o regente moderno e a construção da sonoridade coral

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    FERNANDES, A.; KAYAMA, A. ; STERGREN, E. O regente moderno e a construo da sonoridade coral... Per Musi, Belo Horizonte, n.13, 2006, p.33-51

    O regente moderno e construo d sonordde corl:nterpreto e tcnc vocl

    Angelo Jos Fernandes (UNICAMP)[email protected]

    Adriana Giarola Kayama (UNICAMP)[email protected]

    Eduardo Augusto stergren (UNICAMP)[email protected]

    Resumo: Este artigo uma reexo sobre a tarefa do regente coral atual em suas funes de intrprete,executante e preparador vocal. Considerando o fato de que o regente , em geral, o nico prossional da rea demsica de um grupo coral, este trabalho analisa seu papel como intrprete e aponta os elementos necessriospara a formao dos cantores corais quanto s questes histrico-estilsticas e seu preparo tcnico-vocal comoferramentas fundamentais para a performance coral. O artigo ainda aborda a importncia da sonoridade naexecuo da msica coral, sua adequao aos vrios estilos e prope alguns caminhos para a construo docoro como um verdadeiro instrumento coral.Plvrs-chve: msica coral, regncia coral, sonoridade coral, interpretao musical, tcnica vocal.

    The modern conductor nd the chorl tone:nterpretton nd vocl technqueabstrct: This article is a reection on the tasks of the choral conductor in his/her activities as an interpreter,performer and vocal coach. Considering the fact that the conductor is usually the only professional musician in achoral group, this paper analyzes the conductors function as an interpreter and points out the several elementsthat are necessary for the singers understanding of the history of music and related styles, including the knowledgeof vocal technique, as a fundamental tool in choral performance. The relevance of sonority is also discussedregarding the performance of the choral repertoire and its adaptation to the various choral styles. Lastly, thisarticle suggests steps for the building of a choir as a true choral instrument.Keywords: choral music, choral conducting, choral tone, musical interpretation, vocal technique.

    1- introduo:As ltimas trs dcadas testemunharam um enorme crescimento da prtica coral, tornando ocanto-coral amador uma das atividades musicais mais comuns em inmeros pases. De naturezacomunitria, a msica coral tem proporcionado, de forma muito acessvel, uma realizao

    artstica pessoal a um grande nmero de pessoas1

    , pois, para satisfazer a experincia coralno necessrio, como pr-requisito essencial, um estudo profundo e extenso por parte doscantores.

    Observa-se que, em funo de sua natureza, a atividade coral tem a diversidade como umade suas principais caractersticas. As denominaes corais so as mais variadas. Os objetivos,funes e interesses dos inmeros grupos corais so bastante heterogneos. O nvel tcnico

    Recebido em: 09/02/2006 - Aprovado em: 24/06/2006

    1 Em seu artigo Choral Tone, publicado em 1993 no livro Up Front! Becoming the Complete Choral Conductor,Brandvik citou que um recente levantamento havia revelado que existia cerca de 15.000.000 de cantores

    corais em todo o mundo (GRAU, 1992 apud BRANDVIK, 1993, p. 149).

    Per Musi Revista Acadmica de Msica n.13, 119 p., jan - jun, 2006

    FERNANDES, A.; KAYAMA, A. ; STERGREN, E. O regente moderno e a construo da sonoridade coral... Per Musi, Belo Horizonte, n.13, 2006, p.33-51

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    e artstico dos coros tambm varia em grande escala. Evidentemente, tal diversidade atingetambm o repertrio. Existem coros que se dedicam a um nico estilo de msica coral, mas emgeral, a maioria dos coros trabalha com repertrios de estilos diferentes, da msica renascentista

    aos arranjos de msica popular e folclrica.

    Um dos poucos pontos comuns entre os grupos corais de natureza amadora o fato de queo regente o nico prossional do grupo. Mesmo na atividade coral prossional, ele a guracentral de todo o processo interpretativo das obras do repertrio de seu grupo. Embora oregente tenha que assumir uma srie de outras funes, como as de pedagogo e preparadorvocal, o foco de seu trabalho , normalmente, a performance, atravs da qual ele exerce seuspapis de intrprete e executante.

    2 - Uma breve reexo: o intrprete e sua funo:

    Com os olhos focados nas questes histrico-interpretativas, pode-se dizer que a arte damsica est exposta a uma diculdade no presente em outros meios artsticos (exceto emalgumas formas literrias): ela requer os servios de um executante (NEWTON, 1984, p.1). E,embora a prtica da msica histrica se mantenha presente na vida do homem moderno, hsrias diculdades encontradas por seus executantes, pois sendo a msica uma arte temporal,a performance de uma obra musical exige sua re-criao. Assim, a performance depende deum conjunto de smbolos visuais que transmitem as intenes do compositor ao seu intrpretee, atravs deste, ao ouvinte ou espectador (DART, 2000, p.3). Tendo em vista a natureza daarte musical e a participao desses trs agentes na interpretao musical compositor, exe-cutante e pblico HOWERTON (1956, p.81) arma que:

    Toda a arte da interpretao consiste essencialmente na re-criao da idia do compositor e nasua transmisso para o ouvinte, de acordo com a percepo do executante de seu signicadointerior. Assim, a interpretao depende do entendimento que o executante tem da intenodo compositor, de sua compreenso sobre as implicaes bsicas da obra e de sua habilidadeem transmitir essas mensagens ao ouvinte. Sua prtica em traduzir a idia do compositor comsuas atitudes dene sua habilidade como um artista interpretativo. [todas as tradues sodos prpros utores do presente rtgo]

    Para NEWTON, o relacionamento entre compositor e executante de um lado e entre executantee pblico de outro complexo e fascinante. A partir de uma anlise histrica, ele conclui quea prtica dos diferentes estilos de msica varia nas diferentes culturas. Assim, em alguns tiposde msica o papel do intrprete tem certo destaque se comparado ao papel do compositor.Por outro lado, existem estilos musicais nos quais o intrprete no tem a menor liberdade deinterpretao: ele meramente um executante de um texto controlado rigidamente (NEWTON,1984, p.1). NEWTON acredita que grande parte da msica apresentada nas salas de concertohoje tende a limitar a interpretao e que a chave do sucesso a empatia e a habilidade daimaginao em projetar sua prpria conscincia [intrprete] para outro ser (compositor) ocorao e a alma do estilo e da interpretao (NEWTON, 1984, p.2).

    HARNONCOURT (1998, p.28) diz que a msica histrica uma lngua estrangeira para ointrprete atual. Para ele a mensagem particular que ela traz em si ligada (sua) poca eno pode ser reencontrada, a no ser que se tente um tipo de traduo para os dias atuais.

    PACHECO (2004, p.7) completa armando que:

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    Um intrprete moderno, se est preocupado com autenticidade, deve partir sempre paraum processo de traduo baseado em pesquisa histrica que no deve ser um instrumentorepressor, ou um m em si mesmo, mas o gatilho para uma interpretao verdadeira, viva eautntica. Anal, cada performance musical uma nova criao, pois nenhuma interpretao

    pode ser repetida da mesma forma. Sejamos, ento, como um tradutor que no pretendendoser literal, palavra por palavra, mantendo-se el s idias do texto original, compe um textoem sua prpria lngua.

    A partir de um processo de traduo, o intrprete deve, portanto, estabelecer uma comunicaoentre obra e pblico, que sendo o receptor da mensagem musical no pode ser ignorado, bemcomo seu tempo e seu ambiente. Essa a difcil tarefa do intrprete: reduzir as diferenas entreos meios usados pelo compositor e a compreenso da mensagem pelo ouvinte (NEWTON,1984, p.5).

    No mbito da msica coral, o processo interpretativo um pouco mais complexo. Antes decomunicar a obra ao pblico, o regente-intrprete precisa comunic-la aos seus cantores.Assim, na re-criao da msica coral existem quatro agentes essenciais: compositor, regente(intrprete), cantores (executantes) e pblico. Tanto os cantores quanto o pblico dependem,pois, das habilidades e da capacidade artstica do regente. Para DECKER e KIRK (1988,p.1):

    A regncia apresenta oportunidades e desaos musicais para a comunicao. [...] Umsolista se preocupa em comunicar suas intenes artsticas e mensagens dos compositoresdiretamente ao pblico. Por sua vez, os regentes esto diante de uma grande e rdua tarefa.Eles devem, primeiramente, compartilhar percepes sobre as intenes de um compositorcom os msicos que se unem para formar o [seu] instrumento (coro, grupo instrumental, ou

    ambos). Depois de ensaiar, o regente e o grupo tero como meta comum a comunicaoartstica com o pblico.

    3 - a nterpreto n msc corl: estlo e sonordde:Sendo a msica uma arte temporal, consequentemente uma obra musical entendida, de formamais ecaz, durante o perodo de tempo dedicado sua performance [e] sua beleza artstica transmitida atravs do som (DECKER e KIRK, 1988, p.1). Pode-se dizer que a sonoridadede uma obra na performance, como resultado do processo interpretativo, uma forma atravsda qual o intrprete pode expressar sua viso da obra. A dedicao ao estudo dos aspectosrelacionados sonoridade dos vrios estilos de msica coral , pois, um caminho seguro eecaz para o regente no cumprimento de sua tarefa de tradutor.

    No se pode ignorar o fato de que as notas escritas por um compositor no existem em umvcuo; elas foram concebidas com uma certa sonoridade em mente, e essa sonoridade seria,naturalmente, aquela com a qual ele se familiarizava (NEWTON, 1984, p.3). Um compositordo passado concebia suas obras em termos de sonoridades musicais da sua poca, como fazum compositor do sculo XX (DART, 2000, p.27).

    Assim como as formas e os estilos musicais, as sonoridades tambm mudaram ao longoda histria. Portanto, se o regente pretende aprofundar-se na interpretao da msica coralhistrica, ele ter que enfrentar o desao de entender como ela soava. Ele precisa, entre outras

    qualidades, desenvolver uma viso clara sobre os vrios estilos e gneros de msica coral.

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    A prtica da msica coral sofreu, ao longo da histria, inuncias temporais, geogrcas eprprias da individualidade dos vrios compositores. Tais inuncias se reetem em uma sriede aspectos que deveriam ser investigados no processo interpretativo de uma obra: a) em que

    circunstncias e para que tipo de pblico a obra foi escrita; b) as possveis condies acsticasdas salas de concerto bem como o tipo e o tamanho dos grupos vocais e instrumentais para osquais a obra foi composta; c) o sistema e o padro local de anao; d) a cor ou qualidadesonora das vozes e dos instrumentos; e) as variaes de mtrica, fraseado, articulao edinmica; f) o signicado do texto e as formas regionais de pronncia deste texto. Direta ouindiretamente, todos esses aspectos exercem alguma inuncia sobre o resultado sonoro deuma obra na performance. Assim, a m de desenvolver um trabalho coerente com questesestilsticas atravs da sonoridade, o regente precisa dar ateno forma como esta se relacionacom cada um dos citados elementos.

    Contudo, o msico que se dedica questo da sonoridade e lhe concede um papel importanteno contexto da interpretao v surgir automaticamente problemas referentes aos critrioshistricos (HARNONCOURT, 1998, p.86). Reunir evidncias extremamente convincentes sobresonoridades e prticas interpretativas, antes da inveno das gravaes, algo evidentementedifcil. H, entretanto, uma grande quantidade de indicaes e evidncias que podem orientaro regente a respeito da prtica vocal em sculos passados. NEWTON (1984, p.9) diz que:

    Elas podem ser encontradas nos vrios livros de instruo escritos pelos grandes professoresde canto. Elas podem tambm ser encontradas nas descries do canto de perspicazescomentadores como Berlioz e Chorley no sculo XIX e Burney no sculo XVIII. Outras evidnciasimportantes podem ser encontradas no estudo dos instrumentos usados na prtica musical,particularmente aqueles que acompanhavam a voz. Eles prosperariam ou ento cairiam em

    desuso, ou eles seriam modicados para satisfazer as mudanas de gosto. Especialmente nostempos mais antigos, um dos objetivos declarados da criao de instrumentos, seja de soproou de cordas, era imitar a voz humana.

    Buscar respostas atravs de evidncias sobre a performance coral em pocas e culturasdiversas, uma atitude que pode dar grande dimenso ao processo interpretativo. Com base emum conhecimento estilstico slido, construdo a partir de fontes seguras de pesquisa, o regentepoder desenvolver um trabalho de explorao de sonoridades vocais diversas, apropriadasao estilo das obras do repertrio de seu grupo coral. SWAN (1988, p.9) ressalta que:

    O regente que familiarizado com o desenvolvimento histrico da msica entende que

    elementos interpretativos mudam radicalmente a cada perodo de composio e para todocompositor e suas composies. Idealmente falando, o som do coro tambm deveria mudarcom as idias interpretativas se uma performance el s exigncias da msica.

    4 - interpreto e tcnc: em busc de sonorddes dequds:Independentemente de seu valor artstico, tempo histrico e estilo, uma composio coral uma proposta do compositor na qual, a partir de um texto, ele prope o ritmo, o andamento, asdiferentes freqncias das vozes, a dinmica e a expresso. Sua execuo vai depender darealizao correta da anao, da articulao inteligvel do texto, alm das qualidades tcnico-vocais do coro, administradas pela competncia do regente que deve moldar sua viso da obraexpressando-a atravs da sonoridade resultante deste processo. HEFFERNAN (1982, p.111)

    arma que:

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    A performance musical dependente tanto da tcnica como da capacidade artstica doexecutante. Da mesma forma que o regente ensinou aos membros de um coro as tcnicasde produo vocal e canto em conjunto, assim [tambm] ele deve oferecer-lhes orientaono desenvolvimento de sua sensibilidade realizao artstica. Neste nvel do fazer musical,

    o regente est lidando quase que exclusivamente com elementos sutis. Uma caractersticadistintiva da realizao artstica o renamento, a sensibilidade para mudanas poucoperceptveis na sonoridade, ritmo e dinmicas. O regente deve ser uma pessoa sensvel eestar apto a transmitir tais renamentos para os cantores.

    Conseguir uma sonoridade adequada e nica no processo de interpretao de uma obra coral vaiexigir do regente e dos cantores um domnio e uma exibilidade vocais capazes de possibilitar amelhor emisso, um bom entendimento do texto a ser executado, alm do conhecimento sobreprticas interpretativas. Com conhecimento da pedagogia vocal, os regentes podem trabalharefetivamente nos ensaios para desenvolver nos cantores uma maior habilidade vocal. A tcnicavocal pode proporcionar uma maior qualidade sonora e uma melhor anao. possvel se

    direcionar o trabalho tcnico de forma aplicada interpretao estilstica de repertrios coraisdiversicados. De forma ecaz e saudvel, o cantor pode: aprender a variar a sonoridade desua voz em todos os registros, atingindo grande quantidade de cores sonoras; desenvolverum amplo espectro de dinmicas; e adquirir a habilidade de executar passagens melismticascom grande agilidade e leveza.O resultado sonoro de um coro depende da forma como seus cantores produzem seu prpriosom. No se pode ignorar a grande variedade de sons vocais usados na performance dos maisvariados estilos de msica. NEWTON (1984, p.5) diz que existe um amplo espectro de sonsque podem ser produzidos pelas pregas vocais para realizar os mais diferentes tipos de msica,

    considerando-se o mundo inteiro e sua variedade cultural. Como a prtica coral atual tende aabranger grande diversidade de estilos de msica erudita e popular, importante formar corosconscientes e capazes de produzir sonoridades variadas.

    Em sua abordagem sobre prioridades no treinamento de coros de todos os nveis, CARRINGTON(2003. p.29) aconselha ao regente, em sua funo de preparador vocal, que:

    Independente do nvel inicial do coro, decida sobre um som coral ideal e trabalhe paradesenvolv-lo. Por exemplo, um som limpo, saudvel, alto, com uma variedade de cores, dobrilhante ao escuro, do frio ao caloroso, do forte ao suave. Um som exvel, mas com intensidadeconstante, e um vibrato controlado, que pode variar sem esforo e rapidamente desde nenhumat um vibrato moderado assim como o vibrato de um excelente instrumentista de corda.

    A abordagem de CARRINGTON bastante apropriada para regentes que buscam uma maiorautenticidade na performance. Entretanto, h autores que, mesmo compartilhando deste ideal, acreditamque tal meta, principalmente com cantores amadores, impossvel de ser atingida ou implicaria emum trabalho muito rduo para o regente e seus cantores. SWAN (1988, p.10) questiona:

    Se o som pode ser mudado vontade, por que que um coro regido pela mesma pessoaproduz o que em essncia um som idntico independente da seleo cantada? Nas mos deum artista algumas mudanas interpretativas so imediatamente perceptveis; no necessrioque Brahms soe exatamente o mesmo que Palestrina. Entretanto, com cantores amadores impossvel obter uma ampla faixa de variao sonora na medida em que o coro muda de

    uma pea a outra.

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    HEFFERNAN (1982, p.86) tambm argumenta:

    De maneira alguma eu defendo [a idia de se] instruir um coro para cantar sempre com omesmo som. Apesar de todos esses grupos famosos que so admirados por seu som claroou escuro, a abordagem de uma sonoridade nica essencialmente errada. A menos que ocoro cante apenas [obras] de um determinado perodo da literatura musical, a escolha de umasonoridade nica ser inapropriada para pelo menos metade do repertrio que est sendoexecutado. verdade, entretanto, que trabalhar um grupo que possa variar substancialmenteseu som de uma composio para outra uma tarefa muito difcil. Isso quase no pode serfeito com coros de vozes jovens. Mudanas signicativas podem ser obtidas apenas com umdesenvolvimento substancial em tcnica vocal. Da a necessidade de se ensinar constantementeproduo vocal nos ensaios.

    Certamente, as opinies variam de regente pra regente, no que diz respeito adequao dasonoridade em funo da diversidade estilstica. Tal variao de opinies reete, largamente,

    no trabalho de preparao vocal dos coros. Para ilustrar este fato, PLANK (2004, p.4) observadiferentes opinies de regentes de coros ingleses a respeito da exibilidade estilstica:

    Sir David Willocks, h poucos anos afastado de seu cargo no Kings College Cambridge, sugeriua exibilidade estilstica, mas que esta no se estendesse qualidade sonora: Naturalmente vocdeve ajustar seu estilo para adaptar ao da msica..., mas difcil e delicado esperar que um coroaltere verdadeiramente a qualidade do som que produz. Igualmente, Bernard Rose, Informatorchoristarum no Magdalen College, Oxford, esperava um nico som que funcionasse em todosos estilos: Eu acredito que se voc concentrar em [um trabalho com] vogais puras e unnimes,este produzir um som que apropriado e agradvel para todo perodo da msica. Trilhandoum caminho diferente, Edward Higginbottom do New College, Oxford, buscou refgio no naesttica histrica, mas certamente, na sade vocal: Eu no tento conseguir um determinado

    som porque eu acredito que este seja o correto para determinado tipo de msica, eu buscoum som porque que acredito que seja a forma correta de cantar.

    PHILLIPS (1980; apud PLANK, 2004, p.4) cita, ainda, a opinio de um quarto regente, BarryRose da Catedral de St. Paul que, defendendo a variao sonora do coro segundo as exignciasdo estilo, sugere uma realidade diferente em termos de abordagem tcnica:

    Os meninos tm dois registros. Ns podemos cantar, em uma mesma cerimnia, o Prevent usO Lordde Byrd e o Hallelujah Chorus, fazendo o segundo soar como o Royal Chorus Societyem pleno xtase, e o outro [primeiro] como um coro lindo e puro. Os meninos simplesmentefazem um som diferente diferente em timbre, diferente em produo. Para produzir estesom duplo eles contraem levemente a garganta para que haja um aumento da aspereza e

    da intensidade, eles usam suas vozes de peito at seu limite superior; e sabem, atravs dosmeus gestos, qual o som que eu busco.

    Apesar dos posicionamentos contrrios, acredita-se rmemente que o trabalho de variaosonora possvel e de grande importncia para a performance de repertrios diversicados, jque os diferentes estilos requerem diferentes sonoridades. evidente que reproduzir exatamenteas condies sonoras originais de uma composio coral uma tarefa bastante pretensiosa.Contudo, HEFFERNAN (1982, p.82) diz que:

    [...] qualquer coro pode variar seu som at certo grau, freqentemente em uma escalasurpreendente. [...] O fator determinante a tcnica vocal de cada cantor individualmente, [porisso], os regentes devem trabalhar para uma exibilidade de produo. [...] At que os membros docoro estejam seguros em sua demonstrao de postura, respirao e apoio, e at que eles possam

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    cantar sem tenso, com a ressonncia adequada, pouco pode ser feito para produzir variaesna sonoridade. Por isso que muitos coros destreinados ou inexperientes so cansativos deouvir; decientes de tcnica vocal, eles podem produzir pouqussima variao em seu som. Oregente deve ter constantemente em mente a necessidade de uma produo vocal ecaz.

    Ao regente cabe, portanto, a responsabilidade de conduzir o processo interpretativo, no qualele deve exercer, entre outras funes, seu papel de preparador vocal.

    5 - Desenvolvendo o nstrumento corl: o regente como professor de cntoBRANDVIK (1993, p.149) arma que 95% dos cantores corais de todo mundo, no estudamcanto com um professor particular, podendo concluir que o preparo vocal desses milhes decantores corais est nas mos de seus regentes.

    fato que, para o exerccio da sua funo de intrprete, o regente precisa ter um coro que

    responda s exigncias estilsticas das obras bem como aos aspectos de sua interpretao.Entretanto, constata-se que mesmo tendo conscincia do resultado pretendido nem sempreo regente est apto para alcan-lo. Preparar vocalmente um grupo de cantores amadores uma tarefa rdua, que exige do regente, alm da ateno s condies tcnicas de seu grupo,um bom conhecimento de tcnica vocal. Sua relao com a tcnica vocal deve ser to ntimaquanto sua relao com a tcnica de regncia e com o seu conhecimento musical geral. SMITHe SATALOFF (2000, p.9)armam que:

    O regente deve reunir um arsenal de ferramentas pedaggicas, inspirao potica,conhecimento histrico e habilidades pessoais para acompanhar os passos de uma natureza deconstantes mudanas do coro. essencial que os regentes corais aprendam a usar bem suas

    prprias vozes, e por meio disso formem uma estrutura pessoal de referncia para assuntosvocais. Postura, qualidade e som da voz, uso da linguagem e o gestual de regncia deveriam,cada qual, exemplicar e sugerir bons hbitos vocais.

    O desconhecimento da tcnica vocal e da siologia da voz humana tende a limitar o regenteem suas funes. Alm de colocar em risco a sade vocal de seus cantores, sua funo deintrprete pode car comprometida pela falta de maiores habilidades vocais por parte do coro.MILLER (1996, p.58) enfatiza que:

    Um som coral completo s pode ser alcanado quando os cantores dentro do grupo usarem suasvozes ecientemente. dever do regente coral ensinar os coristas como se tornar cantores ecientes,de forma que as exigncias musicais a eles impostas os beneciem e no os prejudiquem, e assim, a

    qualidade do som do conjunto seja da mais alta condio possvel. Aceitando-se a premissa de quemsica coral msica vocal, as qualicaes exigidas de um regente coral devem ser direcionadas. suciente ser um bom musicista, ter qualidades de liderana, possuir habilidades como um organistaou pianista, ou ser musicologicamente bem informado? No necessrio ser um cantor prossionalpara ser um bom professor de canto, mas necessrio que se alcance um bom nvel de procinciatcnica com o seu prprio instrumento. Da mesma forma, no necessrio ao regente coral ser umcantor, mas ele ou ela deveria estar apto a conduzir os coristas a uma procincia vocal.

    Reetindo sobre a necessidade do desenvolvimento de recursos tcnicos por parte dos cantorespara a execuo de obras corais, SWAN (1988, p.9)completa, armando que:

    Se uma composio cantada corretamente, se as notas esto certas em altura e durao,tal procedimento garante automaticamente um som bonito? Estranhamente essa curiosa

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    linha de pensamento rejeita o uso de procedimentos similares por um grupo instrumental,pois todos concordam que alguma habilidade necessria para se tocar um instrumento.Igualmente, um cantor no precisaria de um considervel conhecimento tcnico para usarsua voz adequadamente? Infelizmente, cantar muito fcil, embora cantar bem seja uma

    tarefa difcil. Parece sensato acreditar que uma condio especial para ensinar e aprender essencial para o desenvolvimento de uma sonoridade coral que seja adequada s exignciasde qualquer composio musical.

    De fato, assim como os instrumentistas de um grupo precisam desenvolver habilidades tcnicaspara atingir certo grau de qualidade na performance, os membros de um coro precisam serorientados sobre a forma como devem cantar:

    Os instrumentistas que tocam numa banda de uma escola do ensino mdio ou orquestrageralmente receberam muitos anos de treinamento com um professor particular. Muitosinstrumentistas continuam as aulas enquanto participam de grupos. Isso raramente o casode um cantor coral. [...] Regentes de corais incluindo os infantis e juvenis carregam umatremenda responsabilidade por seu futuro [como cantores]. Eles [regentes] precisam ser bemqualicados para promover cantores em formao com instruo competente. Regentes queno estudaram canto com um professor de canto experiente raramente so qualicados paraassumir tal responsabilidade. (DECKER e KIRK, 1988, p.118)

    J que o regente , em geral, o primeiro e nico professor de canto dos cantores de seu grupo, preciso assumir a responsabilidade de instruir o grupo a respeito de tcnica vocal, caso sepretenda atingir um alto nvel artstico na performance. Entretanto, os regentes ainda estodivididos em seus posicionamentos quanto ao trabalho tcnico-vocal. Alguns consideram atcnica vocal sem importncia, recusando-se a trabalh-la. Outros possuem pouca ou nenhumaexperincia em canto e, por isso, se sentem desconfortveis com a responsabilidade de lidar comtais questes. Para muitos, a tcnica vocal se limita a simples exerccios de aquecimento, queproduzem pouco ou nenhum benefcio ao desenvolvimento vocal a longo prazo. H os que seprendem ao uso de alguns determinados exerccios ou mtodos aprendidos em alguma escolade canto, sem discernir se esses contribuiro para o desenvolvimento da sonoridade das vozes.Existem aqueles que, por no planejar seus ensaios e a aplicao da tcnica vocal no repertrio,utilizam um nmero exagerado de vocalises aprendidos em cursos diversos, acreditando queconseguiro bons resultados atravs deste trabalho. Observam-se, ainda, regentes que buscamuma sonoridade nica em seu trabalho; por acreditar que os vrios estilos devem se adequar atal sonoridade, executam todas as obras do repertrio com um mesmo som.

    As divergncias em relao ao trabalho sistemtico de tcnica vocal aplicado ao coro no parampor a. Regentes tendem a concordar que um som vocal ecaz e bonito precisa ser saudvel,sem ar, confortavelmente sustentado, cantado na anao correta, bem articulado e capaz devariar em intensidade. H, entretanto, diferentes posicionamentos a respeito do uso do vibrato,da importncia de se trabalhar os registros vocais e a produo do som das vogais, da diferenaentre a voz do cantor lrico solista e do cantor coral2, entre outros.

    2 No est entre os objetivos deste trabalho entrar no mrito da questo sobre as diferenas entre a produovocal do cantor lrico solista e do cantor de coro. Tal assunto merece ser tratado num trabalho especco, a parte.Contudo, importante ressaltar que tais diferenas existem. Para um maior esclarecimento deste tema sugere-

    se a leitura do sexto captulo Choral Voice do livro The science of the singing voice de Johan Sundberg.

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    Em funo da diversidade de escolas de canto, existe um amplo espectro de metodologiaspara se desenvolver uma tcnica vocal ecaz. importante que o regente determine suasprioridades e trabalhe para alcan-las. SWAN (1988, p.55) constata que:

    Como um professor de canto, eu estou preocupado com o crescimento vocal de cada indivduono coro. Isso inclui o desenvolvimento de sua habilidade em produzir apropriadamente o some apoiar, controlar e desenvolver a ressonncia [deste] som. Ele incentivado a usar o vibratoe deve aprender a aumentar sua extenso. Como um regente, meu desejo principal que meucoro aprenda a comunicar com ao pblico todos os elementos musicais, estticos e textuaisque esto em cada partitura que eles cantam. Todo fundamento de ensaio e de tcnica dedicado a essa proposta. Portanto, eu considero que o som do coro importante na medidaem que pode contribuir com a comunicao. Alm disso, de todas as caractersticas corais,eu acredito que a cor do som a mais til como um agente de comunicao.

    No basta, entretanto, determinar as prioridades. Para alcan-las necessrio que o regente

    exera sua funo de preparador vocal e, para tal, preciso que ele estude canto, conheasua prpria voz e adquira o hbito de utilizar uma terminologia adequada no treinamento deseus cantores. EDWIN (2001, p.54) observa que:

    Ns no deveramos aceitar a condio atual no tocante ao vocabulrio e tcnica. Todos ns[regentes e professores de canto] precisamos examinar [melhor] a terminologia a respeito deapoio, foco, colocao, voz de cabea e de peito, considerando informaes pedaggicas epesquisas cientcas fornecidas por autoridades como Richard Miller, Johan Sundberg, ThomasCleveland e Robert Thayer Sataloff. A administrao pessoal da respirao, a fonao e astcnicas de ressonncia devem ser comparadas com essas [encontradas] na literatura deuso comum. Quando as comparaes revelarem procedimentos contraditrios, deve-se estardisposto a experimentar, no estdio ou na sala de aula, as tcnicas opostas para determinar

    se uma mais ecaz que a outra e, se necessrio for, abandonar aquelas que so familiarese confortveis por aquelas que so mensuravelmente melhores.

    6 - aspectos tcncos d sonordde corl: construo do som pdro:Dos vrios elementos presentes na performance coral, o som do coro , em geral, um dos quemais chama a ateno dos apreciadores de tal arte. HEFFERNAN (1982, p.80) observa que:

    A primeira coisa com a qual um pblico reage num concerto coral, com exceo dos aspectosvisuais, o som produzido pelo coro. A ateno dos ouvintes imediatamente atrada qualidade do som que est sendo externado sua riqueza, maturidade, plenitude e clareza tambm, em muitos casos, falta de alguma dessas caractersticas.

    Segundo o ideal de Carrington descrito anteriormente, o regente deve construir um som bsicopara o qual o coro possa sempre retornar. A partir deste som padro o coro aprender avariar sua sonoridade adquirindo uma exibilidade que possibilite a execuo adequada derepertrios diversos. A construo de um som padro tecnicamente eciente e esteticamentebonito depende de escolhas feitas pelo prprio regente que, assim, poder demonstrar suahabilidade como preparador vocal. PFAUSTCH (1988, p.91) diz que:

    O som do seu coro ser uma exposio da sua habilidade em transmitir seu conhecimento,em aumentar e renar suas tcnicas pedaggicas, em estimular e manter nos seus cantoresa dedicao s normas vocais e musicais, em dar forma s nuances silbicas e meldicas,em expandir o conhecimento e procincia tcnica de seu coro e em conduzir o grupo

    performance artstica.

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    Uma vez que a sonoridade coral depende das escolhas do regente, de que forma, ou, a partirde que elementos, o som de um coro pode ser construdo? Que aspectos so relevantes naconstruo de uma sonoridade coral padro pretendida?

    HEFFERNAN (1982, p.82) arma que o som coral inuenciado por algumas reas claramentedenidas: produo vocal, anao, dinmica e vogais. Para SWAN (1988, p.8), no existemdois coros que produzam um som idntico e a sonoridade de um coro depende, de fato, dasescolhas tcnicas e musicais feitas pelo prprio regente, alm da sua capacidade de aplic-lasno trabalho frente do coro. Ele ressalta que:

    O tipo ou qualidade de som produzido por um grupo coral inuenciado primeiramente pelospensamentos e aes do seu regente no que diz respeito: 1. Aos processos bsicos do canto:fonao, apoio, ressonncia e extenso vocal; 2. Ao grau de nfase dado a uma ou mais dasvariadas tcnicas corais fundamentais de homogeneidade, preciso rtmica, fraseado, equilbrio,

    dinmica e pronncia; 3. s exigncias interpretativas e estilsticas da partitura musical; 4.Aos recursos pessoais e tcnicos do regente que ele usa para se comunicar com seu coronos ensaios e nas apresentaes.

    A formao do som padro de um coro depende de uma srie de aspectos tcnicos. Naperformance, este som ainda sofre a inuncia de aspectos estilsticos. Entre os aspectostcnicos, h os que esto relacionados individualidade das vozes que formam o coro(produo vocal, registrao vocal, dico, timbre e vibrato) e os que se relacionam diretamentecom o canto coletivo (homogeneidade, equilbrio, entonao em grupo e preciso rtmica).Evidentemente, considerando a natureza da atividade coral, todos esses aspectos devem sertrabalhados coletivamente. Uma vez construda a sonoridade padro, o regente poder trabalhar

    sua variao atravs dos aspectos estilsticos: exibilidade timbrstica, fraseado, articulao(musical), emprego de dinmicas e andamento (escolha de tempo).

    6.1 - aspectos tcncos ndvdus:O desenvolvimento da qualidade sonora de um grupo coral comea por um processo deconscientizao do cantor a respeito das ferramentas bsicas para uma produo vocaladequada. Partindo do princpio de que o regente esteja apto para preparar vocalmente seuscantores e, considerando o fato que ele no teria tempo para dar aulas individuais de cantopara todos, preciso desenvolver um programa de trabalho sistemtico para que os cantoresaprendam a lidar com as questes tcnicas e aplic-las ao repertrio. Contrastes de dinmica,homogeneidade e equilbrio apropriados, anao e entonao precisas, e fraseado ecaz sotodos dependentes de uma produo vocal correta (GARRETSON, 1988, p.67).

    Evidentemente a siologia vocal bastante complexa e merece um estudo aprofundado.De forma generalizada, pode-se dizer que existem essencialmente trs reas da produovocal, claramente distinguveis, que devem ser estudadas e constantemente trabalhadas: 1) aadministrao da respirao; 2) a funo larngea (coordenao eciente da respirao com aproduo do som) aliada busca do relaxamento do pescoo, mandbula e msculos faciais; 3)o desenvolvimento e explorao da ressonncia vocal. Neste processo o regente deve, ainda,considerar fatores como a postura apropriada para o canto, o aquecimento corporal e vocal,a funo e o valor dos vocalises e buscar meios de trabalhar a registrao vocal, a extenso

    vocal, os timbres e a exibilidade vocal.

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    Saber lidar com a questo da registrao vocal tambm de grande importncia para oregente. A voz humana possui trs registros: a voz de peito (registro grave), a voz mista oumdia (registro mdio) e a voz de cabea (registro agudo). A transio da voz de peito para a

    voz mista chamada deprimo passagio3 e a transio da voz mista para a voz de cabea chamada de secondo passagio4. Cada registro vocal tem sua prpria cor sonora, seu peso esuas caractersticas. Para que o cantor possa executar repertrios diversos de forma expressiva,as qualidades especcas de cada registro precisam ser desenvolvidas. Alm disso, a ampliaoda extenso vocal s possvel atravs do domnio dos registros.

    A difcil tarefa do regente a de entender os registros e orientar seus cantores a respeito decada um, a m de conseguir uma maior igualdade entre eles e desenvolver em todo o coro ahabilidade de transitar de um registro para outro sem que haja perda da qualidade sonora.O bom cantor deve aprender a lidar com a passagem de modo que ela se torne imperceptvel,

    como se, ao passar de um registro para o outro, tivssemos a impresso que fosse um registronico (COSTA e SILVA, 1998, p.84).

    Na msica vocal, seja ela coral ou no, o trabalho para se alcanar uma boa dico outro pontofundamental. Regentes e cantores tendem a concordar que o trabalho de dico essencialpara o sucesso de um grupo coral porque a dico permite: uma enunciao clara capaz deproporcionar o melhor entendimento do texto; a uniformidade sonora das vogais, essencial parauma anao renada e para a maior homogeneidade sonora; a uniformidade de articulaoconsonantal, essencial para a uniformidade rtmica; e a exibilidade dos lbios, da lngua e dagarganta, permitindo uma produo vocal eciente e saudvel.

    Um bom comeo para se atingir uma dico coral precisa a produo correta dos sonsvoclicos. Os membros do coro devem se tornar conscientes a respeito dos sons das vogaispuras. A falta desta conscincia a base para muitos erros no canto e para a dico pobre(HEFFERNAN, 1982, p.94). MOORE (1999, p.51) observa que:

    O ponto de renamento da qualidade vocal e de unicao sonora do canto grupal est naformao das vogais. Ela determina a qualidade e a maturidade do som e constitui o fatorprimrio na preciso e controle da anao, alm de abrir o caminho para que um grandenmero de cantores possa cantar como uma s voz. [...] Ser necessrio que o coro identiquee conhea a formao das vogais bsicas.

    Ao regente compete o intenso trabalho de ensinar aos cantores a produo adequada dos sonsvoclicos. Para MILLER (1996, p.61), muitos dos problemas de anao nos grupos coraisso conseqncia da inabilidade dos cantores em diferenciar claramente as vogais. O autorincentiva o regente a aplicar exerccios de diferenciao das vogais para que seus cantoresadquiram maior domnio sobre sua produo:

    Um pequeno nmero de exerccios de diferenciao das vogais, executados individualmenteou em grupos, primeiro lentamente, e depois rapidamente, traz uma conscientizao sobrecomo as vogais podem ser mudadas sem perda da consistncia necessria para se produzir

    3 Lit: primeira passagem.

    4 Lit: segunda passagem.

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    um timbre vocal rico em ressonncia. Essa consistncia do timbre pode ser mantida somentese o trato ressoador permitido a assumir formas que rastreiem a vogal gerada na laringe. essa habilidade de mudar os contornos do trato ressoador que permitem que o timbre vocalpermanea constante quando as vogais so diferenciadas.

    Conscientes da produo voclica, os cantores devem desenvolver a habilidade de articulao dasvrias consoantes. No discurso musical, a clareza das consoantes essencial para a comunicaodo texto. Se a pureza das vogais bsica para a produo de um som esteticamente bonito, apreciso rtmica e o signicado do texto dependem de uma produo consonantal ecaz.

    Dos vrios aspectos que formam a qualidade sonora de uma voz e, conseqentemente, deum coro, o timbre o mais determinante. SMITH e SATALOFF (2000, p.140) armam que otimbre vocal pode ser considerado como o aspecto fundamental do som. Alm disso, para otrabalho de exibilidade sonora a variao timbrstica de grande relevncia.

    A m de buscar maiores esclarecimentos sobre o timbre vocal de grande valor, no s paracantores, mas tambm para regentes, recorrer ao tratado de canto de Manuel P. R. Garcia5.Embora tenha sido escrito em meados do sculo XIX, este tratado tem grande importncia portrazer, pela primeira vez na histria, a descrio cientca de aspectos da produo sonora e doestudo do canto que, at ento pertenciam ao terreno do empirismo. Em especial, as informaessobre timbre tm uma importncia histrica, uma vez que neste perodo a sonoridade vocalpassava por uma grande transformao6.

    Segundo este autor, timbre o conjunto de caractersticas prprias e innitamente variveisque podem tomar cada registro e cada som, sem considerar a intensidade (GARCIA, 1985,p.8). Em seu tratado ele aborda a existncia de diferentes timbres vocais, ressaltando que avariedade dos timbres resulta, inicialmente, dos diferentes sistemas de vibrao da laringee, em seguida, das modicaes que a faringe imprime a esses sons produzidos (GARCIA,1985, 1 Parte, p.8). Ele ainda arma que as modicaes de timbre se produzem todas pordois meios opostos, podendo, em ltima anlise, se reduzir a dois principais: o timbre claro eo timbre escuro (GARCIA, 1985, 1 Parte, p.9). Segundo PACHECO (2004, p.94), ao tratar detal tema, o autor no toma partido de um tipo especco de timbre, explicando e aconselhandoo uso de ambos.

    5 GARCIA, M. Trait complet sur lart du chant. Parte I, 1841; Parte II, 1847. Paris: Minkoff, 1985.6 Evidentemente a pesquisa sobre timbre vocal evoluiu muito, desde que Garcia publicou seu tratado. Contudo,

    por abordar a diferena entre timbre claro e escuro numa perspectiva histrica, consideramos este trabalhofundamental para a prtica do regente preocupado com a variao sonora de seu coro. Convm ressaltar que,para um maior entendimento dos timbres vocais, tambm importante o estudo sobre os formantes vocais eo formante do cantor. Uma vez que tal assunto merece um trabalho especco e mais detalhado, no nossainteno abord-lo no mbito deste artigo. Para maiores esclarecimentos acerca deste tema sugerimos a leiturado segundo captulo The Voice Organ do livro The science of the singing voice de Johan Sundberg, e/ou doquarto captulo The ressonant voice: supraglottic considerations in singingdo livro The structure of singingde

    Richard Miller.

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    No tocante sonoridade coral, pode-se armar que, por um lado, o timbre claro d muitobrilho s vozes e ao som do coro como um todo, tem grande poder de alcance, objetivoe excelente para a anao e, por outro, diculta a homogeneidade e pode tornar o som

    spero em algumas circunstncias. Por sua vez, o timbre escuro facilita a homogeneidade eproporciona um som arredondado e velado, entretanto, diculta a anao7 e a transparnciadas vrias linhas vocais.

    Por m, no se pode deixar de abordar um dos mais polmicos aspectos referentes sonoridadecoral: o uso do vibrato. Embora no se deva generalizar, h uma tendncia atual entre regentesde se abolir por completo o uso do vibrato. O que se geralmente alega que o vibrato tira apureza das vozes e diculta a homogeneidade.

    Tal posio deve, entretanto, ser tomada diante de um estudo histrico-estilstico. Se por um

    lado o vibrato no adequado para alguns estilos de msica vocal, por outro ele se tornou umrecurso praticamente essencial para a execuo de outros estilos (no Barroco, por exemplo, ovibrato era utilizado como um ornamento em notas longas). Assim, o regente, diante de suasescolhas, dever discernir sobre o uso deste recurso que, de forma natural e controlada, podeacrescentar muito sonoridade coral na interpretao de alguns estilos.

    MILLER acredita que a unicao voclica garante a homogeneidade do coro e que vozes comvibrato podem ser equilibradas pelo regente. Ressaltando a diferena entre o vibrato natural eoutras oscilaes como o trmolo, o autor expe sua opinio armando que:

    Um vibrato uniforme, resultado da funo relaxada da laringe, uma caracterstica inerente

    do som vocal livremente produzido. No deveria ser solicitado aos cantores corais retirar avibrao de suas vozes na expectativa de torn-las homogneas com vozes sem vibrato.Preferencialmente, o regente deveria auxiliar os amadores sem vibrato, por meio de exercciosde ataque e agilidade a acrescentar a vibrao natural do canto ajustado. Vozes com vibratoproduzidas apropriadamente podem ser equilibradas mais facilmente do que vozes semvibrato. Naturalmente, se as vozes de um grupo sofrem de oscilao (variao de anaomuito ampla e muito lenta), ou de um trmolo, [tais] vozes no equilibraro. Um trabalhotcnico adicional particular com tais cantores pode ser necessrio. (MILLER, 1996, p.63,traduo nossa)

    importante enfatizar que o vibrato um fenmeno natural da voz. BRANDVIK (1993, p.167)arma que Quando uma pessoa canta livremente com todos os pequenos e grandes msculos

    do corpo trabalhando juntos para produzir um som musical saudvel, enrgico e livre, a voz vaiproduzir uma pulsao leve e regular chamada vibrato. Assim, o vibrato deve ser desenvolvidopelos cantores e usado como uma ferramenta de expresso. Tal uso varivel no canto-coral.Cabe ao regente decidir e orientar seus cantores sobre o quanto e quando o vibrato apropriado.Como uma orientao para seu discernimento a respeito do uso do vibrato, o regente podeconsiderar os seguintes pontos abordados por este autor:

    7 O timbre claro ajuda na anao do coro porque, ao contrrio do timbre escuro, ele proporciona aos vrios

    cantores do coro uma maior facilidade de escuta dos harmnicos agudos das vozes.

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    1. O vibrato deve variar com as dinmicas: quanto maior o volume, maior o vibrato; de modoinverso, quando menos volume, menos vibrato; 2. O vibrato deve variar com a textura damsica: quanto mais densa a textura menos vibrato (para possibilitar que a harmonia seja ouvidamais claramente); opostamente, quanto menos densa a textura, mais generoso o vibrato; 3.

    O vibrato deve ser relacionado ao perodo ou estilo da msica que estiver sendo cantada. Amsica renascentista com suas linhas claras, texturas esparsas e harmonias abertas requerum controle criterioso do vibrato. A msica romntica com harmonias vibrantes e expressessonoras cheias geralmente permite um vibrato rico e encorpado. (BRANDVIK, 1993, p.167).

    6.2 - aspectos tcncos coletvos:Paralelamente ao desenvolvimento da qualidade vocal individual dos cantores, o regente precisaestar atento qualidade sonora do coro como um todo. Os aspectos tcnicos coletivos dependemdos individuais. O regente s alcanar bons xitos com a sonoridade coletiva do coro, na medidaem que os cantores desenvolverem individualmente uma tcnica vocal ecaz e consciente.

    A homogeneidade um dos mais importantes aspectos coletivos da sonoridade do coral e, porisso, precisa ser trabalhada incansavelmente pelo regente nos ensaios. A busca por alcan-la entre os naipes e no coro como um todo uma constante no trabalho de muitos regentes.SWAN chega a armar que a homogeneidade possivelmente a tcnica coral mais necessriae importante; no d para imaginar um belo grupo vocal sem homogeneidade (SWAN, 1998, p.60).Como, em geral, nos coros amadores h uma grande heterogeneidade entre as caractersticasvocais de seus cantores, o regente deve aprender a lidar com essa matria prima e trabalh-lasegundo suas intenes. PFAUSTCH (1988, p.103) diz que:

    Algumas vozes so fortes enquanto outras so leves; algumas so penetrantes enquantooutras so apagadas; algumas tm uma qualidade agradvel enquanto outras so estridentes;

    algumas so exveis enquanto outras so indceis; algumas so bem moduladas enquantooutras so speras e roucas; algumas tm uma extenso grande enquanto outras tm extensolimitada, umas so musicais enquanto outras no so.

    Diante desta realidade, a tarefa do regente buscar, em seus conhecimentos vocais, elementosque lhe proporcionem uma maior homogeneidade sonora. Esta ser alcanada primordialmentecomo resultado de uma produo vocal renada. Na medida em que os cantores aprendem aproduzir os sons voclicos corretamente, eles apresentaro um som mais homogneo em cadanaipe (PFAUSTCH, 1998, p.103). O autor ainda ressalta que como as exigncias de extenso etessitura tambm so fatores que ajudam ou atrapalham a homogeneidade, preciso trabalharas extremidades das vozes de modo que os cantores no forcem sua produo e aprendam

    quais ajustes so necessrios para manter a homogeneidade.

    Acredita-se que essa mistura sonora unicada pode ser alcanada a partir de uma propostatimbrstica nica, baseada num trabalho uniforme dos vrios aspectos tcnicos individuais, naproduo adequada dos sons voclicos, no equilbrio das vozes, na busca de uma anaorenada, dentro da maior preciso rtmica possvel. Ou seja, a homogeneidade sonora de umcoro depende de todos os outros aspectos individuais e coletivos da sonoridade.

    Intimamente ligado busca pela homogeneidade sonora de um grupo coral est o trabalho deequilbrio do coro. MILLER (1996, p.58) defende a idia de que, uma vez que cada voz tem

    suas prprias caractersticas, muito mais proveitoso investir num trabalho de equilbrio dasvozes do que tentar mistur-las de forma homognea:

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    Cada instrumento vocal possui suas caractersticas timbrsticas nicas. [...] to incoerente parao regente coral exigir de todas as categorias de vozes uma qualidade vocal nica quanto para oregente de orquestra solicitar que todos os instrumentos tenham o mesmo timbre. Equilibrar as vozes uma tcnica coral muito melhor do que a irrealizvel meta de tentar torn-las homogneas.

    Para se alcanar uma sonoridade equilibrada nas vrias obras de seu repertrio, o regentedever considerar uma srie de fatores. A citada heterogeneidade das vozes do coro um fatorcomplicador, assim como as exigncias de extenso e tessitura. O regente dever aprender aexigir dos cantores o que deve ser feito para se produzir uma relao balanceada dos naipes,a partir de mudanas de gradaes de intensidade e dinmica.

    preciso ainda ter um bom conhecimento de harmonia e contraponto para lidar com possveiscomplicaes de equilbrio das partes, e, conscientizar os cantores de que a importncia das linhasvocais varivel. Assim, os cantores devem aprender a se escutar, a escutar o seu naipe, aos outros

    naipes e ao acompanhamento, se houver. Neste trabalho de equilbrio ser sempre necessrio queeles faam ajustes na dinmica para permitir que as linhas mais importantes estejam em evidncia.

    Embora este tema permita longas abordagens, pode-se dizer que, de forma geral, o trabalho deequilbrio da sonoridade coral depende da capacidade do regente em conduzi-la e da habilidadedos cantores em lidar com questes de dinmica. Para tal, o regente deve desenvolver umtrabalho de ampla variao de dinmica. Mesmo os coros mais limitados so capazes de umaampla variedade de dinmica.

    Apesar da importncia da homogeneidade e do equilbrio na sonoridade coral, para muitosprossionais da rea a preocupao mais constante a anao entre as vozes:

    De todos os desaos associados arte de cantar em coro, o de conseguir uma boa anao provavelmente o mais fugaz. Enquanto outros objetivos importantes do canto em grupo podemser atingidos por meios bem diretos e de uma forma relativamente consistente, geralmentedifcil fazer com que um grupo coral cante anado. (MARVIN, 2001, p.26)

    De fato, sendo a msica uma arte temporal, a anao precisa ser re-criada a cada performancee, uma vez que os coros atingem um padro de anao satisfatrio, no h garantias de queeles o faro novamente (MARVIN, 2001, p.26).

    A busca por uma constante boa anao um trabalho contnuo que deve acontecer no dia-

    a-dia do coro nas ocasies de ensaio. Esse processo exige do regente uma boa preparaodos ensaios, que devem ser usados para se obter o melhor e mais anado som do coro, analde contas, o peso da responsabilidade recai primeiro sobre o regente no sentido de motivar eensinar o coro a cantar anado (SILANTIEN, 1999, p.91).

    Muitos so os fatores que levam um coro desanao: o nvel de percepo auditiva doregente e dos cantores, o ambiente acstico, a m qualidade das vozes, alm de inmeroscomponentes musicais. SILANTIEN (1999, p.91) arma que alguns problemas de anaoesto mais ligados a questes de conjunto que a questes vocais individuais; por exemplo, oequilbrio de acordes, a uniformidade voclica e a colocao temporal de consoantes sonoras

    e ditongos. Para MARVIN (2001, p.26), tom e timbre, juntos, denem a entonao:

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    Cantar anado signica unicar o tom ou seja, levar as vozes a cantar com freqncias similares etimbres compatveis. No canto coral, um tom unicado est associado a uma emisso unicada dasvogais. Um timbre vocal dentro de cada naipe unicado por uma emisso voclica concorde d lugara um continuum sonoro integrado, que serve de base para uma boa anao coral. Portanto, tanto

    as vogais como as notas devem estar anadas.

    Moore observa que problemas referentes a respirao, produo voclica e anao precisamser previstos pelo regente e resolvidos de forma ecaz nos ensaios corais. No que diz respeito anao, ele acredita que:

    A soluo que os cantores aprendam as partes vocais to precisamente e ouam tocuidadosa e criticamente que a acuidade na entonao v alm daquela oferecida pelo pianoou pelo diapaso. Essa habilidade, combinada com um alto nvel de produo vocal e edicadasobre hbitos apropriados de respirao e ateno detalhada aos sons voclicos, pode resultarna aquisio de um som desejado e uma sonoridade que produza uma excepcional qualidadede conjunto. (MOORE, 1999, p.52)

    Assim como a homogeneidade caminha ao lado do equilbrio, o trabalho por uma anaoeciente, deve estar aliado busca da preciso rtmica. As idias musicais de uma obra soconstrudas dentro de uma organizao temporal. H um movimento seqencial de tais idiassonoras que, ordenadas pelo compositor, precisam ser percebidas e controladas pelo regente.OAKLEY (1999, p.112) arma que:

    O regente deve auxiliar o coro a desenvolver um senso comum de ritmo interno que propicieuma organizao estrutural ao som do coral. Isto no to comum quanto se imagina. Naverdade, uma pequena percentagem de conjuntos corais consegue de fato obter um sensode completa unidade rtmica. Infelizmente, isso causado com mais freqncia pelo fato de

    que pouqussimos regentes, e eu ressalto pouqussimos, possuem um domnio pessoal deritmo interno, segurana quanto ao tempo e sensibilidade rtmica.

    Para este autor, talvez a melhor maneira de o regente desenvolver seu prprio senso rtmicoseja auxiliando o coro a desenvolv-lo (OAKLEY, 1999, p.114). Ele diz ainda que:

    Muitas vezes, erros rtmicos no so pecados ligados ao, mas sim de omisso, j quea maioria dos coros perde a estabilidade do andamento a cada ponto de respirao ou demudana de frase. O grande mandamento da execuo rtmica : assim como o som medido,o silncio tambm deve ser medido. Cada ponto da frase e cada respirao devem ter umaatribuio rtmica. Muitos coros chegam ao m de uma frase, respiram em conjunto e cantama prxima entrada atrasados em relao pulsao, obliterando, assim, o andamento. Isto

    no rubato, isto falta de disciplina. (OAKLEY, 1999, p.117)

    A preciso rtmica tambm depende de uma boa dico e muitos problemas rtmicos podemestar relacionados articulao consonantal precria, durao incorreta do som voclicoe a ditongos precipitados (PFAUSTCH, 1998, p.102). importante que o regente procure, frente de seu coro, obter a durao correta dos sons voclicos, a preciso adequada dos sonsconsonantais, as nuances sutis de uma seqncia silbica e a reproduo das linhas meldicascom os pers determinados pelo compositor.

    Com base nos dois autores citados pode-se armar que a preciso rtmica de um coro precisa

    ser constantemente trabalhada nos ensaios, a partir de um processo de desenvolvimento dosenso rtmico interno dos cantores aliado ao trabalho de dico proposto anteriormente.

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    7 - ConclusoDos vrios desaos que o regente coral moderno enfrenta, a construo da sonoridade de seucoro um dos mais complexos e fascinantes. Para a execuo de uma obra coral, o regente-

    intrprete deve, inicialmente, partir do seu conhecimento histrico-estilstico e decidir por um somadequado e ecaz. Uma vez que o resultado sonoro de um coro depende do desenvolvimentotcnico dos cantores, preciso que o regente assuma a funo de preparador vocal e instruaseus cantores a respeito dos vrios fundamentos da tcnica vocal. A criao e desenvolvimentodeste som devem acontecer de forma saudvel, produtiva e responsvel j que, em geral, oscantores corais so amadores e no possuem, por si mesmos, um conhecimento tcnico slido.Assim, em concordncia com BRANDVIK (1993, p.148), acreditamos que ser um regente coral como ser, ao mesmo tempo, organista e construtor de rgos o regente deve construir oinstrumento coral com a mesma competncia que ele o toca.

    Um grupo coral acostumado a executar obras de estilos diferentes deve evitar ter um nico som.Com um conhecimento tcnico eciente, regente e cantores podem desenvolver um trabalhode explorao de sonoridades vocais diversas, apropriadas para a execuo de repertrio dediferentes estilos. Este trabalho de variao sonora deve, entretanto, partir de um som padroque os cantores precisam ter como referncia.

    Como um verdadeiro professor de canto dos cantores de seu grupo coral, o regente podecriar o som padro de seu grupo, baseado em suas escolhas interpretativas, e fundamentadonum trabalho sistemtico com uma srie de aspectos tcnicos (individuais e coletivos) a seremdesenvolvidos pelos cantores. Neste trabalho, que se inicia pela tcnica vocal, ser necessrioconscientizar os cantores a respeito de uma produo vocal adequada e saudvel; orient-

    los no desenvolvimento da habilidade de transitar de um registro vocal para outro sem quehaja perda da qualidade sonora; ensin-los a respeito da produo dos sons voclicos e daarticulao consonantal; e, ainda, oferecer-lhes esclarecimentos sobre os diferentes timbresvocais e o uso apropriado do vibrato.

    A conscientizao dos cantores a respeito desses aspectos individuais fundamental para quese trabalhe os aspectos coletivos da sonoridade coral (homogeneidade, equilbrio, anao epreciso rtmica). ainda importante ressaltar que h uma interdependncia entre tais aspectoscoletivos. A homogeneidade, por exemplo, depende de uma proposta timbrstica nica, de umaanao renada, da produo unicada e adequada dos sons voclicos, da preciso rtmica e

    do equilbrio sonoro. Este ltimo vai exigir dos cantores que se busque uma relao balanceadados naipes do coro, a partir de mudanas de gradaes de intensidade e dinmica. A anaocoletiva precisa ser trabalhada continuamente nos ensaios, quando se deve incentivar e exigirque todos cantem o som mais anado possvel, com timbres e sons voclicos unicados. Porm, a preciso rtmica deve ser desenvolvida pelo regente atravs do desenvolvimento de umsenso comum de ritmo interno e do trabalho com a dico, uma vez que muitos problemasrtmicos esto relacionados articulao consonantal deciente, durao incorreta dos sonsvoclicos e precipitao dos ditongos.

    Finalmente, uma vez construda a sonoridade padro do coro a partir dos elementos citados, o

    regente poder trabalhar a variao desta sonoridade e encontrar uma ampla gama de coressonoras para a execuo dos mais diversos repertrios corais.

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    FERNANDES, A.; KAYAMA, A. ; STERGREN, E. O regente moderno e a construo da sonoridade coral... Per Musi, Belo Horizonte, n.13, 2006, p.33-51

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    FERNANDES, A.; KAYAMA, A. ; STERGREN, E. O regente moderno e a construo da sonoridade coral... Per Musi, Belo Horizonte, n.13, 2006, p.33-51

    angelo Jos Fernndes regente, Mestre em Prticas Interpretativas (Regncia) peloInstituto de Artes da UNICAMP, Especialista em Regncia Coral e Bacharel em Piano pelaEscola de Msica UFMG. Atualmente, doutorando em Prticas Interpretativas (Regncia) peloDepartamento de Msica da UNICAMP, tendo como orientadora a Profa. Dra. Adriana GiarolaKayama e como co-orientador o Prof. Dr. Eduardo Augusto stergren. Atua intensamente comoregente de coros em Itajub (MG), onde nasceu, tendo alcanado destaque por sua atuao frente do Madrigal Musicanto de Itajub, recentemente premiado no 10th Athens InternationalChoir Festival, na Grcia, onde conquistou a Medalha de Prata na categoria Chamber Choirse a Medalha de Bronze da categoria Mixed Choirs.

    adrn Grol Kym Doutora em Performance Practice pela University of Washington(EUA) e docente do Departamento de Msica da UNICAMP, atuando nas reas de canto, tcnicavocal, dico e msica de cmara. Coordenou os cursos de Graduao e Ps-Graduao emMsica da UNICAMP. Atualmente, presidente da ANPPOM (Associao Nacional de Pesquisae Ps-Graduao em Msica).

    Edurdo augusto stergren maestro e professor do Departamento de Msica do Institutode Artes da Unicamp. Responsvel pelo curso de regncia coral e orquestral, atua tambmcomo docente nas disciplinas Histria da Msica Medieval e Introduo Pesquisa Musical. Foidocente das Universidades da Carolina do Norte (Raleigh, EUA), Indiana (Indiana, EUA) ePurdue (Indiana, EUA). Participou de seminrios sobre Regncia Coral e Orquestral em

    diversas universidades brasileiras e americanas. Foi membro de jri em vrios concursos