o regime constitucional do precatório judicial

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Agapito Machado Junior

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  • 37

    1.INTRODUO

    O presente estudo tem o escopo de demonstrar

    como se realiza o pagamento dos dbitos estatais

    mediante o regime constitucional do precatrio.

    Sendo o ente pblico titular de direitos e obrigaes

    na ordem jurdica, ter-se-o relaes jurdicas travadas

    entre aquele e o grupo social. Em decorrncia, algumas

    das obrigaes do ente pblico em favor do grupo social,

    acaso no sejam espontaneamente cumpridas,

    ensejaro o controle jurisdicional no sentido a

    reconhecer a pretenso individual (formalizando um

    ttulo executivo) ou mesmo para efetivar a pretenso j

    reconhecida em ttulo com fora executiva.

    Destarte, verificar-se- que quando a execuo

    tiver por contedo a obrigao de dar quantia certa (em

    dinheiro), ser iniciada a execuo contra a Fazenda

    Pblica, processo especial de execuo atravs do qual

    o ente pblico, sem sofrer constrio patrimonial,

    prestar o valor devido em favor do credor. Tal processo

    especial visa a garantir a regular manuteno do

    programa oramentrio do ente pblico, o qual seria

    prejudicado com a necessidade de imediata retirada de

    recursos pblicos j destinados satisfao de

    determinadas necessidades coletivas.

    Objetiva-se, portanto, justificar, conceituar e

    delimitar o regime especial de pagamento dos dbitos

    (em dinheiro) da Fazenda Pblica. Nesse sentir, o

    precatrio seria o processo administrativo formalizado

    junto ao Tribunal Judicirio respectivo, resultante da

    execuo contra a Fazenda Pblica, cujo objetivo seria

    requisitar Fazenda Pblica devedora a incluso do

    montante devido ao credor na lei oramentria para ser

    pago no exerccio financeiro seguinte, sem traumas na

    continuidade da prestao dos servios pblicos

    coletividade.

    Sero analisados institutos elementares de Direito

    Financeiro, notadamente conceitos de despesa, dotao

    oramentria e lei oramentria anual, os quais sero de

    grande aplicao na implementao da requisio de

    pagamento feita pelo Poder Judicirio Fazenda Pblica

    devedora.

    Evidenciar-se- uma viso geral de como o ente

    pblico devedor faz chegar aos poder do credor o valor

    que lhe devido a titulo de execuo por quantia certa,

    ficando delineados: o processo de execuo contra a

    Fazenda Pblica (processo jurisdicional), o processo do

    precatrio junto ao Tribunal Judicirio respectivo

    (processo administrativo) e o processo oramentrio

    (incluso do montante devido na lei oramentria).

    Buscar-se-, por fim, situar o regime do precatrio

    em sua real e vlida amplitude, de modo a no se

    infirmarem outros valores constitucionais igualmente

    protegidos.

    2. A EXECUO CONTRA A FAZENDA PBLICA

    Na ordem jurdica ptria, todas as pessoas so

    capazes de direito e deveres (art.1, do C.C), sendo certo

    que as pessoas podem ser naturais ou jurdicas. As

    ltimas por sua vez, podem ser de direito privado

    (associaes, sociedades e fundaes art.44, do C.C)

    ou de direito pblico externo (entes soberanos ou

    entidades regidas pelo Direito Internacional art.42, do

    O REGIME CONSTITUCIONAL DO PRECATRIO JUDICIAL

    Uma abordagem financeira do instituto do precatrio

    Agapito Machado Jnior

    Procurador Federal

    Ex-procurador do Estado do Piau

    Professor da FIC

    Especialista em Direito Pblico pela UNIFOR

    Especialista MBA em Direito Constitucional pela UCAM

    Mestrando em Direito Constitucional pela UFC

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    partes a imutabilidade dos efeitos da deciso (coisa

    julgada), ofertando o mximo de segurana jurdica

    reconhecida pelo Estado dentro do ordenamento.

    Ademais, e por vezes, o Estado-Legislador j

    admite certos direitos que em vista do ttulo que os

    constituiu, os quais j gozariam de certeza, liquidez e

    exigibilidade, sendo dispensvel a manifestao do juiz

    acerca da lide em si, sendo vivel j implementar bem da

    vida ao credor, seriam os ttulos executivos extrajudiciais.

    Reconhecido pelo Poder Judicirio o direito do

    particular, e por sua vez, o dever do ente pblico em

    prestar algo a seu favor, caber ao ltimo cumprir

    espontaneamente o comando da norma jurdica

    concretizada pela deciso judicial, ou havendo ainda

    renitncia por parte do reconhecido devedor em no

    faz-lo, dar-se-ia o direito da parte credora em pedir ao

    Estado-Juiz a tutela jurisdicional executiva que nada

    mais do que a efetivao do direito reconhecido em

    ttulo executivo judicial ou extrajudicial. Nesse sentido:

    seja, porm qual for a modalidade de execuo, haver

    sempre a caracterstica de visar o processo efetivao

    da sano a que se acha submetido o devedor. Em

    quaisquer dos casos, no se cuida de esclarecer a

    situao litigiosa, mas apenas de realizar praticamente a

    prestao a que tem direito o credor e a que est

    comprovadamente obrigado o devedor, seja por

    condenao em prvio processo de cognio, seja pela

    existncia de um documento firmado por ele, a que a lei 2

    confira fora executiva.

    Execuo Judicial, portanto, a atividade

    jurisdicional desenvolvida para fazer cumprir a obrigao

    j reconhecida em ttulo pelo Estado, constrangendo o

    devedor a prestar o objeto (bem da vida) em favor do

    credor.

    A depender da natureza da prestao (bem da vida)

    devida pelo ente pblico e reconhecida pelo ttulo

    executivo, a forma de execuo do direito do credor

    poder se dar de formas diferentes no caso de prestao

    de fazer, no fazer e dar, conforme a lei processual.

    Assim como, em razo da especial caracterstica do

    devedor, haver um meio especial de execuo da

    obrigao.

    O Estado quando assume a condio de devedor,

    poder ser obrigado judicialmente a uma prestao de

    C.C) ou de direito pblico interno (entidades autnomas

    da Federao e entidades regidas por regime jurdico

    especial de carter pblico art.41, do C.C).

    Nesse sentir, enquanto pessoa, aqui visto no

    sentido geral apto a abranger cada ente poltico da

    Federao com seus respectivos rgos (Administrao

    Direta), as entidades de direito pblico (autarquias, nelas

    inseridas as fundaes de direito pblico), e as entidades

    de direito privado atribudas ao Estado (empresas

    pblicas, fundaes e sociedade de economia mista), o

    Estado titular de direito e obrigaes na ordem jurdica.

    Por conseguinte, o Estado para atender aos seus

    objetivos fundamentais de prestar funes, bens e

    servios em proveito da coletividade (art.3, da CF/88),

    necessariamente desenvolver uma srie de relaes

    jurdicas as quais deflagraro direitos e obrigaes em

    face ao grupo social. A obrigao nesse sentido o

    vnculo de direito pelo qual algum (sujeito passivo) se

    prope a dar, fazer ou no fazer qualquer coisa (objeto), 1

    em favor de outrem (sujeito ativo).

    Portanto, a norma jurdica ou o acordo de vontades

    atribudo ao Estado pode criar relaes jurdicas as quais

    demandaro ao mesmo certas obrigaes de prestar ao

    particular ou ao grupo social um dado objeto (bem da

    vida) consistente em fazer, no fazer e dar.

    Quando no for observada pelo ente pblico a

    obrigao que lhe fora atribuda pela norma jurdica ou

    pelo acordo de vontades firmado, surge para o particular

    lesionado o direito de obter a prestao devida, podendo

    submeter a vontade do Estado ao seu interesse, o que

    se pode entender por pretenso (art.189 do C.C).

    Resistindo o Estado a tal pretenso, ou seja, no

    aceitando em se submeter ao interesse do particular,

    deflagra-se a lide, ou seja, o conflito de interesses

    qualificado por uma pretenso resistida, o que, por sua

    vez, denota o surgimento do direito de ao, ou seja, o

    poder de submeter tal conflito ao exame do Estado-Juiz

    mediante o exerccio da funo jurisdicional (art.5,

    XXXV, da CF/88).

    Caber, pois ao Estado-Juiz, conhecer o conflito,

    interpretar o direito objetivo e decidir a quem caber o

    bem da vida disputado. A funo do Estado neste caso,

    acaso se pronuncie sobre o conflito em torno do bem da

    vida (pedido mrito), ter a fora de proporcionar s

    1

    RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. So Paulo: Saraiva, Vol.2, 24 ed., 1996, p.04.

    2

    THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, Vol. II, 30 ed., 2000, p.16.

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    2

    1

    fazer, no fazer e dar (coisa ou quantia).

    Especificamente no caso da obrigao de dar quantia

    certa, conforme se demonstrar a seguir, h um mtodo

    especial de se efetivar a obrigao estatal, de tal forma

    que os recursos financeiros utilizados pelo Estado a fim

    de realizar o bem comum, sejam cautelosamente geridos

    para quitao de tal dbito judicial, a execuo contra a

    Fazenda Pblica. O termo Fazenda Pblica

    empregado aqui indicando a pessoa jurdica de direito

    pblico interno que est na condio de devedor

    reconhecido por ttulo que o prprio Estado atribui a fora

    executiva. O termo usado numa aluso pessoa

    jurdica de direito pblico quando em juzo, notadamente

    em razo da situao de requisio judicial dos recursos

    pblicos (a fazenda) do Estado.

    Assim, surge a chamada Execuo contra a

    Fazenda Pblica: trata-se de procedimento especial,

    agasalhado pelo arts.730 e 731 do CPC, tocante s

    execues por quantia certa contra a Fazenda Pblica.

    No tendo o rito prprio da execuo forada, uma vez

    que no contempla penhora e arrematao, efetiva-se

    atravs de mera requisio de pagamento, que o Poder 3

    Judicirio faz ao Poder Executivo, via precatrios.

    Em essncia, a execuo forada consiste na

    realizao do direito previsto em ttulo executivo

    independentemente da vontade do executado, atuando

    a funo jurisdicional do Estado sobre o patrimnio do

    devedor (penhora e arrematao) visando a expropri-lo

    (art.646 do CPC). Na Execuo contra a Fazenda

    Pblica assim no se d, no h ato de constrio

    patrimonial, o ente pblico no citado para nomear

    bens a penhora, nem haver efetiva expropriao de

    bens pblicos. Na verdade, dada a indisponibilidade dos

    bens pblicos, a execuo implicar ordem de incluso

    do dbito em lei oramentria do ente pblico devedor,

    para ser pago no exerccio financeiro seguinte. Note-se

    que ainda que o ente pblico quisesse pagar, no

    poderia faz-lo de imediato, pois as despesas devem

    estar necessariamente previstas em lei oramentria

    (art.167, I, da CF/88).

    O objeto do presente estudo justamente analisar

    como o Estado devedor disponibiliza e cumpre a

    obrigao cuja prestao consiste em dar quantia certa

    em favor do credor.

    2.1. Responsabilidade Civil do Estado

    Ao longo da histria da humanidade sempre se

    fizeram presentes certos mecanismos reguladores da

    convivncia em sociedade, dentre os quais o Direito,

    verdadeiro instrumento de definio de condutas sociais

    valoradas, o qual necessitava de uma fora capaz de

    faz-lo ser observado. Surge a idia de poder poltico ou

    a fora capaz de alterar as condutas do grupo social.Tal

    poder poltico esteve ao longo da Histria nas mos de

    nica pessoa ou de grupos de pessoas, e mais

    recentemente, pelo menos no plano jurdico-ideolgico,

    nas mos da prpria coletividade (Estado Democrtico

    de Direito).

    Os Estados Antigos ou as civilizaes da

    Antiguidade eram agrupamentos humanos em que uma

    pessoa ou um pequeno grupo de pessoas privilegiadas

    detinha o poder poltico, ou seja, a capacidade de criar e

    impor condutas sociais. As aes dos detentores do

    poder poltico perante o grupo social, ainda que danosas

    ou prejudiciais, no eram passveis de qualquer

    reprimenda, haja vista o carter at divino a elas

    atribudo.

    A seguir, outra forma de organizao social se

    originou, sem, contudo, existir qualquer possibilidade de

    limitao ou reivindicao do grupo social perante os

    detentores do poder poltico, era o Estado Feudal,

    momento em que o poder poltico era diludo entre

    pequenos grupos ou castas sociais.

    Posteriormente, no Estado Absolutista, como o

    prprio nome sugeria, havia o exerccio do poder poltico

    por um monarca ou senhor absoluto, o qual detinha a

    capacidade ilimitada de ditar e impor condutas sociais,

    muitas das quais provocavam danos aos particulares.

    Era o auge da irresponsabilidade poltica, com a mxima

    de que o Rei no pode errar.

    Aps um lento processo histrico o grupo social,

    em especial uma parte da sociedade, a burguesia, que

    detinha o poder econmico (fator real do poder), obteve

    xito de pr limites atividade poltica, surgindo a noo

    de Estado Moderno ou Estado de Direito (modelo

    Liberal), o qual foi institucionalizado atravs de uma

    deciso poltica fundamental para organizar a vida em

    sociedade, reconhecendo, contudo, limites em sua

    atividade, os quais seriam identificados como os direito e

    garantias fundamentais.

    3

    SILVA, De Plcido e. Vocabulrio Jurdico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 17 ed. rev. e atual. 2000, p.334.

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    Diante da nova postura do grupo social perante o

    detentor do poder poltico, o Estado, o qual se atuava

    politicamente mediante mandatrios da coletividade,

    passou a ter deveres reconhecidos em face do grupo

    social, dentre os quais, o de responder por seus atos que

    causassem danos aos particulares, surgindo o esboo da

    responsabilidade civil do Estado, que a princpio seria

    subjetiva (dependendo da prova da culpa ou dolo do

    agente pblico; e da culpa do servio), mas evoluiria para

    idia da responsabilidade objetiva com fundamento no

    Risco Administrativo, chegando mesmo a idias mais

    avanadas como a Teoria do Risco Integral, sendo que

    em ambas, para fins de indenizao, torna-se

    despicienda a prova do dolo ou da culpa do Estado.

    Outrossim, o desiderato do Estado Moderno se

    perfaz quando tal exercita atividades (funes polticas)

    em busca de atender aos objetivos definidos na

    Constituio (art.3, da CF/88), situao que se

    implementa necessariamente em constante interao

    com a coletividade, momento em que relaes jurdicas

    so travadas, e comumente, alm de proveitos (bens e

    servios pblicos) alguns danos aos particulares so

    inevitveis.

    Nessa tica, a Teoria do Risco Administrativo

    demonstrou-se ser a mais adequada realidade do

    Estado Moderno, tendo em vista as atividades por aquele

    desenvolvidas em favor do bem comum (objetivo maior).

    Portanto, tendo em conta a necessidade ou o mister do

    Estado em atuar (prestando servios e bens) em

    constante interao com o grupo social, tal situao,

    apesar dos proveitos resultantes, certamente deflagraria

    os riscos de leses ou danos aos particulares, que

    mereceriam ser indenizados, porm, a prpria

    coletividade beneficiria da atividade estatal deveria, por

    sua vez, compartilhar tal repercusso financeira.

    Hodiernamente, portanto, sob o fundamento da

    Teoria do Risco Administrativo (art.37, pargrafo 6, da

    CF/88 c/c art.43 e p.u, do art.927 do C.C), o Estado tem o

    escopo fundamental de garantir o bem comum, o que se

    traduz no atendimento a certos valores como a ordem, a

    paz, o progresso, os quais sero satisfeitos atravs da

    prestao servios e fornecimento de bens por parte do

    ente pblico, mas, em contrapartida, a coletividade

    beneficiria de tais aspectos dever compartilhar

    qualquer possvel prejuzo ou dano que o Estado

    provoque a indivduo ou a grupo social: O Estado, ao ser

    condenado a reparar os prejuzos do lesado, no seria o

    sujeito pagador direto; os valores indenizatrios seriam

    resultantes da contribuio feita por cada um dos demais

    integrantes da sociedade, a qual, em ltima anlise, a 4

    beneficiria dos poderes e das prerrogativas estatais.

    Sob o aspecto do dano causado aos particulares

    (coletividade) em decorrncia da atuao do Estado tem-

    se que este poder resultar de uma atividade estatal lcita

    ou ilcita. As atividades lcitas estatais que causem dano a

    particular por vezes sero indenizadas (Ex:

    desapropriao) ou no (Ex: confisco art.243 da CF/88),

    tudo a depender da justificativa legal que as provocou. As

    atividades ilcitas estatais sempre devero indenizadas,

    por j no mais se admitem atos abusivos ou no

    justificados na idia de Estado de Direito: a noo de que

    o Estado era o ente todo poderoso, confundida com a

    velha teoria da intangibilidade do soberano e que o

    tornava insuscetvel de causar danos e ser responsvel,

    foi substituda pela do Estado de Direito, segundo a qual

    deveriam ser a ele atribudos os direito e deveres comuns 5

    s pessoas jurdicas.

    Diante de um prejuzo ou dano causado a particular

    em decorrncia de atividade estatal que a norma atribua

    o dever de indenizar, caber ao Estado prontamente

    cumprir seu dever e pagar ao particular o montante

    devido. O dever de indenizar decorre da norma jurdica,

    da a necessidade de se interpret-la adequadamente,

    sendo que tal situao poder ser reconhecida

    espontaneamente ou no pelo Estado (Administrao

    Pblica).

    Por vezes, diante de possvel dvida diante do

    dever de indenizar, que provoque uma lide entre o

    particular prejudicado e o Estado-Administrador, dever

    se fazer presente o Estado-Juiz para dar a interpretao

    final sobre o assunto.

    O Poder Judicirio, apesar de comumente ser

    rgo integrante do ente estatal causador do dano, ser

    provocado para decidir se h ou no dever do Estado em

    pagar o particular em razo de dano provocado, isso em

    razo da natureza peculiar de sua funo primordial que

    a jurisdio e das prerrogativas constitucionais que so

    asseguradas ao julgador para ser imparcial.

    Ressalte-se que no somente nos casos de 6

    indenizao , a qual se traduz como uma espcie de

    5

    Idem, p.428.

    6

    A sano aplicvel no caso de responsabilidade civil a indenizao, que se configura como o montante pecunirio que representa a reparao dos prejuzos causados pelo

    interessado Ibidem, p.427.

  • 41

    2

    1

    prestao oriunda de obrigao de dar, mas diante de

    qualquer obrigao jurdica assumida pelo Estado que

    enseje o dever de ofertar a prestao devida (obrigao

    de dar, fazer ou no fazer), caber ao Poder Judicirio

    interpretar e impor se h tal obrigao em desfavor do

    Estado.

    2.2. Da impenhorabilidade dos bens e servios

    pblicos prevalncia do interesse pblico sobre o

    particular

    Todo devedor reconhecido por ttulo executivo

    estar obrigado prestao de fazer, no fazer ou dar

    (coisa ou quantia).

    Tratando-se de prestao de dar quantia certa, o

    ordenamento atribui ao Estado-Juiz o poder de

    constranger o patrimnio do devedor para obter dele o

    valor pecunirio necessrio satisfao do credor.

    Assim, o patrimnio do executado a garantia do

    cumprimento ou solvibilidade das obrigaes por ele

    assumidas, conforme resulta do art.591 do CPC. O

    patrimnio do devedor, portanto estar afetado ao

    pagamento do montante previsto no ttulo executivo, de

    tal forma que o proprietrio j no mais poder do mesmo

    dispor sem autorizao legal ou judicial para tanto, sob

    pena de praticar ilcito processual (art.593, art.600, I e

    art.601 do CPC), civil (art.927 do C.C) e penal (art. 179 do

    CP). O ato processual que constrange o patrimnio do

    devedor afetando-o quitao da dvida a penhora:

    (...) ato de natureza constritiva que, no processo, recai

    sobre bens do devedor para propiciar a satisfao do

    credor no caso do no-cumprimento da obrigao. O

    bem sob penhora pode ser alienado a terceiros para que

    o produto da alienao satisfaa o interesse do credor.

    Os bens pblicos, porm, no se sujeitam ao regime da

    penhora, e por esse motivo so caracterizados como 7

    impenhorveis.

    Restou verificado que o Estado Moderno tem

    obrigaes em favor da coletividade, o que implica o

    dever-poder de prestar certos servios e bens para

    satisfao das necessidades sociais (bem comum),

    sendo certo, porm, que o mesmo para cumprir tal

    desiderato precisa dispor de recursos pblicos (bens e

    valores).

    Nas obrigaes de dar quantia certa, o que implica

    haver um ttulo executivo imputando ao Estado a

    condio de devedor, o qual dever pagar o credor em

    dinheiro (pecnia), temos um processo executivo

    especial, conforme se verificou.

    A especialidade de tal processo executivo implica o

    Estado-devedor ser tratado de forma distinta do devedor

    comum, o que decorre da necessria e melhor

    interpretao do Princpio da Isonomia (art.5, da CF/88),

    o que sugere a prevalncia do interesse pblico. Nesse

    sentir, no haver na execuo por quantia certa contra o

    Estado, diferentemente do que ocorre diante de devedor

    particular, a penhora de bens ou valores pblicos (so

    bens impenhorveis), haja vista a necessidade maior de

    tais bens e valores estarem sendo aplicados ou

    empregados na satisfao das necessidades coletivas.

    Destarte, sabendo que o ente pblico para atingir o

    bem comum (objetivo maior) necessita ter recursos e

    bens para dispor, no seria razovel se aceitar que o

    prprio Estado-Juiz, dentro de um processo executivo,

    procedesse penhora dos bens pblicos, sob pena dos

    servios pblicos essenciais coletividade cessarem, o

    que denotaria sria violao ao interesse pblico (bem

    comum), notadamente ao Princpio da Continuidade do

    Servio Pblico: Os servios pblicos buscam atender

    os reclamos dos indivduos em determinados setores

    sociais. Tais reclamos constituem muitas vezes

    necessidades prementes e inadiveis da sociedade. A

    conseqncia lgica desse fato o de que no podem os

    servios pblicos ser interrompidos, devendo, ao 8

    contrrio, ter normal continuidade.

    Por conseguinte, a prpria Constituio (art.100),

    somada legislao pertinente, tratou da forma especial

    como o Estado deveria quitar tais dbitos, j que no

    seria razovel penhorar os bens pblicos, eis o objeto do

    presente estudo: o regime constitucional do precatrio

    judicial.

    Neste primeiro momento, restou evidente que

    numa poss ve l tenso en t re do is va lo res

    constitucionalmente protegidos, a saber: o direito do

    credor em receber sua indenizao (propriedade

    individual) e o dever-poder do Estado-devedor em

    satisfazer as necessidades coletivas (interesse pblico),

    deve-se prezar o ltimo, sem, contudo, aniquilar-se o

    primeiro. uma opo poltica brasileira, portanto, o

    regime do precatrio.

    7

    Ibidem, p.874.

    8

    Ibidem, p.21.

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  • 42

    3. DO REGIME CONSTITUCIONAL DO PRECATRIO

    JUDICIAL.

    Pode-se entender por regime constitucional do

    precatrio judicial o conjunto de normas constitucionais

    que tratam da maneira especial de como o Estado, sem

    sofrer penhora de seus bens diante de um ttulo executivo

    imputando-lhe a obrigao de dar quantia certa, assume

    a posio de devedor e efetiva o pagamento de tal

    montante em dinheiro.

    Novamente aqui de se considerar que o interesse

    pblico consistente na afetao dos recursos e dos bens

    pblicos prestao de servios essenciais

    coletividade denota o tratamento distinto do ente pblico,

    enquanto executado, em relao ao devedor comum,

    situao esta que no fere a clusula da isonomia, mas

    ao contrrio, a afirma.

    A anlise de tais normas deve se dar de forma

    coerente com o sistema constitucional, notadamente em

    relao s normas relativas atividade financeira do

    Estado, haja vista a necessidade de se entender como se

    implementa o real pagamento ao credor (despesa

    pblica).

    Mister ainda esclarecer que o regime do precatrio

    sofreu profundas modificaes por emendas

    constituio (EC n20/98, 30/00 e 37/02), o que ser

    analisado oportunamente, mas desde j se compartilha o

    sentimento de obscuridade jurdica acerca do assunto,

    tendo em conta as recentes modificaes ocorridas, o

    que sequer permitiu um maior debate na doutrina e

    jurisprudncia ptrias.

    3.1. Da ordem judicial de incluso para pagamento.

    Havendo um ttulo executivo imputando ao ente

    pblico a condio de devedor de quantia certa, dentro

    de um processo de execuo, a entidade pblica

    devedora ser citada para embargar em 10 dias. No caso

    de no apresentao dos embargos do devedor, ou em

    razo da insubsistncia dos mesmos, o que s confirma a

    viabilidade da execuo promovida, dever o juiz da

    execuo, atravs do Presidente do Tribunal respectivo,

    requisitar Fazenda Pblica (Unio, Estados, DF,

    Municpios e suas autarquias) a obrigatria incluso do

    montante devido na sua lei oramentria, para fins de

    pagamento, na ordem de apresentao de tais

    requisies (ordens judiciais), e conta do respectivo

    crdito em lei a ser previsto, tudo conforme art.730, I e II, 9

    do CPC.

    Ressalte-se que Fazenda Pblica refere-se

    pessoa jurdica de direito pblico, no que no se incluem

    as empresas pblicas, sociedades de economia mista e

    fundaes governamentais de direito privado.

    Verificou-se que somente em caso de no

    apresentao dos embargos do devedor ou de

    insubsistncia dos mesmos se poder falar em

    requisio de incluso em lei oramentria da entidade

    pblica devedora. Portanto, apesar de no serem

    exatamente o cerne do presente estudo os aspectos

    processuais, vale aqui uma pequena considerao.

    Estabelece o art.475 do CPC o duplo grau

    obrigatrio para as decises desfavorveis Fazenda 10

    Pblica.

    Os embargos do devedor so entendidos pela

    melhor doutrina como verdadeira ao de conhecimento

    incidental ao de execuo. Portanto, extrai-se que

    quando ocorrer uma execuo contra a Fazenda Pblica

    onde a mesma tiver embargado, a improcedncia do

    pedido dos embargos no levar imediata expedio

    da ordem de precatrio, pois mister ser a confirmao

    da deciso pelo tribunal competente, conforme art.475, I,

    do CPC (duplo grau obrigatrio).

    Polmica se d, entretanto, quando se tratar de

    deciso de improcedncia dos mesmos embargos j em

    segundo grau (no provimento da apelao ou do

    reexame necessrio), ou seja, poder ser expedido o

    precatrio antes do trnsito em julgado da deciso

    proferida contra a Fazenda Pblica em sede de

    embargos?

    Para parte da doutrina e da jurisprudncia, em

    razo da inexistncia de efeito suspensivo para o

    eventual recurso especial ou extraordinrio (art.497 c/c

    art.542, 2 do CPC), a execuo poderia ser imediata

    atravs da requisio da quantia devida (expedio do

    precatrio judicial), antes mesmo do trnsito em julgado

    9

    Art.730 Na execuo por quantia certa contra a Fazenda Pblica, citar-se- a devedora para opor embargos em 10(dez) dias; se esta no os opuser, no prazo legal, observar-se-o

    as seguintes regras: I o juiz requisitar o pagamento por intermdio do presidente do tribunal competente; II far-se- o pagamento na ordem de apresentao do precatrio e conta

    do respectivo crdito.

    10

    Art.475 Est sujeita ao duplo grau de jurisdio, no produzindo efeito seno depois de confirmada pelo tribunal, a sentena: I proferida contra Unio, o Estado, o Distrito Federal,

    o Municpio, e as respectivas autarquias e fundaes de direito pblico.

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    1

    semelhante ao que ocorre em execuo provisria

    (art.587 do CPC).

    Data maxima venia, no parece ser esta a melhor

    soluo conforme resulta do prprio texto constitucional

    em seu art.100, 1, que reclama para expedio do

    precatrio a sentena judicial transitada em julgado.

    Num primeiro momento, talvez se pudesse pensar

    que a deciso transitada em julgado referida no 1 do

    art.100 da CF/88 fosse aquela proferida em processo de

    conhecimento, a qual ensejou a consubstanciao do

    ttulo executivo judicial contra o ente pblico. Contudo,

    partindo-se para uma anlise mais profunda e

    sistemtica da execuo contra a Fazenda Pblica,

    verifica-se que a lei processual quando tratou da

    execuo por quantia certa contra entidade pblica, no

    afastou a execuo por ttulo extrajudicial, tanto

    verdade que os tribunais tm admitido o regime do

    precatrio para execuo por quantia certa com base em

    ttulo extrajudicial.

    Nesta tica, e sabendo-se que com mais razo na

    execuo com base em ttulo executivo extrajudicial,

    justamente porque o devedor ainda no teve a

    oportunidade (contraditrio e ampla defesa art.5, LIV e

    LV da CF/88) de refutar a pretenso do credor (lide), o

    executado poder alegar em seus embargos todas

    matrias afetas ao art.741 do CPC como tambm

    qualquer outra que lhe seria lcito deduzir como defesa no

    processo de conhecimento (art.745 do CPC), seria

    razovel se identificar que a deciso a transitar em

    julgado para fins de precatrio realmente fosse a

    proferida nos embargos do devedor.

    Portanto, sob pena de se excluir o credor que

    disponha de titulo executivo extrajudicial do contraditrio

    e amplo direito de defesa, ferindo o devido processo

    legal, a deciso transitada em julgado exigida pelo

    constituinte s poder ser a proferida nos embargos

    execuo, a qual inclusive far coisa julgada, pois se

    trata de ao de conhecimento incidental, sujeita

    inclusive ao duplo grau como se viu.

    Logo, quando interpostos recursos especial e/ou

    extraordinrio no deve ser expedido o precatrio sob

    pena de desrespeito ao preceito constitucional (art.100,

    1), assim como ao devido processo legal, notadamente

    ao direito de ampla defesa da Fazenda Pblica com

    todos os recursos a ela inerentes, bem como, ao direito

    de propriedade do executado.

    Note-se ainda: diferentemente do que ocorre na

    execuo contra particular onde vivel a execuo

    provisria e o prprio cdigo prev que esta no implicar

    transferncia de domnio (art.588, II, do CPC), haja vista

    que os atos de constrio judicial vo somente at a

    penhora, no se chegando arrematao (venda efetiva,

    na execuo), em verdade sabido que contra a

    Fazenda Pblica no h penhora ou transferncia

    forada de bens (h uma execuo imprpria).

    Por isso, quando o precatrio expedido e a

    quantia requisitada a Fazenda Pblica, tal situao

    irreversvel, pois j ser aprovada em lei a dotao

    oramentria necessria ao pagamento do dbito, e

    ainda mais hoje, atravs da EC n30/00, onde a quantia j

    vem no oramento do prprio Poder Judicirio (art.168,

    da CF/88), motivo pelo qual a verba ficaria disposio

    do Poder Judicirio, no podendo ser estornada ao

    Tesouro Pblico em caso de eventual sucesso dos

    recursos especial e/ou extraordinrio interpostos pela

    Fazenda Pblica.

    Portanto, pendente de recurso (seja qual for o efeito

    recebido do mesmo) os embargos do devedor ajuizados

    pela Fazenda Pblica, mister esperar o trnsito em

    julgado para ser expedido o precatrio, em que pesem

    opinies em sentido contrrio.

    D-se, pois o nome de precatrio a tal ordem ou

    requisio judicial, que consiste em verdadeiro

    mandamento de interveno do Poder Judicirio sobre o

    Poder Executivo (Administrao Pblica), ou seja, ordem

    a ser cumprida, e no mero comunicado ou simples

    solicitao, em plena referncia ao sistema de freios e

    contrapesos absorvido pela separao dos poderes ou

    funes estatais (art.2, da CF/88): Precatrio tambm

    , no Direito Processual, a carta de sentena remetida

    pelo juiz da causa ao Presidente do Tribunal para que

    este requisite ao Poder Pblico, mediante previso na lei

    oramentria anual, o pagamento de quantia certa para

    satisfazer obrigao decorrente da condenao das 11

    pessoas polticas, suas autarquias e fundaes.

    A ordem judicial tem natureza mandamental e no

    exatamente executria (constritiva do patrimnio

    pblico), pois a Fazenda Pblica a cumpre, de vontade

    prpria, ainda que sob a ameaa de sanes legais

    (execuo imprpria ou indireta). Na execuo forada a

    11

    De Plcido e Silva in Vocabulrio Jurdico, Forense, 17 edio, RJ-2000, p.627.

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    1

    vontade do devedor indiferente, na execuo imprpria

    a vontade do devedor essencial.

    Note-se, portanto, que o juiz da execuo, por

    provocao do credor, uma vez que o ato no de ofcio,

    mediante o Presidente do Tribunal, requisita no o

    imediato pagamento do dbito, mas a incluso do

    montante devido ao credor na lei oramentria da pessoa

    pblica devedora para ser pago no exerccio financeiro

    seguinte. Tal situao se d para efeito do pagamento ser

    efetuado dentro do programa financeiro do Estado do

    ano vindouro (exerccio financeiro seguinte), sem

    rupturas bruscas na continuidade do programa

    oramentrio do ano corrente ao da expedio da ordem

    judicial, tudo de modo a preservar a satisfao dos

    interesses coletivos os quais poderiam ser ameaados

    pela imediata satisfao de interesse particular (credor).

    Importante ainda registrar que a prpria CF/88, j

    prevendo a dificuldade prtica em se inserir a novel

    despesa no oramento do ano vindouro, imps como

    limite temporal apresentao dos precatrios s

    Fazendas Pblicas o dia 1 de julho, para efeito de se

    efetuar o pagamento no exerccio financeiro seguinte.

    Acaso no d tempo do precatrio chegar entidade

    devedora at o dia 1 de julho de determinado ano, isto

    implicar na incluso do valor devido apenas no

    oramento do exerccio financeiro posterior ao do ano

    seguinte (atraso de pelo menos um exerccio financeiro).

    Na prtica, tem sido atribuda ao juzo da execuo

    a demora em enviar para o Tribunal respectivo a ordem

    de precatrio com as peas necessrias sua

    formalizao, situao esta que impede a observncia da

    data de 1 de julho para conhecimento da Fazenda

    Pblica devedora, em pleno prejuzo ao credor, que

    agora dever esperar dois exerccios financeiros para

    receber seu valor.

    3.2. Da seqncia cronolgica dos precatrios

    judiciais

    O prprio ordenamento ptrio (art.100, da CF/88 c/c

    art.730, II, do CPC) mostrou grande preocupao em

    garantir um acesso isonmico e justo dos credores da

    Fazenda Pblica aos montantes devidos a ttulo de

    precatrio judicial, o que confirma a indisponibilidade do

    interesse pblico, em especial a plena ateno aos

    princpios da impessoalidade e da moralidade (art.37, da

    CF/88), pois no haver critrios subjetivos ou escusos

    na ordem de pagamento.

    O critrio vetor, portanto, para efeito de prioridade

    de pagamento a credor da Fazenda Pblica ser a ordem

    cronolgica de apresentao dos respectivos precatrios

    judiciais. Tal escolha de critrio de pagamento se

    mostrou to salutar que o prprio constituinte atribuiu ao

    credor preterido na ordem cronolgica de pagamento o

    extremo remdio sancionador de obter o seqestro de

    bens e valores pblicos, medida esta a ser requerida

    diretamente ao Presidente do Tribunal de onde emanou a

    requisio.

    Na medida em que os ofcios dos juzes de primeiro

    grau, devidamente instrudos com as cpias das peas

    processuais aptas a consubstanciarem o processo de

    precatrio, chegam ao Tribunal respectivo, l sero

    autuados e recebem um nmero de protocolo (processo

    administrativo). Portanto, atravs da formalizao e do

    nmero de protocolo dos processos nos tribunais que se

    garante a ordem cronolgica dos precatrios exigida pelo

    constituinte.

    3.3. Dos precatrios de natureza alimentar.

    Alm do critrio simplesmente cronolgico de

    apresentao das requisies de pagamento entidade

    pblica devedora, para efeito de pagamento, o

    constituinte ponderou somado quele critrio o carter

    ou a natureza do crdito a ser pago, de forma a identificar

    neste aspecto o fator da urgncia essencial para

    subsistncia do credor, o que reflete o fiel respeito ao

    valor da dignidade da pessoa humana (art.1, III, da

    CF/88).

    Note-se, contudo, que a natureza alimentar do

    crdito, em que pese o valor da dignidade da pessoa do

    credor, no dispensa o sistema do precatrio judicial,

    pois aqui prepondera ainda assim o interesse na

    satisfao das necessidades coletivas em detrimento a

    direito ou interesse particular.

    Sob tal aspecto, os crditos entendidos como de

    natureza alimentar, ou seja, aqueles essenciais prpria

    subsistncia do credor, devem ser pagos em prioridade

    aos de natureza no alimentar, mas sem dispensar o

    regime do precatrio. Ou seja, revela o constituinte que

    numa ponderao entre os critrios cronolgico e o da

    natureza do crdito deve-se priorizar o ltimo, pois este

    denota a primazia dos valores da dignidade da pessoa

    humana e da isonomia revelados numa situao

    comparativa entre dois tipos de credores: aqueles que

    suportam esperar o pagamento sem prejuzo de sua

    prpria subsistncia e os que no tm tal escolha.

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    1

    Contudo, em havendo mais de um crdito de

    mesma natureza alimentar, o que por si profligaria o uso

    exclusivo do critrio da natureza do crdito a ser pago

    (crditos em mesma situao), deve ser adotado o

    critrio cronolgico entre eles, pois este garante o valor

    da isonomia e da justia.

    Em termos prticos, a melhor interpretao apta a

    atender a todos os valores constitucionalmente

    protegidos seria a de que se devem constituir duas listas

    ou ordens de pagamento de crditos requisitados por via

    de precatrio: a lista prioritria dos crditos de natureza

    alimentar e a outra lista comum dos crditos no

    alimentares, sendo que em cada lista dar-se- a

    observncia do critrio cronolgico.

    Nesse sentido formalizou-se a Smula 144 do STJ

    Os crditos de natureza alimentcia gozam de

    preferncia, desvinculados os precatrios da ordem

    cronolgica dos crditos de natureza diversa.

    E ainda, mediante a novel EC n37/02, tem-se hoje

    tambm normatizada tal situao, a saber: dos crditos

    alimentcios se submeterem ao precatrio, mas sujeitos

    ordem de preferncia peculiar, bem como, estabeleceu-

    se a preferncia de pagamentos dos crditos de natureza

    alimentcia sobre os demais, conforme art.86, 3, da

    referida emenda.

    Ressalte-se que com a EC n30/00 que incluiu no 12

    art.100 o 1-A , hoje se tem finalmente definido por

    norma constitucional o que vem a ser crdito de natureza

    alimentcia, algo que antes ficava a teor dos tribunais e

    doutrinadores esclarecerem.

    3.4. Dos dbitos excludos do regime do precatrio

    O regime do precatrio judicial inafastvel para

    efeito dos pagamentos do Estado decorrentes de

    obrigao de dar quantia certa, sendo certo que tal

    situao decorre da proteo ao interesse pblico

    caracterizado pela adequada gesto dos recursos

    pblicos os quais so essenciais continuidade dos

    servios pblicos voltados satisfao das

    necessidades coletivas.

    Destarte, somente o prprio constituinte poderia

    excepcionar o prprio regime especial de pagamento que

    criou, sendo certo que ainda assim, tal oportunidade

    somente seria vlida para efeito de proteo a outros

    relevantes valores constitucionais.

    Conforme j se demonstrou, houve uma certa

    polmica quanto obrigatoriedade do regime do

    precatrio aos crditos de natureza alimentar, pois havia

    uma sugesto de prioridade dos mesmos aos demais

    crditos. O fato que hoje, conforme visto, j no pairam

    mais dvidas: aplica-se o regime dos precatrios aos

    crditos de natureza alimentar, sendo certo, porm, que

    haver uma lista especial prioritria em relao aos

    crditos de natureza diversa, mantendo-se tambm a

    ordem cronolgica entre crditos de tal natureza

    especial.

    Outro ponto que causou muita dvida foi a

    exigncia constitucional da prvia e justa indenizao a

    ser paga em dinheiro para efeito de desapropriao de

    bem particular, ora em razo de necessidade, utilidade

    pblica ou por interesse social (art.5, XXIV, da CF/88),

    ora como sano pela no observncia dos fins sociais

    da propriedade: seja pelo mau uso de propriedade

    urbana (art.182, par.3 e 4, III, da CF/88) e seja pelo mau

    uso da propriedade rural (art.184, caput e par.1, da

    CF/88).

    Apesar do constituinte indicar em algumas

    hipteses de desapropriao o pagamento a ser

    efetuado com a expedio em favor do credor de ttulo da

    dvida pblica, ressalvou em algumas situaes o

    necessrio pagamento em dinheiro (quantia certa) da

    prvia e justa indenizao. Como compatibilizar a prvia

    e justa indenizao em dinheiro com a regra do

    precatrio?

    Quando a indenizao objeto da desapropriao se

    constitui em dinheiro, e no em ttulos da dvida pblica,

    esta se compe de duas parcelas: uma parte que se

    insere no depsito judicial (valor estimado ou ofertado

    pelo ente pblico expropriante), quando o ente pblico for

    imitido provisoriamente na posse do bem, e outra, a

    parcela complementar quela, consistente na diferena

    fixada na sentena e o valor ofertado em depsito,

    somado aos acrscimos legais. A primeira parcela

    (depsito judicial) poder ser levantada pelo interessado

    por simples alvar judicial, agora a segunda parcela,

    objeto da sentena judicial dever ser implementada via

    precatrio judicial (art.100, da CF/88). Acrescente-se

    que, ainda que no haja imisso na posse, com a

    12

    Art.100, pargrafo 1 - A Os dbitos de natureza alimentcia compreendem aqueles decorrentes de salrios, vencimentos, proventos, penses e suas complementaes, benefcios

    previdencirios e indenizaes por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentena transitada em julgado.

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  • 46

    sentena judicial, o interessado poder levantar at 80%

    do valor depositado pelo ente pblico (art.34 e p.u do DL

    3.365/41). A obrigatoriedade do precatrio neste caso 13

    (indenizao em dinheiro) foi reconhecida pelo STJ e

    pelo prprio STF quando declarou inconstitucional o

    art.14 da LC n76/93 (desapropriao para fins de

    reforma agrria) que obrigava o expropriante depositar

    em juzo j o valor da indenizao, vez que feria o art.100 14

    da CF/88.

    Portanto, conclui-se que apesar da CF/88 dizer que

    a indenizao, em algumas hipteses, ser prvia e em

    dinheiro, tal circunstncia no dispensa a regra do

    precatrio prevista no art.100 do mesmo texto normativo.

    At aqui se viu que a regra do art.100 infalvel, se

    aplicando a qualquer pagamento (quantia certa) pela

    Fazenda Pblica, o que tem justificativa nas razes

    introdutrias deste trabalho (autorizao por lei

    oramentria e atendimento s necessidades pblicas

    conforme plano oramentrio).

    Entretanto, deu-se que, o constituinte achou por

    bem, abrir exceo diante do crdito de pequeno valor, o

    que implicaria dispndio quase irrisrio de despesas em

    favor do interesse do credor.

    Tais despesas so to nfimas que no causaro

    transtornos ou prejuzos para o fiel cumprimento do

    programa de atendimento das necessidades pblicas do

    exerccio financeiro corrente (interesse coletivo),

    restando agora expressa a predominncia excepcional

    do interesse particular, levando-se em proveito o mais

    clere acesso efetivao da execuo em favor do

    credor, com a primazia do direito de ao (art.5, XXXV,

    da CF/88).

    Deu-se, pois, excepcionada a regra geral do regime

    do precatrio por opo do Poder Constituinte Derivado

    ponderando-se que o interesse pblico no seria

    realmente afetado pelo imediato pagamento ao credor

    dado o valor nfimo da despesa objeto da requisio

    judicial, ou seja, as necessidades coletivas continuariam

    a ser satisfeitas com os demais recursos pblicos j

    previstos em lei oramentria, e o credor teria um acesso

    eficaz justia.

    O 3 do art.100 primeiramente foi introduzido pela

    EC n20/98 e trouxe uma exceo regra geral do

    caput estabelecendo que tal regra (precatrio) no se

    aplica aos pagamentos de obrigaes definidas em lei

    como sendo de pequeno valor pelas respectivas

    Fazendas Pblicas. Com a EC n30/00 o preceito (3) foi

    otimizado atravs do acrscimo do 4 no art.100, o qual

    estipula que a lei poder fixar valores distintos para o fim

    previsto no 3 deste artigo, segundo as diferentes

    capacidades das entidades de direito pblico.

    Embora tenha havido a sugesto de se

    estabelecerem valores distintos para cada Fazenda

    Pblica, na ausncia de maior esclarecimento normativo

    ficaria difcil dar aplicabilidade a tal modificao,

    notadamente para efeito de haver coerncia e

    uniformidade em termos de valores para os Estados, DF

    e Municpios, pois apenas no mbito federal vinham

    sendo aplicadas as normas definidoras do que seria

    dvida de pequeno valor para efeito de dispensa da regra

    do art.100 da CF/88, a saber: o art.128 da Lei n8.213/91

    (valor R$5.180, 25), e, agora, o art.17, 1, da Lei

    n10.259/01 (sessenta salrios mnimos).

    Com a novel EC n37/02 estabeleceram-se

    quantias consideradas de pequeno valor para os

    Estados, DF e Municpios, de forma transitria e auto-

    aplicvel, no art.87 do ADCT, at que sejam elaboradas

    as necessrias leis delimitadoras dos valores do 3 e 4

    do art.100 da CF/88. Fixou-se em 40 salrios-mnimos a

    quantia para os Estados e DF; e em 30 salrios-mnimos

    para os Municpios. Ressaltou-se ainda que facultado a

    cada credor renunciar de parcela do valor de seu crdito

    que sobejar tais limites para efeito de obter a dispensa do

    precatrio (pargrafo nico do art.87 do ADCT, com

    redao dada pelo art.3, da EC n37/02).

    Por fim, convm esclarecer que apesar de ter sido

    excepcionada a regra do art.100 da CF/88, no se pode

    dizer que tal situao determinou a penhorabilidade do

    pequeno valor referido, uma vez que tal no a melhor

    concluso. Em verdade, no haver ato constritivo ou

    forado (execuo direta), mas to somente o ente

    pblico se ver diante de uma deciso mandamental a

    qual o briga a ter que dispor imediatamente do valor em

    dinheiro para fins de pagamento ao credor, isso se dar

    com base em valores j previstos em lei oramentria

    para tal fim, o que no prejudica o programa

    oramentrio. Tal hiptese semelhante a que ocorre

    13

    EREsp n160.573-SP. Informativo n65 do STJ de ago/2000.

    14

    RE n247.866-CE. Informativo n197 do STF, ago/2000.

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  • 47

    2

    1

    quando dos depsitos judiciais em aes de

    desapropriao, os quais j so disponibilizados de

    imediato em juzo.

    3.5. Do seqestro de bens e valores do Estado

    Outra polmica que vem aos poucos sendo

    resolvida a questo do seqestro dos valores

    referentes ao precatrio, conforme art.100, 2, parte

    final, da CF/88 e art.731 do CPC, onde resta prescrito que

    o Presidente do Tribunal autorizar, a requerimento do

    credor, o seqestro da quantia necessria satisfao do

    dbito.

    J se argumentou inicialmente que os bens e

    recursos pblicos so indisponveis e, por isso,

    impenhorveis, conforme resulta do prprio regime de

    direito pblico fulcrado no texto constitucional, em

    especial, em razo do precatrio (art.100).

    Destarte, os tribunais j decidiram que os bens e

    recursos pblicos so impenhorveis, portanto, no pode

    o Poder Judicirio proceder ao seqestro dos mesmos,

    salvo, por exceo prevista na prpria Constituio,

    apenas quando houver preterio na ordem de

    pagamento do precatrio, verbis:

    Aps, julgando o mrito da ao direta

    acima mencionada, o Tribunal, por maioria,

    declarou a inconstitucionalidade dos

    incisos III e XII da referida Resoluo, que

    autorizavam o seqestro do valor do

    precatrio pelo presidente de tribunal

    regional do trabalho quando a pessoa

    jurdica de direito pblico condenada no

    inclusse no oramento a verba necessria

    ao seu pagamento ou quando este

    pagamento fosse efetivado por meio

    inidneo, a menor, sem a devida

    atualizao ou fora do prazo legal.

    Reconheceu-se a violao ao art.100, 2,

    da CF, que autoriza o seqestro da quantia

    necessria satisfao do dbito

    exclusivamente na hiptese de preterio

    do direito de precedncia. Vencidos, nesse

    ponto, os Ministros Seplveda Pertence e

    Marco Aurlio, que julgavam improcedente

    a ao sob fundamento de que a no

    incluso no oramento da verba necessria

    ao pagamento de precatrios, por si s,

    consubstanciaria forma de preterio do

    direito de preferncia. (ADin 1.662-DF, Rel.

    Min. Maurcio Corra, no Informativo n 239

    do STF).

    SEQUESTRO DE VALORES MANTIDOS

    EM CONTA CORRENTE DO INCRA

    Os bens pblicos sejam eles mveis ou

    imveis, contas bancrias, dinheiro,

    semoventes, so impenhorveis e, por via

    de conseqncia, inseqestrveis.

    O 2 do art.100 da C.F. permite o

    seqestro da quantia litigiosa, ou seja, da

    importncia que foi paga indevidamente,

    fora da ordem cronolgica de apresentao

    dos precatrios e no o bloqueio de conta

    corrente da Fazenda Pblica. (AR no

    Precatrio n 12259-CE, REL. Juiz Rivaldo

    Costa, deciso por maioria do Pleno de

    13.08.97).

    BLOQUEIO DE VALORES EXISTENTES

    EM CONTA DA UNIO FEDERAL

    Os bens pblicos sejam eles mveis ou

    imveis, contas bancrias, dinheiro,

    semoventes, so impenhorveis e, por via

    de conseqncia, inseqestrveis. Alm

    disso, no h, no ordenamento jurdico

    brasileiro, disposio legal que autorize o

    bloqueio ou o seqestro de rendas pblicas

    como forma a compelir a Administrao ao

    cumprimento de deciso judicial (Deciso,

    por unanimidade, da 3 Turma do TRF da 5

    Regio. DJ de 18.05.98, p.363).

    Interessante, que conforme opinio dominante,

    inclusive do prprio STF (por maioria), mesmo em caso

    da no incluso da verba necessria ao cumprimento do

    precatrio no oramento para o exerccio seguinte ao da

    apresentao da requisio, ainda assim no seria o

    caso de proceder ao seqestro dos recursos pblicos. A

    minoria entende que tal situao constitui justamente

    uma forma de preterio (no foi includa a verba para

    pagamento), ou seja, apesar de no haver uma

    preterio de pagamento de um precatrio em relao ao

    outro, haveria uma preterio de todos os precatrios

    seguintes ao requisitado, pois o no pagamento deste

    implica a impossibilidade de pagamento dos posteriores.

    Em relao natureza jurdica do referido instituto

    tem-se uma celeuma doutrinria. Alguns acreditando

    tratar-se de medida de natureza cautelar, outros

    entendendo tratar-se de medida executiva (satisfativa):

    Entendemos tambm que o seqestro a que se refere o

    texto constitucional verdadeira medida executiva, e no 15

    providncia apenas cautelar.

    Outra peculiaridade que causa certa polmica da

    doutrina a afirmao de alguns autores de que em

    verdade o seqestro in casu ocorre no sobre recursos

    pblicos (razo pela qual no haveria verdadeira

    15

    SILVA, Ovdio Arajo Baptista da. Curso de Processo Civil: execuo obrigacional, execuo real, aes mandamentais, volume 2. So Paulo: Revista dos Tribunais,

    4 edio, 2000, p.116.

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  • 48

    exceo impenhorabilidade dos mesmos), mas sobre

    recursos j em poder do particular (no mais pblicos)

    que recebeu o pagamento de seu precatrio em

    detrimento de precatrio preferencial na ordem de

    pagamento. Nesse sentido: Esse seqestro, segundo

    melhor entendimento doutrinrio, no voltado

    diretamente contra a Fazenda, porque sendo seus bens

    impenhorveis, so tambm inseqestrveis. Dirige-se

    contra o credor que tenha recebido pagamento fora da

    ordem legal, atingindo as importncias irregularmente 16

    embolsadas .

    Em sentido contrrio, entendendo ser possvel a

    exceo regra da impenhorabilidade dos bens

    pblicos: E mais, tal medida executiva incide sobre

    rendas pblicas, e no sobre o valor do pagamento feito

    pela Fazenda Pblica com quebra da ordem de

    preferncia dos precatrios. Abre-se, portanto, neste

    caso, uma exceo ao princpio da impenhorabilidade

    dos bens do domnio pblico, em razo de haver a

    administrao pbl ica infr ingido o precei to 17

    constitucional.

    O prprio STF, apesar da deciso ser pretrita

    atual Constituio Federal, j aceitou a tese de que o

    seqestro pudesse recair diretamente sobre verbas 18

    pblicas.

    Por fim, conclui-se que o seqestro de bens

    pblicos para efeito de precatrio s ser vivel diante de

    evidente e comprovada preterio ordem constitucional

    de pagamento dos valores (ordem de precedncia dos

    precatrios), no sendo vivel em qualquer outra

    hiptese.

    3.6. Da interveno federal

    Sabe-se que a forma federativa foi adotada pela

    Repblica Federativa do Brasil, restando tal situao

    evidente do prprio texto constitucional, em especial,

    atravs art.1 e art.18, sendo certo ainda que tal forma de

    organizao estatal foi assegurada como clusula ptrea

    (art.60, 4, I, da CF/88).

    Por outro lado, justamente visando a manter tal

    forma federativa, o prprio constituinte previu um

    mecanismo de defesa do pacto firmado, a interveno de

    um ente sobre outro, o que excepcionalmente, somente

    nas estritas hipteses previstas no texto constitucional,

    representaria uma diminuio temporria da autonomia

    poltica do ente objeto da interveno, tudo em proveito a

    aliana poltica.

    Prescreve, pois a Constituio da Repblica em

    seu art.34, VI, que a Unio poder excepcionalmente

    intervir nos Estados ou no Distrito Federal com o fim de

    prover a execuo de deciso judicial. O mesmo se dar

    na interveno do Estado em Municpio inserido em seu

    territrio quando o ltimo descumprir deciso judicial

    (art.35, IV, da CF/88).

    Nesse sentir, sendo o precatrio uma autntica

    deciso judicial voltada ao ente pblico devedor de

    quantia certa, o seu descumprimento ensejaria a

    interveno?

    Aqui h que se vislumbrar a excepcionalidade na

    medida de interveno, a qual s cabvel nas estritas

    hipteses constitucionais, sob pena de violao ao Pacto

    Federativo.

    Sendo a hiptese de descumprimento de ordem ou

    deciso judicial o fato ou a hiptese de incidncia para

    deflagrao da interveno, seria crvel que o no

    cumprimento do precatrio ensejasse a medida extrema.

    O descumprimento deciso do precatrio se

    daria, valendo-se de uma interpretao a contrario sensu

    do teor do 1 do art.100 da CF/88, quando a entidade

    pblica, no caso o Estado, o DF ou o Municpio, aps ser

    cientificada da requisio (at 1 de julho), no

    procedesse incluso do valor devido na lei

    oramentria, ou mesmo que o fizesse, ainda assim no

    efetivasse o pagamento do montante devido ao credor

    at o final do exerccio financeiro seguinte, inclusive com

    as devidas atualizaes monetrias.

    Interessante aqui alertar que o descumprimento ao

    precatrio expedido pela Justia estadual (deciso

    judicial) poder vir por parte do Poder Executivo

    (estadual ou municipal) em no incluir em lei

    oramentria a quantia devida, momento em que o TJ

    poder adotar as seguintes posturas: a) se o

    descumprimento vier do Executivo Estadual, por

    16

    THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, Vol. II, 30 ed., 2000, p.238.

    17

    SILVA, Ovdio Arajo Baptista da. Curso de Processo Civil: execuo obrigacional, execuo real, aes mandamentais, volume 2. So Paulo: Revista dos Tribunais,

    4 edio, 2000, p116.

    18

    RE 82.456, ac. De 07.06.79 in Juriscvel do STF, 81/76.

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  • 49

    2

    1

    provocao do credor, dever o TJ comunicar ao STF a

    situao, para que este, aps realizar juzo de valor,

    requisite ao Presidente da Repblica (este decidir a seu

    juzo) a interveno no Estado (art.36, II, da CF/88); b) se

    o descumprimento do precatrio vier do Executivo

    Municipal, caber ao TJ, por provocao (representao)

    da parte interessada (Procurador Geral de Justia), dar

    provimento interveno, cabendo ao Governador do

    Estado expedir necessariamente o decreto interventivo

    (art.35, IV, da CF/88).

    Contudo, por fora das ltimas emendas

    Constituio, agora o gestor dos valores a serem pagos

    aos credores ser o Presidente do Tribunal, que dispor

    de dotao oramentria especfica para tanto, de forma

    que, se o descumprimento da deciso do precatrio vier

    por ato do prprio gestor dos valores, por exemplo, no

    pagando no prazo ou pagando a menor, sem atualizao

    devida, certamente ser invivel ou pouco possvel a

    postura do TJ em solicitar ou dar provimento

    interveno, notadamente sobre o municpio que fez

    incluir em lei oramentria o montante devido.

    Destarte, pelo menos em tese, o descumprimento

    do precatrio judicial, por si s, conforme previso

    expressa no texto constitucional, j daria ensejo

    medida extrema de interveno sobre o ente pblico

    inadimplente.

    A despeito de tais consideraes, o STF tem

    entendido comumente, com base no princpio da

    proporcionalidade, que se o ente pblico descumpriu a

    deciso judicial por outro motivo que no por vontade

    dolosa e deliberada de manter-se inadimplente, restaria

    invivel a interveno, haja vista que o ente pblico tem

    necessidade de garantir a continuidade dos servios 19

    pblicos.

    Em que pese a inescusvel opinio da Corte

    Mxima entendemos que essa no seria a melhor

    concluso para o caso, conforme ser evidenciado em

    tpico adiante relacionado.

    4. O ASPECTO FINANCEIRO DO PRECATRIO

    JUDICIAL

    Sabe-se que o Estado tem como objetivo

    fundamental o alcance do bem comum (art.3 da CF/88),

    o que se dar na medida em que o ente pblico garanta a

    satisfao de todas as necessidades (despesas

    pblicas) da coletividade, mediante a prestao de

    servios pblicos.

    Para tanto, o ente pblico tenta obter recursos

    (receitas pblicas) viabilizadores da prestao de tais

    servios pblicos, mediante retirada de recursos de seu

    prprio patrimnio (receita originria) e do patrimnio

    particular (receita derivada), ou mesmo, procedendo

    poltica creditcia (crditos pblicos).

    Em decorrncia, diante da necessidade de

    obteno de recursos pblicos e da aplicao de tais

    valores para satisfao das necessidades sociais, faz-se

    necessrio o desenvolvimento de uma atividade

    especfica atravs de um plano ou programa de aes, o

    que implica a atividade financeira do Estado, a qual

    regulada por leis oramentrias. Como toda atividade do

    Estado de Direito ser delimitada por lei. Sob tal enfoque,

    nenhuma despesa ser satisfeita se no estiver

    previamente estabelecida na lei oramentria (art.167,I e

    II, da CF/88), isso em homenagem indisponibilidade do

    bem e do recurso pblico (interesse pblico), o qual s

    ser disponibilizado mediante lei, o que presume o

    consenso e a legitimidade da coletividade.

    O Estado ao ser condenado em juzo, dever solver

    sua obrigao (de dar quantia certa) atravs de recursos

    pblicos, ou seja, a despesa com a perda da demanda

    em favor de particular (vencedor da demanda) dever ser

    solvida, mas no se poder faz-lo em detrimento regra

    da previso oramentria, pois seria admitir-se que o

    Estado est preterindo o interesse coletivo (satisfao

    das necessidades pblicas j definidas em lei) em

    proveito de um particular (exeqente).

    V-se que processo do precatrio, o qual tramitar

    junto ao Tribunal respectivo, dar ensejo pela requisio

    ao Poder Executivo ao procedimento oramentrio

    consistente em o ente pblico fazer inserir em sua lei

    oramentria, a ttulo de despesa, o montante devido ao

    exeqente, valor este que vir como dotao

    oramentria especfica ao Poder Judicirio.

    4.1. Da incluso da despesa na lei oramentria

    O Estado Democrtico de Direito titular da

    atividade financeira consistente em arrecadar, gerir e

    distribuir recursos pblicos, esta atuao deve se pautar

    19

    IF 164/SP. Deciso, por maioria, Pleno do STF, vencido o Relator Min. Marco Aurlio. DJ DATA-14-11-2003 PP-00014 EMENT VOL-02132-01 PP-00010.

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  • 50

    pelo princpio da legalidade, pois os recursos pblicos

    so indisponveis (pertencem ao interesse de todos e no

    de um grupo ou pessoa), e somente a lei (instrumento de

    legitimidade e soberania popular) pode autorizar a

    utilizao dos mesmos.

    O Governo, atravs do Poder Executivo, tem a

    iniciativa das leis relativas ao plano plurianual, diretrizes

    oramentrias e oramento anual (art.165 da CF/88).

    Semelhante ao particular que tem um plano de

    gesto de seus ganhos e gastos, a cada ano caber ao

    Governo aprovar a lei oramentria onde restaro

    previstas as receitas e fixadas as despesas (art.165, 8,

    da CF/88). O Estado para dispender suas receitas

    necessita previamente definir por lei onde sero

    utilizadas as mesmas, ou seja, quais as despesas sero

    saldadas. Apenas, excepcionalmente, tambm mediante

    autorizao legislativa, outras receitas no previstas do

    oramento anual, podero ser utilizadas para situaes

    excepcionais (crditos suplementares ou especial -

    art.167, V).

    Em resumo, temse que, a cada ano, o Estado j

    possui da definio legal (oramento) de todos os

    recursos a serem arrecadados e seus respectivos

    destinos (despesas), ou seja, para cada despesa fixada

    h a previso de receita apta a sald-la, da no se poder

    durante o exerccio financeiro alterar tal previso legal,

    sob pena de ferir a norma, e pior, desestabilizar a gesto

    oramentria, correndo o risco de se ter despesa no

    solvida, em plena insatisfao de necessidade coletiva. A

    cada ano caber a definio legal da gesto pblica, o

    ano j deve iniciar com o plano oramentrio definido.

    Tudo o que se esclareceu at ento ser de salutar

    importncia para compreenso do regime de precatrio.

    Seguindo com a anlise das normas relativas ao

    precatrio, acrescentou-se no pargrafo 1 do artigo 100

    da CF/88 que ser obrigatria a incluso de verba

    necessria no oramento da Fazenda Pblica para

    pagamento da dvida reconhecida por sentena

    condenatria com trnsito em julgado, devendo, para

    tanto, ter sido apresentado o precatrio (ordem judicial de

    requisio de pagamento a ser cumprida por incluso

    oramentria) at 1 de julho de determinado exerccio

    financeiro, para que seja includo para pagamento no

    exerccio financeiro seguinte.

    Importante aqui se alertar para a alterao do 1

    referido no que se refere atualizao monetria dos

    valores devidos a ttulo de precatrio. Antes da EC

    n30/00, a atualizao monetria era efetivada quando

    da apresentao da requisio (precatrio) Fazenda

    Pblica, e no por ocasio do efetivo pagamento.

    Verdadeira incoerncia procedimental, pois que para que

    no houvesse enriquecimento ilcito da Fazenda Pblica

    em face da inflao que corroa o valor real do dbito da

    data da apresentao at o efetivo pagamento, criou-se a

    canhestra figura do precatrio complementar para que tal

    valor (resduo resultante da correo monetria) fosse

    pago ao exeqente. Valor este que estaria tambm

    sujeito regra do art.100, formando-se assim um ciclo

    vicioso e interminvel, pois sempre haveria um novo

    resduo a ser apurado.

    Durante certo tempo, diante da sistemtica ruim de

    atualizao do valor devido a ttulo de precatrio judicial,

    dvidas foram surgindo, por exemplo, se seriam devidos

    juros moratrios entre a data da expedio do precatrio

    e o efetivo pagamento? Recentemente, o STF entendeu

    que no seriam devidos juros moratrios se o efetivo

    pagamento ocorresse at o fim do exerccio financeiro

    seguinte ao da requisio por precatrio judicial, pois que

    este perodo havia sido o prazo constitucional ofertado

    para o ente pblico organizar suas finanas, no se 20

    podendo falar aqui em mora.

    Com a EC n30/00 que alterou o referido 1 do

    art.100, hoje a atualizao monetria se d por ocasio

    do efetivo pagamento, findando com a problemtica

    anterior. E mais ainda, atravs do art.1 da novel EC

    n37/02 foi introduzido um novo 4 ao artigo 100 da

    CF/88, o qual veda a expedio de precatrio

    complementar ou suplementar, e mais, veda a quebra do

    pagamento ou do valor do crdito a ser pago, para que

    no haja uma mescla entre o caput do art.100 e o seu

    3 que dispensa a regra do precatrio (dbito de

    pequeno valor). Lembre-se: no pode haver a mescla,

    mas poder haver a renncia do valor do crdito que

    sobejar para efeito de dispensa do precatrio.

    4.2. Da despesa pblica afeta ao precatrio judicial

    dotao para o Poder Judicirio

    Sabendo-se que o pagamento dos dbitos via

    precatrio se d mediante incluso em lei oramentria,

    mister identificar qual a natureza jurdica de tal montante

    uma vez inserido no oramento pblico.

    20

    RE298.616-SP (Gilmar Mendes, 31.10.2002, Informativo do STF 288).

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  • 51

    1

    No demais lembrar que a CF/88 previu a

    competncia da Unio fazer normas gerais sobre Direito

    Financeiro e oramento (competncia concorrente -

    art.24, I e II), o que se d por lei complementar federal

    (art.163). Atualmente, a Lei 4.320/64 estabelece normas

    gerais de direito financeiro (art.1, da referida lei), tendo

    sido recebida pela CF/88 com fora material de lei

    complementar, sendo este o principal instrumento de

    nosso estudo neste tpico.

    Resta estabelecido que na lei oramentria ser

    prevista a receita e fixada a despesa (art.165, 8 da

    CF/88 c/c art.2, 4 e 6 da Lei 4.320/64), sendo certo que

    todas elas devero constar de tal documento, o que

    reflete a noo de universalidade. Mister, nesse nterim,

    entender pelo menos de forma sucinta, o significado de

    alguns termos usados na lei oramentria e que sero

    teis ao presente estudo, quais sejam:

    Receita Pblica: Sinteticamente, pode-se dizer

    que receita a entrada definitiva de dinheiro e bens nos 21

    cofres pblicos.

    Despesa Pblica: Em primeiro lugar, designa o

    conjunto dos dispndios do Estado, ou de outra pessoa

    de Direito Pblico, para o funcionamento dos servios

    pblicos. Assim, nesse sentido, a despesa parte do

    oramento, ou seja, aquela em que se encontram

    classificadas todas as autorizaes para gastos com as

    vrias atribuies e funes governamentais. (...) Uma

    despesa pblica tambm, noutro sentido, a aplicao

    de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou

    agente pblico competente, dentro de uma autorizao 22

    legislativa, para execuo de fim a cargo do governo.

    Dotao oramentria: deve ser a medida, ou a

    quantificao monetria do recurso aportado a um

    programa, atividade, projeto, categoria econmica ou 23

    objeto de despesa.

    A requisio de pagamento (precatrio) implicar a

    incluso de uma despesa na lei oramentria do

    exerccio financeiro seguinte, sendo oportuno esclarecer

    que este o perodo de tempo coincidente com o ano

    civil, conforme o art.34, da Lei 4.320/64.

    O art.12 da Lei n4.320/64 classifica as despesas

    em: correntes (subdivide-se em despesa de custeio e

    transferncias) e de capital (subdividem-se em

    investimentos e transferncias de capital), as primeiras

    destinam-se manuteno e funcionamento dos

    servios pblicos em geral (Administrao Direta e

    Indireta), as segundas destinam-se aquisio de novos

    bens de capital, os quais sero utilizados na produo de

    novos bens ou servios e integraro o patrimnio pblico

    (Administrao Direta e Indireta).

    A despesa decorrente do precatrio judicial ser

    classificada como despesa corrente, pois visa a atender

    necessidades que ocorrero comumente (corrente), o

    que no implicar em aquisio de novos bens e servios

    (de capital), conforme art.12, da Lei n4.320/64.

    Alm de tal classificao, importante registrar que o

    art.8 da Lei 4.320/64 j sugeria uma discriminao das

    receitas e despesas, sendo que atualmente, os Anexos I,

    II e III da Portaria Interministerial n163/2001, com as

    modificaes posteriores, que cuida do assunto.

    Antes da EC n30/00, o texto constitucional

    estabelecia que a despesa afeta ao precatrio judicial iria

    integrar o oramento como sendo dotao (quantidade

    especfica de recursos pblicos) dirigida prpria

    entidade pblica devedora ou a rgo da prpria

    Administrao Direta, sendo que, apesar disso, tal

    montante no poderia ser disponibilizado a no ser para

    fins de pagamento em favor da ordem dos precatrios, ou

    seja, tal montante estava em verdade, consignado ao

    Poder Judicirio. Assim, na medida em que os recursos

    pblicos fossem sendo recebidos pela entidade pblica

    devedora, caberia a esta ir liberando-os em favor do

    Poder Judicirio, e de posse de tais verbas, o Presidente

    do Tribunal respectivo iria encaminhando o numerrio

    aos juzes para efeito de pagamento aos credores,

    sempre observando a ordem constitucional dos

    precatrios.

    A sistemtica, portanto, seria que as dotaes

    oramentrias e os crditos abertos seriam consignados

    ao Poder Judicirio, entretanto as quantias devidas

    seriam recolhidas s reparties competentes, ou seja,

    os valores apesar de consignados ao Poder Judicirio

    (afetados ao pagamento dos precatrios), seriam

    disponibilizados como dotao oramentria para o

    referido rgo competente da Fazenda Pblica

    21

    OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Manual de Direito Financeiro. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3 edio, 2000, p.32.

    22

    BALEEIRO, Aliomar.Uma Introduo Cincia das Finanas. Rio de Janeiro: Forense, 15 edio, 2001, p.73.

    23

    MACHADO JR., Jos Teixeira. A Lei 4.320 comentada. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003, p.21.

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  • 52

    devedora, a dotao sairia do Tesouro nico para o

    rgo da entidade devedora, para que esta depositasse

    em juzo o montante devido em favor do exeqente.

    Era um caminho tortuoso e burocrtico para se

    implementar um pagamento ao jurisdicionado que j

    havia esperado um longo perodo para receber seu

    crdito, pois apesar de haver dotao oramentria,

    muitas vezes a Fazenda Pblica, de posse dos valores,

    aproveitava para protelar o pagamento valendo-se de

    medidas judiciais ou administrativas para tanto.

    Agora, mediante alterao da EC n30/00, entende-

    se que a dotao oramentria ou crdito aberto sairo

    do Tesouro nico diretamente para o Poder Judicirio,

    como dotao voltada a este Poder (art.168 da CF/88),

    mas afeta ao pagamento de precatrio. Torna-se

    desnecessria, portanto qualquer expedio de ordem

    (sano) pelo Presidente do Tribunal em face da

    Fazenda Pblica renitente para que esta deposite o valor

    destinado ao precatrio, pois que o valor j se encontra

    junto ao Poder Judicirio, bastando mera determinao

    do Presidente do Tribunal para que seja levantada a

    importncia nos limites dos valores consignados em

    juzo. Foi um avano procedimental e favoreceu o maior

    acesso justia, pois a implementao executiva se

    tornou mais clere.

    Por outro lado, a responsabilidade na gesto dos

    recursos pblicos afetos aos precatrios foi repassada

    das mos do administrador pblico do Poder Executivo

    para o Presidente do Tribunal, que assume de vez a

    condio de gestor dos valores.

    Questo que talvez tenha ficado sem resposta,

    diante desta alterao, foi posio do ente pblico

    municipal executado, o qual tem a execuo judicial e o

    precatrio no mbito da Justia Estadual (os Municpios

    no possuem Poder Judicirio prprio). Teremos,

    portanto, duas leis oramentrias (a estadual e a

    municipal) de tal forma que no se poderia falar em

    dotao oramentria direta para o TJ de valores

    oriundos da Fazenda Municipal, pois so leis

    oramentrias distintas. Destarte, pensamos que neste

    caso especfico, por impossibilidade jurdica, no se

    aplica a contento a nova regra constitucional, valendo a

    sistemtica anterior.

    4.3. Trmite do precatrio junto ao Tribunal

    respectivo

    Conforme se tem observado, o precatrio (ordem

    judicial) no constrange o patrimnio do ente pblico

    devedor (execuo direta), mas to somente deflagra um

    verdadeiro procedimento administrativo junto ao Tribunal

    respectivo, o qual requisitar Fazenda Pblica

    devedora a implementao na via oramentria do

    montante devido ao credor, o que ocorre

    voluntariamente, ou seja, sem se suprimir a vontade do

    devedor com a interveno no patrimnio estatal, mas

    valendo-se da atuao do devedor por simples ameaa

    de sano (execuo indireta).

    Destarte, a partir do momento em que o juiz da

    execuo solicita, a pedido do credor, por meio de ofcio,

    ao Presidente do Tribunal o encaminhamento da

    requisio da incluso do montante devido na lei

    oramentria do ente pblico devedor, apesar da deciso

    ser jurisdicional (mandamental), inicia, mesmo no mbito

    do Poder Judicirio (Tribunal respectivo), um verdadeiro

    procedimento administrativo consistente basicamente

    em: a) autuao, com nmero de protocolo ao precatrio,

    momento em que ocorre a conferncia das peas

    necessrias para formalizao do mesmo e em que so

    refeitos os clculos do montante devido; b)

    encaminhamento da requisio do montante devido

    Fazenda Pblica; c) gesto da dotao oramentria

    especfica para despesa com os precatrios judiciais,

    procedendo-se ao pagamento dos credores, conta dos

    crditos pblicos, com as devidas atualizaes legais,

    respeitada a ordem preferencial dos precatrios.

    A atividade do Presidente do Tribunal em relao

    aos precatr ios jud ic ia is eminentemente

    administrativa, de tal forma que qualquer problema

    processual dever ser solucionado pelo juiz da

    execuo: O Juiz da ao o da execuo. Logo, todo e

    qualquer problema que surja na tramitao do precatrio

    deve ser devolvido ao juiz de primeiro grau para soluo.

    O Presidente tem apenas funo administrativa e de

    fiscalizao para efeito de seqestro, o que,

    evidentemente, no tem o condo de alcanar as 24

    partes. No mesmo sentido, segue a jurisprudncia do 25

    prprio STF.

    24

    OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Manual de Direito Financeiro. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3 edio, 2000, p.102.

    25

    RECURSO EXTRAORDINRIO. DECISO HOMOLOGATRIA. PRECATRIO. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA. I A atividade do Presidente do Tribunal de Justia desenvolvida no

    processamento de precatrio tem natureza administrativa e no jurisdicional, no se qualificando, assim, como causa a desafiar o manejo do recurso extraordinrio. II Agravo no

    provido. (AI 409331 AgR/SP. Rel. Min. Carlos Velloso. Deciso unnime da 2Turma do STF. DJ de 04.04.03, p.00056).

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  • 53

    2

    1

    O trmite do processo administrativo do precatrio

    junto ao Tribunal respectivo deve ser regulado por seu

    prprio Regimento Interno, ou por outro ato normativo

    que no destoe da CF/88 e dos art.730 e 731 do CPC, a

    exemplo, no mbito da Justia Federal h a Resoluo

    n211 do Conselho da Justia Federal (CJF), de 13 de

    agosto de 1999, que o cdigo administrativo do regime

    dos precatrios afetos quela jurisdio.

    Tal norma administrativa estabelece em resumo o

    seguinte trmite: a) o exeqente pede ao juiz da

    execuo a expedio do precatrio; b) o juiz a defere se

    satisfeitos os requisitos legais, e desde j, solicita a

    retirada de cpias de algumas peas processuais

    fundamentais (entre as quais, a certido do trnsito em

    julgado, o que elimina de uma vez por todas a execuo

    provisria); c) as peas so encaminhadas, juntamente

    com o ofcio requisitrio do juiz, ao Ministrio Pblico

    para emisso de parecer, seguindo aps para o Tribunal.

    Registre-se que o ofcio deve ser assinado pelo juiz, e

    deve conter indicado o montante devido, deixando

    tambm desde j registrada a natureza do crdito (se

    alimentar ou no); d) o precatrio recebido no Tribunal,

    sendo autuado e registrado, momento em que

    conferida a documentao necessria, sendo a seguir

    remetido Contadoria para anlise dos clculos; e) o

    processo encaminhado Secretaria de Oramento e

    Finanas, para fins de incluso oramentria.

    4.4.O Presidente do Tribunal Respectivo gestor do

    crdito responsabilidades

    A EC n30/00 acrescentou um 5 ao art.100 da

    CF/88 apenas para prescrever que passa a ser

    considerado crime de responsabilidade do Presidente do

    Tribunal respectivo, o ato comissivo ou omissivo que

    retardar ou tentar frustrar a liquidao regular de

    precatrio.

    Tal preceito tem uma decorrncia lgica do novel

    2 do art.100, haja vista a ampliao da postura de

    administrador ou gestor de recursos pblicos a cargo do

    Presidente do Tribunal no processo de precatrio judicial,

    vez que agora a dotao oramentria destinada

    diretamente ao Poder Judicirio, e no mais a rgo

    administrativo do Executivo.

    Toda a atividade de gesto do crdito, portanto,

    est agora a cargo do prprio Presidente do Tribunal,

    devendo o mesmo pagar os credores seguindo a ordem

    constitucional de precatrios, medida que as dotaes

    oramentrias do Poder Judicirio forem sendo

    recebidas (art.168, da CF/88).

    A responsabilidade do Presidente gestor dos

    crditos decorrer de um possvel no pagamento ou

    desrespeito ordem constitucional de pagamentos dos

    precatrios, o que ter repercusso na esfera civil, penal

    e administrativa (improbidade administrativa; sano

    disciplinar e responsabilidade fiscal), sendo que em

    todas elas seria razovel se apurar de houve dolo ou pelo

    menos culpa do agente.

    Interessante aspecto que ficou um pouco obscuro

    em face das alteraes constitucionais foi justamente o

    pedido de seqestro dos recursos em favor do credor

    preterido na ordem de pagamento, que talvez perdesse

    seu efeito prtico, uma vez que a deciso extrema ficaria

    a cargo do prprio Presidente que tambm seria o

    responsvel (gestor dos recursos pblicos) pelo prprio

    ato ilcito. Assim, quem controla o prprio controlador?

    4.5. O direito do particular em receber seu crdito

    Identificados os principais aspectos afetos ao

    regime constitucional do precatrio, notadamente os de

    ordem financeira, ou seja, a maneira como o ente pblico

    devedor far o pagamento ao credor, resta-nos agora

    analisar at que ponto se pode invocar a prevalncia do

    interesse pblico para fins de postergar ou abolir o

    cumprimento do precatrio. A tenso de valores que se

    afigura ser, em especial: de um lado, o interesse pblico

    presente na necessidade de obteno e resguardo dos

    bens e recursos pblicos para atendimento ao bem

    comum; do outro, a satisfao do direito de ao do

    credor, em ver efetivado o direito que decorre do ttulo

    executivo.

    O regime jurdico do precatrio judicial uma

    prerrogativa inerente Fazenda Pblica existente com

    base em nosso ordenamento constitucional, o qual,

    conforme visto, identificou a prioridade no uso dos bens e

    recursos pblicos na continuidade da satisfao dos

    interesses coletivos (art.3, IV, da CF/88) em detrimento

    satisfao imediata do direito do credor individualizado.

    Destarte, o prprio constituinte fez uma primeira opo

    valorativa: o interesse pblico. Contudo, frise-se, o

    constituinte no descuidou ou aniquilou por completo o

    direito do credor a obter a prestao devida, at porque

    seria ilgico dentro de um sistema constitucional que

    garante o direito de ao (execuo de ttulo), o direito de

    propriedade e tem como valor fundamental a dignidade

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  • 54

    da pessoa humana, esquecer-se, neste caso, desses

    outros valores.

    Deve-se, portanto, adotar a melhor hermenutica

    constitucional para tentar identificar at que ponto pode o

    direito do credor ser postergado em razo do interesse

    pblico. Merece aqui, desde j, o sempre oportuno 26

    comentrio do mestre Celso Antnio Bandeira de Melo

    acerca do assunto:

    Convm reiterar, e agora com maior

    detena, consideraes dantes feitas, para

    prevenir inteleco equivocada ou

    desabrida sobre o alcance do princpio da

    supremacia do interesse pblico sobre o

    interesse privado na esfera administrativa.

    (...) Ora, a Administrao est, por lei,

    adstrita ao cumprimento de certas

    finalidades, sendo-lhe obrigatrio objetiv-

    las para colimar interesse de outrem: o da

    coletividade. em nome do interesse

    pblico o do corpo social que tem de agir,

    fazendo-o na conformidade da intentio

    legis. (...) Com efeito, por exercerem

    funo, os sujeitos de Administrao

    Pblica tm que buscar o atendimento do

    interesse alheio, qual seja, o da

    coletividade, e no o interesse de seu

    prprio organismo, qua tale considerado, e

    muito menos o dos agentes estatais.

    Resta, pois firmada a interpretao restrita que se

    deve fazer acerca do princpio da supremacia do

    interesse pblico, em especial, registra-se que interesse

    pblico aqui deve ser entendido como interesse da

    coletividade (primrio) e no da pessoa pblica em si

    (secundrio), da no haver disponibilidade de tal

    interesse por parte de autoridade ou de administrador,

    mas somente por lei, sob pena de infirmar-se o Estado de

    Direito (art.1, art.5, II e art.37, todos da CF/88).

    Ademais, sendo tal princpio (prevalncia do

    interesse pblico) usado para diminuio ou limitao de

    interesses particulares ou individuais, deve-se observar

    que no se pode admitir a total aniquilao dos ltimos,

    mas to somente a diminuio na medida necessria

    para se atingir o bem de todos, sempre harmonizando os

    diversos e conflitantes interesses presentes em um

    Estado Democrtico: Em sendo assim, tem-se o

    compromisso bsico do Estado Democrtico de Direito

    na harmonizao de interesses que se situam em trs

    esferas fundamentais: a esfera pblica, ocupada pelo

    Estado, a esfera privada, em que se situa o indivduo, e

    um segmento intermedirio, a esfera coletiva, em que se

    tem os interesses de indivduos enquanto membros de

    determinados grupos, formados para a consecuo de 27

    objetivos econmicos, polticos, culturais ou outros.

    Nesse pr isma, a melhor forma de se

    compatibilizarem interesses antagnicos, geralmente

    consubstanciados em princpios constitucionais,

    valendo-se do princpio da concordncia prtica ou

    harmonizao segundo o qual se deve buscar, no

    problema a ser solucionado em face da Constituio,

    confrontar os bens e valores jurdicos que ali estariam

    conflitando, de modo a, no caso concreto sob exame, se

    estabelea qual ou quais dos valores em conflito dever

    prevalecer, preocupando-se, contudo, em otimizar a

    preservao, igualmente, dos demais, evitando o 28

    sacrifcio total de uns em benefcio dos outros.

    Ademais, para melhor ser viabilizada a

    harmonizao dos valores ou princpios constitucionais,

    deve-se va ler da tcn ica ins t rumenta l da

    p