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O que demanda à Psicologia na Rede Pública de Saúde em Caxias do Sul? Manuelle Grossi Vanni Alice Maggi Universidade de Caxias do Sul (UCS) RESUMO Este artigo apresenta o perfil da demanda em Psicologia no SUS de Caxias do Sul de acordo com as variá- veis: idade, sexo, filiação, local de residência, nível de escolaridade, ocupação, agente encaminhador, moti- vo do atendimento, indicação terapêutica, testagens, número de atendimentos, faltas e condições de encerra- mento. Esses dados pesquisados através de oitenta prontuários de atendimento psicológico foram divididos igualmente entre cada local de atendimento e mostram uma expressiva população do sexo masculino, com idade escolar e provenientes de escolas em sua grande maioria. Prevalecem queixas de agressividade, brevi- dade dos atendimentos e elevado abandono por faltas. Com a análise dos dados são feitas reflexões acerca do serviço que é oferecido à população pela rede pública, bem como acerca da demanda do usuário pelo atendimento, até o aproveitamento e os resultados do mesmo, a fim de que outras pesquisas e instrumentos surjam junto ao serviço. Palavras-chave: Saúde mental; saúde pública; demanda; psicologia; SUS. ABSTRACT What demand to Psychology in the Public Net of Health in Caxias do Sul? This article presents the profile of the demand in Psychology at the “SUS” in Caxias do Sul, according to the following variables: age, sex, family structure, place of residence, education, occupation, the indicator to the service, reasons for consultation, assistance provided, psychology’s test, attendment’s number, fault’s number and finishing situation. Based on data obtained through eighty psychology’s attendment archives, divided equally between the places written above show us an importantly masculine school age population. Remains aggressive’s reason, brevity at attendment and highly assistance left. With this data some reflections are presented in regard to the service offered to population user from public health. Also presents at the end an analyze of the service offered, results and from the user’s demand, to get another researches and kind of work at the service. Key words: Mental health; public health; demand; psychology; SUS. v. 36, n. 3, pp. 299-309, set./dez. 2005 PSICO PSICO Ψ Ψ A PSICOLOGIA E A SAÚDE MENTAL NO SUS Este estudo trata da demanda em Psicologia no SUS, representado em Caxias do Sul por quatro locais que prestam atendimento psicológico à população usuária do serviço. Observou-se através da realização de um estágio supervisionado e curricular em Psicolo- gia Clínica em 2003 que havia uma elevada procura pelo serviço ao mesmo tempo em que o abandono pre- maturo dos atendimentos era considerável. Qual a queixa desses sujeitos? A real necessidade? E que de- manda é esta que surge para a Psicologia frente ao serviço que é oferecido? Será que o serviço é suficien- te? O que está sendo oferecido para a população? Quantos profissionais atuam na área? Baremblitt (1996) propõe que é necessário primei- ramente uma análise da demanda pelo serviço para que se possa ter conhecimento e possibilidades de inter- venção na Instituição em que se pretende atuar. Por- tanto, objetivou-se identificar a demanda, descrever o perfil dos usuários, detalhar os motivos e necessida- des da população, indicar as freqüências do perfil des- sa demanda e analisar a correspondência entre a de- manda e a oferta do serviço na tentativa de aproximar as necessidades à prestação de serviço.

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O que demanda à Psicologia na Rede Pública de Saúdeem Caxias do Sul?

Manuelle Grossi VanniAlice Maggi

Universidade de Caxias do Sul (UCS)

RESUMOEste artigo apresenta o perfil da demanda em Psicologia no SUS de Caxias do Sul de acordo com as variá-veis: idade, sexo, filiação, local de residência, nível de escolaridade, ocupação, agente encaminhador, moti-vo do atendimento, indicação terapêutica, testagens, número de atendimentos, faltas e condições de encerra-mento. Esses dados pesquisados através de oitenta prontuários de atendimento psicológico foram divididosigualmente entre cada local de atendimento e mostram uma expressiva população do sexo masculino, comidade escolar e provenientes de escolas em sua grande maioria. Prevalecem queixas de agressividade, brevi-dade dos atendimentos e elevado abandono por faltas. Com a análise dos dados são feitas reflexões acercado serviço que é oferecido à população pela rede pública, bem como acerca da demanda do usuário peloatendimento, até o aproveitamento e os resultados do mesmo, a fim de que outras pesquisas e instrumentossurjam junto ao serviço.Palavras-chave: Saúde mental; saúde pública; demanda; psicologia; SUS.

ABSTRACTWhat demand to Psychology in the Public Net of Health in Caxias do Sul?This article presents the profile of the demand in Psychology at the “SUS” in Caxias do Sul, according to thefollowing variables: age, sex, family structure, place of residence, education, occupation, the indicator to theservice, reasons for consultation, assistance provided, psychology’s test, attendment’s number, fault’s numberand finishing situation. Based on data obtained through eighty psychology’s attendment archives, dividedequally between the places written above show us an importantly masculine school age population. Remainsaggressive’s reason, brevity at attendment and highly assistance left. With this data some reflections arepresented in regard to the service offered to population user from public health. Also presents at the end ananalyze of the service offered, results and from the user’s demand, to get another researches and kind ofwork at the service.Key words: Mental health; public health; demand; psychology; SUS.

v. 36, n. 3, pp. 299-309, set./dez. 2005PSICOPSICOΨΨ

A PSICOLOGIA E ASAÚDE MENTAL NO SUS

Este estudo trata da demanda em Psicologia noSUS, representado em Caxias do Sul por quatro locaisque prestam atendimento psicológico à populaçãousuária do serviço. Observou-se através da realizaçãode um estágio supervisionado e curricular em Psicolo-gia Clínica em 2003 que havia uma elevada procurapelo serviço ao mesmo tempo em que o abandono pre-maturo dos atendimentos era considerável. Qual aqueixa desses sujeitos? A real necessidade? E que de-manda é esta que surge para a Psicologia frente ao

serviço que é oferecido? Será que o serviço é suficien-te? O que está sendo oferecido para a população?Quantos profissionais atuam na área?

Baremblitt (1996) propõe que é necessário primei-ramente uma análise da demanda pelo serviço para quese possa ter conhecimento e possibilidades de inter-venção na Instituição em que se pretende atuar. Por-tanto, objetivou-se identificar a demanda, descrever operfil dos usuários, detalhar os motivos e necessida-des da população, indicar as freqüências do perfil des-sa demanda e analisar a correspondência entre a de-manda e a oferta do serviço na tentativa de aproximaras necessidades à prestação de serviço.

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Os locais de atendimento à Saúde Mentalno SUS

O trabalho de Saúde Mental feito pelo SUS ficasob a operacionalização de quatro locais específicos,três para crianças e adolescentes e um para adultos edemais usuários de regiões diversas. Em função dosobjetivos dessa pesquisa, os nomes dos serviçosforam alterados, sendo que estes serão referidos porlocais A, B, C e D, respectivamente. Vale ressaltar quecada local diz respeito a um território da cidade deCaxias do Sul, sendo que a cidade fora divida em oitoterritórios, porém apenas três estão em funcionamentono que compete ao trabalho da Psicologia no SUS emSaúde Mental para crianças e adolescentes.

Já o serviço prestado pelo local D é o únicodirecionado à população adulta e abrange o restanteda população regional de Caxias do Sul, inclusivecrianças e adolescentes. Nota-se uma política que nãovaloriza a existência de um adulto cuidador que tam-bém precisa de auxilio no cuidado com esses menores,excluindo muitas vezes uma parcela importante dessaclientela nos atendimentos, já que o serviço se mostrainsuficiente muitas vezes. Com isso, o trabalho perdeuma parcela do caráter preventivo de construir futurosjovens e famílias saudáveis. Para Bleger (1992) o Psi-cólogo deve focalizar os aspectos sadios e de promo-ção à saúde, bem como passar dos enfoques indi-viduais aos sociais, ampliando o âmbito em que tra-balha.

Assim, no que compete à suas funções, o serviçotem por finalidade prestar uma assistência a SaúdeMental dos Usuários do SUS na atenção primária,estabelecer medições entre escolas da Rede Públicagarantindo acesso, acolhimento, reabilitação psicosso-cial, resolutividade, prevenção e participação comuni-tária. Tem a incumbência de servir como “técnico dosvínculos humanos... a fim de conseguir uma melhororganização e condições que tendem a promover saú-de e bem-estar dos integrantes da Instituição” (Bleger,1992, p.43).

Porém, um estudo realizado por profissionais daárea da Psicologia e Serviço Social (Marcon, 2001)revelou uma carência de profissionais da área que pu-dessem dar conta dessa crescente demanda do SUS.Atualmente atuam 3 Psicólogos nos locais A, B e C,enquanto que apenas 4 para o D, todos em busca demaior inserção destes profissionais na Saúde Pública.Estes profissionais da Psicologia passaram a comple-mentar o trabalho das equipes de Recursos Humanosdo SUS de 222 médicos, 31 odontólogos e 287 profis-sionais da enfermagem, 21 assistentes sociais, e 12nutricionistas entre os profissionais que atuam nesseslocais de atendimento à Saúde Mental (dados forneci-

dos pela Secretaria Municipal de Saúde em abril de2004).

O psicólogo na Rede Pública de SaúdeO tempo de atuação dos Psicólogos no SUS é rela-

tivamente pequeno, além de uma quase inexistênciade pesquisas nesse setor que contribuem para essa au-sência, como refere Dimenstein (1999) em seu estudosobre as UBS de Teresina, no Piauí. Diante dessa con-cepção, novas demandas de responsabilidade socialestão sendo feitas aos Psicólogos, o que leva ao ques-tionamento dos seus referenciais teóricos, de seusmodelos assistenciais e sua adequação à realidadedo SUS.

A escassez de dados e pesquisas relativos à popu-lação que busca atendimento gratuito em Saúde Men-tal nas instituições vem dificultando o desenvolvimen-to de estratégias de intervenção clínica mais apropria-das e compatíveis com a realidade e condições de nos-sas comunidades (Santos, 1990). É preciso, portanto,conhecer a população e sua realidade para que se pos-sa intervir adequadamente através de projetos e pro-gramas. Busca-se evitar então, o abandono precoce dosatendimentos e a permanência na situação de sofri-mento. Para isso, escutar e compreender o sintoma queo paciente traz, implica na inclusão do Psicólogo nademanda, desde o momento do primeiro contato (Ro-cha, 1991), demonstrando a relevância de análise dademanda para o sucesso do atendimento.

Além disso, os programas devem incluir o desen-volvimento de mais técnicas que dêem conta dessa de-manda de atendimento. Os métodos e as técnicas pri-vilegiados na formação do Psicólogo, em geral impor-tados de outras realidades, são baseados em valoressociais completamente diversos do das populações quese apresentam nas instituições públicas (Silva, 1992).Como se pode prestar um atendimento adequado, comresultados significativos para o paciente se não respei-tamos a subjetividade do sujeito? E de alguma manei-ra, frente nossa impossibilidade de escutá-lo, coloca-mos nossa realidade na ausência do conhecimento docontexto do outro? Pode-se concluir então que nãoexiste demanda espontânea, mas demandas explícitase implícitas, que se cruzam tanto na oferta, daqueleque oferece o que está produzindo, como naquele queprocura pelo que está sendo oferecido nos serviços deSaúde Mental (Baremblitt, 1996).

MÉTODO

MaterialConstitui-se em 80 prontuários de casos inciden-

tes e prevalentes dos arquivos passivos de Atendimen-

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to de Clínica Psicológica (prestados desde o ano de2002, até a data da presente pesquisa, realizada no pri-meiro semestre de 2004) divididos igualmente em 20prontuários de pesquisa para cada um dos locais. Es-tes foram escolhidos aleatoriamente, por ordem alfa-bética com o prévio agendamento com os Psicólogosresponsáveis e o consentimento dos serviços.

InstrumentosUtilizou-se categorias como idade, sexo, estado

civil, filiação, local de residência, nível de escolarida-de, ocupação, agente encaminhador, motivo do aten-dimento, indicação terapêutica, testagens, númerode atendimentos, faltas e condições do encerramen-to a fim de levantar o perfil da demanda. Estes fo-ram analisados quanti e qualitativamente e organi-zadas em figuras através da visão integrada dosdados. Consultou-se também estudos sobre caracteri-zação da clientela de Clinicas Psicológicas da RedePública.

RESULTADOSTendo em vista que cada serviço tem uma popula-

ção diferenciada, construiu-se figuras por variáveisabrangendo os diferentes locais. Com isso objetivou-se caracterizar o serviço prestado como um todo, po-rém sem descontextualizar a demanda da população eequivaler a prestação do serviço oferecido e os Usuá-rios que freqüentam esta rede do SUS.

Os dados da amostra de faixa etária dos usuáriosencontram-se resumidos na Figura 1, que ilustra 55%no local A, 85% no B e 40% no D dos atendimentosdirecionados à idade escolar entre seis e onze anos.Aproximando-se, o C tem 45% de seus atendimentosentre doze e dezessete anos de idade. Aqui é relevante

salientar que esses usuários em idade escolar provêmdas escolas da região e tem suas queixas direcionadasdo mesmo âmbito educacional, como se observa nasFiguras 2 e 3 que serão discutidas mais adiante. Sãopartes de uma amostra que evidencia as dificuldadesescolares de primeiros anos de escolarização.

Outras variáveis pesquisadas, nível de escolarida-de e ocupação, se complementam com a alta freqüên-cia de idade escolar apontada na Figura 1 da faixaetária, já que verifica que grande parte dos Usuários éestudante. São totais de 80% nos locais A e B, 90% noC e 40% no D. Além disso, o local D contempla umaparcela mais adulta da população para atendimentopsicológico, porém em pequeno número de Usuáriosse comparado ao número total de atendimentos psiqui-átricos do local. Para obter esses dados do local D, foranecessário pesquisar no arquivo da Psiquiatria do lo-cal, sendo que este continha 13.776 prontuários deatendimento de adultos (inexiste arquivo de Psicolo-gia para adultos).

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Nú cleo A N ú cleo B N ú cleo C N ú cleo D

Figura 1 – Distribuiçãoda amostra quanto àfaixa etária dos Usuários.

TABELA 1Atendimentos prestados pelos locais do SUS dos

períodos em que constavam dados na Secretaria de Saúdede Caxias do Sul

Número de atendimentos Núcleo A

Núcleo B

Núcleo C

Núcleo D

Período dos atendimentos jan. 2003

até mar 2004

jan. 2003 até

mar 2004

jan. 2003 até

mar 2004

out. 2001 até

mar. 2004 Atendimentos Psicologia (em números totais mensais) 1.347 S/d S/d 15.285

Atendimentos outras especialidades 4.946 3.891 3.273 24.944

Total 6.293 3.891 3.273 40.229

Obs.: Diferente dos outros locais, os atendimentos da Psicologia no Núcleo Aconstam de um período mais abrangente, de agosto de 2002 até abril de 2004,indicando rotinas à parte do restante do serviço.

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Figura 2 – Distribuição da amostra quanto ao agente encaminhador dos Usuários ao Serviço.

Destes arquivos de adultos apenas uma minoria de0,07% tinha atendimento psicológico. Fora necessárioprocurar entre cinqüenta prontuários para se ter dezcom atendimento psicológico. Sendo assim, dividiram-se os vinte prontuários pesquisados entre dez para oarquivo de crianças e dez para o de adultos, já que seprocurava avaliar também a oferta em relação à de-manda. Comprova-se, portanto, que os adultos perma-necem contemplados com uma pequena parcela des-ses atendimentos, sendo que as crianças são as maisatendidas. Questiona-se como ficam esses adultoscuidadores, os quais muitas vezes são educadores decrianças e adolescentes que acabam recebendo apenasum tratamento superficial e medicamentoso.

Como também relatam outros estudos (Santos,1990, Machado e Souza, 1997) a freqüência do sexomasculino é bastante alta em relação ao feminino, maisda metade da população em todos os locais do SUS. Énesta idade que os meninos começam a testar sua lide-rança no grupo, aprendendo papéis sociais. Além dis-so, sabe-se que é na escola que as dificuldades apare-cem, próprias da fase de desenvolvimento de experi-mentar e testar comportamentos e limites. Já as meninasdemonstram um comportamento mais mediano e de acor-do com padrões sociais pré-estabelecidos, comparecendopara atendimento apenas em casos mais específicos.

Buscando maior densidade abrangeu-se ainda afiliação dos usuários. Constituem-se na sua grandemaioria em famílias de Pai e Mãe com 85% da amos-tra do A, 70% do B, 60% do C e 75% do D. Percebe-setambém a relevância deste dado no que compete aolocal C, o menos estruturado socialmente, com 60%das famílias nucleares, em comparação à localidade Ade melhores condições sociais com 85% das famíliasestruturadas como mononucleares, o que se mantémno todo do SUS. Seguem em ordem de porcentagemfamílias de Mães e Padrastos com 15% no B e 10% noC, ou as quais o Pai não consta com 10% no A e 15%no D. Esses dados nos remetem ao tema atual das di-versas composições da família para além da nuclear àextensiva. São famílias compostas por mais de um nú-cleo, em que geralmente, como apontam os dados, háum pai biológico ausente, e uma segunda união familiar.

Para melhor agrupar os dados da Figura 2 sobre oagente encaminhador, quando o caso apresentava maisde um encaminhamento computou-se cada um deles.E também, usou-se de uma categoria Outros paramelhor sistematizar os dados. Esta categoria abrangeencaminhamentos esporádicos ou únicos dentro daamostra como Psicólogo, Creche, Delegacia da Mulher,local D, Fonoaudiólogo, Secretaria Municipal de Saúde,serviço para crianças especiais e Conselho Tutelar.

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Assim, obteve-se no local A 62,5% dos encami-nhamentos feito pelas Escolas, 12,5% pelo Pediatra e8,3% pela Assistente Social, entre os que mais se res-saltam. Já no B, 40% vêm das Escolas, 16% do Pedia-tra e 12% do Neurologista. Paralelamente, o C apre-senta 73,9% da amostra com encaminhamento da Es-cola e 13% de Outros encaminhamentos. De acordocom sua característica de centro, o local D apresentadados diferenciados com 11,5% da amostra que se re-petem em encaminhamentos provenientes de Escolas,Neurologista, Outros e Psiquiatra. Nota-se que dosUsuários vindos da Psiquiatra, a única parcela daamostra encontra-se no local D, questionando umaconcepção medicamentosa deste local.

No que compete à variável Motivo de Atendimen-to, novamente optou-se por categorias mais amplaspara melhor sistematizar os dados e sua interpretação.Conforme o que se observa no estudo de Santos (1990)computou-se cada queixa por associação dos própriosUsuários em categorias:

– Agressividade: entre as várias queixas associa-das à agressividade encontrou-se inúmerasoutras relacionadas nos prontuários como hi-peratividade, egoísta, irônico, impulsivo, rebel-de, ameaça, atitudes negativas, comportamentoque não contribui para o andamento escolar,falta de limites, não aceita limites, nervoso,indisciplinado, disperso, morde objetos, incon-seqüente, agitado, não pára sentado, destróiobjetos e materiais, ciúme dos colegas, atuação,uso de armas, fala em matar ou morrer, dificul-dade em tolerar frustrações, instabilidade...

– Depressão: refere-se a dificuldades associadase geralmente ligadas à passividade, isolacio-nismo, não pede ajuda, não deixa ser ajudado,não questiona, ansiedade, angústia, timidez, en-vergonhado, quieto, mania de doença, fechado,dificuldade de entrosamento, retraído, não con-segue trabalhar em grupos, traumas com incên-dio, pavor, medo, baixo auto-estima, desligado,realidade sem lógica, não convive com a reali-dade, triste, choroso, tem pesadelos, expressãoverbal dissociada, dificuldade em expressarseqüência de idéias, pensamento confuso e de-sorganizado, bloqueios, imaturidade, não con-versa, dependência, insegurança, tentativa desuicídio, ausência de prazer, sentimento obses-sivo, delírios e alucinações...

– Dificuldade escolar: diz respeito às queixas es-colares como não reconhece letras do alfabeto,dificuldades na escrita, na leitura, não faz traba-lhos e atividades na escola, não estuda, dificul-dade em acompanhar conteúdos, resolver exer-

cícios, interpretação, dificuldade de aprendiza-gem, dificuldade em conservar e identificar ob-jetos e nomes, acentuada defasagem no proces-so educativo, dificuldade na fala e linguagem,repetência, dificuldade na coordenação ampla,memorização, organização e raciocínio, faltamuito às aulas, raciocínio lento, desenvolvimen-to cognitivo lento, dificuldade para entender oque é solicitado, encaminhamento do CIAE...

– Dificuldades físicas: diz de questões físicascomo treme mãos, uso de medicação neurológi-ca e psiquiátrica, dores de cabeça, tonturas, di-ficuldade de alimentação, crises convulsivas,tem diarréia freqüente, dificuldade de sono, pro-blemas de visão, dor no peito, deficiência físi-ca, gestante...

– Dificuldades de relacionamento: são os proble-mas de relacionamento familiar, superproteção,encaminhamento do Conselho Tutelar, poucaatenção dos pais, pai não assumiu paternidade,dificuldade familiar, problemas com família,adoção, pais depressivos, conflito no casalparental, pais separados, envolvimento familiarcom armas, alcoolismo, separação, pai agressi-vo, homossexualidade, mãe usuária de drogaspesadas, filhos infratores da lei...

– Maus tratos: maus cuidados, abuso sexual, vio-lência física, abandono, maltratado na creche...

Ao analisar a demanda no quesito queixa dos Usuá-rios da Figura 3, observa-se grande números de itensqueixosos por Usuário. No local A 39,7% das queixasremetem à Agressividade, seguindo por 24,7% comDificuldade Escolar e 15,1% para Depressão e Difi-culdade de Relacionamento. Da mesma forma, a por-centagem da amostra se repete em Agressividade(39,7%) no B, porém, 27,4% com queixa de Depres-são e 19,2% para Dificuldade Escolar. No local Da porcentagem de casos de Agressividade tambémé alta com 30,9% dos prontuários e 20,6% em De-pressão.

Por outro lado, no C 35,9% das queixas se referemà Dificuldade Escolar, 26,9% em Agressividade e24,4% para Depressão. Quanto ao item Dificuldade deRelacionamento destaca-se o D com 16,5%, confir-mando uma população mais adulta, seguido por A em15,1%, C com 10,3% e local B com 5,5% da amostra.Além disso, têm-se casos isolados de Maus Tratos,exceto no local D com 9,3% da amostra onde seconcentram casos mais graves e um número maior deUsuários no seu conjunto. Junto a isso, no B havia qua-tro prontuários que solicitavam uma avaliação psico-lógica como motivo da consulta.

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Figura 3 – Distribuição da amostra quanto aos motivos de atendimento (queixa) relatados quandohouve a procura pelo Atendimento Psicológico. (Obs.: Quando o prontuário apresentava mais deum item por variável, computou-se cada uma delas, para fim de levantamento quali e quantitativo.)

Seguindo o padrão anterior, verifica-se mais deuma indicação terapêutica por prontuário como nosmostra a Figura 4. Assim, as Entrevistas iniciais queabrangem os primeiros contatos com o paciente cons-ta em 33,3% dos prontuários pesquisados do A, 32,8%do B, 39,5% do C e 21,6% do local D, sendo a indica-ção de maior porcentagem. Em sendo assim, 31,0%dos casos da amostra do B passaram por Psico-diagnóstico, como também 20,9% do C, 18,9% do D e11,9% do A. Contudo, apenas uma pequena parcela daamostra teve atendimento Psicoterápico individual oude grupo. Existem também, algumas exceções relevan-tes como um único caso de Terapia de Família, ou depoucos Grupos de Pais e atendimentos direcionados aesses adultos cuidadores.

No local A 4,8% da amostra teve atendimento dePsicoterapia individual, no B 5,2%, no C 4,7%, dife-rente do D no qual constavam 18,9% de casos dePsicoterapia. Já na Grupoterapia, o número se acrescesignificativamente para 11,9% no A, 8,6% no B, 7,0%no C e diminui no local D para 5,4%. Nota-se tambémuma ausência expressiva de dados, já que a indicaçãoterapêutica é de estrema importância no trato com

o Usuário, além de servir de referência para outrosprofissionais que venham a lidar com os prontuá-rios.

Paralelo às Indicações Terapêuticas, a Figura 5 dasTestagens também diz da oferta do serviço e nos per-mite um olhar mais detalhado da abordagem que setem com esses Usuários. Chama a atenção o usoabusivo de Testagens em comparação a outros proce-dimentos relevantes para o atendimento Psicológico.Em um dos locais chega-se a atingir a média de 3,5testes por usuário, enquanto que o objetivo dos atendi-mentos é de psico-higiene e prevenção, além da exis-tência de listas de espera significativas, escassez deprofissionais, espaço e tempo, como citado anterior-mente. Esses dados se salientam no local B, no qual25,7% dos 70 testes aplicados era HTP, 22,9% CAT e25,7% Bender, além de 7,1% de Machover. Já no Cesse dado cai para um pouco mais da metade e no Apara menos da metade, como também no local D. Ostestes mais aplicados são HTP e CAT no B com 25,7%respectivamente, Hora de Jogo no A com 10,7% e17,4% no C, além da aplicação de Fábula de Duss nolocal D em 12,5% dos casos.

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Núcleo A N úcleo B N úcleo C N úcleo D

Figura 5 – Distribuição da amostra quanto as testagens utilizadas durante o processo

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Figura 4 – Distribuição da amostra quanto às indicações terapêuticas.

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Em números totais de atendimento, estes variamde 0 a mais de 50, como detalha a Figura 6 do númeroTotal de Atendimentos. Estes são caracterizados pelabrevidade que se resume a 15% com 2 atendimentos,10% com 4, 5, 6 atendimentos respectivamente no A.Apenas três prontuários tiveram atendimentos prolon-gados quanto ao tempo, com mais de trinta atendimen-tos nesse local. Já no B os atendimentos ficaram dis-tribuídos entre um número maior de encontros (de 10a 39 com 75%), contradizendo uma postura de valori-zação da testagem e que se desencontra das propostasde psico-higiene adotada na maior parte dos outros lo-cais. No local C os atendimentos se distribuem maisuniformemente, da mesma forma que no D. Porém,salienta-se 25% dos prontuários do A sem dados quan-to ao número de atendimentos, bem como no C com10% e no D com 5% da amostra.

Nota-se aqui novamente um excesso que vem adelatar falhas no processo. Se olharmos a primeira linhada Figura 7 todos os Usuários tem no mínimo uma falta.Grande parte dos prontuários do A, 30%, tem 3 faltas,20% tem duas e 15% tem uma, além disso um único casoconstava de seis falta e outro com 9 faltas. Por fim, em25% não constavam dados de faltas. No B, 40% dosprontuários tinha de uma a três faltas, já no C 45%tinha uma e no D 50% da população tinha até 4 faltas.Novamente as ausências de dados são altas em todosos locais, variando entre 20 e 35% dos prontuários.

Por fim, observa-se na Figura 8 sobre Encerramentonúmero elevado de abandono por parte dos Usuários doserviço indo ao encontro do excessivo número de faltasverificado anteriormente. Aqui, optou-se também porpequenas categorias para melhor organizar os dados:

– Novo encaminhamento: abrange encaminha-mento para médico clínico, endócrino, APAE,CIAE, Centro Educacional da Escola M, Cursona Faz, Conselho Tutelar, Fonodiólogo e Serviçode apoio a vitimas de violência e maus-tratos.

– Dificuldade dos Pais: são as dificuldades sa-lientadas pelos pais justificando abandono oudesistência do tratamento como mãe quebrouperna, mãe tem que ir aos bancos, mudou-se debairro, mudou para escola de turno integral.

– Alta: motivos escritos nos prontuários para asaltas como alta por melhora, por improduti-vidade e por término de Grupoterapia.

Conseqüentemente, constata-se um o pequeno nú-mero de altas, paralelamente com 54,2% da amostrado local A tendo o abandono como forma de encerra-mento dos atendimentos. O quadro se repete nos de-mais locais, porém em 35% no B, 32% no C e 35% noD. O motivo de alta para o encerramento aparece sig-nificativo no local B com 55% da amostra tendo umaalta apontada por improdutividade, o que se questionaquanto à indicação. Há também, outros 20% de alta noD. Além disso, é significativo ter 24% da amostra doC e 12,5% do A para Novo Encaminhamento. Contu-do, no local D sabe-se que boa parte da população édirecionada para a psiquiatria, a não ser no caso deorientação a pais, quando seus filhos estão em atendi-mento. Pode-se pensar então que esses usuários dei-xam de ser atendidos em suas demandas devido a ques-tões burocráticas ou por desconhecimento dos profis-sionais que ali trabalham, além da falta de RecursosHumanos na área de Saúde Mental.

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Figura 6 – Distribuiçãoda amostra quanto aototal de atendimentosprestados durante oprocesso.

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DISCUSSÃO

Este estudo corrobora parcialmente com outraspesquisas de caracterização da clientela atendida (San-tos, 1990, Carvalho e Terzis, 1989, Machado e Souza,1997). Indica que o trabalho do Psicólogo nesses con-textos é de escutar e olhar além daquilo que se perce-

be, já que há reflexos na aprendizagem escolar da di-nâmica social e familiar dos indivíduos (Fernández,2001). Aponta, então que alguns problemas individuaisaparecem no âmbito escolar e são detectados pelorelacionamento estabelecido desde o início da vida es-colar. Porém não se resumem a problemas ou dificul-dades de aprendizagem, mas outras limitações que

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mais de

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Núcleo A N úcleo B N úcleo C N úcleo D

Figura 7 – Distribuiçãoda amostra quanto àsfaltas ocorridas duranteo processo

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Figura 8 – Distribuiçãoda amostra quanto àscondições deencerramento dosAtendimentosPsicológicos

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acometem o rendimento e relacionamento escolar(Carvalho e Térzis, 1989).

Aparece através dos dados do local D um descasodirecionado para a população adulta, que não contem-pla as necessidades dessa demanda de atendimento.São adultos que frente à oferta do serviço, não sãocorrespondidos em sua demanda de atendimento e aca-bam assim, sucumbindo ao uso de medicamentos uni-camente. Para mediar isso, “seria necessária umareformulação dos serviços prestados pela Instituição,que abrangessem a família, a escola..., com um traba-lho de inspiração psicoprofilática” (Santos, 1990,p. 93), ou seja, de prevenção.

Paralelo a estes dados, nota-se através dos enca-minhamentos escolares uma forte rede que une os ser-viços da comunidade entre escola e SUS, fortalecendoa proposta de atenção primária do serviço oferecido.Pode-se pensar, portanto, que grande parte desta po-pulação têm na atenção básica a circulação de umarede de saúde que liga os serviços e escolas denotandouma necessidade maior de atendimento e cuidado notrato com sua comunidade.

Essa necessidade se ressalta quando aparececerca de um terço dos motivos de atendimento porAgressividade e fatores ligados à ausência de limites,no entanto, sabe-se que em doses amenas a agres-sividade é também uma característica do ser humano,principalmente em meninos, fundamental para o de-senvolvimento (Machado e Souza, 1997). Há aqui umademanda que surge para que os Psicólogos possam li-dar com a agressividade dos alunos de escolas públi-cas, e que revela uma discussão relevante (Machado eSouza, 1997). São apontamentos como esses, que noslevam a questionar que noção de realidade está sendotransmitida a essas crianças e adolescentes. Em sendoassim, lembra-se que a patologia não se concentra noconflito, mas sim na ausência de recursos para lidarcom eles (Bleger 1992), e daí o papel preventivo dosPsicólogos na Rede Pública de Saúde, que não se sus-tenta apenas com a parcela infantil, mas na de adultostambém.

Inúmeros fatores podem estar condicionados aessa procura de atendimento pelo SUS, entre eles oseconômicos, a inadequação do sistema escolar às ne-cessidades dos alunos, percepção tardia de problemaspré-existentes, valores da sociedade atual, papéis eexpectativas sociais (Santos, 1990). Conseqüentemen-te, é importante salientar os procedimentos adotadosnesses atendimentos, sua brevidade e assiduidade, jáque são processos que se caracterizam pelo elevadonúmero de abandonos e desistências. Estes abandonossão um alerta para a necessidade de revisar a adequa-ção e a aplicação da técnica utilizada nesses serviçospsicológicos (Lhullier & Nunes, 2004).

Além disso, por sua rapidez se resumem a orienta-ções e contatos iniciais que possibilitam pouco conhe-cimento desses Usuários. Distancia-se assim, a priori-dade dos atendimentos públicos que deveriam ser ostrabalhos em grupo, de forma a abranger o maiornúmero possível de Usuários. Contudo, encontrar agrupoterapia como indicação em alguns casos deve serrelacionado com o fato de que este deveria ser o trata-mento indicado na maior parte das situações, conside-rando a proporção de técnicos e Usuários do serviço.

Aponta-se também, a brevidade de alguns proces-sos no que compete ao interesse e aproveitamento dosatendimentos por ambas as partes interessadas, bemcomo um número significativo de ausência de dadosque é o que permite uma indicação e manejo adequadopor parte do Psicólogo. Os primeiros contatos são otempo em que o Psicólogo além de interrogar sobre ademanda do paciente deve se interrogar acerca dasmotivações de sua resposta adequada àquela demanda(Rocha, 1991).

Sabe-se ainda, que o Psicólogo não o pode ser, senão for concomitantemente um investigador dos fenô-menos a se modificar, extraindo as dificuldades da pró-pria prática e realidade social em que se está inserido(Bleger, 1992). Portanto, esse descaso das equipesquanto ao Usuário pode refletir características destegrupo técnico, desde uma rotina de trabalho quedificulta o tempo para os registros como um certo des-caso frente a pouca valorização do profissional e suaatuação diferenciada dentro das Instituições, tradu-zindo relevantes aspectos institucionais a serem ava-liados.

Por fim, destaca-se o sentido de demanda dado porLacan (citado em Zimerman, 2001) como uma neces-sidade insaciável de satisfação de um desejo, “umpedido desesperado por reconhecimento e por amorcomo forma de preencher um antigo e profundo va-zio” (p. 98). Outros autores (Nascentes, 1953 & Di-cionário Brasileiro Zero Hora, 1994) referem ainda ademanda como um ato de requerer propondo umaação, ou ainda, ter necessidade, pedir, reclamar, embusca de ..., algo que nos faz refletir sobre a oferta deum serviço para uma demanda do social que se inserenuma cultura atual de compulsão por preencherum vazio existencial e que nunca se preencherá porcompleto devido esta característica de sujeitos fal-tantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste estudo sobre a demanda em Psi-cologia na Rede Pública de Saúde aponta na direçãode um tema atual e que merece uma atenção significa-tiva. Isto porque ele abarca além de um sintoma social,

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reflexos deste nas relações de desenvolvimento dossujeitos. Além disso, detalha um serviço que está emdesenvolvimento e cresce consideravelmente nas co-munidades usuárias do SUS. Constata também, umnovo molde de trabalho para os profissionais da Psi-cologia nos âmbitos sociais. Além de caracterizar umaamostra da população atendida, reflete acerca do ser-viço que é oferecido, relacionando-o também comouma demanda de reconhecimento.

Com isso, outros temas relevantes de pesquisa ede instrumentalização destes serviços se evidenciamcomo trabalhos preventivos dentro das escolas, aten-dimentos familiares, extensão do trabalho para aclientela mais adulta, bem como a inserção de um nú-mero maior de profissionais da área. Em novos proje-tos de pesquisa, se sugere estudos acerca dos procedi-mentos adotados, bem como da percepção do profis-sional da saúde pública frente ao usuário, e sua rela-ção com outros serviços da região. Destaca-se tambéma importância da coleta e sistematização dos dados co-lhidos, perante os Usuários para que o trabalho daequipe de saúde possa realmente oferecer trocas ebenefícios para os interessados.

REFERÊNCIAS

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Dimenstein, M. D. B. (1999). O Psicólogo nas Unidades Básicasde Saúde: desafios para a formação e atuação profissional.[On line] http://www.scielo.com.br

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Lhullier, A.C. & Nunes, M. L. T. (2004). Uma aliança que se rom-pe. Psicologia Ciência e Profissão – Diálogos, ano 1, 1, 43-49.

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Nascentes, A. (1953). Dicionário do português básico do Brasil.Biblioteca Línguas Vivas: Rio de Janeiro.

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Silva, M. M. (1992). A formação do psicólogo para o trabalho naSaúde Pública. In: F. C. B. Campos (Org.). Psicologia e Saú-de: repensando práticas (pp. 25-40). São Paulo: Hucitec.

Zimerman, D. (2001). Vocabulário contemporâneo de psicaná-lise. Artes Médicas: Porto Alegre.

Recebido em: 10/02/2005. Aceito em: 10/11/2005.

Nota:Este artigo constitui parte do trabalho de conclusão de curso da primeira au-tora, orientada pela segunda autora.

Autoras:Manuelle Grossi Vanni – Psicóloga. Universidade de Caxias do Sul (UCS).Alice Maggi – Psicóloga. Doutora em Psicologia, Departamento de Psicolo-gia, Universidade de Caxias do Sul (UCS).

Endereço para correspondência:MANUELLE GROSSI VANNIRua Moreira César, 2814, apto. 301 – CentroCEP 95034-000, Caxias do Sul, RS, BrasilE-mail: [email protected]