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    A EBP-SP vem discutindo o Seminrio de Jacques-Alan Miller de 1994/1995, Silet - OsParadoxos da Pulso de Freud a Lacan. A seguir, texto de Maria Helena Barbosa sobre oSeminrio.

    O que fizeste do conceito freudiano de pulso?

    Maria Helena Barbosa

    Tomaremos essa questo, feita por Miller, como fio condutor, para traar uma visopanormica das aulas 7, 8, 9 e 10 do Seminrio Silet. Ele desenvolver como o conceito de"libido", em Freud, veio a se constituir enquanto o conceito de gozo, em Lacan, tomadoem diferentes vieses ao longo de seu ensino, na partio dos registros Imaginrio,Simblico e Real.

    Partindo do pr-Lacan, do Lacan de antes do seu ensino, Miller situar o tempo em que elelocaliza o gozo no registro do Imaginrio.

    Para Lacan, o estdio do espelho manifesta um dinamismo afetivo, onde a identificaoprimordial do sujeito com o corpo comporta uma relao ertica, o narcisismo.

    Trata-se, ao mesmo tempo, de uma forma e de uma energia. a identificao com aforma visual do corpo prprio respondendo a uma satisfao, o jbilo, que comporta ogozo da totalidade que se aloja e decorre desta imagem global em oposio ao gozo docorpo fragmentado. O jbilo o condensador do gozo, localizado no Imaginrio.

    A libido uma energia proveniente da estrutura narcsica do eu. uma tensoconcernente a uma inteno que visa a uma resoluo correlata a um gozo. umainteno agressiva que marca o relacionamento do sujeito com a imagem de si, ao mesmotempo com a imagem do outro, na dialtica da identificao e da agresso imagem. uma inteno agressiva que, no imaginrio, acarreta um impasse onde voc ou eu uma resoluo impossvel.

    Passando ao primeiro tempo do ensino de Lacan, Miller trar como Lacan passou a questodo gozo no Imaginrio para o Simblico e algumas consequncias decorrentes disso.

    Apontar que a mudana que inaugura o ensino de Lacan concerne natureza daintencionalidade fundamental do sujeito desejante, de obter o reconhecimento do outro.

    Quando Lacan transporta a relao com o outro do Imaginrio para o Simblico, o desejode reconhecimento vem no lugar da inteno agressiva e concebvel como umasatisfao simblica. um gozo que supe a ereo do Outro.

    O desejo, termo chave de sua inovao na psicanlise, institui um novo tipo deintencionalidade essencialmente ligada fala, ligada ao Outro e busca sentido, cujasatisfao da ordem do sentido que encontra no desejo do Outro.

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    Quando a intencionalidade, com seu dinamismo, transportada para o Simblico, noImaginrio resta inrcia. O conflito est no Simblico e a fixao no Imaginrio. As pulsesso estruturadas pelo desejo de reconhecimento e deixam apenas um resduo noImaginrio.

    A pulso traduz a apreenso do Simblico o mais ntimo do organismo do ser humanosofrendo as incidncias do Simblico. um estmulo constante com dois valores: deprazer, quando se refere ao equilbrio, e de gozo, que se manifesta no excesso. Pertenceao Simblico, uma vez que articulada na cadeia significante. Pertence ao Imaginrio,uma vez que s no Imaginrio se pode dar conta da sua satisfao. Assim, no incio doensino de Lacan, o desejo de reconhecimento o condensador do gozo onde a pulsoaparece como fronteira entre Simblico e Imaginrio.

    No entanto, com a prevalncia do Simblico, situando a causa ao nvel significante erelegando o gozo imaginrio a uma posio secundria, isto tem o efeito de reduzir a

    pulso ao Simblico e o conceito de pulso passa a se desenvolver de acordo com asevolues da definio do conceito de Simblico.

    Se, no incio, a inteno agressiva substituda pelo desejo de reconhecimento, este substitudo por outra inteno fundamental, o desejo do falo. Aqui h uma bscula que vaida relao de um sujeito a outro sujeito para, com o falo, introduzir a relao de objeto.

    Atravs da relao de objeto, Lacan aborda a castrao enquanto uma falta simblica cujoobjeto imaginrio o falo, na juntura do Imaginrio com o Simblico. A satisfao noest mais ligada ao reconhecimento e sim ao falo. Com isto, apreende o que da ordem

    do gozo imaginrio onde o falo o condensador de gozo, situado no Simblico.

    Nesta economia, o falo est no lugar da pulso freudiana, promovendo uma espcie deeclipse da pulso. O eclipse da pulso ocorre, sobretudo, pelo fato de o falo visar aodesejo. Vemos nos textos mais clssicos de Lacan que o gozo est supostamente includo,envolvido com outras satisfaes da ordem do desejo; a pulso est includa na metonmiado desejo, na sua capacidade substitutiva. As cadeias significantes so feitas de gozo, isto, de sentido gozado, e a metonmia sempre metonmia do gozo.

    No entanto, como sabemos, o desejo tem o nada como objeto e ao mesmo tempo tem um

    objeto, o falo, que funciona como significante, como um operador. Isto distingue o desejoda pulso que sempre correlata a um objeto. A pulso no se deixa apagar pelo desejo ea instncia do gozo demanda que lhe seja conferido seu lugar.

    J no segundo tempo de seu ensino, Lacan acaba por fazer do termo "gozo" um termoprimrio da psicanlise, localizando-o no Real.

    Miller constatar o quanto ele a mola do avano do ensino de Lacan, por onde modifica,enriquece sua construo, sempre progredindo, porm sem estabilizar-se numa doutrinaacabada, deixando uma abertura que possui, ainda hoje, uma fora de relanamento.

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    Algo da libido freudiana no se deixa capturar, se substituir no jogo dos significantes, eLacan passa a se dedicar elaborao terica desse resduo irredutvel da libido.

    Inicialmente, inrcia no Imaginrio, deslizamento no Simblico, o gozo passa a serlocalizado como aquilo que excede aos limites do prazer um gozo transgressivo.

    Avanando mais ainda, Lacan passa a qualificar o excesso de gozo a partir da inveno doobjeto a, como mais-de-gozar, e lhe confere o estatuto de Real. Esse objeto o queexcede ao gozo anulado pelo significante, traduz o que no pode se reabsorver nosignificante e a instncia primria a partir da qual situamos o significante e o sujeito. Osujeito surge da relao do significante com o gozo e todas as categorias significantes sofeitas para tamponar o gozo. Aqui o falo , correlativamente, um semblante e o objeto a o condensador de gozo. H um fim que no se relaciona a uma soluo, mas a umaseparao do irredutvel. A libido no se esgota em seu significante flico e esse fim nopode tomar o aspecto de uma resoluo simblica.

    Miller dir que, daqui em diante, em novo movimento, Lacan confronta o Simblico e oReal, acrescentando a dimenso do Imaginrio, e prope o n borromeano. Esse nsignifica aquilo que o funda: o gozo uma instncia primria e o sujeito est sob seuprimado. Lacan vai proceder a uma confrontao direta entre significante e gozo, o sabere o gozo.

    na relao do eu que passa a abordar o gozo. Do eu que j est bastante diferenciadodo sujeito. A promoo do gozo como conceito primrio paralela a uma renovao dainstncia do eu.

    Freud centrou toda sua teoria da libido sobre a instncia do eu. O eu como o lugar prprio,primeiro, primrio de investimento da libido. O gozo abordado por Freud tanto pelo visdo eu quanto pelo vis da pulso, de modo preciso pelo narcisismo.

    O lugar primordial do narcisismo a erotizao do corpo prprio. Posteriormente, Freudestende a pertinncia do narcisismo ao conjunto da clnica, abrangendo as diferentesestruturas e promovendo diferenciaes apuradas que permitem passar do corpo ao eu,onde o eu o objeto da libido, como sua fonte primeira, operando uma duplatransformao: do corpo ao eu e de objeto a fonte. o narcisismo primrio, o lugar

    primrio do gozo o eu. Desta forma, o eu mais vizinho do gozo do que o sujeito, nosentido de Lacan. O eu inclui o gozo ao passo que o sujeito o exclui.

    O sujeito do significante no satura todas as propriedades do eu, lhe necessriocompletar, um valor de gozo. Temos o eu cindido em duas instncias: o que designa ainstncia do si e a libido que no se encontra designada no .

    Lacan toma o falo como representante da libido acoplado ao e estabelece uma ligaoentre o narcisismo e a castrao onde o falo concentra, de modo mais ntimo, auto-ertico, o gozo. O falo representa o fluxo vital, o impulso de vida e tudo que est vivo nosujeito, tudo que vem a completar o sujeito do significante que vazio, morto. apresentado como significante do gozo, marcado pela barra, com uma significao de gozo

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    castrado a ser encontrado sobre a barra, no recalque. Assim, o falo toma um valor tantopositivo quanto negativo e para dar conta desta contradio ele inscreve o objeto a nocomo um significante, mas como o positivo do gozo.

    Seguindo, o objeto a vai lhe parecer insuficiente e Lacan passa a escrever o gozo com um

    G maisculo designando a dimenso positiva no eliminvel do gozo, uma espcie de gozoprimrio, cuja natureza fazer vacilar todos os significantes.

    Toma o eu na dialtica do um e do mltiplo: como um em uma imagem una e comomltiplo dado pela imagem do outro {i(a)}.

    O eu mltiplo encontra seu princpio no limite extremo do imaginrio, a imagem da morte,o no representvel, o negativo do imaginrio. Mais adiante, encontra um princpiosimblico, a insgnia do Outro {I(A)}.Torna essa construo mais densa inserindo osignificante-mestre {S1} e, com tudo isso, o princpio de unidade antes dado pelo

    imaginrio surge, agora, como simblico, designando a identificao simblica no mais doeu, mas do sujeito.

    Dessa forma a identidade traduzida por eu sou eu tem como seu princpio, seja osignificante uma identificao, seja o objeto a o gozo.

    Na experincia analtica de orientao lacaniana o destino da identificao sempre aqueda, desvalorizamos as identificaes por considerarmos que no conferem ao sujeitoum acesso autntico a seu ser. O verdadeiramente autntico no sujeito seu prpriovazio, o sujeito como essencialmente no identificado. O mais autntico sua falta-a-ser.

    Trata-se da assuno de uma falta fundamental.

    A verdadeira constante do sujeito, a autntica, no se encontra no plano da identificao,mas no plano do gozo. O que se trata de cingir um modo de gozar.

    A queda das identificaes promovendo o desaparecimento do eu no final do tratamento transposta em termos da travessia do fantasma, uma vez que a fantasia escrita umaescritura do eu. A fantasia escreve a conexo do sujeito barrado com o mais-de-gozar doobjeto a, uma espcie de equivalncia do eu. A partir de ento, passamos a abordar essacategoria do modo de gozo.

    Aqui sabemos que Lacan, posteriormente, traz um desenvolvimento que Miller noabordar em Silet, que a verdade mentirosa como a soluo no registro Simblico e osinthoma, como condensador do gozo impossvel de ser negativado.

    Miller, Jacques-Alain, Silet, Jorge Zahar Ed, RJ, pag. 119

    Psicanalista, membro da EBP e AMP, Diretora Secretria/Tesoureira da EBP-SP.