o pronome lembrete e a teoria da língua em ato: uma análise baseada em corpora

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-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- VEREDAS ON-LINE ATEMÁTICA 2013/2 - P. 39-59 PPG-LINGUÍSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN: 1982-2243 39 Veredas atemática Volume 17 nº 2 - 2013 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- O pronome lembrete e a Teoria da Língua em Ato: uma análise baseada em corpora 1 Bruno Neves Rati de Melo Rocha (UFMG) Tommaso Raso (UFMG) RESUMO: O trabalho propõe uma nova visão sobre caso do pronome lembrete em PB baseando-se nos pressupostos da Teoria da Língua em Ato e em uma análise dos corpora C-ORAL-BRASIL e C-ORAL-ROM de PE. A análise mostra que a retomada por pronome lembrete (“A Maria, ela gosta de futebol”) ocorre, em PB, em contextos prosodicamente e funcionalmente marcados. Em PE, esse tipo de retomada não foi encontrado. O trabalho revela a existência de outro tipo de retomada, realizada por meio da repetição do elemento retomado (“A Maria, a Maria veio”), sujeita às mesmas restrições do pronome lembrete. Por fim, retomadas em relativas resumptivas (“A menina que eu gosto dela veio”) não está sujeita às mesmas restrições prosódicas e funcionais. Palavras-chave: pronome lembrete; Teoria da Língua em Ato; corpus. Introdução Este trabalho propõe uma reanálise do caso do pronome lembrete (ou pronome resumptivo) em PB. O estudo baseia-se na análise de corpora de fala espontânea informal de 1 Os autores agradecem o CNPq e a Fapemig por terem financiado os trabalhos do projeto C-ORAL-BRASIL, dentro do qual essa pesquisa se insere.

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O trabalho propõe uma nova visão sobre caso do pronome lembrete em PB baseando-se nos pressupostos da Teoria da Língua em Ato e em uma análise dos corpora C-ORAL-BRASIL e C-ORAL-ROM de PE. A análise mostra que a retomada por pronome lembrete (“A Maria, ela gosta de futebol”) ocorre, em PB, em contextos prosodicamente e funcionalmente marcados. Em PE, esse tipo de retomada não foi encontrado. O trabalho revela a existência de outro tipo de retomada, realizada por meio da repetição do elemento retomado (“A Maria, a Maria veio”), sujeita às mesmas restrições do pronome lembrete. Por fim, retomadas em relativas resumptivas (“A menina que eu gosto dela veio”) não está sujeita às mesmas restrições prosódicas e funcionais.

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    VEREDAS ON-LINE ATEMTICA 2013/2 - P. 39-59 PPG-LINGUSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN: 1982-2243

    39

    Veredas atemtica

    Volume 17 n 2 - 2013

    ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    O pronome lembrete e a Teoria da Lngua em Ato: uma anlise baseada em corpora1

    Bruno Neves Rati de Melo Rocha (UFMG)

    Tommaso Raso (UFMG)

    RESUMO: O trabalho prope uma nova viso sobre caso do pronome lembrete em PB baseando-se nos

    pressupostos da Teoria da Lngua em Ato e em uma anlise dos corpora C-ORAL-BRASIL e C-ORAL-ROM de

    PE. A anlise mostra que a retomada por pronome lembrete (A Maria, ela gosta de futebol) ocorre, em PB, em contextos prosodicamente e funcionalmente marcados. Em PE, esse tipo de retomada no foi encontrado. O

    trabalho revela a existncia de outro tipo de retomada, realizada por meio da repetio do elemento retomado

    (A Maria, a Maria veio), sujeita s mesmas restries do pronome lembrete. Por fim, retomadas em relativas resumptivas (A menina que eu gosto dela veio) no est sujeita s mesmas restries prosdicas e funcionais.

    Palavras-chave: pronome lembrete; Teoria da Lngua em Ato; corpus.

    Introduo

    Este trabalho prope uma reanlise do caso do pronome lembrete (ou pronome

    resumptivo) em PB. O estudo baseia-se na anlise de corpora de fala espontnea informal de

    1 Os autores agradecem o CNPq e a Fapemig por terem financiado os trabalhos do projeto C-ORAL-BRASIL,

    dentro do qual essa pesquisa se insere.

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    Portugus Brasileiro (PB) e Portugus Europeu (PE) e foi conduzido segundo os preceitos da

    Teoria da Lngua em Ato (CRESTI, 2000; RASO, 2012), doravante TLA. Para o PB, foi

    utilizado o corpus C-ORAL-BRASIL, de Raso e Mello (2012). Para o PE, utilizou-se o C-

    ORAL-ROM (BACELAR DO NASCIMENTO et al., 2005; CRESTI; MONEGLIA, 2005).

    A anlise aqui empreendida teve como objetivos verificar a frequncia de uso da

    estratgia do pronome lembrete e a existncia de restries prosdicas e funcionais operantes

    na sua realizao. A hiptese investigada nesse trabalho a de que as retomadas por pronome

    lembrete presentes na fala esto sempre sujeitas estruturao em unidades tonais diferentes,

    mais especificamente, em unidades informacionais de Tpico e Comentrio (CRESTI, 2000),

    com o elemento retomado na unidade informacional de Tpico e o pronome lembrete na

    unidade de Comentrio.

    1. O problema

    Na literatura lingustica, no h um consenso sobre o que se entende por pronome

    lembrete. Para que se tenha uma ideia de quo divergentes so as definies, basta dizer que

    ora incluem e ora excluem de seus escopos casos como nas sentenas do exemplo (1), para as

    quais o elemento retomado e o que retoma esto em itlico:

    Exemplo 1 (a) A Maria, ela gosta muito de futebol.

    (b) O Jairo, eu estou com o livro dele.

    (c) Eu tenho um primo que ele gosta muito de nadar.

    (d) A menina que eu viajei com ela no est aqui.

    Todavia, possvel identificar duas tendncias gerais de definio do fenmeno: uma

    de carter discursivo, para a qual o pronome lembrete exclusivamente o elemento

    pronominal presente em estruturas como a dos exemplos (1a) e (1b). A segunda,

    marcadamente gerativista, entende que o pronome lembrete aquele presente em (1c) e (1d)

    e, segundo alguns autores, tambm em (1a) e (1b).

    1.1. Pontes (1987) e uma anlise discursiva

    Como expoente brasileira da primeira tendncia, destaca-se Pontes (1987). Na viso

    da autora, o pronome lembrete (ou pronome-cpia), seria o pronome correferente ao

    tpico2, como mostrado no exemplo (2).

    Exemplo 2 (a) Essa competncia, ela de natureza mental.

    (b) Esse cestinho aqui, onde que tem plstico pra ele?

    (c) Eu, eu estudo lingustica.

    2 Na concepo de Pontes, o tpico constitui uma delimitao semntica para a predicao e est localizada

    sempre esquerda, em posio de anterioridade ao comentrio.

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    Considerando a variedade de constituintes passveis de aparecer em tpico e as

    diversas posies sintticas em que a retomada pode ser realizada, Pontes (1987) afirma que o

    pronome lembrete pode:

    1) ocorrer tanto em oraes principais como em oraes encaixadas exemplos (2a) e (2b), respectivamente;

    2) retomar tanto SNs de ncleo nominal quanto SNs que tm como ncleo um pronome pessoal exemplos (2a) e (2c) respectivamente;

    3) desempenhar, na orao em que se insere, tanto a funo sinttica de sujeito quanto outras funes sintticas exemplos (2a) e (2b), respectivamente , ainda que a maior parte das ocorrncias de pronome lembrete se d em posio sujeito,

    segundo a autora.

    Segundo Pontes, a ocorrncia do pronome lembrete pode ser motivada por diversos

    fatores. Um deles seria de natureza gramatical, relacionado ao processo de enfraquecimento

    da flexo verbal em PB: em casos em que h uma grande distncia entre o tpico-sujeito e o verbo a que ele est ligado (PONTES, 1987, p. 26), a colocao do pronome lembrete constitui um recurso para explicitar o sujeito de um determinado verbo. Assim, o pronome

    lembrete ela, no exemplo (3), deixa claro qual o sujeito a Maria do verbo dormir.

    Exemplo 3 A Maria, sempre que o Carlos no est l no stio, ela tem dificuldade pra dormir.

    Outro motivo para o uso do pronome lembrete seria o de marcar, no plano textual, que

    o SN em posio inicial de frase deve ser interpretado como tpico discursivo e que,

    portanto, a sentena3 tem a estrutura tpico-comentrio. Segundo esse raciocnio, o pronome

    ela, presente no exemplo (2a), pode ser visto como uma marca de que o SN essa competncia o tpico de ela de natureza mental. De fato, nesse exemplo, a ausncia do pronome poderia fazer com que o SN essa competncia fosse interpretado como sujeito de de natureza mental e que a estrutura da sentena fosse percebida como sendo de sujeito-predicado.

    Pontes (1987) observa ainda que frequentemente a separao entre tpico e

    comentrio feita, no nvel prosdico, por uma pausa silenciosa. Para a autora, essa questo

    poderia ser melhor investigada por meio de uma anlise sistemtica da entonao de sentenas

    com pronome lembrete. No entanto, devido falta de corpora de fala espontnea de Portugus

    Brasileiro, cuja escassez sentida ainda hoje, estudos como esse seriam praticamente

    inviveis at pouco tempo atrs.

    1.2. O pronome lembrete em abordagens gerativistas

    J no mbito gerativista, o pronome lembrete (ou pronome resumptivo) comumente

    entendido como o pronome usado na formao das oraes relativas resumptivas como (1c) e

    (1d).

    Para muitos autores a exemplo de Tarallo (1983) , nesse tipo de relativizao, analisa-se o que como um complementizador do mesmo tipo que o das subordinadas integrantes, o qual retomado posteriormente pelo pronome lexical. Por outro lado, estruturas

    3 Na viso da autora, a estrutura formada por tpico e comentrio uma sentena.

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    do tipo (1a) seriam casos de deslocamento esquerda com retomada pronominal do elemento

    deslocado.

    A tambm gerativista Kato (1993) enxerga o fenmeno de forma diferente. Nas

    relativas resumptivas como (1c), o que seria um pronome relativo. O pronome resumptivo, por sua vez, retoma um elemento ti em deslocamento esquerda, o qual no realizado

    foneticamente. Sendo assim, toda relativa resumptiva, cuja estrutura est representada em

    (4a), teria, no seu interior, uma orao topicalizada do tipo (4b).

    Exemplo 4 (a) A moai [CP quei [LD ti [IP eu falei com elai]

    (b) [LD Essa moai, [IP eu falei com elai]

    Ressalta-se aqui que, se, na viso de Kato (1993), o pronome lembrete continua sendo

    exclusivamente presente em oraes do tipo (1c) e no do tipo (1a) , a autora pressupe uma relao formal entre os dois tipos de estrutura.

    No panorama gerativista, destaca-se ainda a viso de Galves (2001), para quem o

    pronome lembrete definido como uma tendncia muito marcada em PB em usar o pronome de 3

    a pessoa logo depois do SN lexical sujeito (GALVES, 2001, p. 33). Tomando como base

    essa definio, so considerados pronome lembrete tanto o elemento presente nas relativas

    resumptivas como (1c) quanto nas oraes topicalizadas de tipo (1a).

    O trabalho de Galves interessante uma vez que pretende mostrar, pela proposio de

    uma nova regra de predicao, porque o pronome lembrete de frases como (1a) no ocorre em

    PE, mas sim em PB. Sua argumentao baseia-se, em parte, na premissa de que a estratgia

    do pronome lembrete uma tendncia majoritria no PB. A autora, porm, no fornece dados

    que comprovem essa premissa.

    2. Metodologia

    A seo de metodologia divide-se em trs partes. A primeira (seo 2.1) destina-se a

    explicar, de forma resumida, os conceitos fundamentais da Teoria da Lngua em Ato

    (CRESTI, 2000; MONEGLIA, 2005; MONEGLIA, 2011; RASO, 2012). Em seguida, feita

    uma comparao entre a TLA e a viso de Pontes (1987), evidenciando semelhanas e

    diferenas entre as mesmas (seo 2.1.1). Mais adiante, mostrado como a TLA pode ser til

    na compreenso do problema do pronome lembrete (seo 2.1.2). Posteriormente, so

    descritos os corpora C-ORAL-BRASIL e C-ORAL-ROM de PE, nos quais a pesquisa foi

    realizada (sees 2.2 e 2.3). Por fim, so detalhados os procedimentos metodolgicos

    empreendidos nesse trabalho (seo 2.4).

    2.1. A Teoria da Lngua em Ato

    A Teoria da Lngua em Ato uma teoria corpus driven para a anlise da fala

    espontnea com ampla base experimental4. A TLA fundamentada na concepo de

    4 Uma descrio dos corpora C-ORAL-ROM e C-ORAL-BRASIL, bem como uma grande quantidade de

    trabalhos desenvolvidos segundo a Teoria da Lngua em Ato podem ser encontradas no site dos grupos

    LABLITA e C-ORAL-BRASIL. Disponvel em: ; .

    Acessado em: 7 de agosto de 2012.

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    enunciado como a unidade de referncia da fala, definido como a menor unidade interpretvel

    pragmaticamente. Dessa forma, distancia-se de teorias que analisam a fala a partir da noo

    de frase, na qual deve sempre existir uma predicao5. Assim, segundo a TLA, mesmo

    construes formadas exclusivamente por interjeies ou advrbios podem constituir

    enunciados, desde que sejam interpretveis pragmaticamente.

    Traando um paralelo com a Teoria dos Atos de Fala, de Austin (1962), a TLA entende

    que o enunciado a contraparte lingustica de um ato de fala, sendo responsvel pelo preenchimento da locuo por uma ilocuo. A diviso do continuum da fala em enunciados

    feita com base em quebras prosdicas (variaes prosdicas perceptveis a qualquer falante

    competente de uma lngua): quebras de perfil terminal (CRYSTAL, 1975) assinalam

    fronteiras de enunciado, enquanto quebras de perfil no terminal estabelecem as unidades

    internas do enunciado (as unidades tonais).

    Chamamos a ateno para o fato de que nem sempre as quebras prosdicas

    correspondem a pausas silenciosas. Observe-se o exemplo (5), composto de trs enunciados.

    Exemplo 5 (bfamdl02)

    *BAL: [64] t saindo de uma garrafinha que tem um bico muito pequeno // [65] ento

    daquela coisa pequeninim nu vai encher rpido // [66] agora imagina c pega um balde

    e joga dentro //

    t saindo de uma garrafinha tem um bico muito pequeno // ento daquela coisa pequeninim nu vai encher rpido // pausa agora imagina c pega um balde e joga dentro //

    50

    300

    100

    150

    200

    250

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0 5.882

    Ex_5_-_bfamdl02_64-66__ch2

    Time (s)

    0 5.882-0.4198

    0.3911

    0

    Ex_5_-_bfamdl02_64-66__ch2

    Figura 1 Curva de F0 e forma de onda do exemplo (5), com segmentao em enunciados

    Ouvindo o primeiro e o segundo enunciados em isolamento ("t saindo de uma

    garrafinha que tem um bico muito pequeno" e "ento daquela coisa pequeninim nu vai encher

    rpido"), no h dvidas de que os mesmos possuem autonomia prosdica e que, portanto, so

    separados por uma quebra prosdica terminal. No entanto, ouvindo a sequncia completa, fica

    claro que no h pausa silenciosa entre eles. Existe pausa somente entre o segundo e o terceiro

    enunciados ("agora imagina c pega um balde e joga dentro"). Isso pode ser observado na

    Figura 1, em que as linhas pontilhadas indicam os limites entre os enunciados.

    5 Para uma discusso aprofundada dos conceitos de enunciado e frase, veja-se CRESTI (2005).

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    Em suma, todas as pausas silenciosas correspondem a uma quebra prosdica, mas nem

    todas as quebras so realizadas por meio de pausa.

    A relao entre o domnio da ao humana (os atos) e o domnio lingustico (os

    enunciados), denominada critrio locutivo, constitui na maior parte dos casos uma relao

    biunvoca6 e deve-se principalmente prosdia: segundo a TLA, existe uma correspondncia

    entre padres prosdicos de realizao de enunciados e diferentes tipos de ilocuo7. Assim,

    um mesmo contedo locutivo, como Joo foi pro Rio, pode realizar ilocues diferentes

    dependendo da entonao com que for proferido. Essa propriedade pode ser observada nos

    exemplos (6a) e (6b), que veiculam, respectivamente, uma ordem e uma pergunta total.

    Exemplo 68

    (a) Joo foi pro Rio (ordem) (b) Joo foi pro Rio (pergunta total)

    Essa relao tambm se manifesta em grau elevado no nvel interno do enunciado,

    entre as unidades tonais que o constituem e as funes informacionais que podem assumir.

    Por esse motivo, as unidades tonais so tambm, em larga escala, unidades informacionais9.

    Dentre elas, a unidade informacional de Comentrio tem como funo a realizao da

    ilocuo, sendo a nica unidade necessria e suficiente para tal fim. Se um enunciado

    composto exclusivamente pelo Comentrio, tem-se um enunciado simples. Os enunciados

    complexos, por sua vez, so constitudos da combinao da unidade de Comentrio com uma

    ou mais unidades informacionais de outros tipos.

    Na TLA, as unidades informacionais so definidas com base em trs critrios:

    a) critrio funcional: a funo desempenhada pela unidade na articulao da informao;

    b) critrio entonacional: o perfil entonacional, que carrega a funo e pode ser de prefixo, sufixo, raiz ou outros ('t HART; COLLIER; COHEN, 1990);

    c) critrio distribucional: a posio da unidade em relao a unidade de comentrio. Assim, a unidade de Comentrio definida do ponto de vista funcional como aquela

    responsvel pela realizao da ilocuo. Entonacionalmente, deve ser executada segundo

    formas prosdicas especficas que, associadas a fatores pragmticos, sinalizam a ilocuo a

    ser realizada10

    . Do ponto de vista distribucional, uma unidade necessria e suficiente para a

    realizao do enunciado, podendo localizar-se em qualquer posio do mesmo.

    Alm da unidade de Comentrio, Cresti descreve uma srie de outras unidades

    informacionais que podem (a) participar da construo textual do enunciado (unidades

    textuais) ou (b) regular o funcionamento da interao, dirigindo-se diretamente ao interlocutor

    (auxlios dialgicos). Dentre as unidades textuais, destaca-se a unidade informacional de

    Tpico.

    6 A autora assinala a existncia de alguns padres escanso, comentrios mltiplos e estrofe que configuram

    excees ao critrio locutivo. Para referncias a esses casos, vide CRESTI (2000) e RASO (2012). 7 Para um estudo de base experimental mostrando os diversos tipos de ilocuo do italiano e seus respectivos

    perfis entonacionais, vide CRESTI (2000, p. 92-100). 8 Exemplos produzidos em laboratrio.

    9 Uma descrio mais detalhada das unidades informacionais pode ser encontrada em CRESTI (2000) ou em

    numerosos artigos no site do LABLITA. Disponvel em: . Acessado em: 17 de junho

    de 2012. 10

    Para uma descrio detalhada de 32 formas entonacionais de Comentrio do Italiano, veja-se FIRENZUOLI

    (2003).

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    Do ponto de vista funcional, o Tpico a unidade informacional que delimita o campo

    de aplicao da fora ilocucionria. Quanto sua distribuio, o Tpico deve sempre

    localizar-se esquerda da unidade de Comentrio. Essas duas caractersticas podem ser

    observadas no exemplo abaixo, extrado do corpus em construo C-ORAL-BRASIL. Esse

    enunciado exibe uma unidade informacional de Tpico seguida de uma unidade de

    Comentrio.

    Exemplo 7 (bfamdl02)11

    *BAL: [13] as pilhas /=TOP= eu coloquei aqui//=COM=12

    Do ponto de vista entonacional, o Tpico tem perfil de prefixo e pode apresentar, em

    Italiano, trs diferentes formas entonacionais (FIRENZUOLI; SIGNORINI, 2002). Em PB e

    PE, existe ainda uma quarta forma entonacional (RASO; MORAIS; MITTMANN; ROCHA,

    em preparao; ROCHA, 2012) alm daquelas presentes em Italiano. Cada forma

    entonacional contm uma poro necessria, chamada ncleo, associada a um padres de

    movimentos de F0, durao (das slabas e das vogais), intensidade e alinhamento (entre

    movimentos de F0 e slabas). o ncleo da forma entonacional que atribui a funo unidade

    informacional. O ncleo pode ser precedido de uma poro opcional, sem valor

    informacional, chamada preparao. Alm disso, algumas formas entonacionais possuem no

    somente um ncleo, mas dois semincleos que, em conjunto, atribuem a funo unidade

    informacional. Nesses casos, pode haver tambm uma poro opcional de ligao entre os

    semincleos.

    As quatro formas entonacionais de Tpico encontradas so:

    a) Tpico de tipo 1: ncleo com movimento de F0 ascendente-descendente, o qual pode ser precedido por uma poro de preparao. Possui alongamento que inicia

    na ltima tnica e se estende pelas eventuais ps-tnicas. No caso do Tpico de

    tipo 1 terminar com uma oxtona, a tnica alongada para conter tanto o

    movimento ascendente quanto o movimento descendente. A Figura 2 exibe um

    Tpico de tipo 1, com ncleo na palavra finale. A parte em destaque corresponde ao seu ncleo.

    Time (s)

    0.6437 2.229-0.5329

    0.5192

    0

    fig2_-_top1

    di guar ni zio ne fi na le

    i ua i io e i a e

    120

    380

    200

    300

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0.6437 2.229

    fig2_-_top1

    11

    A sigla bfamdl02 indica, segundo a nomenclatura do C-ORAL-BRASIL, o texto do qual o exemplo foi retirado. A primeira vogal refere-se ao corpus (b usado para o corpus de PB e p para o C-ORAL-ROM de PE). As trs letras que se seguem mostram se o domnio do texto familiar/privado ou pblico (fam para familiar/privado e pub para pblico). As duas letras seguintes marcam a tipologia de interao (mn para monlogos, dl para dilogos e cv para conversao). Os dois nmeros ao final da sigla diferenciam cada texto dentre os demais pertencentes mesma tipologia (no exemplo, o 02 diferencia esse texto dos demais dilogos familiares do corpus de PB). 12

    Esse exemplo utiliza os critrios de transcrio adotados pelo C-ORAL-BRASIL. A sigla de trs letras

    precedida de "*" identifica o falante. Os smbolos / e // indicam, respectivamente, uma quebra prosdica no-teminal e uma quebra prosdica terminal. A etiqueta colocada logo aps as quebras prosdicas (no caso,

    =TOP= e =COM=) indica que as unidades tonais que as antecedem so unidades de Tpico e Comentrio,

    respectivamente. O nmero entre colchetes colocado no incio do exemplo o nmero do enunciado no texto.

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    Figura 2: Curva de F0 e forma de onda de Tpico de tipo 1, com segmentao em slabas e vogais

    di guarnizione finale / ci potrebbero essere anche le mele //

    b) Tpico de tipo 2: ncleo com movimento de F0 ascendente. Apresenta alongamento que se inicia na ltima tnica e prossegue nas eventuais ps-tnicas.

    Pode conter uma poro de preparao anterior ao ncleo. A Figura 3 mostra um

    Tpico de tipo 2 com ncleo em qua.

    Time (s)

    0.766 1.601-0.319

    0.343

    0

    fig3_-_top2

    ques to qua

    ue o ua

    120

    380

    200

    300

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0.766 1.601

    fig3_-_top2

    Figura 3: Curva de F0 e forma de onda de Tpico de tipo 2, com segmentao em slabas e vogais

    questo qua / / &he / la testata [/2] la [/1] la schermata che vedi /

    al momento in cui apri il programma / e / e niente +13

    c) Tpico de tipo 3: possui dois semincleos e corresponde a 21% dos casos (FIRENZUOLI; SIGNORINI, 2002). O primeiro semincleo apresenta um

    movimento descendente de F0 (come lei, na Figura 4) e o segundo semincleo contm um movimento ascendente de F0 e possui alongamento (-ra, ltima slaba da palavra sera, na Figura 4). Em Italiano, o segundo semincleo comea na ltima slaba do Tpico, seja ela tnica ou ps-tnica. Em PB e PE, comea na

    ltima tnica do Tpico.

    Time (s)

    0.55 1.951-0.8316

    0.8995

    0

    fig4_-_top3

    co me lei va via la se ra

    o e ei a ia a e a

    70

    370

    200

    300

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0.55 1.951

    fig4_-_top3

    Figura 4: Curva de F0 e forma de onda de Tpico de tipo 3, com segmentao em slabas e vogais

    come lei va via la sera / nell' ascensore 'un c' pi luce //

    Tpico de tipo 4: constitudo de dois semincleos. O primeiro semincleo apresenta

    um ataque com valores extra-altos de F0 seguidos de uma queda brusca (de certa, na Figura 5). O segundo semincleo marcado pelo alongamento da ltima tnica (for-, primeira slaba de forma, na Figura 5) e pode conter um movimento ascendente, nivelado ou descendente de F0.

    13

    Nos critrios de transcrio adotados pelo C-ORAL-BRASIL, o smbolo [/n] indica uma retrao, ou seja, um

    certo nmero de palavras (correspondente a n) que posteriormente reformulado pelo falante. J o sinal +

    mostra que o falante abandona o enunciado.

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    Time (s)

    0.04435 1.09-0.2168

    0.2099

    0

    fig5_-_top4

    d(e) cer ta for ma

    e a o a

    100

    500

    200

    300

    400

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0.04435 1.09

    fig5_-_top4

    Figura 5: Curva de F0 e forma de onda de Tpico de tipo 4 , com segmentao em slabas e vogais

    de certa forma / a bancada evanglica / eles to / muito contra / essa coisa / n //

    Quanto morfossintaxe, o Tpico pode ser constitudo de expresses de variados

    tipos: SNs, SPs, SVs ou mesmo SAdvs (FIRENZUOLI; SIGNORINI, 2002; ALVES DE

    DEUS, 2008; MITTMANN, 2012).

    2.1.1. A Teoria da Lngua em Ato e a abordagem de Pontes

    Como ser observado, existem importantes pontos de contato entre as intuies de

    Pontes e a TLA. Pode-se dizer que as divergncias existentes entre as mesmas devem-se, em

    boa medida, poca em que foram formuladas e, consequentemente, aos instrumentos

    disponveis. Naturalmente, em 1980, Pontes no tinha sua disposio corpora de fala

    espontnea. Os seus exemplos eram coletados de modo assistemtico e analisados com base

    na memria. Na poca, a prpria lingustica de corpus no era to avanada quanto hoje em

    dia, e Pontes no distinguia o conceito de quebra prosdica do de pausa14

    . Finalmente, sua

    viso do comentrio no inclua a funo ilocucionria e, dessa forma, Pontes falava de

    funo predicativa, dentro de um paradigma clssico dos estudos sintticos. Apesar de tudo

    isso, nota-se em Pontes e em Cresti a mesma intuio de fundo, que foi desenvolvida pela

    segunda com instrumentos atuais e dentro de um quadro terico mais completo e apropriado

    para a fala espontnea.

    Para compreender as semelhanas e diferenas entre as propostas, importante

    lembrar que, na viso de Pontes: (a) toda sentena realiza uma predicao; (b) a predicao

    realizada em uma parte da sentena chamada de comentrio, a qual deve possuir uma

    estrutura oracional; (c) o tpico de uma sentena estabelece uma referncia cognitiva para a

    predicao realizada no comentrio; (d) parece no existir uma marcao prosdica

    sistemtica que separe, no interior da sentena, o tpico do comentrio15

    , sendo o pronome

    lembrete um recurso usado para sinalizar, no nvel textual, essa diviso.

    Em contrapartida, a TLA entende que: (a) todo enunciado realiza uma ilocuo; (b) a

    ilocuo realiada em uma parte do enunciado chamada de Comentrio, que no

    necessariamente possui estrutura oracional; (c) o Comentrio pode ser precedido por uma

    unidade de Tpico, com a funo de estabelecer uma referncia cognitiva para a ilocuo; (d)

    h sempre uma quebra prosdica entre Tpico e Comentrio; (e) o que faz que um

    Comentrio realize uma determinada ilocuo no uma caracterstica sinttica ou

    morfolgica, mas sim a sua entoao segundo formas prosdicas que, convencionalmente,

    veiculam a fora ilocucionria.

    14

    Ainda assim, notvel que a autora tenha percebido a existncia de uma variao prosdica presente em

    muitos casos. 15

    Mas, como vimos, Pontes deixa aberta a possibilidade de uma marcao prosdica, afirmando que nem sempre

    h pausa, mas que estudos prosdicos mais aprofundados seriam desejveis.

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    Naturalmente, a semelhana para a qual queremos chamar a ateno no a

    coincidncia na nomenclatura utilizada por Pontes e pela TLA. O que gostaramos de colocar

    em evidncia a semelhana no nvel estrutural entre as unidades mnimas de anlise da fala

    de ambas as teorias. Tanto a sentena, na viso de Pontes, como o enunciado, na viso da TLA

    podem apresentar: i. uma poro nuclear com uma funo especfica (realizar uma predicao

    ou uma ilocuo); ii. uma poro que funciona como referncia cognitiva para a poro

    nuclear e que realizada anteriormente mesma. Na viso de Pontes, os limites entre tpico e

    comentrio podem ser marcados no nvel prosdico por uma pausa, mas essa marcao no

    sistemtica. A TLA, por outro lado, considera que o fluxo do discurso segmentado no por

    pausas, mas sim por quebras prosdicas. Dessa forma, mesmo nos casos em que no existe

    pausa entre as unidades informacionais de Tpico e de Comentrio, a segmentao feita por

    uma quebra prosdica.

    2.1.2. A Teoria da Lngua em Ato e o pronome lembrete

    Ainda que no trate diretamente do problema dos pronomes lembrete, a TLA oferece

    um arcabouo terico que permite levar adiante, com instrumentos novos, a proposta de

    Pontes, promovendo uma anlise inovadora da questo. Utilizando a TLA e os corpora dos

    projetos C-ORAL-BRASIL e C-ORAL-ROM, e tomando a definio de pronome lembrete de

    Pontes, elaboramos uma proposta para explicar o fenmeno. Em seguida, realizamos algumas

    sondagens nos corpora para verific-la. A hiptese, j explicitada na introduo desse

    trabalho, a de que a retomada por pronome lembrete ocorra somente em contexto Tpico-

    Comentrio, com o elemento retomado em Tpico e o elemento que o retoma em Comentrio.

    Essa hiptese vai alm daquela de Pontes, pois pressupe que, em todos os enunciados com

    retomada por pronome lembrete: (a) o elemento retomado sistematicamente separado do

    elemento que o retoma por uma quebra prosdica; (b) o elemento retomado encontra-se em

    uma unidade tonal que sempre realizada de acordo com uma das formas entonacionais de

    Tpico; e (c) que o elemento retomado deve servir, no plano cognitivo, como mbito de

    aplicao da ilocuo realizada no Comentrio.

    O exame prvio de uma amostra do subcorpus16

    no s mostrou que essa hiptese

    plausvel, mas tambm abriu novas perspectivas de investigao. Nessa primeira anlise, alm

    de retomadas por pronome lembrete do tipo mostrado nos exemplos (1a) e (1b) no contexto

    de Tpico e Comentrio, foi tambm encontrada outra forma de retomada no pronominal que

    sofre a mesma restrio prosdica e informacional: a retomada exemplificada em (8), a seguir,

    em que o elemento retomado no por meio de um pronome, mas sim pela sua repetio.

    Exemplo 8 (bfamdl05) *CES: [112] aqui o' /=CNT= aquela ali /=TOP= aquea ali que a Joaquim Nabuco

    //=COM=17

    Naturalmente, seria possvel argumentar que a retomada do SN aquela ali pela sua repetio trate-se, na realidade, de uma mera repetio do contedo locutivo do enunciado,

    devida a alguma incerteza. Contudo, analisando prosodicamente a unidade informacional em

    16

    Uma descrio detalhada do subcorpus utilizado nessa pesquisa pode ser encontrada em RASO e

    MITTMANN (2012). 17

    O Conativo (CNT) uma unidade de auxlio dialgico com a funo de pressionar o interlocutor para que

    cumpra uma ao ou desista dela (CRESTI, 2000).

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    questo, conclui-se que o primeiro aquela ali entoado como um Tpico de tipo 2: como pode ser visto na Figura 6, a poro final da unidade possui um movimento ascendente de F0

    iniciando na ltima tnica, em destaque. Alm disso, a Tabela 1 mostra que a durao da

    vogal da ltima slaba da unidade a vogal alta anterior [i] consideravelmente superior durao das demais. Apesar das medidas de durao no terem sido normalizadas para esse

    trabalho, essa medida pode ser tomada como um forte indcio de alongamento, considerando

    sobretudo que a vogal alta anterior possui uma durao intrnseca menor que as outras vogais

    presentes no Tpico (HAMEL, 1983).

    Figura 6 Espectrograma e curva de F0 do exemplo (8). Curva de F0 em vermelho superposta a espectrograma de banda estreita. Painel final apresenta forma

    de onda em verde e intensidade em azul

    Slaba Durao da slaba (s) Durao da slaba (s)

    por n de fones Durao da vogal (s)

    a .072 .072 .072

    que .196 .098 .076

    la a .121 .060 .099

    li .192 .096 .162

    Tabela 1 Durao das slabas do Tpico do exemplo (8)

    Sendo assim, esse constitui um motivo expressivo para considerar que o caso em

    exame no seja uma mera disfluncia, mas sim uma retomada funcionalmente anloga

    retomada por pronome lembrete.

    Ainda com base nos pressupostos da TLA, possvel compreender outra motivao

    para o uso do pronome lembrete a qual, inclusive, permite entender por que esse tipo de retomada no ocorre em lnguas como o PE. Para compreender essa motivao, cabe lembrar

    que: (a) segundo a TLA, o escopo das regncias sintticas a unidade informacional e (b)

    sendo assim, um constituinte localizado em uma unidade informacional no pode nunca servir

    como argumento de um ncleo (verbal ou no) que se localiza em outra unidade

    informacional. Dessa forma, o pronome lembrete seria uma forma de preencher o argumento

    de sujeito da sentena localizada no Comentrio, o qual, caso contrrio, no seria preenchido.

    De fato, em PE e Italiano, que so lnguas de sujeito no obrigatrio, a tendncia de se

    usar o pronome lembrete parece muito rara. J no PB, que parece estar deixando de ser uma

    lngua de sujeito no obrigatrio com um processo de reduo morfolgica no seu sistema

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    verbal, existiria uma motivao cada vez maior ao uso do pronome lembrete (RAMOS, 1997;

    VITRAL, 1996; VITRAL; RAMOS, 2006).

    Por fim, a anlise do pronome lembrete pela TLA aponta solues para outra questo.

    Em primeiro lugar, considerem-se os exemplos (9a) a (9d).

    Exemplo 918

    (a) A Maria, ela gosta muito de futebol.

    (b) O Jairo, eu estou com o livro dele.

    (c) Eu tenho um primo que ele gosta muito de nadar.

    (d) A menina que eu viajei com ela no est aqui.

    Como foi observado, certos autores da tradio gerativista apontam alguma relao

    entre estruturas de tipo (9a) e (9b) e estruturas de tipo (9c) e (9d). A posio de Galves, nesse

    sentido, significativa pois inclui no rol dos pronomes lembrete ambos os tipos de estrutura.

    A hiptese levantada nesse trabalho a de que estruturas como (9c) e (9d) podem ocorrer

    dentro de uma mesma unidade informacional, constituindo um fenmeno diferente da

    retomada por pronome lembrete.

    2.2. O corpus C-ORAL-BRASIL

    O corpus C-ORAL-BRASIL (RASO; MELLO, 2012) tem como objetivo representar a

    variao diafsica da fala espontnea do Portugus Brasileiro19, com um enfoque diatpico na

    regio metropolitana de Belo Horizonte. Assim, no repertrio de gravaes presentes no

    corpus encontra-se um nmero extremamente reduzido de situaes de entrevistas e bate-

    papo, mas uma ampla variedade de contextos comunicacionais de grande acionalidade. O C-

    ORAL-BRASIL apresenta a mesma arquitetura e os mesmos critrios de segmentao do C-

    ORAL-ROM corpus multilngue de Italiano, Portugus Europeu, Espanhol e Francs , garantindo assim a comparabilidade total com o mesmo. Seus textos so segmentados em

    enunciados segundo preceitos da Teoria da Lngua em Ato, possibilitando uma anlise da

    estrutura informacional do Portugus Brasileiro e de suas ilocues. Alm disso, o corpus foi

    transcrito segundo critrios no ortogrficos, os quais permitem o estudo de uma srie de

    fenmenos lingusticos em curso no Portugus Brasileiro20

    .

    A arquitetura do corpus brasileiro prev uma metade formal e uma metade informal. A

    parte informal, j publicada (RASO; MELLO, 2012) contm 139 textos de aproximadamente

    18

    Esse conjunto de exemplos, agora apresentados como exemplo (9), so o mesmo conjunto anteriormente

    apresentado como exemplo (1). 19

    A ttulo de exemplo, ressaltamos as gravaes de uma partida de futebol entre quatro pessoas (em que os

    informantes esto efetivamente participando do jogo), uma aula de direo, uma situao em que quatro drag

    queens se maquiam antes de uma performance, uma interao entre um engenheiro e um pedreiro executando um

    servio, empregadas domsticas arrumando a cozinha aps o almoo, uma interao entre um vendedor de loja

    de calados e uma cliente, duas mulheres fazendo compras em um supermercado, um garom preparando pizzas

    e servindo-as em uma festa. 20

    A transcrio ortogrfica de um corpus oral impede, por exemplo, em Portugus Brasileiro, o estudo de

    fenmenos como a reduo de formas de diminutivo (sozinho/a > sozim) e demonstrativos (aquela > aquea;

    aqueles > aques; aquelas > aqueas. etc), a lexicalizao de formas aferticas (acabou > cabou; aguentar >

    guentar) e tantos outros fenmenos. Os critrios adotados pelo C-ORAL-BRASIL foram desenvolvidos

    justamente para preservar esses e outros fenmenos. Para uma viso mais aprofundada do problema, vide

    MITTMANN (2012) e RASO e MELLO (2010).

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    1.500 palavras, totalizando 208.130 palavras distribudas em 21h 8m de gravao. Desse

    nterim, 105 textos so do domnio familiar/privado (159.364 palavras) e 34 so do domnio

    pblico (48.766 palavras). Cada um desses domnios tem aproximadamente um tero de

    gravaes de carter monolgico, um tero de carter dialgico e um tero de carter

    conversacional. A metade formal est em construo e, ao final do projeto, o corpus C-

    ORAL-BRASIL contar com um total de 400.000 palavras.

    Apesar do C-ORAL-BRASIL no ter como objetivo representar a variedade diastrtica

    da lngua, uma anlise criteriosa mostra que o corpus extremamente balanceado do ponto de

    vista sociolingustico (RASO, 2012). Com relao distribuio entre gneros, por exemplo,

    o corpus possui 49,64% de informantes do sexo masculino e 50,36% do sexo feminino. De

    forma semelhante, 27,13% do total de palavras presentes no corpus foram proferidas por

    indivduos entre 18 e 25 anos de idade, 30,28% por falantes entre 26 e 40 anos e 31,01% por

    indivduos entre 40 e 60 anos. Com relao ao nvel de escolarizao, h uma predominncia

    de falantes que cursaram o nvel superior. Assim, pode-se dizer que o C-ORAL-BRASIL um corpus que representa a fala culta da regio metropolitana de Belo Horizonte.

    O C-ORAL-BRASIL conta no s com as gravaes e suas respectivas transcries,

    mas tambm com anotaes de cunho morfossinttico e etiquetagem informacional segundo

    os pressupostos da TLA. Alm disso, o corpus possui arquivos de alinhamento texto-udio

    utilizveis no programa WinPitch (MARTIN, 2004). Esses arquivos permitem acessar de

    forma sincrnica qualquer trecho de uma gravao, sua respectiva transcrio e vrios

    parmetros acsticos a ele associados (frequncia, intensidade, durao, movimentos de F0,

    espectrograma, oscilograma e outros). Arquivos de alinhamento so, segundo Moneglia

    (2011), um recurso de importncia sumria para uma anlise da fala, sem os quais o

    pesquisador tende a analisar a diamesia oral com os parmetros da diamesia escrita.

    2.3. O corpus C-ORAL-ROM de PE

    O corpus C-ORAL-ROM, em que se baseia o C-ORAL-BRASIL, trata-se de um

    convnio cujo produto foi um corpus multilngue de quatro das principais lnguas romnicas:

    Italiano, Portugus Europeu, Francs e Espanhol. Foi desenvolvido por uma parceria entre

    quatro universidades europeias, coordenado pela Universit degli studi di Firenze21.

    O corpus da variedade de Portugus Europeu, assim como a das demais lnguas do

    projeto, foi construdo com a mesma arquitetura do C-ORAL-BRASIL, sendo redundante

    uma descrio detalhada de sua estrutura. Ressalta-se, todavia, que a diatopia predominante

    no corpus de Portugus Europeu a lisboeta.

    2.4. Procedimentos metodolgicos

    Para a pesquisa, foram utilizados o subcorpus extrado do corpus C-ORAL-BRASIL e

    um subcorpus extrado do corpus C-ORAL-ROM de Portugus Europeu compostos, cada um,

    por 20 textos, sendo eles: 2 monlogos pblicos (ppubmn02 e ppubmn03), 2 dilogos

    pblicos (ppubdl08 e ppubdl10), 2 conversaes pblicas (ppubcv04 e pfamcv05), 5

    monlogos privados (pfammn03, pfammn10, pfammn12, pfammn14, e pfammn22), 5

    21

    Para maiores informaes sobre o C-ORAL-ROM, vide MONEGLIA (2005).

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    dilogos privados (pfamdl06, pfamdl07, pfamdl14, pfamdl23 e pfamdl24), 4 conversaes

    privadas (pfamcv05, pfamcv07, pfamcv08 e pfamcv09) 22.

    Sendo assim, buscou-se por:

    a) retomadas por pronome lembrete nos subcorpora de PB e de PE; b) retomadas por repetio em enunciados com unidades informacionais de Tpico,

    no subcorpus de PB;

    c) contextos favorveis retomada por pronome lembrete; d) retomadas pronominais em oraes resumptivas no subcorpus de PB; e) restries prosdicas operantes na realizao dos diversos tipos de retomadas

    identificadas anteriormente.

    A identificao de retomadas por pronome lembrete foi realizada de forma

    semiautomtica, valendo-se da funo localizar do editor de textos Writer do pacote BrOffice. Assim, foram procuradas todas as formas de pronomes pessoais previstas pelos

    critrios de transcrio do C-ORAL-BRASIL (eu, tu, ele, e', ela, ea, ns, vs, eles, es, elas,

    eas) e, em seguida, foram identificadas aquelas em contexto de retomada por pronome

    lembrete em posio de sujeito.

    A identificao de casos de retomada de um SN pela sua repetio em enunciados com

    Tpicos foi feita de forma manual. Visto que o subcorpus de PE no possui etiquetagem

    informacional, esse procedimento metodolgico foi aplicado somente ao PB.

    A identificao dos contextos favorveis retomada por pronome lembrete foi feita

    manualmente, com o objetivo de verificar a frequncia com a qual e estratgia efetivamente

    usada em PB. Foram considerados contextos favorveis ao emprego da retomada lembrete os

    enunciados que apresentam (a) um SN na unidade informacional de Tpico (b) uma orao na

    unidade informacional de Comentrio e (c) uma relao anafrica de natureza semntica entre

    algum constituinte da orao em Comentrio e o SN em Tpico. Veja-se o exemplo (9).

    Exemplo 10 (bfamdl02) *BAL: [36] a Estefnia /=TOP= apanhou //=COM=

    Time (s)

    0.02019 1.568-0.2601

    0.2299

    0

    ex10_-_bfamdl02_36_

    a Estefnia /=TOP= apanhou //=COM=

    90

    360

    200

    300

    Pit

    ch (

    Hz)

    Time (s)

    0.02019 1.568

    ex10_-_bfamdl02_36_

    Figura 7 Curva de F0 e forma de onda do exemplo (10), com segmentao em unidades informacionais

    Assim como a TLA entende que no existem relaes sintticas entre constituintes de

    unidades informacionais diferentes, o SN a Estefnia, em Tpico, e o verbo apanhou, em Comentrio, no podem ser vistos como constituintes de uma mesma orao. Uma anlise

    tradicional da orao apanhou, em Comentrio, como aquela proposta por Cunha (1971), classificaria o seu sujeito como um sujeito oculto determinado, ou seja, aquele que no est materialmente expresso na orao, mas pode ser identificado. No caso em questo, existiria

    22

    Na elaborao do subcorpus de PE, encontramos dificuldades para atender aos parmetros desejados. Em

    primeiro lugar, o C-ORAL-ROM Portugus apresenta uma variao de situaes de fala significantemente

    restrita em relao ao C-ORAL-BRASIL, sendo impossvel conseguir uma verdadeira variao diafsica. Em

    segundo lugar, a qualidade acstica do corpus de PE no comparvel quela do C-ORAL-BRASIL.

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    uma relao semntica de correferncia entre o sujeito do verbo apanhar, em Comentrio, e o SN a Estefnia, em Tpico. Mesmo em uma anlise menos tradicional, que classifique a orao "apanhou" de formas alternativas, o fundamental perceber a existncia de uma

    relao semntica de correferncia entre o SN a Estefnia, em Tpico, e algum elemento da orao em Comentrio, os quais no podem ser analisados como sendo constituintes de uma

    mesma orao23.

    3. Apresentao e anlise de dados

    No subcorpus de Portugus Brasileiro, foram encontradas 21 ocorrncias de retomadas

    com pronome lembrete, 9 ocorrncias de retomada por repetio do elemento retomado e 2

    ocorrncias de retomada em oraes relativas.

    A Tabela 2, a seguir, mostra os tipos de retomada encontrados e o nmero de

    ocorrncias para cada tipo. Chamamos a ateno para o fato de que: (a) retomadas de tipo A e

    C so aquelas classificadas por Pontes (1987) como casos de pronome lembrete; (b)

    retomadas de tipo F so aquelas classificadas por Kato (1993) e Tarallo (1983) como casos de

    pronome resumptivo; (c) retomadas de tipo A, C e F so aquelas classificadas por Galves

    (2001) como casos de pronome lembrete.

    Tipo de

    retomada Elemento retomado Elemento que retoma Posio da retomada Freq.

    A SN de ncleo nominal Pronome pessoal Sujeito na orao principal 12

    B SN de ncleo nominal Repetio Sujeito na orao principal 3

    C SN de ncleo pronome

    pessoal Pronome pessoal Sujeito na orao principal 9

    D SN de ncleo nominal Repetio Sujeito na orao subordinada 1

    E SN de ncleo pronome

    demonstrativo Repetio Sujeito na orao principal 5

    F SN de ncleo nominal Pronome pessoal Sujeito na orao relativa 2

    Tabela 2: Tipos de retomada e nmero de ocorrncias

    O Quadro 1 exibe um exemplo de cada tipo de retomada encontrado, destacando, em

    negrito, o elemento retomado e o elemento que o retoma.

    Tipo Exemplo Contedo locutivo

    A 11 *SHE: [72] ento /=PHA= a orientadora /=TOP= ela n quer fazer o papel da coordenadora //=COM= (bpubmn01)

    23

    Em face dessa anlise, conclui-se que o enunciado (10) contm um SN na unidade de Tpico e uma orao na

    unidade de Comentrio, e que o sujeito da orao em Comentrio possui uma relao semntica de

    correferencialidade com o SN em Tpico. Assim, (10) seria um enunciado com contexto favorvel presena da

    retomada lembrete.

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    54

    B 12 *TER: [174] e < outra que /=i-TOP= o' /=CNT= o tio > dele /=TOP= o tio dele fica

    s assim /=INT= gente /=EXP_r= marca essa data //=COM_r= (bfamcv02)

    C 13 *EMM: [257] mas ele /=TOP= principalmente pa mulher /=TOP= ele pode causar

    infertilidade //=COM= (bpubcv01)

    D 14 *DFL: [99] o papai /=TOP= e' decidiu que papai ia ser /=SCA= mdico //=COM=

    (bfammn02)

    E 15 *CES: [112] aqui o' /=CNT= aquela ali /=TOP= aquea ali que a Joaquim Nabuco

    //=COM= (bfamdl05)

    F 16 *CES: [58] a rua que a gente tava nela //=COM= (bfamdl05)

    Quadro 1: Exemplos de cada tipo de retomada

    Observando o Quadro 1, um fato chama ateno entre as retomadas presentes nos

    exemplos de tipo A a E: todas elas ocorrem em contexto Tpico-Comentrio, com o elemento

    retomado posicionado na unidade informacional de Tpico e o elemento que o retoma na

    unidade de Comentrio. Na retomada de tipo F, a situao outra. O elemento retomado (o

    SN a rua) e o elemento que o retoma (o pronome pessoal ela) aparecem em uma mesma unidade informacional, ou seja, linearizados. No que tange essa questo, o quadro

    representativo da situao de todos os exemplos encontrados no subcorpus de PB. Dessa

    forma, os exemplos confirmam a hiptese de que as retomadas por pronome lembrete e por

    repetio so exclusivas do padro Tpico-Comentrio e de que a retomada em oraes

    relativas ocorre de forma linearizada.

    Assim como a retomada por pronome lembrete (tipos A e C) e a retomada por

    repetio (tipos B, D e E) ocorrem no mesmo contexto prosdico (ou seja, elemento retomado

    na unidade de Tpico e elemento que o retoma na unidade de Comentrio), esses dois tipos de

    retomada sero chamados de retomada lembrete.

    Apesar de presente no PB, a anlise de dados revelou que a retomada lembrete no

    adotada na maior parte dos contextos em que se poderia us-la. Por contextos favorveis

    foram considerados os enunciados com (a) um SN na unidade informacional de Tpico (b)

    uma orao na unidade informacional de Comentrio e (c) uma relao anafrica de natureza

    semntica entre o SN em Tpico e algum elemento nominal, pronominal ou preposicional da

    orao em Comentrio24

    .

    No subcorpus de PB, foram encontrados 117 contextos favorveis ao emprego da

    retomada lembrete. Os contextos dividem-se com base na posio sinttica que o elemento

    que retoma poderia ocupar (sujeito, objeto direto) e da orao em que se encaixa (principal ou

    subordinada), da forma que mostra a Tabela 3.

    24

    O enunciado fictcio a Jaqueline /=TOP= acordou cedo //=COM= constitui um contexto favorvel retomada por pronome lembrete uma vez que apresenta: (a) o SN a Jaqueline na unidade informacional de Tpico; (b) a orao acordou cedo no Comentrio; (c) uma relao semntica anafrica entre o sujeito do verbo da orao em Comentrio e o SN em Tpico.

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    Tipo de

    contexto

    Descrio do elemento que efetua a

    retomada

    Contextos

    encontrados Retomadas efetuadas

    Contexto 1 Sujeito na orao principal 102 29

    (retomadas A + B + C + E)

    Contexto 2 Sujeito na orao subordinada 4 1 (retomada D)

    Contexto 3 Objeto direto na orao principal 9 0

    Contexto 4 Objeto direto na orao subordinada 2 0

    Tabela 3: Contextos favorveis ocorrncia de retomada lembrete

    A Tabela 3 nos permite duas observaes interessantes. Em primeiro lugar, de 117

    contextos favorveis retomada, somente 30 apresentam o pronome lembrete, ou seja, 25,6%.

    Considerando somente as retomadas por pronome lembrete (retomadas de tipo A e C da

    Tabela 2), esse percentual ainda menor: 19,6%. Esse percentual, apesar de aparentemente

    significativo, se contrape afirmao de Galves (2001) de que a retomada por pronome

    lembrete seria a estratgia preferencial do PB. Em segundo lugar, os dados presentes na

    Tabela 3 ilustram uma tendncia apontada por Pontes (1987), segundo a qual, embora possvel

    em outros contextos, o uso de pronome lembrete mais frequente nos casos em que o

    pronome se insere na posio sinttica de sujeito da orao.

    As buscas no subcorpus de Portugus Europeu apontam para a raridade dessa

    estratgia nessa lngua, considerando que, nos 20 textos do subcorpus de PE, no foi

    encontrada nenhuma ocorrncia de retomada por pronome lembrete.

    Quanto estratgia do pronome resumptivo em oraes relativas, necessrio

    observar que este um fenmeno presente em todas as lnguas romnicas, pelo menos em

    diastratia baixa, mas frequentemente, como em PB, no registro coloquial25. Esse fenmeno

    normalmente interpretado como uma tendncia a analisar o pronome relativo separando suas

    duas funes: aquela de marcar a subordinao e aquela de marcar o caso. O relativo se

    limitaria, portanto, a marcar a relao sinttica de dependncia, enquanto o pronome pessoal

    marcaria o caso. Isso normalmente interpretado dentro de um quadro maior de passagem

    para uma estruturao menos sinttica e mais analtica, reduzindo em vrios setores a

    complexidade morfolgica originria do latim26.

    Concluses

    Esse trabalho mostrou que a TLA permite uma nova viso acerca do problema do

    pronome lembrete, possibilitando uma compreenso mais profunda das restries prosdicas

    e informacionais operantes na realizao do pronome lembrete. Em suma, os dados aqui

    apresentados confirmam as hipteses de que:

    1) a estratgia da retomada lembrete, seja com um SN pleno (frequentemente uma repetio do SN retomado) seja com pronome, acontece sempre em contextos em

    que o elemento retomado est em Tpico e o elemento que o retoma, em

    25

    No italiano, o fenmeno amplamente observado no chamado italiano popolare ou italiano semicolto. Veja-

    se, na ampla bibliografia que releva o fenmeno, Sabatini (1985); Berruto (1987; 1993); DAchille (1994); e, para as variedades regionais do italiano, todos os captulos de Bruni (1990-1994). 26

    Veja-se Simone (1993).

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    Comentrio. possvel, portanto, que se trate de um fenmeno nico, aqui

    chamado de retomada lembrete.

    2) a estratgia do pronome resumptivo em orao relativa acontece sempre com o pronome linearizado em unidade de Comentrio. Deve ser, portanto, considerado

    um fenmeno diferente da retomada lembrete.

    3) a estratgia de pronome lembrete parece no estar presente em PE e ser, portanto, um trao distintivo do PB. Uma possvel explicao disso a mudana tipolgica

    em curso, segundo a qual o PB estaria se tornando uma lngua no-pro-drop

    (TARALLO, 1993).

    Alm da confirmao dessas hipteses, notamos que, apesar de significativa, a

    retomada com pronome lembrete no ocorre sistematicamente, nem mesmo

    preferencialmente, nos contextos em que poderia ocorrer.

    The resumptive pronoun and the Language into Act Theory: a corpus based study ABSTRACT: This article proposes a new approach to resumptive pronouns (ReP) in Brazilian Portuguese (BP),

    derived from the framework of the Language into Act Theory and analysis based on the C-ORAL-BRASIL for

    BP and the C-ORAL-ROM for European Portuguese (EP). Resumption in sentences like A Maria, ela gosta de futebol was found to only occur in prosodically and functionally marked contexts in BP. In EP, this kind of construction was not found. Another kind of resumption was also found, realized through the repetition of the

    resumptive element (A Maria, a Maria veio) is subject to the same constraints as the ReP. Lastly, the analysis evidenced that the resumption in relative constructions is subject to different constraints.

    Keywords: resumptive pronoun; Language into Act Theory; corpus. Referncias

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    Data de envio: 22/03/2013

    Data de aprovao: 02/12/2013

    Data de publicao: 15/04/2014