o quarto do conto: entre quatro paredes – livro 2

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Lara é uma profissional brilhante, determinada e extremamente criativa. Quando era mais jovem, curtia a vida sem se dar limites, até que o fim de uma relação abalou sua autoestima e fez com que se fechasse emocionalmente, ocultando suas fantasias e impossibilitando-a de se entregar mais uma vez ao amor. O que ela não esperava é que, mesmo com as barreiras que se impôs, pudesse ser arrebatada por esse sentimento proibido. Tomada por um turbilhão de sentimentos, Lara precisa aprender a enxergar o seu valor como mulher para retomar as rédeas do seu destino, transformando seus anseios confidenciados em contos num romance tórrido e arrebatador. O quarto do conto é o segundo livro da provocante trilogia “Entre quatro paredes”. Com um estilo ágil e cenas detalhadamente explícitas, é recheado de devaneios que, muitas vezes, permeiam o imaginário feminino.

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talentos da literatura brasileira

SÃO PAULO, 2015

livro 2

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conto

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O quarto do contoCopyright © 2015 by Renata DiasCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

aquisiçõesCleber Vasconcelos auxiliar de produçãoEmily Reis

preparaçãoAndrea Bassoto

diagramaçãoJoão Paulo Putini

fotografia de capa Dodô Villar

montagem de capaJoão Paulo Putini

revisãoDaniela Georgeto

NOVO SéCULO EDitORA LtDA.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 CEP 06455 ‑000 – Alphaville industrial, Barueri – SP – Brasiltel.: (11) 3699 ‑7107 | Fax: (11) 3699 ‑7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Dias, RenataO quarto do conto: entre quatro paredes, livro 2Renata DiasBarueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

(Coleção Talentos da literatura brasileira)

1. Romance brasileiro. I. Título. II. Série.

15 ‑10562 cdd ‑869.3

Índice para catálogo sistemático:1. Romances : Literatura brasileira 869.3

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Dedicatória

E ste livro está finalizado desde o início de 2013 e sempre soube o que escrever nesse espaço quando che‑gasse o momento de dividi ‑lo com vocês.

é a mais pura fi cção e, sendo assim, não se trata da história de alguém específi co, ao mesmo tempo em que tem a ver com a maior parte das pessoas que tive a honra de conhecer ao longo da minha vida. tem um pouco de mim e um pouco de todo mundo, e quem nunca sofreu uma desilusão amorosa com certeza conhe‑ce alguém que já vivenciou isso. Dói, mas passa, e nada melhor do que uma boa dose de autoestima para fazer a gente se conec‑tar com a vontade de dar a volta por cima, abandonando escudos emocionais e se permitindo amar mais uma vez!

Dedico este romance a todas as “Laras” que me inspiraram a ponto de fazer experimentar os sentimentos mais intensos e verdadeiros que encontrei, até então, quando mergulhada nos meus mais profundos devaneios. Gravei ele em mim com rosas vermelhas para que jamais me esqueça da importância de culti‑var o meu amor próprio… Que assim seja para vocês também!

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Agradecimentos

T ive o privilégio de conhecer, mesmo que vir‑tualmente, um monte de gente especial que apoia autores nacionais e incentiva a leitura… Que de‑

sinteressadamente fomenta a literatura e estimula a curiosi‑dade de outros leitores. Agradeço de todo coração a cada um dos meus parceiros, blogs literários e perfi s de redes sociais, que curtem o meu trabalho e me incitam a ser o meu melhor, me surpreendendo com as mais diversas demonstrações de ca‑rinho em forma de palavras. A cada leitor que faz questão de expressar suas percepções sobre as minhas obras… Que se per‑mite passear pelas páginas dos meus apimentados romances, com a mente aberta e o coração também. é um presente ter vocês por perto e isso não tem preço, tem valor!

Minha família que me ama incondicionalmente… Que sabe que não tenho medo de me jogar de qualquer altura se for para ser feliz e que, mesmo que em algumas circunstâncias não sejam tão passionais quanto eu, apoiam todas as minhas decisões, até as mais inesperadas, como abandonar dez anos de uma empresa para viver desse sonho.

Além de desejar todo o sucesso sempre, quero agradecer aos excepcionais artistas, baianos como eu, convocados a realizar o

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meu capricho de ser “a garota tatuada da capa”!!! Sim, sou eu mesma a figura lá da frente! Risos. Dai Alves, meu amigo queri‑do e profissional responsável pela beleza, que está ao meu lado há oito anos e é incansável na arte de inventar possibilidades para me fazer sorrir, me fazendo de boneca e me permitindo ser sua tela viva, em constante e sublime mutação. Dodô Villar, um superfotógrafo e designer criativo que com sensibilidade e ousadia, através das suas lentes mágicas, conquistou a mim e ao segmento de imagens no cenário baiano. JP, o tatuador que conseguiu traduzir em riscos e cor o meu desejo de viver me dando rosas de presente. Porque eu mereço!

Aos meus amigos, que fazem essa jornada ser muito mais bonita do que já é. Que caminham ao meu lado, torcendo por cada conquista, vibrando com cada vitória! Ao meu amor, por me doar tudo o que ele tem de melhor, acreditando nas minhas sandices, algumas vezes, ainda mais do que eu mesma. Quero ficar velhinha ao seu lado escrevendo romances!

Não poderia deixar de citar toda a equipe envolvida na aprovação, revisão, editoração e finalização desta obra, os meus parceiros da editora Novo Século.

Para finalizar, agradeço a Deus, porque, mesmo quando as coisas não andam como eu gostaria, Ele encontra uma maneira de me sinalizar que estou no caminho certo. Que Ele continue me doando a inspiração necessária para seguir em frente, pro‑dutiva, nas insones madrugadas que passo sonhando acordada!

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Prólogo

“… E mais uma vez tive aquela sen‑saçã o estranha de estar sendo ob‑servada, mas meu corpo estava tão

envolvido pela excitação por estar exposta ao ilícito, que em vez de parar tudo e fechar as cortinas da janela, o meu único dese‑jo era tirar o resto da roupa e me entregar ainda mais àquele momento de fantasia e luxúria, em que nada e nem ninguém poderia interferir…”.

Esta foi, para variar um pouco, mais uma daquelas noites de ociosidade em que eu passei horas a fi o escrevendo contos e pos‑tando em blogs como uma colaboradora anônima, entregue à lei‑tura dos meus livros e às lembranças de acontecimentos que me levaram a querer ser uma solitária, o que não combinava muito com o meu ritmo de vida, tendo em vista que eu era a proprie‑tária de uma das agências mais reconhecidas do mercado local.

Uma publicitária que queria ser sozinha, que não gostava de gente e que geralmente se sentia incomodada com olhares e demonstrações gratuitas de afeto ou admiração. isso não es‑tava normal…

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Meu nome é Lara Rocha e com 27 anos consegui realizar o meu maior sonho, comprar uma cobertura com vista para o mar em um dos apart ‑hotéis mais glamorosos da capital baia‑na. Mas se enganou quem pensou que essa conquista iria mu‑dar a minha vida. Após quase três anos morando no meu pa‑raíso particular, percebi que as únicas pessoas que eu já tinha recebido em casa tinham sido meus pais e uma amiga, a Kari‑na, que trabalhava comigo e que não desistia da nossa amizade nem mesmo quando eu merecia isso.

O apartamento era simplesmente lindo. Dona de um extre‑mo bom gosto, coisa que, apesar da modéstia, não tenho como negar, fiz questão de estar presente em cada passo da refor‑ma do lugar, dividindo os ambientes de modo que fossem mais úteis. Escolhi cada móvel, cada peça de decoração, e fiz questão de reservar um ambiente, além do meu quarto, para relaxar e me entregar aos meus mais íntimos devaneios, o quarto do conto. Nada do que ocorria entre aquelas quatro paredes acon‑tecia no meu “quarto de dormir”. Lá, eu me sentia liberta e era o único momento de prazer ao qual me entregava no meu dia a dia. O detalhe? Sozinha! Até que um certo dia…

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1o dia, quarta ‑feira

S aí da agência quase às 21h e estava exausta. Não via a hora de chegar em casa, tomar um demo‑rado banho quente, abrir uma garrafa de vinho e

me entregar aos meus livros. Parece coisa de adolescente, mas sempre curti o mundo da fantasia.

Leio muito fi cção, romances e literatura fantástica como um todo e me sinto verdadeiramente atraída por vampiros, an‑jos caídos, deuses, bruxas, íncubos, súcubos… todos tão viris, sensuais…

Curto qualquer coisa que me tire dessa natureza nua e crua que a gente já vive todos os dias nos noticiários e na vida real, até mesmo porque, inconscientemente, é essa utopia que me permite escrever meus contos com tanta… criatividade, por assim dizer.

Sou conduzida intuitivamente por esse universo e logo vo‑cês entenderão o motivo. Certa vez, fi quei meio apaixonadinha por um cara de uma série que li. Aliás, a série inteira tinha vam‑

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piros gostosos para todos os gostos e eu cheguei a ter sonhos pra lá de calientes com ele.

Lógico que não escrevi o conto citando o tal sanguessuga, porque algumas pessoas achariam o máximo e outras me acha‑riam uma lunática, mas costumo citar tipos físicos de homens que atraem até a mais pudica das donzelas, e quem quiser que me diga que isso não é normal. tanta gente que se apaixona por personagem de novela, que surta e persegue cantores nas ruas… A única diferença é que não corro o risco de me desiludir ou me decepcionar com uma negativa, já que o meu objeto de tara só vive dentro das minhas fantasias mais surreais.

Sim, mas… Estava falando sobre o quê mesmo? Ah! Meu trabalho…

trabalho propositalmente perto da minha casa. O trânsito está sempre uma loucura e, se a gente não quiser pirar nos dias de hoje, a solução é evitar tudo aquilo que nos suga as energias.

Caminho duas quadras, chova ou faça sol, e me limito den‑tro desse universo a realizar todos os meus afazeres diários. Compras, banco (praticamente nem vou mais até ele), mani‑cure e academia (que costumo ir um dia na semana, quando vou…). isso quando não tenho algum evento chato do qual não consigo me livrar ou mandar alguém no meu lugar. Geralmente a Karina, minha melhor, e acho que única, amiga.

Caminhei com pressa, pois, por mais incrível que pareça e após fazer 33°C o dia inteirinho, começou a chover e eu nunca estou com um guarda ‑chuva na bolsa. Parei na delicatessen que fica na esquina do meu prédio para comprar carpaccio e torra‑das, imaginando que aquela chuvinha passaria em alguns mi‑nutos. Ledo engano.

Cansada de esperar e após ser encharcada por um carro que passou e jogou toda a água da rua em mim, corri ensopada e

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abraçada à sacola de compras uma distância curta que parecia a travessia Mar Grande – Salvador, de tanta água que havia no caminho (*esta travessia é a mais antiga prova de maratona aquática do Brasil, que consiste em atravessar a Baía de todos os Santos, que vai do terminal turístico Náutico da Bahia ao terminal Hidroviário de Vera Cruz, em Mar Grande, na ilha de itaparica). Filho da mãe! De que adianta ter uma Ferrari e não ter educação para dirigir nas ruas?

Entrei no apart transparecendo todo o meu mau humor e dei de cara com o sr. teles na recepção, já chamando um rapaz para me ajudar com as sacolas e pegando uma toalha daquelas que usam na área da piscina a fim de que eu pudesse me enxugar.

– Boa noite, srta. Lara!– Boa noite só se for para o senhor, seu teles.O coitado fez uma cara de “me perdoe por ser educado” e

imediatamente me senti na obrigação de me retratar.– Ai, seu teles… Desculpe a grosseria. Não satisfeita de

estar tomando toda a chuva do mundo, consegui cruzar com um imbecil que resolveu me dar um banho. Ainda bem que já estava perto daqui.

Peguei a toalha que ele segurava na minha frente, passei no rosto e nos braços somente, para não negar a gentileza. Estava me sentindo suja e desgrenhada e tudo o que eu pre‑cisava − não somente queria − era arrancar as roupas e me enfiar debaixo do chuveiro.

Agradeci ao rapaz, que com certeza era funcionário novo, por estar a postos para me ajudar, mas não estava boa para su‑bir quatorze andares fazendo cara de simpática quando o que eu mais queria era arremessar alguém de lá de cima.

Entrei no elevador tirando os sapatos e acomodando as com‑pras no chão enquanto ele descia para a garagem… Uhuuuul! Mordi a língua. é bom nem começar com minhas teorias de

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“não falta mais nada para me aborrecer”, porque sempre existe alguma coisinha reservada para provar que estou errada.

Estava de costas para a porta, tentando arrumar o desastre que estava o meu cabelo, quando vi pelo espelho aquele homem entrando… Viu que eu disse que podia ficar pior? Fiz de conta que não havia me abalado com toda aquela imponência mas‑culina em um espaço tão pequeno e permaneci calada, nem ao menos tendo a cortesia de responder ao cumprimento de “boa noite” ofertado pelo visitante.

O perfume dele tomou conta dos meus sentidos e tudo o que consegui consumir foi o senso de liberdade e superioridade que aquele cheiro imprimia em mim. “Você está louca?”, ouvi estridentemente, apesar de saber que só eu estava sendo toca‑da pela inquisição. Aprisiono na minha mente − e nem sempre somente nela − uma voz que conduz muitos dos meus passos. Ou melhor, ela tenta me fazer desviar do caminho e só dou es‑paço para suas sandices quando paro de frente para os meus devaneios íntimos.

O professor Charles Xavier, aquele mesmo, do X ‑Men, diz que todos têm vozes dentro de si, e como já li inúmeros livros de pessoas que relatam esse mesmo costume, para não me considerar uma louca varrida e cheia de cacoetes, decidi acre‑ditar que esse bate ‑papo faz parte da alma feminina e o eco, que nesse momento só podia pertencer ao conselho reunido de divindades pervertidas, criou um alvoroço dentro de mim, eclodindo o som de dezenas de reivindicações ao mesmo tem‑po, alertando ‑me de que eu precisava sair do torpor em que me encontrava, sair da zona de conforto de não me permitir socializar com ninguém. Mas o que essas vozes não viam eram a minha imagem borrada no espelho e a vergonha por estar diante de uma presença tão… arrebatadora, talvez defina.

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Diante da minha hesitação, ele franziu o cenho e as sobran‑celhas se uniram sobre os seus fascinantes olhos, escuros como uma noite de lua nova. Permaneceu sério e apertou o 13o andar, virando de costas para mim. Respirei aliviada e aproveitei para observá ‑lo mais um pouco.

Alinhado… Vestia um terno com corte perfeito. Seus cabe‑los, também escuros, contrastando com fios brancos, dando‑‑lhe um charme único, estavam bem cortados, mas em um ta‑manho que ainda daria para meter as mãos e puxar para beijar o pescoço dele. Opa! Devia estar ficando louca mesmo… Era apenas um homem cheiroso e que se vestia bem.

Não o achei muito alto, e calçada com meus saltos, aqueles que estavam desleixadamente jogados no chão, acho que devia ficar apenas uns dez centímetros menor do que ele. Retiro o que acabei de dizer… Ele era enorme. Ombros largos e um quê de “Sim, eu tenho A PEGADA!”.

O elevador subiu, e antes do que eu gostaria, a porta se abriu e ele saiu sem olhar para trás. A diferença de um andar, entre o que ele desceu e o meu, pareceu demorar uma eternida‑de para ser percorrida e eu saí sem ao menos lembrar de pegar tudo que havia colocado no chão. Bati com a porta do elevador, que já estava quase fechando, e tinha certeza de que ganharia um hematoma bem roxo de brinde, para que eu não me esque‑cesse de ser menos distraída. O detalhe é que geralmente não sou assim. Acho que é de família…

Meti a chave na porta e mal havia fechado quando terminei de arrancar as roupas grudadas no meu corpo. Deixei tudo em‑pilhado na área de serviço e corri para o banheiro. Preciso parar com essa mania de andar pelada pela casa, mesmo sabendo que só Deus poderia me ver pela janela, porque nada havia na mi‑nha frente além de um ressonante e imenso mar.

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Deixei que o vapor cobrisse os espelhos até que não pudesse mais me ver nele e permiti ‑me relaxar enquanto a água escal‑dante lavava todo aquele desconforto. Fazia muito tempo que não me sentia desconcertada na presença de um homem. Não chego nem perto de ser uma eremita, mas gosto de viver no meu mundo impenetrável e, de alguma forma, aquele homem me tocou só na forma de me olhar.

Senti ‑me nua diante dele nos poucos segundos que nos olhamos pelo reflexo, até, é claro, ele se cansar de mim e me dar as costas. também, qual o atrativo de uma mulher como eu que, além de tudo, estava suja e havia sido descortês?

Deixei de lado essas questões pessoais de como me vejo e me entreguei à deliciosa sensação da espuma de banho me per‑correndo, minhas mãos passeando sem atritos e estimulando os pontos mais sensíveis do meu corpo. Podia gozar ali mesmo só de lembrar daqueles olhos negros lindos me espreitando por aqueles quinze bucólicos segundos.

Respirei fundo e me entreguei à minha imaginação. Fantasiei ‑o batendo na minha porta com uma garrafa de Pêra‑‑Manca tinto encorpado, quente e envolvente. A barba por fa‑zer e a língua umedecendo os lábios.

Eu nem sei o nome dele e provavelmente nunca mais o ve‑rei na vida, mas não vou conseguir esquecer tão facilmente da presença dominadora daquele homem, e se Afrodite permitir, ainda vou fantasiar muito com ele nos meus banhos, nos meus devaneios e no meu quarto secreto.

Enquanto meus dedos me invadiam, deixei a minha mente viajar no que lembrava ser o perfume dele e na força com que imaginei que ele usaria para me pressionar contra a parede, to‑cando minha fenda úmida enquanto me virava de costas, ro‑çando o membro dele em mim. Ahhhh…

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Vesti o meu roupão preto e enxuguei os cabelos com uma to‑alha que deixei caída no chão do banheiro após ser usada. Fui até a cozinha ainda com a água escorrendo pelo corpo e molhando todo o caminho percorrido pela casa. Abri uma garrafa de vinho e servi a taça enquanto montava o que seria o meu jantar.

Não me recordava quando fora a última vez que havia senti‑do fome de verdade e, nesse dia em particular, sentia ‑me capaz de comer como na época em que ia para a farra e voltava faminta para a casa dos meus pais. Mas isso faz tempo, muito tempo…

Estava me sentindo entorpecida já nos primeiros goles de vi‑nho, pois era bem comum passar dias inteiros apenas beliscando chocolates ou barrinhas de cereais no escritório. Não me lembra‑va de parar para comer e almoçar era um luxo que não fazia par‑te da minha rotina. Não por falta de tempo, mas simplesmente porque ter fome não era algo que constasse no meu cardápio de interesses diários. Qualquer coisinha mascarava a minha neces‑sidade de comer e muitas vezes chegava morta do trabalho, to‑mava um iogurte e me enrolava no frio de 18°C para tentar dor‑mir o sono dos justos, com a mente vazia e o estômago também.

No meu quartinho secreto eu sempre tenho algumas coisas para beliscar, mas uma refeição completa era exigir muita coisa de alguém que, além de não levar o menor jeito na cozinha, mora sozinha e sabe que de fome não vai morrer.

A campainha tocou.Abri a porta sem nem me lembrar da existência do olho mági‑

co, pois, como nunca recebia visitas, não imaginava ser ninguém em especial. Na melhor das hipóteses, seria alguém da recepção para entregar algo que eu havia deixado cair pelo caminho.

Era ele! A minha primeira reação foi empurrar a porta con‑tra a mão dele, enquanto ele colocava o pé, impedindo ‑me de fechá ‑la completamente.

– Desculpe se te assustei. Só queria falar um minuto contigo.

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Lá estava aquele homem com os cabelos molhados, vesti‑do num jeans justo e camiseta branca, que pareciam ser muito confortáveis. Ele não empurrava a porta, mas também não per‑mitia que eu a fechasse. Existia um quê de sedutor na voz dele, um sotaque que eu não havia notado no “boa noite” que ele me deu mais cedo.

Abracei o roupão tentando esconder a pele nua e senti os tremores percorrendo meu corpo com aquele alerta de luzes vermelhas piscando, avisando ‑me para parar por ali mesmo. indo contra todos os meus impulsos, eu abri a porta.

– O que você quer aqui?Ele fez cara de estranhamento e com certeza estava pensan‑

do com seus botões que eu era uma esquisitona, autoritária e sem educação. Mas, da forma que correspondi às suas aborda‑gens, nem o culpo pela interpretação prévia…

– Bom, eu queria saber se você está bem. Acabei de me mu‑dar e tive a impressão de já ter te visto antes, mas pela sua rea‑ção, devo acreditar que foi um engano.

– Com certeza não nos conhecemos. Quer dizer, se eu já tivesse visto você antes, com certeza eu me lembraria… Não por você ser nada de mais, mas por eu ser excelente em gravar fisionomias.

Mas que merda é essa que eu falei com: “Não por você ser nada de mais”? Ele soltou a porta e balançou a cabeça, resignado.

– Ok, você tem razão. também sou um fisionomista de pri‑meira e por isso mesmo é que decidi sair do meu apartamento e vir bater na sua porta, mas concordo que não nos conhecemos. Apesar de ser uma belíssima mulher, é um tipo bem comum e devo realmente ter te confundido com outra pessoa. tenha uma boa noite e, mais uma vez, desculpe por incomodá ‑la.

Ele mais uma vez saiu sem olhar para trás. Permaneci com a porta aberta e um milhão de desaforos engasgados na garganta.

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Quem ele pensa que é para me incomodar a essa hora e me cha‑mar de “tipo bem comum”? Pois fique ele sabendo que com 16 anos eu fui eleita Miss da cidade do interior que a minha família visitava frequentemente e, na época, esse era um grande título!

Não que as pessoas saibam o que isso significa, mas para os meus pais e avós, aquele momento foi “o must”. tipo comum… tipo comum é a mãe dele! Não, mãe não… Não se ofende mãe. A irmã, se ele tiver uma, ou a namorada… Será que ele tem uma namorada?

Fechei a porta ainda com a taça de vinho na mão e fui até a cozinha. Havia perdido a fome e não me dei ao trabalho nem de guardar as coisas na geladeira. Joguei tudo no lixo, sorvi em um único gole todo o resto da bebida e fui para o meu quarto de dormir.

Estava sem cabeça para qualquer outra coisa que não fosse deletar esse dia da minha agenda e esquecer todos os foras que dei com aquele homem arrogante… E cheiroso… E impetuosa‑mente sexy.

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