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O Professor, seus Saberes e sua Identidade
Edilaine Vagula
Universidade Estadual de Londrina Resumo:
Estudiosos da temática Formação de Professores vêm assinalando para a necessidade de reformulação da configuração atual de oferta de cursos de formação, como a possibilitada em Cursos de Pedagogia. Esses têm sido, também, os sentidos dos pronunciamentos de entidades nacionais, como os da ANFOPE e da ANPEd. O presente trabalho busca analisar e refletir a urgência quanto à reforma da configuração atual de oferta dos cursos de formação de professores. De modo geral, os autores convergem quanto à importância de se considerar a prática pedagógica do professor, como fonte de sua formação, porque esta permite que construam e (re) construam seus saberes. A formação do professor assume a condição de ser contínua quando esta se dispõe de estratégias que lhes possibilitem a reflexão crítica sobre sua prática, desafiando à reelaboração dos saberes profissionais adquiridos em sua formação inicial pela prática vivenciada. Porém o que se tem verificado é que o professor no desempenho cotidiano, por conta das múltiplas tarefas, acaba distanciando-se dos saberes adquiridos na sua formação inicial e dos produzidos pela sua própria experiência, seja porque estes culturalmente não são/foram valorizados, seja pela ausência do desenvolvimento de estratégias eficientes de interpretação e reflexão ao longo de sua formação profissional. Palavras-chave: Formação de Professores; Construção de Saberes Docentes; Identidade Profissional.
Introdução
A Formação de Professores vem constituindo-se, principalmente a partir da década de
1990, em uma das temáticas mais investigadas na área da Educação, orientadas, por vezes, pela
produção internacional, na qual se fundamentam para investigar os conhecimentos adquiridos
pelo professor, sejam aqueles provenientes do exercício profissional, sejam os de sua formação
inicial ou continuada.
É necessário lembrar, entretanto, que apenas nesta década é que despontaram novos
enfoques para compreender a prática pedagógica e seus saberes relacionados, os quais passam a
considerar como complexa essa prática, bem como a resgatar seu papel face à formação dos
demais saberes do professor. Com isso, os saberes provindos da prática ganharam força e
valorização. Pesquisadores e professores começaram, desde então, a perceber a importância,
tanto de sua auto-formação, pela reflexão de suas práticas, quanto da necessidade de
reelaborarem seus saberes acadêmicos iniciais. O movimento que vem se desenvolvendo
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permite registrar que esses saberes passaram a ser legitimados pela comunidade e que a própria
produção teórica começa a acolher uma epistemologia prática (GRILLO, 2000, p. 76).
Essa legitimação acerca das teorias geradas na e pela ação docente, defendida por muitos,
permitiu-nos identificar autores como Schön (1992); Shulman (1986; 1987); Nóvoa (1992;
1995); Zeichner (1993) e Tardif (2000; 2001; 2002), os quais têm servido de suporte para a
maioria das produções técnicas, artigos, livros, comunicações, conferências e pronunciamentos
de autores brasileiros, como pode ser verificado pela incidência da presença de suas obras nas
referências bibliográficas destes autores.
Nóvoa (1995, p. 27) ressalta que a relação dos professores [com o] saber constitui um dos
capítulos principais na história da profissão docente: os professores são portadores (e
produtores de um saber próprio ou são apenas transmissores e reprodutores) de um saber
alheio? O saber de referência dos professores é fundamentalmente científico ou técnico? O
autor destaca que é na resposta a estas e muitas outras questões [que] encontram-se visões
distintas da profissão docente e, portanto, projectos contraditórios de desenvolvimento
profissional (p. 27-28).
Na visão tradicional sobre Formação de Professores, o professor é especializado no
conhecimento específico da disciplina sob sua responsabilidade, sendo sua prática pouco
valorizada. Entretanto, hoje, o professor não pode ser mais compreendido como um mero
transmissor de conhecimentos, que exerce sua prática pedagógica de modo repetitivo, que
traduz conhecimentos específicos e fragmentados, a partir do discurso científico das ciências da
educação. Podemos, sim, concebê-lo como produtor de saberes, dado que os saberes
provenientes da sua experiência devem ser considerados, quando analisada a sua competência
profissional. Tal pressuposto encontra fundamento nas leituras e reflexões que realizamos a
partir do texto de Tardif (2002), que caracteriza o saber docente como múltiplo e pluriorientado
por diversos saberes, originados dos saberes curriculares, das disciplinas, do exercício
profissional e da experiência pessoal.
Essa renovação de olhares sobre o professor e sua formação nos permitiu centrar,
especialmente em Tardif (2002), que tem uma posição contrastante com a tradicional, na qual o
trabalho do professor é comumente compreendido como permeado por diversos saberes de
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outros, como se estes não pudessem, nem devessem ser produzidos pelos próprios professores
(p. 236).
Para Tardif (2002, p.228), os professores de profissão possuem saberes específicos que
são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas. O
professor, dadas as circunstâncias e contextos de e para o seu exercício profissional, interage
constantemente com os elementos ou atores principais e contextos envolvidos no processo
ensino-aprendizagem. Essas experiências possibilitam-lhes construir conjuntos de saberes sobre
cada um, os quais orientam suas práticas. É necessário, entretanto, lembrar que esses saberes
que têm por fonte sua experiência são influenciados pela organização institucional e que esta,
ocasionalmente, contribui, por suas ações e normas (currículos, programas, planos etc.), para o
distanciamento entre os saberes da própria experiência enquanto professores e os saberes
obtidos em sua formação inicial ou continuada.
Nos últimos vinte anos, a produção específica sobre o tema Formação de Professores vem
enfatizando as modalidades de saberes mobilizados pelos professores eficientes, durante a sua
ação em sala de aula. Autores como Raymond e Tardif (2000) partem do princípio de que o
trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modificando, com o passar do tempo, o seu
saber trabalhar (p. 212).
Como pressuposto do presente trabalho, assumimos a posição de considerar os professores
como profissionais que constroem, adquirem e desenvolvem múltiplos saberes a partir de sua
prática, ou seja, pelo exercício de suas funções e papéis, os quais contribuem para a sua
competência profissional. Baseamo-nos, para tal, especialmente em Tardif (2002), quando
sugere que olhemos o professor como um ator competente e sujeito ativo, cercado de saberes,
que, em seu desempenho, freqüentemente, depara-se com situações problemáticas para as quais
não basta a simples aplicação de conhecimentos oriundos das ciências da educação, ou de
saberes específicos ao conteúdo que desenvolve em sua disciplina. Para solucioná-las, o docente
necessita de saberes que emergem das múltiplas interações entre as fontes de seus saberes, que,
como assinalamos, são de origem e natureza diversas. Admitimos que, se, por um lado, o
professor, como profissional, deve conhecer profundamente o conteúdo disciplinar sob sua
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responsabilidade e os referentes às ciências da educação, por outro, deve aprimorar esses
conhecimentos “pelo” e “no” exercício de suas práticas cotidianas na escola.
O processo de Formação de Professores, em nossa opinião, inspirada em Nóvoa (2001),
deve ser compreendido como um ciclo que vai desde o ingresso de cada professor na escola,
enquanto aluno, até o final de sua trajetória profissional. Daí a importância da investigação e a
análise de suas práticas pedagógicas precisar ocorrer com sua parceria e colaboração, a fim de
que se elimine a tradicional e histórica separação entre a teoria e a prática docente, ou, em
outras palavras, entre o conhecimento produzido pela academia e o saber trabalhar. A
Formação do Professor (inicial e continuada), vista sob esta perspectiva, implica a valorização
da autoformação e da reelaboração dos saberes profissionais pela prática vivenciada. Esses
saberes compreendem, para Tardif (2001, p. 112), os saberes, saberes-fazer, competências e
habilidades que servem de base ao trabalho dos professores no ambiente escolar.
Tardif (2002), ao analisar algumas das conseqüências práticas e políticas da pesquisa
desenvolvida em centros superiores e em universidades, adverte que a pesquisa não pode ser
privilégio de pesquisadores dessas unidades de ensino, visto compreender que os professores
devem ser considerados enquanto sujeitos produtores de conhecimento e não apenas como
cobaias e colaboradores (p. 238). Tal posição, assumida por Tardif (2002), assenta-se em
conclusões de pesquisas: após vinte anos de pesquisa, conclui-se que os saberes dos professores
se baseiam em sua experiência na profissão e em suas próprias competências e habilidades
individuais (p. 239).
Como pano de fundo dessa perspectiva, sobre os saberes dos professores, está a de
perceber os professores como atores competentes e sujeitos ativos como foi bem assinalado por
Tardif:
Se assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes, sujeitos ativos, deveremos admitir que a prática deles não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática (2002, p. 234).
Por conseguinte, há que renovemos (TARDIF 2002, p. 230) as visões comuns a respeito
do ensino. Para tanto, o autor sugere, quanto às produções e saberes produzidos em pesquisas,
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que devemos recolocar a subjetividade dos professores no centro das pesquisas sobre o ensino.
Adverte, ainda, para que se pare de considerar os professores como técnicos que aplicam
conhecimentos produzidos por outros ou como agentes sociais apenas submetidos a mecanismos
de forças sociais. O professor precisa ser visto, no que concordamos com Tardif, como um ator
que assume a prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui
conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade (2002, p. 230), os quais
estruturam e orientam suas ações.
Esse saber trabalhar, específico ao exercício, deve ser levado em conta pela
academia, preocupada em produzir o saber sobre a sala e as escolas, como bem destacado, a
nosso ver, por Zeichner:
A academia precisa não só valorizar o trabalho e a produção do professor, mas considerá-lo parceiro e colaborador nas questões sobre o ensino, pois é ele que intervém, acompanha, conduz, cria, reformula e aperfeiçoa as condições e os estímulos mediadores para o processo de construção do conhecimento pelo aluno (apud GARRIDO 2001, p. 138).
Tal posição e perspectiva, quando adotada pela academia, conforme Garrido (2001), pode
tornar possível a transformação da escola em um espaço de desenvolvimento pessoal,
profissional e organizacional, além de possibilitar a mudança das práticas pedagógicas, ao
instigarem o professor a ser produtor de conhecimentos práticos sobre o ensino, propiciando-lhe
condições para aperfeiçoar-se profissionalmente, levando em conta que a sua vida pessoal e
profissional inscreve-se em sua trajetória profissional, a qual configura significados às suas
experiências docentes. A ação pessoal e profissional não é apenas de origem individual, mas
coletiva, dado que o professor é um indivíduo inserido num contexto histórico-cultural.
Mas se é dessa envergadura a complexidade dos saberes envolvidos para o professor
ensinar, como as instituições formadoras desse profissional devem agir?
Para Tardif (2002), o principal desafio que essas instituições devem enfrentar é o de abrir
um espaço maior para os conhecimentos dos práticos dentro do próprio currículo, e assim o
justifica: vivemos de teorias, sendo que estas muitas vezes construídas por profissionais que
nunca atuaram numa sala de aula (p. 241).
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Nesse mesmo sentido, há que, nos demais projetos de formação profissional, serem
valorizadas as experiências pessoais e profissionais, assim como o cotidiano escolar como
espaço de construção coletiva de saberes, de qualificação docente. De fato, consideramos, pelo
menos no que se refere à Formação Inicial, há que se ampliar a formação prática, ao longo da
oferta do currículo, e não apenas limitada às disciplinas de Estágio. É desejável, nessa
perspectiva, que o currículo propicie situações práticas para os acadêmicos, nas quais a reflexão
crítica tenha como fonte a teoria e o cotidiano escolar, no qual, futuramente, esses alunos devam
trabalhar.
Essa nossa posição apóia-se, de novo, em Tardif (2002, p. 241), quando afirma: Se o
trabalho dos professores exige conhecimentos específicos à sua profissão e dela oriundos,
então, a formação de professores deveria, em boa parte, basear-se nesses conhecimentos. A
competência profissional envolve, dessa forma, o domínio de conteúdos específicos, como o
entendimento das relações entre os saberes teóricos e os das atividades da prática.
Se os saberes da prática dos professores precisam ser valorizados, é importante que se
criem, por um lado, oportunidades para que atuem de forma autônoma, e, por outro, que desde a
sua formação inicial, enquanto profissional, possa lançar um novo olhar sobre a construção de
seus saberes e das relações que estabelece com cada um, para que possa integrá-los. É nesse
sentido que lembramos de Ramos (2001), quando adverte:
Enquanto persistir a visão de professores como uma mera peça de engrenagem do sistema educativo, suscetível de ser modificada em função de planos realizados centralizadamente, a instituição dedicada à sua formação manterá um modelo de formação como “adequação” na qual mais que formação busque-se conformação (RAMOS, 2001, p. 26).
Os saberes profissionais dos professores estão diretamente ligados a uma dimensão
temporal (RAYMOND E TARDIF, 2000), ao serem adquiridos também no âmbito da sua
carreira de magistério. As bases desses saberes profissionais parecem constituir-se no início da
carreira, nos três ou cinco primeiros anos, quando ocorre, freqüentemente, o confronto com a
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realidade da sua profissão. É nessa fase, segundo esses autores, que o recém-professor sente a
necessidade de ser aceito também pelo seu círculo profissional (alunos, colegas, diretores, pais
de alunos etc.) e precisa assumir diferentes papéis. Em seguida,
Os professores passam então para uma segunda fase que corresponde à iniciação no sistema normativo informal e na hierarquia das posições ocupadas na escola e, numa terceira fase, corresponde à descoberta dos alunos “reais” pelos professores, que não correspondem à imagem esperada ou desejada (RAYMOND e TARDIF, 2000, p. 227).
Após essas experiências, é que o professor passa para uma fase de estabilização e
investe, em longo prazo, na sua profissão, o que, na maioria das vezes, é reconhecido por sua
comunidade escolar. Passa, então, segundo esses autores, a centrar mais seu trabalho em si e não
na matéria e nos alunos, o que ocorre em função de sua trajetória profissional, a partir das
condições do exercício da profissão. Raymond e Tardif (2000, p. 228), ao concluírem a
descrição dessas fases, assinalam o fato de que no início da carreira a estruturação do saber
experiencial é mais forte e está ligada à experiência do trabalho, a qual proporciona certezas em
relação ao contexto do trabalho, como meio de integração ao ambiente profissional. Nesse
período de sua trajetória profissional, os professores começam a julgar sua formação
universitária e a sentir, na maioria dos casos, que não foram preparados para enfrentar as
condições de trabalho. Entretanto, há que se informar que, na maior parte dos programas de
formação inicial, além da precária competência no manejo dos conteúdos que se nota nos
recém-formados, há limitações pessoais consideráveis quando se observa o modo pelo qual eles
enfrentam os embaraços que ocorrem no cotidiano escolar (INFORSATO, 2001, p. 95).
Há que se diminuir, por conseguinte, o distanciamento, ou mesmo os conflitos, que
possam ocorrer entre os saberes dos acadêmicos e os saberes dos professores em ação,
produzidos no exercício de suas tarefas cotidianas. Para tanto, Fiorentini, Souza Jr. Melo (2001)
apresentam dois modelos contrastantes de formação de professores: o técnico, centrado na
transmissão de conhecimentos, por cursos de atualização, e o que viabiliza estratégias que
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possibilitem ao professor construir uma autonomia intelectual/profissional que o habilite a
atuar como agente ativo/reflexivo que participa das discussões/investigações e da
produção/elaboração das inovações curriculares que atenda aos desafios sócio-culturais e
políticos do seu tempo (p. 310). Trabalhos, como por exemplo, o de Fiorentini; Souza Jr. Melo
(2001), conclamam professores para a importância de uma atitude investigadora, de uma prática
crítica reflexiva, que lhes possibilitem repensar a prática pedagógica, além de lhes proporcionar
condições de contribuírem para a construção de novos saberes acadêmicos, novas teorias e
metodologias.
O distanciamento dos conhecimentos acadêmicos vivenciados por professores ao longo
de sua trajetória profissional gera uma fase que, segundo Raymond e Tardif (2000), leva a uma
ressignificação quanto às expectativas e percepções anteriores, além de afetar a maneira de ver e
compreender o ambiente de trabalho. O descompasso entre os ideais missionários, elaborados
freqüentemente durante a formação, e a realidade do cotidiano escolar levam muitos a pensar
que escolheram inadequadamente sua profissão. Tais contextos, criados por esse descompasso,
levam a que os profissionais experienciem o que Veenman (apud INFORSATO, 2001, p. 23)
caracterizou como choque da realidade.
A construção gradual de sua identidade profissional advém da tomada de consciência
em relação aos diferentes elementos que fundamentam a profissão e sua integração na situação
de trabalho leva à construção gradual de uma identidade profissional (TARDIF, 2000, p. 229).
Quanto às características do saber profissional dos professores, Sarmento (1994, p. 56)
lembra-nos ainda que este se constitui em um saber articulado e sistemático, propiciado na fase
de aquisição, em um processo escolar cada vez mais prolongado e especializado, de saberes
teórico-práticos no domínio das ciências da educação, além dos relativos ao processo de sua
socialização profissional, fruto, em parte, de sua experiência como aluno.
Contudo, com o passar do tempo, os professores aprendem a estabelecer outras relações
com esses saberes. O domínio, quanto ao seu trabalho, leva, segundo Tardif (2000), a uma
abertura em relação à construção de suas próprias aprendizagens, criando uma maior segurança
e sentimento de estar sendo capaz de realizar suas funções. Por conseguinte, a trajetória
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profissional de professores compreende, além do domínio do saber-fazer, saber-como, o do
bem-estar pessoal do professor em fazê-lo. Como afirma esse autor:
A experiência do trabalho docente exige um domínio cognitivo e instrumental da função, ela também exige uma socialização na profissão e em uma vivência profissional através da qual se constrói e se experimenta pouco a pouco uma identidade profissional (p. 239) (grifos nossos).
Então, quais devem ser os saberes fundamentais à profissão docente e à natureza desses
saberes nos processos de produção e investigação da prática pedagógica?
Fiorentini; Souza Jr. e Melo (2001, p. 311) destacam no quadro de dificuldades
crescentes a problemática da formação dos professores e criticam a evolução das pesquisas, que
apenas valorizam os estudos dos saberes docentes na formação dos professores. Identificam,
como assim o fizeram Tardif e outros, o problema do distanciamento entre os saberes científicos
praticados, produzidos pela academia, e aqueles praticados/produzidos na prática docente. Esses
autores apoiam-se em Shulman (2001), quando respondem à questão relativa aos saberes
fundamentais para o exercício da profissão docente e assinalam que o professor precisa dominar
o conteúdo do saber escolarizado com o qual trabalha, e deve ter autonomia intelectual para
produzir conhecimento, concluindo quanto à importância da reflexão epistemológica por parte
do professor.
Para Fiorentini; Souza Jr. e Melo (2001), é importante, na busca de respostas a essa
questão, que concebamos o professor como um profissional reflexivo e investigador da sua
prática, como o propõe Shulman, em 1986. Os autores servem-se, para tal, da metáfora de
Shulman (1986, p. 6), qual seja a de recuperarmos o paradigma perdido. Devem, os
professores, para tanto, conforme Shulman (1986, p. 9-14), atribuir importância tanto à
reflexão teórica e epistemológica e aos tipos de conhecimento (de conteúdo específico,
pedagógicos e curriculares), quanto às formas de representar esses conhecimentos. Apenas
com esses conhecimentos e compreensão, o professor poderá vir a ter autonomia intelectual
para produzir seu próprio currículo. Essa é a condição, segundo Fiorentini; Souza Jr e Melo
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(2001), para que possa constituir-se em mediador entre o conhecimento historicamente
produzido e o conhecimento escolar a ser apropriado, reelaborado e construído por seus
alunos. Entenda-se, aqui, o que esses autores caracterizam como conhecimento curricular: o
que diz respeito ao currículo específico e conexo às disciplinas que ministra, compreende a
organização e estruturação dos conhecimentos escolares aos seus respectivos materiais (p. 319).
É, dessa forma, que entendemos que o professor, ao repensar o seu próprio fazer
pedagógico, pode vir a (re)construir novos saberes que lhe possibilitem uma prática pedagógica
baseada na autonomia e na mobilização.
Pode-se concluir, então, que a formação do professor caracteriza-se como um processo
contínuo, a qual não se reduz somente à formação inicial. Compreendemos como Ribas (2000,
p.38) que:
A formação inicial não é uma fase completa na vida do professor e sim uma primeira etapa: no entanto se ela preparar bem (desenvolvendo atitudes de disposição para o estudo, para a busca de referências na prática e para a investigação) o professor transporá os obstáculos do cotidiano escolar e terá maior segurança nas decisões, principalmente na fase de socialização que ocorre no ambiente de trabalho (p. 38).
Se a ação pedagógica exige uma complexidade de dimensões, as pesquisas, relativas à
temática da Formação de Professores, vêm assinalando que a profissão docente tem sido
reduzida a um conjunto de competências e capacidades, dadas as práticas presentes em cursos
de formação, isto é, tais práticas têm-se centrado na dimensão técnica da ação pedagógica.
A crise de identidade (NÓVOA, 1995, p. 15) pela qual a profissão passa, devido à
separação entre o eu pessoal e o eu profissional do professor, vem sendo, continuamente,
apontada. Ora, se a identidade corresponde à maneira de ser e estar numa profissão, e é
construída ao longo da vida e do exercício profissional, por conseguinte, sujeita à influência das
características pessoais e da trajetória profissional de cada um, como descrito por Nóvoa (1995),
questões como as relativas à autonomia para esse exercício parecem ser imprescindíveis.
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É nesse sentido que Nóvoa (1995) adverte: o processo identitário passa também pela
capacidade de exercermos com autonomia nossa actividade, pelo sentimento de que
controlamos o nosso trabalho (p. 15).
Conclusão
O professor, ao desenvolver sua prática cotidiana, utiliza-se de procedimentos sobre os
quais, na maioria das vezes, nunca refletiu, porém almeja resultados positivos com seus alunos,
os quais são atingidos, dadas as circunstâncias comuns e repetitivas. Quando surgem situações
novas, são exigidas respostas inéditas, as quais precisam ser formuladas rapidamente por parte
do professor. Conseqüentemente, a competência para o professor tomar decisões
[...] depende da leitura que ele faz da realidade naquela ocasião e é influenciada por múltiplas combinações: características pessoais e estado emocional momentâneo, características de cada aluno e do grupo, domínio de conteúdos, preparação daquela aula e, ainda, o habitus (GRILLO, 2000, p. 78).
Grillo (2000), em seu texto O lugar da reflexão na construção do conhecimento
profissional, após analisar a singularidade da situação de ensino, por ser o cotidiano da sala de
aula sempre instável e exigir do professor a reintegração de cada situação problemática (p. 75),
aponta para a responsabilidade do professor, quanto à tomada de decisões. Para a autora, na
construção do conhecimento prático profissional, o professor necessita ser um pesquisador que
questiona o seu pensamento e a sua prática (p. 75), para poder tomar decisões e criar respostas
adequadas para a situação concreta do seu fazer.
Se o conhecimento profissional dos professores é plural (TARDIF, 2000, p. 54) e se a
atividade docente deve ser pensada no plano pessoal e profissional (NÓVOA, 1995), as
situações com as quais o professor se defronta em seu cotidiano não são facilitadoras para rever
sua prática e poder atuar sobre sua própria formação. Nesse sentido é que Nóvoa (1995) assinala
que a intensificação do trabalho docente nas escolas, o aumento dos dispositivos de controle e a
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avaliação na instituição ou no contexto da progressão na carreira, entre outras, criam contextos
inadequados para que o professor reveja e analise sua prática e sua autoformação, por
diminuírem as condições para o professor refletir.
O professor, como qualquer outro profissional, vive um processo histórico, caracterizado
por mudanças contínuas e pela presença de produtos sociais, por exemplo, que emergem da
tecnologia da informação, para os quais nem sempre está preparado para participar e intervir.
No entanto, ainda encontramos sistemas de ensino amarrados a práticas tradicionais, como se as
zonas indeterminadas da prática não fossem caracterizadas pela incerteza, singularidade,
conflitos de valores (GRILLO, 2002, p. 76). A ausência de espaços para a construção de
conhecimentos críticos levam alguns contextos escolares a inviabilizarem a prática reflexiva
sobre os saberes teóricos e práticos.
The Professor, its Knowledge and its Identity
Abstract:
Studious of the thematic Formation of Professors they come designating for the necessity of reformularization of the current configuration of offers of formation courses, as the made possible one in Courses of Pedagogia. These have been, also, the directions of the uprisings of national entities, as of the ANFOPE and the ANPEd. The present work searchs to analyze and to reflect the urgency how much to the reform of the current configuration of it offers of the courses of formation of professors. In general way, the authors converge how much to the importance of if to consider practical the pedagogical one of the professor, as source of its formation, because this allows that they construct e (re) construct its to know. The formation of the professor assumes the condition of being continuous when this if makes use of strategies that make possible them the critical reflection on practical its, defying to the rework of knowing professionals to them acquired in its lived deeply initial formation for the practical one. However what if they have verified he is that the professor in the daily performance, for account of the multiple tasks finishes distanciando itself to know acquired them in its initial formation and produced them for its proper experience, either because these culturally do not são/foram valued, either for the absence of the development of efficient strategies of interpretation and reflection throughout its professional formation. Keywords: Formation of Professors; Construction To know Professors; Professional Identity.
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Rua Jerusalém, 99 – Bloco 02 – apto. 603 Residencial do Lago III – CEP: 86.061-570 - Londrina-PR e-mails: [email protected] [email protected]