidades lógicas no sentido de não existirem, sobre o mesmo objeto, disposições de lei contraditórias ou incompatíveis, em repositório, lei, tratado, ou sistema jurídico. Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem, porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo culto que as concilia, é quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas. Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos.170

Uma vez identificado que existe um conflito aparente, deve o operador do Direito,

através de auto-indagação e por meio de processo científico, estabelecer se há

169 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs.481/483. 170 MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, pág. 134.

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realmente alguma norma em choque no ordenamento jurídico, a partir de um dado caso

concreto.

Encontrando uma resposta afirmativa, deverá o intérprete apontar se a situação em

análise revela lacuna ou antinomia para poder utilizar-se dos métodos de integração

que o ordenamento jurídico lhe fornece.

Confira-se, a seguir, as formas de solução de problemas interpretativos.

4.4 A regra para a solução desses problemas de aplicação do direito

A interpretação do direito positivo é tema que sempre gerou muito interesse dos

estudiosos, uma vez que a realidade social raramente se apresenta no contexto exato

da hipótese abstrata concebida pelo Legislador.

O operador do Direito, especialmente o juiz, diante de uma situação concreta, deve

buscar no ordenamento jurídico o melhor entendimento sobre a questão controvertida,

para servir de solução ao litígio posto em análise.

CARLOS MAXIMILIANO cita uma passagem muito expressiva que ilustra bem a

importância da operação do intérprete ao traduzir o comando da norma para a realidade

concreta. Confira-se:

Ninguém ousará dizer que a música escrita, ou o drama impresso, dispensem o talento e o preparo do intérprete. Este não se afasta da letra, porém dá ao seu trabalho cunho pessoal, e faz ressaltarem belezas imprevistas. Assim o juiz: introduz pequenas e oportunas graduações, matizes vários no texto expresso, e, sob a aparência de o observar à risca, em verdade o melhora, adapta às circunstâncias do fato concreto,

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aproxima do ideal do verdadeiro Direito. Deste modo ele desempenha, à maravilha, o seu papel de intermediário inteligente entre a lei e a vida.171

É interessante registrar que essa operação do intérprete não é mecânica, posto que o

brocardo interpretatio cessat in claris não tem a mesma aceitação que lhe davam

outrora os jurisconsultos.

A propósito desse princípio, sustentando a posição da corrente majoritária, MARIA

HELENA DINIZ ensina que:

Por mais clara que a norma seja, ela requer sempre interpretação. Nesse sentido, bastante convincente são os dizeres de Degni: “A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ato tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente”. Daí a necessidade da interpretação de todas as normas, por conterem conceitos que têm contornos imprecisos.172

De forma minoritária, RIZZATO NUNES esclarece que a crítica a esse brocardo latino

não é totalmente procedente uma vez que, em muitas situações, a interpretação é

produzida através de simples mudança de termos linguísticos, que nada altera o

sentido dos termos usados pela norma jurídica (tautologia173). Confira-se:

Dispõe o brocardo latino do título que não há necessidade de interpretação quando a norma é clara.

171 MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, pág. 102. 172 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, pág. 426. 173 A definição de tautologia é dada pelo Dicionário Aurélio da seguinte forma: “1. vício de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa; 2. Filos. Proposição que tem por sujeito e predicado um mesmo conceito, expresso ou não pelo mesmo termo; 3. Lóg. Raciocínio que consiste em repetir com outras palavras o que se pretende demonstrar; 4. Lóg. Função lógica que sempre se converte em uma proposição verdadeira sejam quais forem os valores assumidos por suas variáveis.”

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Contra isso insurge-se a maior parte da doutrina jurídica, afirmando que a interpretação é sempre necessária, ainda que as palavras da norma jurídica, seu conteúdo, sua intenção e finalidade sejam claras. Mas não é bem isso que ocorre, em muitos casos não há trabalho típico de interpretação.

(...) Ora, pode suceder que o intérprete nada tenha para interpretar relativamente à fixação de sentido e alcance, como ocorre quando não se precisa traduzir algo.

(...) E essa situação é mais comum do que se possa pensar, visto que muitas vezes a norma jurídica é formada por conceitos “evidentes” somados a outros que podem – caso queira ou necessite o intérprete – ser explicitados.174

Assim, não se deve rejeitar completamente a importância do brocardo latino citado, nem

de qualquer outro brocardo ou princípio, impondo-se, diversamente, que o operador do

Direito faça uso dessas máximas de forma prudente e cuidadosa175.

Portanto, na maioria das vezes, mesmo diante de uma norma de conteúdo linguístico

claro e de termos jurídicos precisos, deve o operador do Direito buscar criteriosamente

o seu sentido e alcance, para que possa aplicá-la adequadamente à hipótese concreta

examinada. A descoberta, entretanto, não se fará apenas através da mera análise

gramatical e semântica dos termos inseridos na norma.

A esse respeito, MIGUEL REALE pontifica que:

A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra “abstrata” e um fato “concreto”, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude).

(...)

174 RIZZATO NUNES. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. págs. 255/256. 175 Nesse sentido, conferir os ensinamentos de MIGUEL REALE (in Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, págs. 319/320) e de CARLOS MAXIMILIANO (in Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, págs. 239/242).

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Pois bem, durante muito tempo, uma compreensão formalista do Direito Julgou ser possível reduzir a aplicação da lei à estrutura de um silogismo, no qual a norma legal seria a premissa maior; a enunciação do fato, a premissa menor; e a decisão da sentença, a conclusão.

(...) A aplicação do Direito não se reduz a uma questão lógica formal. É antes uma questão complexa, na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigências de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova. Donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando na norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas.176

Com efeito, para que se possa encontrar uma resposta no ordenamento jurídico para o

problema real analisado no caso concreto, devem-se adotar os métodos

disponibilizados pela hermenêutica jurídica. O intérprete assumirá um papel pró-ativo na

compreensão da norma e de sua respectiva aplicação, especialmente nos casos mais

complexos (hard cases, na expressão da língua estrangeira).

O primeiro obstáculo que o operador do Direito encontra na tarefa de aplicar a norma

abstrata num caso real refere-se à linguagem enquanto símbolo que possibilita ao

intérprete conhecer e entender a disposição legal abstrata. A propósito disso, adverte

RIZZATO NUNES que:

A linguagem, na realidade, impõe-se de maneira necessária para o investigador do Direito, uma vez que, olhados de perto, Direito e linguagem se confundem: é pela linguagem escrita que a doutrina se põe, que a jurisprudência se torna conhecida etc.; é pela linguagem escrita e falada que os advogados, os procuradores, os promotores defendem e debatem causas e os juízes as decidem; é pela linguagem escrita e falada que os professores ensinam o Direito e os estudantes o aprendem. Acima de tudo isso, é pela linguagem que se conhecem as normas jurídicas.177

176 REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, págs. 300/302. 177 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. pág. 254.

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TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR fala desse papel da linguagem na interpretação

da norma com a acuidade que lhe é peculiar. Veja-se:

Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Este uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, a sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isso ocorre. O legislador, nestes termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas frequentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Este sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos.

(...) A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento.178

Então, por meio da linguagem, o operador do Direito vai traduzir o significado das

normas abstratas criadas pelo legislador, para descobrir o seu sentido adequado e

determinar seu alcance ao caso concreto.

Essa operação é complexa, como chama atenção MARIA HELENA DINIZ:

O intérprete deve interrogar o texto normativo, destacando tudo que nele se contém como adequado àquela finalidade prática, ajustando-o à atual situação, mediante uma avaliação ideológica, ao determinar os fins e objetivos da norma, permitindo, assim, um controle da mens legis e sua interpretação. O intérprete procura atender o sentido do texto normativo, apresentando várias soluções possíveis, atendendo às pautas valorativas vigentes numa sociedade, em certo momento; com isso afasta-se de suas preferências pessoais, de sua opinião, de seu querer ou vontade. A interpretação jurídica assume um compromisso com a

178 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1988, 1ª Edição, 3ª tiragem, págs. 231/232.

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tomada de decisões ou com a solução de possíveis conflitos. A função da dogmática jurídica é a construção das condições do juridicamente possível, em termos de decidibilidade, ou seja, a determinação das possibilidades de construção jurídica de casos jurídicos. Disto se infere que a interpretação, além de argumentativa e dialética, é ideológica.” 179

Como ensina a referida autora, o papel da hermenêutica jurídica é criar os métodos ou

técnicas interpretativas para auxiliar o operador do Direito a manejar adequadamente o

sistema, permitindo que a criação da norma concreta (sentença) busque sempre a

realização da Justiça Social.

Essa tradução será feita por meio de vários métodos ou técnicas, assim conceituados

por RIZZATO NUNES:

A interpretação gramatical É através das palavras da norma jurídica, nas suas funções sintática e semântica, que o intérprete mantém o primeiro contato com o texto posto.

(...) A interpretação lógica A interpretação lógica leva em consideração os instrumentos fornecidos pela lógica para o ato de intelecção, que, naturalmente, estão presentes no ato interpretativo. Além disso, o intérprete usa tais instrumentos para verificar a adequação e o conflito dos textos normativos, buscando com a sua utilização resposta ao problema encontrado.

(...) A interpretação sistemática Por essa regra cabe ao intérprete levar em conta a norma jurídica inserida no contexto maior de ordenamento ou sistema jurídico. Avaliando a norma dentro do sistema, o intérprete observa todas as concatenações que ela estabelece com as demais normas inseridas no mesmo sistema. O intérprete, em função disso, deve dar atenção à estrutura do sistema, isto é, aos comandos hierárquicos, à coerência das combinações entre as normas e à unidade enquanto conjunto normativo global.

179 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs. 426/427.

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(...) Além disso, não basta a verificação da norma na conexão com outras, dentro do sistema. É preciso analisá-la, também, em sua própria ordenação interna. Muitas vezes o intérprete está avaliando apenas certo aspecto de uma lei – um artigo ou um capítulo, por exemplo –, e, e assim é importante que se utilize da interpretação sistemática no “sistema menor interno” dessa própria lei.

(...) A interpretação teleológica A interpretação é teleológica quando considera os fins aos quais a norma jurídica se dirige (telos = fim). Na verdade, qualquer interpretação deve levar em conta a finalidade para a qual a norma foi criada. Nem sempre é fácil identificar a finalidade de uma norma, mas, uma vez que ela seja determinada, constrói-se um parâmetro, no qual a interpretação deve enquadrar-se. Muitas vezes o intérprete tem de escolher uma dentre duas ou mais alternativas para seu trabalho de interpretação. A finalidade da norma pode ser o ponto de apoio para a escolher que ele tiver de fazer.

(...) A interpretação histórica Dentre as várias regras técnicas de interpretação, vale a pena ainda citarmos a histórica, que é aquela que se preocupa em investigar os antecedentes da norma: como ela surgiu; pó que surgiu; quais eram as condições sociais do momento em que ela foi criada; quais eram as justificativas do projeto; que motivos políticos levaram à sua aprovação etc.180

O mesmo autor chama a atenção, ainda, para importância que o intérprete deve dar

aos efeitos do ato interpretativo do Direito, que auxiliará na colmatação de lacunas.

Confira-se:

A interpretação declarativa ou especificadora A doutrina corrente apresenta a interpretação meramente declarativa como sendo aquela em que o intérprete se limita a “declarar” o sentido da norma jurídica interpretada, sem ampliá-la nem restringi-la.

(...)

180 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. págs. 277/279.

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A interpretação restritiva Interpretação restritiva, como o nome sugere, é a que restringe o sentido e o alcance apresentado pela expressão literal da norma jurídica. Tal ocorre quando o texto da norma diz mais – literalmente – do que é razoável e concreto aceitar. Claro que o resultado restritivo não ocorrer por mero capricho do intérprete. Ao contrário, para chegar a ele, usualmente, o intérprete vale das regras de interpretação à sua disposição, especialmente a teleológica.

(...) A interpretação extensiva Ao contrário da anterior, a interpretação extensiva amplia o sentido e o alcance apresentado pelo que dispõe literalmente o texto da norma jurídica.

(...) Quando se fala em interpretação extensiva, como aquela que amplia o significado da norma para além do sentido literal, está-se tratando já de um método de preenchimento de lacunas, por falta de significado no texto normativo, capaz de fazer surgir um resultado satisfatório, pela utilização das regras de interpretação.181

A esse ponto, percebe-se que a tarefa do intérprete do Direito é demasiadamente

intrincada na solução de casos concretos, como adverte ALEXANDRE PASQUALINI:

A ronda infindável das interpretações – no centro das quais orbitam a sociedade, o legislador, o juiz e o administrador público, rejeita os extremos absolutos da liberdade indomável (subjetivismo) e da necessidade invencível (objetivismo). O sistema jurídico não é tanto nem tão pouco. Em uma espécie de justo-meio aristotélico, a abertura da discrição e a clausura da vinculação revelam-se e relativizam uma na outra, de tal sorte que, do aparente caos da abertura, emerge a necessidade da pertença e, do suposto claustro da vinculação, desponta a liberdade da autonomia. A hermenêutica jurídica somente consegue ver-se a si mesma a partir destes dois ângulos indissociáveis: o da vinculação e o da discricionariedade. Apenas desse modo obtém um campo focal amplo e harmonioso. É também por isso, dentre muitas circunstâncias, que não pode haver sistema sem correlata abertura. Para deixar bem claro: somente elasticidade produz verdadeira resistência.182

181 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição. págs. 266; 269; 271/272; 273. 182 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado 1999, págs. 55/56.

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RODOLFO VIANA PEREIRA sintetiza que a tarefa hermenêutica deve cuidar de:

determinar a decisão normativa relativa a um problema concreto, a partir da coerência dos preceitos jurídicos adequados (programas normativos), à luz do conjunto de circunstâncias fáticas (âmbito normativo) e em virtude de um processo argumentativamente justificado que proporcione, ao mesmo tempo, segurança jurídica (controle do abrítrio) e legitimidade do juízo (racionalidade na adequabilidade). 183

CARLOS MAXIMILIANO fala da importância do papel do juiz na captação do sentido e

alcance da norma disposta pelo legislador e da necessidade de a norma criada no caso

concreto servir à justiça social. Confira-se:

Existe entre o legislador e o juiz a mesma relação entre o dramaturgo e o autor. Deve este entender as palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: dá vida ao papel, encarna de modo particular a personagem, imprime um traço pessoal à representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de matiz quase imperceptíveis; e de tudo faz ressaltarem aos olhos dos expectadores maravilhados belezas inesperadas, imprevistas. Assim, o magistrado: não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém, como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediário entre a letra morta dos Códigos e a vida real, ato a plasmar, com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade. Não o consideram autômato; e, sim, árbitro da adaptação dos textos às espécies ocorrentes, mediador esclarecido entre o direito individual e o social.

(...) Os juízes, oriundos do povo, devem ficar ao lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. A atividade dos pretórios não é meramente intelectual e abstrata; deve ter um cunho prático e humano; revelar a existência dos bons sentimentos, tato, conhecimento exato das realidades duras da vida.184

Essa dificuldade torna-se ainda mais acentuada na compreensão e solução dos casos

complexos (hard cases) já referidos alhures, em que o ordenamento jurídico ou não

oferece resposta por faltar de norma (lacuna) ou porque existe conflito entre as diversas

normas vigentes (antinomia).

183 PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, 2ª edição, págs. 169/170.

Page 130: O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA FUNDADO NA REGRA DO ART

129

Nessas situações, o operador do Direito deve buscar preencher esse “vazio” do sistema

jurídico (incompletude), uma vez que o ordenamento pátrio não permite que o juiz se

recuse a julgar um caso concreto por faltar norma específica para aplicar à hipótese em

análise, como já mencionado.

Em circunstâncias como essas, surge a necessidade de o hermeneuta recorrer aos

métodos interpretativos citados e, se ainda persistir o problema de decidibilidade,

deverá buscar técnicas de integração do sistema jurídico.

Segundo FRANCESCO CARNELUTTI, o problema da incompletude do ordenamento

jurídico deve ser resolvido por meio de auto-integração ou de heterointegração. Confira-

se:

É natural que as deficiências da ordem jurídica tenham de ser preenchidas. A ordem jurídica faltaria à sua finalidade se não houvesse conflitos de interesse que, por falta de composição, pudessem dar origem à violência. É preciso achar um meio para tal fim, ou seja, um meio para a sua integração. Em tal sentido pode enunciar-se o princípio da completabilidade (compiutezza) da ordem jurídica, segundo o qual esta deve possuir a capacidade de completar.

(...) Uma lacuna, pela auto-integração, preenche-se mediante os recursos da própria fonte. A comparação com a soldagem autógena, de que há muitos anos me vali para melhor explicar este conceito, ainda hoje me parece boa. Deve, naturalmente, tratar-se de uma elaboração das normas e dos preceitos fornecidos pela própria fonte, de maneira a poder desfrutar-se a sua elasticidade até ao ponto de o caso não previsto por eles poder ser regulado.

(...) Incomparavelmente mais simples é o conceito da heterointegração. Nesta hipótese trata-se de integrar as lacunas de uma fonte com as normas ou com os preceitos fornecidos por uma outra fonte.185

184 CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, págs. 59/60. 185 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, 2ª impressão, págs. 186; 189; 198. Verificar também NORBERTO BOBBIO. (in Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria

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130

Segundo ensina o autor italiano, a colmatação de lacunas no ordenamento pode ser

realizada tanto com regras (normas, princípios, costumes etc.) existentes dentro do

próprio sistema, bem como através de regras de outros sistemas (normas adotadas por

outro país que segue a mesma tradição, por exemplo).

No Brasil, o preenchimento de lacunas é promovido prioritariamente pelo sistema de

auto-integração, tendo em vista o disposto no art. 4º, da Lei de Introdução do Código

Civil, que estabelece que o juiz deve recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios

gerais do direito na solução de casos complexos em que a lei se omite sobre a situação

fática posta em julgamento.

O primeiro método de colmatação de lacuna é a analogia, ferramenta que PAULO

NADER conceitua, ao mesmo tempo em que aponta seu fundamento, da seguinte

forma:

1. Conceito - A analogia é um recurso técnico que consiste em se aplicar, a um hipótese não-prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para um outro caso fundamentalmente semelhante à não-prevista.

(...) 2. Fundamento da Analogia – Na necessidade que o legislador possui de dar harmonia e coerência ao sistema jurídico, a analogia tem o seu fundamento. Com efeito, em esse fator de integração do Direito, fatalmente as contradições viriam comprometer o sistema normativo. Vinculando o aplicador do Direito ao próprio sistema, fica excluída a possibilidade de tratamento diferente a situações facilmente semelhantes, impedindo-se a prática de injustiça. 186

Além dessa regra, dispõe o legislador que o intérprete deve apoiar-se nos costumes a

fim de saber qual deve ser a solução para determinado caso concreto.

Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição. págs. 146/150). 186 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 23ª Edição, págs. 188/189.

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131

Mesmo nos países que adotam o sistema de tradição romanística, como é o caso do

Brasil, a utilização dos costumes como método de integração não deve ser

menosprezada, conforme destaca MARIA HELENA DINIZ:

O costume é outra fonte supletiva, seja ele decorrente da prática dos interessados, dos tribunais e dos jurisconsultos, seja secundum legem, praeter legem ou contra legem.

(...) Embora, em regra, uma lei só possa ser modificada por outra da mesma hierarquia ou de hierarquia superior, há casos, no direito brasileiro, em que os juízes aplicaram o costume contra legem.

(...) O bom órgão judicante, como nos ensina Machado Neto, deverá sempre, ao aplicar quaisquer das espécies de costume, estar armado de um certo grau de sensibilidade e faro sociológico para descobrir o ponto de saturação em que um uso pode ser invocado como jurídico.187

Se a analogia e os costumes não permitirem a auto-integração do ordenamento

jurídico, o intérprete deve buscar, então, nos princípios gerais de direito, a

fundamentação para a solução do caso concreto examinado. Essas hipóteses ocorrem

com mais frequência do que se imagina, uma vez que a realidade social é muito mais

dinâmica do que a produção legislativa brasileira. Assim, esse método de colmatação

de lacunas deve ser bem compreendido para que possa ser adequadamente utilizado

pelo hermeneuta.

CARLOS MAXIMILIANO ensina o conceito de princípio e propõe uma forma de o

intérprete buscar o princípio a ser aplicado na integração do ordenamento jurídico.

Confira-se:

Todo conjunto harmonioso de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeitam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica. Se é deficiente o repositório de normas, se não oferece, explícita

187 DINIZ, Maria Helena, Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs. 466/467.

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ou implicitamente, e nem sequer por analogia o meio de regular ou resolver um caso concreto, o estudioso, o magistrado ou funcionário administrativo como que renova, em sentido inverso, o trabalho do legislador: este procede de cima para baixo, do geral ao particular; sobe aquele gradativamente, por indução, da idéia em foco para outra mais elevada, prossegue em generalizações sucessivas, e cada vez mais amplas, até encontrar a solução colimada.

(...) Recorre o aplicador do texto aos princípios gerais: a) de um instituto jurídico; b) de vários institutos afins; c) de uma parte do Direito Privado (Civil ou Comercial); ou de uma parte do Direito Público (Constitucional, Administrativo, Internacional, etc.); d) de todo o Direito Privado ou de todo o Direito Público; e) do Direito Positivo, inteiro; f) e, finalmente, do Direito em sua plenitude, sem distinção nenhuma. Vais-se gradativamente, do menos ao mais geral: quanto menor for a amplitude, o raio de domínio adaptável à espécie, menor será a possibilidade de falhar o processo indutivo, mais fácil e segura a aplicação à hipótese controvertida.188

Se esses critérios não bastarem para a solução do problema hermenêutico, o

ordenamento jurídico brasileiro também estabelece que juiz poderá decidir por

equidade, nos casos previstos em lei (art. 127, CPC), método sobre o qual MIGUEL

REALE ensina o seguinte:

mediante juízos de equidade, se amenizam as conclusões esquemáticas de regra genérica, tendo em vista a necessidade de ajustá-la às particularidades que cercam certas hipótese da vida social. Os romanos já advertiam, com razão, que muitas vezes, a estrita aplicação do Direito traz conseqüências danosas à justiça: summum jus, summa injuria. Não raro, pratica injustiça o magistrado que, com insensibilidade formalística, segue rigorosamente o mandamento do texto legal.189

Segundo demonstram as lições trazidas à baila, o intérprete deve recorrer

prioritariamente às regras e aos princípios adotados pelo ramo do Direito objeto de

análise no caso concreto. Entretanto, quando faltar norma ou princípio dentro do

microssistema em exame ou quando esses confrontarem-se com outras normas e

princípios de outros ramos do Direito ou com os da Constituição da República

188 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, págs. 295/296. 189 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 27ª Edição, 7ª tiragem, págs. 298/299.

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133

Federativa do Brasil de 1988, o hermeneuta deve buscar o princípio que servirá de

solução para a hipótese sob julgamento.

No caso do tema-problema deste trabalho, essa divisão proposta será fundamental,

tendo em vista que a interpretação adequada da norma contida no inciso II, do art. 94,

da Lei de Recuperação e Falência de Empresas terá necessariamente de ser

submetida à confrontação com vários princípios, específicos do Direito Falimentar, do

Direito Obrigacional, do Direito Processual e, sobretudo, com os previstos na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Em relação aos princípios do Direito Falimentar, merecem destaque à pesquisa ora

desenvolvida aquele que visa à recuperação do empresário190 (art. 47, LRE191) e o que

objetiva a preservação da empresa (art. 75, LRE192) visto que são dois princípios em

contraposição. Há que se registrar também, neste trabalho, a importância do princípio

da celeridade (art. 75, parágrafo único, LRE193), uma vez que este possibilita a

consecução do princípio da preservação da empresa.

É digno de registro que o Legislador Concursal Brasileiro adotou a recuperação do

empresário como prioridade em função da importância que este exerce na sociedade,

fato muito bem observado por FÁBIO KONDER COMPARATO. Confira-se:

Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e

190 Muitos autores preferem denominar este princípio como “preservação da empresa”. Todavia, pelo exame do dispositivo legal, percebe-se que o Legislador dirigiu o instituto da recuperação à proteção do empresário (e consequentemente da empresa por ele exercida). Em sentido contrário, ver, por exemplo, RICARDO NEGRÃO (in Manual de direito comercial e de empresa: volume 3. São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª edição, pág. 124). 191 “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.’ 192 “Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.” 193 “Art. 75. (...) Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual.”

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definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale no Brasil, a 60% da renda nacional. É das empresas que provêm a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviços.194

Em razão da relevância que a atividade exercida pelo empresário possui no contexto

social, o citado autor destaca a necessidade de o ordenamento jurídico proteger de

forma mais rígida o empresário para atingir-se, em última análise, a tutela dos

interesses coletivos dos cidadãos. Veja-se:

A questão do desempenho funcional das empresas constitui, portanto, um dos magnos problemas do direito contemporâneo, em razão do advento do Estado Social. No entanto, a carência de adequada elaboração teórica deixa o legislador praticamente desprovido de fórmulas e instrumentos, para gerar soluções.

(...) O que se verifica, sem grande esforço de análise e reflexão, é que os princípios constitucionais informadores da ordem econômica e social não correspondem um côngruo aparelhamento de sanções. O sistema jurídico prevê, tradicionalmente, remédios adequados para a proteção dos interesses particulares, mas não para a defesa dos interesses comuns do povo, cuja realização é também confiada às empresas; e os quais, nas mínimas das exigências, não podem ser desprezados no desempenho da atividade empresarial.195

Atendendo aos reclamos da doutrina nacional, a partir da reflexão dos grandes

mestres196 e também devido ao disposto no art. 1º, incisos III e IV,197 e no art. 170198, da

194 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, 1ª edição, 2ª tiragem, pág. 03. 195 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, 1ª edição, 2ª tiragem, pág. 13. 196Apesar de o revogado Decreto-Lei de Falência e Concordatas não se prestar mais para os fins aos quais foi destinado, como reconhecido maciçamente pela doutrina nacional mais respeitada e avisada, é preciso registrar a advertência prudente do mestre J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, que destaca que os problemas do Direito Falimentar podem ser revolvidos sem a elaboração de novas leis, ao afirmar que “uma magistratura inteligente e um círculo de comerciantes probos poderão certamente evitar as

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que passou a exigir que a

ordem econômica seja exercida em conformidade com os valores sociais consagrados

como essenciais pelo Legislador Constituinte (tais como a dignidade da pessoa

humana,o valor social do trabalho e a livre iniciativa, a função social da propriedade

etc.), essa mudança finalística do Direito Falimentar pátrio é finalmente realizada.

O Direito Concursal deixa de possuir caráter meramente privatístico, em que se visa

apenas à proteção individual dos credores e do devedor e passa a adotar uma índole

publicista, voltando sua tutela para os interesses coletivos que gravitam em torno da

empresa, especialmente em decorrência dos graves problemas econômicos e

financeiros que a crise do empresário (tanto a viável como a inviável) pode gerar para a

sociedade.

RICARDO NEGRÃO professa que o novel Direito Falimentar deve ser encarado de

forma diferente do que ocorria com a interpretação da revogada Lei de Quebras.

Confira-se:

fraquezas e as lacunas das leis de falências” (in Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume VII, Livro V – Da falência e da concordata preventiva – Parte I – da Falência. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1964, 7ª edição posta em dia por ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA, pág. 61). 197 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – (...); II – (...); III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” 198 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

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136

A diretriz do legislador ordinário, ao estabelecer multiplicidade de instrumentos recuperatórios, cumpre norma maior, com vistas a atender à função social da propriedade e do incentivo à atividade econômica (CF, arts. 170, II, e 174). Das normas constitucionais decorre o objetivo da tutela recuperatória em juízo: atender à preservação da empresa, mantendo, sempre que possível, a dinâmica empresarial, em seus três aspectos fundamentais: fonte produtora, emprego dos trabalhadores e interesse dos credores.199

Acerca da influência do Direito Constitucional na interpretação do novel Regime

Concursal, adverte RONALDO VASCONCELOS:

Assim como o direito processual civil, o estudo do direito falimentar e de seus fundamentos também nasce da análise e respeito aos valores sistematizados na Constituição Federal. O direito falimentar, anteriormente destinado apenas à tutela dos credores, deve pautar-se no princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º), propiciando meios de preservar os interesses dos trabalhadores e dos consumidores, bem como possibilitar a reabilitação do empresário, quando viável. Outrossim, a proteção aos credores deve ser flexibilizada em face dos direitos sociais (CF, art. 6º) e da preservação da função social da empresa, na busca da valorização do trabalho humano (CF, art. 170). Assim é que, muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha estabelecido uma ordem econômica que opta por um sistema capitalista, ao mesmo tempo dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado, sem que a própria preservação da empresa foi erigida à categoria de princípio constitucional, ainda que implicitamente (tal como a proporcionalidade). Dentro desse contexto é que também se relaciona a temática da efetividade do processo e a desejada capacidade de produzir resultados práticos aptos a alterar substancialmente a vida das pessoas que vêm ao processo pleitear a defesa de seus direitos. Mostra-se necessário afastar uma prejudicial visão eminentemente processualista da lei falimentar e centrada no binômio devedor-credores, uma vez que não corresponde à demanda da sociedade brasileira contemporânea, qual seja: um processo concursal voltado a resultados práticos de preservação das unidades produtivas, salvaguarda dos direitos dos credores e eficiente.200

Como consequência dessa mudança, o mesmo autor, apoiando-se em PIETRO

PERLINGIERI, defende que:

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” 199 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa: volume 3. São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª edição, pág. 124. 200 VASCONCELOS, Ronaldo. Direito Processual Falimentar. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pág. 110.

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A solução de litígios inerentes ao sistema falimentar “não pode mais ser encontrada, levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico.201

Ainda, oportuna, atual e valiosa é a lição de RUBENS REQUIÃO sobre essa

conjugação de princípios que envolve a interpretação do Direito Concursal. Veja-se:

Tanto a par condictio creditorum como o saneamento do meio empresarial, constituem elementos que se devem levar em conta para a compreensão da finalidade do instituto falimentar, mas que ambos os princípios não se sobressaem dominadores, mas se compõem ou se constituem como elementos imprescindíveis à garantia geral do crédito, que deve ser promovido e assegurado pelo Estado, através de lei. É claro que a segurança do crédito e elemento essencial para a estabilidade econômica e, nos países menos desenvolvidos, instrumento básico para o seu progresso. Tudo isso a lei falimentar pretende realizar.202

A propósito do tema-problema objeto desta pesquisa, CARLOS ALBERTO FARRACHA

DE CASTRO pondera que a forma de caracterização da insolvência jurídica adotada

pela Lei de Recuperação e Falência de Empresas deve ser vista em função dos

princípios que orientam o Direito Concursal e dos que informam a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, ressaltando que:

Em que pese o respeito aos critérios eleitos pelo legislador, ao nosso modo de ver, a impontualidade, como também outros critérios objetivos positivados na Lei 11.101/05 não mais podem constituir pressupostos – inquestionáveis – autorizadores da quebra. Ao invés de critérios aleatórios ou casuísticas, há que se observar a função e os princípios que regem o direito falimentar, de modo a aplicá-lo adequadamente, à luz dos comandos constitucionais, observadas as peculiaridades do caso concreto submetido ao crivo do Poder Judiciário.203

Fora do ambiente normativo do Direito Falimentar, deve-se verificar também o princípio

orientador do Direito das Obrigações que determina ao devedor cumprir as obrigações

tal como ajustadas, vedando-se o enriquecimento sem causa.

201 VASCONCELOS, Ronaldo. Direito Processual Falimentar. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pág. 127, nota 338. 202 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar – Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1986, 10ª edição, pág. 23.

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A esse respeito, CARLOS MAXIMILIANO ensina que:

Nemo locupletari debet cum aliena injuria vel jactura: “ninguém deve locupletar-se com o dano de outrem ou com a jactura alheia.” Usa-se, comumente, brocardo mais resumido – “ninguém deve locupletar-se com a jactura alheia”. No Digesto, livro V, título III – De hereditatis petitione, fragmento, 38, se nos depara preceito semelhante, de Paulo: non debet petitor ex aliena jactura lucrum facere: “o postulante não deve tirar lucro da jactura alheia.204

Além desses princípios, há também que se observar na hipótese em análise que o

processo de execução civil individual possui a cooperação do executado como princípio

a ser implementado sempre, pois se trata de medida que busca a satisfação do crédito

exequendo. Portanto, representa um dever do executado, no processo civil de

execução, pagar a dívida executada ou nomear bens à penhora, visando à quitação do

débito ou à segurança do juízo.

Dessa forma, o Direito Concursal, além dos seus próprios princípios e valores, deve

recorrer aos princípios do Direito Obrigacional e do Direito Processual apontados acima,

tendo em vista que a falência vislumbra a proteção do crédito coletivo e a satisfação

dos credores. Enquanto processo de execução, como via de liquidação eficiente do

patrimônio do devedor insolvente, o processo de falência objetiva a extinção das

obrigações do empresário, não adimplidas amigavelmente.

Indo além, RIZZATO NUNES defende que a interpretação do direito deve ter em conta

a boa-fé objetiva das partes em litígio:

A boa-fé objetiva independe de constatação ou apuração do aspecto subjetivo (ignorância ou intenção), vez que erigida à verdadeira fórmula de conduta, capaz de, por si só, apontar o caminho para a solução da pendência.

203 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Fundamentos do direito falimentar. Curitiba: Juruá, 2008, 2ª edição, 3ª tiragem, pág. 98. 204 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, 10ª Edição, pág. 260.

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Pode-se, grosso modo, definir a boa-fé como sendo uma regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas numa relação jurídica. Essa regra de conduta é composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros de lealdade e honestidade. Anote-se bem, a boa-fé objetiva é fundamento de todo sistema jurídico, de modo que ela pode e deve ser observada em todo tipo de relação existente, é por ela que se estabelece um equilíbrio esperado para a relação, qualquer que seja esta. Esse equilíbrio – tipicamente caracterizado com um dos critérios de aferição de Justiça no caso concreto -, é verdade, não se apresenta como uma espécie de tipo ideal ou posição abstrata, mas, ao contrário, deve ser concretamente verificável em cada relação jurídica (contratos, atos, práticas etc.).205

Tal ensinamento aplica-se perfeitamente à discussão ora proposta, já que o direito

objetivo que tem o credor de receber o pagamento do devedor deve ser realizado

amigavelmente, sob pena de caracterizar-se a má-fé objetiva deste último.

Mas o credor pode deparar-se com a situação (não rara) de o devedor empresário

praticar atos e fatos previstos na Lei de Quebras, reveladores da situação de quem está

em estado de insolvência. Nesses casos, como não há patrimônio suficiente para

liquidar inteiramente o passivo do empresário, opera-se uma inversão de princípios,

para dar tratamento paritário entre os credores (par condito creditorum), a fim de que

sejam também alcançados os valores traçados pela Carta Política de 1988.

É preciso advertir, todavia, que a falência deixou de ser um mero processo de

liquidação do empresário insolvente, no qual se apura apenas a responsabilidade penal

do devedor e se busca somente a satisfação dos credores. O aspecto coletivo é que

importará na interpretação do instituto, especialmente, no que se refere à deflagração

do processo de execução coletivo e à caracterização da insolvência jurídica do

devedor.

É preciso verificar o sistema de presunção do estado de falência criado pela Lei de

Recuperação e Falência de Empresas a fim de adotar a correta interpretação. Nessa

tarefa, não pode faltar a exegese constitucional, uma vez que tanto o princípio da

recuperação do empresário como o da preservação da empresa derivam de valores

205 NUNES, Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 2007, 7ª edição.

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consagrados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (tais como o

da proteção à propriedade privada, da segurança jurídica, de incentivo à atividade

econômica, da dignidade da pessoa humana, do direito de defesa, da função social da

propriedade privada, da livre concorrência, da busca pelo pleno emprego, da defesa do

consumidor).

Dito isso, é preciso indagar o seguinte: a decretação de falência de um empresário,

baseada na prática do ato descrito no inciso II (conhecido como execução frustrada ou

tríplice omissão), do art. 94, da nova Lei de Quebras, pode ser configuradora de

violação do princípio da recuperação (art. 47, LRE)? Teria o Código de Processo Civil

alterado a forma de configuração do estado de falência nessa hipótese?

Essas indagações revelam que a interpretação da Lei de Falências é muito complexa e

que não pode ser resolvida pela análise meramente gramatical e literal dos dispositivos

legais. No caso acima, alguns princípios do Direito Falimentar (proteção ao crédito e à

unidade produtora, ao direito de defesa e ao direito à recuperação do devedor) estão

em aparente conflito, que revelam um possível choque dos valores consagrados pela

Magna Carta.

Estar-se-á, então, diante de uma antinomia? A resposta é afirmativa já que duas

normas estão estabelecendo comandos contraditórios: o Código de Processo Civil

faculta ao devedor oferecer embargos independentemente da garantia do juízo na

execução por título extrajudicial206 ao passo que a Lei de Recuperação e Falência de

Empresas afirma que a ausência de pagamento e /ou de prestação de garantia

caracteriza a insolvência jurídica e sujeita o devedor à falência.

Qual seria o critério de solução para essa antinomia? A resposta é encontrada na obra

clássica de NORBERTO BOBBIO. Veja-se:

pág. 287. 206 É importante esclarecer que a execução de sentença somente poderá ser resistida pelo executado através do incidente de impugnação e após a garantia prévia do juízo. Isso significa dizer que o

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As regras fundamentais para a solução de antinomia são três: a) o critério cronológico; b) o critério hierárquico; c) o critério da especialidade. O critério cronológico, chamado também de lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori.

(...) O critério hierárquico, também chamado de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori.

(...) O terceiro critério, dito justamente da lex speciallis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex speciallis derogat generali..207

Nem sempre, porém, esse método irá servir à solução de antinomias. É o que ensina o

citado autor italiano. Confira-se:

O critério cronológico serve quando duas normas incompatíveis são sucessivas; o critério hierárquico serve quando duas normas incompatíveis estão em nível diverso; o critério de especialidade serve no choque de uma norma geral com uma norma especial. Mas, pode ocorrer antinomia entre duas normas: 1) contemporâneas; 2) do mesmo nível; 3) ambas gerais.208

Na hipótese descrita, não haverá solução a priori, isto é, estar-se-á diante de uma

situação em que existe insuficiência de critérios para a integração do sistema. Também

não haverá resposta, em princípio, quando a antinomia se der entre os critérios de

decisão propostos pelo autor italiano. Se o critério da especialidade entrar em conflito

executado tem a obrigação de pagar ou de prestar a garantia, querendo ou não impugnar a execução, sob pena de ficar caracterizada a sua insolvência. 207 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição, págs. 92/96. 208 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição, pág. 97.

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com o critério hierárquico e/ou com o cronológico, ter-se-á uma antinomia de segundo

grau, solucionável apenas a posteriori.

Para resolver problemas hermenêuticos como esses, confira-se novamente o

ensinamento de NORBERTO BOBBIO:

1) Conflito entre o critério hierárquico e o cronológico: esse conflito tem lugar quando uma norma anterior superior é antinômica em relação a uma norma posterior-inferior. (...) O problema é: qual dos dois critérios tem preponderância sobre o outro? A resposta não é dúbia. O critério hierárquico prevalece sobre o cronológico, o que tem por efeito fazer eliminar a norma inferior, mesmo que posterior. Em outras palavras, pode-se dizer que o princípio lex posterior derogat priori não vale quando a lex posterior é hierarquicamente inferior à lex prior.

(...) 2) Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico: esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-especial é incompatível com uma norma posterior-geral. Tem-se conflito porque, aplicando o critério da especialidade, dá-se preponderância à primeira norma, aplicando o critério cronológico, dá-se prevalência à segunda. Também aqui foi transmitida uma regra geral, que soa assim: Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente. O que leva a uma posterior exceção ao princípio lex posterior derogat priori: esse princípio falha, não só quando a lex posterior é inferior, mas também quando é generalis (e a lex prior é specialis).

(...) 3) Conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade. Nos dois casos precedentes vimos o conflito destes dois critérios respectivamente com o critério cronológico, e constatamos que ambos os critérios são mais fortes que o cronológico. O caso mais interessante de conflito é, agora, aquele que se verifica quando entram em oposição não mais um dos dois critérios fortes com o critério fraco (o cronológico), mas os dois critérios fortes entre si. É o caso de uma norma superior-geral incompatível com uma norma inferior-especial. Se se aplicar o critério hierárquico, prevalece a primeira, se se aplicar o critério de especialidade, prevalece a segunda. Qual dos dois critério se deve aplicar? Uma resposta segura é impossível. Não existe uma regra geral consolidada. A solução dependerá também, neste caso, como no da falta dos critérios, do intérprete, o qual aplicará ora um ora outro critério segundo circunstâncias. A gravidade do conflito deriva do fato de que estão em jogo dois valores fundamentais de todo o ordenamento jurídico, o do respeito da ordem, que exige o respeito da hierarquia, e, portanto, do critério da superioridade, e o da justiça, que exige a adaptação

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gradual do Direito às necessidades sociais e, portanto, respeito do critério da especialidade.209

Qual deve ser a solução dos casos em que se identifica a antinomia de segundo grau

verificada entre dois princípios fortes (respeito à especialidade e respeito à hierárquica,

por exemplo)?

JUAREZ FREITAS oferece uma proposta ao sugerir uma visão mais abrangente do

sistema jurídico, pela qual se percebe ser ele:

uma rede axiológica e hierarquizada topicamente de princípios fundamentais, de normas estritas (ou regras) e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias em sentido amplo, dar cumprimento aos objetivos justificadores do Estado Democrático, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição.210

Para compreender o ordenamento jurídico, o citado autor propõe que o intérprete

realize sempre a interpretação sistemática (mais axiológica do que formal) que, para

ele, é a forma de enfrentar as antinomias de segundo grau insolúveis. Confira-se:

operação que consiste em atribuir, hierarquicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às regras ou normas estritas e aos valores jurídicos, fixando-lhes o alcance e superando antinomias em sentido amplo, tendo em vista solucionar casos de conflito (objetiva ou subjetivamente considerados). Na linha tópico-sistemática proposta, portanto, para vencer as antinomias (sempre, de algum modo, solúveis juridicamente) que ocorrem ou podem ocorrer entre normas do mesmo escalão formal e coevas, o critério hierárquico axiológico, nos termos dos preliminares conceitos de sistema jurídico e de interpretação sistemática, apresenta-se tipicamente capaz de oferecer, em todos os casos, uma solução minimamente adequada, desde que, no bojo do sistema, haja uma básica razoabilidade.211

209 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. Téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, 10 edição, págs. 107/109. 210 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, 4ª edição, pág. 61. 211 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, 4ª edição, pág. 99.

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ALEXANDRE PASQUALINI ressalta a importância do metacritério desenvolvido por

JUAREZ FREITAS, ensinando que:

“Assim, toda vez em que se surpreender o arrostado por contradições entre normas e princípios de justiça acolhidos pela Constituição, cumpre ao intérprete, auscultando os limites racionais e finalísticos do sistema, harmonizar e, mais ainda, verticalizar umas e outros, valendo-se, para tanto, do auxílio conjunto e inestimável do princípio da hierarquização axiológica e da interpretação sistemático-transformadora, sobretudo quando o conflito se verificar entre as aludidas regras de prioridade ou justiça. Em suma, a tarefa do exegeta, ou aplicador do Direito será, para sempre e eternamente, a de realizar, diante do caso concreto, “a máxima justiça sistemática possível”, servindo-se do sistema para que com e no sistema a liberdade prospere, a igualdade aproxime e o bem prevaleça.”212

Essas lições evidenciam que o papel do operador do Direito não pode restringir-se à

adoção de um ou de outro critério quando se estiver diante de um caso complexo em

que aparece conflito de normas e de princípios (ou antinomia de segundo grau, na

expressão de NORBERTO BOBBIO).

Na hipótese do tema-problema objeto de análise neste trabalho, a pesquisa teve a

finalidade de investigar se a norma contida na lei especial anterior de Recuperação e

Falência de Empresas (Lei nº 11.101/2005) deve preponderar sobre as novas regras

gerais posteriores do Código de Processo Civil (criadas pela Lei nº 11.232, de 22 de

dezembro de 2005 e pela Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006), para fins de

caracterização da insolvência jurídica do devedor empresário.

Em razão de o tema-problema desta pesquisa envolver confronto de valores postos na

Lei de Falências e destes com outros princípios do ordenamento jurídico, merece

registro o ensinamento do mestre J. X. CARVALHO DE MENDONÇA. Confira-se:

Na falência não se procura ganhar; cogita-se de perder o menos possível, ne pejus adveniant.

212 PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado 1999, págs. 55/56. Ver também MARIA HELENA DINIZ (in Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, 19ª Edição, págs. 485/499).

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Não seria admissível interpretar as disposições da lei permitindo o enriquecimento dos credores em manifesto prejuízo do devedor ou de terceiro. A falência não é uma expropriação violenta, é meio de execução e remédio preventivo de prejuízos. Também seria condenável se o devedor achasse na falência os meios de se enriquecer, empobrecendo os credores. A lei de falência não é sómente uma lei de rigor contra o devedor; é, ao mesmo tempo, uma lei de favor (n. 170 do 2.º vol. dêste Tratado). Quanto mais pronunciadas a boa-fé e a lisura do devedor, tanto mais amplas devem ser as concessões, levadas ao extremo de permitir a concordata preventiva da falência. Se à má-fé e à fraude não se devem dar tréguas (n. 87, supra), seria iníquo proceder severamente contra o devedor honesto, vítima da sorte. Não é para prejudicar o próximo que a lei estabeleceu os meios rápidos de execução e conferiu garantias e prerrogativas aos credores. Não deve haver desigualdade e injustiça ns relações entre credores e devedores. É princípio de humanidade que não precisa estar escrito por extenso na lei.”213

Assim, tendo-se em conta o exposto, torna-se necessário utilizar o metacritério da

interpretação sistemática hierárquico-axiológica de JUAREZ DE FREITAS para saber

se deve o exegeta buscar algum outro elemento para configuração do estado de

insolvência jurídica, além daqueles estabelecidos pelo Legislador Concursal Brasileiro.

É preciso verificar se a interpretação da norma do inciso II, do art. 94, da nova Lei de

Quebras permite a configuração da insolvência jurídica do devedor empresário e a sua

declaração de falência apenas pelo preenchimento das três omissões traçadas pelo

Legislador.

Essa investigação deverá passar pelo exame dos princípios específicos do Direito

Falimentar, do Direito Obrigacional, do Direito Processual e da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 para que se possa estabelecer uma forma de

melhor compreender e aplicar o dispositivo legal que é objeto deste trabalho.

213 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume VII, Livro V – Da falência e da concordata preventiva – Parte I – da Falência. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1964, 7ª edição posta em dia por ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA, págs. 159/160.

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4.5. Solução da antinomia que envolve o tema-problema deste trabalho

Como se demonstrou nos capítulos anteriores, o Direito Falimentar brasileiro mudou

seu enfoque para substituir a sua característica liquidatória por uma feição

recuperatória. Essa alteração finalística promovida na legislação tem por objetivo

transformar a compreensão do problema da crise do empresário a fim de priorizar a

recuperação do agente econômico, sempre que possível, para que se consiga manter,

ao mesmo tempo, a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e o interesse dos

credores (tal como determina o comando do art. 47, da LRE).

Quando a crise do empresário revelar-se insuperável (por quaisquer questões de ordem

econômico-financeira), a nova Lei de Recuperação e de Falência de Empresas

estabelece que a unidade produtiva (empresa) deve ser preservada no processo

falimentar e o crédito coletivo protegido (art. 75, LRE), considerando-se a importância

desses valores.

Aqui reside o ponto principal de sustentação do entendimento ora defendido.

Não obstante a transformação promovida na legislação falimentar, é preciso ter-se em

mente que a visão recuperatória instituída pelo novo Direito Concursal não é um fim em

si mesmo. Apesar da opção do legislador pela prioridade na recuperação do agente

econômico, não se pode desprezar a importância da adequada deflagração e

tramitação do processo de falência. Desta feita, a interpretação correta da nova Lei de

Quebras passa, necessariamente, pelo exame de eficiência do sistema.

A esse respeito, RONALDO VASCONCELOS ensina que:

A Lei de Recuperação e Falências deve ser interpretada no sentido de viabilizar um ambiente formal de negociação e de cooperação, estimulando credores e devedor no sentido da solução mais eficiente. Seja ela a tentativa recuperação ou a liquidação adequada da empresa. Mas para isso é fundamental o estabelecimento de incentivos corretos, a partir de um balanceamento adequado dos direitos do devedor e as

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diversas classes de credores, por meio de uma justa distribuição dos riscos. Trata-se de uma questão de administração dos interesses em jogo, sejam os dos diferentes credores, sejam os dos trabalhadores (direitos sociais). De mais a mais, muito embora exista o interesse do devedor no processo falimentar, certo é que ele tende a ser o último a ser contemplado. A eficiência do sistema deve ser o objetivo norteador de qualquer processo falimentar em que se pretenda um mecanismo justo, célere e que preserve, na medida do possível, a maximização da riqueza social.214

Para que seja possível preservar os fatores de produção (capital, natureza, trabalho e

tecnologia) no processo de falência, não se admitem no Direito Concursal análises

meramente lógico-gramaticais ou formalistas de suas normas, muito menos se concebe

sejam elas consideradas e interpretadas de forma isolada e descontextualizada, sem

confrontá-las com as outras normas e princípios que orientam o próprio microssistema

falimentar e com as originárias de outros ramos do Direito (que interagem com o Direito

Concursal) e com as regras previstas na Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988.

Somente a partir dessa análise sistemática, hierarquizada e, acima de tudo, axiológica,

é que se poderá identificar uma solução adequada para os problemas surgidos na

aplicação da nova Lei de Falências, especialmente o que envolve o objeto desta

pesquisa.

Examinando dessa maneira a norma contida no inciso II, do art. 94, da Lei nº

11.101/2005, fica comprovado que o empresário demandado numa ação de execução

individual que deixar de pagar a dívida, de depositar o valor executado, e de oferecer

bens à penhora em quantia suficiente à garantia do juízo, deverá, sim, ser decretado

falido.

Isso porque, apesar de a nova regra do art. 736 do Código de Processo Civil facultar ao

executado a possibilidade de opor-se à execução por meio de embargos,

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148

independentemente da segurança prévia do juízo, as outras normas e princípios do

Direito Processual e do Direito Obrigacional determinam que o executado coopere com

a satisfação do interesse envolvido na ação de execução (proteção do direito do

credor), pagando o débito ou indicando bens à penhora. O mesmo entendimento se

aplica ao devedor que não paga a dívida e não oferece bens à penhora na execução de

sentença. Neste caso, com muito mais rigor, pois o título executivo foi formado sob o

crivo do contraditório, procedimento no qual o devedor teve a oportunidade de exercer

seu direito à ampla defesa.

Portanto, o executado que incide na hipótese do inciso II, do art. 94, da nova Lei de

Quebras está violando princípios e normas gerais de Direito Obrigacional (dever de

pagar sua dívida e de agir com boa-fé nas relações) e regras de Direito Processual

(dever de cooperação com a solução rápida do litígio), além de agredir norma

específica do Direito Concursal (proteção do crédito coletivo). Sem falar que essa

omissão do empresário devedor agride também princípios constitucionais que priorizam

a proteção da propriedade privada e da unidade produtiva (empresa), a segurança

jurídica e a defesa do crédito coletivo.

Além disso, não se pode deixar de considerar que a regra contida no inciso II, do art.

94, da Lei nº 11.101/2005 é norma específica anterior, de direito subjetivo, mais forte,

enquanto a regra inserida no art. 736, do Código de Processo Civil é norma geral

posterior, de direito adjetivo. Não bastasse todo o exposto, também é necessário

registrar que uma norma de natureza processual do Código de Processo Civil não pode

alterar a forma de caracterização de insolvência jurídica adotada pela Lei de

Recuperação e Falência de Empresas, uma vez que esta é uma regra de natureza

material.

Portanto, no confronto dessas duas normas, através do metacritério de solução de

antinomias visto neste capítulo, deve prevalecer a norma específica anterior (lex

posterior generalis non derogat priori speciali) de direito subjetivo, pois as duas são

214 VASCONCELOS, Ronaldo. Direito Processual Falimentar. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pág. 127.

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hierarquicamente consideradas leis ordinárias. Em colmatação de antinomias como

essas, deve o intérprete vislumbrar o Direito sob a ótica da especialidade para que

possa o sistema ser adaptado às necessidades sociais específicas da execução

concursal falimentar e que se possa alcançar Justiça.

Não se venha dizer que a referida interpretação permitiria a hipótese de o credor mover

uma execução injusta, baseada em título extrajudicial falso, já quitado, prescrito, etc.,

unicamente para obrigar o executado empresário a pagar, depositar ou nomear bens à

penhora, sob a ameaça de decretação de falência. Como o executado empresário não

teria a possibilidade de embargar a execução sem garantir previamente o juízo, poder-

se-ia pensar que o entendimento defendido violaria o princípio constitucional de ampla

defesa e o princípio da recuperação do empresário, que impedem seja a falência

utilizada somente como instrumento de satisfação de interesses meramente privados,

em suposto prejuízo da unidade produtora.

Na realidade, o empresário executado que comete a tríplice omissão na ação de

execução individual e fica sujeito à ação falimentar de iniciativa do credor, será citado

para se defender da pretensão contra ele deduzida no juízo concursal, podendo alegar

as mesmas defesas que teria direito de utilizar nos embargos à execução, facultando-

lhe ainda, a legislação, a possibilidade de realizar o depósito elisivo (art. 98, parágrafo

único, LRE215) e a possibilidade de pleitear a recuperação judicial (art. 95, LRE216).

Isso significa dizer que a falência somente será decretada em face do descumprimento,

pelo empresário, dos seus ônus de cooperar na satisfação da ação de execução

individual e de comprovar a elisão à presunção relativa de insolvência jurídica217 gerada

215 “Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.” 216 “Lei 11.101/2005. Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial.” 217 Merece ser registrado que o empresário terá na falência três meios para elidir a presunção de insolvência gerada pela prática da tríplice omissão na ação de execução civil individual, a saber: a) formulando pedido de recuperação judicial no prazo da contestação; b) realizando o depósito elisivo em

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pelo dispositivo legal objeto de análise, encargos esses que representam o dever do

empresário devedor de pautar-se pela boa-fé objetiva.

É importante esclarecer que a ação falimentar, nessas circunstâncias, não está sendo

utilizada somente para obtenção de interesses privados do credor, como forma de

coagir o pagamento da obrigação constante do título executivo. Bem diversamente,

trata-se de hipótese de configuração de falência em que o credor opta pelo caminho da

execução individual para cobrar seu crédito e se vê frustrado diante da inércia do

devedor.

Nesse caso, a ação falimentar é a única medida de Justiça, não só para o credor

diretamente lesado pela omissão do empresário devedor, como para todos os outros

agentes que gravitam em torno dessa atividade econômica em crise, na medida em que

os efeitos da insolvência empresarial são nefastos e abrangentes.

Não é demais reiterar que a falência nem sempre é um mal. Ao contrário, impedir seja

deflagrada a execução coletiva falimentar ou permitir seja retardo o seu início, sob o

argumento de que a recuperação do empresário deve ser priorizada sempre, é

compreender de forma míope o sistema criado pela nova Lei de Quebras.

Assim, a conclusão a que se chega é de que a norma do art. 94, inciso II, da Lei

11.101/2005, que cria uma presunção relativa de insolvência jurídica, não foi alterada

pelas novas disposições do Código de Processo Civil, devendo ser decretada a falência

do empresário que frustra a ação de execução individual pela tríplice omissão, a menos

que o devedor elida essa presunção nas formas estabelecidas na Lei de Quebras.

VERA HELENA DE MELLO FRANCO e RAQUEL SZTAJN comungam desse

entendimento. Confira-se:

tempo e modo oportunos; c) sustentando tese jurídica em sua defesa que demonstre que o inadimplemento ocorreu por relevante razão de direito.

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A norma do art. 94, inciso II, cuida, em inciso apartado, o III, das situações relevantes de execução do devedor aptas a transmudarem-se em pedido de falência quando o executado não paga e não nomeia bens à penhora dentro do prazo legal. O tratamento isolado de tais eventos tem fundamento, em presunção de incapacidade para o pagamento posto que, como enuncia Miranda Valverde, quem não paga nem nomeia bens a penhora no prazo legal estará, provavelmente, falido. Por outro lado, como se trata de ação de execução, o não pagamento no prazo legal dá lugar ao inadimplemento e, se tampouco nomeia bens à penhora, dentro do prazo legal estará autorizado o pedido de falência do devedor. Todavia a Lei nº 11.382/2006 alterou a redação da norma do art. 736 do CPC autorizando a propositura de embargos de devedor independente de penhora, depósito ou caução. Indaga-se se a nova redação, por qualquer forma, afetaria o entendimento do disposto na norma do art. 94, II, da LRE. O entendimento deve ser pela negativa, pois se não depositou o devido e nem nomeou bens à penhora, está demonstrada a precariedade da situação econômica do devedor, autorizando o pedido de falência na forma enunciada.218

Seguindo a mesma posição, MARIA CELESTE MORAIS GUIMARÃES COSTA sustenta

que “apesar das reformas introduzidas no CPC, entendemos que não há necessidade

de alterar-se a Lei nº 11.101/2005, no tocante ao que dispo o art. 94, inciso II”219.

Do exposto, é possível afirmar que a interpretação proposta neste trabalho permite a

realização de uma das finalidades mais importantes do novel Direito Concursal que é

exatamente visar à preservação da empresa (art. 75, LRE), entendida de forma

objetiva. Isto é, a frustração da execução individual pela prática da tríplice omissão

deve ser fator suficiente, por si só, para abertura do processo de falência, tendo em

vista as consequências nefastas que a crise do empresário pode gerar, especialmente

o perecimento dos fatores de produção.

218 FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Raquel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, págs.10/11. 219 COSTA, Maria Celeste Morais Guimarães. As alterações do Código de Processo Civil em matéria de execução e suas repercussões na nova Lei de Falências. Direito Falimentar Contemporâneo / Eduardo

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5 CONCLUSÃO

O tema-problema da pesquisa em epígrafe é a interpretação do dispositivo do inciso II,

do art. 94, da Lei nº 11.101/2005, diante das modificações introduzidas na Lei

Processual Civil no que toca à execução civil individual.

Apesar de essa norma da Lei de Quebras ter mantido praticamente inalterada a

redação da regra do revogado Decreto-Lei de Falências Concordatas e também devido

ao fato de seu conteúdo revelar-se claro e objetivo, quando se trata de decretar a

falência de um empresário é preciso verificar a melhor forma de interpretação do

dispositivo legal. Especialmente após a entrada em vigor da nova Lei de Recuperação e

Falência de Empresas que modificou sensivelmente o Direito Concursal.

A interpretação da citada norma revela-se ainda mais complexa, a partir das recentes

mudanças introduzidas na lei processual civil para a execução civil individual contra

devedor solvente.

Essas dificuldades não podem, entretanto, atrapalhar a célere instauração e o

adequado funcionamento da execução concursal falimentar, uma vez que os fatores de

produção (capital, natureza, trabalho e tecnologia) organizados pelo empresário devem

ser protegidos pela legislação.

Assim, foi realizada uma análise, no capítulo primeiro, sobre a regulamentação da

insolvência empresarial, passando-se pela evolução histórica do instituto no direito

brasileiro, examinando-se os diversos sistemas de caracterização de insolvência, bem

assim estudando a dicotomia existente entre a disciplina da insolvência civil e

empresarial. Nesse tópico, demonstrou-se a importância de a Lei de Falências utilizar

um critério presumido para caracterização da insolvência do empresário.

Goulart Pimenta ... [et al.]; coordenação de Moema A. S. de Castro e William Eustáquio de Carvalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008, págs. 201-219.

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153

No capítulo segundo, examinou-se a regulamentação do processo de execução civil,

discorrendo-se sobre as regras da execução civil individual no Código de Processo Civil

de 1973, tratando da onda de reformas da legislação processual brasileira e analisando

as mudanças trazidas à tona com a entrada em vigor da Lei nº 11.232/2005 (que trata

da execução por título judicial) e da Lei nº 11.382/2006 (que disciplina a execução por

título extrajudicial). Como foi demonstrado, as modificações foram realizadas com a

finalidade de tornar mais ágil a tramitação do processo de execução e de permitir maior

segurança no recebimento do crédito.

A partir dos elementos colhidos nesses capítulos, analisou-se, no capítulo terceiro, a

natureza das normas jurídicas envolvidas no aparente conflito entre as regras contidas

no Código de Processo Civil e a norma existente na Lei de Recuperação e Falências de

Empresas, para estabelecer uma forma de se interpretar adequadamente o citado

dispositivo do art. 94, inciso II, da Lei de Quebras. Verificou-se a noção de lacuna e de

antinomia jurídica, as suas classificações e os seus respectivos critérios de solução,

tudo a fim de permitir o adequado entendimento da questão em estudo. Comprovou-se,

neste tópico, que os princípios do Direito Processual (dever de cooperação), do Direito

Obrigacional (dever de pagar e de boa-fé) e do Direito Falimentar (proteção ao crédito)

exigem a decretação de falência do empresário que pratica a tríplice omissão na

execução civil individual, bem como foi demonstrado que esse entendimento está em

harmonia com os ditames da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de

1988 (proteção à propriedade privada e à unidade produtiva).

Diante da pesquisa realizada, conclui-se que o critério presumido de caracterização de

insolvência do empresário previsto na norma contida no inciso II, do art. 94, da Lei nº

11.101/2005 não sofreu modificação em razão das mudanças ocorridas na lei

processual civil. Uma vez praticada a tríplice omissão na execução civil individual, o

empresário devedor está sujeito a ter sua falência decretada sem que seja necessário

provar-se a sua insolvabilidade.

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